Você está na página 1de 20

Cidades-dormitório e a mobilidade pendular: espaços da desigualdade na

redistribuição dos riscos socioambientais?1

Ricardo Ojima♣
Rafael H. Moraes Pereira♠
Robson Bonifácio da Silva♦

Palavras-Chave: Cidade-dormitório; Mobilidade Pendular; Expansão urbana.

Resumo: O termo cidade-dormitório traz em sua conotação um conjunto de percepções com


carga negativa acerca do nível de desenvolvimento econômico e social do município
envolvendo precárias condições de assentamento e de vida de sua população e nítida
dependência de um aglomerado urbano vizinho. O seu uso normalmente está associado
àquelas cidades que apresentam uma economia pouco dinâmica e cuja parcela significativa da
população residente trabalha ou estuda em outra cidade, e que partilha de precárias condições
de vida e está sujeita a algum processo de degradação ambiental. Foram selecionados trinta
municípios identificados a partir da proporção de pessoas que realizam movimentos
pendulares (portanto, emblemáticos da noção de cidade dormitório) para aprofundar algumas
análises sobre suas condições de vida e características associadas aos riscos socioambientais.
O objetivo geral deste artigo é aprofundar e “decifrar” o controvertido termo cidade-
dormitório e suas relações com os aspectos ambientais a partir de um olhar
sociodemográfico; ou seja, a importância dos movimentos pendulares no contexto da
redistribuição de riscos socioambientais e os processos que conduzem para a consolidação de
espaços de desigualdade e vulnerabilidade social em espaços metropolitanos ou não.

1
Trabalho apresentado no XVI Encontro Nacional de Estudos Populacionais, ABEP, realizado em Caxambú-
MG – Brasil, de 29 de setembro a 03 de outubro de 2008. Este estudo foi desenvolvido no âmbito dos projetos:
"Dinâmica intrametropolitana e vulnerabilidade sócio-demográfica nas metrópoles do interior paulista" (Fapesp
e CNPq); e “Desafios para a urbanização sustentável no espaço intra-metropolitano de Campinas e Santos:
mobilidade populacional, vulnerabilidade socioambiental e as evidências (locais, regionais e globais) das
mudanças ambientais” (Pós-Doutorado/Fapesp).

Doutor em Demografia; Pesquisador Colaborador do Núcleo de Estudos de População (NEPO/Unicamp) e
Departamento de Demografia (DD/IFCH/Unicamp). Bolsista de pós-doutorado da Fundação de Amparo à
Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP).

Sociólogo; Mestre em Demografia - Departamento de Demografia (DD/IFCH/Unicamp); Bolsista da
Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP).

Geógrafo; Mestrando em Demografia - Departamento de Demografia (DD/IFCH/Unicamp); Bolsista da
Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES).
Cidades-dormitório e a mobilidade pendular: espaços da desigualdade na
redistribuição dos riscos socioambientais?1

Ricardo Ojima♣
Rafael H. Moraes Pereira♠
Robson Bonifácio da Silva♦

Introdução
O termo cidade-dormitório é recorrente na literatura brasileira, sobretudo quando se
trata de analisar os processos sociais e demográficos que se desenham dentro dos contextos
metropolitanos. Sendo assim, não é raro encontrar referências a cidades que são classificadas
dentro deste ambíguo termo, sempre associadas às situações de desvantagem econômica e
social em relação a uma cidade que polariza os fluxos regionais tanto pelos aspectos
econômicos quanto populacionais.
Mas embora esse termo seja muito presente tanto nos meios acadêmicos como no senso
comum, não há um consenso objetivo sobre o que se entende por uma cidade-dormitório.
Segundo Faria (1991), os caminhos percorridos pela pesquisa da sociedade urbana no Brasil
assumiram uma postura específica onde termos como urbano, cidade, espaço e até região
metropolitana, incorporam sentidos e significados meramente convencionais sob uma base
extensa e plural de temas e perspectivas teóricas.
Assim, o termo “cidade-dormitório” se vinculou aos processos de marginalização e
periferização da pobreza nos contextos metropolitanos, especialmente a partir de análises na
Região Metropolitana de São Paulo ao longo das décadas de maior crescimento econômico e
populacional dessa região. Conseqüentemente, o termo passou a ser empregado em um
sentido pejorativo em diversos contextos regionais e inúmeros casos facilmente encontrados
através de uma rápida pesquisa na mídia impressa e digital.
Os governos locais tendem a se proteger do rótulo de ser uma “cidade-dormitório”
devido à carga ideológica negativa que permeia essa denominação, principalmente quando se
trata de municípios onde parte significativa do crescimento populacional está relacionada à
chegada de pessoas de maior poder aquisitivo que vão residir em municípios mais distantes
do seu local de trabalho em busca de amenidades como: melhor qualidade ambiental, fuga da

1
Trabalho apresentado no XVI Encontro Nacional de Estudos Populacionais, ABEP, realizado em Caxambú-
MG – Brasil, de 29 de setembro a 03 de outubro de 2008. Este estudo foi desenvolvido no âmbito dos projetos:
"Dinâmica intrametropolitana e vulnerabilidade sócio-demográfica nas metrópoles do interior paulista" (Fapesp
e CNPq); e “Desafios para a urbanização sustentável no espaço intra-metropolitano de Campinas e Santos:
mobilidade populacional, vulnerabilidade socioambiental e as evidências (locais, regionais e globais) das
mudanças ambientais” (Pós-Doutorado/Fapesp).Este trabalho também é parte de projeto de pós-doutoramento
financiado pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP).

Doutor em Demografia; Pesquisador Colaborador do Núcleo de Estudos de População (NEPO/Unicamp) e
Departamento de Demografia (DD/IFCH/Unicamp). Bolsista de pós-doutorado da Fundação de Amparo à
Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP).

Sociólogo; Mestre em Demografia - Departamento de Demografia (DD/IFCH/Unicamp); Bolsista da
Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP).

Geógrafo; Mestrando em Demografia - Departamento de Demografia (DD/IFCH/Unicamp); Bolsista da
Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES).
1
violência, etc. Surge, portanto, um novo cenário no qual o termo “cidade-dormitório”
necessita ser melhor detalhado. Assim, compreender em escala regional o papel dos
deslocamentos populacionais cotidianos (entre o local de residência e de trabalho e/ou
estudo) traz novos contornos para se pensar o que se poderia chamar de cidade-dormitório.
O que este trabalho apresenta é uma breve análise das informações censitárias
disponíveis para os anos de 1980 e 2000 no sentido de captar os fluxos de deslocamentos
populacionais para trabalho e/ou estudo (deslocamentos pendulares) para entender alguns dos
empregos do termo cidade-dormitório no contexto da urbanização brasileira e como, muitas
vezes, essa característica permeia a discussão de riscos socioambientais. A seguir,
apresentamos a informação censitária de deslocamento pendular como característica mais
marcante de uma cidade-dormitório, afinal, a própria denominação faz referência à sua
condição de ser apenas local de residência e, teoricamente, a maior parte das atividades
(como trabalho e estudo) seriam realizadas fora deste município. Por fim, após este
mapeamento a partir da informação censitária, identificamos alguns casos mais emblemáticos
da condição de cidade-dormitório, selecionando alguns municípios para uma análise mais
detalhada e, deste modo, encontrar subsídios para confirmar algumas verdades e mitos sobre
o bom uso desse controvertido consenso que é a “cidade-dormitório”.

O emprego do termo cidade-dormitório


Bastante utilizado, o termo “cidade-dormitório” apresenta íntima relação com processos
demográficos e sociais, principalmente em regiões metropolitanas. Ojima (2007, p.83) aponta
que o surgimento da noção de cidade-dormitório está vinculado àqueles estudos urbanos que
trabalhavam sobre a perspectiva dicotômica ‘centro-periferia’. Porém, ainda seria necessária
uma discussão mais ampla para seu enquadramento à categoria de conceito. Freitag (2002)
sugere uma classificação em cinco tipos de cidades na contemporaneidade: as cidades
globais; as mega-cidades ou megalópoles; as metrópoles; as cidades periféricas; e as cidades-
dormitório. Em linhas gerais, a tipificação dessas cidades considera, principalmente, aspectos
de infra-estrutura de suporte para efetiva participação econômica em diferentes escalas (local,
regional, nacional, internacional e global); condições de vida da população; implementação
de direitos humanos; volume e dispersão populacional, etc.
As cidades-dormitório seriam frutos da conurbação e da expansão urbana
descontrolada, sobretudo pela expulsão das camadas mais populares da população para
regiões distantes dos centros consolidados, onde a infra-estrutura seria praticamente ausente.
Em sua análise, Freitag (2002) destaca que o morador desse tipo de cidade não se reconhece
como cidadão da mesma, pois na medida em que ali não se encontra seu local de trabalho e
só serve como dormitório e residência, ele não teria compromisso efetivo com a cidade. No
sentido desta reflexão, podemos considerar também que o trabalhador não exerceria parte de
seus direitos e deveres no município para onde se dirige, já que se ocupa estritamente aos
afazeres do trabalho. Além disso, a cidade-dormitório teria independência administrativa e
econômica relativamente limitada sendo, portanto, altamente dependente da sede regional a
qual se vincularia com grande intensidade. Outra característica que Freitag destaca são as
precárias condições de vida para seus moradores que vivenciam altos índices de violência,
insalubridade, epidemias, problemas de trânsito e transportes, agressão ao meio ambiente,
entre outros.
Em geral, o termo cidade-dormitório costuma ser relacionado a algumas características
como baixo dinamismo econômico, elevado crescimento populacional (JARDIM &
BARCELLOS, 2006) e expansão urbana em assentamentos precários de população de baixa
renda (CAIADO, 2005). Mas a característica que realmente marca uma cidade-dormitório é o
fato que nela os seus habitantes saem para trabalhar em outra cidade, voltando apenas para
dormir, sendo, portanto, a mobilidade pendular um elemento característico importante para o
melhor entendimento desse objeto de estudo.
Aranha (2005), apesar de fazer muitas referências ao termo, não chega a definir
‘cidade-dormitório’, mas confirma uma maior intensidade da mobilidade pendular nesse tipo
de cidade. Segundo ele, a Região Metropolitana de São Paulo possui cerca de 1 milhão de
pessoas que trabalham ou estudam em municípios diferentes daqueles em que vivem e a
capital, São Paulo, surge como o principal receptor da pendularidade metropolitana. Nesse
contexto, muitos municípios apresentam saldo negativo no fluxo de pessoas e alguns, como
Carapicuíba – onde entram cerca de 6 mil indivíduos e saem 64 mil (Aranha, 2005, p. 99),
são considerados cidades-dormitório por conta do expressivo saldo negativo e por não
apresentarem uma economia dinâmica.
Cano (1988) relaciona a origem das cidades-dormitório ao processo de urbanização. A
periferização dos assentamentos humanos e industriais e a especulação imobiliária teriam
provocado importantes mudanças no processo de urbanização como a conurbação e a
conseqüente metropolização, fazendo surgir aí as “cidades-dormitório”. Santos (1990)
também destaca a significativa importância da especulação imobiliária que, por
conseqüência, contribuiu para o crescimento fragmentado da metrópole paulistana. Trata-se
da concretização do espaço urbano alienado que aumenta o abismo entre a estruturação desse
espaço urbano e as necessidades sociais da população. Assim, a periferização se acentuou na
medida em que houve um aumento da especulação imobiliária e do custo de vida.
O baixo dinamismo econômico, a pouca diversidade das atividades de comércio e
serviços, e o uso predominantemente residencial de alguns municípios são os elementos
destacados por Caiado (2005) na caracterização das cidades-dormitório em sua análise sobre
a estruturação intra-urbana na região do Distrito Federal e seu entorno. A pesquisadora ainda
menciona as elevadas taxas de crescimento populacional da região devido à intensidade do
processo de periferização.
Contudo, nas últimas décadas podem-se destacar no Brasil algumas cidades cujas
características trazem novos contornos à discussão do tema e problematizam esse consenso
acerca da categoria de cidades-dormitório. O exemplo de Valinhos2 imprime novos contornos
para a categoria de cidades-dormitório. Se antes a “expulsão” das pessoas de baixa renda para
as áreas distantes dos centros pelo processo de periferização da população era uma
característica, hoje verificamos também a ocupação de áreas periféricas por pessoas de mais
alta renda que procuram essas áreas em busca de um nível de vida requerido pelas classes
média e alta da população (Cunha e Miglioranza, 2006).
Em relação à literatura internacional é importante destacar que o uso de termos
similares não possui a carga pejorativa que é atribuída no caso brasileiro. Termos como
commuter town, suburbs, satellite cities, etc; normalmente se aplicam a uma condição
objetiva encontrada nestas localidades, normalmente sob uma abordagem funcionalista, que
são identificadas como áreas de uso residencial não adjacentes ou conurbadas aos centros
urbanos consolidados. De certa forma, as distinções entre a literatura internacional e a
brasileira se dão a partir de aspectos político-administrativos característicos de cada região.
No caso brasileiro, as cidades-dormitório são municípios com autonomia político-
administrativa em relação aos demais municípios que compõem uma determinada região

2
A peculiaridade das características de Valinhos enquanto cidade-dormitório também é apontada nos trabalhos
de Cunha et all (2005) e de Jakob & Sobreira (2005).
(metropolitana ou não). Essa distinção mereceria maior atenção devido às implicações que a
estrutura política possui no desenvolvimento urbano regional, entretanto, não será abordado
neste momento, pois demandaria uma investigação de maior fôlego. Em termos da dimensão
ambiental, as cidades-dormitório são mencionadas por dois motivos. Primeiro porque são
associadas às áreas com pouca infra-estrutura urbana, sobretudo àquelas relacionadas ao
saneamento básico, abastecimento de água, transporte etc; onde as taxas de crescimento
demográfico são elevadas, principalmente no que se refere ao crescimento populacional de
baixa renda. A segunda questão que se associa às cidades-dormitório quando se discutem as
dimensões ambientais é que estão nestas áreas (normalmente à periferia dos grandes centros)
os principais focos de desmatamento e redução de áreas verdes. Assim, se reduzirmos a
questão ambiental urbana meramente à redução de áreas verdes, podemos concordar com tais
afirmações. Entretanto, seria limitado entender os problemas ambientais urbanos apenas às
questões de infra-estrutura e de redução de áreas verdes.
Estas características devem ser relativizadas em uma análise mais detalhada pois a
redução de áreas verdes nos municípios-sede (ou centros consolidados) tende a apresentar
menores índices devido ao fato de que, havendo poucas áreas verdes nestes municípios, a
redução comparativa com as áreas de expansão urbana recente se torna desproporcional. Ou
seja, é de se esperar que encontremos índices de redução de áreas verdes mais intensos em
cidades de crescimento urbano recente, pois ainda existem remanescentes florestais a serem
desmatados. No caso dos municípios centrais, restam poucas áreas verdes a serem reduzidas
e, portanto, comparativamente apresentam taxas menores.
Em termos dos riscos ambientais Alves (2007) destaca que as áreas de maior
crescimento populacional entre 1991 e 2000 são justamente as áreas de risco ambiental,
pobres e periféricas. Entretanto, há que se destacar que há uma “associação positiva entre
piores condições socioeconômicas e maior exposição a risco ambiental, mesmo no interior
das regiões pobres e periféricas de São Paulo” (Alves, 2007, p.313). A análise conduzida por
este autor foi realizada dentro do município de São Paulo, e não representa necessariamente o
panorama nacional que pretendemos analisar neste texto. De qualquer maneira, neste trabalho
Alves (2007) aponta o sentido da hipótese que analisamos no presente estudo, a hipótese de
que as cidades-dormitório são também as áreas de maiores riscos ambientais. O que se
pretende destacar aqui é a associação entre pobreza e condições de risco ambiental, muito
mais do que associá-la a uma condição periférica (geográfica).

A informação de deslocamento pendular para seleção de situações típico-ideais


Como vimos, uma das evidências empíricas que caracterizam as cidades-dormitório é o
fato que essas, como o nome sugere, são cidades essencialmente utilizadas como local de
residência enquanto as demais atividades cotidianas, sobretudo o trabalho, são realizadas em
outros municípios. Esta relação, normalmente percebida como parasitária dentro do contexto
das redes urbanas brasileiras assume conotação negativa pelas razões expostas na seção
anterior. Uma das maneiras de captar empiricamente a dinâmica populacional que configura
as cidades-dormitório é a utilização da informação censitária que registra o município que a
pessoa trabalha ou estuda. Assim, é possível captar a mobilidade das pessoas em um contexto
regional quando o município de residência é diferente daquele no qual a pessoa informa como
local de trabalho ou estudo. Essa modalidade é normalmente denominada como
“deslocamento pendular” por se considerar que trabalhando ou estudando em municípios
distintos este movimento possui uma regularidade cotidiana.
O uso da informação de deslocamento pendular com objetivo de trabalho ou estudo é
uma importante ferramenta para entender os processos de metropolização, pois permitem
verificar o grau de extensão da circularidade de pessoas em uma determinada região. Nos
Estados Unidos da América, por exemplo, o Census Bureau define a abrangência e a
extensão das Áreas Metropolitanas a partir da atualização regular, a cada levantamento
censitário, com o uso dos dados de deslocamento pendular para trabalho (FEDERAL
REGISTER, 1998).
Segundo Hogan (1990, 1993 e 2005), os movimentos pendulares jogam um importante
papel na diluição dos riscos enfrentados pelo desenvolvimento sustentável; analisando o
perfil das pessoas que fazem movimentos pendulares em Cubatão (SP), pôde-se observar que
essa dinâmica populacional refletiu impactos relevantes no desenvolvimento econômico da
região. Assim, apesar de Cubatão, em termos absolutos, não ter a expressividade de
movimentos pendulares como encontrados em São Paulo ou Rio de Janeiro, em termos
relativos esses processos se constituem em peças fundamentais na estruturação da dinâmica
regional.
Essa característica pode ser percebida mais claramente no caso de Cubatão (SP) onde
havia fortes evidências de poluição, sobretudo na década de 1980, com uma importante
concentração da população de baixa renda nesse município. Assim, a parcela da população
que realizava movimentos pendulares era aquela que possuia recursos financeiros para residir
em áreas mais distantes dos pólos industriais (HOGAN, 1990) e, portanto, colocavam
municípios como Santos ou Guarujá na condição de cidades-dormitório do pólo petroquímico
de Cubatão.
Neste aspecto, há que se fazer uma clara distinção entre algumas categorias. Não
devemos associar diretamente o termo cidades-dormitório à idéia de periferização, pois
pensando no caso de Cubatão, a periferia é o local de destino dos movimentos pendulares.
Assim, ao relacionar categorias em que as definições se misturam, podemos cair em
armadilhas teóricas. Mas a “função” regional das cidades não é um fator que garante
resultados. Segundo Aranha (2005),

(...) as trajetórias de entradas e as de saídas podem ser compostas por grupos sociais
distintos, e que devem ocupar também postos distintos no mercado de trabalho – o que
conformaria um caráter bastante seletivo dos deslocamentos pendulares metropolitanos (p.
107).

No que se refere ao objeto central desta análise, a saber: as cidades-dormitório, há uma


diversidade de situações no qual o termo é mais ou menos adequado, embora os contextos
possam ser muito distintos. De toda forma, a utilização dos fluxos de mobilidade pendular é
uma importante ferramenta para avaliar os processos de metropolização no país, sobretudo,
quando o objetivo é entender a expansão das cidades em contextos regionais que extrapolam
a delimitação estritamente institucional-legal de Regiões Metropolitanas.
Mas não se trata apenas de volumes absolutos de pessoas fazendo movimentos
pendulares, pois se assim fosse, a RM de São Paulo seria a única a conter cidades-dormitório
no Brasil. Isso porque os volumes absolutos não expressam, por si só, a representatividade
desse grupo de pessoas no contexto local ou regional. É importante verificar o peso relativo
(proporção) de pessoas que, morando em um município, se deslocam diariamente para
realizar suas atividades de trabalho (ou estudo) em outro município.
Comparando os dados de 1980 e 2000, podemos observar que houve um incremento da
mobilidade pendular em termos municipais. O valor médio da relação entre a população que
realiza movimentos pendulares pela população ocupada3 passa de 5,6% para 7,7% entre 1980
e 2000, indicando uma mudança no perfil dos municípios brasileiros. Os valores máximos
encontrados para os municípios em 1980 e 2000 também mostram mudanças, pois enquanto
em 1980 o município onde a proporção era mais expressiva atingia a marca de 72%
(município de Alvorada na RM de Porto Alegre) da população ocupada realizando
movimentos pendulares, em 2000 esse valor máximo chegou a 62% (Águas Lindas de Goiás,
na RIDE4 do DF e Entorno).
O estado de São Paulo se destaca por ter apresentado um aumento significativo na
proporção de municípios que possuíam entre 20% e 30% de pendularidade, passando de 4%
para 13% dos municípios desta UF entre 1980 e 2000. Os casos de Goiás e Sergipe também
merecem destaque por terem mostrado um aumento da proporção de municípios que se
enquadram nas classes de pendularidade mais elevada, sobretudo, entre aqueles que possuem
mais de 40% da população ocupada realizando estes movimentos.
Em termos dos números absolutos, é importante destacar que os municípios com
proporção de movimentos pendulares acima de 20% aumentou expressivamente entre 1980 e
2000, passando de 198 para 404 municípios. Só o estado de São Paulo contribuiu com 40%
deste aumento, pois dos 59 municípios com mais de 20% de pendularidade em 1980 passou
para um total de 142, em 2000. Em seguida, Minas Gerais, Paraná e Rio Grande do Sul foram
os que mais contribuíram para o aumento no número de municípios; 26, 19 e 17,
respectivamente.
A literatura que se vale do termo cidade-dormitório frequentemente associa sua
formação a partir dos processos de metropolização. Essa relação é claramente percebida a
partir dos dados de 1980, quando 51% dos municípios com mais de 20% da população
ocupada faziam parte de regiões metropolitanas5. Entretanto, há uma mudança importante
entre os dois períodos, pois em 2000 a participação dos municípios integrantes de Regiões
Metropolitanas diminui para 40%. Desta forma, a maior parte dos municípios que possuíam
proporção de pessoas ocupadas realizando movimentos pendulares está localizada fora de
regiões metropolitanas.
É importante destacar que esta informação não está influenciada pela mudança na
legislação e criação de “novas” regiões metropolitanas a partir da Constituição Federal de
1988, pois para nesta avaliação consideramos apenas as regiões metropolitanas que existiam
em 1980 e 2000. A questão que não foi avaliada neste trabalho é a emancipação de
municípios entre 1980 e 2000, entretanto, a criação de novos municípios dentro de RMs
tenderiam a aumentar o número de municípios com elevado grau de pendularidade dentro
destas áreas.

3
Neste trabalho utilizamos a “População Ocupada” como aquela que trabalha ou estuda entre 15 e 64 anos de
idade.
4
Região Integrada de Desenvolvimento (Ride).
5
Para fins desta análise comparativa, foram consideradas as Regiões Metropolitanas existentes em 2000 e os
municípios que vieram a constituí-los em 1980, sobretudo nos casos das Regiões Metropolitanas criadas após a
Constituição Federal de 1988.
Tabela 1
Número de municípios e peso relativo sobre o total de municípios com mais de 20% de
pessoas ocupadas em movimentos pendulares por Região Metropolitana, Brasil 1980 e
2000
1980 2000
Região Metropolitana
N % N %
Baixada Santista 2 1,0 2 0,5
Belém 2 1,0 3 0,7
Belo Horizonte 9 4,5 19 4,7
Campinas 5 2,5 7 1,7
Curitiba 4 2,0 12 3,0
Florianópolis 6 3,0 7 1,7
Fortaleza 1 0,5 4 1,0
Foz do Rio Itajaí 3 1,5 2 0,5
Goiânia 1 0,5 6 1,5
Londrina 1 0,5 3 0,7
Maceió 3 1,5 4 1,0
Maringá 1 0,5 3 0,7
Natal 1 0,5 4 1,0
Norte/Nordeste Catarinense 0 0,0 1 0,2
Porto Alegre 9 4,5 15 3,7
Recife 5 2,5 10 2,5
Região Carbonífera 2 1,0 4 1,0
RIDE DF e Entorno 2 1,0 7 1,7
Rio de Janeiro 9 4,5 14 3,5
Salvador 2 1,0 1 0,2
São Luís 1 0,5 2 0,5
São Paulo 26 13,1 28 6,9
Vale do Aço 1 0,5 1 0,2
Vale do Itajaí 1 0,5 2 0,5
Vitória 5 2,5 4 1,0
Total das RMs 102 51,5 165 40,8
Fora de RMs 96 48,5 239 59,2
Total 198 100,0 404 100,0

Fonte: IBGE, Censo Demográfico 1980 e 2000 (microdados); Tabulações Especiais dos Autores

Tal constatação confirma a tendência de desaceleração do crescimento populacional


metropolitano a partir da perda da participação relativa dessas metrópoles no total da
população do país. Além disso, permite afirmar que a metropolização enquanto processo
social, econômico e político não deve ser focado apenas no desenvolvimento das Regiões
Metropolitanas institucionalizadas, mas no processo de metropolização enquanto um macro-
processo. Portanto, a consolidação de redes de interação intermunicipal se desconcentra e
aponta para novos desafios para o planejamento urbano e regional.

As cidades-região, apontadas, entre outros, por Scott et al. (2001), constituem nódulos
de expressão de uma nova ordem social, econômica e política, mostrando que - ao contrário
de uma dissolução da importância regional decorrente da diluição do tempo-espaço
propiciado pela globalização - as formas espaciais regionais se tornam cada vez mais
centrais à vida moderna (OJIMA, 2007: p.48).

A partir dessa avaliação pudemos identificar um “ranking” de municípios segundo a


proporção de deslocamentos pendulares. A Tabela 2 apresenta quais são estes municípios,
seus respectivos volume de pessoas que realizam deslocamentos pendulares e sua população
economicamente ativa no ano de 2000. Em termos do porte populacional a maior parte deles
pode ser classificada como municípios pequenos e alguns de médio porte. O maior deles é
Carapicuíba com cerca de 230 mil habitantes na PEA6, sendo este município integrante da
RM de São Paulo. O menor deles é Santa Ernestina, também no Estado de São Paulo, mas
fora de Regiões Metropolitanas.

Tabela 2
Ranking dos municípios com maior proporção de pessoas ocupadas que realizam
deslocamentos pendulares - 2000
PEA % de
Deslocamentos
Município Região Metropolitana (15 a 64 Deslocamentos
Pendulares
anos) Pendulares
Águas Lindas de Goiás RIDE DF e Entorno 25.590 63.506 62,3
Alvorada Porto Alegre 44.492 118.171 56,4
Novo Gama RIDE DF e Entorno 16.986 45.950 56,0
Dobrada Fora RM 1.730 4.616 55,5
Almirante Tamandaré Curitiba 20.817 55.693 55,3
Ibirité Belo Horizonte 28.962 85.631 54,1
Várzea Paulista Fora RM 21.463 62.319 53,8
Ribeirão das Neves Belo Horizonte 56.925 160.703 53,4
Potim Fora RM 3.055 8.820 53,3
Nossa Senhora do Socorro Fora RM 27.001 81.492 52,7
Piraquara Curitiba 15.698 46.295 51,6
Cidade Ocidental RIDE DF e Entorno 9.656 25.993 51,2
Santa Ernestina Fora RM 1.325 3.869 50,7
Francisco Morato São Paulo 26.958 84.056 50,6
Rio Grande da Serra São Paulo 7.387 24.552 49,2
Valparaíso de Goiás RIDE DF e Entorno 20.911 60.733 49,1
Sabará Belo Horizonte 24.819 76.086 48,3
Santa Lúcia Fora RM 1.647 5.108 47,9
Senador Canedo Goiânia 11.111 33.509 47,9
Santa Luzia Belo Horizonte 38.297 121.724 47,5
Fazenda Rio Grande Curitiba 12.135 39.518 47,2
Colombo Curitiba 37.719 118.471 46,7
Viamão Porto Alegre 45.794 148.122 46,4
Santo Antônio do Descoberto RIDE DF e Entorno 8.778 31.321 46,3
Japeri Rio de Janeiro 14.766 52.513 46,2
Ferraz de Vasconcelos São Paulo 26.682 92.535 45,7
Hortolândia Campinas 30.516 100.706 45,5
Carapicuíba São Paulo 68.466 233.855 45,5
Nilópolis Rio de Janeiro 30.840 105.114 45,4
Jandira São Paulo 18.951 61.020 45,4

Fonte: IBGE, Censo Demográfico 2000 (microdados); Tabulações Especiais dos Autores

Uma característica importante deste ranking de no Brasil é o fato de que nele estão
contidos municípios pouco conhecidos e, muitas vezes, não habitualmente identificados como
“cidades-dormitório” pela mídia. O que queremos destacar aqui é o fato de que muitos
municípios que tradicionalmente são identificados como cidades-dormitório não apresentam
necessariamente grandes proporções de pessoas realizando movimentos pendulares. Assim,
uma das hipóteses que podem ser levantadas aqui é que essa denominação atende a outras
características do município que aquelas associadas à mobilidade pendular.
Na seção seguinte avançaremos em uma análise que privilegie a característica de
mobilidade pendular como definidora de uma cidade-dormitório. Assim, ao invés de estudar

6
Para essa comparação utilizamos a população entre 15 e 64 anos para considerar apenas o peso relativo de
movimentos pendulares pela População Economicamente Ativa (PEA). Além disso, ao usar apenas a PEA,
reduzimos o impacto da estrutura etária na avaliação dos movimentos pendulares uma vez que esses
movimentos são muito reduzidos entre crianças e idosos.
as características sociodemográficas daqueles municípios que são tradicionalmente chamados
de cidade-dormitório, iremos fazer uma breve análise daqueles municípios que possuem
relativamente grandes proporções de deslocamentos pendulares. Com isso, procuramos
entender quais são as principais características dos municípios que se situam entre aqueles
que se destacam no ranking nacional de proporção de deslocamentos pendulares.

Cidades-dormitório: espaços de desigualdade?


Com base nos 30 municípios identificados na sessão anterior, iremos realizar uma
caracterização mais detalhada destes municípios em termos de duas categorias e uma
subdivisão. Primeiro iremos abordar os municípios que se encontram em Regiões
Metropolitanas, separadamente, tratamos o caso dos municípios que integram a RIDE do
Distrito Federal e Entorno, pois entendemos que neste caso as características específicas
criadas pela Capital Federal merecem atenção diferenciada dos demais casos encontrados.
Além disso, a participação de municípios da RIDE é expressiva dentro deste ranking devido
ao fato de que dos 30 municípios, cinco estão nesta região. Por fim, destacamos os casos dos
municípios que não se situam fora de RMs. Este último caso pode nos dar pistas de novos
desafios para o entendimento do crescimento urbano uma vez que aponta para contextos
regionais de integração populacional não associados a processos industriais ou econômicos
tradicionalmente percebidos em áreas metropolitanas.

Em regiões metropolitanas

Nesta parte procuramos enfocar seis municípios pertencentes à regiões metropolitanas:


Alvorada (Região Metropolitana de Porto Alegre), Carapicuíba (Região Metropolitana de São
Paulo), Colombo (Região Metropolitana de Curitiba), Hortolândia (Região Metropolitana de
Campinas), Ibirité (Região Metropolitana de Belo Horizonte) e Nilópolis (Região
Metropolitana do Rio de Janeiro).
Todos os municípios mencionados possuem uma parcela muito significativa da
população ocupada realizando deslocamentos pendulares, com porcentagem variando entre
45,42% a 56,42% (ver tabela 2). Já que as noções de cidade-dormitório atentam para a
questão da pendularidade, tentaremos levantar outras características que possam nos ajudar a
discutir tais noções. Não pretendemos fazer comparações entre os municípios inseridos em
regiões metropolitanas com aqueles que não fazem parte ou com aqueles que pertencem à
Região do Distrito Federal e Entorno, já que se encontram em contextos diferenciados e tal
empreendimento necessitaria de dados e indicadores passíveis de comparação.
Objetivamos oferecer um panorama como tais municípios se apresentam como
cidades-dormitório e como suas características demográficas, sociais e ambientais se
comportam perante o contexto metropolitano e às possíveis situações que colocam suas
populações em situações de riscos ambientais, vivendo em contextos marcados
principalmente por vulnerabilidades ambientais.
Os municípios contemplados neste trabalho apresentaram considerável crescimento
populacional, geralmente acima da média regional. Utilizando os Censos Demográficos de
1991, de 2000, a Contagem Populacional de 2007, e a população estimada pelo Datasus para
2007, calculamos a taxa de crescimento populacional considerando apenas a população entre
15 e 64 anos. Um dos casos que nos chama mais atenção é o de Nilópolis, já que no período
1991-2000 apresentou crescimento negativo de 0,31% e entre 2000 e 2007 teve sua taxa de
crescimento populacional em 0,09% (Censos Demográficos e Contagem Populacional 2007,
IBGE). Hortolândia também se destaca, pois teve sua emancipação em 19 de maio de 1991
com 110 mil habitantes na época e no período 2000-2007 teve um crescimento populacional
de 4,61%, chegando aos 138.049 habitantes. Quais seriam os processos que levaram tais
municípios a terem um considerável crescimento populacional? Seria a atração de uma
população em busca de amenidades ambientais em cidades de menor porte? Ou atração de
uma população com baixa renda que foi marginalizada e, pelos ditames do mercado
imobiliário, foi obrigada a se dirigir para a periferia?
Para tentar responder tais perguntas, devemos analisar o contexto metropolitano de
cada município. Em Ibirité, Souza e Brito (2006) consideram que a redistribuição
populacional se relaciona com o mercado imobiliário de fato, que segregaria a população
carente para periferias com loteamentos sem infra-estrutura básica na região oeste da capital
Belo Horizonte. Tais loteamentos muitas vezes são implantados sem a presença e controle do
setor público e com uso e ocupação do solo inadequados. Outra característica que os autores
mencionam e que encontramos em alguns estudos sobre cidades-dormitório é a presença de
população de baixa renda e força de trabalho desqualificada, que no caso deste município se
direciona à capital de Minas Gerais.
Cunha et al. (2006) destacam também os baixos preços de lotes no município de
Hortolândia como um dos fatores de atração populacional, conseqüentemente de baixa renda
e de menor qualificação. Outro fator mencionado é a fácil acessibilidade às áreas mais
dinâmicas e que oferecem oportunidades de emprego para tal população, como Campinas.
Já Ântico (2004), em um de seus estudos sobre deslocamentos pendulares na Região
Metropolitana de São Paulo, destaca em Carapicuíba o baixo dinamismo econômico, , as
menores densidades de emprego e a existência de áreas mais precárias em termos de infra-
estrutura urbana.
Os três municípios mencionados anteriormente se destacam pelos aspectos negativos
como falta de infra-estrutura para moradia, baixa renda da população residente, pouca
dinamicidade econômica e mão-de-obra pouco qualificada. Portanto, são três casos
contrastam com as características apontadas tratadas anteriormente em nosso texto sobre os
caso de Cubatão e Valinhos. Isso sugere mais uma vez a necessidade de resgatar a noção de
cidade-dormitório nos estudos demográficos, urbanos e geográficos para darmos conta de
toda essa complexidade e diversidade de contextos.
Utilizando o Perfil dos Municípios Brasileiros (IBGE, 2002), analisamos os dados
referentes ao meio ambiente e as condições de vida da população sob o prisma da
vulnerabilidade ambiental, além de realizar uma breve caracterização dos municípios.
Dentre os problemas ambientais que afetam as condições de vida da população,
Carapicuíba, Alvorada, Colombo e Hortolândia são os que apresentam as piores situações
ambientais. Os três possuem reduzida abrangência da rede de esgoto, contando com as fossas
sépticas ou rudimentares como solução para o problema. Essa situação deixa a população
mais exposta à incidência de doenças que seriam facilmente evitadas. Pelos dados do Perfil
dos Municípios Brasileiros (IBGE, 2002), Hortolândia é o que apresenta piores condições,
com apenas 1, 92% dos domicílios possuindo rede de esgoto adequada.
De maneira geral, outros problemas ambientais que afetam a qualidade de vida da
população são bastante comuns como a ocupação de áreas frágeis e/ou protegidas,
desmatamento, poluição do ar (causada principalmente por veículos automotores e
indústrias), poluição sonora e contaminação dos cursos d`água (principalmente por esgoto
residencial e industrial jogados diretamente ou pela mineração).
Dentre as características sociais, destacamos a renda per capita, os níveis de pobreza, o
analfabetismo, e o Índice de Desenvolvimento Humano. Segundo o Atlas de
Desenvolvimento Humano no Brasil (PNUD, 2000), a renda per capita de todos os
municípios se elevou consideravelmente entre 1991 e 2000. O grande responsável pelo feito
foi a atuação do governo, através de programas de transferência de renda para as famílias
pobres. Nilópolis e Carapicuíba são os dois municípios com maiores rendas per capita,
R$298,30 (maior aumento em relação a 1991, com 38%) e R$275,56 respectivamente, e
Ibirité se destaca como o município de menor renda per capita, R$149,53 (valores em 1º de
agosto de 2000). Porém, Carapicuíba foi o único município a apresentar uma queda de
1,21% no valor da renda per capita, o que pode assinalar um processo de encolhimento
significativo do poder aquisitivo da população.
Quanto à redução da pobreza e da indigência, apenas Ibirité conseguiu os dois feitos.
Através da análise da evolução da renda per capita no município, podemos apontá-la como
um dos fatores para esse acontecimento, já que no período de 1991-2000, a renda teve um
acréscimo de 29,20%, o terceiro maior dentre os municípios observados. Alvorada reduziu o
número de pobres, inclusive criança. Carapicuíba e Hortolândia se destacam negativamente,
apresentando um aumento da indigência e elevação dos níveis de pobreza, ambos os
fenômenos atingindo também as crianças. O primeiro município possui uma característica
importante que foi de apresentar queda na renda per capita e Hortolândia foi o que menos
teve crescimento da renda.
Quanto ao analfabetismo, o grande esforço dos governos em reduzi-lo obteve bons
resultados entre as crianças e jovens, porém, entre os adultos acima dos 25 anos, o índice
continua elevado e permanece como uma grande preocupação e desafio para este início de
século.
O Índice de Desenvolvimento Humano se elevou em todos os municípios, com
destaque para Nilópolis, com 0,788. Dentre os elementos que compõem o índice, o destaque
vai para a educação, que alavancou o desempenho dos municípios. Ibirité se destaca
negativamente como o município que apresentou o menor índice, 0,729.
Um dos elementos importantes para a noção e caracterização das cidades-dormitório,
bem como uma possível contribuição para o entendimento das dinâmicas espaciais
importantes para a ocupação do solo e de áreas não apropriadas é a expansão das áreas de
condomínio e loteamentos populares. Nos municípios observados, não encontramos
referências à expansão de condomínios luxuosos, e sim de loteamentos populares que visam
atender à baixa renda das populações residentes. Tais loteamentos, não raras vezes, são
implantados em áreas protegidas ou inadequadas para a construção, afetando nascentes de
rios, poluindo cursos d`água, facilitando deslizamento de terras, etc. Assim, o processo de
distribuição populacional e a ocupação não vigiada e ilegal de áreas contribuem para que a
própria população residente fique expostas à maiores riscos ambientais e, de acordo com suas
características sociodemográficas, podem ter poucos ativos ou pouca capacidade de
mobilização dos mesmos para enfrentarem as situações de vulnerabilidade.
Assim, o espaço urbano se transforma em categoria analítica pertinente para se entender
as condições de vulnerabilidade das famílias, pois muitos destes municípios estão em
situações de desvantagem em termos econômicos e se encontram em situação de falta ou
precariedade de serviços públicos, infra-estrutura, entre outros.
A região do Distrito Federal e Entorno (RIDE)

No ranking nacional dos 30 municípios com maior proporção de sua população


ocupada realizando deslocamentos pendulares, cinco municípios pertencem à RIDE do
Distrito Federal. Apesar da RIDE não ser considera uma Região Metropolitana em termos
formais7, a região assume características que permitem apontá-la como uma Região
Metropolitana de fato, envolvendo, dentre outras coisas, uma dinâmica econômica polarizada
pelo Distrito Federal com considerável nível de integração espacial.
Para os fins deste estudo, destacam-se os 5 municípios com maior proporção de sua
população ocupada realizando deslocamentos pendulares: Águas Lindas de Goiás, Novo
Gama, Cidade Ocidental, Valparaíso de Goiás e Santo Antônio do Descoberto. Além de se
destacarem regionalmente, esses municípios se encontram no Ranking nacional dos 30
municípios com maior proporção de população ocupada realizando deslocamentos
pendulares.
Uma particularidade que distingue a RIDE das demais regiões metropolitanas
Brasileiras diz respeito ao nível de atuação estatal na administração do solo urbano. Para
além da atuação especulativa do mercado imobiliário com oferta de parcelamentos nos
municípios goianos limítrofes, o quase monopólio da terra e das possibilidades de controle
sobre o uso e ocupação do solo do Distrito Federal pela Novacap (Companhia Urbanizadora
da Nova Capital) se apresentou como questão decisiva na forma e ocupação urbana da região.
Como aponta Caiado (2005a, p.65), a partir da premissa básica da atuação estatal no
processo de ocupação territorial de preservação do núcleo central (formado pelo Plano
Piloto), a pressão populacional, sobretudo, de classes média e baixa passaria a formação das
cidades-satélites a partir da oferta de lotes pela Novacap. Os municípios limítrofes do entorno
mais imediato, por sua vez, envolvem-se diretamente no processo de expansão urbana do DF
que passa a apresentar uma consolidação de sua periferia a partir das cidades satélites e, em
condições ainda mais precárias, os municípios goianos limítrofes localizados principalmente
na direção Sudoeste.
Neste eixo de expansão se localizam os 5 municípios da RIDE que se encontram entre
os 30 municípios brasileiros com maior proporção de sua população ocupada realizando
deslocamentos pendulares: Águas Lindas de Goiás, Novo Gama, Cidade Ocidental,
Valparaíso de Goiás e Santo Antônio do Descoberto.
Como observado anteriormente, esses cinco municípios podem ser considerados de
pequeno e médio porte. Considerando apenas sua população entre 15 e 64 anos de idade, seus
volumes populacionais ficam entre 25.993 (Cidade Ocidental) e 63.506 (Águas Lindas de
Goiás). Isso explica em parte também as elevadas taxas de crescimento populacional
observadas nestes municípios. Como a população base é pouco volumosa, pequenas
variações populacionais são suficientes para apontar taxas de crescimento elevadas. Entre os
anos de 2000 e 2007, este grupo de municípios apresentou taxas de crescimento
populacionais muito elevadas. Com a menor delas, Santo Antônio do Descoberto apresentou
uma taxa geométrica de crescimento populacional igual a 8,55% ao ano em média no

7
Ao atribuir aos Estados à institucionalização de regiões metropolitanas, a Constituição Federal não previu a
possibilidade de o fenômeno metropolitano envolver mais de uma Unidade da Federação (UF). Por esse motivo,
o Congresso Nacional instituiu em 1998 a Região Integrada de Desenvolvimento (Ride) como nova figura
jurídica possibilitando, dessa forma, a articulação da gestão de território em áreas que incluem mais de uma UF.
A RIDE do Distrito Federal inclui, além do próprio distrito, mais 21 municípios de Goiás e Minas Gerais.
período. Destaca-se ainda o município de Águas Lindas de Goiás que entre 2000 e 2007
apresentou uma taxa geométrica de crescimento populacional de 11,00% ao ano em média.
A crescente importância da imigração intrametropolitana recebida por estes municípios
contou também de forma decisiva para essas elevadas taxas de crescimento. Como observa
Caiado (2005a, p.71), o processo de redistribuição da população regional para os municípios
do Entorno se intensificou a partir da década de 80 com a periferização das pessoas de classes
sociais médias e baixas. Analisando dados dos Censos demográfico a autora aponta de forma
clara a crescente expulsão dessa população do Distrito Federal para o entorno regional a
partir deste período. Enquanto no período 1975-1980, 33.866 pessoas deixaram o DF para
municípios do Entorno, nos períodos seguintes de 1986-1991 e 1995-2000, os volumes desse
fluxo se elevaram para respectivamente para 46.162 e 80.942 pessoas.
Nesse contexto de quase monopólio estatal da posse e controle do solo a rápida
ocupação urbana é marcada pela ilegalidade de grileiros e especuladores propiciando a
ocorrência de loteamentos ilegais e um desenvolvimento urbano desequilibrado. As
condições desiguais de distribuição de infra-estrutura urbana e oportunidades de emprego,
principalmente concentradas no núcleo urbano de Brasília, por um lado, e a segregação
socioespacial dos segmentos populacionais de menor poder político e econômico em áreas
periféricas, por outro, apresentam-se então como “[...] a principal faceta espacial da exclusão
social a que estão submetidos esses segmentos populacionais.” (CAIADO, 2005b, p.56).
Em termos de questões ambientais, as desigualdades das condições de habitação entre
Distrito Federal e Entorno ficam patentes. Considerando variáveis relativas a abastecimento
de água, destinação e tratamento de resíduos sólidos, condições da habitação e localização da
residência em aglomerados subnormais, Caiado (2005b, p.83) avalia a “condição de
habitabilidade” dos imóveis nos anos de 1991 e 2000 para essas regiões. Segundo a autora,
no Distrito Federal observa-se entre 1991 e 2000 um aumento na proporção de chefes de
domicílio que residiamm em condições adequadas (de infra-estrutura, instalações sanitárias e
localização) chegando a 57% e 77% dependendo da condição migratória da pessoa. Enquanto
isso, na área classificada pela autora como Entorno Imediato (que inclui os cinco municípios
que estamos destacando), a proporção de chefes de domicílio em condições adequadas de
residência apresentou importante queda no período analisado. No ano de 2000 a proporção de
chefes de domicílio residentes em condições adequadas não passava de 13,5%,
independentemente da condição migratória.
A marcada desigualdade do desenvolvimento regional e o intenso processo de
periferização populacional dão contornos a um contexto de elevada dependência dos
municípios do Entorno em relação ao Distrito Federal e sua estrutura de serviços públicos de
educação, saúde e mesmo de oportunidades de emprego e outras atividades geradoras de
renda. Segundo Caiado (2005b), além das cidades satélites,

[...] os municípios goianos de Águas Lindas de Goiás, Santo Antônio do Descoberto


(limítrofes à divisa oeste do DF), Planaltina de Goiás (limítrofe à divisa nordeste), Novo
Gama, Valparaíso de Goiás, Cidade Ocidental (limítrofes à divisa sudoeste) e Luziânia
assumem, principalmente, função similares às de cidade-dormitório, com baixo dinamismo
econômico marcado pela pouca diversidade das atividades de comércio e serviços, sendo
predominante o uso residencial. Essas localidades apresentaram, na última década, as
maiores taxas de crescimento populacional da região, indicando que o processo de
periferização da população continua intenso. (CAIADO, 2005b , p.5.).
De fato, são justamente estes municípios que se destacam pelas elevadas taxas de
pendularidade no ano de 2000. Ao se considerar apenas a população ocupada entre 15 e 64
anos de idade, 46,25% da população do município de Santo Antônio do Descoberto trabalha
em outra cidade. Nas outras 4 cidades em destaque a proporção da população ocupada que
trabalho fora do município chegava muito próximo a 50% ou se encontrava acima dessa
proporção em 2000. Destaca-se ainda a cidade de Águas Lindas de Goiás que apresenta a
maior proporção de pessoas realizando deslocamentos pendulares. Nesse município, a
proporção de pessoas entre 15 e 64 anos de idade que trabalha em outras cidades chega a
62,31%. Ainda, a centralidade do Distrito Federal é marcante nesse processo.
De todas as 81.921 pessoas entre 15 e 64 anos de idade que residem nesses 5
municípios e realizam deslocamentos pendulares para trabalhar/estudar em outra cidade,
95,5% se deslocam para o Distrito Federal. Em 2000, o nível socioeconômico desse grupo de
pessoas poderia ser apontado como consideravelmente baixo. Em termos de renda, as pessoas
que realizam deslocamentos pendulares apresentavam uma renda média de 3,6 salários
mínimos contra a média de 2,8 das que as pessoas que trabalhavam no próprio município de
residência. Apesar de a diferença ser menor em termos de escolaridade, a diferença ainda é
positiva para a população que realiza deslocamentos pendulares com 6,7 contra 6,4 anos de
estudo em média da população que não realiza esses deslocamentos.
Apesar da relativa dependência que a população destes municípios apresenta em
relação ao mercado de trabalho do Distrito Federal, despendendo importante parcela de seus
recursos de tempo e dinheiro nas longas viagens diárias entre residência e local de trabalho, é
importante se relativizar a precariedade das condições dessas pessoas. Apesar de
apresentarem níveis de renda e escolaridade muito baixos, quando comparada à população de
seus municípios que não realizavam deslocamentos pendulares, suas condições de renda e
escolaridade eram ligeiramente superiores.

Fora de regiões metropolitanas

Como já mencionado anteriormente, as cidades-dormitório são tradicionalmente


associadas aos contextos metropolitanos. A despeito dos critérios que definem uma região
metropolitana, é curioso notar que entre os 30 municípios com maior proporção de pessoas
realizando movimentos pendulares estejam seis que não fazem parte destas regiões. Neste
sentido, poderá haver características diferenciadas para estas cidades-dormitório?
Analisamos estes seis municípios que se destacam com importante proporção de
pessoas que realizam deslocamentos pendulares a partir de municípios que se encontram fora
de regiões metropolitanas. Entre os seis municípios que se encontram fora de regiões
metropolitanas, quatro deles possuem menos de 10 mil habitantes e dois deles possuem mais
de 60 mil habitantes. De certo modo, o volume populacional contribui para que o peso
relativo seja mais expressivo do que em municípios de maior porte populacional, entretanto,
isso não invalida o fato de que a importância relativa dos deslocamentos seja significativa
para a vida cotidiana nestes municípios.
Destaca-se ainda o fato de que dos seis municípios, apenas um deles não está no Estado
de São Paulo o que coloca em evidência uma característica marcante desta região que é o seu
sistema viário complexo e denso. Esta característica talvez seja uma das que proporciona
mais condições para que mesmo em contextos não metropolitanos existam dinâmicas
regionais que favoreçam proporções significativas de deslocamentos pendulares.
O município que não está no Estado de São Paulo é o município de Nossa Senhora do
Socorro (SE). Apesar de não fazer parte de uma região metropolitana institucionalizada, ela
integra um aglomerado urbano importante que é a região de Aracaju. Nossa Senhora do
Socorro faz divisa com os municípios de Aracaju e São Cristovão no Sergipe e possui uma
dinâmica regional importante nesta região. Do total de movimentos pendulares de pessoas da
PEA (27 mil), cerca de 25 mil têm como destino o município de Aracaju, apontando
importante polarização desse município pela capital estadual. e. Ainda, Nossa Senhora do
Socorro possui praticamente metade da sua PEA fazendo movimentos pendulares para o
município de Aracaju, o que mostra que este é um caso do que poderíamos denominar como
cidade-dormitório.
O caso de Várzea Paulista apresenta também uma significativa concentração em relação
aos destinos de seus movimentos pendulares. Sua posição no ranking de movimentos
pendulares é o de sétimo lugar de todos os municípios brasileiros em 2000 e cerca de 80%
destes movimentos possuem como destino o município de Jundiaí. Localizado entre duas
regiões metropolitanas importantes nacionalmente, São Paulo e Campinas, esta região se
constitui como um importante nódulo logístico por apresentar uma rede viária integrada e de
movimento intenso. Nesta região, se concentram os principais centros de distribuição de
grandes redes lojistas de alcance nacional. Tanto Várzea Paulista como Jundiaí não fazem
parte de nenhuma região metropolitana, mas são importantes na economia das regiões
metropolitanas que a circundam.
Potim, localizada no Vale do Paraíba (SP), é um município de pequeno porte e o
principal fluxo de movimentos pendulares tem como destino o município de Aparecida (cerca
de 75%). Mas embora em termos absolutos os movimentos pendulares que saem de Potim
sejam de pouco mais de 3 mil pessoas, esta parcela da população representa metade da
população economicamente ativa (53%). Talvez sejam estes casos, em cidades fora de
regiões metropolitanas e com um volume populacional não tão expressivo, ou seja, cidades
de pequeno porte, as localidades em que mais se identifiquem a condição de cidades-
dormitório. Pois, apesar de volumes absolutos pouco expressivos, a representatividades deles
são elevadas no contexto local, sobretudo, porque em uma cidade pequena onde uma em cada
duas pessoas com idade entre 15 e 64 anos trabalhem em outro município, ficará mais
evidente a sua relação de cidade-dormitório da outra cidade.
Os outros municípios identificados no ranking são também municípios de pequeno
porte. Dobrada e Santa Ernestina são polarizados por dois municípios: Guariba e Matão. Esta
região se localiza no oeste do Estado de São Paulo e, embora os movimentos pendulares
sejam pouco expressivos em termos absolutos, indicam uma dinâmica regional significativa
para este conjunto de municípios. Santa Ernestina concentra seus movimentos para Guariba
(72%). No caso de Dobrada, os movimentos pendulares se dividem com relativo equilíbrio
entre Guariba (20%), Matão (39%) e Vista Alegre do Alto (13%). Assim, considerando que
em Dobrada cerca de 55% da PEA trabalha fora do município e esta distribuição se dá com
grande dispersão, parece que existe outro processo diferente de uma polarização regional
influenciando a região.
O último caso apresentado entre os municípios fora de regiões metropolitanas é o caso
de Santa Lucia que é polarizado pelo município de Araraquara. Região localizada no centro
do estado de São Paulo e que está a cerca de 250 km da capital. Cerca de 60% dos
movimentos pendulares deste município são destinados à Araraquara e outra menor parte
para o município de Américo Brasiliense (35%). Juntamente com Dobrada, são os dois
menores municípios identificados no ranking dos 30 municípios com maior proporção de
movimentos pendulares no Brasil em 2000.
Considerações finais
Embora o trabalho não tenha avançado exaustivamente em uma análise detalhada das
condições de vida e riscos socioambientais dos municípios identificados pela sua significativa
proporção de movimentos pendulares, pode-se dizer que existem condições muito distintas
entre os diversos contextos que foram identificados. Em primeiro lugar, destaca-se a
existência de cidades com esta característica tanto dentro de regiões metropolitanas como
fora delas. Além disso, podemos destacar ainda a mudança significativa ocorrida entre 1980 e
2000, onde constatou-se um aumento de municípios com elevadas proporções de movimentos
pendulares fora de regiões metropolitanas. Afinal, a literatura que aborda a questão
normalmente o faz em contextos metropolitanos, inclusive associando o termo “cidade-
dormitório” aos processos de metropolização, muitas vezes confundido com o processo de
periferização e expansão urbana para as periferias dos grandes centros econômicos.
Uma questão importante é separar a discussão sobre expansão urbana, periferização e
configuração de cidades-dormitório; Dessa forma, poderíamos encontrar novos contextos em
que o aumento dos volumes e proporções de movimentos pendulares não estão
necessariamente associados a uma expansão urbana inevitável dentro do processo de
metropolização. Afinal, em algumas regiões, embora sejam identificados processos de
regionalização e polarização de centros regionais em relação aos municípios identificados
aqui, não se tratam de municípios em que o processo de expansão urbana se deu através de
conurbação ou mesmo de um crescimento da mancha urbanizada do município-sede em
direção às suas “periferias”.
Assim, estas áreas não são as áreas periféricas como aquelas apontadas pela literatura
brasileira. Não são apenas áreas de exclusão social onde a infra-estrutura está ausente e a
população do município-sede se refugia impelidos pelos processos de especulação
imobiliária. Muito menos são apenas áreas peri-urbanas como são tratadas pela literatura
internacional: grosso modo, áreas onde existe uma mescla de usos e funções urbanas e rurais.
Existe uma diversidade de situações que merecem ser avaliadas isoladamente, sobretudo nos
casos onde todos os indicadores apontam para áreas de melhores condições de vida e de
dinamismo econômico. Em trabalho anterior Ojima, Silva e Pereira (2007) identificaram que
em termos gerais, não há uma correlação negativa entre as cidades-dormitório e seus
respectivos Índices de Desenvolvimento Humano (IDH-M) ou ainda em relação à renda per
capita. Essa correlação só aparece como significativa quando se restringem aos municípios
com maior proporção de movimentos pendulares, como aqueles identificados neste trabalho
através do ranking.
Mesmo assim, os municípios analisados no ranking não apresentaram características
comuns enquanto cidades-dormitório. Apesar de estarem em situações semelhantes, os
contextos nos quais se inserem são, até certo ponto, distintos e específicos demais para que
possamos identificar claramente uma característica classificatória de cidade-dormitório.
Diante desta heterogeneidade acreditamos que a associação direta entre as cidades-dormitório
e a distribuição de riscos socioambientais não pode ser apontada de forma mecânica,
merecendo estudos caso a caso. Se por um lado existem municípios como Hortolândia,
Carapicuíba, Colombo, Alvorada, Ibirité e aqueles pertencentes ao Entorno da RIDE-DF que
apresentam condições ambientais de habitação, de renda e educação precárias que
caracterizam maiores riscos, por outro lado, por outro existem municípios que, apesar de
evitarem o “rótulo”, são cidades-dormitório que apresentam boa infra-estrutura habitacional,
boas situações de saneamento básico, de educação e de renda (como os municípios de
Valinhos e Vinhedo na RMC ou o município de Nova Lima na RMBH, entre outros).
Enfim, a discussão do termo ainda merece alguma atenção devido ao seu caráter
controvertido e, principalmente, pelas tendências recentes que acenam para aumento de
situações como estas em áreas não-metropolitanas e pelo surgimento de novas “categorias”
de cidades-dormitório de classe média. Nesse sentido, do surgimento de cidades com bom
nível socioeconômico de sua população e com elevada pendularidade, se complexifica a
pluralidade de contextos que poderiam ser apontados como ‘cidades dormitórios’.

Referências Bibliográficas
ANTICO, C. (2004) Deslocamentos pendulares nos espaços sub-regionais da Região
Metropolitana de São Paulo. XIV Encontro Nacional de Estudos Populacionais, ABEP,
Caxambu, 20 a 24 de setembro de 2004, ABEP: Campinas.
ARANHA, V. (2005) Mobilidade pendular na metrópole paulista. Revista São Paulo em
Perspectiva, v.19, n.4, p.96-109, out./dez.2005.
BRANCO, M.L.C.; FIRKOWSKI, O.L.C.F. e MOURA, R. (2005a) Movimento pendular:
abordagem teórica e reflexões sobre o uso do indicador. Anais do XI Encontro Nacional
da Associação Nacional de Pós-graduação e Pesquisa em Planejamento Urbano e
Regional – ANPUR, Salvador, 23 a 27 de maio de 2005. ANPUR: Salvador.
BRANCO, M.L.C.; FIRKOWSKI, O.L.C.F. e MOURA, R. (2005b) Movimento Pendular e
Perspectivas de Pesquisas em Aglomerados Urbanos. In São Paulo em Perspectiva,
v.19, n.4, p.121-133, out/dez 2005.
CAIADO, Maria Célia Silva. Deslocamentos Intra-Urbanos e Estruturação Socioespacial na
Metrópole Brasiliense. In São Paulo em Perspectiva. v.19/ nº.4/ Movimentos
Migratórios Nas Metrópoles. Fundação SEADE. Out-Dez 2005a. In
http://www.seade.gov.br/produtos/spp/v19n04/v19n04_04.pdf
CAIADO, Maria Célia Silva. Estruturação intra-urbana na região do Distrito Federal e
entorno: a mobilidade e a segregação socioespacial da população. Revista Brasileira de
Estudos Populacionais, v.22, n.1, p.55-88, jan/jun. 2005b.
CANO, Wilson. Questão Regional e Urbanização no desenvolvimento econômico brasileiro
pós 1930. Anais do VI Encontro ABEP, 1988, p.67-99
COSTA, G. M.; FLORES, C. E. A expressão sócio-econômica e espacial da dinâmica
ocupacional na Região Metropolitana de Belo Horizonte – RMBH. III Encontro
Nacional sobre Migrações, ABEP, 13 a 15 de novembro de 2003, Campinas.
CUNHA, J. M.P. ; JAKOB, A. A. E. ; JIMÉNEZ, M.A. ; Trad., Isabela Luhr. Expansão
metropolitana, mobilidade espacial e segregação nos anos 90: o caso da RM de
Campinas. In: XI Encontro da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em
Planejamento Urbano e Regional, 2005, Salvador (BA). Anais... ANPUR, 2005.
CUNHA, J. M. P.; MIGLIORANZA, E. (2006) "Valinhos: um novo padrão de cidade-
dormitório?", "Novas Metrópoles Paulistas - População, vulnerabilidade e segregação",
ed. 1, NEPO/UNICAMP, p.539-560.
FARIA, V. (1991), Cinqüenta anos de urbanização no Brasil, Revista Novos Estudos
CEBRAP, n.29, São Paulo, p. 98-119.
FEDERAL REGISTER (1998) OFFICE OF MANAGEMENT AND BUDGET (OMB), Part
III: Alternative approaches to defining Metropolitan and Nonmetropolitan Areas;
notice. vol. 63, n.244, December, Washington, DC.
FREITAG, B. (2002). Cidade e Cidadania. Em: _______. Cidade dos Homens. Rio de
Janeiro: Edições Tempo Brasileiro LTDA;
HOGAN, D.J. (1990). Quem paga o preço da poluição? Uma análise de residentes e
migrantes pendulares em Cubatão. VII Encontro da Associação Brasileira de Estudos
Populacionais, Caxambu-MG, 1990. Anais... ABEP: Campinas, v.3, p. 177-196.
HOGAN, D. J. (1993). População, pobreza e poluição em Cubatão, São Paulo. Pág. 101-131
in G. Martine (org.), População, Meio Ambiente e Desenvolvimento, Ed. Unicamp,
Campinas.
HOGAN, D. J. (2005). Mobilidade populacional, sustentabilidade ambiental e
vulnerabilidade social. Revista Brasileira de Estudos de População, vol. 22, n.2,
jul./dez. 2005, São Paulo.
INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA (IBGE). Malha Municipal
do Brasil, 1997, Rio de Janeiro.
INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA (IBGE). Base Cartográfica
Digital Integrada do Brasil ao Milionésimo, 2003, Rio de Janeiro.
INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA (IBGE). Censo
Demográfico 2000 – Microdados da Amostra, 2000, Rio de Janeiro.
JAKOB, Alberto Augusto Eichman ; SOBREIRA, Daniel Pessini . A Mobilidade
Populacional Diária na RM de Campinas: quem são e para onde vão?. In: IV Encontro
do Grupo de Trabalho de Migração, 2005, Rio de Janeiro. Anais do IV Encontro do
Grupo de Trabalho de Migração, 2005.
JARDIM, M. de L.; BARCELLOS, T.M. de. (2005) Mobilidade populacional na RMPA nos
anos 90. In São Paulo em Perspectiva. v.19/ nº.4/ Movimentos Migratórios Nas
Metrópoles. Fundação SEADE. Out-Dez 2005. In
http://www.seade.gov.br/produtos/spp/index.php?men=rev&cod=5071
JARDIM, A.P. e ERVATTI, L. R. (2006) Migração Pendular Intrametropolitana no Rio de
Janeiro: a condição de renda das pessoas que trabalham ou estudam fora do município
de residência em 1980 e 2000. in XV Encontro Nacional de Estudos Populacionais,
Caxambu, Anais... Campinas: ABEP.
MIGLIORANZA, Eliana. (2005) Condomínios Fechados: Localizações de pendularidade.
Um estudo de caso no município de Valinhos, SP. 2005. 113p. Dissertação (Mestrado
em Demografia) Unicamp. Campinas.
OJIMA, Ricardo. (2007) Análise comparativa da dispersão urbana nas aglomerações urbanas
brasileiras: elementos teóricos e metodológicos para o planejamento urbano e
ambiental. Campinas, SP: [s.n.], 2007.
OJIMA, R.; SILVA, R.B. e PEREIRA, R.H. (2008). A Mobilidade Pendular na Definição das
Cidades-Dormitório: caracterização sociodemográfica e novas territorialidades no
contexto da urbanização brasileira. Cadernos IPPUR. Rio de Janeiro: IPPUR. No prelo.
PNUD – Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (2000) Atlas de
Desenvolvimento Humano no Brasil. Disponível em: www.pnud.org.br. Acesso em
10/03/2008.
SANTOS, Milton (1990). Metrópole corporativa e fragmentada. O caso de São Paulo. São
Paulo, Nobel, 1990.
________ . (2004) Espaço dividido, O. Os dois circuitos da economia urbana dos países
subdesenvolvidos. Coleção Milton Santos, São Paulo: Edusp, 2.a Edição.
SCOTT, A.J.; AGNEW, J.; SOJA, E.W. e STORPER, M. (2001) Cidades-regiões globais.
Espaço e Debates, nº 41, p.11-25.
SOUZA, R. G. Vieira de; BRITO, F. R. Alves de. (2006a) A Expansão Urbana da Região
Metropolitana de Belo Horizonte e suas implicações para a redistribuição espacial da
população: a migração dos ricos. XV Encontro de Estudos Populacionais, ABEP, 18 a
22 de setembro de 2006a Caxambu, Minas Gerais.
SOUZA, Renata G. V.; BRITO, Fausto R. A. A (2006b) Expansão urbana da Região
Metropolitana de Belo Horizonte e suas implicações para a redistribuição espacial da
população: a migração dos ricos. In: ENCONTRO NACIONAL DE ESTUDOS
POPULACIONAIS, 15., 2006, Caxambu. Anais... Belo Horizonte: ABEP, 2006b.

Você também pode gostar