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3.3. O Conjunto Habitacional Zezinho de Magalhães Prado

3.3.1. O projeto: Implantação e áreas livres de uso comum

Os materiais não se podem construir em si mesmo. São


os homens que projetam e executam. Por outro lado,
ninguém constrói um edifício qualquer sem que haja
necessidade deste edifício. Ora aqui está justamente a
questão principal.

O que caracteriza principalmente uma arquitetura são


as necessidades de habitação, trabalho, recreio etc., da
sociedade que a produz.

Carlos da Silva Prado, 1908 (SEGAWA, 1999, p.51)

Projetado em 1967, pelo arquiteto Vilanova Artigas e sua equipe, formada por Fábio
Penteado, Paulo Mendes da Rocha e pelos arquitetos colaboradores do escritório
técnico CECAP, Ruy Gama, Arnaldo Martino, Giselda Visconti, Geraldo Vespaziano
Puntoni e Renato Nunes (CERÁVOLO, 2007).

O conjunto habitacional foi construído num terreno de aproximadamente 1.800.000 m²


que pertencia originalmente a Caixa Econômica do Estado de São Paulo, e que após
um processo de desapropriação amigável a CECAP passaria a ser o proprietário
(CERÁVOLO, 2007).

Imagem 09: Vista da maquete da proposta inicial


Fonte: ROCHA (2006, p. 184)
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Tratava-se de um conjunto habitacional planejado para uma população de 50 mil


habitantes em 130 hectares contando com toda área para infra-estrutura urbana. Dada
a escala do empreendimento, o programa previa vários serviços que estariam muito
além das moradias; tais como: escolas, comércio, teatro, igreja, centro de saúde,
hotel, cinemas, quadras de esporte e outros (SEGAWA, 1999).

A proposta previa inicialmente a construção de 10.560 apartamentos, que abrigaria


cerca de 12 mil famílias, distribuídos em 170 blocos habitacionais, conforme mostra a
maquete (imagem 09). Os blocos foram agrupados em 8 freguesias e, cada freguesia
deveria conter um centro comercial e uma escola dentro de um raio de 150m; em
função deste arranjo se verifica na proposta a idéia moderna de unidade de vizinhança
ou superquadras, demonstrada na imagem 10.

1
1 Residência
2 Comércio da freguesia
1
3 Comércio central
1
1
1 4 Centro educacional
5 Centro de saúde
6 Igreja ecumenica
1
7 Teatro de arena
8 Centro comunitário
1 1 9 Estádio
1
10 Caixa d`água
11 Estacionamento
1

1 Residência
1
Comércio e Serviço
1
1

1
1

Imagem 10: Implantação Proposta – elaborada pela autora


Fonte: CECAP, 16/10/1978 - Planta Geral, Desenho 1 - fornecida pelo Eng. Francisco Marinho.
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1
1

1
1

1 Residência
1
2 Comércio da freguesia
4 Centro educacional
5 Centro de saúde
1 8 Centro comunitário
1 11 Estacionamento
1

1 Residência

Comércio e Serviço

Imagem 11: Implantação Executada – elaborada pela autora


Fonte: CECAP, 16/10/1978 - Planta Geral, Desenho 1 - fornecida pelo Eng. Francisco Marinho.

Tabela 3: Comparativo entre o projeto proposto e o executado – elaborado pela autora


Fonte: Plantas CECAP; Google Earth.

O projeto não foi construído em sua totalidade, sendo executado apenas parte dos
edifícios destinados à moradia e parte dos equipamentos públicos propostos. No
projeto de urbanismo do CECAP, apresentado na imagem 11, foram locados apenas
165 blocos, totalizando 9.900 habitações, das quais foram construídas apenas 78
blocos, totalizando 4.680 apartamentos, ou seja, aproximadamente 45% da proposta
inicial, como mostram a tabela 3.
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FA - Freguesia A

FB - Freguesia B

FC - Freguesia C

FD - Freguesia D

FE - Freguesia E

FF - Freguesia F

FG - Freguesia G

FH - Freguesia H

Comércio e Serviços

Imagem 12: Freguesias, Comércios e Serviços Propostos – elaborada pela autora


Fonte: CECAP, 16/10/1978 - Planta Geral, Desenho 1 - fornecida pelo Eng. Francisco Marinho.

No conjunto CECAP Artigas utiliza o conceito de freguesias para organizar os espaços


do térreo (imagem 12). Tradicional do urbanismo português, o termo é relacionado a
comunidades com vínculos eclesiásticos, e foi traduzido pelo arquiteto como conjunto
de pessoas com interesse comunitário. Assim, cada freguesia deveria comportar grupos
de edifícios e equipamentos urbanos comuns a todos os moradores, uma derivação
do conceito da superquadras adotado por Lúcio Costa em Brasília (SEGAWA, 1999).

Procuramos criar bases para o urbanismo que pudesse ter raízes

nossas, e arranjar palavras que o caracterizassem com aspectos menos

abstratos, com algum conteúdo cultural brasileiro. Isto vai até o ponto

de nós não escrevermos “maquete” e sim modelo; não escrevermos

“superquadras” e sim freguesia (ARTIGAS, 1997, p. 146).


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A implantação dos blocos no local é extremamente definida, ortogonal, no entanto, as


lâminas paralelas umas as outras fazem a composição do urbano gerando espaços de
uso comum (imagem 14), equilibrando e criando novas circulações para pedestre com
percurso objetivo, separado e independente dos automóveis, diminuindo as distâncias
(CORBUSIER, 2000).

O espaço livre do térreo somado as escadas aberta e as áreas livres entre os blocos,
potencializam a convivência entre os moradores e propõe uma continuidade visual
entre a circulação horizontal do térreo e seu entorno imediato.

Ressalta se que o pavimento térreo de todos os condomínios do conjunto habitacional


Cecap, possui grandes áreas livres de uso comum, como se verifica no levantamento
demostrado na imagem 14; estas áreas são divididas entre espaços de circulação
para pedestre e veículos, recreação passiva e ativa, e áreas verdes; desta forma, a
distribuição dos espaços para atividades diversificadas nas áreas livres de uso comum
dos pavimentos térreos, fomenta as relações humanas e o convívio em comunidade.
A proporcionalidade entre as áreas dos pavimentos térreos seguem o mesmo padrão
para todos os condomínios, visto que todos foram implantados seguindo o mesmo
modelo. Esta relação está exemplificada na imagem 13.

Área total térreo 28.521,75 m² 100,00%

Área verde 5.029,86 m² 17,64%

Área equipamentos 621,80 m² 2,18%

Área livre 22.783,89 m² 79,88%

Imagem 13: Planta Pavimento Térreo - Condomínio Minas Gerais


Fonte: Gegran - Prefeitura de Guarulhos, Depart. de Planejamento e Projeto - modificado pela autora.
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Cond.
Bahia

Área verde
Cond. Área equipamentos
Cond. Espírito Santo
Área livre
Sergipe

Cond.
Alagoas

Cond.
Minas Gerais

Cond.
Rio de Janeiro

Cond.
São Paulo

Cond. Cond.
Paraná Santa Catarina

Cond.
Rio Grande do Sul

Imagem 14: Planta Pavimento Térreo – elaborada pela autora


Fonte: Gegran - Prefeitura de Guarulhos, Depart. de Planejamento e Projeto - modificado pela autora
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Imagem 15: Planta do Bloco


Fonte: ROCHA (2006, pag. 186) - modificado pela autora

Proposto em um único elemento que se repete em toda a implantação, não apresentando


variação de composição quanto a sua forma ou quanto a sua tipologia, cada um dos
blocos é constituído por duas lâminas paralelas interligadas por escadas, sendo que
cada lâmina possui 3 pavimento com 10 unidades habitacionais cada, totalizando
assim cada bloco 60 apartamentos.

Os blocos habitacionais, de três pavimentos, são lineares e organizados em dupla, tendo


ao meio os acessos verticais intercalados, formando pátios internos de climatização
para os apartamentos, como se verifica na imagem 15. (KAMITA, 2003).

[...] o projeto foi pensado de maneira que pudesse dar uma condição

de habitabilidade e que fosse ao mesmo tempo razoável em relação

aos costumes, ao que é molde do povo brasileiro. Na casa procurou-

se integrar da maneira mais natural possível o espaço, de modo que

ele pudesse render ao máximo. Como beleza do espaço interno, esses

lugares foram também relacionados aos edifícios, assim como nas

áreas de circulação, as áreas de acesso, as áreas voltadas para sala,

pudessem estar dentro de uma atmosfera de luz controlada e a face

dos quartos com uma insolação aberta para o exterior. Isto dá ao bloco

uma dimensão mais razoável (1968 apud CERÁVOLO, 2007, p 76).


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Imagem 16: Vistas dos blocos na época de sua implantação


Fonte: ARTIGAS, (1997, p. 146 e 147)

Imagem 17: Vistas atuais dos blocos


Fonte: Rechilene Maia, maio 2008
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Defronte a esta rigidez na forma e na implantação dos blocos, Artigas atribui cores
variadas as unidades, contrapondo a repetitividade e diversificando a paisagem
(imagem 16). No entanto, atualmente as cores originais dos conjuntos foram alteradas,
como se pode observar na imagem 17, pelos seus moradores, que ao optarem por usar
apenas um tom de cor para cada condomínio, hoje configurado e cercado, reduziram
inevitavelmente a qualidade e a diversidade do local.

Os apartamentos com 64m² foram projetados para atender famílias de até 3 filhos e
renda entre 3 a 5 salários mínimos, em função às estas características, a planta tipo
da unidade habitacional era composta por três dormitórios, sala, cozinha, banheiro e
área de serviços.

Foi-nos colocado o problema de um apartamento de 64m², o que

representa, em área, um tamanho quase exagerado com relação

à média mundial que se tem para uma família de cinco pessoas.

Nas condições brasileiras, creio que não deva ser menor porque,

certamente, haverá acumulações maiores numa boa parte dos

apartamentos (ARTIGAS, 1997, p. 146).

2
1

3
1 Sala
2 Dormitório
2
3 Cozinha
4 5 4 Banheiro
5 Serviços
6 Acesso

Imagem 18: Planta tipo - unidades de habitação


Fonte: ROCHA (2006, p.187)
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A planta das unidades são racionalizadas, com mínimos espaços dedicados a circulação,
possuem paredes internas na forma de divisórias com espessuras de 9 cm, que permite
aos moradores modificações e variações. Em alvenaria, são apenas construídas as
paredes que compõe a cozinha, banheiro e lavanderia, concentrando os equipamentos
hidráulicos e de serviços na mesma região (imagem 18).

Uma área importante de uso comum aos moradores de cada condomínio, que deve
ser observada com atenção, é a área criada pela circulação vertical em frente as
portas de acessos dos apartamentos (imagem 19 e 20).

Imagem 19: Área comum - escada


Fonte: ARTIGAS (1997, p. 150)

Imagem 20: Área comum - escada


Fonte: Rechilene Maia, maio de 2008.
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Trata-se de uma área privada em função de pertencer ao condomínio, mas


especificadamente em todos os edifícios, porém, é importante ressaltar que esta área
tem um caráter semipúblico, pois é utilizada por moradores de todo o condomínio, por
vizinhos e visitas externas como uma pequena área de convívio social, assim, esta área
pertence ao cotidiano dos moradores (imagem 20); que os reconhece e expressa esta
relação às vezes de forma extremada, gradiando-as e tornando-as área privada dos
apartamentos, isto acontece não raro em todos os condomínios, mas principalmente
quando o morador possui dois apartamentos lado a lado (imagem 21).

Imagem 21: Condomínio Paraná, fechamento da área comum.


Fonte: Rechilene Maia, maio de 2008.

Alguns dos cincos pontos da arquitetura moderna de Le Corbusier são revisitados


nas soluções utilizadas por Artigas no projeto, deixando explícito o caráter moderno
do conjunto. Os pilotis, a fachada livre rasgada pelas janelas horizontais, edifícios em
forma de lâminas, três pavimentos sem elevador, distância adequada entre as lâminas
para entrada dos raios solares, entre outros, são alguns dos pontos que caracterizam
esta arquitetura moderna e que estão presentes na proposta do conjunto Zezinho de
Magalhães Prado, conforme se pode observar nas imagens que segue:
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Imagem 22: Conjunto Zezinho de Magalhães Prado - vários


Fonte: Rechilene Maia, maio de 2008

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