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UNIVERSIDADE DE CAXIAS DO SUL

A CHEGADA:
Uma nova Linguagem para a humanidade1

Carolina Muniz Moreira da Silva2

1 INTRODUÇÃO

Este trabalho busca análisar, com um olhar semiótico, o Filme A Chegada lançado em
2016. Os conceitos utilizados para embazar a análise foram tirados dos três importantes
pesquisadores e escritores no ramo da semiótica: Roland Barthes (1915-1980), Ferdinand de
Saussure (1857-1913) e Charles Sanders Peirce (1839-1914), além de contar com livros da
Professora Lúcia Santaella, e dos pesquisadores Israel Pedrosa e Donis A. Dondis. A pesquisa
está dividida por cenas retiradas do filme, sendo analisada pelas referências dos pesquisadores
e os diferentes temas no ramo da semiótica. Espera-se que o leitor compreenda e goste das
cenas aqui abordadas e que este trabalho sirva, futuramente, como consulta para novos
pesquisadores da semiologia.

2 DESENVOLVIMENTO

O filme „A chegada‟ foi dirigido por Denis Villeneuve e lançado no Brasil no dia 24
de novembro de 2016, a história é baseada no livro „The Story of your life‟ do escritor
estadunidense Ted Chiang. O longa aborda o momento em que extraterrestres pousam na
Terra e como a humanidade reage perante a esse acontecimento. O maior desafio da Dra.
Louise Banks (Amy Adams), uma especialista em linguística, com a ajuda do matemático Ian
Donnelly (Jeremy Renner) é saber qual o propósito deles aqui. Enfrentando a dificuldade de
aprender uma linguagem nova, o espectador descobre como Louise irá descifrá-los e se vê
diante de uma nova forma de vizualizar o mundo.

2.1 PRIMEIRIDADE, SECUNDIDADE E TERCEIRIDADE DE PEIRCE

1
Trabalho realizado para a disciplina Semiótica da Imagem, ministrada pela professora Ivana Almeida da Silva,
no semestre 2017/4.
2
Acadêmica do 2° semestre do curso de Fotografia na Universidade de Caxias do Sul.
2

Fg.1 Pássaro na concha.

Fonte: Imagem obtida no DVD do filme.

No final do século XIX, o filósofo e cientista Charles Sanders Peirce públicou seu
estudo sobre as Categorias do Pensamento e da Natureza, que perduram no estudo da
Semiótica até os tempos atuais. Dividindo em três categorias: Primeiridade, Secundidade e
Terceiridade, ele classifica as possibilidades de apreensão de todo e qualquer fenômeno e o
modo de como eles se apresentam a nossa consciência.

A Primeiridade é a consciência imediata, é a sensação pura sem percepção ou vontade.


“Não pode ser articuladamente pensado; afirme-o e ele já perdeu toda sua inocência
característica, porque afirmações sempre implicam a negação de uma outra coisa. Pare pra
pensar e ele já voou” (SANTAELLA, 1983, pág. 45).

A Secundidade é conflito, ação e reação dos fatos, nos obriga a pensar no


acontecimento. Segundo Lúcia Santaella (1983) o simples fato de estarmos vivos, existindo,
significa, a todo momento, consciência reagindo em relação ao mundo.

E na Terceiridade é onde interpretamos o mundo, diante de um fenômeno a


consciência produz um signo. Quando olhamos, ouvimos alguma coisa, nossa mente
interpreta esse fenômeno e cria outro pensamento através da nossa experiência de vida.
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No filme uma cena que podemos destacar para exemplificar essas categorias de Peirce
é a do pássaro na concha. No instante do longa, temos nosso primeiro contato com o ambiente
dos Heptápodes, nome dado aos extraterrestres, e como eles realmente são, com todo o
mistério pairando no ar um passáro piando em sua gaiola aparece em cena e quebra esse
sentimento de desconhecido, momento esse que podemos colocar dentro das categorias.

No segundo em que o pássaro aparece temos nossa primeira reação de consciência: um


pássaro, piando. Surge em nossa mente a imagem do pássaro, ainda que não estamos
claramente certos do que ele é, acabamos de passar pela Primeiridade. Logo após temos a
certeza de que é um pássaro pois acessamos nossa memória para identificar o animal, e
pensamos racionalmente o por que ele está ali: ele está na concha para que os pesquisadores
consigam medir os níveis de oxigênio, nesse momento passamos pela Secundidade. E na
Terceiridade procuramos interpretar de forma simbólica, o animal nos traz qual sensação? Ele
causa angústia, tensão, justamente pelo ambiente estar em silêncio exceto pelo piar do
pássaro.

2.2 SINTAGMA E PARADIGMA

Fg.2 Qual é o seu propósito na terra?

Fonte: Imagem obtida no DVD do filme.


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Fg.3 Oferta de “Arma”.

Fonte: Imagem obtida no DVD do filme.

“A linguagem é o conjunto de variadas formas sociais de comunicação e de


significado” (Ivana, 2017). No filme ela se apresenta de duas maneiras: da forma
convencional que conhecemos, fala e escrita linear e a partir de um novo jeito de
comunicação, a língua dos Heptapódes. Quando a Dr. Louise Banks explica para o Corenel
Weber como irá ensinar os visitantes para que entendam a pergunta „Qual o seu propósito na
Terra?‟ ela utiliza-se do caráter linear da língua o qual denomina-se Sintagma, onde cada
signo que forma a frase é escrito e pronunciado um após o outro. E cada palavra pertencente a
pergunta, Louise as escolheu dentro de um variado repertório de signos associados, no qual
denomina-se Paradigma.

Depois de algumas tentativas de comunicação com os Heptapódes, eles revelam sua


forma de linguagem própria. Segundo o filme, sua fala não tem relação alguma com sua
escrita e essa não é organizada de forma linear igual à nossa, mas sim circular. Quando os
visitantes respondem a pergunta da Dr. Banks, eles não se utilizam do Sintagma por não ser
uma linguagem linear, mas acabam escolhendo palavras dentro de um repertório (Paradigma).
„Oferta de Arma‟ foi a resposta, causando medo aos soldados e a população, entretanto o real
significado da frase é „Oferta de Ferramenta‟ onde esse equipamento seria a própria Língua
dos Heptapódes para que os humanos aprendessem e no futuro pudessem ajudá-los. O medo
gerado poderia ser evitado se o Paradigma de signos deles fosse mais abrangente para usar a
palavra mais adequada ao real sentido.
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2.3 SIGNIFICANTE E SIGNIFICADO, SAUSSURE

Fg.4 A Concha.

Fonte: Imagem obtida no DVD do filme.

Para Ferdinand de Saussure um Signo é fracionado em “significante” e “significado”,


onde o primeiro é a imagem acústica (materialidade da palavra) e o segundo é o conteúdo,
está diretamente ligado a uma ideia ou pensamento.

No filme o nome dado a „nave‟ dos Heptapódes é Concha, a palavra concha nos faz
rapidamente pensar em conchas que são órgãos rígidos, muitas vezes externos, característico
dos moluscos e também a todo simbolismo que as cercam. Para algumas culturas antigas,
como a Asteca, a concha representa além de proteção o nascimento, a criação nos dando a
ideia que o mundo irá se renovar após a vinda dos visitantes.

Diante disso, podemos estabelecer uma relação de significante e significado proposto


por Saussure. O significante nesse caso seria a imagem acústica Concha, o significado a
cancha dos moluscos e a ideia de proteção, criação, nascimento. Unindo esses termos temos o
Referente, um signo que é a referencia do que temos em mente.
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Fg.5 Concha como signo.

Fonte: figura elaborada pela aluna.

2.4 ISTO FOI, POR BARTHES

Fg.6 Filha de Louise.

Fonte: Imagem obtida no DVD do filme.


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Fg.7 Louise e a bebê.

Fonte: Imagem obtida no DVD do filme.

Por nossa percepção do tempo e da língua serem linear, acabamos por nos sujeitar e
entender que as cenas de Louise com sua filha já aconteceram. Tomemos essas duas imagens
como fotografias reais, com pessoas reais, para Barthes (2012) nunca podemos negar que elas
estiveram lá pois há uma dupla posição conjunta: de realidade e de passado.

A imobilidade da foto é como que o resultado de uma confusão perversa


entre dois conceitos: o Real e o Vivo. Atestando que o objecto foi real, ele leva
sub-repticiamente a pensar que ele está vivo, devido a essa armadilha que nos faz
atribuir ao Real um valor absolutamente superior, como que eterno. Mas
deslocando o Real para o passado (isto foi), ela sugere que ele está morto.
(BARTHES, 2012, pg.89)

O filme brinca com esses conceitos quando apresenta primeiro as cenas de Louise com
a filha, e depois a mãe chorando por sua filha ter morrido, nos fazendo crer que essas cenas já
foram e o que virá ainda não aconteceu. Durante o filme mais cenas de sua filha é mostrado,
como se fossem flashbacks do passado. Só começamos a perceber que essas cenas ainda estão
por vir quando nos é revelado que Louise vê o futuro, e aprendendo a língua dos Heptapódes
a nossa relação quanto a interpretação do tempo muda e conseguimos acessar qualquer
momento de nossas vidas.
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2.5 A SIMBOLOGIA DAS CORES

“A cor está, de fato, impregnada de informação, e é uma das mais penetrantes


experiências visuais que temos todos em comum. Constitui, portanto, uma
fonte de valor inestimável para os comunicadores visuais.”

Donis A. Dondis (1997)3

Fg.8 Momentos Felizes. Fg.9 Momentos Tristes.

Fonte: Imagens Obtidas no DVD do filme.

Fonte: Paleta de cores gerada no Adobe Kuler, baseada nas Figuras 8 e 9.

A Cor é um dos elementos de análise que carrega muitos sentidos emocionais,


podendo ser usado com muito proveito para intensificar a informação, a cor tem significados
compartilhados pelo mundo todo e significados específicos, onde cada um de nós, com sua
bagagem própria, emocional e cultural, interpreta dando-a sentido.

No filme, há a utilização de mudanças de cor na iluminação dos momentos iniciais, as


cenas em que mostram a Dr. Louise Banks com sua filha Hannah Banks variam de uma cor
quente em tom alaranjado para uma cor fria em tom azulado. Os momentos em que Louise
está passando por momentos felizes com sua filha a tonalidade da cena muda para uma cor
quente, essa mudança faz com que o espectador sinta-se mais aconchegado, aproximando-se
da cena, como se estivesse lá dentro desse universo. Quando procura-se pelo simbolismo da
cor laranja, a cor das cenas, encontra-se que essa cor traz sentimentos de equilíbrio,

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DONDIS, Donis A. A Sintaxe da Linguagem Visual. 2º ed. São Paulo: Martins Fontes, 1997. Pág. 64.
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confiança, segurança, trazendo também intimidade e acolhimento, exatamente o que a cena


passa a quem vê.

Quando o filme mostra, até então os flashbacks, (que depois revelam-se como visões
do futuro) de Louise brigando com a filha, o adoecimento dela e depois elas no hospital nos
últimos momentos da jovem, o tom quente é cortado para um azul frio, nos distanciando da
cena, fazendo-nos penetrar no ambiente e perdendo-nos no infinito. O azul, segundo Israel
Pedrosa (2003), abre as portas do inconsciente e atinge o clima do inumano, do supra-real,
também evocando a ideia de morte. Para os egípcios a cor azul era a cor da verdade,
justamente o sentimento que a cena mostra, a verdade dura, de uma mãe que perde sua filha.

3 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Constata-se, então, que a base do estudo da Semiótica são os os pensadores e


pesquisadores do século XIX, que são estudados atualmente por vários autores que expandem
os conceitos para o mundo e que cada elemento colocado ou dito nas cenas do filme, trazem
uma bagagem de significados que podem ser estudados e explicados por eles. O Filme por
inteiro é um delicioso convite para se procurar significados em meio de seu roteiro, já que
todo ele é cuidadosamente pensando para que cada detalhe faça parte e tenha sentido no todo,
ressaltando novamente a importância do estudo desse campo, para que se descubra
significados até então inexplorados.

4 REFERÊNCIAS

4.1 FILMOGRAFIA

A CHEGADA. Direção: Denis Villeneuve. Roteiro: Eric Heisserer. Paramout Films, 2016. 1
DVD.

4.2 BIBLIOGRAFIA

AUTENTICADO, Não. Concha. Disponível em:


<https://www.dicionariodesimbolos.com.br/concha/> Acesso em: 5 de outubro de 2017.
BARTHES, Roland. A Câmara Clara: nota sobre a fotografia. Lisboa: Edições 70, 2012.
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BORGO, Érico. A Chegada: crítica. Disponível em:


<https://omelete.uol.com.br/filmes/criticas/a-chegada/?key=114680>Acesso em: 20 de
outubro de 2017.
DONDIS, Donis A. A Sintaxe da Linguagem Visual. 2º ed. São Paulo: Martins Fontes,
1997.
PEDROSA, Israel. Da cor à cor Inexistente. 9º ed. Rio de Janeiro: Léo Christiano Editorial
Ltda, 2003.
RODRIGUES, Fábio Della Paschoa. O arbitrário do Signo, o sentido e a referência.
Disponível em: < http://www.unicamp.br/iel/site/alunos/publicacoes/textos/a00001.htm>
Acesso em: 30 de outubro de 2017.
SANTAELLA, Lúcia. O Que é Semiótica?. 1º ed. São Paulo: Brasiliense, 1983.
SANTAELLA, Lúcia. Semiótica Aplicada. 1º ed.São Paulo: Pioneira Thomson Learning,
2004.
SAUSSURE, Ferdinand de. Curso de Linguística Geral. 24 ed. São Paulo: Cultrix, 2002.
SILVA, Ivana Almeida da. Linguagem e Sentido: Paradigma e Sintagma. Caxias do Sul:
Ivana Almeida da Silva, 2017. 9 slides, color.
SILVA, Ivana Almeida da. Roland Barthes: A Câmara Clara. Caxias do Sul: Ivana
Almeida da Silva, 2017. 39 slides, color.
SILVA, Ivana Almeida da. Abrir as Janelas: Olhar para o mundo. Caxias do Sul: Ivana
Almeida da Silva, 2017. 55 slides, color.
SILVA, Ivana Almeida da. Sobre Linguagens e Sentidos: primeiros passos na semiótica.
Caxias do Sul: Ivana Almeida da Silva, 2017. 15 slides, color.
SILVA, Ivana Almeida da. Ferdinand de Saussure e seu projeto semiológico. Caxias do
Sul: Ivana Almeida da Silva, 2017. 23 slides, color.
XAVIER, Glaúcia do Carmo. Significante e Significado no Processo de Alfabetização. 1ed.
Belo Horizonte: Cadernos Cespuc, 2014.

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