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Gostaria de externar algumas impressões sobre algumas formas do pensamento marxista que

tenho visto ultimamente. Costuma me provocar estranheza e certa preocupação a leitura


epistemologizante de alguns marxistas. Não sei se é algum althusserianismo (vulgar, no caso),
mas me parece que ver em Marx algo como um “corte epistemológico” (Bachelard) leva a uma
leitura um tanto estática.

A questão que gostaria de trazer é a seguinte: será que não há nada a ser extraído, em termos
de conhecimento, da práxis? Será que esse conceito pode ser descartado/separado do
marxismo? Não pretendo fazer apologia nenhuma a essa ideia pós-moderna e antropologicista
de “vivência”, mas não seria o conhecimento da realidade propriamente social, humana,
marcado pela ação na realidade?

Como afirma um teórico que pessoalmente gosto muito, Karel Kosik: “A razão dialética não
existe fora da realidade e tampouco concebe a realidade fora de si mesma. Ela existe somente
enquanto realiza a própria razoabilidade, isto é, ela se cria como razão dialética só enquanto e
na medida em que cria uma realidade razoável no processo histórico”. Isso é diferente de
afirmar qualquer praticismo vulgar:

“A práxis na sua essência e universalidade é a revelação do segredo do homem como ser


ontocriativo, como ser que cria a realidade (humano-social) e que, portanto, compreende a
realidade (humana e não-humana, a realidade na sua totalidade). A práxis do homem não é
atividade prática contraposta à teoria; é determinação da existência humana como elaboração
da realidade.

A filosofia materialista não pode, por isso, aceitar a ontologia dualista que distingue de modo
radical entre a natureza como identidade e a história como dialética. Tal ontologia dualista só
seria legítima se a filosofia da realidade humana fosse concebida como antropologia.”

Trouxe essa questão porque quando entrei na militância, tive algo como uma epifania, sem
data específica (talvez quando li Lênin pela primeira vez), mas que me fez compreender que há
algo a ser aprendido da atividade prática que não é contemplação e nem “vivência”. Um
compromisso junto aos explorados que coloca a perspectiva de classe como crivo de análise e
a realidade socialmente reproduzida antes da formulação teórica, ou melhor, buscar sempre
“a viagem de volta” pra totalidade concreta.

Menciono tudo isso porque tem sido frequente ler comentadores que não percebem ou não
pesam a dimensão marxista de diversos autores, muitas vezes por não serem eles mesmos
organizados junto às lutas sociais. Li recentemente algo que assino embaixo: “Desta forma,
mesmo quando esse referencial teórico é mencionado, isso normalmente se dá como uma
mera ‘pontuação’: o reconhecimento de uma ‘influência’, sem que o modo como essa base
opera conceitualmente seja reconhecido ou explicitado.”

Isso deve, claro, à derrota histórica da classe trabalhadora, que junto com o muro caindo pro
lado errado, cai também sua sustentação teórica, isto é, cai a realidade de sua teoria. A
pergunta que deixo aos camaradas ceiianos é: é possível conciliar esse dado histórico com a
proposta de base do CEII, isto é, seu formalismo, com isso que é um certo reconhecimento das
limitações de toda forma.

Como alguém que entrou “no tempo errado” no CEII, me vejo na organização como um
pequeno elemento de tensão, que é bastante interessante por poder observar os afetos que
toda experiência do tipo gera, mas que me mantém questões sobre meu pertencimento à
organização, sobre os frequentes afastamentos e reaproximações de seus membros, esse
curioso modo de funcionamento do CEII que ao não servir pra nada, fornece algum tipo de
lugar pra existência, ainda que no antagonismo.

Talvez, ele forneça pelo próprio antagonismo. Pelos antagonismos interiores, isto é, uma
unidade entre o antagonismo com a organização e o interno que acaba criando a unidade
consigo porque reconhece os próprios impasses e impulsos dentro de certa racionalidade, de
certo projeto, de certo movimento:

“Se, historicamente, a lista de excluídos vai diminuindo em função da tomada de consciência


de seu papel como bode expiatório de uma sociedade ou de uma classe, o único excluído que
no atual momento histórico não está em condições de se conscientizar (...) é o doente mental
(...). Tudo o que ele sabe de si mesmo e do seu estado mórbido limita-se ao papel que a
sociedade e a psiquiatria lhe atribuíram, e portanto acha que todo ato de contestação à
realidade brutal que vive e que recusa é apenas um ato doente que sempre o reconduz a si
mesmo, sem nunca libertá-lo das forças que o dominam (p.38).”

Seria o CEII ou qualquer organização, capaz de passar desse plano do antagonismo formal e
conscientemente reconhecido pra sua efetivação na realidade através da violência
revolucionária, isto é, pela mudança na realidade como produto final do reconhecimento,
porque somos também essa realidade, somos também objetivados nela e por isso reais.

Seria tudo isso efeito de suposição de saber?

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