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MÉTODOS DE EXEGESE BÍBLICA

I - INTRODUÇÃO:

Este é um curso introdutório destinado aos interessados no


conhecimento teórico de alguns métodos utilizados no trabalho exegético.
Este curso parte do pressuposto de que não existe um método
absolutamente ideal ou correto. De fato, os métodos são sempre criados
pelos próprios interessados na interpretação de textos.
O método exegético é escolhido em conformidade com os objetivos de
cada intérprete. Isto significa dizer que o método mais apropriado para se
alcançar resultados de reflexão existencialista na exegese de um texto é um
método filosófico, mesmo que orientado por instrumentos psicológicos ou
psicanalíticos, ou, quem sabe, de outra ordem. Para quem busca resultado
que reflita uma pesquisa sócio-cultural, não se valerá de método literário. O
método literário estruturalista, por exemplo, não é adequado para quem se
interessa por uma exegese histórico-crítica.
Este curso não abordará extensiva e profundamente o tema da
exegese, mas dará uma necessária informação sobre recursos para obtenção
de resultados exegéticos.

II - TAREFAS DA TEOLOGIA

Na prática da ciência teológica, como em qualquer ciência,


apresentam-se tarefas a serem cumpridas pelo teólogo. Para os fins desta
apresentação sobre os métodos de exegese, apresentam-se, no mínimo, três
tarefas gerais executadas no trabalho teológico: a tarefa hermenêutica, a
tarefa crítico-construtiva e a tarefa dialógica (LIBANIO & MURAD, 1996. Pág.
335). Essas três tarefas, absolutamente ligadas ao trabalho exegético, têm
função preponderante no trabalho teológico.

2.1. A TAREFA HERMENÊUTICA

Toda ciência procura interpretar os fatos do seu estudo. A ciência


teológica, por sua vez, realiza um trabalho eminentemente interpretativo,
hermenêutico. Os dados da considerada revelação são estudados e
interpretados em face de uma situação humana. Neste contexto, a
empreitada teológica objetiva esclarecer a compreensão humana sobre a
divindade.
Na compreensão de Paul Tillich, a teologia apoia-se em dois pilares: a
verdade da revelação e a interpretação dessa verdade. Esses dois aspectos
estão vinculados a uma compreensão da situação em que o homem se
encontra no dado momento em que deverá receber a mensagem da
revelação. Na verdade, é um tripé: verdade, interpretação e situação. O
teólogo precisa conhecer esses três fatores se quiser conseguir êxito na
tarefa hermenêutica. Para Tillich, a
Situação, como um pólo de todo trabalho teológico, não se refere ao
estado psicológico ou sociológico no qual os indivíduos e os grupos
vivem. Ela se refere às formas científicas e artísticas, econômicas,
políticas e éticas,1 nas quais se exprimem as suas interpretações da
existência. A “situação”, à qual a teologia deve falar com relevância,
não é a situação do indivíduo como indivíduo e não é à situação do
grupo como grupo. Teologia não é nem pregação, nem aconselhamento
(TILLICH, 1987. Pág. 13-14).

Por esta perspectiva, consulta-se a situação do homem para se


conhecer as suas perguntas existenciais e só assim podem ser apresentadas
respostas teológicas a esse mesmo homem. Não é uma atividade de
interpretação da mensagem por si, mas antes uma interpretação da
mensagem porque perguntas lhe foram feitas de antemão. Este é o chamado
método da correlação, no qual as induções existencialistas parecem estar
bem presentes. E, desde que “O lugar social condiciona o lugar
hermenêutico” (LIBANIO & MURAD, 1996. Pág. 338), isso significa dizer que
toda interpretação de uma situação terá sempre a marca da subjetividade de
quem foi afetado por inúmeros fatores no processo de contato. Toda
hermenêutica encontra-se, pois, condicionada.

2.2. A TAREFA CRÍTICO-CONSTRUTIVA

Duas funções básicas são da teologia: a função de criticar e a de


construir ou reconstruir. Essas duas funções precisam caminhar juntas.
Nunca dissociadas. A crítica sempre deve visar à (re)construção; nunca à
destruição. A crítica deve acontecer para desconstruir; nunca para destruir
apenas. Desconstruir para, em seguida, (re)construir.
Este é o momento no qual o teólogo, já tendo chegado à interpretação
do texto, instala uma nova perspectiva sobre a própria situação humana.
Situação esta que apresenta questões que orientam a busca de respostas na
interpretação do texto.

2.3. A TAREFA DIALÓGICA

Chama-se dialógica a tarefa teológica que se refere à comunicação


entre o teólogo e seu interlocutor. Pode-se dizer que esta tarefa acontece
concomitantemente ao momento crítico-construtivo. Não há como isolar
essas duas tarefas teológicas. No momento em que uma acontece, a ação das
outras, em maior ou em menor escala, é vigente. É no instante dialógico que
o teólogo responde, propriamente, às questões captadas no contato com a
situação do mundo.
O ponto marcante deste trabalho teológico é a sua dinamicidade. As
três tarefas teológicas2 aqui apresentadas estão envolvidas em um processo
que resulta numa atualização da revelação no ambiente do intérprete.

1
Itálico nosso.
2
Para uma leitura mais extensa e mais aprofundada sobre as tarefas teológicas, ler LIBANIO & MURAD.
III – PRINCÍPIOS DE INTERPRETAÇÃO

Os princípios de interpretação, chamados neste trabalho de


“norteadores”, são nomeados por Batista Mondin, teólogo católico, de
“Princípios Supremos” (MONDIN, 1986. Pág. 10)3.
Princípios Norteadores são aqueles que dirigem conceitual e
metodologicamente o intérprete no trabalho teológico.
Especificamente, dois são os Princípios Norteadores: Arquitetônico
e Hermenêutico. O primeiro possibilita o referencial teórico e o segundo, o
referencial metodológico.

3.1. PRINCÍPIO ARQUITETÔNICO

O Princípio Arquitetônico é um mistério fundamental da revelação que


absorve a compreensão do teólogo. Uma verdade que mais brilhe na mente
do hermeneuta. Esta verdade faz o coração arder e ser cheio de alegria; dito
desta forma parece enfocar um aspecto consideravelmente subjetivista.
Saliente-se ainda que o entendimento do Princípio Arquitetônico como
“mistério” é passível de questionamento visto incorrer em um juízo relativo à
condição particular de cada hermeneuta. Aquilo que para alguns pode ser
considerado como “mistério”, para outros pode ser considerado apenas como
um assunto de difícil compreensão. E isto se dá não pelo assunto ser um
“mistério” em si, mas por se tratar das limitações epistemológico-teológicas
do tal intérprete. Muitos podem ter uma verdade como mais forte no seu
sistema de interpretação do que em outro sistema teológico. O fator
“mistério” pode dever-se muito mais ao fato das limitações de quem estuda
as supostas verdades da revelação. “Mistério”, portanto, apresenta-se com
duas possibilidades de conceituação: a) um conhecimento não revelado
integralmente pela divindade (mistério num sentido especificamente
teológico); e b) um conhecimento meramente não alcançado no momento,
por limitações de ordem puramente humana (mistério num sentido
puramente epistemológico).
O Princípio Arquitetônico é elaborado a partir da revelação de Deus,
tanto a partir da revelação natural, como a partir da revelação especial
(Bíblia). As verdades da revelação que podem ser tidas como Princípio
Arquitetônico são: o amor, a misericórdia, a graça, a soberania, ou outras
verdades divinas. Um teólogo poderá assumir a soberania de Deus como
verdade fundamental do seu sistema teológico; outro poderá escolher o
Cristo como lógos de Deus; outro escolherá a Igreja como seu princípio
Arquitetônico (princípio eclesiológico), etc. As possibilidades são
praticamente infinitas, como infinitas são as verdades divinas. O Princípio
Arquitetônico escolhido dirigirá conceitual e referencialmente a interpretação
teológica, restringindo ou mesmo evitando uma visão por outro prisma; a
não ser que o hermeneuta mude de princípio ou consiga conjugá-lo
sinteticamente a outro princípio. O Princípio Arquitetônico, ou Perspectiva
Teológica, durante todo o processo teologal, mantém a mente do teólogo
dirigida por uma consciência que reflete aquele mistério da revelação que
mais lhe chama a atenção ou que mais lhe absorve o entendimento. De
3
Sugerimos a leitura do texto de Batista Mondin: “Os dois Princípios Supremos da Teologia e da Antropologia teológica”.
outra forma, em toda reflexão teológica estarão sempre presentes as
impressões de uma verdade bíblica que permeia e condiciona todo o teologar.
Quando o teólogo aborda um assunto da revelação, estará sempre a
manifestar as diretrizes daquela verdade, daquele suposto mistério da
revelação, que mais lhe domina a mente.

3.2. PRINCÍPIO HERMENÊUTICO4

O Princípio Hermenêutico refere-se à perspectiva filosófica assumida


pelo teólogo. Este é o princípio “ponte” entre o teólogo e os receptores de sua
interpretação. É o terreno muitas vezes comum ao teólogo e ao seu
interlocutor. É o elemento cultural favorável ao diálogo teológico, enquanto
permite que a razão de ambos, teólogo e interlocutor, possa intercambiar-se
nos assuntos da revelação.
Toda época é dominada por uma perspectiva filosófica comum aos
seus contemporâneos. Mas não se deve esquecer que perspectivas filosóficas
não comuns podem ser existenciadas à margem da perspectiva mais vigente.
A título de esclarecimento, para favorecer ao objetivo deste texto, pode-se dar
como exemplo de perspectiva filosófica de uma época o racionalismo que
iniciou a sua influência no século XVII, com Descartes, pai da filosofia
moderna, chegando mesmo até à contemporaneidade. Daí muitos teólogos
racionalistas ocuparem as fileiras do cristianismo no passado e em nossos
dias. E isso acontece muitas vezes sem os próprios teólogos terem
consciência de sua situação filosófica. Claro que em teólogos menos
desavisados existe uma consciência de sua situação. Até mesmo naqueles
ditos fundamentalistas pode-se divisar a sua comunhão com uma
perspectiva filosófica. O fato é que é praticamente impossível o teólogo furtar
a essa realidade.
Enquanto Princípio Hermenêutico, a Perspectiva filosófica remete-se ao
elemento racional que dirigirá ou ditará o método a ser usado na reflexão
teológica. Neste caso, a Perspectiva Filosófica apresenta o método que
encaminhará a Perspectiva Teológica ou Princípio Arquitetônico no teologar.
O Princípio Hermenêutico apresenta-se através de uma visão filosófica
assumida pelo teólogo.
Há várias opções de visão filosófica seguidas pelos teólogos. Mesmo
quando o teólogo não consegue criar uma visão filosófica própria. É
impossível não haver escolha de um sistema filosófico como diretriz para o
trabalho teológico. Mesmo que inconscientemente, o teólogo faz uma opção
filosófica; e esta escolha filosófica não é absolutamente voluntária. A opção
filosófica vai se apresentando na reflexão do teólogo à medida que este vai
elaborando suas leituras, seus estudos. A partir de certo ponto de
construção ou organização de um sistema teológico, torna-se nítida uma
visão filosófica, cujo método de abordagem se caracterizará por traços de
uma filosofia já existente ou de filosofia elaborada pelo próprio teólogo. Pode-
se mesmo observar teólogo que se ajusta a uma visão filosófica já existente,
mesmo que queira dela se esquivar. Paul Tillich opõe-se a Barth quanto à
Perspectiva Filosófica, visto este rejeitar “a utilização da filosofia como

4
Segue-se a abordagem de Mondin, em seu texto: “Os dois Princípios Supremos da Teologia e da Antropologia teológica”.
princípio hermenêutico” (MONDIN, 1986. Pág. 10). 5 No entanto, o mesmo
Barth6 reconhece que

Lutero e Calvino, dois adversários ferrenhos de qualquer emprego da


filosofia na interpretação da Palavra de Deus, ...não puderam ler as
Escrituras sem o auxílio dos óculos da filosofia. Ambos usaram óculos
platônicos: com a única diferença de que os de Lutero eram
neoplatônicos (Mondin, 1986. Pág. 10).

Como exemplo de abordagens filosóficas à disposição do teólogo, tem-


se:

hegelianismo platonismo
aristotelismo kantismo
tomismo existencialismo
positivismo humanismo
secularismo evolucionismo
relativismo racionalismo
ceticismo estoicismo
epicurismo e outras

A título de exemplo desta exposição, se o Princípio Arquitetônico


escolhido for o amor divino, poderá haver escolha de um Princípio
Hermenêutico que se adéque àquele. Talvez o platonismo ou, quem sabe, o
existencialismo. Sendo o Kerigma o Princípio Arquitetônico escolhido, poderá
o Princípio Hermenêutico ser o existencialismo heideggeriano.7
No entanto, a ênfase de outrem poderá ser colocada no Princípio
Hermenêutico, escolhendo-se um dos “ismos” apresentados ou outro
qualquer. Um teólogo que escolhe como Princípio Hermenêutico o relativismo
secular-existencialista, poderá ter como Princípio Arquitetônico a
transcendência divina e sua escapabilidade dos sistemas culturais humanos,
podendo assim, interpretar a Bíblia com total liberdade de interpretação. 8
Isto não significa necessariamente que o teólogo estará livre para fazer a
Bíblia dizer o que ele quer que seja dito, mas antes que as Escrituras dizem
aquilo que, pela pesquisa, o teólogo ficou convencido que ela diz.
O fato é que a compreensão que o teólogo tem da realidade, sua
cosmovisão, sua perspectiva filosófica, dominará e até condicionará a
interpretação teológica.
Permanece a impossibilidade de se escapar de ambos os princípios.
Seja consciente ou inconscientemente, todos os teólogos encontram-se
enquadrados em um Princípio Arquitetônico e em um Princípio Hermenêutico.

5
Sugere-se a leitura da introdução da Teologia Sistemática de Paul Tillich: ponto nº 06 (Teologia e Filosofia).
6
BARTH, Karl. Die lehre vom Worte Gottes. Prolegomena zur christlicher Dogmatik. Munique, 1938, pp. 404-406. Obra
referenciada por Mondin.
7
É o caso de Rudolf Bultmann, dito literalmente pelo mesmo em seu “Jesus Cristo e Mitologia”, pág. 37.
8
Este teólogo não será necessariamente dirigido por amarras religiosas-denominacionais.
IV - EXEGESE E HERMENÊUTICA – CONCEITOS E TAREFAS

4.1. vExh,ghsij / exégesis,

O termo exegese provém da língua grega, com dois sentidos: 1)


apresentação, descrição ou narração; e 2) explicação, interpretação. O
sentido geralmente escolhido no caso da exegese bíblica é o sentido de
interpretação. Exegese é, assim, a tarefa de explicação/interpretação de um
texto (WEGNER, 2002. Pág. 11).

4.2. `E‘rmhneu,ein / hermeneuein

Hermenêutica vem do idioma grego com significado igual ao de


exegese: “interpretar” (WEGNER, 2002. Pág. 11). No entanto, como tarefa do
exegeta (teólogo), hermenêutica atém-se aos princípios que orientam a
interpretação de textos. Ou seja, a hermenêutica orienta a exegese. A exegese
descreve mais especificamente as etapas ou os passos necessários à
interpretação. Dito de modo diferente, hermenêutica é a parte teórica e
exegese é a parte prática da atividade de interpretação de um texto. Para
Bultmann, “a hermenêutica é a arte da explicação” (BULTMANN, 1999. Pág.
69).

4.3. TAREFAS DA EXEGESE:

Primeiro, a exegese busca a compreensão do texto na


contemporaneidade. Ou seja, busca do sentido original do texto interpretado
(intenção dos métodos de procedimento histórico-crítico e histórico-
gramatical, por exemplo). Questiona-se essa possibilidade. Há distâncias
histórica e cultural entre o momento inicial do texto e o tempo do exegeta.
Este vive em contexto diferente do contexto originário do texto a interpretar.
Essa situação exige um esforço exegético considerável, de vez que é
impossível ao teólogo desvencilhar-se absolutamente dos seus “óculos”
culturais. Se o teólogo chega ao sentido original isso é muito relativo. Wegner
diz:

A primeira tarefa da exegese é aclarar as situações descritas nos


textos, ou seja, redescobrir o passado bíblico de tal forma que o que foi
narrado nos textos se torne transparente e compreensível para nós
que vivemos em outra época e em circunstâncias diferentes (WEGNER,
2002. Pág. 12).

Segundo, a exegese busca captar a intenção do texto em seu momento


original (WEGNER, 2002. Pág. 13). Não é meramente traduzir por traduzir.
Isto significa dizer que o texto possui um objetivo pedagógico-didático-
educativo imediato (caso do texto bíblico) que, necessariamente não se
vincula ao contexto do exegeta.
Terceiro, após o captar da intenção original do texto, releva-se a
experimentação de uma aplicação da intenção do texto original na situação
do exegeta. Este haverá de avaliar a aplicação do texto à sua situação.
Wegner diz:
Tarefa da exegese é verificar em que sentido opções éticas e doutrinais
podem ser respaldadas e, portanto, reafirmadas, ou devem ser revistas
e relativizadas (WEGNER, 2002. Pág. 13).

Não é o caso da exegese estar incompleta se não chegar a este terceiro


passo. Na verdade, o exegeta deve mesmo, estritamente falando, alcançar o
sentido do texto original com sua intenção. O mais é tarefa do teólogo, o qual
busca, numa aplicação mais universal, fazer valer a contemporaneidade da
revelação à época em que vive.

V – MÉTODOS EMPREGADOS EM EXEGESE

Toda ciência possui um método de estudo do seu objeto. Pesquisar


sem método é escolher o fracasso. Paradoxalmente, isto já seria um método
para se chegar ao fracasso. A teologia como ciência que é e, neste caso, a
exegese não poderiam se furtar a um método.
O método9 varia de acordo com o exegeta. Neste ponto pode instalar-se
o perigo e, no mais das vezes, o erro. Assim acontece quando as influências
do conhecimento popular (com seus estados emocionais e de ânimo)
determinam o método de análise dos fatos exegéticos. Observe-se que só
nesses casos de ordem psicológica é que se pode considerar perigo ou erro.
Os métodos em si não são certos ou errados. Estabelecem-se apenas
diferenças de resultados. O exegeta estabelece os resultados a alcançar em
seu labor. Em seguida verifica o método que lhe possibilitará os resultados
desejados.

5.1. MÉTODO, CONCEITO E SUAS DIVISÕES

O vocábulo “método” deriva-se da língua grega: meqa,( o`‘do,j (PEREIRA,


1998. Pág. 360). Methá é uma preposição que, quando em composição com
outro vocábulo, significa “comunidade ou participação” (PEREIRA, 1998.
Pág. 360). Hodós significa “caminho”. Portanto, etimologicamente pensa-se o
método como um ou mais caminhos que contribuem ou participam para se
alcançar um objetivo. Pode-se ainda pensar o método como “o conjunto de
processos” empregado “na investigação e demonstração da verdade”
(BERVIAN & CERVO, 1996. Pág. 20).
Assim conceituado, o método refere-se às abordagens e aos
procedimentos que o investigador assume para chegar ao conhecimento.
Tem-se assim os métodos de abordagem (MA) e os método de procedimentos
(MP). O MA envolve um conjunto de operações utilizadas na investigação de
fenômenos ou no caminho para se chegar à verdade. O MA refere-se ao plano
geral de trabalho, a seus fundamentos lógicos, ao processo de raciocínio
9
Analogamente aos Princípios Norteadores
adotado. Apresentam-se assim os métodos dedutivo, indutivo,
hipotético-dedutivo e dialético, etc.. Estes “MAs” são exclusivos entre si,
embora não de modo absolutamente rígido (ANDRADE, 1999. Págs. 112-
113). De outra ordem, os “MPs” não se excluem mutuamente. Podem ser
usados em conjunto numa dada pesquisa. São métodos de caráter mais
específico do que os MAs, não se relacionando com o plano geral da
pesquisa, mas com as etapas que levam ao alvo estipulado.

MEMORIZAR
Métodos de abordagem Plano geral do trabalho; fundamentos lógicos;
processo de raciocínio.
Métodos de procedimentos Etapas que levam ao objetivo da pesquisa/trabalho.

5.2. OS MÉTODOS E O CONHECIMENTO

A busca pelo conhecimento tem passado por vários estágios. Desde a


Antiguidade, o homem procura responder a questões básicas sobre a morte,
a natureza e sobre si mesmo. No princípio, o conhecimento mítico procurava
dar respostas sobre determinados fenômenos atribuindo-os ao sobrenatural.
Até a Idade Média reinou um conhecimento orientado por diretrizes que não
permitiam investigação e respostas que contrariassem as concepções
tradicionalmente aceitas e determinadas pela Igreja. A partir da Idade Média,
o conhecimento começou a ser liberto das amarras religiosas. Surgiram,
assim, vários métodos de pesquisa, possibilitando-se o surgimento de várias
abordagens e procedimentos de aquisição de conhecimento. Hoje, a
compreensão dos estudiosos sobre o conhecimento e os métodos tem
passado por uma abordagem bastante complexa e variada. Isto possibilita ao
pesquisador uma diversidade de caminhos para chegar aos resultados por
ele estabelecidos.
Para muitos cientistas, a teoria que tem se firmado para a busca do
conhecimento científico é a indutivista, cujo método é caracterizado por
um processo mental por meio do qual o pesquisador, partindo de
observações particulares, devidamente atestadas, chega a uma verdade
geral ou universal que não está presente nas partes investigadas. Ou seja,
parte-se do particular para o geral, tendo as premissas estabelecidas como
base da indução. Isso indica que seus enunciados são caracteristicamente
sintéticos. O método indutivo destina-se à verificação. Ou seja, parte de
amostras para a população ou universo (SALOMON, 2001. Pág. 156). Claro
está que esta não é a única teoria preconizada na atividade dos
pesquisadores modernos. Outras teorias10 existem e rivalizam à altura com o
método indutivo. Cada teoria com o seu método. É sugestivo o que diz
Chalmers na introdução do seu O QUE É CIÊNCIA AFINAL?:

Simplesmente não existe método que possibilite às teorias científicas


serem provadas verdadeiras ou mesmo provavelmente verdadeiras. [...]
10
Segundo Chalmers, além do indutivismo, existem o falsificacionismo, o racionalismo, o relativismo,
objetivismo, a teoria anarquista do conhecimento de Feyerabend, o realismo, o instrumentalismo, a teoria da
correspondência da verdade e o realismo não-representativo (CHALMERS, 1993).
Alguns dos argumentos para defender a afirmação de que
teorias científicas não podem ser conclusivamente provadas ou
desaprovadas se baseiam amplamente em considerações filosóficas e
lógicas. Outros são baseados em uma análise detalhada da história da
ciência e das modernas teorias científicas (Chalmers, 1993. Pág. 19).

Fica claro na exposição de Chalmers a impossibilidade de haver uma


teoria, e consequentemente um método, que seja absoluto. A pesquisa
sempre estará subjugada, de uma forma ou de outra, entre outros fatores, à
subjetividade do pesquisador. Saliente-se de passagem que não é diferente
no campo da ciência teológica.

5.3. TEOLOGIA, EXEGESE E MÉTODOS.

Teólogos e exegetas em geral consideram que a teologia é uma ciência.


Claro está que não é ciência no sentido das ciências naturais ou
tecnológicas. Mas é ciência no sentido de ter um procedimento definido,
sistemático, objetivo. Por isto, o procedimento da teologia é positivo; jamais
intenciona normatizar coisa alguma. Teólogos e exegetas buscam antes a
revelação que é, e não a que desejam que seja. Como bem se coloca
Erickson, “a teologia precisa comportar alguns dos critérios tradicionais do
conhecimento científico” (ERICKSON, 1997. Pág. 18). São critérios como um
objeto definido, um método, objetividade e coerência entre as proposições do
objeto em questão que tornam a teologia uma ciência.
Sendo ciência, pois, a teologia usa métodos para alcançar os seus
resultados. Hodge diz que numerosos métodos têm sido aplicados à teologia
e entende ele que os mesmos podem ser resumidos a três métodos: 1)
Especulativo (dedutivo)11; 2) Místico12; e 3) Indutivo (HODGE, 2001. Pág. 03).
Clark é do mesmo parecer que Hodge 13 quanto aos três métodos (CLARK,
1988. Pág. 19 – 21). Na verdade, pode-se dizer existem métodos e que todos
são passíveis de limitações e não se aplicam a todas as necessidades na
busca do conhecimento.

5.3.1. MÉTODO INDUTIVO

Dizer que o MÉTODO INDUTIVO (MA) é o “verdadeiro método da Teologia”


é um juízo questionável, a não ser que esta assertiva refira-se a um uso
comum do método indutivo por grande parte dos teólogos. Na
contemporaneidade, como em outras épocas, outros métodos são usados
pelos exegetas. São usados tantos quantos são necessários para objetivos
diversos. Disso decorre que os métodos em si não são nem verdadeiros nem
falsos; os mesmos são apenas instrumentos para se alcançar resultados
diferentes à expensa do exegeta.

5.3.2. MÉTODO DEDUTIVO

11
Explicação do autor deste trabalho.
12
Dirigido exclusivamente pelas sensações (emoções).
13
Para conhecimento de uma abordagem bem colocada sobre os três métodos, sugerimos a leitura de Hodge, na introdução
de sua teologia Sistemática.
Com o MÉTODO DEDUTIVO (especulativo) (MA) uma teologia é levada a
conformar-se a princípios filosóficos ou teológicos previamente estabelecidos.
Este método destina-se mesmo a demonstrar decorrências e a justificar
pressupostos. Este método gera enunciados analíticos. Ou seja, a partir de
“postulados e teoremas”14 chega-se a uma conclusão particular (SALOMON,
2001. Pág. 157). É o inverso do método indutivo (sintético). 15 Portanto, se
uma teologia tem como princípio diretor o teísmo, ou o deísmo, ou o
panteísmo, ou ainda o racionalismo, ou quaisquer outros ísmos, filosóficos
ou teológicos, poderá fazer com que suas conclusões particulares
conformem-se a um daqueles ísmos ou visões de mundo. Como também
pode acontecer de confissões doutrinárias condicionarem os resultados do
trabalho exegético. Se um teólogo dá por verdadeira os dogmas de uma
determinada confissão, necessariamente o seu falar condicionará toda a sua
interpretação àquela.
Pela caracterização de Libanio, a teologia dedutiva é uma “teologia de
cima” (katáa,basij – “a partir de cima”). Significa que é uma teologia que parte
de um ponto de autoridade já estabelecido de antemão (um dogma, por
exemplo). Na idade Média, o exemplo basilar é o de Tomaz de Aquino (1224-
1274). O doutor aquinense diz:

Uma vez que bem é tudo o que é apetecível e uma vez que a cada
natureza apetece seu ser e sua perfeição, cumpre dizer que o ser e a
perfeição de qualquer natureza são essencialmente bem. 16 Portanto,
não pode acontecer que mal signifique algum ser, alguma forma ou
natureza;17 conclui-se, pois, que significa apenas a ausênci a do
bem (AQUINO, 1954. Pág. 48).

A forma do raciocínio tomista é silogística. 18 Tomás de Aquino parte de uma


afirmação universal, um princípio filosófico previamente estabelecido:19 “o ser e
a perfeição de qualquer natureza são essencialmente bem” (premissa maior).
Em seguida, Tomás de Aquino estabelece uma afirmação de natureza
filosófica (menor). Nesse caso, Tomás de Aquino estabeleceu duas premissas
menores: a) “bem é tudo o que é apetecível”; e b) “a cada natureza apetece
seu ser e sua perfeição”, para concluir com “portanto, não pode acontecer
que mal signifique algum ser, alguma forma ou natureza”. O que Tomás de
Aquino queria com o argumento já estava estabelecido na premissa maior: a
conclusão, “mal [...] significa apenas a ausência do bem”, é apenas
decorrência. A finalidade não é provar o princípio universal, mas o que dele
decorre. Assim procedeu Tomás de Aquino em toda a sua Suma Teológica
(MOREIRA, 2006. Págs. 09 e 10).
14
Enunciados universais.
15
Embora didaticamente se apresente os métodos de per si, “não há método dedutivo puro, nem indutivo puro,
empregados na pesquisa científica: o dedutivo, usado para problemas ‘ideais’, é precedido do indutivo, pois
todo objeto ideal representa a etapa final de um processo de abstração do concreto (particular) para o genérico
ou universal; por sua vez, o emprego do método indutivo no contexto da descoberta se consuma com o uso do
dedutivo, desde o momento em que o pesquisador passa a agir no contexto da justificação”. (SALOMON,
2001. Pág. 157).
16
Esta é a premissa maior; é a base do raciocínio dedutivo.
17
Corolário das três premissas ou do argumento silogístico: decorrente do princípio filosófico previamente estabelecido –
premissa maior.
18
O silogismo é uma das modalidades do raciocínio dedutivo.
19
Itálico nosso.
Libanio mostra pontos pertinentes a respeito deste método:

A estrutura fundamental dessa teologia (dedutiva) consiste em


sistematizar, definir, expor e explicar as verdades reveladas. Para isso,
parte dessas próprias verdades e busca relacioná-las entre si, dentro
de uma visão de globalidade, por meio da “analogia fidei”, isto é,
procurando ver como todas as verdades da fé se explicam e se
relacionam mutuamente.
É dedutiva porque trabalha, de modo especial, com o silogismo.
Parte de afirmações universais, dos princípios da fé (maior) 20,
estabelece uma afirmação de natureza filosófica (menor) e conclui por
dedução uma afirmação teológica. Por exemplo, Jesus é verdadeiro
homem (maior: afirmação da fé de Calcedônia); ora, um verdadeiro
homem tem uma liberdade e consciência humanas (menor: verdade
filosófica), logo Jesus tem uma liberdade e consciência humanas. A
finalidade não é provar o princípio da fé, mas o que dele decorre
(LIBANIO, 1996. Pág. 101-102).

5.3.3. TEOLOGIA INDUTIVA

A TEOLOGIA INDUTIVA é dirigida por um procedimento que leva em


consideração diretrizes científicas. Ou seja, não parte de assertiva já
estabelecida, dogmática. O termo grego que a caracteriza é ana,basij (a partir
de baixo), algo que vem da base e não de cima; em outras palavras, não é
imposto. Sua reflexão surge de questionamentos oriundos da situação
humana. Os dogmas dos concílios não têm a palavra final. São verificáveis
tanto quanto qualquer outra afirmação humana. Para a teologia que usa o
método de abordagem indutivista, os problemas surgem na vida, de baixo,
e são apreendidos e compreendidos pela via da indução. Esta teologia vai da
experiência à doutrina ou ao dogma (perspectiva existencialista).

[...] as perguntas que se fazem à fé nascem não da própria fé, não de


um interesse em sistematizar e organizar as verdades de fé já aceitas
(teologia dedutiva), mas da experiência (indutiva). [...] Duas grandes
experiências fundamentais que permitem uma bifurcação da teologia.
A pergunta pelo sentido da experiência existencial e a pergunta pelo
sentido da práxis. Ambas partem da busca de um sentido à luz da
revelação. A Teologia européia quer interpretar a revelação para dentro
de uma experiência existencial, enquanto a teologia latino-americana
intenta entender à luz da mesma revelação as práticas sociais e
históricas dos cristãos (LIBANIO, 1996. Pág. 103-104).

Libanio e Clark têm conceitos divergentes sobre a natureza do método


indutivo aplicado à exegese teológica. Libanio é de orientação existencialista;
Clark é de orientação ordinariamente metodológica. É bem provável que os
exegetas de orientação apenas metodológica não comungarão com o
procedimento existencialista para o método indutivista. Mas isto fica para
outras instâncias de reflexão.

5.4. Métodos de Procedimentos

20
Observe-se que no caso da citação feita da Suma Teológica o princípio maior é também uma verdade filosófica.
No caso desta apresentação da exegese bíblica, trabalha-se com
métodos de procedimentos, priorizando-se, relativamente, o método de
abordagem indutivista. Sem esquecer que este método é passível de
questionamentos. Para tanto, leia-se Chalmers 21. Mais: aqui não se prioriza
nem o indutivismo existencialista nem o metodológico. 22 Ambos são
passíveis de apreciação.
Serão explicados aqui os seguintes métodos de procedimentos:
 Fundamentalista;
 Histórico-crítico;
 Estruturalista;
 Existencialista; 23
 Confessional;
 Histórico-gramatical;
 Os métodos das ciências sociais. Quanto a estes últimos, leia-se:

Os escritos bíblicos estavam enraizados em grupos de pessoas


atuando uns sobre outros, organizados em estruturas sociais que
controlavam os aspectos principais da vida pública, tais como
economia, família, governo, lei, ritual e crença religiosa. Além disso,
percebe-se amplamente que estas unidades da vida social, tomadas
como rede completa em constante mudança, fornecem contexto
indispensável para fundamentar outros aspectos de estudos bíblicos,
incluindo tanto os mais antigos como também os mais novos
métodos de pesquisa. A pergunta dominante para aproximações de
ciências sociais torna-se: “Quais estruturas sociais e quais processos
sociais são explícitos ou implícitos na literatura bíblica, nos dados
socioeconômicos esparsos que ela contém, na história abertamente
política que ela relata minuciosamente, como também nas crenças e
práticas religiosas que ela atesta?” (GOTTWALD, 1988. Pág. 37).

A partir dessa abertura, surgem possibilidades de uso de métodos


como o dialético-materialista, o fenomenológico, o comparativo, o estatístico,
o funcionalista e “certo métodos já consagrados na ciência do
comportamento humano: o histórico-comparativo, os naturalistas, os
clínicos, os diferenciais, os longitudinais, os transversais” (SALOMON, 2001.
Pág. 157) e outros tantos que são possíveis.
Esta abordagem explica os seis primeiros métodos citados, porém,
ater-se-á, particularmente, aos métodos de abordagem: histórico-crítico,
estruturalista e existencialista, numa exposição dos mesmos, com sua
devida aplicação exegética.

5.4.1. O Método Fundamentalista

21
CHALMERS, Alan F. O que é ciência afinal? São Paulo: Brasiliense, 1993.
22
A abordagem existencialista prioriza a vivência humana; enquanto a abordagem puramente metodológica prioriza apenas
os dados bíblicos.
23
Uma tentativa de síntese entre teologia bíblica e existencialismo filosófico. No caso de Bultmann, a desmitologização é
um método hermenêutico com direção existencialista (Bultmann, 2000. Pág. 37).
O teólogo contemporâneo, Paul Tillich (1886 – 1965), menciona a
necessidade de se distinguir a ortodoxia 24 do fundamentalismo, visto o
período ortodoxo no protestantismo ter “muito pouco a ver com o que se
chama de fundamentalismo nos Estados Unidos” 25 (TILLICH, 1999. Pág. 43).
A ortodoxia refere-se à época escolástica da história protestante e o próprio
movimento protestante foi um desenvolvimento da ortodoxia escolástica.
Para Tillich, a ortodoxia protestante era criativa, enquanto o
fundamentalismo não dispõe desta faculdade.
Em sua Teologia Sistemática, Tillich diz:

Quando o fundamentalismo se associa com uma tendência


antiteológica, como é, por exemplo, em sua forma bíblico-evangelical, a
verdade teológica de ontem é defendida como mensagem imutável
contra a verdade teológica de hoje e amanhã (TILLICH, 1987. Pág. 13).

Para este teólogo, o fundamentalismo fala desde uma situação do passado;


eleva algo finito e transitório a uma validez infinita e eterna. Neste
particular, “o fundamentalismo tem traços demoníaco” (TILLICH, 1987. Pág.
13). No entanto, Tillich não deixa de apontar um traço comum entre o
fundamentalismo e a ortodoxia: ambos rejeitam a tarefa teológica quanto a
responder à totalidade da auto-interpretação criativa do homem em um
período especial. O exemplo que Tillich estabelece disso aparece quando diz
que “a teologia não está interessada no aumento das doenças mentais ou na
consciência crescente delas. Ela está interessada na interpretação
psiquiátrica dessas tendências” (TILLICH, 1987. Pág. 13).
O fundamentalismo surgiu com o objetivo de “salvaguardar a herança
protestante ortodoxa contra a postura crítica e cética da teologia liberal”
(WEGNER, 1998. Pág. 15).
O pressuposto básico do fundamentalismo é o de que a Bíblia é
divinamente inspirada em cada detalhe seu. Não comporta erro de qualquer
espécie. O fundamentalismo absolutiza o sentido literal da Bíblia. “Por
insistir unilateralmente na autoridade divina dos textos, o método apresenta
pouca sensibilidade para a condição humana de seus autores, com tudo o
que isto implica” (WEGNER, 1998. Pág. 15).

5.4.2. O MÉTODO HISTÓRICO-CRÍTICO

O método histórico-crítico possui uma história curiosa face ao seu


vínculo com o iluminismo, movimento este surgido no século XVIII, por
indução das filosofias racionalista e empirista; estas surgidas no século XVII.
“No final do século XVI e início do século XVII..., o ceticismo... duvidava da
capacidade da razão humana para conhecer a realidade exterior e o homem”
(CHAUÍ, 2003. Pág. 48). Neste mesmo século, graças à influência de Baruque
de Espinoza, deu-se a separação entre ciência e teologia. No século XVIII
surge o iluminismo valorizando a razão como fator decisivo para o
conhecimento e abrindo espaço para o ceticismo contra a fé. Neste período,
teólogos protestantes passaram a usar o método científico (histórico-crítico)
24
Existe a ortodoxia oriental (igrejas grega e russa), que se refere a uma tradição clássica; e existe a ortodoxia protestante,
que, por sua vez, refere-se a um conteúdo doutrinário considerado oriundo das Escrituras Sagradas.
25
O fundamentalismo surgiu nos Estados Unidos após a Primeira Guerra Mundial (WEGNER, 1998. Pág. 15).
para interpretar as Escrituras. No século XIX, o método científico aplicado à
exegese bíblica recebeu oposição ferrenha por parte de religiosos
conservadores que foram chamados de fundamentalistas.

5.4.2.1. Definindo os termos

O método diz-se histórico por lidar com fontes históricas que datam
de milênios atrás. Este método leva em consideração a evolução histórica
pela qual os documentos (no caso, os documentos bíblicos) passaram.
Significa dizer que aconteceram muitos estágios para que o texto estudado
chegasse ao ponto em que se encontra.
O método diz-se ainda crítico face à emissão de juízos sobre as fontes
históricas que estuda.
Desde o seu surgimento, o método é caracterizado pela racionalidade e
por uma postura profundamente questionadora.
É importante observar que este método de procedimento “dá-se de
bandeja” ao método de abordagem chamado indutivista, graças ao
procedimento consideravelmente analítico.

5.4.2.2. Vários caminhos de abordagens ao texto:

Russell Shedd, no prefácio do livro Crítica Textual do Novo Testamento,


diz: “Se todos os manuscritos concordassem perfeitamente, dispensaríamos
a disciplina da crítica textual” (PAROSCHI, 1993). Pelo fato de não haver a
tão desejada concordância entre os manuscritos, precisa-se da Crítica
Textual. E esta, por sua vez, não existe sem o método histórico-crítico.
O método histórico-crítico possui vários canais de acesso ao texto
bíblico. Os caminhos citados abaixo são fundamentais na tarefa da Crítica
Textual. São eles:

Crítica da tradição (estudo da tradição oral). Esta abordagem busca


recuperar a história das palavras, dos conceitos e dos temas constantes de
uma narrativa. A partir da pergunta metodológica a partir de que o texto foi
escrito (crítica literária ou crítica da redação), a crítica da tradição pretende
tentar recuperar a fonte traditiva da narrativa como um todo e/ou de seus
temas constitutivos. Trata-se de uma forma de tentar resgatar o sentido
histórico de um termo a partir da herança semântica de sua história na
cultura.26

Crítica da forma (estudo dos gêneros de tradições oral). Esta crítica visa
isolar unidades menores, características da tradição, que se considerava
serem orais na sua origem e altamente convencionais na sua estrutura e
linguagem. Entraram no texto por interpolação;27
A Crítica da Forma mostra que não é possível falar sobre o AT como um
sistema unificado de pensamento. Principalmente se é levado em
consideração o método diacrônico proposto por Gerhard von Rad. Para von

26
Sugere-se a leitura do texto na página: http://www.ouviroevento.pro.br/biblicoteologicos/glossario.htm
27
Inserção de um texto entre partes de outro texto (João 5:4, por exemplo).
Rad, há, na verdade, uma teologia de colcha de retalhos no AT 28: tradições
históricas e proféticas de Israel, de acordo com as múltiplas fontes que
compõem o texto do Antigo Testamento, nos diversos períodos da evolução
da sua religião. Na se trata assim de teologia revelada progressivamente,
mas de uma teologia elaborada evolutivamente.

Crítica das fontes (estudo das fontes escritas básicas). O conhecimento que
hoje se tem das quatro fontes literárias do Pentateuco ou Hexateuco deve-se
a esse tipo de estudo. Foi este estudo que descobriu que “os livros proféticos
não só continham as palavras do profeta original mencionado, mas também
numerosas adições e revisões no decorrer do tempo” (GOTTWALD, 1988.
Pág. 24); No caso da história de Israel, diz-se que a mesma é reconstruída à
luz das múltiplas fontes que supostamente subjazem ao texto canônico do
Antigo Testamento. Os livros do Hexateuco são assim resultados de várias
fontes utilizadas em sua composição.

Crítica da redação (estudo da editoração pelos escritores); descreve e explica


a história da redação de um texto.  É uma ferramenta exegética que tenta
reconstituir todos os momentos histórico-sociais de intervenção numa
narrativa. É um trabalho diacrônico.29

Por estas cinco tarefas, percebe-se que esse não é um método fácil de
praticar. Para exercê-lo, o exegeta precisa despender tempo considerável e
esforço resistente. Caso contrário, não haverá resultado satisfatório e mesmo
convincente.

5.4.3. O Método Estruturalista

O método Estruturalista tem seu início com Ferdinand de Saussure,


(faleceu em 27/02/1913), considerado o pai da linguística. Mas isso não
significa dizer necessariamente que Saussure criou objetivamente o tal
método.
Saussure teve muitos seguidores, mesmo que variando na compreensão do
ensino do mestre.
A compreensão de que o texto é independente de seu contexto
histórico é uma característica marcante do Método Estruturalista. Este
método concebe que

... O texto, como ele se apresenta, [pode] 30 constituir o objeto próprio


de estudo, pois ele oferece significado total, autônomo, literário que
não necessita depender de análise das fontes, do comentário histórico
ou de interpretações religiosas normativas (GOTTWALD, 1988. Pág.
34).

Esta compreensão enquadra-se na concepção literária de que a


literatura não objetiva atender a interesse de quaisquer ordens culturais. 31 A

28
Sugere-se aqui a leitura da Teologia do Antigo Testamento de Gerhard von Rad.
29
O Estruturalismo assume a postura do trabalho sincrônico.
30
Parêntese nosso.
31
O método histórico-crítico, por sua vez, atenderia a interesses tais.
literatura é em si mesma completa; não depende de explicações que lhe
sejam externas. O texto literário, em si, basta-se a si mesmo. O
Estruturalismo enquadra a Bíblia, como literatura, nessa concepção. Isso
não significa que este método desabone absolutamente outros métodos. Na
verdade, outros métodos não são do seu interesse primário do
Estruturalismo e, talvez, nem mesmo de seu interesse secundário. Isso deve
ser levado em consideração, pois que seus adeptos não convergem
absolutamente em tudo que ensinam.32
O ponto de partida comum a todos os estruturalistas prescreve que “o
texto como estrutura e organização... produz sentido para além da intenção
de seu autor” (WEGNER, 1998. Pág. 16). De outra forma, é como dizer que o
texto é como um filho que segue seu caminho, de certo modo, à revelia do
seu pai, o autor.
Existem perguntas chaves com as quais o método Estruturalista
trabalha. Perguntas estas que podem dar uma idéia do caminho seguido
pelos seus exegetas. São perguntas como: “Como funciona o texto? Como
produz seu sentido? Que se passa no texto em si? Que operações de lógica,
afirmação, negação e oposição existem no texto?” (WEGNER, 1998. Pág. 16).
É toda uma busca de significados lingüístico-literários. Para mais
informações sobre o método remeta-se o leitor ao livro de Wegner, “Exegese
do Novo Testamento”, da editora Paulus e Sinodal; como também à obra de
Gottwald: Introdução Socioliterária à Bíblia Hebraica, das Edições Paulinas. O
ponto crítico é que este método pode ser visto como reducionista. Afinal, que
texto seria suficientemente esgotado em seu sentido por uma única
abordagem exegética?
A título de exemplo, serve aqui o texto de Gênesis, capítulo três. Pode-
se observar naquele texto farto material favorável ao método estruturalista. A
estrutura de oposições faz-se real: serpente / Senhor; fruto permitido / fruto
proibido; árvore da vida / árvore da morte; a palavra do Senhor / a palavra
da serpente; o bem / o mal; A narrativa possui dois tempos: diálogo com a
serpente / diálogo com o Senhor; antes, inocência / depois, culpa; antes, a
cumplicidade do casal / depois, a acusação contra a mulher (perda de
cumplicidade). Percebe-se no texto toda uma cadeia de oposições que tem
como eixo o bem e o mal como oposições principais.
Existe ainda uma possibilidade de avançar nesta análise, percebendo-
se as representações exercidas pelas personagens do texto. A serpente: a
religião de Canaã; Adão e Eva: o povo de Israel (opondo-se uma à outra).
Estas representações fundamentais podem ser desenvolvidas em termos de
comentário ao ponto de toda uma explicação do enredo vivido pelo povo de
Israel no confronto com a cultura cananéia, representada pela serpente.
Percebe-se aqui a possibilidade de síntese entre o método
estruturalista e o método histórico-crítico.

5.4.4 O Método Existencialista

32
Leve-se isto em consideração também em relação aos demais métodos.
O método existencialista surgiu por obra do exegeta Rudolf Bultmann.
A partir de filósofos existencialistas (Jean-Paul Sartre e Martin Heidegger),
Bultmann conseguiu elaborar um método hermenêutico para interpretar o
Novo Testamento. Tal método foi também aplicado ao Antigo Testamento
(Gerhard von Rad). O método Bultmanniano aproxima-se do texto bíblico
interpretando-o como “modelos ou paradigmas da situação humana
enfrentada com crise” (GOTTWALD, 1988. Pág. 31). Textualmente, Bultmann
diz que “a demitologização é um método hermenêutico, quer dizer, um
método de interpretação, de exegese” (BULTMANN, 1999. Pág. 69). É essa
demitologização que interpreta os eventos da revelação como modelos de
existência. Por outras palavras, Bultmann desveste o conteúdo da revelação
da roupagem cultural do tempo bíblico e situa esse mesmo conteúdo no
nosso tempo, com uma abordagem que leva em consideração a nova
cosmologia e uma nova cultura, que o homem contemporâneo possui. É
neste sentido que se diz que as compreensões de existência e de mundo de
uma época são diferentes das compreensões de outra época. Partindo disso,
a Bíblia recebe uma abordagem existencialista, consequentemente
humanista, já que não é possível interpretar-se sem pressupostos de época.
Ou seja, todo intérprete está atrelado à compreensão de mundo mantida
pela sua sociedade, e tal compreensão é expressa na sua elaboração
hermenêutica. Bultmann repassa esse problema, mostrando como a
compreensão de “espírito” é diferente em diferentes épocas. 33 Eis assim uma
hermenêutica da própria hermenêutica.
Para Bultmann, “a concepção do universo no Novo Testamento é
mítica” (BULTMANN, 1999. Pág. 05). Não somente a concepção do universo,
como também toda a compreensão dos eventos na vida do filho de Deus está
em linguagem mitológica. Em contrapartida, o homem moderno não tem a
mesma concepção de mundo. Dá-se assim a tarefa do teólogo: “vestir” o
conteúdo bíblico, verdadeiro, com a contingente concepção moderna de
mundo. Portanto, a demitologização é um método existencialista que aplica o
texto bíblico à existência do homem atual.
A figura abaixo representa bem a visão bíblica do cosmos.

Vêem-se pilastras sobre as quais a estrutura está apoiada. Os astros


estão como que pendurados na abóbada. A parte tracejada representa todo o
volume de água que circunda a terra. Abaixo do plano onde habitam os vivos
33
Sugerimos a leitura do texto “A interpretação bíblica moderna e a filosofia existencialista” (BULTMANN, 1999. Pág. 69-78)
está o lugar dos mortos. Acima da abóbada existe água. Quando “janelas”
são abertas na abóbada, acontece a chuva. Águas de cima passam pelas
“janelas” caiem sobre a terra. Entre a terra e a abóbada vivem espíritos, que
estão espreitando a oportunidade de invadirem o corpo humano.
A pergunta que se apresenta é: o homem contemporâneo acredita
nesta concepção de mundo?
Fato é que todo o conteúdo da verdade bíblica foi passado tendo esta
concepção como substrato. Eis aqui a necessidade de revisão da concepção
de mundo por parte do hermeneuta. Qualquer recalcitração neste sentido
pode comprometer o resultado exegético.
Diante disso surge a pergunta bultmanniana: “quais são as
concepções corretas? Quais são os pressupostos adequados, se é que os tais
realmente existem?” (BULTMANN, 1999. Pág. 72). Eis a transcrição do texto
de Bultmann para melhor expressão do seu pensamento:

Ou teremos que dizer, talvez, que devemos levar a cabo a interpretação


sem a ajuda de nenhum pressuposto, já que o próprio texto nos
oferece as concepções que devem guiar nossa exegese? Embora às
vezes se tenha pretendido assim, isso é impossível. Certamente, é
preciso que nossa exegese esteja desprovida de pressupostos no que
concerne os resultados que nos dará. Não podemos saber de antemão
o que quer dizer o texto; pelo contrário, é o texto quem no-lo deve
ensinar. Uma exegese que, por exemplo, pressuponha que seus
resultados precisam corroborar uma determinada afirmação
dogmática, não é verdadeira nem honesta. Em princípio, existe,
todavia, uma diferença entre os pressupostos que se referem aos
resultados e os que se referem ao método. Podemos dizer que o
método não é mais que uma forma de interrogar, uma maneira de
formular perguntas. Isso significa que não posso compreender um
texto determinado sem lhe colocar certas perguntas. Essas perguntas
podem ser muito diversificadas. Se a você interessa a psicologia, lerá a
Bíblia – ou qualquer outra obra literária – formulando perguntas
acerca de fenômenos psicológicos. E você pode ler certos textos com o
objetivo de adquirir novos conhecimentos sobre a psicologia individual
ou social, ou sobre a psicologia na poesia, na religião, na tecnologia,
etc.
Nesse caso, você possui certas concepções graças às quais
compreende a vida psicológica e interpreta os textos. De onde
procedem essas concepções? Essa pergunta chama nossa atenção
para outro fato importante, outro pressuposto da interpretação. Essas
concepções procedem de nossa própria vida psíquica. O pressuposto
exegético que delas resulta ou que a elas corresponde, está constituído
por uma relação que vincula você com o assunto ou causa [...] acerca
do qual você interroga um texto determinado.
Pretender que uma exegese possa ser independente de
concepções profanas é uma ilusão. Cada intérprete depende
ineludivelmente das concepções que herdou, consciente ou
inconscientemente, de uma tradição, e toda tradição depende, por sua
vez, de uma ou outra filosofia. Assim, por exemplo, grande parte da
exegese do século 19 era tributária da filosofia idealista, de suas
concepções e de sua compreensão da existência humana (BULTMANN,
1999. Pág. 72-75).

Bultmann, na verdade, em sua exegese usa tanto pressupostos


existencialistas como também pressupostos do método histórico-crítico. Ele
é do parecer que assevera uma compreensão da Bíblia como um documento
histórico, e que os métodos da pesquisa histórica devem ser levados em
consideração. Em seguida, vem o laborar com o método existencialista. Este,
por sua vez, não prescreve o modo de existência, mas, sim, a necessidade de
existir. E assim o é, pois que a existência é o que possibilita a construção de
uma essência. As diretrizes para essa essência encontram-se no texto
bíblico. Enquanto o homem existe, constrói essa essência. Essência essa
orientada pelos conteúdos desmitologizados do texto bíblico.
Rudolf Bultmann visualizou dois níveis na Bíblia: a) O nível inferior ou
historia natural, com os elementos culturais e históricos de cada época; b) O
nível superior ou sobrenatural, contendo a verdade divina que o homem
experimenta no momento da leitura.
A verdade vestiu-se da terminologia pré-científica do primeiro século,
com seus mitos religiosos. A atenção do intérprete deve estar no elemento
supra-histórico do registro bíblico. Os costumes do ambiente não fazem
parte da revelação divina. O interprete deve saber separar um nível do outro.

5.4.5. O Método Confessional

O método confessional é o mais conhecimento e, portanto, o mais


praticado. Trata-se de um método com o objetivo precípuo de respaldar a
religiosidade já estabelecida. Está, de certo modo, voltado para a forma e a
prática da religião. A primeira aproximação da Bíblia foi confessional. Tanto
judeus como cristãos estudaram a Bíblia para incrementar sua religiosidade.
Ambos os grupos nutriam sentimento extremado de posse sobre o texto
bíblico.
Mesmo fazendo uso de outros instrumentos metodológicos em sua
interpretação, o exegeta confessional está voltado prioritariamente para a
defesa de sua fé. Este pressuposto de resultado já o impede de mudar de
compreensão, mesmo que fatos o convenção desta necessidade.
A característica principal deste método é o dogmatismo.
Vale dizer que exegetas que utilizam outros métodos, quando imbuídos
do espírito confessional, tendem também ao dogmatismo.
Para desavisados, fundamentalistas e confessionais podem parecer os
mesmos. Mas há diferenças históricas e metodológicas entre os tais. Além de
os ortodoxos serem mais antigos do que os fundamentalistas, o literalismo é
uma marca registrada do fundamentalismo, enquanto do confessionalismo,
não.
As perguntas exegéticas do método confessional implicam sempre em
busca de fundamentação das doutrinas e práticas religiosas estabelecidas
historicamente pela igreja. Portanto, qual a fundamentação que o texto dá às
doutrinas já estabelecidas?
A partir do final da Idade Média, formulações de compreensão
diferente da confessional foram aparecendo e foram criando cada vez mais a
consciência de “livre-pensamento” entre os intérpretes. A Bíblia passou a ser
vista como propriedade de ninguém. Esse fenômeno criou impacto para a
doutrina estabelecida, forçando assim, a todo o custo, uma busca de
argumentos que defendam o método confessional diante dos métodos
concorrentes.
5.4.6. O Método Histórico-Gramatical

O método histórico-gramatical possui exegetas representantes em


vários seguimentos do protestantismo. Suas origens estão na escola de
Antioquia da Síria, sendo esta escola uma precursora do método histórico-
gramatical. Na sua origem, o método era conhecido como “interpretação
literal”.34 Agostinho e Jerônimo foram seus partidários e muito influenciaram
para que este método fosse praticado pelos exegetas a eles subseqüentes. O
fato é que na Idade Média este método continuou a surtir seus efeitos
chegando a fazer discípulos em Lutero e Calvino.
As regras deste método são expressas como seguem:
a) A Escritura é interpretada pela própria Escritura. Isto significa que
“quando houver questão sobre o verdadeiro e pleno sentido de qualquer texto
da Escritura (sentido que não é múltiplo, mas único), esse texto pode ser
estudado e compreendido por outros textos que falem mais claramente”. 35
Estabelecendo-se a Escritura como única autoridade absoluta em se
interpretar a si mesma, não fica espaço para outras instâncias humanas 36
arvorarem-se em esclarecer o sentido da passagem em questão.
b) Rejeição da interpretação alegórica medieval. 37 As Escrituras têm um
só sentido, o literal. Caso contrário, o contexto das Escrituras apontará
outra compreensão para a passagem em apreço (com sentido figurado ou
metafórico).
c) Reconhecimento da natureza divino-humana das Escrituras e por
isso, a necessidade de iluminação espiritual. Isso significa que nenhuma
pessoa pode interpretar as Escrituras corretamente sem a iluminação do
Espírito Santo. Lutero38 escreveu:

... a verdade é que ninguém que não possui o Espírito de Deus vê um


til sequer do que está na Escritura. Todos os homens têm seus
corações obscurecidos, de modo que, mesmo quando discutem e citam
tudo o que está na Escritura, não compreendem ou conhecem
realmente qualquer assunto dela... O Espírito é necessário para a
compreensão de toda a Escritura e cada uma de suas partes
(BOHLMANN, 1970. Pág. 29).39

Segundo Gordon D. Fee e Douglas Stuart no livro “Entendes o que


lês?”, a exegese trabalha com dois grupos de perguntas:
1) Perguntas quanto ao contexto;
2) Perguntas quanto ao conteúdo.
A Primeira envolve ainda duas análises: Histórica e literária.
O método histórico-gramatical é, sem dúvida, o mais fomentado nos
meios cristãos. Não somente por sustentar uma tradição histórica, mas
também por se opor aos métodos que, pela grande maioria, além de não

34
Ir ao ponto 6.1: Época Patrística (100 - 600 d.C.).
35
§ IX do capítulo I da Confissão de Fé de Westminster (idêntico ao mesmo parágrafo da Confissão de Fé Batista de 1689).
36
Tradição; decisão eclesiástica; filosofia; intuição espiritual; etc.
37
Ir ao ponto 6.2: Interpretação Medieval (500 - 1500 d.C.).
38
Citado por Ralph A. Bohlmann.
39
Dito assim, levanta-se um problema teológico. Há um radicalização de uma compreensão (e limitação) acerca da atuação do Espírito
Santo.
serem suficientemente conhecidos, são considerados espúrios e contrários
ao cristianismo.
A seguir, apresenta-se uma perspectiva histórica resumida da
hermenêutica, visando esclarecer algumas desinformações vigentes no meio
acadêmico-estudantil.

VI - PERSPECTIVA HISTÓRICA RESUMIDA DA HERMENÊUTICA

Diferente da História da Hermenêutica é a História dos Princípios


Hermenêuticos. Um tratamento histórico da ciência hermenêutica começou
com Flácio Ilírico, em 1567 d. C.. No entanto, a História dos Princípios
Hermenêuticos retrocede ao século I a. C..
A Interpretação bíblica tem marco considerável com os Judeus
Palestinos. Estes consideravam o Antigo Testamento como a infalível Palavra
de Deus; mesmo as letras eram tidas como sagradas, contando-as os
copistas.40 Várias tradições expressam a obra interpretativa judaica: A
Halakhah; a Haggadah e outras tantas. Homens como Hillel e Shammai,
contemporâneos de Jesus, foram expoentes da interpretação judaica.
Os Judeus Alexandrinos, condicionados pela filosofia de Alexandria,
eram mais abertos e possuíam interpretação menos rigorosa. O Princípio
Platônico de que ninguém deve acreditar em algo que seja indigno de Deus,
permeava a sua visão. A Interpretação Alegórica era fomentada, tendo como
expoente Fílon de Alexandria, também contemporâneo de Jesus.
O Novo Testamento reproduz a mesma visão interpretativa dos judeus
palestinos quanto ao Antigo Testamento, vendo-o como infalível Palavra de
Deus; embora possamos vislumbrar influências da filosofia grega através do
apóstolo Paulo.
Jesus Cristo, por outro lado, não interpretava as Escrituras
identicamente aos seus contemporâneos. Há episódios em que a distância de
interpretação é considerável entre eles (a respeito do sábado; quanto à
guarda da lei; quanto à pena de morte, etc.).

6.1. ÉPOCA PATRÍSTICA (100 - 600 d.C.)

Já no período do primeiro século, a Igreja deixou de ser controlada por


Jerusalém, passando a ser controlada pelos gentios; recebendo a influência
de duas escolas de interpretação que se digladiavam tentando ganhar a
hegemonia da interpretação bíblica: as escolas de Alexandria e de
Antioquia. A primeira defendia a interpretação alegórica e a segunda, a
interpretação literal. Os expoentes destas escolas foram: Clemente de
Alexandria (150-215) e Orígenes (185-254), ambos defensores da
interpretação alegórica, no Egito. Clemente defendia cinco sentidos na
interpretação de um texto bíblico: 1) histórico; 2) doutrinário; 3) profético; 4)

40
Um fato curioso na história judaica quanto ao tratamento das Escrituras é o empreendimento massorético no século VII d.C. salvando a
pronúncia hebraica do A.T. e inventando a pontuação que identifica os sons vocálicos para pronúncia correta da língua hebraica.
filosófico e 5) místico. Orígenes 41 apresentava três níveis de sentidos para as
Escrituras: 1) Sentido somático, literal ou filológico, o mesmo que histórico
literal (acessível a todas as pessoas); 2) Sentido psíquico ou moral (caráter
existencial); e 3) Sentido alegórico, pneumático, ou espiritual (místico). É este
terceiro sentido que elucida o significado oculto nos textos (TILLICH, 2000.
Pág. 74-75). Teodoro de Mopsuéstia (350-428) e João Crisóstomo, ambos
defensores da interpretação literal.
A escola de Antioquia foi a predecessora da ênfase teológica moderna
no Jesus histórico. São os princípios desta escola (interpretação literal) que
influenciam os evangélicos modernos em sua hermenêutica, mais
especificamente os fundamentalistas e uma boa representação dos
conservadores. No Ocidente surgiu uma interpretação considerada
intermediária às duas escolas citadas acima. Elementos alexandrinos e
antioquianos juntamente com a estima a autoridade da tradição da Igreja,
marcavam esta terceira visão. Seus expoentes: Hilário, Ambrósio, Agostinho
e Jerônimo (traduziu a Vulgata latina). Os dois últimos influenciaram a
Igreja do Ocidente determinando, inclusive, a canonização do Novo
Testamento, em 397 d.C., no concílio de Cartago.

6.2. A INTERPRETAÇÃO MEDIEVAL (500-1500)

A batalha hermenêutica foi vencida pela escola de Alexandria e a


interpretação alegórica dominou por toda a Idade Média, em sua forma
quádrupla: um sentido literal (o fato) e três sentidos espirituais: moral
(conduta, o que fazer), alegórico (doutrina a ser crida) e anagógico (promessa
a ser cumprida). Por exemplo, um texto que fale sobre água. Sentido literal:
a água; sentido moral: exortação a uma vida pura; sentido alegórico:
batismo; e sentido anagógico: a água da vida na Nova Jerusalém (BRUCE,
1979. Pág. 28).
A interpretação deste período restringia-se a reproduzir os Pais da
igreja e a ser dominada pela tradição do magistério eclesiástico. Grassava
total ignorância da Bíblia. A Vulgata era a tradução autorizada.
Mesmo nestas condições, os historiadores da igreja atestam que outros
métodos de interpretação estavam sendo engendrados. Os judeus espanhóis
(séc. XII - XV) incentivaram o retorno a um método histórico-gramatical.
Nicolau de Lyra (1270? - 1340) causou impacto com sua ênfase na
interpretação literal, influenciando Martinho Lutero, tempos depois.
Durante toda a Idade Média o fator razão foi subjugado a autoridade
da igreja, não se permitindo o seu emprego para aferir as realidades
religiosas, a não ser que confirmasse o ensino da Igreja. Essa postura
haveria de se refletir mesmo nos cristãos não-católicos posteriormente.
Um fato curioso é que o movimento intelectual, filho da Renascença,
chamado iluminismo, atrelado ao movimento protestante, libertou a razão do
jugo da Igreja, possibilitando à hermenêutica da época expansão em suas
considerações filosófico-teológicas.

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Ver anexo: um exemplo de interpretação alegórica feita por Orígenes.
6.3. O PERÍODO PÓS-IDADE MÉDIA (1550 -1800)

Este período foi testemunha de vários desdobramentos hermenêuticos.


A Igreja Católica, no Concílio de Trento (1545 -1563) criticou o
Protestantismo, obtendo reação decisiva com elaboração de credos
doutrinários, caracterizando este período como confessionalista. Na
verdade, mas parece uma época de investidas loucas; de um lado, a Igreja
Cató1ica, ressentida por perder inúmeros adeptos; de outro, os protestantes,
buscando a todo custo sustentar o feito alcançado, para não voltarem mais
ao jugo anterior.
Nesta época, a hermenêutica ainda continuava deficiente em face de a
exegese ser obrigada a dizer o que a doutrina dos grupos religiosos
ordenasse (método confessional).
Ainda neste período, surgiu o Pietísmo como uma reação as discussões
puramente doutrinárias, convocando os cristãos a um cristianismo prático.
Esse movimento tentou transformar a ortodoxia em subjetivismo (TILLICH,
2000. Pág. 272).
Um movimento que causou grande impacto por este tempo, foi o
movimento filosófico denominado racionalismo. Na verdade, foi uma reação
segura contra todo o artigo de fé em realidades sobrenaturais. Tudo o que
não concordasse com a razão seria rejeitado. Se antes a fé era superior à
razão, agora os papeis estavam invertidos. Segundo Henry A. Virkler, Lutero
fazia distinção entre o uso magisterial e o uso ministerial da razão. O
segundo uso ajudava a compreensão e obediência à Palavra de Deus. O
primeiro uso emprega a razão humana como juiz sobre a Palavra de Deus;
uso este, rejeitado por Lutero.
Isto posto, considere-se o fato de que o racionalismo fez uso perfeito do
método rejeitado por Lutero... A Razão era a rainha e a fé, a súdita.
O racionalismo propiciou terreno fértil para o surgimento do
Liberalismo Teológico na fase por vir, período iluminista.

6.4. ÉPOCA MODERNA (1800 até o presente)

Este período viu surgir várias visões de interpretação da Bíblia. Surgiu


o método histórico-crítico, valorizado pelos teólogos liberais. Estes tomaram
a Bíblia como um livro analisável na medida de qualquer outra literatura,
passível de crítica racional. Surgiram ainda os métodos existencialista e
estruturalista, o método das ciências sociais, e outros tantos que são usados
paralelamente aos métodos tradicionais.
O movimento liberal é fruto do movimento racionalista, surgido a
partir do início da Idade Média, com homens que rejeitaram completamente
a tutela da Igreja Cató1ica ou do Movimento Protestante. Homens como João
Colet (considerou Tomás de Aquino como tolo e arrogante); Mateus Hamond;
Espinoza (filósofo judeu-holandês) e outros.
Os expoentes do racionalismo foram os filósofos franceses; os deístas
ingleses e os intelectuais alemães. Estes advogaram uma visão totalmente
racional das Escrituras.
Basicamente, como movimento, o racionalismo existiu por um período
de quase 100 anos (1740 - 1836).
Outros homens como H. S. Reimarus (1694 - 1768), João Ernesti
(1707 - 1781), fundador da escola gramatical de interpretação. João Semler
(1725 - 1791), fundador da escola histórica de interpretação da Bíblia é
considerado o “pai” do racionalismo. D. F. Strauss; foram articuladores
fundamentais das idéias do racionalismo.
O movimento liberal, aflorando no século XIX, rejeitou o ponto de vista
tradicional da autoria bíblica e usou o Criticismo Radical nas suas
interpretações bíblicas.
“Toda verdade é divina”, dizem os liberais.
A Bíblia é resultado de um processo histórico evolucionário. Sua
inspiração não é para ser negada; embora não só a Bíblia seja meio de
revelação.
A Bíblia contém a Palavra de Deus, como também as palavras dos
homens. A Palavra de Deus pode ser encontrada na Bíblia pela reflexão
racional e moral. Não se deve atribuir a Deus as palavras de comando para
atacar cidades; matar crianças e mulheres, tendo isto como palavras
inspiradas.
Assim o movimento liberal é o outro extremo do conservadorismo.

VII - CONCLUSÃO:

O objetivo desde trabalho foi, desde o princípio, foi a apresentação dos


métodos que possibilitam um trabalho exegético sem as pretensões
radicalizantes encontradas nos meios teológicos. Intencionou-se antes
disponibilizar informações organizadoras de uma compreensão mais flexível
sobre a exegese bíblica. Os métodos foram o objetivo. Aqueles apresentados
são suficientes para dar uma demonstração de como a exegese pode
acontecer sem as pretensões de doutrinamento ou coisa dessa espécie.
Acima de qualquer intuito, vingou a pretensão de mostrar que métodos não
são nem certos ou errados, desde que se saiba que resultados são
pretendidos com o método em uso. O ponto chave é esse: métodos como
instrumentos; nunca como medida absoluta. Resta o aperfeiçoamento e
desenvolvimento deste conhecimento para que outros métodos possam ser
conhecidos e praticados.
VII – REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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