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RICARDO MEIRELES VIEIRA

O PALÁCIO DOS URUBUS

Concurso de Dramaturgia 1975


Prêmio Serviço Nacional de Teatro
3° Lugar

Essa história passa-se na ilha fictícia de Babaneiralle. O país delirante das bananas, do sol e do mar.

Dados históricos e Geográficos de Babaneiralle:


Babaneiralle, capital – Babaneiralle
Províncias – 3 (Gurita, Querubim, Vilhacete)
Regime político – um confuso regime monárquico
População – 150 mil habitantes, mais ou menos
Superfície – 200 mil km quadrados, mais ou menos
Economia – Agrícola (banana, melancia e abacaxi
Moeda Nacional – Dorres, dregeas e gulandim
Bebida nacional – orchata (composição química de suco de laranja, álcool, água e açúcar)

CENÁRIO
Talvez um terrível e decadente bordel, transformado num palácio

Peça em 1 ato, dividido em 10 cenas, ou em 2 atos, divididos em 9 cenas.


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PERSONAGENS:

ARAUTO
RESTON
NAVARRO
LOPES
PEMENNA
MARIEL
VARGAS
LÍRIO
ALEXANDRA
SEGADAS
SOLON
AURELINDA
COLLCA
AVILON
AVILEZ
IMPERIALINA
CHARABOL
ANAYA
MANFREDO
DAÉCIA
FOWLLES
OPERADOR
VOZ
DANNA
MORENO
COMISSO
JEAN
DANNE
NAZ
GALVON
CONSUELO
ERANDON
ANATON
LAMEGO
WAHAYANH
ARGINO
LOCUTOR
ALAROON

Vivendo uma episódica e eletrizante aventura política de capa-espada numa pequena ilha cercada por tubarões por
todos os lados (em todos os sentidos).

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CENA I

(Toque de clarins – Voz do Arauto anuncia num bom tom, pelos quatro cantos do teatro).

ARAUTO – Atenção! Atenção! Moradores de Babaneiralle, por ordem do Suavíssimo e Humaníssimo Rei, Sua
Majestade Navarro Ramirez Penna Cassarolli! Não se pode mais entrar no Museu Real Histórico comendo pipocas
ou mascando chicletes de bola!

(Ploc sonoro do estouro da bola do chiclete. A ordem é repetida. Amanhece em Babaneiralle – um refletor focaliza
um homem amarrado numa cadeira, com uma vistosa melancia na cabeça. Na outra extremidade, Reston, vestido a
Guilherme Tell, estica um bonito arco, pronto para disparar a flecha. Dispara a flecha parte e atinge em cheio o
coração do homem, causando uma explosão de sangue).

RESTON – Errei, papai! Mais uma vez errei!


NAVARRO – Estou cansado de afirmar que esse definitivamente não é o seu esporte favorito!
RESTON – Acaso o senhor está insinuando que devo jogar futebol?
NAVARRO – Não. Mas você não tem vocação para ser arqueiro.
RESTON – (inconformado) Só preciso de mais treino, senhor meu pai.
NAVARRO – (Deliciando-se com um pedaço de melancia partida) Pratique um esporte menos violento!
RESTON – Violento??? Arco e flecha violento!??
NAVARRO – quando não se tem pontaria e o alvo é humano...
RESTON – (protestando, enérgico e indignado) O alvo é uma melancia...
NAVARRO – Que você nunca acerta.
RESTON – O senhor está me desencorajando? Não se esqueça que faz parte da boa educação de um herdeiro do
trono o esporte, a caça, a competição, a luta.
NAVARRO – não esqueço; como poderia esquecer, se esse é o sexto Primeiro-ministro que morre devido a sua mania
de ser arqueiro? O país pode entrar em crise, Os meus súditos mais chegados andam apavorados com a tênue
possibilidade de vir a ser o primeiro Ministro, o cargo passou a inspirar horror, tal a instabilidade e a insegurança.
RESTON – Ninguém precisa ficar sabendo dos meus pequenos insucessos. Bote a culpa no povo!
NAVARRO – O povo não é mágico. Há 30 anos assumi o poder, há 30 anos o povo não possui mais nem cargo nem
faca para comer, quanto mais arco e flecha.
RESTON Quando o Grande Nero incendiou Roma, não precisou justificar se o povo tinha ou não tinha caixa de
fósforos ou isqueiro!
NAVARRO – o seu paralelismo histórico é arejado, é surpreendente! Mas Roma foi Roma! Babaneiralle é
Babaneiralle!
RESTON – Senhor meu pai, seus argumentos não vão mudar o meu modo de pensar. Continuarei a praticar o arco e
flecha.
NAVARRO – Pelo menos, você podia praticar com uma fruta maior. Talvez assim não errasse o verdadeiro alvo.
RESTON – Maior? Comecei com uma maçã, fruta nobre, passei a contragosto para os surrealistas cachos de banana,
estou em melancia; o senhor não está pensando que vou me exercitar com uma detestável jaca!
NAVARRO – Não precisa mudar a fruta, coloque qualquer fruta na cabeça de qualquer homem. Você poderá até
voltar a usar maçã; desde que o homem que esteja com ela na cabeça seja uma pessoa simples, comum...
digamos... um homem do povo.
RESTON – (irritado) Papai! Um homem simples não me dará nem responsabilidade nem motivação para aprimorar
minhas flechadas. Para me dedicar com afinco e entusiasmo é necessário que a fruta esteja na cabeça de alguma
verdadeira personalidade. O que significa a morte de um homem qualquer? Nada. Tem tantos! Um a mais ou a
menos, que importância faz? Não, senhor meu pai, já basta a fruta não ser nobre.
NAVARRO – Seria menos desastroso se nessa fase “inicial” dos seus exercícios você usasse o nosso Ministro da
Educação.
RESTON – Ora, francamente, senhor meu pai! Para que serve um Ministro da Educação em nosso país???

(blackout – Cantos de aves e pássaros – Ao longe, rugidos de leões... – ao cair da tarde; banheiro paradisíaco do
Barão Lopes Draco Solo, que, numa confortável banheira helliodiana, saboreava um banho espumante. O barão,
rodeado de periquitos e papagaios deliciava-se ouvindo Ray Conniff numa vitrola portátil de Know-how japonês. O
rei e a sua comitiva entram, repentinamente, no quarto de banho, surpreendendo o Barão).

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LOPES – Alteza!!
NAVARRO – Não se atreva a levantar
LOPES – Evidentemente que não! A visita de Vossa Majestade me honra muito, peço desculpas pela minha incômoda
e petulante situação.
NAVARRO – Trago boa notícias.
LOPES – (Com cara de cinderela) Quais?

(Com um olhar à Greta Garbo, o rei ordena ao Imediato ler a notícia)

PEMMENA – Por decreto do Grandíssimo e Justíssimo Soberano de Babaneiralle, fica nomeado a partir de agora o
senhor Barão Lopes Draco Solo, o primeiro Ministro de nossa terra.
LOPES – Não!!

(Levanta mostrando sua nudez espumante – pequena revoada de periquitos)

NAVARRO – Satisfeito?
LOPES – Comovido! (sentando lentamente na banheira) Mas, ao que me consta, até vir a tomar meu banho, Vossa
Majestade possuía um excelente Ministro e estava muito satisfeito com o seu trabalho
NAVARRO – Infelizmente, ele foi vítima de um mal súbito
LOPES – Súbito?
NAVARRO – Fulminante!

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CENA II

(Vozes de papagaios – corte rápido – no outro aposento do palácio, o filho mais novo do rei, colocava o reino em
polvorosa à procura da mulher amada).

MARIEL – Insisto, senhor meu pai, essa moça existe.


NAVARRO – Não é possível, meu filho! Mandei vasculhar todo o meu reino e não foi encontrado ninguém que
calçasse esse sapato (Ergue o sapatão cravejado de estrelas).
MARIEL – Os seus emissários não procuraram como devia (Furioso)
NAVARRO – Vargas! Vargas!

(Vargas Perdineira, o capitão da guarda real, vem chegando nervoso no salão).

NAVARRO – A guarda percorreu todo o reino?


VARGAS – Sim Majestade, eu mesmo dirigi as sindicâncias, não ficou um lugar sem ser visto, todas as moças do reino
calçaram esse sapato, não houve discriminação, todas experimentaram, infelizmente não ajustou em ninguém.
NAVARRO – Acredita agora na competência de nossa guarda?
MARIEL – (sonoro) Não.
NAVARRO – Meu filho, o fato de estarmos na América não lhe dá o direito de transformar o meu reino em uma nova
Disneylândia. Essa “dama” não existe, foi tudo um sonho.
MARIEL – Um sonho? E o sapato é também um sonho?
NAVARRO – Esse sapatão é um verdadeiro pesadelo. Vargas, percorreu os bordéis?
VARGAS – Não existem mais, Majestade.
NAVARRO (autoritário) Como não existem mais, se noite passada estive lá? (mudando o tom) Que a nossa estimada,
dedicada, amada e fiel Rainha não saiba disso, hein?
MARIEL – (espantado – censurando) o senhor frequenta esses lugares???
NAVARRO – (Quase perdendo a realeza) Ora meu filho, vá... vá... vá... aaaaaAAtichim... (O proveitoso espirro salva a
“dignidade Real”) Vargas! Responda. Percorreu os bordéis?
VARGAS – Desculpe, meu rei, a franqueza; pelo que sei, desde que instalamos nossa ilha o único bordel existente foi
desocupado e as prostitutas despejadas, por ser esse o prédio mais seguro, nobre e suntuoso para nos abrigar.
NAVARRO – (Como Elizabeth Taylor, tendo um ataque de ódio) Prendam! Torture! Estiquem seus ossos! Que estão
esperando? Preendaaaaam!!!

(um guarda se aproxima)

LÍRIO – Perdão, Alteza, mas o capitão Vargas é o chefe da guarda Real, pela hierarquia não podemos prender um
superior.
NAVARRO – Qual é o seu nome, imbecil?
LÍRIO – Lírio La Flor Furtado.
NAVARRO – É o novo capitão da Guarda. Agora prendam esse homem.
LÍRIO – (Energético – Violento) Guardas! Levem esse infame! Tratamento a pão e água.

(Os guardas obedecem e vão levando Vargas Perdineira, ex-capitão)

NAVARRO – Que audácia! Que injustiça! Que calúnia! Eu que fiz casas populares, financiadas em 36 meses, sem
correção monetária, para essas mulheres do povo, e ainda tive que ouvir isso! Não deixei nenhuma ao desabrigo
ou ao relento. Assim que nos alojamos no palácio comecei a construção das cassas populares...
MARIEL – Senhor meu pai, não me interessa saber as obras de assistência social que o senhor fez ou não. Resolva o
meu problema.
NAVARRO – Não sei como resolver. Você bem que podia esquecer essa dama, quem tem um pé desse tamanho não
merece amor.
MARIEL – O amor não se mede pelos pés... quanto a esquecer... Nunca!

(Pemenna, o imediato, vai entrando no salão apressado)

PEMENNA – Majestade, uma moça insiste em querer vê-lo.


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NAVARRO – Deixe entrar. Verifique antes se ela não porta nenhuma arma.

(Pemenna sai, voltando com uma moça. Mariel reconhece, corre, abraça e beija).

NAVARRO – Então essa é a moça?


MARIEL – (Feliz) É, meu pai, é essa.
NAVARRO – Aquele miserável disse que vasculhou tudo! Lírio! Mande matar Vargas.

(Lírio está pronto para mandar cumprir a ordem do rei. Alexandra sai apressada dos braços do amado).

ALEXANDRA – Por favor, Alteza não quero que uma morte pese na minha consciência. Vargas não tem culpa de não
ter me encontrado.
NAVARRO – Como não tem?
ALEXANDRA – Eu me escondi!
NAVARRO – E eu mandei procura-la!
MARIEL – Por que se escondeu, querida? Desde aquele dia estou te procurando loucamente.
ALEXANDRA – Não posso revelar.
MARIEL – Por quê?
ALEXANDRA – É um segredo terrível
MARIEL – Nada pode ser terrível quando estamos juntos... (preocupado) Senhor meu pai, se está arquitetando algum
plano para nos separar por qualquer motivo que seja... saiba...
NAVARRO – Depois do rebuliço que esse amor provocou, longe de mil tal pensamento. Se é para o seu bem e sua
felicidade, pode misturar o seu sangue azul com o sangue vermelho da moça. Não faço restrição. Fim do século é
fogo!
ALEXANDRA – (sutil, como um prato de abóbora)Não se trata disso. Também sou sangue azul. O meu segredo é
muito pessoal.
NAVARRO – (assustado) Filha de algum revolucionário?
ALEXANDRA – não!
NAVARRO – Primeira refugiada de um país?
ALEXANDRA – Não!
NAVARRO – Suas idéias políticas não se ajustam com o regime monárquico?
ALEXANDRA – não!
NAVARRO – És casada?
ALEXANDRA – não!
NAVARRO – És uma das “moças” das casas populares que mandei construir?
ALEXANDRA – Não!
NAVARRO – Comunista?
ALEXANDRA – (Após um pequeno frenesi) Credo!!!
NAVARRO – Portadora de cólera? Febre amarela? Tifo?
ALEXANDRA – Não!
NAVARRO – Chega de especulações. Qual é o seu segredo, afinal?
ALEXANDRA – Por favor, não me obrigue a dizer
NAVARRO – Por que não?
ALEXANDRA – Não posso, alteza me odiará
NAVARRO – Não tem importância. Estou morrendo de curiosidade. Por que se escondeu do meu filho?
ALEXANDRA – (“afrigerada”) Quero morrer! Não devia ter voltado ao palácio... (escandalosa) ... Todos vão me
odiar...
NAVARRO – é o rei de Babaneiralle que exige. Revele esse curtido segredo. Se Vargas revirou o meu reino de cabeça
pra baixo, por que não te encontrou?

(Pausa nervosa – Alexandra caminha indecisa, fala de repente, apoteótica).

ALEXANDRA – Meu nome é Alexandre!

(A sonoplastia repete a frase na voz de Alexandra em mais 2 idiomas, Inglês – Espanhol)

NAVARRO – Nome esquisito para uma “moça de família”


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ALEXANDRA – Eu sou Alexandre Magno!
NAVARRO – (perplexo) O filho do meu General?
ALEXANDRA – Exatamente
NAVARRO – Quer dizer que você é um homem???
ALEXANDRA – (convicto) Completo!

(Lusco fusco – O Rei conversa num outro aposento do Palácio com o General Segadas Magno Mariz de Sá).

NAVARRO – (Apreensivo) Que papelão! Que papelão fez o seu filho, meu General!!!
SEGADAS – O nosso filho, Majestade! O seu insiste em casar. (Categórico).
NAVARRO – (inconformado) o filho de um “bravo guerreiro”...
SEGADAS – (no mesmo tom) I filho de um Monarca...
NAVARRO – O seu tinha um heroico passado histórico a preservar!
SEGADAS – O seu também!
NAVARRO – Onde É que fica a nossa austera “educação espartana”?
SEGADAS – Educação espartana em Babaneiralle??? Com o ministro de educação que temos, a nossa educação é
muito mais chegada a Sodoma e Gomorra.
NAVARRO – Triste ilusão. Eu que pensava que a única cosa que podia ameaçar a monarquia e tombar o rei fosse essa
incômoda capa real! (suspira melancólico) Agora vejo como pensava errado. Ameaças mais graves pairam sobre a
monarquia. Se esse “casamento homossexual acontece, corremos sérios riscos, não teremos netos...
SEGADAS – Que vergonha! Temos que impedir esse absurdo a todo custo. Vou mandar “meu filho” estudar na
França, no Sacré-Coeur de Marie.
NAVARRO – O meu irá para Martinica.
SEGADAS – Não seria melhor Uganda?
NAVARRO – É um caso a pensar.
SEGADAS – O importante é separá-los para esquecerem esse amor imoral.
NAVARRO – Subversivo! Anti-religioso! Anárquico! Contrário às boas normas.
SEGADAS – Debochado! Impossível! Antirromântico! Futurista! E sobretudo... antimonárquico.

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CENA III

(A luz vai abaixando, a música La cucaracha, com Juan Lessas y Sus Muchachos invade e domina a cena. Alguns
flashes do cotidiano do palácio real – Reston recebe aula do seu professor de filosofia, Solon Ângulo Rega.)

SOLON – ... Lições fundamentais para um futuro monarca, é necessário mãos firmes para conduzi-los; por isso a
autoridade real tem de ser absoluta, inflexível. Qualquer ideia contra isso deve ser impiedosamente esmagada.
Um rei, para governar tranquilo, deve opor-se a qualquer reforma, por mais inocente que a mesma possa
parecer. Reformas são barulhos ocos, inquietudes de anarquistas, baratas e cascas vazias. A constituição é um
mal fundamental! A liberdade de imprensa é um instrumento de corrupção das massas. A rigor, a bem da pátria e
da monarquia, não deveria existir imprensa, a não ser marrom. Está entendendo?
RESTON – Perfeitamente.
SOLON – (após beber o clássico copo d’água dos conferencistas, prossegue) O sufrágio universal é um erro fatal,
pecado mortal. O mais falso dos princípios políticos está no princípio da soberania do povo. O parlamento é uma
instituição diabólica, a vaidade e os interesses egoístas dos seus membros; a instituição do parlamento é uma das
maiores concretizações das ilusões humanas... (Tom baixo)... Que Deus me perdoe...
RESTON – Disse alguma coisa?
SOLON – Disse. Que a divina providência nos proteja desses males.
RESTON – Amém.
SOLON – Cabe ao príncipe que um dia vai substituir o nosso amado e saudável Rei preservar tudo isso.
RESTON – Eu sei, e juro pela coroa que preservarei toda essa ordem. A meta primordial do meu governo é inundar o
povo com um excessivo número de ordens, normas, regras, leis, proibições, de modo que todos vivam sem saber
o que é permitido e o que é proibido. Assim, passarão a ter um medo crônico de violar ou transgredir uma dessas
misteriosas, insondáveis e indecifráveis leis.
SOLON – Vejo que assimila minhas aulas e ainda vai mais adiante.
RESTON – Quando me tornar rei, o povo não terá qualquer direito que o governante seja obrigado a respeitar. O
poder monárquico não conhece limites. Quem tenta limitar o poder real está violando as leis divinas, supremas. A
autoridade real vem de Deus e a obrigação do povo é a obediência passiva. O rei governa sem nenhuma restrição
de leis. A mudança destrói a estabilidade social.
SOLON – Muito bem. Mais uma vez o discípulo supera o mestre. Agora uns lembretes importantes. Sempre que um
dos nossos abnegáveis generais se aproximar em demasia do rei com conselhos, ideias, sugestões, etc. o rei
deverá dar uma desconcertante palmada no traseiro dos generais, diante de toda a corte.
RESTON – Funciona?
SOLON – E como!
RESTON – E por que não funciona no caso do papai e do General Segadas?
SOLON – Bem, neste caso, o nosso estimado e amado rei não soube medir as palmadas; ao invés de servir como
corretivo, tornou um hábito, um vício. As doses devem ser homeopáticas, não em demasia. O soberano tem a
autoridade perpétua e humanamente ilimitada, daí não se deixa influenciar por ninguém, principalmente por
generais. Como disse Luís XIV, o “Estado sou eu”!
RESTON – (surpreso) Você?
SOLON – Eu não, caro príncipe. Você! (afastando-se) Ah! Como sou mal pago por essas aulas!

(Um foco de luz ilumina um casal que conversa em algum canto do palácio)

AURELINDA – A imperatriz rasgou o protocolo?


COLLICA – Ela fez algumas extravagâncias no banheiro da rodoviária, com alguém não muito nobre,

(Som do Tico-tico no Fubá. Em outra parte do palácio, o General Segadas entra preocupado no “quarto” de sua
majestade. O rei deitado estava, deitado continuou com a linda mestiça Iara).

SEGADAS – (Afoito – sem respeitar o lazer do rei) O povo prepara um levante.


NAVARRO – (Acabando de beijar despreocupadamente Iara) Meu caro general, não seja romântico. Não vê que o
povo (mostrando Iara)... me ama?
SEGADAS – Asseguro, Majestade.
NAVARRO – O que anda lendo ultimamente? Sir Thomas Morus? Ou está preparando uma nova-novela-louca?
SEGADAS – Não tenho tempo de ler nem de fazer literatura. O que afirmei é verdade.
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NAVARRO – General, o senhor quase atrapalhou o meu orgasmo para me anunciar um hipotético e pseudolevante?
SEGADAS – (desconcertado) Perdão, meu rei, minha intenção foi cumprir o meu dever com urgência e preveni-lo.
NAVARRO – Em determinadas ocasiões e situações é preferível ser relapso. Mas não se preocupe, o senhor chegou
cinco minutos depois, para a nossa felicidade. Aceita um licor de banana? Ou prefere um scotch legítimo?
SEGADAS – (mais tranquilo) Um scotch
NAVARRO – A propósito, como anda o caso de contrabando de bebidas?
SEGADAS – Todas as providências cabíveis e necessárias foram tomadas.
NAVARRO – E os resultados?
SEGADAS – Até agora, nenhum.
NAVARRO – Mesmo assim, posso ter a certeza que todos os culpados serão punidos?
SEGADAS – Alguns, Alteza.
NAVARRO – Por que não todos?
SEGADAS – Todos é impossível!
NAVARRO – Nada é impossível para um monarca...
SEGADAS – Mesmo na América Latina?
NAVARRO – Mesmo estando na América. Exijo que prenda todos, até mesmo o Rei, se for o caso, o que
evidentemente não é. (bebe) Mais um scotch?
SEGADAS – Aceito
NAVARRO – Não devia, o general do Exército Real não deve beber.
SEGADAS – é da mais fina etiqueta real não recusar nada que é oferecido por Vossa Majestade.
NAVARRO – Falando em etiqueta, é da mais fina educação não invadir o aposento particular do rei, principalmente
quando ele está empenhado, praticando um ato... como direi... patriótico.
SEGADAS – Perdão, Alteza, mas o que tem o sexo a ver com a pátria.
NAVARRO – Reprodução. O país precisa aumentar a população
SEGADAS – Infelizmente, dado a gravidade da informação que trazia, fui obrigado a ferir a etiqueta. As revoluções
são maléficas até nesse prisma, não têm hora certa para acontecer nem esperar o amanhecer. Acontece as horas
mais impróprias, inconvenientes.
NAVARRO – Termine de me relatar essa maravilhosa utopia!
SEGADAS – (espantado) O levante!
NAVARRO – Utópico, aqui só existe isso; espere. Agora só desejo que essa tola idéia “do povo” não tenha partido de
um dos meus abomináveis ministros ou de um dos meus dedicados generais
SEGADAS – Majestade!
NAVARRO – De qualquer forma saiba que essa coroa... (Mete a mão embaixo da cama procurando a coroa – puxa
um penico) Com mil diabos, onde está a minha coroa?

(Navarro sai da cama nu, exibindo seu corpo branco e banhudo. Apanha a coroa que estava na cômoda. Coloca na
cabeça).

NAVARRO – ... Saiba que essa coroa pesa paca.


SEGADAS – “Paca”???
NAVARRO – Influência do meio. Minha linguagem está virando linguajar ordinário da ilha. Quanto ao “levante”, tudo
não passa de crendices, um conjunto de lendas e costumes da ilha. Cada povo tem o folclore que merece. O seu
pânico, alarme e alarido é desnecessário, não acredito que o regime monárquico possa cair; afinal, não se
derruba 100 anos de história com um peido!
SEGADAS – Derruba-se um rei.

(Blackout – Num geral – Lusco-Fusco “Lero-lero/O nosso rei/É o rei do bolero” Os versos são repetidos mais uma vez.
O ministro da Educação conversava com o Ministro Lopes Draco Solon).

ALAROON – Ministro! Não acha que Babaneiralle precisa de uma casa de cultura?
LOPES – Acho que Babaneiralle precisa primeiro de uma casa de tolerância, depois de cultura. Os projetos
prioritários sempre na frente. É o meu lema.

(Num outro aposento do palácio... o Ministro da Justiça Avilez Barilo Pageada, sentado diante de uma escrivaninha,
tentava fazer justiça. Tinha a sua direita uma pilha de papel, ao centro um cacho de bananas, à esquerda outra pilha
de papel. Avilez, entre uma ananá e outra, carimbava tudo com uma incrível rapidez)

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AVILON – Prisão, prisão, prisão, prisão, prisão, prisão, prisão, prisão, prisão, prisão, prisão, prisão, prisão, prisão,
prisão, prisão, prisão! Direita volver! Execução, execução, execução, execução, execução, execução, execução,
execução, execução, execução, execução, execução! Perdão!!!???

(Ergue o papel e examina bem. A luz apaga imediatamente. Avilez conversava com o rei).

AVILEZ – é preciso fazer mudança, o povo sente necessidade disso.


NAVARRO – O povo não sente nada. E se sentir não tem direito.
AVILEZ – (mais tímido) Algumas reformas são necessárias, Majestade.
NAVARRO – Concordo. Mas, antes de fazermos reformas, é preciso refletir, estudar, pesquisar, analisar, e
finalmente... engavetar tudo.

(Mosaico de operetas – corte para os aposentos da Rainha. A Rainha Imperialina recebe a visita da esposa do
General Segadas).

AURELINDA – Imperatriz...
IMPERIALINA – Eu não sou imperatriz, Babaneiralle não possui nenhum Império para que eu seja imperatriz!
Quantas vezes preciso ensinar histórias a vocês?
AURELINDA – Perdão
IMPERIALINA – Sou Rainha e não imperatriz.

(Pausa – Aurelinda, um tanto constrangida, dá prosseguimento à sua conversa).

AURELINDA – Permita usar a sua real escarradeira antes de pronunciar essa horrível palavra... (cospe 3 vezes)... Para
afastar esses rumores de “República” (tem um ligeiro tremelique)... creio que basta convencer o rei a inaugurar
na praça principal de Babaneiralle uma maravilhosa fonte sonora de neve! O povo ficará feliz, vendo neve a
jorrar!
IMPERIALINA – Uma forca não seria mais útil?
AURELINDA – (perplexa) A Imperatriz acha?
IMPERIALINA – Faria muito melhor efeito.
AURELINDA –Desculpe contrariar Alteza, talvez por não entender de política penso que uma fonte na praça, jorrando
neve em plena ilha tropical, seria uma atração esplendorosa. O povo nunca viu neve! O rei seria perpetuado na
memória de todos.
IMPERIALINA – Vou ver se convenço Navarro
AURELINDA – Sobre a fonte?
IMPERIALINA – Sobre a forca.

(rápida seleção de mambos e merengues. O rei conversava com o seu imediato).

NAVARRO – É verdade que o nosso país vem sendo citado constantemente nas manchetes dos maiores jornais do
mundo? (entusiasmado)
PEMENNA – Sim, Majestade.
NAVARRO Posso saber quem “bolou” essa estupenda promoção? Assim que souber, desejo entregar pessoalmente
a Grã-Cruz da Banana Nanica!
PEMENNA – Majestade, a estupenda promoção foi “bolada” pela terrível febre amarela. Graças a ela o nosso país
está em evidência. Virou manchete mundial. Temos a maior taxa de mortalidade dessa doença (com ufanismo)
Não há país que nos vença.
NAVARRO – Vou suspender a medalha. Combata a febre amarela, mas não erradique tudo. Afinal, promoção é
promoção.

(O rei recebe o ministro da Justiça)

NAVARRO – Não sei o que o povo reclama tanto!? Distribuímos pão anualmente, circo semanalmente, portanto dou
alimento e emoção, como nos bons tempos romanos.
AVILEZ – Talvez reclamem o excesso de emoção e a raridade de pão.
NAVARRO – Está me criticando?
AVILEZ – (submisso) Estou só alertando, Majestade.
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NAVARRO – Não se assuste, sou um déspota esclarecido. Que mais o povo reclama?
AVILEZ – Ausência de eleições.
NAVARRO – Ausência de eleições? Que absurdo, reclama de boca cheia! Mês passado mesmo, realizamos um pleito
sensacional!
AVILEZ – Bem, é que desejam uma eleição... mais... (embaraçado)
NAVARRO – Livre? Mais livre será impossível em qualquer parte do mundo! O pleito que realizamos foi vencido
fragorosamente pela oposição; eu dei garantias e condições de posse a todos os candidatos eleitos. Nas cabines
eleitorais não havia nenhuma arma, mesmo porque ainda não compramos.
AVILEZ – Não é isso, Majestade, eles não se contentam em eleger sua “rainha” do rádio, seu “rei” da voz, sua
“princesa” do canto, seu “príncipe” da canção. Eles preferem eleger algo mais substancioso... digamos assim uma
assembleia representativa, um parlamento, uma câmara atuante de deputados...
NAVARRO – Eles pensam que estão aonde? Na casa da mãe-joana? Estão querendo bagunçar meu regime
monárquico? Convenhamos que as “repúblicas” que andam por aí, um regime monárquico que permite eleições,
mesmo sendo para eleger cantores e cantoras do rádio, é algo assustadoramente novo, vitalizante, arejado,
audacioso, corajoso, revolucionário!

(corte rápido – gritos e ecos da selva – o rei ouve seu imediato)

PEMENNA – (preocupado) Majestade, já ouviu a música que o povo compôs para vossa real pessoa?
NAVARRO – Não. Mas imagino que não seja nenhuma sinfonia.
PEMENNA – Quais as providências que devo mandar tomar?
NAVARRO – Mande o Maestro Real musicar. Se os versos são pobres, a melodia será rica, cheia de pompas e
circunstâncias.
PEMENNA – Quanto ao caso do Conde Pedro-Pedro...
NAVARRO – (cortando –espantado) Pedro-Pedro conde? Só se for fruta do conde. Desde quando Pedro-Pedro virou
fruta? Ou melhor, conde?
PEMENNA – Que eu saiba, Alteza, desde ontem.
NAVARRO – Como?
PEMENNA – Comprando títulos nobiliárquicos do ex-conde Arcanchelo Manicera
NAVARRO – Isso é proibido?
PEMENNA – Era, meu rei; a Lei 5.647, assinada pela Rainha durante a vossa breve ausência, revogou o decreto da
proibição. Os títulos voltaram a ser vendidos.
NAVARRO – Sim, mas só para a alta burguesia, não a qualquer um; daqui a pouco qualquer camponês será barão,
conde, visconde, marquês.
PEMENNA – É verdade, os títulos de nobreza estão sendo vendidos a preço de banana, eu mesmo já fiquei tentado a
comprar um. Há quem diga que o mercado dos títulos está com a cotação em baixa, a lei da oferta é bem
superior à da procura.

(Ruídos de macacos, uivos de leões – O rei, preocupado, consulta o Mago).

NAVARRO – Ultimamente, venho tendo um sonho muito estranho.


CHARABOL – O que sonha vossa Majestade?
NAVARRO – Sonho que estou recebendo sua Santidade o Papa...
CHARABOL – Em Babaneiralle????!!!
NAVARRO – Sim, mas o mais incrível ainda não contei. Depois de todos os rapapés cerimoniosos de praxe, sento no
trono... nesse momento, uma poderosa e gigantesca mola rasga o ferro da poltrona e me arremessa longe, sendo
destronado diante do Papa e sobre o riso e complacência de toda a Corte.
CHARABOL – Historicamente, desconheço qualquer atentado contra um monarca dessa forma
NAVARRO – O método é sui generis
CHARABOL – Permita a pergunta. Vossa Majestade se esborrachou no chão?
NAVARRO – Muito pior, cai nos braços do povo.
CHARABOL – e é salvo?
NAVARRO – não, sou devorado numa cerimônia antropofágica.
CHARABOL – Que coisa bárbara!
NAVARRO – Para aumentar minha agonia, vejo uma bandeira tremulando no mastro real, e não é a bandeira
monárquica de Babaneiralle. Da original, permanece apenas o cacho de bananas envolto em gotículas de orvalho,

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com os dizeres... Viva a Gloriosíssima Revolução Operada em Babaneiralle que Destronou e Exterminou o
Maestro Infernal da Tirania Real
CHARABOL – Majestade, vê tudo isso de forma bem nítida?
NAVARRO – Em letras enormes bordadas em dourado
CHARABOL – Majestade, tem suspeita de alguma trama concreta a vossa real e digna pessoa?
NAVARRO – Não
CHARABOL – Nem imagina quem pretende no sonho destrona-lo?
NAVARRO – Lógico que não. Se soubesse, mesmo sendo sonho, mandaria executar os infiéis. Infelizmente, o sonho
não mostra os executores, só a trama já executada.
CHARABOL – Pelo estilo do atentado, um tanto cômico, me atrevo a lançar suspeita sobre o nosso Bobo da Corte.
NAVARRO – Será ideia do nosso Ministro da Justiça?
CHARABOL – Estava me referindo ao Bobo da Corte mesmo!
NAVARRO – Pois é, o nosso Ministro Avilez Barbosa Barilo Pagoada, há dois meses ele acumula o cargo.

(Pausa seca como de um bom conhaque. O mago, surpreso, engole em seco. Cortando o constrangedor silêncio,
Charabol arrisca um outro palpite.

CHARABOL – Pela extravagância da bandeira, chego a pensar que o nosso costureiro real possa estar envolvido na
“Sonhada Conspiração” (significativo)
NAVARRO – Por quem??!!
CHARABOL – Por vossa Majestade
NAVARRO – (Entendo melhor) Ah! Sim! Você acha que o Pantoja, um homem que vive perdido entre pano, dedal,
agulha e linha, pode conspirar contra o rei?
CHARABOL – Quem mais, além dele, poderia ter tão mau gosto, Bananas de Orvalho?
NAVARRO – O meu subconsciente
CHARABOL – Alteza! (estremecendo-se)
NAVARRO – Em todo o caso, vou mandar prender Pantoja.
CHARABOL – Faz muito bem, majestade.
NAVARRO – Será que a sua bola de cristal não pode revelar com certeza a riqueza de detalhes sobre os “autores do
atentado”?
CHARABOL – É dificílimo, Majestade. Se fosse realidade, talvez pudesse, mas lidar com sonhos, dados tão insólitos, é
impossível. Minha bola de cristal ainda não penetrou no campo da metafísica, da parapsicologia
NAVARRO – (conformando-se) Ao menos temos um culpado. Será que você não pode levantar a hipótese de mais
algum suspeito?
CHARABOL – Dadas as circunstâncias tão especiais de Babaneiralle, até levantar suposições é dificílimo. Por exemplo,
jamais poderia supor que uma pessoa pudesse exercer dois cargos tão diferentes, divergentes, sem entrar em
conflito.
NAVARRO – isso é um aprova contundente da nossa decantada habilidade e capacidade de adaptação. O Ministro
Pagoada é um homem de muitas facetas, prolixo!
CHARABOL – Com a sua permissão, Alteza, coloque proxilidade nisso! O Pagoada é um eclético
NAVARRO – Apesar dessa sua qualidade, amanhã mesmo teremos outro Bobo da Corte. Pensando bem, o nosso
Ministro não é assim tão engraçado. Talvez ande um tanto cansado
CHARABOL – de ser ministro?
NAVARRO – De ser Bobo.
CHARABOL – Concordo, Majestade. Além do mais, ele me parece ser um homem muito sério para o segundo cargo!
NAVARRO – Ao mesmo tempo ele me parece muito cômico para o primeiro cargo
CHARABOL – O nosso ministro é um homem surpreendente!
NAVARRO – Como Ministro é Bobo. Como Bobo, comporta-se como Ministro. Em todo caso, se sua bola de cristal
fizer qualquer revelação, me informe.
CHARABOL – Certamente, Majestade.

(O rei vai saindo, a lua vai diminuindo... Um barulho forte de mola dando um violento impulso é ouvido pelos quatro
cantos do teatro... Uma voz nervosa, abafada, é ouvida).

VOZ – De um sumiço nessa mola idiota... o rei anda tendo pressentimentos.

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CENA IV

(Entrementes... Na boca da noite, num lugar discreto e quase secreto, quatro homens encapuzados conspiram
contra o rei).

AVILEZ – Não será demais prevenir. O que for feito, não deverá sair desse... desse... digamos cômodo
ANAYA – Na condição de revolucionário, jamais pensei em ter que conspirar num desconfortável quarto de bordel!
ALAROON – Se não fosse a minha capacidade de abstração, nem sei o que seria dos nossos planos de mais alto teor
idealista! Estaria tudo perdido, desfeito. Enfim, como para conspirar até num galinheiro já entrei!
AVILEZ – Acertamos os planos. Na 2°feira do dia 20 de Janeiro do ano corrente, as 20h15, Anaya espalha os
panfletos.
ANAYA – (interrompendo, sem jeito) às 20h15 acho que não vai dar.
AVILEZ – (preocupado) Algo de grave? Algum contratempo sério?
ANAYA – (encabulado) Não, tudo está correndo bem, mas é que as 20h15 é justo a hora em que a minha filha
Andreína vai dar o seu primeiro sarau, e faz questão obviamente de minha presença. (Emocionado) Ela executará,
no salão real, valsas vieneses!

(Manfredo que até o instante só observava, manifesta-se)

MANFREDO – (furioso) Puta que pariu! Eta conspiração de merda! Por mim não espalhava porra nenhuma de
panfletos. Entrava no Palácio dos Urubus, estrangulava o rei com minhas próprias mãos... Tudo feito, resolvido e
acabado
ALAROON – Como baixou o gabarito da reunião!
ANAYA – Que plano mais singular! Tudo no peito e na raça.
ALAROON – O seu pronunciamento, Manfredo, em dez palavras, teve quatro palavrões, uma conjugação verbal
errada, e um pronome mal empregado. A nossa conspiração é de alto nível.
MANFREDO – Nós estamos fazendo literatura ou revolução?
ALAROON – Se pudemos conciliar as duas coisas...
AVILEZ – Além de moderar o seu linguajar, antes de tudo, lembre-se Manfredo, não somos bandidos para assassinar
ninguém, muito menos o rei. Sejamos moderados e civilizados; temos outros meios e métodos para afastar o rei
do trono.
MANFREDO – Os seus métodos podem ser diferentes, mas o fim será o mesmo.
AVILEZ – Claro! Por isso estamos juntos
ALAROON – Se podemos operar com anestesia, por que operar sem ela?
MANFREDO – Quem vai ser operado?
ALAROON – (aborrecido) Esqueça minha metáfora.
AVILEZ – Continuemos. Bom, às 21 horas será que dá pra você espalhar os panfletos.
ANAYA – às 9h não sei, deixa para as 10h; nesse horário não haverá nenhum impedimento.
ALAROON – Você não vê ABBODDEONN???
MANFREDO – Vou-me embora dessa merda de reunião. (sai furioso).
ANAYA – Esse indivíduo é altamente perigoso, não é do nosso meio, não devíamos contar com ele. Sabe lá o que
aquela cabeça insensata pode sair por aí dizendo.
ALAROON – Devemos afastar Manfredo da conspiração.
ANAYA – Ele não está preparado, nem tem gabarito e dignidade suficientes para se reunir a nós.
ALAROON – Acima de tudo, é um mal-educado, desbocado, violento, primário e sanguinário!
AVILEZ – Concordo com tudo isso. Mas não devemos refletir sobre a importância do Manfredo, ele é o elemento de
ligação entre nossas idéias e o povo, sem ele a nossa conspiração ficaria muito... como direi... teórica!
ALAROON – E se substituíssemos Manfredo pelo General Lamego?
ANAYA – General? Em revolução?! Prefiro Manfredo.
AVILEZ – O grande perigo do General Lamego Alirio Moradi em conspirar conosco é que, na hipótese de sairmos com
o movimento, ele assuma o comando total por tempo indeterminado. Com quem estão as armas?
ANAYA – Tem plena razão. Ademais, não tenho certeza se o gabarito de Lamego é mais alto ou mais baixo do que o
de Manfredo, e se o General aceita ou não o nosso convite.
AVILEZ – Não podemos correr esse risco. Estudaremos o caso de Manredo com maior atenção e cuidado. Agora
vamos aos detalhes do plano.
ALAROON – Sem Manfredo
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AVILEZ – Informaremos a ele o geral. Depois dos panfletos espalhados, o povo, empolgado como a exuberância
literária e humana do texto, estará com o espírito preparado para receber o movimento e as nossas ordens.
ALAROON – Sem querer fazer críticas literárias ao texto, faço algumas restrições a certas palavras. Se tivesse sido
escrito por mim, modificaria duas ou três coisas, alguns termos populachos.
AVILEZ – Está chamando o meu panfleto de pasquim?
ALAROON – Evidente que não
AVILEZ – Não concordo com a crítica, a mensagem panfletária está enxuta. Entretanto, demonstrando não ser
vaidoso e reconhecendo os seus riscos literários, abro mão do meu panfleto para que você possa escrever um
outro.
ALAROON – Absolutamente! As minhas restrições são do emprego de umas poucas palavras, a redação geral está
excelente. Ademais, o sorteio que realizamos premiou você.
AVILEZ – (mais calmo) prosseguindo. O povo, ao ler o manifesto...
ANAYA – Escuta aqui, existe um problema que nós não pensamos, o povo não é analfabeto?
ALAROON – Que estraga prazer você é! Não sabe ficar calado?
AVILEZ – Qualquer manual de história de nível ginasiano mostra isso, toda revolução que se preze precisa distribuir
panfletos, seja o povo analfabeto ou não.
ANAYA – Desculpe. A minha intenção foi apenas registrar um fato.
ALAROON – Prossiga... esqueça esse aborrecido e insignificante detalhe.
AVILEZ – (aborrecido – constrangido) Após a... a... a... a ... ”leitura” (falou num fôlego só, faz uma pausa para sentir a
reação)... o povo marchará para o palácio real!
ALAROON – Nesse momento, a banda, sob regência do maestro Agostine...
ANAYA – Ele não está preso?
ALAROON – (contrariado) A essa altura estará solto, regendo a 5ª sinfonia de Beethoven.
ANAYA – Prefiro a Abertura 1812 de Tchaikovsky! É mais empolgante, viril, violento!
AVILEZ – Do fundo musical da revolução a gente discute depois. (Entusiasmado) Aos gritos de abaixo a Monarquia!
Morra o rei! O povo invade os salões reais!
ANAYA – (empolgado) Igualdade! Liberdade! Fraternidade!
ALAROON – As prisões serão abertas, dando liberdade a todos os presos, tal como aconteceu na queda da Bastilha.
AVILEZ – Esse fato precisa ser melhor estudado.
ANAYA – Nisso, nós comandamos toda a massa, prendemos o rei e após uma breve solenidade entregamos o tirano
ao povo.
ALAROON – Isso soa a demagogia. Prefiro a clássica guilhotina. Dá mais seriedade ao movimento revolucionário.
ANAYA – Muito bem; acossado, amedrontado, tímido, acovardado, o rei implora humildemente perdão, promete
reformas sociais. A turba, mais enraivecida, grita: morte ao rei!
AVILEZ – Nesse ponto, nós intervimos, pedimos calma, e proclamamos a República... Oligárquica... Popular... de
Babaneiralle
ANAYA – (não contendo-se) Bravo! Bravo!
ALAROON – (vibrando) Bis! Bis! Bis!

(do lado de fora, a porta é socada com raiva; uma voz rouca de mulher berra com toda a plenitude do seu pulmão)

DAÉCIA – Bis uma banana! O quarto eu aluguei por uma hora! Já estou com dois distintos fregueses na fila, não gosto
de comunicar serviço. Essa “meia” acaba ou não?
ANAYA – Não há conspiração que possa triunfar num clima desse!
ALAROON – Mais respeito conosco, minha senhora! Breve a situação vai mudar.
AVILEZ – (tapando a boca de Alaroon) Você não vai cometer o desatino de nos delatar! Pelos nossos ideais, temos
que nos sujeitar a tudo, até a interpretações errôneas e grosseiras.
ANAYA – Na próxima reunião, por medida de contenção de despesa e para evitar fatos desagradáveis, sugiro sermos
mais sintéticos...

(Os três cavalheiros mascarados vão saindo. A dona do quarto, um “Mujeracha ao estilo Fellinesco”, vai entrado)

DAÉCIA – Fazem, fazem “meia”, depois saem envergonhados encobrindo os rostos. Cambada de veados safados!
(berra) Pode entrar o primeiro freguês! De quem é a vez?

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CENA V

(Blackout – gritos – urros – gemidos – e sussurros... – Na ilha de Babaneiralle, num dia de sol, o soberano Navarro
recebe o delegado comercial da poderosa Company Union Commercial Oversea Territory Incorporation de Candied
Fruits Tropical. O delegado, em cerimônia, acaba de receber do rei um vistoso cacho de bananas).

NAVARRO – Que essas bananas sirvam para demonstrar os laços de amizade que nos une.
FOWLESS – O acordo de interesse mútuo que acabamos de assinar é uma prova mais do que convincente desse fato.
NAVARRO – Pemenna, envie esta nobre pena para o Museu Real. Que seja colocada num lugar de destaque.

(O imediato leva a caneta numa almofada de veludo, com todo o cuidado).

FOWLESS – O meu país gostaria de “estreitar” ainda mais as relações com o seu. Estaríamos dispostos a enviar o
nosso secretário de Relações Exteriores para estabelecermos os primeiros contatos; entretanto, tudo depende da
estabilidade política do seu país.
NAVARRO – Quanto a isso, mão há problemas, a minha Monarquia é a mais sólida e estável da face da Terra! Aqui o
rei sou eu!
FOWLESS – Assim espero e desejo, mas temos que tomar muita precaução. Monarquia! Numa ilha!? Na América!?
Isso é muito perigoso.
NAVARRO – O seu país é contra a Monarquia?
FOWLESS – De maneira nenhuma. Não poderíamos ser contra um regime saudavelmente conservador, se bem que
em outros tempos não pensávamos assim, mas isso faz parte de um passado remoto. O que tememos é que,
pelas circunstâncias expostas, possa haver mudanças radicais, bruscas, tendenciosas, de consequências graves
para o seu e para o meu país.
NAVARRO – Posso afiançar que não existe a menos probabilidade de mudanças em Babaneiralle durante os
próximos 100 anos.
FOWLESS – Não esteja tão seguro, Majestade, Estou informado sobre fortes rumores de uma organizada tentativa
de tomada de poder.
NAVARRO – A minha resposta é uma gostosa gargalhada. Ah! Ah! Ah! Ah! Ah!

(a “despreocupada” gargalhada do rei acaba num sonoro, incômodo e inexplicável arroto)

NAVARRO – Perdão. A propósito, quem o informou sobre esses “sombrios rumores”?


FOWLESS – Informações secretas, da mais alta segurança.
NAVARRO – Rumores foram e serão sempre rumores. De qualquer forma, posso afirmar sem o menor receio que a
Monarquia em Babaneiralle nunca esteve tão segura, o rei nunca esteve tão calado no trono. (barulho
“subconsciente” do impulso da mola) Entretanto, num provável, absurdo, suposto atentado contra o rei, o meu
filho Reston está apto para substituir-me “Rei morto rei posto! O rei morreu, viva o rei” O regime prosseguirá sem
bula nem metinada! O que existe são boatos espalhados por uns descrentes, descontentes, eu classifico-os como
folclóricos! Que mais pode ser uns poucos raros “estudantes” e “intelectuais”...
FOWLESS – Existem intelectuais em países subdesenvolvidos???
NAVARRO – Existem. À moda da casa, é claro, mas existem. No entanto, não tem o menor prestígio no governo nem
repercussão entre as massas; não passam de um bando de malucos românticos. Mesmo assim, os meus
vigilantes, combativos e fiéis generais já os colocaram onde deve estar, trancados no calabouço. Seguro morreu
de velho! (mostrando a chave da prisão)
FOWLESS – Com franqueza, não me preocupo com jovens estudantes e românticos “intelectuais”, principalmente
em se tratando de um país de ignorantes. As informações que tenho recebido é que o movimento visando a
derrubada do status vem do povo, e o povo não faz revolução de ideias.
NAVARRO – O povo não tem arma, Mister Fowless, e o meu país apesar de pobre, está formando um fabuloso
arsenal, como é do seu conhecimento, pois compramos, entre outras muitas coisas, do seu. A meta do meu
primeiro reinado é entrarmos no clube Atômico. Evidente, que não pretendo usar armas contra o meu povo; eu
amo a plebe e sou amado por eles, mas, em caso de uma rebelião, se for necessário... que outro jeito?
FOWLESS – As armas assustam, mas não bastam. Uma turba coesa, enfurecida e bem liberada, pode levar a nítida
vantagem contra um exército mal treinado de “generais” indolentes, acomodados, burocratas e corruptos.
NAVARRO – Agora o senhor está sendo profundamente descortês e ofendendo o poderoso Exército Real de
Babaneiralle.
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FOWLESS – Estou sendo realista, e exijo que Alteza seja também.
NAVARRO – Realismo por realismo. Não existe “turba enfurecida”, o meu povo vive para o trabalho...
FOWLESS – O alto índice de desemprego comprovado por pesquisas estatísticas que tenho em meu poder coloca
uma massa revoltada de marginalizados, faminta, disposta a qualquer coisa. Isso é muito perigoso.
NAVARRO – Isso seria sério se não fosse cômico.
FOWLESS – Pois então pode começar a rir.

(Navarro vai ficando preocupado, sua fala e feições demonstram uma ligeira insegurança e temor, embora procure
demonstrar o contrário)

NAVARRO – Temos o controle de tudo, os pequenos grupos de desempregados não podem se reunir, são
severamente vigiados, fiscalizados com rigidez. A hipótese de um levante é infundada; além do mais, a minha
figura de monarca é temida, cultuada, respeitada e amada por todos!
FOWLESS – Assim pensam Luís XIV, Nicolau III, Pedro II, Constantino...
NAVARRO – Mister Fowless!!!
FOWLESS – Devo avisar que o senhor não está falando com um dos seus ministros; portando, não grite.
NAVARRO – (bastante contrariado) Se não conhecesse bem a posição do seu país, ousaria dizer que o senhor é um
dos conspiradores.
FOWLESS – Quer dizer que o senhor admite a conspiração?
NAVARRO – (exaltado) Admito rumores.
FOWLESS – (Tranquilo) Desculpe, a minha intenção não é enervá-lo. Estou apenas especulando quanto à realidade
do país que governa. Sei das riquezas minerais de Babaneiralle, da sua potencialidade, sei da impossibilidade de
vocês explorarem; grandes empresas do meu país gostariam de fazer um vultuoso investimento nesses minerais,
numa escala econômica gigantesca. Lucraria a monarquia, ou melhor, o país, e os empresários que aqui estou
representando os seus interesses. É natural sondarmos bem o terreno antes de concretizarmos um acordo. Daí, a
explicação para a minha um tanto grosseira, mas prática, objetiva e útil indiscrição. Detestamos surpresas
desagradáveis, a palavra detestável em nosso dicionário é en-campa-ção. Não podemos investir sem segurança.
NAVARRO – Pois podem investir! Não correm o menor risco! Palavra de rei! Não há a menor possibilidade de
mudanças políticas. Me intrigou deveras; sendo o senhor estrangeiro, não tem sotaque e está tão bem informado
a respeito do meu país.
FOWLESS – Muito mais bem informado do que a sua vã filosofia possa pensar!

(Blackout. O rei, preocupado, faz uma consulta ao mago de Babaneiralle).

CHARABOL – Infelizmente, Majestade, a minha bola de cristal atualmente só faz previsão do tempo.
NAVARRO – Bolas! Para isso eu mandei construir um poderoso observatório de meteorologia! Quero saber a
previsão política, será que essa bola não diz nada, alguma mudança?
CHARABOL – Sobre política a minha bola não consegue informar nada.
NAVARRO – E sobre o tempo?
CHARABOL – Nublado. Sujeito a instabilidade e pancadas ocasionais, com muitos raios e trovoadas.
NAVARRO – (incrédulo) Impossível! Com esse sol???

(voz cavernosa – decifra-me ou te devoro” – corte rápido, Navarro fala em seguida com o Ministro da Economia,
Anaya).

NAVARRO – Como medida de despesa, demita o Mago ou feche o observatório de meteorologia. Um dos dois é
inútil.

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CENA VI

(polca – relâmpago – trovão. Na manhã seguinte, bem cedo, o general Segadas faz um importante pronunciamento
pelo serviço de alto-falantes de Babaneiralle).

SEGADAS – (Empolgado)... Tudo não passa de uma desmoralizante onde de boatos que visa destruir a nossa paz e
tranquilidade! Posso assegurar que a felicidade reina em Babaneiralle graças ao nosso Magno Monarca. Não há
desemprego! Não há fome! Não há epidemia! O nosso justo rei garante o nosso bem-estar social e a nossa
liberdade de... culto!

(O operador solta o disco de palmas aclamadoras. O general prossegue)

SEGADAS – As cadeias estão vazias! Completamente às moscas! E para continuarmos vivendo nesse paraíso
estaremos sempre alertas, para cobrir de imediato todos aqueles que porventura ou espírito de porco queiram
quebrar essa saudável, bem vinda e harmoniosa paz! Babaneiralle é o céu! É um mar de rosas! Não há
insatisfeitos! Babaneiralle é o Danúbio Azul!

(O general faz pose e fica aguardando o operador soltar a ovação consagradora. O operador, faminto, cansado,
sonolento e distraído, deixa ficar o barulho. Ao “sutil e discreto” pigarro de Segadas, o operador “acorda”, percebe
sua falha e solta o disco; ao contrário do esperado aplauso, sai uma vai estarrecedora – ao invés do fundo musical
Danúbio Azul, é tocado Era um Garoto que como eu amava os Beatles e os Rolling Stones, versão “nacional” –
Segadas, descontrolado, berra).

SEGADAS – Sabotador! Prendam esse infame! (Sua voz “poca” no microfone num sistema la “sensurround” – uivando
de raiva) Desligue essa merda de Alto-falante! (Merda sai com câmara de eco – Escabelado – exasperado o
General reclama como uma criança abandonada pela babá num pracinha de uma grande metrópole) Eu vou
contar tudo pro Rei!!!
OPERADOR – (inocentemente) Não precisa General! Ele está ouvindo.

(o general tem um colapso nervoso e desmaia. Blackout – pelos 4 cantos do teatro, o arauto dá um aviso real).

ARAUTO – Atenção! Atenção! Por ordem do Justíssimo, Humaníssimo Rei de Babaneiralle, a Palavra OPOSIÇÃO foi
Abolida do Dicionário e do Vocabulário. Aqueles que fizerem oposição ao Rei serão abolidos como foi a palavra.
(A ordem vai sendo repetida – o tom vai diminuindo).

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CENA VII

(o Rei Navarro Ramirez Penna Cassarolli concede audiência geral).

ANAYA – Majestade, a situação econômica do reino é crítica, eis o relatório das despesas do mês em curso. Mesada
da Família Real 100.000.000 dorres; dote das Grã-duquesas de Babaneiralle, 500 drogueas e 46 gulandins;
Exército Real, 234 dorres; limpeza do Palácio 13 gulandins; mesada da Rainha, 2.698 dorres; mesada de Reston,
987 dorres; manutenção príncipe Mariel na Martinica, 876 dorres; manutenção do iate Real, 672 dorres; ração
para os cavalos da carruagem real, 500 gulandins; jogos – bailes – diversões – festas, 18.759.743 dorres. Verbas
para o Museu Real, esgotadas, para a Academia Real de Artes, esgotadas; para o ministério da Cultura, Saúde e
Educação, esgotadas; Hospital Público, orfanato, instituição de cegos, esgotadas. Não restou nem um gulandim
para essas instituições.
NAVARRO – Ótimo. Feche tudo.
ANAYA – Até o hospital?
NAVARRO – Tudo.
ANAYA – E se alguém ficar doente?
NAVARRO – Deixe essa preocupação para o Ministério da Saúde! Quem ficar doente que se cure em casa.
ANAYA – Eis o total geral das despesas: 86.765.234 dorres e 543 gulandins. Urge uma contenção imediata de gastos;
se me permite opinião, alguma coisa precisa ser cortada.
NAVARRO – Cortado só se for a sua cabeça! Aumente os impostos! Para que serve o povo?
ANAYA – A situação foi agravada porque a melancia, a banana e o abacaxi, o tripé básico de nossa economia agrícola
entrou em crise, a safra desse ano vai ser muito fraca.
NAVARRO – Parece que de uma hora para outra tudo resolveu entrar em crise em Babaneiralle. Não me diga que o
abacaxi, a melancia e a banana, espontaneamente, por livre iniciativa própria, resolveram sabotar a nossa
economia. O senhor não pretende desenvolver a tese marxista sobre o “fetichismo” capitalista.
ANAYA – Claro que não, majestade! Agora, a culpa não cabe só a mim.
NAVARRO – O senhor não é o Ministro da Economia? Não foi o senhor que sugeriu, insistiu em abandonarmos a
monocultura pela policultura? No tempo só das bananas isso não acontecia. Como explicar o redundante
fracasso?
ANAYA – É difícil explicar. Fatores alheios à nossa vontade interferiram, ou seja, chuva em demasia, secas
infindáveis, pragas monstruosas de insetos subnutridos contribuíram fortemente para o fracasso.
NAVARRO – (bombasticamente) E agora? O que sugere?
ANAYA – (Com a “coragem” de um James Cagney) Abandonamos a agricultura!
NAVARRO – Outra mudança! Abandonarmos uma atividade secular de larga experiência nas nossas raízes históricas!
ANAYA – Majestade, tenho um plano inovador, podemos industrializar o país.
NAVARRO – Que país?
ANAYA – O nosso, alteza
NAVARRO – Indústrias em Babaneiralle? Delírio! Sem capital? Loucura! Sem rede de transporte? Sem energia?
Suicídio! Sem mão de obra especializada? Burrice! Deboche!
ANAYA – Todo o know-how estrangeiro, é claro!
NAVARRO – O que lhe sobra de inteligência falta em infraestrutura em Babaneiralle
ANAYA – Penso numa indústria plausível.
NAVARRO – Qual?
ANAYA – Turismo
NAVARRO – Turismo? Nesse inferno verde? Só não te mando colocar num hospício porque, infelizmente, não temos!
O que podemos oferecer ao turista? Mosquitos? Tifo, cólera, peste, encefalite ou extravagâncias de um rei e sua
corte tropical?
ANAYA – (Não se deixando abater – otimista como o pastor Billy Graham). Existe muita gente sedenta de conhecer
países exóticos. A classe média mundial, que passou os melhores anos da vida se sacrificando, poupando
economizando, quer agora gastar todos os dólares, marcos, francos, libras, pesetas, cruzeiros nas mais loucas
fascinantes aventuras eletrizantes. Tribos selvagens! Aves raras! Jiboias! Crocodilos! É o que não nos falta! Basta
divulgarmos as suas existências. Emoção e diversão.
NAVARRO – E nesse clima selvagem eu, como rei da selva, devo assumir o papel da Tarzã?
ANAYA – Majestade! Não é bem isso. Não me interprete mal, não fiz nem quis fazer nenhuma alusão entre Vossa
Alteza e Tarzã. Minha única e verdadeira intenção é servir o meu amado rei e a Babaneiralle.
NAVARRO – Aceito as suas desculpas
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ANAYA – O que me diz do meu plano turístico, Majestade?
NAVARRO – Digo que vou dispensar o Bobo da Corte. Tendo o senhor como Bobo é totalmente dispensável.

(Anaya vai saindo cabisbaixo, envergonhado. Pemenna manda entrar o próximo)

LÍRIO – Majestade! A companhia de Operetas Internacionais não pode estrear esta noite.
NAV ARRO – Algum problema com a censura?
LÍRIO – Não.
NAVARRO – O teatro real desabou?
LÍRIO – Não. Mas a companhia mal desembarcou em Babaneiralle e a prima-dona arde em febre!
NAVARRO – Febre?
LÍRIO – Febre amarela.
NAVARRO – Essa doença epidêmica já não estava erradicada da nossa pátria?

(com indignação de um grande vilão)

LÍRIO – (Cínico como um Nixon) Não, alteza. Só a corte foi vacinada, só a corte está imune.
NAVARRO – Chame o ministro da Saúde.
LÍRIO – O nosso Ministro encontra-se acamado.
NAVARRO – O que tem ele?
LÍRIO – (após uma pequena pausa – categórico) Febre Amarela.
NAVARRO – Faltou vacina para o Ministro???
LÍRIO – Tudo leva a crer que sim.
NAVARRO – Mande o nosso Primeiro Ministro receber a delegação...
LÍRIO – (cortando – constrangido) Infelizmente, tão ilustre figura acabou de falecer...
NAVARRO – Súbito?
LÍRIO – Fulminante!
NAVARRO – (recuperando-se da noticia) Então mande o Ministro das Relações Exteriores receber...
LÍRIO – Sinto relembrar que o nosso Ministro encontra-se preso no exterior.
NAVARRO – Alguém tem que receber essa delegação! Mande o Mago. Providencie a cama real do hospital para a
enferma.
LÍRIO – Majestade, a sua tia-avó, senhora Villadênica Cassarelli, ocupa essa cama há anos.
NAVARRO – Coloquem na enfermaria. Pelo menos até a delegação ir embora.
LÍRIO – E o sangue azul da Dona Villadênica?
NAVARRO – Faça uma transfusão. Esse caso de febre amarela, se não formos cuidadosos, poderá gerar uma questão
internacional. “Prima-dona é prima-dona”. Quero sempre estar bem relacionado com as grandes potencias.
LÍRIO – Se bem, Majestade, que essa delegação que hora nos visita não é nenhuma superpotência.
NAVARRO – Perto do nosso país, é hiperpotência. Pode se retirar.
PEMENNA – Próximo.

(Dois rapazes trazidos por seis guardas entram no salão).

PEMENNA – O julgamento desses dos rapazes.


NAVARRO – O que fizeram eles?
PEMENNA – Um escreveu um livro de 356 páginas que, depois de passar pela censura real, ficou reduzido a 15
páginas, contando com a dedicatória e o prefácio. O autor, inconformado, pediu uma audiência com Vossa
Majestade.
NAVARRO – (decidido) Publique o livro!
PEMENNA – Alteza!!!
NAVARRO – Publique as 15 páginas! Não quero cortar o talento de um jovem autor. Em Babaneiralle a censura é
racional, sensível e inteligente. Publique o livro.
PEMENNA – Permita, alteza, que essa vossa humilde serva beije a vossa real mão, como prova da mais profunda
admiração (ajoelha e beija) As vossas sentenças são mais sábias do que as do Rei Salomão. O segundo caso é do
compositor, suas músicas são quase todas censuradas, inclusive pela última composição ficou um ano no cárcere
do palácio.
NAVARRO – O que falava a sua última música?
PEMENNA – De vossa Majestade.
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NAVARRO – Caso passado, julgado e condenado, é caso passado. O que fala a composição que o trouxe hoje aqui?
PEMENNA – Fala de um herói nativo, a letra conta a estória das aventuras de um “líder natural” que comandou uma
frustrada revolta popular no século passado...
NAVARRO – Compositor deve fazer música e deixa a história para os historiadores, Senão alguém pode perder o
emprego. Aprenda isso, historiador não faz música, e compositor não faz história, Para que servem os nossos
historiadores de gabinete que o governo paga regiamente para pesquisar e narrar os nossos fatos históricos?
(pausa) Como prova da benevolência magna, ordeno que solte o rapaz!
PEMENNA – Alteza!?
NAVARRO – Soltem!

(Os guardas soltam o rapaz, que vai indo embora. O rei fala ao “auditor” ao é do ouvido).

NAVARRO – Assim que a delegacia da ONU terminar as investigações das “atrocidades cometidas nessa ilha”, prenda
esse “compositor” cretino no calabouço por tempo indeterminado, a pão sem água!

(blackout – voz o arauto pelos quatro cantos do teatro)

ARAUTO – Atenção! Atenção moradores de Babaneiralle! Doravante, os cidadãos dessa cidade que apresentarem
sinais de tifo, varíola, febre amarela, ou qualquer doença tropical epidêmica, serão automaticamente fuzilados.
VOZ – (preocupada) Ele falou vacinado ou fuzilado?

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CENA VIII

(som de atabaques – pio das corujas. A alta madrugada... no quarto da prostituta Daécia... a conspiração
prossegue).

ALAROON – Por medida de calor, sugiro tirarmos o capuz. Afinal, somos todos conspiradores, já é hora de nos
conhecermos melhor.

(todos em um só gesto, tiram o capuz)

ANAYA – Senhores ministros! Demais presentes. O que tanto se temia aconteceu devido à ignorância do povo e a
crise mundial de papel: os nossos panfletos foram usados para fins escusos.
AVILEZ – Fins escusos? Como assim?
ANAYA – Não me faça ser claro.
MANFREDO – Pois eu acho que o povo foi muito sábio ao colocar aquela papelada no vaso sanitário! Que outro
melhor fim poderia ter?

(uma pausa constrangedora inibe os conspiradores. Alaroon tenta dar a volta por cima e reanimar o ambiente)

ALAROON – Apesar desse pequeno e inesperado contratempo, a revolução está em marcha! (pomposo)
AVILEZ – (inconformado) Em marcha a ré! O povo não sabe! Eu não me conformo com o triste e trágico destino que
o meu panfleto teve.
ALAROON – Vamos esquecer esse incidente, Tenho notícias mais graves para relatar.
ANAYA – Mais grave do que a falta de repercussão e a desventura da trajetória de nosso panfleto?
ALAROON – (Categoricamente) Sim. Corre à boca pequena do palácio que o rei anda desconfiado de uma possível
conspiração; O discurso do General Segadas foi uma prova disso; sugiro colocar em votação a antecipação do
movimento...

(discórdia geral, confusão, todos falam a um só tempo, tumulto. No auge do atrito, Manfredo toma as rédeas da
situação, sacando bravamente a espada, num recurso: “moralizador e ordeiro”)

MANFREDO – Parem! Parem com isso, senão corto a cabeça de você três e faço a revolução sozinho.
ALAROON – Não seja egoísta!
ALAYA – Não seja extremista!
AVILEZ – Não seja sobretudo selvagem e mal educado.
ALAROON – Façamos a votação.
AVILEZ – Sem cédula? Sem urna? Sem cabine?
ALAROON – Votação Oral
ANAYA – Só voto se for secreto
ALAROON – Já votou. Computamos a primeira abstenção.
MANFREDO – Por mim fazia essa droga de revolução hoje mesmo, agora.
ALAROON – Manfredo é favorável à antecipação.
AVILEZ – Acho que devíamos adiar para esfriar o esquema de repressão. Além do mais, 20 de janeiro não é uma data
bonita, propícia para um movimento de tamanho quilate como será o nosso. Sugiro uma data mais
representativa, 1° de maio, 1 de Outubro... que tal 25 de Dezembro?
ALAROON – Anaya votou contra. Avilez não votou. Manfredo e eu somos favoráveis à antecipação do movimento.
Total 2 a 1. Conclusão: a revolução será antecipada de 20 de Janeiro para 10 do mesmo ano e mês.
MANFREDO – (com a espada erguida passando por cima das cabeças dos presentes, conclui) Creio que todos
concordam. (Não havendo manifestantes contrários, guarda a espada).
AVILEZ – (Levantando um tênue porém) Nesse dia o rei não estará dando uma recepção?
ALAROON – Mais um bom motivo. Todos estarão muito ocupados com a festa, seremos rápidos, sutis, estonteantes,
nossa ação será verdadeiramente desconcertante. Contaremos com o fator surpresa, quando forem organizar a
reação, será muito tarde.
ANAYA – Fica combinado assim, quando Alaroon acabar de declamar como habitualmente faz nessas ocasiões,
estará deflagrada a revolução. Entendido, Manfredo?
ALAROON – (vaidosamente) Estou em dúvidas se declamo os Lusíadas de Camões ou uma poesia de minha autoria.
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AVILEZ – Camões não, é muito longa. Manfredo não suportaria esperar tanto, Recite a sua poesia.
ALAROON – (alegre) O Ribombar do Povo?!
MANFREDO – (preocupado) Curtinha, ouça só! (recita empolgado) O ribombar de canhão / PUM! Revolução / O
sangue corre / Nas ruas o povo luta-sofre-vibra-corre e morre / No coração a determinação de vitória / a glória /
Abaixo a Monarquia / Abaixo a tirania / VIVA A DEMOCRACIA! (pausa) Gostaram?
AVILEZ – É muito revolução francesa.
ANAYA – Primário em demasia. Com apenas o título desse poema o nosso movimento terá o primeiro herói. É óbvio
demais para ser o nosso sinal, para o seu bem é melhor escolher outro.
ALAROON – Concordo, mas prometam que a partir de 10 de janeiro ele será o HINO NACIONAL DE BABANEIRALLE?
AVILEZ – Claro!
MANFREDO – Tudo muito bem, agora qual será o poema que servirá de sinal para iniciarmos a revolução?
ALAROON – (Bombasticamente) O cromo!
MANFREDO – O quê?
ALAROON – O Cromo, não conhece não?
MAFRED – Não
ALAROON – Então ouça. “Na alcova fria e quente / Pobre demais, se não erro, / Repousa um moço doente / sobre
uma cama de ferro. / Pede-lhe baixo inclinada / sua mulher, que adormeça, / em cuja perna curvada / ele reclina
a cabeça. / vem uma loira figura / com a colher de tintura, / que ele recusa num ai! / Mas o solícito anjinho / Diz-
lhe com riso e carinho: / – Bebe, que é doce, papai!”
AVILEZ – (emocionado) Perfeito! Nada político!
ANAYA – (Enxugando uma furtiva lágrima) Por isso mesmo formidável!
AVILEZ – (como um crítico “literário”) A interpretação de Alaroon é qualquer coisa de soberbo, firma nas entonações
e nas pausas, uma dicção mesclada de ternura e virilidade.
ANAYA – Derrubarmos a Monarquia sim! Entretanto, não transformaremos o país numa anarquia.
ALAROON – Nada de abrirmos as portas do palácio para as Massas.
AVILEZ – Evidente. Tudo não passa de estratégia, só com planos populares é que conseguiremos capitalizar a
simpatia do povo. Reformas serão prometidas, mas não serão cumpridas.
ALAROON – O golpe...
AVILEZ – Não convém chamar o nosso movimento de GOLPE. É terrivelmente antipopular.
ALAROON – Avilez, a sua já quase obsessão pela palavra POPULAR me assusta. Será que teremos, em localização
geográfica diferente, outro 1917?
AVILEZ – (espantado) Eu, católico apostólico Romano? Pensa que seria capaz? Tudo não passa de manobras
terminológicas para conseguirmos o maior número de adeptos.
ANAYA – E a situação das 3 províncias? Nos apoiará? Conseguiremos manter a unidade do país?
AVILEZ – Anaya, é provável que 2 das 3 províncias até hoje não saibam que a Babaneiralle tornou-se independente
em 1912, e que o povo passou a possuir um soberano para amá-lo e respeita-lo. Uma outra simples mudança de
regime não afetará a “unidade” do país. Quanto ao apoio ou não dos Governadores das Províncias, lembro a você
que Babaneiralle capital Babaneiralle é SÓ, e que já é muito.
ALAROON – Manfredo concordará com um governo um tanto antipopular? Derrubamos a Monarquia e
estabelecemos a Tetrarquia!
AVILEZ – Manfredo será o primeiro elemento a cair em desgraça, a ser expurgado do partido, depois da Revolução
Gloriosa!
ANAYA – Nesse caso, quem será o segundo?

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CENA IX

(a duas vozes é ouvido imediatamente um gordo oh! De indignação. Blackout. Noite de estrelas – Lua cheia... Vozes e
eco de selva... ... 15 dias depois... .. ao som de alegres e fogosos minuetos... A luz vai brotando no salão real, que
estava engalanado num clima de grande festa. A orquestra abre o baile com uma séries de balsas vieneses. Ao aceno
do rei, o salão é invadido por damas e cavalheiros que valseiam alegremente).
(Num canto à parte do salão, o novo 1°ministro Argino Moreno, entre um gole de champanhe e um aperitivo de
banana, conversa animada e “amistosamente” com a senhora Danna Hunebelle, uma das acompanhantes da
comitiva estrangeira que visita Babaneiralle, a terra da banana encantada e dos mistérios perdidos).

DANNA – É verdade que seu país está passando por uma Epidemia de Peste Bubônica?
MORENO – Peste bubônica? Que delírio! Nem na nossa idade média nós tivemos essa terrível doença. Para ser
exato, nem idade média tivemos.

(corte rápido – foco no rei, sua comitiva e seus convidados)

SEGADAS – (Meio tom) Majestade, sinto informar nessa noite de festa a gravidade interna do país.
NAVARRO – Alguma ponte desabou, por erros dos nossos engenheiros formados na nossa desastrosa Faculdade de
Arquitetura e Engenharia?
SEGADAS – É algo muito mais sério, Majestade. Há uma agitação muito grande nos arredores do palácio, na cidade,
sinto cheiro de um levante.
NAVARRO – Levante agora tem cheiro?
SEGADAS – Não é isso, Majestade, é um pressentimento “fundamentado”. Tudo indica que o povo está pronto para
fazer uma revolta.
NAVARRO – Uma revolta?! (matutando –pensativo – temeroso)
SEGADAS – Quais as providências para serem tomadas, Majestade?
NAVARRO – Fujamos!
SEGADAS – (indignado) Fugir???
NAVARRO (envergonhado) Foi o meu primeiro impulso! Dei vazão.

(No salão, a nobreza valseja – No quarto real, a Rainha Imperialina se prepara para descer ao salão. Imperialina está
sendo retocada pelo competente maquiador profissional Jean Belle Sevan. Quando... de repente... Um homem surge
na janela e pula para o quarto).

IMPERIALINA – Meu Deus! Que modos de entra nos aposentos de uma rainha! Aposto que é repórter de
Washington Post ou de Le Jour?!

(O homem com um facão na mão ameaça a rainha).

COMISSO – Cala a boca se não quiser ser degolada.


JEAN – As minhas garantias! As minhas garantias, senhora rainha! Sou cabeleireiro profissional da mais alta
reputação internacional, de trânsito livre do Kremlim à Casa Branca. Detesto política.
COMISSO – Cala a boca você também, senão terá o mesmo destino da Rainha.
JEAN – Virgem! Na selva não se tem a menor “finesse”

(No salão)

DANNA – Soube que o seu povo é uma raça pestilenta, fedorenta, preguiçosa, miserável, menor. É verdade?
MORENO – Claro, índio, negro e mestiço... só podia ser isso
DANNA – O senhor é daqui?
MORENO – (irritado) Não. Nasci na Europa.

(-entrementes... em outra parte do salão... )

ALAROON – Suspendemos a revolução!


AVILEZ – Agora é impossível.
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ANAYA – Eu sempre fui contra.
ALAROON – Temo não conseguirmos ter mais controle da situação.
ANAYA – Se a revolução acontecer hoje teremos a 3ª guerra mundial. Vocês já pensaram o que pode ocorrer com a
delegação estrangeira aqui?
ALAROON – Confesso que nunca houve um dia tão impróprio para deflagrar o movimento.
AVILEZ – Antes tarde do que nunca. Eu tinha previsto isso
ALAROON – Quem podia prever que Henry Kissinger pudesse baixar hoje aqui??? Quem???

(no quarto da rainha)

JEAN – Se você não se importar, enquanto aguardamos os acontecimentos posso cortar o seu cabelo a Black-power.
Quer?

(no salão os rumores aumentam)

SEGADAS – Majestade, a situação é muito mais séria do que pensávamos, existe realmente um levante armado.
NAVARRO – Fujamos!
SEGADAS – Majestade, pense em outra coisa.
NAVARRO – Não consigo. E olhe que estou me esforçando mas parece ideia fixa
SEGADAS – Fugir para onde?
NAVARRO – Para a América.
SEGADAS – Impossível.
NAVARRO – Como impossível? Outras épocas já fizeram isso! Onde está a impossibilidade de repetirmos a façanha?
SEGADAS – No dato de estarmos na colombiana América.
NAVARRO – Partamos para a Europa! Não será por falta de lugar que deixaremos de fugir.

(Navarro se afasta rapidamente do General Segadas, o capitão da guarda Lírio La Flor Furtado vem se aproximando
de Segadas).

SEGADAS – (decidido – energético) Acionemos o nosso Esquema de Segurança.


LÍRIO – (entusiasmado) Perfeitamente, meu General! (Vai se afastando – volta de repente) General! Uma
informação. Eu desconheço completamente qualquer Esquema de Segurança a ser acionado.
SEGADAS – (furioso) Pois trate de inventar um imediatamente. Já que não existe nenhum.

(numa outra parte do salão)

DANNE – Soube que quando ocasionalmente o seu povo vai ao estrangeiro, costuma “furtar” pequenos objetos,
garfos, facas, cinzeiros, bijuterias, como souvenir. É verdade?
MORENO – É, senhora, cultivamos esse hábito. Ainda não conseguimos furtar grandes objetos de maior valor, o que
é mais uma prova do nosso subdesenvolvimento. Como vê, os discípulos ainda não se igualaram aos mestres que
nos colonizaram. Nesse estágio ainda é de “Ladrões de Souvenir”.

(O “mestre de cerimônia” Pemenna anuncia... )

PEMENNA – Para o enlevo de todos os presentes, e numa homenagem especial à ilustre delegação amiga que honra
Babaneiralle com sua visita, um raro momento de ternura e lirismo, na voz doce do grande Poeta e Declamador
Alaroon Gil Ramora La Fuentes!

(Aplausos gerais – Anaya fala ao “pé do ouvido” de Alaroon... )

ANAYA – Vá, mas não recite. Lembre-se que Manfredo só espera o seu sinal para invadir o palácio.
ALAROON – Não posso desobedecer à vontade do rei.
ANAYA – Você é ou não é um revolucionário?
ALAROON – Sou revolucionário, mas não sou suicida.

(Alaroon vai caminhando triste – trêmulo – indeciso para junto do palanque onde estava a corte real e a comitiva
estrangeira. Alaroon sobe numa banqueta ficando num destaque maior. Após uma série de compactas mesuras... )
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ALAROON – Majestade! Autoridades presentes. Senhores... e Senhoras. Damas e cavalheiros... .Meninas Moças e
Mulheres... .(pausa longa)... Eu estou rouco!!!! (aliviado – e – aniquilado)

(neste momento o General Segadas vem caminhando pelo salão a passos rápidos, firme, quebrando o terrível silêncio
provocado por Alaroon. Segadas aproxima-se do rei, pede licença, afastando-o um pouco, e fala, com um ar discreto,
preocupado).

NAVARRO – (temeroso) O que está acontecendo?


SEGADAS – A revolta cresce, Majestade, o palácio real corre sérios riscos de ser invadido.
NAVARRO – E a minha ordem de aniquilar esse bando de moleques agitadores?
SEGADAS – Virou contra-ordem!
NAVARRO – O que fez o general Lamago?
SEGADAS – Aderiu ao movimento
NAVARRO – E foi aceito???
SEGADAS – Sem dúvida.
NAVARRO – É o fim. (pausa) Passe o comando para Anaton Castro, mande arrasar com esses anarquistas, passa isso
ele pode usar qualquer arma.
SEGADAS – Essa ordem é impossível de ser cumprida.
NAVARRO – Impossível? Por quê? Não temos munição?
SEGADAS – Temos
NAVARRO – Anaton... morreu?
SEGADAS – Não, ele é um dos cabeças do movimento. (pausa) O que vamos fazer?
NAVARRO – Por ora mandar a orquestra tocar uma série de polcas para não alarmar os presentes.
SEGADAS – Não seria preferível uma série compacta de rumbas?
NAVARRO – Maestro, polca!

(A orquestra executa uma série de mambos, damas e cavalheiros dançam fogosamente)

PEMENNA – Após a dança, o senhor irá recitar. O rei não aceitará qualquer desculpa, a sua recusa ofende Vossa
Majestade e a delegação que nos visita. Trate de declamar. Caso contrário será torturado, morto, esquartejado,
seus bens confiscados, suas terras salgadas, sua família degredada.
ALAROON – Quem disse que não recitarei? Vou fazer um gargarejo; volto assim que a orquestra parar ( aproxima-se
de Anaya e Avilez). E agora o que vou fazer?
ANAYA – Tudo, menos declamar.
AVILEZ – Eu te proíbo de declamar!
ALAROON – Se não obedecer, morro!
AVILEZ – Ótimo! Pois morra, faz muito bem! Será o Mártir que faltava a Revolução. Não esqueceremos de erguer
uma estátua tamanho natural para você. Sua morte nos dará mais ânimo para prosseguirmos e levarmos adiante
nossos ideais. Coragem. Morra!

(Alaroon fica furioso)

ANAYA – Por uma causa nobre, companheiro


ALAROON – Arrume outra fonte incentivadora, não vejo o menos sentido em servir de motivação. O papel de mártir,
conforme combinamos antecipadamente, está reservado a Manfredo, eu não farei uma maldade dessas com ele.

(O maestro vai comandando entusiasticamente as últimas evoluções do mambo em ritmo acelerado, intensivo).

DANNA – O senhor é empregado oficial do rei?


MORENO – Ministro, senhora! Primeiro Ministro de vossa Majestade.
DANNA – Engraçado, o senhor é Ministro?! (rindo)
MORENO – Por mais incrível ou mirabolante que esse fato ou que a minha cara possa parecer, SOU, Ou a senhora
julgava que eu fosse Bobo da Corte?
DANNA – (Sorrindo) O senhor tem muito... como devo dizer... Senso de Humor! A minha curiosidade de saber “dados
interessantes” a respeito de seu país não cessou. É fato que existe uma alta porcentagem de mortalidade infantil
em Babaneiralle?
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MORENO – Isso é um absurdo, para cada 100 crianças que nascem aqui, 25 conseguem sobreviver.
DANNA – Isso significa entre outras coisas que o seu povo possui uma alimentação básica?
MORENO – Lógico.
DANNA – Qual?
MORENO – Água! Banana! E Melancia!
DANNA – A capital de Babaneiralle fica em pleno coração da Selva?
MORENO – Não.
DANNA – Todos os habitantes são analfabetos.
MORENO – Excetuando a Família Real e sua Corte!

(Bastante empolgado, o maestro encerra a série de mambos sob intensivos e insistentes aplausos. Imediatamente)

PEMENNA – Agora a voz que é um bálsamo, Alaroon Gil Ramora La Fuentes...


AVILEZ – Não vá! Pense na importância da Paz Mundial
ALAROON – Tenho de ir. Trate de avisar a Manfredo que a revolução está suspensa até terceira-ordem.
AVILEZ – Se ao menos soubesse aonde ele está!
ALAROON – Procure pelo palácio, ele deve estar misturado com os presentes.
ANAYA – Suplico que não vá
AVILEZ – Reflita o que vai fazer!
ALAROON – (afastando-se) Vou salvar minha pele.

(Alaroon sobe na banqueta, se concentra, todos os presentes fazem um profundo silêncio. O general Segadas entra
apressado, quebrando novamente o clima do “recital”. – um refletor focaliza Manfredo na parte superior do palácio
numa terrível e incômoda posição).

MANFREDO – (zangado) Mil vezes merda! Há 3 horas que espero ver essa poesia declamada, para invadir o palácio e
toda hora um adiamento. A revolução já está atrasada uma hora e meia. Aposto que se sair daqui pra mijar, esse
imbecil recita. Daqui a pouco esqueço tudo... como é mesmo que termina o poema... (declama baixinho)

(No salão, o General falava ao rei)

SEGADAS – As forças governamentais pró Vossa Majestade estão sendo batidas, o povo marcha a galope para o
palácio, restam poucas possibilidades de determos a marcha.
NAVARRO – Precisamos tomar uma atitude energética e rápida!
SEGADAS – Exato!
NAVARRO – Alguma estratégia, meu General?
SEGADAS – Além da fuga, que agora admito, nenhuma!
NAVARRO – Você é general para essas horas. Trate de bolar um plano eficiente para evitar a nossa queda. Como um
mágico, tire uma fantástica ideia da cartola para salvar o rei e a sua MAMBEMBE “TROUPE”!
SEGADAS – Bem, eu tenho uma ideia muito arriscada e audaciosa, mas que pode dar certo.
NAVARRO – (ansioso) Qual?
SEGADAS – Aderirmos ao movimento!

(A luz treme, pisca-pisca... Alaroon vai declamar... )

ALAROON – (meio tom) Seja o que Deus quiser! (Falando para os presentes) Declamarei para todos os presentes,
apesar da violenta e repentina inflamação das minhas cordas vocais, a... a... a... a ( num só fôlego) A poesia de
Edgar Alan Poe... o Corvo!
MANFREDO – MERDA! Se não tivesse palavra eu largaria essa bagunça de revolução! Dei um duro danado para
conseguir decorar o CROMO, e na hora H esse puto improvisa mudando tudo. O pior é que não sei onde começa
nem onde termina esse tal de Corvo.

(Enquanto isso nos aposentos da rainha... )

IMPERIALINA – Que triste fim, meu Deus! Eu, Rainha Imperialina, a Grande! Terminar minha vida à luz do luar, com
um negro suarento, sob a ameaça descortês de um horripilante facão de cortar bananas, num país pobre,
pestilento e calorento.
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JEAN – Não é por falar não, mas já que Vossa Alteza rasgou o protocolo eu acabei de matar 2 pulgas e vi 2 ratos
andar democraticamente na sua real cama!
IMPERIALINA – Que país, meu Deus! Nem os insetos respeitam os aposentos reais.
COMISSO – Calem a matraca!

(No salão... Alaroon termina a poesia. Manfredo dá um Grito)

MANFREDO – Abaixo a Monarquia!


ALAROON – Prendam esse louco!

(É estabelecida uma pequena confusão no melhor estilo das aventuras capa-espada. Pemenna, desolado, aproxima-
se do Rei).

PEMENNA – Meu rei, uma desgraça! Uma terrível desgraça acaba de acontecer.
NAVARRO – Uma a mais, uma a menos, não me assusta mais, diga o que aconteceu.
PEMENNA – A nossa Estimada-Amada Rainha Imperialina... foi... cruelmente degolada como uma galinha...
NAVARRO – Se o meu rapé não tivesse comigo juro que desmaiava. Um choque profundo acabou de receber. Uma
perda irreparável! A nação ficará 15 dias de luto oficial! (Pausa, mudando de atitude e sentimento) Agora, dos
males o menor, cheguei a pensar que a inexplicável ausência de Imperialina na festa fosse por motivos
indecorosos.

(O capitão Lírio chega bufando... Esfarrapado)

LÍRIO – Majestade, o povo está entrando no palácio...


NAVARRO – Sem me pedir audiência!!??

(Fowless, um dos membros da delegação visitante, aproxima-se do rei)

FOWLESS – (energético) Exijo garantias para toda a nossa Comitiva.


NAVARRO – Garantias? Eu que vos peço!
FOWLESS – Somos completamente neutros nessa revolta.
NAVARRO – E pensar que não tentei fugir a mais tempo, para não fazer uma descortesia com a ilustre delegação!
(dirigindo-se ao capitão) Afinal de contas onde estão nossas tropas?
LÍRIO – Paralisadas!
NAVARRO – Paralisadas como?
LÍRIO – Completamente imóveis!!!
NAVARRO – Além de mau capitão, é um péssimo humorista.
LÍRIO – Majestade, a bem da verdade houve uma grande debandada. Os soldados não obedeciam as minhas ordens.
NAVARRO – E fizeram muito bem, só um imbecil poderia obedecer a ordens suas. (furioso) Você é um capitão
banana! Considere-se demitido!
LÍRIO – (feliz) Obrigado. Majestade! Assim posso aderir ao movimento sem peso na consciência.
NAVARRO – Traidor!
LÍRIO – Lembre-se, Majestade, que nem demissão pedi. Fui demitido, portanto não traí ninguém.
NAVARRO – (pensativo) O general Segadas me fez essa sugestão
LÍRIO – Vossa majestade o que decidiu?
NAVARRO – Não aderir, é evidente! Se aderisse seria uma insensatez: a Revolução ficaria sem sentido e os rebeldes
em polvorosa. Vamos anarquizar, mas não vamos avacalhar.
LÍRIO – Bem, peço licença para me retirar.
NAVARRO – Quo Vadis?
LÍRIO – Juntar-me aos rebeldes.
NAVARRO – Bom nível cultural. Antes passe no correio e coloque essa carta “pra mim”.
LÍRIO – Pois não. Agora posso ir?
NAVARRO – Diga uma coisa, as nossas prisões tem aquecimento?
LÍRIO – Não , Alteza.
NAVARRO – O maior erro da minha gestão, foi não mandar instalar aquecedores no Calabouço. Agora, suma traidor!
Infame! Bandoleiro! Selvagem! Ingrato! Caudilho!

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(Ao som da Abertura de 1812 de Tchaikovsky, o povo em fúria invade o Palácio dos Urubus, homens armados de pá,
ancinhos, foice, paus, travam uma violenta luta com a resistência do rei. Algumas mulheres com crianças no colo, no
auge da balbúrdia tiram do vestidos gordos – e – magros seios e amamentam seus filhos, participando em seguida
da “batalha” com o mesmo ímpeto dos homens. O maestro rege alucinadamente a orquestra, dando maior vibração,
impacto e intensidade à revolução. Vez ou outra cai abatido tragicamente um músico. A delegação estrangeira,
assim como alguns membros da corte Real, instalam-se num canto, ficando mais protegidos, assistindo à revolução
com binóculos. Anaya, Alaroon, Avilez, os teóricos do movimento, intimidados, assustados, apavorados com
tamanha força avassaladora, não sabem o que devem fazer, se aderem à luta do povo ou ficam ou ficam com o rei, o
violento contraste entre a teoria e a prática. A “nobreza” desmaia, apesar de todo estoque de rapé. As últimas
guardas fiéis ao rei travam uma luta aberta com o povo. O maestro, ferido, sangrando muito, comanda
galhardamente a sua heróica e brava orquestra nos momentos finais da música de Tchaikovsky. Tiros – correria –
fanfarronadas – gritos – desmaios – rapé – sangue – vinho – pão e música compõe a cena. No meio disso tudo,
molecotes, negrinhos, aproveitam e vendem cocadas, refrescos, pés de moleque, pastéis, laranja, banana cozida,
pedaço de melancia, com relativo sucesso. Outros oferecem serviços de engraxates. De vez em quando a cena para,
todos ficam imóveis dando destaque à mobilidade apenas para quem for falar ou estiver falando. Enfoque destacado
também deverá ser dado para apresentar uma situação interessante como – A interrupção de uma luta para
comprar pastel, etc)

ANAYA – Acho melhor a gente aguardar os acontecimentos para ver como é que fica.
ALAROON – Depois da situação melhor delineada, saberemos qual a correta posição que assumiremos.
ANAYA – Certo. Nada de precipitação.
AVILEZ – De qualquer forma tenho duas bandeirolas no bolso, uma republicana e outra monárquica, fico aguardando
para ver se meto a mão no bolso direito ou esquerdo.
ALAROON – Você pode cair do cavalo, se a revolução “diversificar” para República do centro, República da direita,
República da esquerda, República do meio... ou Monarquistas iguais.
AVILEZ – Não seja tão derrotista!

(um garoto se aproxima do grupo)

NAZ – Moço, quer engraxar a bota?


ANAYA – (chateado) Agora não.
NAZ – Faço um preço especial.
ANAYA – Não quero. Não seja inconveniente!

(no meio da luta, de repente... destaque para um pequeno negrinho)

GALVON – Olha a cocada fresquinha!

(uma nobre cortesã, não resistindo a um pé-de-moleque, parte em direção ao garoto em pleno “campo de batalha”)

CONSUELO – Ai meu Deus! Por mais nobre que seja não resisto a um populacho pé-de-moleque

(A digna dama atravessa o salão sendo mortalmente ferida sem conseguir seu objetivo. Entrementes... em algum
lugar do palácio)

MORENO – Meu rei, sempre fui contra o regime monárquico...


NAVARRO – (saltitando) Até tu Brutus?
MORENO – Não entenda mal, Alteza. Embora seja contra o regime ainda vigente, estou ao vosso lado, à vossa
disposição.
NAVARRO – Obrigado pela franqueza, estou com a sua lealdade. Nesse momento confesso que até eu, the KING! Sou
contra a Monarquia.
MORENO – Estou pronto para organizar a defesa.
NAVARRO – Obrigado, meu fiel súdito, mas prefiro que você organize a minha fuga!
MORENO – Fugir, Majestade? Abandonar a pátria, os seus pertences?
NAVARRO – A pátria não posso levar, mas os meus pertences pretendo levar.
MORENO – O país ficará como um barco sem rumo!
NAVARRO – Babaneiralle nunca teve rumo. Sempre foi e será um país à deriva, vivendo ao sabor do vento.
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MORENO – (inconformado) Vossa fuga será o caos!
NAVARRO – O caos já foi estabelecido.
MORENO – Não fica bem um Monarca numa hora dessa fugir.
NAVARRO – Não serei o primeiro.
MORENO – Creio, Majestade, que a única coisa digna para fazermos é resistirmos.
NAVARRO – Pense então em alguma coisa menos digna.
MORENO – Não consigo, devemos lutar, resistir, mesmo sem chance.
NAVARRO – Então lute por mim. Era de palavras assim que eu estava precisando ouvir. Ficarei eternamente
reconhecido. Sei reconhecer quando uma coisa está perdida. Desejo sair daqui com vida.
MORENO – Assim de repente? Sem nada preparado?
NAVARRO – Meu caro, nos dias de hoje, um monarca tem que estar sempre com as malas e bagagens preparadas!

(a conversa é interrompida porque arrombam violentamente a porta. 2 homens dão voz de prisão a Moreno e ao Rei
Navarro – Corte rápido – no salão, a situação estava mais calma, as forças rebeldes comandadas por Anaton Castro
tinha dominado a guarda palaciana. O rei vem sendo conduzido para o salão, um nobre grita num excelente
linguajar pátrio, inflamando o povo).

BRANDON – Morte ao rei sanguinário! Reacionário! Vendido! (Recoloca o “pincenez”)


NAVARRO – (Apoteótico) Nunca tantos! Num só dia! Num só país! Numa só revolução! Traíram TANTO.
ANATON – (apontando para Brandon) Prendam esse homem!

(Lamego olha surpreso para Anaton sem entender a ordem de prisão)

ANATON – (tom baixo) Se deixarmos todos aderirem ao movimento, parece que a revolução perde o nexo, se todos
são a favor, quem será contra?

(Num canto mais reservado do salão)

ANAYA – Está na hora de assumirmos o comando da revolução, antes que o idiota do Anaton faça.
AVILEZ – (Nervoso) Os planos?! Onde estão os planos?
ALAROON – Sei lá! Eu não sei nem onde estão as plumas, quanto mais os planos! Perdi todo o rebolado.

(Anaya, nervoso – aflito – irritado, caminha até onde está Anaton e Lamego).

ANAYA – Anaton! Anaton! A vitória desse movimento também me pertencem eu fui um dos conspiradores, pode
perguntar ao...
ANATON – (violento) Considere-se preso incomunicável!
ANAYA – (inconformado) Eu? Eu preso? Fui um dos conspiradores mais ativos! Crítico! Analista! Tramei a revolta,
marquei o DIA. Sou um dos legítimos DONOS dessa REVOLUÇÃO.

(O general Lamego puxa do seu revólver e cala para sempre Anaya).

ALAROON – Pelo que vimos, a Revolução já tem dono. E será grande tolice reivindicarmos nossos direitos autorais.
AVILEZ – Pobre Anaya, morreu por nada. Bem fizemos nós, que embora indignados não manifestamos todo nosso
repúdio.
NAVARRO – É de bom alvitre não manifestarmos mais!
AVILEZ – Nem contra nem a favor.
ALAROON – Enfim o caos!

(preocupado com os acontecimentos, Fowless dirige-se até o General Anaton)

FOWLESS – Avise aos seus homens, que se um fio dos nossos loiros cabelos forem tocados, o meu país não
reconhecerá o Golpe dado, nem o novo governo, além de promovermos um violento bloqueio econômico.
ANATON – De modo algum seus cabelos serão tocados. Dura lex sed lex, seus cabelos só GUMEX.
LAMEGO – Os julgamentos dos principais implicados (num chulo francês) do “Ancian Regime” será feito agora,
sumariamente, sem nenhum direito de petição de recursos de defesa dado a gravidade dos inúmeros crimes
cometidos contra o povo e contra a Pátria. Entre os diversos acusados, a ex-rainha Imperialina, num raro gesto de
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lucidez que deveria ser imitado por todos os implicados, se autopuniu suicidando-se. Aliviou assim um pouco a
sua negra consciência. Os demais membros da “família real”, assim como toda a corte e os seus ex-ministros...
ALAROON – Fomos demitidos!

(O general Lamego aborrecido, pigarreia e continua a falar)

LAMEGO – Terão seus bens desapropriados e confiscados pelo Novo Estado. A1, das punições legais devidas. Inclui
esse 1° decreto revolucionário, todos fugidos, presentes e ausentes.
MORENO – General! O senhor esqueceu de incluir um nome na relação.
LAMEGO – Qual?
MORENO – O seu.
LAMEGO – Pela gracinha você será o primeiro a ser punido. Tragam a guilhotina.
ALAROON – (tom baixo) Eu sabia que isso ainda iria acabar virando Revolução Francesa!
AVILEZ – E logo a fase do terror!

(Alguns homens vêm trazendo a guilhotina. Um dos membros da delegação estrangeira levanta-se indignado e
proteste energicamente).

WAHAYANH – Suspenda a execução! Não permitirei tamanha selvageria diante dos meus olhos! Tragam meus óculos
Rayban!
FOWLESS – Um momento! Há muito tempo que a ONU adotou o fuzilamento como única forma de execução.
Sejamos civilizados!
LAMEGO – Suspendam a guilhotina, preparem um pelotão de fuzilamento!

(Nesse momento – de repente... uma fantástica revoada de urubus invade o palácio já semidestruído. Os urubus
magros, famintos, devoram os mortos e disputam com a mesma intensidade e subnutrição do povo os restos da
fabulosa e desfeita mesa de banquete. Um cheiro forte de sangue é sentido, o palácio vai desmoronando, o ambiente
vai escurecendo, aos gritos dos homens e a sólida e incômoda presença dos urubus. Silêncio).

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CENA X

(Blackout – ou de acordo com as conveniências – 2° ATO – ... Numa indescritível manhã de sol... nas ruínas do palácio
dos Urubus, numa saleta próxima ao grande salão, a Junta revolucionária confabula).

VARGAS – Tem certeza que não existe nenhum perigo de contra-golpe?


LAMEGO – Contragolpe?
VARGAS – (Preocupado) Sinto que alguma ameaça paira sobre nossas cabeças!
LAMEGO – Só se for algum problema com a sua senhora. Fora do adultério, nenhuma ameaça pode pairar sobre
nossas cabeças
ANATON – Senhores! Não comecemos a governar com divergências “partidárias”. Quanto ao receio de uma
contrarrevolução, você não precisa se preocupar Vargas, lembre-se que as únicas pessoas que não estão presas
em Babaneiralle somos nós.
LAMEGO – Isso é fato. Assinei tanta ordem de prisão que por um lamentável descuido quase decretei a nossa
própria prisão.
ANATON – Como vê, não pode haver a menor possibilidade de contragolpe.
VARGAS – Não sei, não. Acho que estamos dando uma grande oportunidade para os nossos opositores. Quem pode
garantir que a essa hora eles não estejam realizando uma Assembleia Geral monstra.
LAMEGO – (Apavorado) Mas onde?
VARGAS – Na cadeia. Lá estão reunidos o rei, o príncipe, seus ministros, o mago, alguns oficiais e toda a corte.
LAMEGO – Realmente corremos perigo, tantos adversários do Novo Regime reunidos na prisão é uma temeridade.
Podem estar tranquilamente tramando a nossa queda.
ANATON – O que adianta tramar se estão presos, impossibilitados de saírem de lá?
VARGAS – E o suborno?
ANATON – A nossa guerra seria incapaz de acoitar corrupção
VARGAS – Não diga isso. Já fui Capitão da Guarda Real, falo com conhecimento de causa.
LAMEGO – Para acabar com essa preocupação e ameaça além de promiscuidade, tenho a solução.
ANATON – Qual?
VARGAS – Qual? (numa só voz)
LAMEGO – Executamos todos!
VARGAS – (temeroso) Medida Radical! Pode repercutir mal.
LAMEGO – Como assim?
VARGAS – Pode tirar um pouco do brilho internacional do nosso golpe.
LAMEGO – Penso que não. Em todo caso, explique-se melhor.
VARGAS – Temo que as agências telegráficas internacionais tomem conhecimento das execuções e passem a
transmitir apelos, pedidos, de homens ilustres, cientistas, intelectuais, estadistas, para evitar a matança, sofrendo
assim o movimento um profundo e progressivo desgaste.
ANATON – Isso não vai acontecer. O golpe teve um “velado” apoio de uma Superpotência, que a essa altura, posso
garantir, já manipulou favoravelmente a opinião pública internacional.
LAMEGO – Afora isso, não façamos pouco dos nossos instruídos embaixadores, cuja missão é divulgar uma imagem
simpática, amena, cordial do nosso país e dos seus dirigentes, impedindo qualquer crítica mais desfavorável.
ANATON – Tenho certeza que os nossos embaixadores estão aptos para cumprir o que confiamos. Afinal, foram
instruídos e alfabetizados por mim.
VARGAS – (aliviado) Sendo assim, confesso que a ideia sugerida pelo general Lamego é excelente
ANATON – Os elementos a serem executados não têm nenhuma importância pública internacional. Reis, príncipes,
magos, são coisas anacrônicas, não comovem o mundo hoje.
VARGAS – É verdade. Quando eu era capitão da Guarda Real, em algumas cerimônias palaciais cansei de ouvir
diversos estadistas dizerem que pensavam que o nosso rei fosse o Rei dos Macacos.

(risada geral)

LAMEGO – O rei de Babaneiralle já uma cara fora do baralho!

(nova risada geral)

ANATON – Felizmente encontramos a solução para nos livrarmos de figuras tão incômodas.
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VARGAS – Precisamos ter muito cuidado, o poder em Babaneiralle é como uma mulher boa, mesmo sem dar sopa,
todos querem passar a mão.
LAMEGO – Em Babaneiralle, “rei” que não anda com o trono colado no RABO, perde o assento.
ANATON – Senhores! Numa reunião como a nossa, com pessoas tão gabaritadas, não pode haver insinuações como
essas (sério – chateado)
VARGAS – Perdão.
LAMEGO – Escapuliu.

(corte rápido – no ex-salão real, recém transformado num improvisado circo, o povo de Babaneiralle, em grande
ansiedade e expectativa, sentado nas arquibancadas, aguarda os acontecimentos. Numa anti-sala, próximo ao salão,
o general Lamego conversa com o General Anaton, enquanto retoca cuidadosamente a pomposa farda).

ANATON – Conferiu o Bordereaux?


LAMEGO – Conferi. Tudo em ordem
ANATON – Foram vendidos todos os ingressos?
LAMEGO – Os ingressos estão esgotados para os 3 dias, tivemos que cancelar algumas reservas, não existe mais
lugar disponível para nenhum dia.
ANATON – (satisfeito) Lotação esgotada!
LAMEGO – Superlotada! Não cabe mais ninguém nem com muita boa vontade, está até arriscado, vibrações mais
intensas podem desmoronar toda essa geringonça montada as pressas.
ANATON – Então podemos começar o show?
LAMEGO – Creio que sim.

(Toque de clarim – rufar de tambores – Anaton, Lamego e Vargas surgem no palanque, Lamego fala para o grande
público presente. Depois das acenações – bandeirolas – bananadas, Lamego saca do bolso um terrível solene
discurso).

LAMEGO – Eu, o General Lamego Aírio Moradi, em nome do triunvirato revolucionário libertador de Babaneiralle!
No dia 18 de março do ano corrente, Proclamo... (perdido no texto que lia)... Está aqui!... Proclamo de acordo
com o decreto lei 4561 feito pela junta em nome o povo, a completa extinção da MONARQUIA. Doravante 18 de
Março será uma data cívica, pois para o povo e em nome do povo... (pausa – suspense)... Está PROCLAMADA A
REPÚBLICA EM BABANEIRALLE!

(Uma indecifrável – misteriosa voz vinda do alto... fala em bom tom)

VOZ – Mais uma vez o povo assiste sentado a proclamação de uma República!

(Passado os primeiros momentos de surpresa – espanto e ligeiro tumulto, Lamego prossegue).

LAMEGO – Libertamos o Rei Tirano. De hoje em diante serei o Fuerher.


VARGAS – (cortando)Pega mal!
LAMEGO – ... o DUCE...
VARGAS – Também...
LAMEGO – ... O caudilho...
VARGAS – Não!
LAMEGO – (Nervoso – embaraçado) ... O Lorde Protetor
VARGAS – (delicadamente) Muito nobre!
LAMEGO – Benefactor.
VARGAS – ... não serve...
LAMEGO – (desesperado) Salvador da pátria!

(sentindo que não foi mais contestado... entusiasmado, vai em frente)

LAMEGO – Todos os vestígios do antigo regime, assim como os seus infames colaboradores, serão varridos
definitivamente da nossa lesada Pátria! Todos os bens ilicitamente acumulados pelo regime monárquico! ( mais
inflamado) Roubados de vocês! Foram readquiridos pelo Estado, para o Estado. Todos da nobreza, assim como a

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família real, presentes e ausentes, foram condenados unanimemente, sem direito a qualquer recurso, à PENA
MÁXIMA.
GANATON – Eis a lista dos colaboradores do antigo regime que serão executados hoje. Atenção para a leitura por
ordem alfabética. Avilez Barbosa Barilo Pagoada, Alaroon Gil Ramera La Fuentes, Argino Moreno e Manfredo
Silva. Consideremos a todos, o direito de manifestarem os seus últimos desejos, as suas últimas palavras.

(A medida que os “condenados” vão surgindo na cena, o público manifesta amplamente apupos – vaias – assobios –
tomates – ovos – chupe de laranja – cascas de banana – zarabatanas com caroços de melancia. Avilez já está
pronto.)

AVILEZ – Sem nós vocês não sabem nem como apagar as luzes desse país!
ANATON – (imediatamente) Pelotão! Preparar! Apontar! Fogo

(As armas disparam – a luz pisca – uma maca retira o corpo de Avilez – Alaroon já está em posição de ser executado).

ALAROON – Se Majestade tivesse compreendido a minha linguagem “cifrada”, isso talvez poderia ser evitado. É o
que dá fazer revolução com analfabetos, para analfabetos! E pensar que ao invés de estar aqui poderia estar
lendo Ilíada e Odisséia de Homero!
ANATON – Pelotão! Preparar! Apontar! Fogo!

(As armas disparam – a luz pisca – uma maca retira o corpo de Alaroon – Argino já está em posição de ser
executado).

ARGINO – Uma pergunta. Essa venda está bem lavada? Meus olhos não suportam poeira.
ANATON – Pelotão! Preparar! Apontar! Fogo!

(As armas disparam – a luz pisca – uma maca retira o corpo de Argino – Manfredo já está em posição de ser
executado).

MANFREDO – Sabia que ainda acabava entrando em fria. Isso é que dá fazer revolução com frescos!
ANATON – Pelotão! Preparar! Apontar! Fogo!

(Fim do primeiro dia de execução – Blackout – 2° dia de execução)

VARGAS – Eis os nomes de hoje! Daécia, Solon Prado Rega, Pemenna Alves Peixoto, Aurelinda Mariz de Sá, o ex-
príncipe Reston Ramirez Penna Casarelli. Lírio da Flor Furtado.

(Daécia está pronta para ser fuzilada)

DAÉCIA – Não faço questão de morrer. Mas uma coisa faço questão de deixar bem claro. Eu juro que só aluguei o
quarto pensando que fosse para atos sexuais, jamais podia imaginar que 4 homens, reunidos no meu quarto,
pudessem estar fazendo política e não sacanagem!
ANATON – Pelotão! Preparar! Apontar! Fogo!

(As armas disparam – a luz pisca – uma maca retira o corpo de Daécia – Solon já está em posição de ser executado).

SOLON – Poderia argumentar filosoficamente a importância da revolução em me manter vivo, a fim de solidificar a
teoria do regime, dando as bases concretas e legais a par o mesmo. Entretanto, recuso dar aulas. Entre o
magistério e a morte, prefiro a morte! E agora, se meu pedido não for considerado esnobe ou deboche, gostaria
de usar um cachecol de lã, nesse dia de sol, nesse país subdesenvolvido.

(Vargas joga um cachecol vermelho para Solon – saindo só Deus ou o contra-regra de onde – ... que com muita calma
e tranquilidade e elegância entola no pescoço; ficando solenemente aguardando a execução)

ANATON – Pelotão! Preparar! Apontar! Fogo!

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(As armas disparam – a luz pisca – uma maca retira o corpo de Solon – Pemenna já está em posição de ser
executado).

VARGAS – Qual é o seu último desejo?


PEMENNA – Cheirar o meu rapé! Espirrar! E depois morrer...
ANATON – Pelotão! Preparar! Apontar! Fogo!

(As armas disparam – a luz pisca – uma maca retira o corpo de Pemenna – Lírio já está em posição de ser executado).

LÍRIO – Minha vontade é que os biosos soldados desse valente pelotão, ficassem sensibilizados e não disparassem
esse fuzis...
ANATON – Pelotão! Preparar! Apontar! Fogo!

(Os guardas disparam imediatamente 3 vezes – Lírio mortalmente ferido ainda consegue falar antes de falecer)

LÍRIO – Aí! Miguelinho! Miguelinho! Caso como o seu só acontece na História do Brasil

(... e não pode dizer mais nada... – Reston o príncipe, está em posição de ser fuzilado)

RESTON – Viva o Rei! Viva a Monarquia!

(Lamego – Vargas – Anaton, furiosos, gritam numa só voz)

LAMEGO, VARGAS E ANATON – FOGO!

(As armas disparam – a luz pisca – uma maca retira o corpo de Reston. Aurelinda, muito nervosa, está preparada de
frente para o pelotão, aguardando a sua hora).

LAMEGO – (mui respeitosamente) Qual o seu último pedido, senhora?


AURELINDA – (suavemente) Gostaria de ouvir o Ritmo Amore e Nostalgia

(Lamego autoriza uma pequena banda tocar a música – a luz vai baixando lentamente – quando Aurelinda está no
maior enlevo é executada – a luz apaga – fim do 2° dia de execução – 3° dia – Anaton conversa com Lamego antes de
irem para o local do “matadouro”).

ANATON – Usamos a cabeça guardando o rei para o último dia. A arena está superlotada.
LAMEGO – A renda de hoje ultrapassou todas as expectativas! Pena que o ex-general Segadas ainda esteja foragido.
Ele faria uma ótima preliminar.
ANATON – Muito bem pensado. Seria uma excelente atração!
LAMEGO – Se a Guilhotina não tivesse emperrada e a lâmina cega, deveríamos usá-la hoje para acusar um melhor
efeito plástico.
ANATON – Vejo que o general está se revelando um “Big show Man”.
LAMEGO – Devo confessar que antes de ser general em Babaneiralle, fui empresário da maravilhosa Dolores e
Runbeiras Atômicas, excursionei por toda a América Latina, andamos por tudo quanto foi teatro – circos – cafés –
cinemas – cabarés e terrenos baldios. Sempre com grande sucesso. Além disso, promovi os mais diversos e
espetaculares shows para o rádio e a TV. Cheguei a ganhar o troféu imprensa, dado por um conhecido animador
da televisão no Brasil. Tenho uma larga experiência em como promover e organizar espetáculos ao agrado do
grande público.

(Vargas bate na porta... e como um eficiente contra-regra)

VARGAS – Generais! Atenção para o toque de 30 segundos. O espetáculo começa dentro de 2 minutos.
ANATON – Hoje só teremos a execução do rei, o público espera há horas nesse sol, por esse emocionante momento.
Ando um pouco rouco de tanto gritar.
LAMEGO – (completando) ... Pelotão!

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(Formando rapidamente e surpreendentemente um dueto “operesco” no melhor estilo Jeanette Macdonald e Nelson
Eddy)

ANATON – Preparar!
LAMEGO – Apontar
ANATON – Fogo!

(barulho espetacular das armas disparando. Fim apoteótico do “dueto”)

LAMEGO – Devíamos ter contratado um locutor profissional para anunciar o condenado de hoje, só eles sabem dar
aquela ênfase.

(Corte para a arena – O Rei Navarro Ramirez Penna Cassarelli vai entrando na arena, altivo – calmo – firme – seguro
de si. A multidão manifesta uma estrondosa vaia. A tranquilidade inabalável e a importância do rei vai
desconcertando e desarmando a massa, quebrando – cortando as manifestações contrárias)

ANATON – Estamos dispostos a ouvi-lo pela última vez. Se tem alguma coisa a declarar, faça agora ou cale-se para
sempre!

(Navarro, num tom decidido – energético – forte – viril – vibrante – pausado, fala...)

NAVARRO – Pela minha pátria! Pelo meu sangue! Pela minha honra! Pelo meu Deus! (pequena pausa) ... VIVA A
REPÚBLICA!

(blackout... silêncio completo... seguido de violenta manifestação de aclamação popular. – E não se ouve mais
nenhum disparo – as agências informativas do mundo inteiro divulgam a notícia. No Brasil, o acontecimento chega
através de prefixo do ex-Repórter Esso... )

LOCUTOR – E atenção! Interrompemos nossa programação normal, para informar que acaba de ser restaurada em
Babaneiralle a Monarquia Oligárquica Popular de tendência Anticomunista, Nacionalista, Democrática, Socialista,
Cristã!

(Sobe o prefixo)

Moral da história:
Palavra de rei não só volta atrás como vai mais adiante
Ou
Em terra de cego quem tem olho é rei.

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