a ponteira de prata tocava o chão de pedras negras e o barulho da bengala
ecoava pelo salão. Meargoth seguia cambaleante, puxando a perna esquerda. O ferimento já havia cicatrizado havia quase um ano, mas hoje latejava. - Maldito seja... maldito seja... - sussurrava ele enquanto se aproximava da porta vigiada por dois guardas zhentarim. - Que venha até mim, desgraçado... Apresentou-se e um dos guardas golpeou com o cabo da lança a porta de madeira maciça. Ela abriu-se segundos depois, apenas o suficiente para deixar o rosto de Dirwnach aparecesse. O secretário de Lorde Orgauth lembrava-lhe um rato, com nariz adunco e fino, os cabelos saltando de trás das orelhas em dois tufos beges e sujos. Os olhos eram arregalados, como se o homem estivesse sempre assustado. A cabeça voltou-se para dentro e anunciou o visitante. - Entre. - disse Dirwnach, abrindo a porta e estendendo os braços. Meargoh não ficou feliz com a presença do secretário. Trazia más notícias e preferia, obviamente, ficar a sós com Orgauth. Tinha certeza que ele não entenderia e tomaria alguma decisão imprópria, contudo, se estivesse sozinho, imploraria por clemência de joelhos, se humilharia em troca da própria salvação. Uma gota de suor escorreu da testa de Meargoth, quase congelando pelo frio súbito que subiu por sua espinha; Orgauth não estava só: partilhava a mesa com Fzoul Chembryl, o Alto Patriarca da Igreja de Xvim. O homem que havia traído o próprio deus Cyric e que não fora punido. Um dos Três, os líderes supremos dos Zhentarim. - Bom dia, Meargoth. - Lorde Orgauth clamou, gesticulando para que se aproximasse. A perna esquerda doeu-lhe ainda mais. Sentiu que cairia ali mesmo. Suspirou e caminhou convicto rumo à mesa. Fora treinado para servir a Cyric até o fim e já estava pronto para partir, se preciso fosse. - Lorde. Patriarca. - ele cumprimentou os dois homens ao chegar diante do banquete. Almoçavam. Carne de javali, pão e frutas. - Milorde, eu vos trago más notícias. - E quando foi que tu me trouxeste alguma notícia boa, Meargoth? Talvez em procura de apoio, os olhos do clérigo encontraram os olhos azuis e profundos de Fzoul. Foi um rápido relance, mas o suficiente para fazê-lo baixar a cabeça. Teria sido impressão causada pelo copo que o patriarca levava à boca ou ele sorria? Se sorria, era um bom sinal ou ria premeditando os prazeres da tortura que lhe aplicariam? - Milorde, Scyllua escapou. E não só ela, vossos outros prisioneiros também. - Meus prisioneiros? Teus prisioneiros, naco de merda! Eu queria matá-los aqui mesmo, tu que me impediste e pediste para que fossem enviados junto com meu presente. - respondeu Orgauth, limpando a boca com um pano que lhe servia de guardanapo. - Prossiga, como descobriste? - Interceptamos um mensageiro, vindo do Vale da Cicatriz. A mensagem, endereçada a Lorde Mourgrym, falava de um motim no navio e de um plano para auxiliar o Vale da Adaga, senhor. - Vale da Cicatriz? Quem deu abrigo a eles por lá? - Senhor... um dos prisioneiros... era filho de Lashan. Declarou-se o novo líder do Vale e foi apoiado pelos demais Vales e Cormyr. Sembia também acatou, por pressão. - Então, não só deixamos escapar prisioneiros como os fornecemos para fortalecer nossos inimigos? Meargoth, tu és um servo fiel, mas também és um desgraçado. Então, temos um inimigo em Vale da Cicatriz. Algo mais? - Nossos contatos falam que Temmy Dharim foi morto. Sua célula desfeita. Falam de um grupo de estrangeiros que passou pela região. Devem ser eles. Orgauth ergueu seu copo em direção a Fzoul. - Um brinde aos incompetentes. Meargoth, não deveria, mas te darei minha última chance. Cavalgue agora até as tropas que ocupam o burgo de Shallain. Quero que os lidere no ataque ao Vale da Adaga. Maergoth permaneceu imóvel, boquiaberto, como se não entendesse o que acabara de ouvir. Então, mesmo com um erro que poderia trazer inúmeros problemas, estaria livre e ainda receberia um cargo de confiança? - Prefere um castigo, padre? - zombou Fzoul. - Não, não. Obrigado, meus senhores. Irei agora mesmo. - Fale com Wymond, ele te entregará os planos e dar-te-a as ordens. A dor na perna parecia ter sumido, tal a velocidade com que Meargoth saiu da sala, praticamente saltando em sua perna direita. Os dois chefes permaneceram sozinhos, comendo. Após alguns minutos, Fzoul falou. - Orgauth gostava mesmo dessa moça, não? - Sim, por isso não a matei logo. Levantaria suspeitas. Enviá-la como presente a Mulmaster me pareceu a melhor solução. - Eles darão trabalho? - Não. São só moscas. - Mataram a tripulação de seu barco. - Piratas bêbados, nada mais. - Mataram Temmy Dharim. - Alguém de importância para tua organização? - Nossa organização, senhor. Ele era um dos meus melhores escravistas. - Tua, tua organização. Na verdade, nem o próprio Orgauth estava nela. Quando isso tudo acabar, Fzoul, terás quantos escravos quiser. Para isso, precisas do cetro. Alguma novidade? - Sim, senhor. Irei negociar com alguém que sabe o paradeiro. Trocaremos a paz por informação. - Ótimo, ótimo. - Só uma pergunta, por que poupou o infeliz? - Poupei? Mandei-lhe para seu pior tormento. Meargoth é um incapaz. Veja, ele e seu arqui- inimigo estão indo na mesma direção. Ele quer vingança e ficará cego. Das duas uma: ou o elimina, o que nos ajuda, ou é morto vergonhosamente, o que é um bom castigo. Eu aposto na última opção. Há um lugar para ele nos Nove Infernos, embora ele ainda não saiba. - E quanto ao Vale da Adaga, alguma providência? - Diwrnach? - o secretário veio logo. - Envie uma mensagem a Malebranch. Diga que ele possivelmente terá problemas. Envie também um osyluth e cinco hamatulas para auxiliá-lo. Vamos ver do quê os amigos de Meargoth são capazes. - Teremos mais reforços? - Os Nove Infernos estão cheios, Fzoul, mas é necessária muita energia para mantê-los aqui. Falando nisso, feche os olhos: preciso falar com Xvim. Fzoul fechou os olhos lentamente, enquanto o dedo de seu interlocutor se aproximava, mudando de forma, tornando-se vermelho e com uma unha negra na ponta. Sentiu seus olhos revirando, a garganta tremulando e uma voz gutural subir-lhe pelas entranhas. - Abarax?!