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ORIGEM DAS \ LinGuAS ROMANICAS E sabido que as linguas rominicas provém do latim; o termo “latim”, porém, nio univoco, jé que existem numerosas variedades. Interessa & Filologia Romanica particularmente 0 chamado “Iatim vulgar”, eminentemente falado e, por isso, de reconstituigio ardua, mas a verdadeira fonte das linguas romAnicas. E preciso tam- bém saber como essa variedade do latim foi levada a todos os recantos do Império Romano, a documentagio existente, além de os fatores que propiciaram o apareci mento de vérias linguas a partir desse latim vulgar, O LATIM E SUAS VARIEDADES Originariamente, 0 latim era apenas o dialeto de Roma, restijto a margem do rio Tibre. Lingua de camponeses ¢ pastores, era rude, concreta e sem refinamento de qualquer espécie. Pertence & familia indo-européia e, dentro dela, ao grupo Kentum. Juntamente com o osco dos samnitas, 0 sabélico, 0 volsco, 0 umbro e 0 falisco, 0 latim forma 0 grupo chamado itélico (ver mapa 2, p. 354). Quando os romanos comegaram a se projetar, a Italia era um mosaico de ra- gas. Os pouco conhecidos etruscos, ao norte de Roma, atingiram clevado grau de civilizagiio e no século VI a.C. dominaram Roma ¢ estenderam scus dominios até Capua, a0 sul. Contudo, por volta do ano 500 a.C., Roma conseguiu expulsar os dominadores etruscos do rei Tarquinio, Soberbo, ¢ implantou a Repiiblica, A estra- tégica posigdo da cidade, no coragdo do Licio ¢ de toda a peninsula, facilitou a con- solidagio da cidade como poténcia emergente; com habeis aliangas, como 0 Foedus Cassianum no principio do século V, que estabeleceu uma alianga estreita entre Roma € 05 povos itilicos, ¢ também com varias guerras, os romanos venceram as resistén- cias de povos poderosos, como os samnitas ao sul ¢ os etruscos ao norte. Com expansio romana pelos gregos de Taranto, vitéria obtida em Benevento, em 275, rante 20.000 mercenirios, 3.000 cavaleiros ¢ 26 elefan- vit6ria sobre Pirro, rei do antigo Epiro nos Balcas, chamado contra a depois de varias derrotas p tes trazidos por Pirro, encerra-se a primeira fase da expansiio de Roma; seu dominio ¢ do tio P6. Ao mesmo tempo, enfrenta- abrange a Itilia desde a Sicilia até a plani va dificuldades internas com a revolta dos plebeus endividados e espoliados de seus direitos civis contra os patricios; uma tropa armada dos plebeus ocupou 0 monte sagrado do Aventino, em 494, e $6 se retiraram depois da criagio dos concilia plebis ribura, isto 6, assembléias do povo por tribos, fato que constitu o primeiro tipo de a. Mas a igualdade de direitos s6 foi conseguida em 287 ‘Jo dos plebeus em todas as magistraturas. greve de que se tem not a a.C,, com a admis Datam dessa época também as primeiras coldnias romanas nos tertit6rios con- quistados na Italia, importante fator de latinizagao da propria peninsula, Em 272, todo dio romana ¢ praticamente todos os povos ar. o territério dla lia faz parte da confedera se submetem ao diteito romano, pagando impostos ¢ obrigando-se ao servigo mili Quando Cartago se firmou como poténcia naval, no século IMI a.C., 0s roma- nos fizeram varios tratados de nio agressio com os cartagineses. Subjugados os samnitas depois de trés guerras, bem como os demais povos da Italia, langaram-se os romanos 4 guerra contra Cartago. A primeira guerra prinica (269-241 a.C.) ter- minou com o estabelecimento da primeira “provincia”, a Sicilia, em 241, ¢ logo depois as dla Sardenha e da Cérsega em 238, Apesar das vitérias de Anibal, a segun- da guerra puinica (218-201) aniquilou 0 poderio de Cartago depois da batalha de Zama, vencida por Cipido, o Africano, Desde entio os romanos passaram a cl mar © Mediterrineo de mare nostrum, Mas s6 depois da terceira guerra piniea (149- 146), com a destruigdo de Cartago, o norte da Africa se torna provincia romana (146) (ver mapa 1, p. 353), Expandindo-se em varias frentes, Roma incorpora a Hispania em 197, 0 , em 146, a Asia Menor em 129, a Iilyricum em 167, a Grécia, denominada Ach Galia Narbonensis em 120. A Gilia Cisalpina, conquistada em 191, tornou-se pro- NTOS DE FILOLOGIA ROMANICA vineia em 81, bem como a regio dos vénetos, submetidos em 215. A Gilia Transalpina, denominada também Comata ou Melenuda, foi a grande conquista de, Caio Jilio César em 51-50. O Egito tornou-se provincia em 30 a.C., a Réciae & Norico em 15 a.C., a Pandnia em 10 d.C., a Capadécia em 17 <.C., a Britinia em 43 € Dacia em 107 «.C., sob 0 imperador Trajano (98-117), que faz as tiltimas conquis- tas, incorporando também a Arabia do Norte, a Arménia, a Assiria ea Mesopotamia entre 114 ¢ 117. Com isso, o Império Romano atingiu sua extensiio maxima, com um total de 301 provincias (ver mapa 1, p. 353). Essas datas indicam geralmente 0 inicio da latinizagio, que nio teve, porém, a mesma profundidade em todas as provincias. No Oriente, a latinizagiio foi bastan- te superficial; a Hispania e a Sardenha exigiram dois séculos para uma romanizaciio efetiva, enquanto outros territérios, como os Agri Decumates ¢ a Britania, nunca foram totalmente assimilados, embora haja marcas do tatim por toda parte, Dentro desse vasto territério, o latim era a lingua dos dominadores. Em con- tato com tantos idiomas diversos, o latim influenciou-os e foi por eles influenciado, principalmente no léxico da variedade lingtiistica denominada latim vulgar, falada m disso, o aumento da riqueza, advindo das pelo povo, como se vera mais adiante, Al conquistas, 0 crescimento populacional de Roma co desenvolvimento da cultura refletiram-se no latim, diversificando-o em diversas normas lingilisticas, geralmente bem documentadas, Procedendo a um rapido retrospecto histérico do latim, encontra-se 0 primei- ro documento, a Fibula de Preneste, aproximadamente do ano 600 a.C.: MANIOS MED FHEFHAKED NVMASIOI (Manius me fecit Numerio). Ainda que seja um docu- mento isolado, essa inscrigao é aceita como um ponto de referéncia inicial para a his- téria do latim, ao lado de outros escritos epigrificos, como os epitifios dos Cipides Nessa fase das origens, o latim devia ser relativamente uniforme, tendo como foco irradiador de influéneia 0 sermo urbanus de Roma. Nas primeiras conquistas, os romanos costumavam destruir as cidades e levar seus habitantes para Roma. Depois abandonaram esse costume; assim mesmo, porém, a populagio da cidade aumentou bastante. Uma das conseqiiéncias foi a acen- tuagio das diferencas sociais entre a classe mais alta dos patri dirigentes ete. ¢ a mais baixa, a plebe, fato que se refletiu na lingua; essa diferenga acentua-se ainda mais por volta do século IV com um crescente refinamento cultural 0s, oficiais militares, das classes altas. Delinciam-se entio duas normas lingiifsticas: 0 sermo urbamus, a linguagem do estrato social mais culto, ¢ 0 sermo plebeius da massa popular inculta, designacio genérica, na qual se distinguem 0 sermo rusticus, a fala descuidada dos camponeses e pastores, 0 sermo castrensis do importante segmento militar e 0 sermo peregrinus, usado pelos estrangeiros em geral, cada vez mais numerosos, e aprendi do de ouvido, por isso também 0 mais alterado ontGeM Das LINcuas RoMANtcas | 89 Com a conquista da chamada Magna Graecia, que compreendia boa parte do sul da Itilia, muitos gregos foram levados para Roma em 272 a.C., entre eles Livio Andrénico, que viria a ser o iniciador da literatura latina, Em 240, Livio apresentou em Roma sua primeira pega teatral, provavelmente uma tragédia segundo Cicero (Brutus, 72) Titus Pomponius Atticus (110-32 a.C.) em Liber Annalis; jam. nas pesquisas de Varro, pois a pega se perdeu. Livio fez também uma adaptagao da Odisséia de Homero ao mundo romano, sob o nome de Odissia. Nasceu ambos se basea assim a literatura latina, que conta ainda com Névio (poesia épica e drantitica), Enio (épica, dramitica e litiea com a introdugio do hexdmetto dactilico), Lucilio (sitira), Marcus Publius Cato (prosa) ¢ Plauto (comédia), Desse modo, embora com grande influéneia comegou a formagio de outra norma lingilistica, eserita e sempre mais estilizada, 0 sermo litterarius ow elassicus. O periodo dureo do latim literirio vai de 81 a.C., com o primeito discurso de Cicero que chegou até nos, Pro Quintio, a 14.d.C., ano da morte do imperador Augusto. Essa norma conservou-se uniforme por oito séculos aproximadamente e s6 com dificuldade se encontram particularida- Jnitas do historiador Tito Livio, regi¢ Es nos, Cicero (106- nais, como a pata as diversas normas lingilisticas ndo eram desconhecidas pelos autores lati- 3 a.C,) © Quintiliano (30-95 4.C.) distin juem claramente a urba- nitas da rusticitas, respectivamente em De Oratore Ill, 11, 42 ¢ em Institutio X1, 3, 10. Profunde conhecedor do latim, Cicero enciona também em. Oratar outras passagens essas variedades, com em Ad Familiares, 1X, 21 Quid tibi ego in epistulis videor? None plebeio sermone agere tecum.... Epistulas vero cotidianis verbis texere solemus, (Que aprego cu a ti nas eartas? Nao parego tratar contigo na lingua do povo... Pois costumamos tecer com as palavras do dia u dia Ou ainda com mais elareza em Academica, 1, 2: Didicisti enim non posse nos Amafinii aut Rabirii similes esse, qui nulla arte adhibita de rebus ante i fod) culos posits vulgari sermone disput Aprendest io ow a Rabitio, que sem arte pois, cjue nds no podemos ser semethantes a Amat mn diseutem sobre as coisas que Ihes eaem sob os olhios numa linguagem vulgar. Nio se pode supor que Cicero, no primeiro texto, afirmasse estar usando a 1 da massa inculta; também nio afirma que Amafinio ) do segundo texto se expressassem na norma norma gramaticalmente incor (Lilésofo estdico) Rabirio (poeta é popular: diz apenas faltar-Ihes aquela forma artistica esmerada, propria do sermo lite 90 | ELEMENTOS DF terarius, Mas € claro que Cicero distingue bem duas modalidades lingttisti la ausa costumeiramente nas conversas das pessoas cultas, como o proprio Cicero ¢ os dois autores citados por ele no texto, € a ouitra, na qual se deve usar arte. A lingua coloquial das classes cultas denomina-se sermo urbanus ou urbanitas, sermo usualis ow usus, sermo cotidianus ou cotidianitas, sermo consuetulinarius ou consuetudo, ou ainda, sermo vulgaris, mantida por varios rom: istas como sindnimo dos anteriores, que n deve, porém, ser confundido com o que normalmente se entende por latim vulyar Os dois textos no aludem ao latim falado pela grande massa popular, alias ignorado por gramiticos e escritores de modo sistemitico. Certamente nao se encon- trard io no sermo vulgaris das cartas de Cicero ou nos escritos de Amafinio e Rabirio as formas rejeitadas supertex (por suppellex), imfimenatus (por effeminatus), fieda (por frigida) e tantas outras documentadas pelo Appendix Probi ou conservadas nas tabellae defixionuin, nas inscrigdes tumulares ete. Essa variedade denomina-se sermo plebeius ow rusticus (r sticitas), peregrimus (peregrinitas) e castrensis ou militaris Modernamente, a designago mais acei a1 é latim vulgar O seguinte grifico sintetiza a histéria e os desdobramentos dessas trés varie- dades do latim: “oO ae Sa ose latin Fibula de Preneste < SP reno 600 a.C. 2 (eavac. sermo urbanus i séc. VIG.C. — Portugués: — Galego zt Resumindo, segundo esse esquema “cacto deitado”, a partir de meadlos do século Il. a.C., distinguem-se trés normas no latim de Roma: ORIGEM DAS LINGUAS ROMANICAS | 91 92 istico, sintético, s6 escrito, que atin- a. sermo classicus ou litterarius: burilado, ar git o dpice estilistico no periodo aureo da literatura latina entre 81 a.C. ¢ 14 d.C., tanto na prosa com Cicero, César ¢ Saliistio, como no verso com Virgilio, Horacio, Ovidio, Lucrécio ¢ Catulo, E uma estilizagao do sermo urbanus, b. O sermo urbunus: a lingua falada pelas classes cultas de Roma, certamente cor- reto do ponto de vista gramatical, mas sem os refinamentos ¢ a estilizagio da vatiedade literiria, denominada vulgaris por Cicero. Os falantes dessa norma ‘ram também os principais detentores da norma literiria, c. O sermo plebeius: essencialmente falado, era a norma da grande massa popular menos favorecida, analfabeta, Foi metodicamente ignorada pelos gramaticos ¢ escritores romanos, mas era viva ¢ real; apresenta variantes sobretudo no léxico, segundo 0 modo de vida dos falantes, distinguindo-se 0 sermo rusticus, 0 castren- sis e 0 peregrinus. CARACTERISTICAS DO LATIM VULGAR Como as linguas romanicas provém do latim vulgar, obviamente é essa norma lingitistica que interessa particnlarmente a Filologia Roménica. Para caracterizar 0 ‘rio, muito bem descrito Iatim vulgar é pratico e concludente compari-lo com o lite pelos gramaticos ¢ escritores. Desse cotejo conelui-se que o latim vulgar, em relagao ao literario, & is SIMPLES cm todos os niveis Na fonética, a perda da quantidade voclica ¢ sua substituigao pelo acento intensivo, por exemplo, trouxe como conseqiiéncia, entre outras, a redugdo das dez vogais (as cinco longas ¢ as cinco breves) a sete, seis ou cinco apenas, segundo as diversas regides da Romania, com especificas evolucdes posteriores Na morfolo; foram reduzidas; as semelhancas , as sutis © pouco claras distingdes flexionais das dectinagde: #, izeram com que a 2°. declinagio absorvess que acabou desaparecendo. A $*. declinagdo detinha um nimero relativamente peque- io -ie substituida por no de palavras e se confundia facilmente com a 3*, ou teve a fle -Ha c incorporada A 1°,, fato d 4 muitos exemplos, como materies © materia, luxuries ¢ lusuria, facies ¢ facia, dies ¢ dia, variagdes encontradas no uso vulgar desde Spoca antiga, Em conseqliéncia, uma parte das linguas romdnicas herdou a distribui- Ho do Iéxico nominal em trés grupos, decorrentes das trés “declinagdes” do latim vul- gar, como o portugués, por exem livro) e da 3 te; imagine > imagem; feroce > feroz; facile > fécil). lo, que da 1°, declinagHo tem nomes em -a (mensa > mesa), da 2%, em -0 (libri > "em -¢ ou consoante (ccidente > ociden- ELEMEN: LOGIA ROMANICA DE FIL | Quanto aos numerais, 0 latim vulgar conhece apenas os cardinais, com os quais expressa todas as relagdes de niimero. Dos outros trés tipos — ordinais (primus sextus, vicesimus, octingentesimus), distributivos (singuli, seni, viceni, duceni) ¢ multiplicativos (semel, secies, vicies, ducenties) — encontram-se poucos vestigios apenas das primeiras formas dos ordinais. Mesmo com os cardinais ocorre uma uni- formizagao pela troca da subtragao, como em duodeviginti (18), undeviginti (19), pela adigio, resultando decem et (ou ac) acto, decem et (ou ac) novem; 0 mesmo pro- cesso foi depois aplicado também aos outros niimeros, como decem (et) sex, decent (c#) septem etc., simplificagdo atestada pelas linguas romanicas. O género neutro, heranga do indo-curopeu, era uma complicagao, jé que amente nao se distinguia do masculino ¢ a diferenciagdo formal era muito semanti pequena; assim os neutros singulares passaram para o masculino, eliminando-se um. problema antigo de palavras de género flutuante, como aevus e aevum (*época”), caseus ¢ caseum (“queijo"), collus ¢ collum (“pescogo”) etc. Os plurais neutros da 2° declinagiio em -a foram considerados nominativo singular da I*., como folia, ligna, as, s6 se encontra no romeno ¢ em pira ete. O género neutro, entre as linguas roma escassos vestigios em outras. Considerivel simplificagio deu-se nos demonstrativos indefinidos princi- palmente. Dos seis demonstrativos (is, hic, iste, ille, ipse c idem) permaneceram apenas trés (iste, ipse c ille), que expressam «le modo simples ¢ claro as mesmas fun- Bes das formas antigas, ainda que com o auxilio de particulas de reforgo, como ece’‘iste ou eccu’iste, também accu ‘ille, metipse ou metipsimus (> port. mesmo, cast. mismo, fr. méme, it. medesimo etc.). Nos indefinidos, cujo contetido significativo era vago por natureza, distingdes ténues no podiam se manter € muitos foram cli- minados; perdeu-se a distingao entre alter ¢ alius, wter © quis, ulerque © quisque, entre outros. Na sintaxe, o latim vulgar nao faz mais as distingdes entre non © ne nas nega ges, generalizando 0 non; 0 uso da preposigio de generalizou-se ¢ substituiu ab e ex, de dificil distingdo sob 0 aspecto semantico. A maior simplicidade na sintaxe veri- fica-se também na ordem das palavras na oragdo € na construgao do periodo, até declinagées, certo ponto conseqiiéneia da perda dos casos e das b, Mais ANALITICO De acordo com sua origem indo-européia, o latim era uma lingua essencial- tas fungdes ava m mente sintética, rica em recursos flexionais, com os quais expres ¢ relagdes entre os termos da oragio. As deficiéncias desse sistema flexional eram supridas por torneios analiticos. A perda sempre crescente das flexes no latim vul- gar tomnou-o cada mais analitico pelo uso de preposigdes, advérbios, pronomes e ver bos auxiliares para expressar fungées ¢ relagdes entre os termos. As preposicdes , ORIGEM DAS LINGUAS ROMANICAS | 93 ati enseeeeeeninnceesesennetiee sheen neal ere ee) substituem as flexdes casuais. O futuro passa a ser expresso por perifrase com ver- bos auxiliares, como cantare habeo ou cantare volo; emprega-se 0 indicativo onde 0 clissico usava 0 subjuntivo: Quid debeo dicere? por Quid dicam? Muito clara é a tendéncia analitica do latim vulgar ao eliminar as formas sin- téticas da voz passiva dos verbos no infectum, através da generalizagio do modelo analitico do perfectum: amor (“sou amado”), amabar (“era amado”) ¢ amabor (“serei amado”) foram substituidas por amatus sum, amatus eram ¢ amatus ero, criando-se as formas, inexistentes na norma culta, amatus fui, amatus fueram, amatus fuero. Com iva, prevalecendo 0 isso, climinou-se a dualidade de formas na expressiio da voz pa processo analitico, que foi conservado pelas linguas romanicas em todas as formas passivas, formadas pelo parti no, que emprega a fi (< fieri) em lugar de esse. Um tipo particular de forma sintética observa-se nos chamados verbos pio + aux. ser (< exse), ressalvando-se apenas 0 rome- depoentes, como uleiscor (“vingar-se”), obliviscor (“esquecer-se”), patior (“softer”), $0 que tinham forma passiva, mas sentido ativo, Causavam muitas confusdes € por desapareceram bastante cedo, sendo substituidos por formas ativas, como se pode ver na Carta do Rustius Bar migo Pompeu (inicio do século Il d.C.): Si tan [si stati smi city virdia mi non mites, iam tuam obliscere debio? Se ndo me envias to logo as verduras, devo ja esquecer tua amizade? O latim fiterario expressava 0 comparativo de superioridade ¢ © superlative dos adjetivos por sufixos préprios em formas sintéticas: altus — altior (“alto” ~ “mais alto”) e altissimus; em casos especiais, como com os adjetivos em -cus, -ius, isticos, 0 € -twus (magis idoneus, magis dubius ¢ magis arduus) ou por motivos est latina literivio langava mao das formas analiticas com magis ou maxime, O latin vulgar, porém, simplificou o sistema, usando sempre a forma analitica no compara- tivo de superioridade, certamente influenciado analogicamente pelo de igualdade ¢ de inferioridade (“tamquam” e “minus ~ quam”), ¢ formando o superlativo analiti- de compa camente com advérbios de intensidade (valde, maxime). Certo nimer livos sintéticos foi conservado nas linguas romanicas, provenientes de maior, minor, nclicr ¢ petor. As formas do superlativo absoluto guas roménicas, menos no romeno, foram reintroduzidas na época do Re- intético hoje encontradas nas lin- nasi mento, sendo portanto eruditas, Note-se que as formas comparativas conserva- idas com o superlativo, ja nas Glossas de Reichenaw: das siio muitas vezes confun optimes: meliores. 94 | ELEMENTOS DE FILOLOGIA ROMANICA _ == wwe rw eT TCT TTTTTTTETES cc. Mais CONCRETO O cariter concreto do Latim vulgar é uina decorréncia do modo de vida de seus ntes e de sua mundividéncia, voltada sobretudo para os problemas materiais. aspecto tem reflexos em todos os aspectos da lingua, sendo porém mais evidente no Iéxico e na sintaxe. Assim, termos abstratos, denotativos de qualidades e de atividades intelec- tuais ou de generalizagdes, que pressupdem trabalho de abstragao, sio praticamente desconhecidos, ao passo que os nomes de coisas concretas séio muito numerosos. A busca dessa concretude se faz sentir no modo claro, analitico € objetivo de expressar 08 pensamentos através do uso de artigos, pronomes pessoais, possessivos ete A necessidade de uma melhor caracterizagio ¢ identificagtio dos substantivos levou .8 criagdo dos artigos definidos € indefinidos, inexistentes no latim literitio, ocorréncias de ile € jpse (ou a variante ipyus) com embora haja, desde a fase arcaica, e significagao de artigo definido e de mts, indefinido, como 0 conhecido: fuunga Sicut unus pater familias his de rebus loquor. (Cicero, De Oruore, 1, 132) ilo sobre essts coisis como um pai de familia Na Vulgata, os exemplos so ainda mais claros, como 0 encontrado em Mateus 26,29: Accessit ad cum una ancill Aproximouse dele uma empregada, F certo que os artigos se firmaram como tais na fase romance. © fitto, porém, de que todas as linguas roménicas os tém, permite afinmar a existneia detes no latin vulgar, No acepgdes abstratas tinham por base sempre um termo designativo de algo concreto: ncias das origens, quando as 0, 0 latim vulgar conservou as tendé putare significava etimologicamente “podar” e s6 posteriormente “julgar™ (pois para “podar" de modo correto € preciso “jugar” os ramos a fim de selecionar os mais agio ou para vigosos): rivalis era aquele que repartia as aguas do rio (rivus) para int disponi ; versus era o © gado € depois “competidor”, pela insuficiéneia da ag sulco deixado pelo arado e posteriormente “linha de escrita”; a/tus, “alimentado” (part. pass, de alere) e depois “que cresceu pela alimentagio”, “alto”; sapere, “sabo- rear", “ter gosto”, depois “saber”, "ser entendido” Na sintaxe, a auséncia do habito da abstragio leva os falantes do latim vulgar a preferir as frases nao ligadas entre si, sem expressar explicitamente as relagdes de dependéncia. Predomina a justaposigao, inexistindo a complicada correlagio dos ORIGEM DAS LINGUAS ROMANICAS Sa tempos. S¥o comuns os torneios assindéticos do tipo Volo facias (“Quero que fagas”), Cave cadas (“Tome cuidado para que ‘nao caias"). As inscrigdes fornecem muitos exemplos de periodos assindéticos, como os seguintes: Sarra, non belle facis, solum me relinguis. (CIL, 1V, 1951) Sarra, ndo ages amavelmente, tu me deixas sozinho. Vincis: gaudes, perdis: ploras. (Jnscriptiones Latinae Selectae, 9453) Vences: fieas contente, perdes: choras Bene labes oze, a (ssem) des; eras gratis. (CIL, 8244) Toma um bom banko hoje, paga um vintém; amanhi é gritis. Do mesmo modo, poueas so as conjungdes empregadas; dlas coordenativas, apenas o ef é encontrado; das varias alternativas (an, aut, sive ou seu, vel) 86 aut cra usada, ao passo que das adversativas, explicativas e conclusivas (sed, at, immo, verum, quin, enim, nam, ergo, itaque) nao se conservou nenhuma no romance. n retle- sses aspectos so suficientes para se concluir que de fato a lingua é u xo da cultura de seus falantes, uma manifestacZo de seu modo de vida regido pelas imposigdes concretas das necessidades imediatas, (. Mais EXPRESSIVO Considerando-se © carater eminentemente falado do latim vulgar, deve-se supor nessa comunicagao a énfase, a espontancidade e a afetividade, antigas tendén- cias do latim, Essa caracteristica explica as consoantes geminadas em nomes bem populares, como *pappa ou *alta, “pai”, mamma, “mie”, nassus depois nasus, “nariz”, bucca, “boca”, guttur, “garganta”, braccium ou bracchium, “brago”, lippus, “ramelento”, gibbus, “coreunda”, flaccus, “caido”, “de orelhas compridas”, siccus, “seco” © outros, Em muitos desses vocdbulos, a ctimologia nao explica as gemin: das, a nao ser em razio da expressividade popular em tais termos correntes de con- tetide concreto®, O mesmo se observa nos nomes de animais domésticos, como vacea (mas sinser, vaga), “vaca”, gallum, “galo” e caballus, “cavalo” A reduplicagio & outro recurso expressivo de origem popular: gurgulio ou curculio, “caruncho”, populus, de origem italica (cf, umbro poplu), “povo”, excep- cional em relagio ao tipo indo-europeu. Alguns sufixos verbais ¢ nomi expressividade; assim os verbos de sentido inicialmente freqiientativo em -tare, for- ais de origem popular so carregados de mados a base do supino do verbo origindrio, como *specio ~ spectare; cano ~ can- 29, Para outros exemplos e malores aprofundamentos, vejam-se Meillet, Exyuisve d'une histoire de la langue lating, p. 166 88. ¢ Maurer, O Problems eo Latin Vulgar, p. 184 88. 96 | cr eMeNTOS NF FILOLOGIA ROMANICA >» 5 » » » » » » » 2 » » » » » » » » » » » » » s » » tare, ¢ em -itare ~ vivo = victitare. Produtivo foi o sufixo tormador de nomes de agen- te em -a, designando pessoa de nivel social interior, como verna (“escravo nascido “par nna casa do senhor"), vappa (“vinho estragado”, “patife”), seurra (“civi ta”) e 0 nome proprio Agrippa. Note-se ainda a geminada dos trés tiltimos € cono- taco pejorativa dos trés primeiros, A afetividade transparece de modo particular através de palavras com sufixos, diminutivos, bastante numerosas no latim vulgar, que deram origem a corresponden- tes rominicos, embora com perda do cariter diminutive. Desse modo, de vers (“velo”) formou-se o diminutivo afetivo verulus, registrado no n°, 5 do Appendix Probi sob a forma popular veclus (vetulus non veclus), donde port. velho, cast. viejo, cat. vell, prov. viell, tt. vieil, eng. vegl, friul. viel, it. veechio, log. vettsu, vegl. vie- Klo, rom. vechiu, A expressividade est em auricula por auris, também panromini- ca: port. oretha, cast. oreja, cat. orella, prov. auretha, fe. oreille (> it. ant. oreglia), no eng. wul'a, friul. orel’e, log. oriva, it. orecchio, vegl. orakla, rom. ureche. O mes se verifica em acus > acucula (“agulha”), apis > apicula (*abelha”), agnus > agnel- lus (“cordeiro”), ager > agellus (“campo cultivado”), signum > sigillum (*sinal”), istica pedis > pedunculus (“piotho”). O gosto pela forma diminutiva € uma caract da linguagem familiar do povo romano, encontrando-se algumas ocorréncias mesmo nos escritos mais populares de Cicero e de Horacio. Ha os de cariter realmente dimi- nutivo, denotando mais a pequenez do objeto, como acucula por acus (“agatha”), lenticular por fens (“lentilha”), mas € evidente a afetividade em nepticula por neptis (“neta” e “sobrinha”), anucula por anus (“velba”). Também o sufixo -on-, uma das origens do nosso -do, foi muito produtivo no latim vulgar, designando geralmente qualidades pouco recomendiveis, como aleo ~ aleonem (“jogador”) de alea (“0 dado”). Outras vezes, tem sentido aumentativo de reforgo, nas duas raizes indo-européias designativas de “homem”, guerreiro e macho, *ner- € *wird-, no emprego corrente, o latim conservou s6 vir, que se encontra na Iberia *virone > port. bardo > vardo, cast. bardn; ner ficou na forma sufixada no sobrenome Nero, Neronis. Em nomes de objetos, -on- tinha primitivamente sentido pejorative ou aumentativo como em falum > talonem (“calcanhar"), conservado no it. talfone, friul. talon, fr. talon, prov. € cat. tald, port. tala; bastum > hastonem (port. tec hastiio, fr. bdton, it. bastone, prov. baston, cat. ¢ cast. bas‘on). Outros exemplos so cap(p)onem por capum (“capo”), coleonem por colewn (“testiculo”), ericionem por ericium (“outigo”), carduum > cardum > cardonem (“eardo"), em que também a supressio do hiato /-uu-/ revela a origem vulgar do termo. A lingua chissica € muito sébria no emprego de formas expressivas e afetivas, mantendo sempre um cariter aristocritico ¢ solene. A lingua popular, porém, mante- ve os recursos expressivos do latim arcaico, alguns dos quais foram apontados acima. Com a evolugdo normal da lingua, muitos termos expressivos substituiram os primi- ORIGEM DAS LINGUAS ROMANICAS | 97 98, ‘0 caracteristica, como se verifica na maioria dos tivos e com isso perderam a conota correspondentes romanicos. ¢, Mais PERMEAVEL A ELEMENTOS ESTRANGEIROS Sao inevitaveis as influéncias reciprocas entre os idiomas, sobretudo os empréstimos léxicos. A norma culta latina era refratiria a empréstimos, admitindo apenas termos designativos de algo novo ou técnico. A atitude dos detentores da norma culta nos é indicada por Cicero em De Officiis, 21: Ut enim sermone eo debemus uti qui notus est nobis ne, ut quidam, Graeca verba inculcan- tes, iure optimo ierideamur. Assim, pois, devemos usar aquela linguagem que nos & conhecida, para que, como alguns que introduzem patavras gregas, ndo sejamos rsdicularizados com toda raza, Cicero cita a maior fonte de empréstimos léxicos em todos os niveis, o grego. A cultura grega, mais clevada que a latina e atuante pela presenga de muitos gregos em Roma, desde a conquista da Magna Grécia, em 240 a.C,, de fato forneccu o maior contingente de vocbulos ao Iéxico latino, mesmo ao literério. Na lingua popular, mos so muito numeresos, pois ndo havia entre seus usuitios nenhu- esses einpré ma preocupagio purista, Entre os empréstimos gregos melhor representados nas linguas romanicas citam-se: petra por lapis (port. peda, cast. piedra, cat. pedra, prov. peira, fr. pie re, eng. peidra, friul. piere, log. pedra, it. pietra, veg. pitra, rom. piatré) (REW 644 C ainda muitos empréstimos ou decalques antigos, como aer (“ar”), aporlieca (*des- ), e(h)alare (ficou em “calado” ); chorda por funis (“corda”), colaphus por ictus (“golpe”), spatha por gladius spada”), calamus por harundo (“canigo”), cyma por cacumen (“pico”) ete. Ha pensa”), bal(ineum (“banho”), camera (“absbo do navio ~ “ceder"), corona (“circulo”), crapula (“bebedeira”), grabatus (“catre”), gubernare (“dirigir”), lampas (“Iampada”), machina (“invengao”, “instrumento”), cougue”, mercado de carnes e de peixes), olewm (“6leo”), phalanga macellum (° (estaca”), poena (“castigo”), pynire (“punir”), striga (“feiticeira”); outros so mais tardios, como bursa (“bola”), cara (“eabega”, do vudtus), encaustun: (*tinta”, usado por atramentum), cata (“cada”), podium rosto” ~ século V1, suplantan- (estrado”, “baledio"), rumba (“tinulo”) e outros. Muito antigos sto os empréstimos itilicos, sobretudo oscos ¢ umbros, como bos (“boi”), lupus (“lobo”), scrofie (“porea”); influéncias dialetais explicam formas diver- gentes come bubalus ¢ bufalus (“tvifalo”, panroménico), bubulcus e bufiulcus (“vaquei- ro” = it. bifoleo, “lavrador”), ilex ¢ cles (azinheira”), pumex e pomex (“peda pomes”), sibilare e siflare, das quais hé 1>presentantes nas linguas roménieas: sibilare > rom, ELEMENTC 8S DE FILOLOGIA AO! SE SOS OUvUvsv* siuera, mac.-rom. siura ¢ suira, frul. sivilé, prov. siular; cat. siular e xiular, cast. silbar de sifilare > ft. siffler © chiffler, prov. siflar ¢ siblar, cast. chillar, cat. xillar e chiflar, camp. sulai ¢ suilai; também tuber € tufer (“eogumelo comestivel”). Destaque-se 0 cariter conereto e cotidliano do contetido semiintico desses empréstimos. Através da Gilia Cisalpina, conquistada em 81 a.C., muitos termos celtas entraram no latim vulgar, por exemplo: carrus (“carro”, panromiinico), alice (> tr alouette, prov. alausa, cat, alova — “cotovia”), betulla (“vidoeiro” — arvore), cervi- sia (“cerveja”), carpentum (“earruagem”), marga (“calcario”), sapo (*sabiio"), bec= cus (“bico” ~ substituiu rostrunr > port. rasto), camminus (“Fogo”), cumbiare (*tro- . feuca (“legua”), bracae (“ealga”), camisia (eamisa”, panroménico), scorn (‘couro”), Esses empréstimos celtas foram incorporados pelo latim vulgar antes da 9 do Império: ndo poucos ascenderam a norma culta, sendo encor grande expan: trados na literatura, sobretudo em obras de carditer mais popular Os empréstimos ibéricos sio mais regionais ¢ apenas alguns tiveram difustio mais ampla, como gurdus (“grosseiro”, “gordo”), hata (cat. budlia, cast. ¢ port. hai, fr. baie e it. baia). Os germanismos s6 se encontram nas linguas romanicas ocidentais, menos os que vieram através do celta, como os citados sapo, bracae e camisia, Fontes latinas documentam alguns, como aringus (“arenque” ~ séeulo 111), burgus (“et éculo IV), brutes (“noiva”). Do século Il em diante, quando os germanos se torna- . entram outros empréstimos ou decalques referentes ram mais numerosos nas legides a atividade militar, como werru (“guerra”), helm (“capacete”), *warnyan (“guarnit”, “guarecer”), warden (“guardar”), suppa (*sopa”, panroménico, menos romeno); de gaklaiba (gah [*vivo", “alegre”] + luiba [“grande pao"}) formou-se companio [eum pan(is) + io] (companheiro”, o que come do mesmo pio). De outros termos correntes no latim vulgar nao se conhece com certeza a ori- gem, como cartus (“gato”, ibérico ou africano), caballus (“cavalo”, celta, asiitico ou balednico), sappinus (“abeto”), basium (“beijo”), rocca (“rocha”). O fato de se encontrar certo nimero desses empréstimos léxicos também em diversas normas do latim no eram estanques © outras obras literdirias mostra que 3 que havia influéneias miituas. Por outro lado, fica muito clara a permeabilidade do latim vulgar as influéncias estrangeiras em toda a sua historia; assinale-se ainda o cariter concreto dessa norma: todos os empréstimos designam objetos, anima plantas, vestes, A LATINIZACAO A historia da lingua latina, particularmente do latim vulgar, esta intimamente ligada 4 do Império Romano. A medida que se expandiam as fronteiras do Império ORIGEM DAS LINGUAS ROMANICAS | 99 100 por meio de conquistas e de habeis aliangas, alargava-se também 0 espago territorial do latim, Crescendo com o Império, decaiu com ele, mas ndo morreu: em situagdes geogrificas e em condigées sociais, econdmicas e culturais diferentes, do latim vul- gar, falado pelas populagdes deixadas pelo refluxo politico de Roma, nasceram as linguas romanicas, que o perpetuam. Como ja se viu, toda a Peninsula Itélica, com excegao apenas da parte ao norte dos tios Macra ¢ Rubicdo, fazia parte do Império de Roma, Etnicamente, porém, era um conglomerado de ragas, destacando-se: a, Os etruscos, entre os ties Arno ¢ Tibre ¢ conhecidos por Tusci, donde o nome de Toscana para o tertitério ocupado, ¢ também por Tprrheni, dai Tirreno, 0 mar ao este, Possuidores de elevada civilizagiio no séculoV! a.C., chegaram a dominar ¢ em Cépua, a costa tirrena ao sul, até a Campanha, fixando- Roma ¢ a ocupar Nola ¢ Pompéia ¢, a0 norte, até a Emilia ea Valpadana. Dos etruscos vém prova- velmente os nomes da propria Roma (Ruma) e do rio Tibre (ctr. Thepre, lat. Tiberis); 0 alfabeto latino foi inspirado pelo etrusco, que se bascou, por sua vez, no alfabeto grego. Quanto & origem, discute-se se a lingua etrusca era autéctone ou asiftica, tigada a0 indo-europeu; as muitas inscrigdes conhecidas, como a “telha" de Capua, a placa de chumbo de Magliano, 0 cipo de Periigia, sio em getal breves e de natureza funcraria e por isso sé com nomes préprios; a mais longas sio poucas ¢ de interpretagdo dificil. Os romanos adotaram dos etruscos 0 uso dos trés nomes (praenomen, nomen, cognomen), como Marcus Tullius Cicero por exemplo, diversamente de todos os outros povos indo-curopeus; também. alguns nomes romanos correspondem exatamente a semelhantes etruscos, como ctr, dule = lat. Aulus, ete, Fapi = lat. Fabius, ett. Petrumi = lat. Petronis ¢ outros, Na toponimia, siio de origem eurusca Chianti < ctr, Clante, Médena < etr. Muta- na (*timulo”), Folterra < ete, Velathri, Todi < ett. Tular (“cipo”, “coluna com ins- crigdes” ), lat. Tuder: O sufixo -na, com as variantes -ena, -enna, -ina, identificam nomes etruscos como Ravenna, Porse(n)na, Caecina, Maecenas. b. Qs chamados povos itilicos incluiam os umbros, os oscos, os samnitas, os volscos, 08 sabinos, os auruncos ¢ os picenos. Lingiisticamente, dividiam-se em dois gru- pos: latino-falisco, ou seja, o latim ¢ 0 dialeto de Falerii, cidade situada no territé- rio etrusco, onde hoje se encontra Civita Castellana, na provincia de Viterbo; ¢ 0 osco-umbro (ou umbro-sabélico ou itilico propriamente dito) compreendia os seyuintes dialetos: 1. O osco dos antigos samnitas, falada no Samnium, Campanha, parte da Lucdnia ¢ do Abruzo ¢ em Messina, na Sicilia, E conhecido através de aproximadamente 200 inscriges, das quais as mais importantes sio a Tabula Bantina ¢ 0 Cippus Abellamis: 2. Os dialctos sabélicos, pouco conhecidos, eram falados no territério entre o Samnium ¢ a Umbria; o pelinho, 0 marrucino, 0 vesti- ELEMENTOS DE FILOLOGIA ROMA ee NE no, 0 mérsico eo sabino sio variedades dialetais sabélicos. O volsco, falado ao sul da Umbria na regitio costeira, aproxima-se mais do umbro, e é conhecido especial- mente pela inscrig&o da Tabuta Velliterna; ¢ 3. O umbro era falado na Umbria anti- ga, menor que a atual, situada entre os rios Tibre € Nera, sendo o dialeto mais ao norte dos dialetos itilicos. E bem conhecido gragas as famosas “Tabuas Iguvinas”. Japigios & messipios habitavam nas regides do Abruzo e da Apitlia, até a a, proxima do ilivi- Peninsula Salentina. Sua lingua, o messdpico, & indo-europ: co; foi implantada nas regides citadas, ao que tudo indica, por volta do inicio do primeiro milénio a.C.; um nimero consideravel de inscrigdes do messipico foi recolhido e publicado por F. Ribezzo (1875-1925) em Corpus Inseriptiomun Messapicarum. Encontram-se tragos na toponimia (ver mapa 2, p. 354). Os gregos fundaram muitas coldnias nas regides do sul da Italia; segundo Eusébio de Cesaréia, a fundagiio de Cuma data de 1050 a.C.. A colonizagao mais intensa € do século Vill a.C., atingindo maior extensio nos dois séculos seguintes, abran- gendo também a Sicilia segundo Tito Livio e Estrabio. O conjunto das cidades greuas é conhecido por Gruecia Magna ou Graecia Maior, em grego Mey, "EAAG&, nome mencionado pela primeira vez por Polibio (11, 39,1). Os dialetos falados na Magna Grécia eram déricos; ainda que sejam encontrados emprésti- mos antigos ao latim, a latinizagio do territorio foi mais lenta ¢ dificil por causa da superioridade da cultura grega; o grego persistiu ali até época tardia, Ainda nos. tempos de Técito (55-120 4.C.), Napolis era considerada urbs quasi Graeca: Ainda hoje se fala grego na regio de Bova, ao sul da Calibria, e na “Terra d’Otranto” ao sul da cidade de Lecce. Discutem os pesquisadores se essas das ilhas do grego sio continuagio da antiga lingua da Magna Grécia ou conseqtién- cia da dominagio bizantina de $35 a 1071. Muitos dos ji mencionados emprésti- mos gregos mais antigos vieram da Magna Gréci Na Sicilia, habitavam dois povos, os sicanos na parte ocidental € os siculos na oriental, dos quais se encontram vestigios na toponimia. Sobre a lingua dos sica- nos hé divergéncias quanto 4 origem: poderia ter vindo da Ibéria e n’o ser indo- curopéia, ou pertencer ao grupo itdlico. A dos siculos, na qual existem algumas end inscrigdes, ylossas € nomes préprios, tem caracteristicas indo-européias. Também um povo ligure teria ocupado parte da Sicilia em época muito antiga. na I Entretanto, as pesquisas do subst guia ainda mais anti ga, chamada mediterrdnea, comum 4 Sicilia, a Sardenha, e 4 Cérsega, como tam- ato levaram a supor u bém ao sul da Itdlia, territérios em que se encontram os fonemas cacuminais € a tendéncia a passar -Il- > -dd- (por exemplo: lat, cabal > log . kacldlti “cavalo”) (ver mapa 2,p. 354) A latinizagio desses povos, localizados aproximadamente ao sul da linha La Spezia-Rimini, iniciou-se assim no século II a.C. A posig: estratégica de Roma, 2U04ISSS OnIGEM DAS LINGUAS ROMANICAS | LOL 102 no coragiio do Lacio, junto foz do rio Tibre, transformou-a no centro de irradia Gio da Peninsula, facilitando a consolidagdo das conquistas. Internamente, em 509 a.C., foi expulso Tarquinio, o Soberbo, o Ultimo rei etrusco, ¢ estabelecida a m 390 a.C., Roma foi saqueada pelos gauleses, mas a cidade se refez Republica. com bastante rapidez. Enfrentou depois as lutas internas entre patricios e plebeus, que $6 terminaram com a admissio dos plebeus em todos os cargos em 287 a.C. Para consolidar scu dominio sobre os povos da Italia conquistada, os romanos concederam-lhes a cidadania, ficando assim submetidos ao direito romano ¢ obrigagio do servigo militar, Com 6 surgimento de Cartago como poténcia econdmica ¢ militar, empenharam- se oS romanos nas chamadas guerras piinicas; a primeira (269-241) terminou com a criagdo da primeira provincia romana, a Sicilia, em 241, seguidas pela da Sardenha ¢ pela da Cérsega, em 238, Com a vitéria de Cip Zana (202), termina a segunda guerra pinica (218-201) com a capitulagdo de ido, 0 Africano, em Cartago e a cessio do territério de Siracusa a Roma. Mas s6 depois da terceira wuerra pinica (149-146), Cartago é destruida por Cipitio Emiliano, cognominado por isso Africanus Minor; 0 norte da Africa torna-se provincia romana ¢ 0 Mediterrineo é chamado mare nostrum pelos romanos Bem organizada internamente ¢ dominando 0 Mediterraneo, depois das guerras piinicas, Roma expandiu rapidamente seus dominios. Desse modo, quando da morte de Trajano em 117, 0 Império Romano havia atingido sua extensio maxi- ma com 301 provincias ¢ estados confederados, abrangendo praticamente 0 mundo entio conhecido, com excegao do extremo Oriente e dos povos germani- cos de além do Reno (ver mapa 1, p. 393). Neste vasto territério, foi implantado o latim. Algumas regi fam a set latinizadas, como a Grécia, 0 Egito, a Asia Menor ¢ 05 territérios mais orientais do Império; outras s6 0 foram superficialmente, como a Britania & os Agri Decumates. Em gerai, 0 processo de latinizagao foi lento, como a Hispinia, por exemplo, cuja conquista teve inicio em 218, durante a segunda , porém, nio che- guerra pinica, com desembarquue em Ampurias e a posterior ocupagdo de Sagunto (215), Cartagena (208) e a reyisw da atual Andaluzia; a tomada de Jaca (197) con- solidou a conquista, Cont Cantabricos, ao norte, foi efetivamente romanizada, Outro exemplo 6 a Sardenha ‘9, apenas em 19 d.C, a regido dos Montes esta que, embora incorporada em 28 a.C., somente em meados do século I d. va de fato romanizada, Sobre as caracteristicas dos idiomas dos povos incorpora- dos ao Império Romano, ser’ lito o necessirio ein tépicos especificos, ja que o rau de importineia entre eles, como substrato de uma lingua ou de um dialeto rominicos, varia considerave!mente, | ELEMENTOS DE FILOLOGIA ROMANICA FATORES DA LATINIZACAO, Latinizagao ou romanizagao é a assimilagio cultural e lingitistica dos pov ina, O fato de tantos povos de lingua, raga e incorporados ao universo da civilizagai cultura diferentes cedores é um fenémeno tinico na histéria da humanidade, Essa aceitagao, porém. niio terem adotado a lingua e, pelo menos em parte, a civilizagiio dos ven- se deveu a imposigdes diretas. As conquistas romanas tinham carter politico ¢ econd- mio; nao houve por parte de Roma pretensiio de impor aos conquistados sua lin sua religido: ao contririo, considerava o uso da lingua latina como uma honra. e os, druidas foram perseguidos na Gilia, isso acontecen porque o uso de vitinas humanas nos sacrificios feria o direito romano, ao qual se dava grande valor e importincia. O Novo Testamento mostra que os romanos niio eliminavam instituigdes politicas, religio- 01 juridicas, obviamente desde que no conflitantes, dos povos incorporados: 0 io, 0 sinédrio, 0 sumo sacerdote, os levitas € os saduceus: até a casa real de Herodes continuow a existir, Deviam pagar os impostos, enquanto as povo jude manteve a reli legides cuidavam da seguranga e ao governador romano era reservada a palavea Final em questdes juridicas especificas, como no caso da condenagio & morte, De modo geral, a politica foi de aproximagio a Roma dos povos conquista- dos. Depois da destruigio de Alba Longa, os romanos compreenderam que 0 sistema de arrasar as cidades ¢ levar seus 10 podia continuar; passa- habitantes para Roma 1 ram entio a deixar que as comunidades subjugadas continuassem a existir. Habil- mor proprio € patridtica dos mente procuraram formulas juridicas que lisonjeavam o vencidos, embora tais fSrmulas sempre fossem mais favoriveis a Roma, quer pro- éculo V a.C.), pondo-Ihes aliangas de diversos tipos, como o Foedus Cassianum que uniu estreitamente a Roma os poves itilicos, quer pela concessio da tio cobigat- da cidadania romana, mas raramente a “plena” (com ura, honores € munera) e, com certa facilidade, a “menor”, ciuitas sine suffiagio, a cidadania sem direito a voto. Se Roma niio impunha sua lingua nem cereeava o livre uso dos idiomas nati- vos, a latinizagio sé poderia concretizar-se indiretamente, Os principais fatores desse processo sto descritos a seguir. EXERCITO ROMANO As legides foram, sem diivida, a base do Império € de sua expansiio, Como ponta de langa, 0 exército era 0 primeiro a entrar em contato com os outros poves, tanto na conquiista como na subseqiiente ocupagiio. O exército era compasto por legides de 6.000 homens, com varias subdivisdes, como os manipuli (César, De Bello Gallico, 2,25,2), a trigésima parte de uma legiao ou cerca de 200 homens, eas centuriae (Livio, 1,13,8), 60 por legido com 100 soldados cada, sob 0 comando de um centuriao. ORIGEM DAS LINGUAS ROMANICAS. | 103 104 O soldado era inicialmente recrutado na Itilia, dentre a plebe; com a expansio, porém, a Peninsula nfo dispunha de contingentes suficientes para suprir todas as necessidades do servigo militar. Por isso passou a ser recrutado nas provincias ja romanizadas, cuja lingua usual era obviamente o latim vulgar. Polibio nos dé uma idéia da movimentagao de soldados ao citar um documento de 225 a.C., que conta para aquela época, antes da segunda guerra piinica, 423.000 soldados aliados para 325.000 de cidadldos romanos. Dadas as erescentes necessidades, o servigo militar passou a ser obtigatorio para todos os itdlicos em 89 a.C.. Antes da guerra civil, César e Pompeu passaram a recrular provincianos nao cidadaos; César recrutou sobretudo nas Galias Cisalpina e Transalpina. © imperador Augusto (63 a.C-14 d.C.) dava preferénei ia. 20 soldado da Itilia, mas permitia o recrutamento nas provincias mais romanizadas, prin- cipalmente nas cidades. As tropas ditas “auxiliares” (auaxilia) eram constituidas s6 de estrangeiros, muitas vezes homens incultos do campo; constituiam metade de um exército de aproximadamente 300.000 homens no inicio do século I d.C.. No fim desse século, a Itilia no fornece mais legionirios, como se deduz da auséneia de nomes itilicos no cemitério de Carauntum, na Pandnia; eles provém de fato das pro- vincias mais romanizadas as tropas auxiliares, das menos integradas. ses dados mostram a importancia do exéreito como fator de difis latim vulgar sob a forma usada nas provincias de origem ou aprendida no exército, 0 sermo militaris ou castrensis, variante do latim vulgar, Em contato permanente com 10 do a populagao subjugada, eram milhares de individuos latinizando, difundindo a cultu- ra ca lingua latinas, sem que 0 percebessem, COLONIAS MILITARES. imperador Augusto, no ano 16 a.C., fixou 0 tempo de servigo militar em 16 campanhas; no ano 5 ¢.C., elevou esse tempo para 20; cumprido esse regulamento, ‘os soldados eram aposentados. Augusto regulamentou esse costume jé antigo; na época de Mario (157-86 a.C.) € Silas (138-78 a.C.) foram estabelecidas as colénias militares, Generais e magistrados recompensavam seus soldados, apés a aposentado- ria, com terras produtivas, confiscadas a seus proprietirios, Formavam-se, assim, colénias de militares veteranos, localizadas em todo o Império a escolha dos interes sados; freqiientemente situavam-se as colnias militares nas proximidades das fror teiras, buscando reforgar a defesa com a presenga desses ex-combatentes Recrutados muito cedo, ao término do servigo militar eram adultos; caso ainda nao a tivessem, recebiam a cidadania romana. Nas colénias, contraiam matriménio com mulheres autéctones ¢ a familia falava latim, Mesmo os que tivessem vindo das provincias, permaneciam tantos anos no ambiente romano do exército que se romani ELEMENTOS DE FILOLOGIA A SVPFTTFCTCTFCTFTFTTESESTEETEssesss Sees gueveseeey: zavam profundamente, sob 0 comando de oficiais que certamente usavam 0 sermo urbanus. Quanto ao niimero desses veteranos, qualquer estimativa dificil, mas sabe- se que, apenas durante os anos da guerra civil, receberam terra nesse tipo de col6nia cerca de 500,000. Essas consideragdes mostram bem a importincia das coldnias de veteranos como um ponderivel fator de latinizagio (ver mapa 3, p. 355). Desde as primeiras conguistas, quando os romanos removiam a populagao vencida, eram instaladas colénias civis para atender as demandas de terras por parte dos plebeus. Com a expansio do Império, essas colénias se multiplicaram em todas as provincias. Podiam ser “romanas”, constituidas por cidadios com todos os direi- tos (ius suffiagii e ius honorum) ou “latinas”, daqueles que s6 tinham o ius fatinum. As colénias romanas eram menores, constituidas por cerca de 300 pessoas, isentas dos tributos pelo ius italicum, enquanto as latinas chegavam a varios milhares. Eram estabelecidas em territérios subjugados para garantir a ordem, impedir rebelides ¢, obviamente, produzir alimentos ¢ outros bens; quando sua finalidade precipua era a produgao de bens de consumo, denominavam-se “coldnias agririas” ¢ foram institui- das pelos Gracos (séculos IIl-I! a.C.) Como recurso para manter a paz ¢ a coestio do Império, as colénias civis esta- vam espalhadas por todas as provincias, sobretudo na Africa, Peninsula Ibérica, Gill Panénia, Norico e Dacia. Sueténio, em De Vita Caesarum (Iulius Caesar, 42), velata que César assentou 80.000 cidadaos em colénias transmarinas, ao mesmo tempo em que proibia a saida da Italia de qualquer cidadio entre vinte e sessenta anos, a no ser em casos especificos, revelanclo que todo 0 processo era bem controlado. Conhecido €0 caso da Dacia conquistada, segundo relata o historiador Eutrdpio (século IV d.C.): Traianus, victa Dacia, ex toto orbe Romano infinitas eo copias hominum transtulerat acl agros et urbes colendas. (Breviarium ab urbe condita, VIL, 6) Veneida a Dacia, Trajano havia transferido part ki imensas quantidades de homens de todo o mundo romano, para que habitassem os campos ¢ as cidades. Com isso, a latinizagao da Dicia foi tio répida ¢ profunda que em aproximadamen- te cingiienta anos estava definitivamente integrada ao Império, conservando a latini- dade mesmo quando abandonada por Roma e invadida pelos birbaros, O peso ea import te; eram milhares e milhar ncia das colénia scivis no processo de latinizagio & eviden- ;0as falando o latim em contato direto € constan s de pes ORIGEM DAS LINGUAS ROMANICAS | 105 te com a populagio autsetone. A rede de relagdes, que inevitavelmente se estabele- ciam, levava a uma uniformizagao lingtiistica e cultural (ver mapa 3, p. 355) ADMINISTRAGAO ROMANA Concluida a conquista, distribuiam-se adequada e estrategicamente as legides ¢ instalava-se a administrago romana, Foi nesse contexto que surgi a “provincia” de inicio o territério que um magistrado com émperium administrava; imperium era © supremo poder administrative, com o comando na guerra, a interpretago ¢ a apli- cago das leis, até a pena de morte, No inicio de cada ano, normalmente as provin- cias eram atribuidas aos consules pelo senado. Até a pri neira guerra piinica, todas as provineias estavam na Ilia; fora da Peninsula, as primeiras foram, como ji se notow acima, a Sicilia (241 a.C.) € a Sardenha (238 a.C.); em 197 a.C., criow-se a da Hispiinia, logo dividida em duas, a Hispania Citerior e a Hispania Ulterior, governa- iam de das por dois pretores adrede criados, com imperium especial: essas duas servir modelo para as subseqiientes. A administragio das provincias evoluiu bastante com 0 tempo. Incumbia-the manté-las figis a Roma, promover stia defesa interna e externa, coletar os impostos (como o Wibutum soli, espécie de imposto territorial, o mibutum capitis, soma fixa, denominado também stipendium, on um dizimo em espécie, as decumae, muitas vezes sores), ¢ ministrar os servigos de aten- coletado pelo publicani por delegagio dos ce dimento juridico, encargo geralmente exereido pelo praefor. Com algumas alteragdes, esse sistema foi aplicado a todas as provincias. Pelo ano 14 d.C., entretanto, as provin- cias foram classificadas em dois tipos: as senatoriais ¢ as imperiais. As senatoriais (Narbonensis, Baetica, Numidia, Africa Proconsularis, Cyrene, Macedénia, Epirus, Achaia, Bithinia, Pontus) eram mais antigas € mais romanizadas, nas quais 0 exército se fazia nienos necessirio; as imperiais (Aquitania, Galia Lugdunensis, Lusitania, Tarraconensis, Décia, Illyricum) foram instituidas por Augusto. O Egito foi a primei- ra provincia a ser declarada “sujeita ao Povo Romano”, com exelusio da ingeréncia dos senadores & governada por um prefeito eqiiestre, comandante também do exérci- to. Provincias menores, como « Judéia e o Nérico, eram entregues a prefeitos e, pos- teriormente, a procuradores, apenas com um destacamento, mas sem exército. Por essas resumidas informagdes sobre a organizagao da administragao ‘das provincias, percebe-se que os responsiveis pela geréncia dos territérios pertenciam & aristocrneia romana; conseqiientemente, falavam o sermo urhanus, como também os funcionsirios mais graduados. Os contatos permanentes com Roma e a duragio rela- livamente curta das gestdes da alta burocracia favoreciam a unid: de lingiiistica do sermo urbanus por toda parte, Por outro lado, com o relacionamento constante com a comunidade da regio, pode-se supor uma influéneia considerivel da norma falada culta, de maior prestigio, dos administradores sobre o latim vulgar, Esse contato per manente era um obstaculo a que a norma vulgar se modificasse de maneira mais rapi- da regionalmente, mantendo-se mais ou menos uniforme nas diversas provincias. Algo semethante devia acontecer também com o sermo castrensis, pelo relaciona- ‘mento dos oficiais com os legiondirios. Contudo, ¢ certo que o latim usado pela administragio das provincias foi um ponderivel fator de latinizagio, j4 que era veiculo de comunicagio nos contatos com jo, latina e niio-tatina, a popula ¢ a lingua de todos os documentos. Acentue-se que 0 prestigio do idioma dos vencedores se impunha ¢ atraia sobretudo as elites conquista- das, os que buscavam titulos e cargos ¢ todos quantos quisessem prestar servigo de qualquer espécie 4 administragao, como os publican por exemplo. Comegavam apren- a dendo latim, tendo como primeiro ponto de referéncia 0 idioma da administracio, OBRAS PUBLICAS, Com o exército, com as coldnias civis € militares ¢ a admit nos espalhavam pelas provincias sua cultura, sua lingua e seu estilo de vida. Buscando integragio coesio entre as partes do Império, construiam obras ptiblicas que serviam a seus intentos, mas beneficiavam a toda a populagio. Dentre essas obras, destacam-se: a. Estrada Como instrumento de acesso répido entre as regides pelo exército, pelos men- intes e pela populagio em geral, as estradas tiveram grande impor sageiros, comerc’ tdncia na consolidagio do Império e no processo de latinizagio. Conhece-se bem a historia de dezenove viae, algo realmente excepcional para a época, como a famosa Via Appia, que data de 312 a.C., principal ligagdo pavimentada com o sul da Itilia até Brundisium, com 234 milhas (337 km); a Aemilia, construida em 187 a.C. e fator fundamental da raipida romanizagiio da Galia Cisalpina; a Aemilia Scauri (107 a.C.): a Annia (153 a.C.), no norte da Itilia; a Aurélia, na Etriria, rumo ao norte; a Cassia ea Clodia, ambas na Eb a Domitia, do Rédano na Glia até a Hispania; a Egnatia (130 a.C.), da costa do Adriatico até Bizincio; a Flaminia (220 a.C.), de Roma ao mar Adriitico com varias ramificagdes: a Latina, antiga via irradiadora em diregao ao sul da Italia; a Popilia, norte € sul até Rhegium; a Postumia (148 a.C.), diregio norte da Itilia até Génova © Provenga atual € para o leste até Aquilea € Baleds; a Clodia Augusta, na Raetia e na Germania, e outras, As estradias sempre merecem muita atengio de imperadores, cdnswtles, censo- res ¢ questores, que as pavimentavam com pedras ¢ mantinham um servigo constan- te de manutengio tanto que trechos delas ainda hoje existem. ORIGEM DAS LINGUAS ROMANICAS | 107 » » , » » » » » » , ’ , , , , , , ' , , , ’ ! ’ ' ’ ) ’ ) ) ’ ) ) ) ) ) ) ) ) ) ) ) ) ) ) ) ) eS b. Abastecimento de Sigua Os aquedutos sfo com justiga considerados a principal contribuigo de Roma para a arquitetura ea higiene. Os primeiros servigos de Agua foram os de Aquae Appia de 312 a.C. ¢ de Anio Venus de 272 a.C... Os romanos acumularam considerivel acervo técnico, desde a captagio até a distribuigdo da agua através de canais, tineis, pontes, sifSes invertidos etc. Gastavam somas cnormes nesse servico, como no de Aqua Marcia, em Roma, em que foram aplicados 180 milhdes de sestércios ¢ no de Nicomedia, na Bitinia, 3229 000, A distribuigdo era feita através de reservatérios (castella) para fontes piblicas, termas, banhos, saunas e consumidores particulares. Nao se cobravam taxas € @ manutengio era da responsabilidade da conuunidade, Na Repiblica, esses servigos cram encargo dos censores ou edis, que tinham a “cura urbis”; Augusto instituiu os car- gos de “curatores aquarum” sob o comando geral de um cénsul (ver mapa 3, p. 355). Os principais centros urbanos de todo © Império dispunham desse servico, encontrado até em regides onde a latinizagZo nfo chegou a ser profunda, como na Britania (Aquae Sulis, Londinium e Cilurnum bem ao norte) ¢ na Siria (Dura-Europus, na fronteira com a Mesopotamia). Obviamente, esse beneticio piiblico captava a simpa- tia da populacdo, dispondo-a a assimilar a cultura romana ¢ com ela a lingua latina, ©. Teatros © conhecido interesse dos romanos pelo teatro ¢ representagdes levou-os a construir prédios para esse fim em todo o império, Embora baseados em modelos tCgOS, Os teatros romanos evoluiram e, na época imperial, os arquitetos chegaram a modificar detathes importantes dos protétipos gregos, como a colunmatio, Desde 0 primeiro construide em Roma por Pompeu, em $5 a.C., muitos teatros foram ergui- dos em cidades dle alguma importineia em todas as provincias, como por exemplo suhba e Gérasa na Africa, Arles, Termesso na Pisidia, Nicépolis no Epiro, Bostra, Es m-se comédias, Orange e Lion na Gilia, Mérida ¢ Sagunto na Ibéria, Representavs patominas, exibigdes de mimos, de saltimbancos e espeticulos circenses. Nao ha informagées precisas sobre o idioma usado nesses espetiiculos; supdc- se que as linguas locais fossem ocasionalmente empregadas, mas o latim, em normas variiveis segundo o tipo de espetaculo, teve papel preponderante, Desse modo é pos- sivel avaliar 0 peso dos teatros no proceso de la 4. Outros edificios A presenga romana se fazia sentir ainda através de outros edificios piblicos, como bretudo nas © forum, templos, basilicas, monumentos (arcos, colunas) ¢ bibliotecas, s ciddades maiores. Marcavam o grau de cultura ¢ eivilizagio de Roma e difundiam o latim, Quanto a escolas piiblicas, o Império néo teve uma organizagao especial, embora o impe rador ordinariamente pudesse conferir titulos ¢ imunidade a professores; as escolas eram 108_ | ELEMENTOS DE FILOLOGIA ROMANICA particulares € 0 poder piblico agia como benfeitor. César atraiu professores gregos a Roma, ofertando-lhes a cidadania romana ¢ Augusto os excluiu: do decreto de expulsio (Sueténio, Caesar, 42,2; Divus Augustus, 42, 3); Vespasiano criow a primeira cade retérica latina € grega em Roma, cujo iiltimo indicado foi Quintiliano. Trajano deu o munus educationis a 5,000 criangas pobres; as intervengdes do Estado nas escolas torna~ ram-se mais comuns na época tardia do Império, em pontos como escolha dos professo- res e fixacao de escalas salariais. Em todo caso, um sistema educacional proprio nunca foi desenvolvido e 0 mimero de escolas era reduzido, atencendo sobretudo as classes mais altas. Centros de cultura importantes eram raros, citando-se, nos séculos tle 1a... Massilia (Marseille) na Galia, Alexandria no Egito, Antioquia na Siria, Tarso na Cilicia, Efeso e Pérgamo na Asia Menor, nos quais a influéncia grega sempre foi preponderante. A primeira biblioteca piiblica foi fundada em 39 a.C. por Gaius Asinius Pollio (76 a.C.-4.4.C.), com 0 espélio da guerra contra os partinos da Hiria, No século I 4.C., havia bibliotecas piblicas em Thamugadi e Cartago na Africa, em Nemausus na Galia, Dyrrhachium na Iliria, Phillipi na Macedénia e€ outras mais numerosas na Grécia e Asia Menor, Obviamente, eram freqiientadas pelas classes mais altas € representavam centros de irradiagdo da cultura latina, ainda que mesclada com mui- tos elementos assimilados dos gregos. Assim, latinizando a elite da sociedade, esco- las ¢ bibliotecas muito contribuiram para a consolidagio do Império, dada a influén- cia das elites sobre a massa popular (ver mapa 3, p. 355) COMERCIO A localizagio geografica de Roma transformon a cidade também em grande centro comercial, desde 0 inicio de sua historia, primeiramente de toda a Itilia € depois de todo o Impétio. De inicio, 0 comércio era livre, movimentado por varias categorias de profissionais: os mercatores (“negociantes”), os caupones (“tabernei: 108"), 08 navicularii (“armadores”) € os negotiatores (“negociadores”); esses iiltimos eram a um sé tempo comerciantes, banqueiros, industriais ¢ donos dos entrepostos. Até a época de César, eles tomaram conta do comércio com todas as provincias, ia, movimentando um volume de cargas realmen- incluindo depois a Britinia ¢ a Dé te grande, Comerciantes do Mediterraneo visitavam a Germania, o sul da Riissia atual, mantendo um contato com os chineses atra a Sibéria ocidental e chegaram a China ves das provincias orientais e do Ira, pelo oceano out pelas rotas das caravanas. | A dif cidvel, tanto que se encontram palavras latinas ¢ gregas desse campo seméntico no irlandés, no germanico, no pilavi (lingua persa do periodo dos Sassinidas~ 224-652 10 do latim por meio dessas atividades comerciais foi bastante apre- 4.C.), no semita ¢ iraniano ¢ algumas até nas linguas indianas ¢ mongélicas. ORIGEM DAS LINGUAS ROMANICAS | 109

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