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Telma Weisz
Essa situação costuma ser mais dramática no contexto das primeiras séries
do ensino fundamental, que é quando são tomadas decisões de importância
vital: se o aluno aprende a ler e a escrever nos dois primeiros anos e será
promovido, ou se ficará retido ali, ano após ano, até desistir da escola; se,
mesmo sem aprender, será promovido e engrossará o número dos que, cada
vez mais, chegam analfabetos à 4a série; se, mesmo precariamente
alfabetizadas e sem nenhuma competência para compreender textos mais
complexos, classes inteiras de 4a série iniciarão o segmento da 5a à 8a séries
para fracassar diante da necessidade de aprender por meio da leitura.
O que vemos na tabela a seguir é o resultado de uma ação cujo objetivo era
ao mesmo tempo de avaliação e de formação. A intenção primeira era
informar o olhar dos educadores em formação, utilizando um instrumento
que permitisse analisar as idéias dos alunos sobre o sistema de escrita e,
portanto, avaliar com razoável precisão se estariam ou não alfabetizados.
Escritas Escritas Escritas Escritas % de
anteriores silábicas silábico- alfabéticas alunos
à alfabéticas
fonetização
1a 586 (45%) 276 189 (15%) 225 (18%) 1.276
série (22%) (49%)
2a 30 (4%) 21 (3%) 103 (14%) 578 (79%) 732
série (28%)
3a – – – 452 452
série (100%) (17%)
4a – – – 162 162
série (100%) (6%)
O que
Total 2.622 encontramos
(100%) aponta para a
enorme
dificuldade que os professores têm de verificar o que os alunos já sabem e o
que não sabem. Se considerarmos os alunos que produzem escritas silábico-
alfabéticas e alfabéticas na 1a série, no início do ano – 414 alunos, 33% dos
alunos as 1a série –, e que poderiam perfeitamente acompanhar uma 2a
série, pois podem ler e escrever, ainda que com precariedade, verificamos
que eles foram retidos porque os professores não tiveram condições de
avaliá-los adequadamente e acabaram utilizando indicadores como 'letra
bonita' ou 'caderno bem-feito' para decidir o destino escolar de seus alunos.
Quando o professor trabalha com esse tipo de indicador, até mesmo avanços
na aprendizagem acabam prejudicando o aluno. Por exemplo, quando o
aluno aprende a ler, é comum que ele comece a 'errar'na cópia. Isto é, deixa
de copiar letra por letra e começa a ler e a escrever grandes bloco de
palavras, em geral unidades de sentido, o que faz com que cometa erros de
ortografia ou escreva palavras grudadas. Tal fato, que é na verdade
indicador de progresso, acaba sendo interpretado como regressão, pois o
professor não tem clara a diferença entre copiar e escrever. Constatação
reforçada por outro dado interessante: a presença de 51 alunos não-leitores
(7%) na 2a série. Esses alunos foram promovidos porque eram bons
copistas, e isso parece ter impedido o professor de perceber que não sabiam
ler e escrever.
Os números da última coluna da tabela, que não são tão diferentes do que
acontece no resto do país, mostram o impacto da cultura da repetência:
49% dos alunos estão na 1a série, 28% estão na 2a série, 17% na 3a série e
apenas 6% conseguiram chegar à 4a série.
É de situações como essa que estamos partindo ao buscar saídas para a
cultura da repetência com a ambição de criar uma educação menos
exclusora. E nossa falta de clareza sobre a questão também vem de longa
data. Darcy Ribeiro costumava dizer que atribuir nossos extraordinários
índices de fracasso escolar a uma hipotética incompetência da escola era
uma rematada tolice. Que a nossa escola era não só competente como
também eficiente, pois preparava a população para aceitar a exclusão e
atribuí-la à sua própria incapacidade. Reprovar 50% dos alunos ao fim da 1a
série – situação que não existia em nenhum outro país – era algo que só
podia ser explicado dessa maneira.