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Especificar a Área do trabalho

XIV Encontro Nacional de Ensino de Química (XIV ENEQ)


(EA)

Interpretação da liberação de gás de água mineral por alunos


dos cursos de Química da UFMS
Dario Xavier Pires1* (PQ), Maria Celina Piazza Recena1 (PQ), Alexandre Geraldo V. Faria 2 (IC)
*daxpires@yahoo.com.br

1- Departamento de Química ,Universidade Federal de Mato Grosso do Sul


2- Mestrado em Ensino de Ciências – Universidade Federal de Mato Grosso do Sul

Palavras Chave: água mineral, currículo, Bachelard

Resumo

Foi solicitado a 80 alunos, das quatro series dos Cursos de Química da UFMS, que avaliassem os
comportamentos de garrafas de água mineral (25o C e 5o C), quando repentinamente abertas; registrassem as
explicações para o fenômeno e indicassem palavras chave. Os objetivos foram: identificar os conceitos utilizados
nas explicações em função das disciplinas curriculares, para subsidiar reflexões sobre o currículo dos cursos. Apesar
do destaque para as explicações: aumento de pressão e do movimento das moléculas, e para as palavras Temperatura
e Pressão, constatou-se, por testes estatísticos, uma homogeneidade de explicações para o fenômeno. Consideramos
que a metodologia é promissora, mas o forte efeito visual (observação macroscópica) pode ter influenciado os
alunos a focarem em descrições e não em explicações mais criteriosa, segundo os estados concreto e concreto-
abstrato (Bachelard), nos quais o espírito se entretém com as primeiras imagens do fenômeno e se apóia numa
filosofia baseada na simplicidade.

Introdução
Os cursos de Química, Licenciatura e Ba charelado, da Universidade Federal de Mato
Grosso do Sul (UFMS) foram reformulados no ano de 2002. A nova estrutura implantada foi
amplamente discutida pelos docentes em seminários e debates.
O perfil dos seus egressos foi delineado levando em consideração que, em relação ao
conteúdo de Química, devem apresentar uma “formação generalista, mas sólida e abrangente
em conteúdos dos diversos campos da Química” (UFMS, 2002).
Esta característica traduz a importância em atribuir uma articulação integrada dos
conteúdos abordados, configurada formalmente na estrutura curricular.
Entretanto a estrutura disciplinar tradicional, em que se mantiveram organizados os
cursos, estimula a ação compartimentalizada dos professores em suas disciplinas, embora muitas
atividades oferecidas na universidade contribuam para a formação profissional do aluno e
possam oportunizar o relacionamento de conteúdos específicos.
Também é preciso considerar que ao ingressarem nos cursos de graduação, os alunos já
vivenciaram processos de ensino-aprendizagem específicos sobre química, no ensino médio,
embora não seja possível definir como foram compreendidos e absorvidos os conceitos
científicos propostos para discussão neste nível de ensino.
Ao longo do curso de graduação, muitos conceitos já discutidos no ensino médio são
retomados e novos apresentados. A discussão, obviamente, é mais complexa e ampla. Espera-se
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que o repertório de conceitos do aluno se amplie e qualifique e que ele adquira a “formação
generalista, sólida e abrangente”.
Entretanto, conforme indicado por Zucco et al., (1999), ao discutir as diretrizes para os
currículos dos cursos de química;
Os currículos vigentes estão transbordando de conteúdos informativos em flagrante prejuízo aos
formativos, fazendo com que o estudante saia dos cursos de graduação com "conhecimentos" já
desatualizados e não suficientes para uma ação interativa e responsável na sociedade, seja como
profissional, seja como cidadão.
E alertam:
Diante dessa constatação, advoga-se a necessidade de criar um novo modelo de curso superior, que
privilegie o papel e a importância do estudante no processo da aprendizagem, em que o papel do
professor, de "ensinar coisas e soluções", passe a ser "ensinar o estudante a aprender coisas e
soluções".
Assim, conforme discutido no processo de reorganização curricular desenvolvido na
UFMS, pretende-se preparar o profissional para atuar de forma independente e crítica na busca
de conhecimentos, ao longo de sua vivência profissional.
Nesse sentido, busca-se o desenvolvimento do “espírito científico”, conforme indicado por
Bachelard (1996), que em sua formação individual passaria por três estágios:

1o . O estado concreto, em que o espírito se entretém com as primeiras imagens do


fenômeno;
2o . O estado concreto-abstrato, em que o espírito acrescenta à experiência física, esquemas
geométricos e se apóia numa filosofia da simplicidade;
3o . O estado abstrato, em que o espírito adota informações voluntariamente subtraídas à intuição
do espaço real, (...) desligadas da experiência imediata e até em polêmica declarada com a
realidade primeira, sempre impura, sempre informe.

E ainda,

(…) é no âmago do próprio ato de conhecer que aparecem, por u ma espécie de imperativo
funcional, lentidões e conflitos. É aí que aparecem causas de estagnação e até de regressão, causade
inércia às quais daremos o nome de obstáculos epistemológicos.

O autor indica obstáculos epistemológicos, a interferirem na apropriação do conhecimento


pelo individuo.
Deste modo, buscamos respostas para a seguinte questão: Como os alunos dos cursos de
Química da UFMS evoluem no sentido de articular seu repertório de conceitos numa atitude que
manifeste “espírito científico” ?
Para obter dados para reflexão sobre a evolução do aluno, ao longo do curso de
graduação, com relação à aquisição de conceitos, sua articulação e o desenvolvimento de
“espírito científico”, realizamos uma pesquisa buscando as explicações dos alunos dos cursos de
Química com relação ao processo da liberação de dióxido de carbono a partir da água mineral,
em temperaturas diferentes.

UFPR, 21 a 24 de julho de 2008. Curitiba/PR.


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A escolha do foco da pesquisa – a liberação de gás de água mineral – ocorreu devido a


uma experiência didática desenvolvida em aulas de química geral onde o fenômeno foi
apresentado e discutido com os alunos, mas sem qualquer sistematização.
As justificativas apresentadas indicaram uma análise superficial do evento. Na época,
ponderamos, que a causa para a pouca articulação de conceitos por parte dos alunos, relacionava-
se a não terem ainda vivido o currículo do curso, o que esperávamos os subsidiaria para análises
mais abrangentes. Mas, repetida a experiência, não foi observado desempenho diferente entre
alunos das séries finais do curso. Alunos da 4a série não apresentavam explicações amplas que
articulassem todos os conceitos já discutidos no curso e, que os mesmos, se surpreenderam com
as explicações científicas apresentadas pelo professor.
Surgiu, daí, o interesse em sistematizar essas observações, desenvolvendo uma pesquisa
com os seguintes objetivos:
- Identificar os conceitos utilizados pelos estudantes das diversas séries dos cursos de
Química – UFMS, em suas explicações, para este processo;
- Refletir sobre as articulações de conceitos desenvolvidas pelos estudantes de cada série
em função dos subsídios fornecidos pelas disciplinas curriculares;
- Subsidiar a reflexão sobre o currículo dos cursos.
Ao propor a análise de um fenômeno comum, mas não diretamente discutido nas
disciplinas curriculares dos cursos, buscou-se a manifestação dos alunos com relação ao
repertório de conceitos, científicos ou não, utilizados para explicá- lo.
O desenvolvimento da atividade no contexto acadêmico, provavelmente influenciaria os
participantes a buscar explicações coerentes com os conhecimentos adquiridos no sistema formal
de ensino, que foi o foco da pesquisa.
A escolha da situação a ser analisada pelos alunos, não pode ser caracterizada como uma
“situação-problema” geradora de “conflito cognitivo”, pois o fenômeno não oferece contradição
com o esperado pelos alunos. Ou seja, o fenômeno observado já é uma situação comum do
cotidiano.
O processo para liberação de gás e água, que ocorre quando uma garrafa de água mineral
é aberta à temperatura ambiente (25ºC) (sistema I) e à temperatura menor (5ºC) (sistema II),
envolve um estado de equilíbrio conforme representado abaixo :

CO2 (g) CO2 (aq) + H2 O (l) H + (aq) + HCO3 -(aq)

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A solubilidade do CO2 em água é inversamente proporcional à temperatura, verificando-


se que, nas condições em que foi realizada a experiência, aumenta de 0,14g/100g (sistema I) para
0,28g/100g de água (sistema II) (WEAST, 1987).
A menor solubilidade do CO2 , na água a temperatura ambiente (25ºC), desloca mais o
equilíbrio no sentido da liberação de gás, gerando maior pressão no sistema I, em relação ao
sistema II. Com a abertura repentina das garrafas, e a conseqüente equalização entre a pressão
interna dos sistemas e a pressão externa, verifica-se maior liberação do gás da garrafa ma ntida à
temperatura ambiente (sistema I) acompanhada de projeção tumultuosa da água/gás do seu
interior.
A influência da temperatura também é facilmente observável quando comparamos, em
nosso dia-a-dia, a liberação de gás, em bebidas gaseificadas, em situações onde o sistema está
em temperatura ambiente ou resfriado. Sendo inclusive maior o cuidado com a projeção de
materiais, quando da abertura de garrafa que não estejam resfriadas.
Este processo de liberação de gás pode também ser constatado, pela alteração no sabor da
bebida, verificado ao deixarmos uma garrafa de refrigerante ou água mineral aberta, em
diferentes temperaturas.
Barrio e Izquierdo (2003) propuseram atividades relacionadas com água gasosa visando
permitir aos alunos uma melhor compreensão e interpretação do meio que os rodeia, e dos
fenômenos que aí ocorrem. Consideraram que há uma oportunidade concreta de aplicação do
conceito de equilíbrio químico nesta situação da vida cotidiana. Referindo-se ao sistema de água
gasosa, estes autores perguntam: “Será que é simples ou esconde alguma carta na manga?”
Assim, este fenômeno observável facilmente em nosso cotidiano apresenta a
oportunidade para discussão de diversos conceitos fundamentais em química.
No currículo dos cursos de química da UFMS, o conceito de equilíbrio é discutido
prioritariamente nas matérias de Química Geral, Química Analítica e Química Ambiental (neste
caso especificamente com relação ao equilíbrio do CO2 em água) e Físico-Química. Em outras
situações é abordado conforme a necessidade, mas já considerado como tema discutido.

Metodologia
A metodologia de coleta de dados consistiu em apresentar, em sala de aula, aos alunos de
cada série, a seguinte demonstração:
Duas garrafas de água mineral gasosa foram apresentadas aos alunos, sendo indicado que
uma estava à temperatura ambiente, em torno de 25 ºC e outra, mantida esfriada, em torno de 5º
C, por gelo contido em recipiente, tipo isopor. Os alunos foram informados que o gás presente

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nos sistemas era o dióxido de carbono (CO2 ) e que as garrafas encontravam-se lacradas. Em
seguida, as garrafas foram destampadas repentinamente, ficando evidente a diferença de
quantidade e da velocidade de liberação dos materiais (água e CO2 ) projetados de ambas.
Solicitou-se aos alunos que explicassem o fenômeno observado registrando na forma de
redação e que indicassem três palavras chave relacionadas com sua interpretação.
Participaram da pesquisa 80 alunos dos cursos de Química (Licenciatura e Bacharelado)
da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS), sendo 23, 30, 20 e 7 alunos
respectivamente das 4 séries do curso. A aplicação foi realizada em março/abril de 2006. Como
os alunos estavam no início da série em que estão matriculados, consideramos que o repertório
de conceitos foi adquirido até a série anterior, e no caso dos alunos da 1º série, no ensino médio.
Os dados obtidos com relação às palavras-chave foram agrupados por palavra e as
explicações relatadas nas redações agrupadas em categorias. Para verificar possíveis associações
entre as variáveis de estudo, foi utilizado o Teste Qui-quadrado ou de Fisher, ao nível de
significância de 5%.
A interpretação do fenômeno articula os diversos níveis de abordagem da química. No
macroscópico, envolvendo a descrição do fenômeno observado e no microscópico, a explicação
em nível atômico–molecular, utilizando ou não representações simbólicas das equações
químicas.

Resultados e Discussão
As palavras chave, Temperatura e Pressão, foram as mais indicadas pelos alunos de todas
as séries (Tabela 1). Outras palavras citadas não configuraram uma tendência entre os
respondentes.
O termo equilíbrio foi mencionado apenas por 4 alunos, na 1a e 2a séries e solubilidade
por 12, sendo a maioria das 3a e 4a séries. Houve grande variedade de palavras chave, sendo que
33 foram citadas por apenas um aluno, e muitas não estavam atreladas a conceitos científicos.
As explicações sobre o fenômeno observado, registradas nas redações, foram analisadas e
categorizadas conforme Tabela 2. As categorias foram estabelecidas em função das
convergências observadas no discurso dos alunos.
Todos os alunos participantes, relacionaram o aumento da temperatura à liberação mais
intensa de gás/água e forneceram explicações para esta relação de causa e efeito. Entretanto nem
sempre descreveram o fenômeno microscopicamente, referindo-se como: “maior velocidade de
liberação do gás”, “maior liberação de gás”, ”maior borbulhamento”, “maior formação de

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bolhas”, “derrame de água”, “maior tendência de escape do gás”, “vazamento de água”,


“explosão”.

Tabela 1- Palavras chave indicadas por alunos (N) por série dos cursos. Química – UFMS (1996)

Palavras-chave 1a N=23 2a N=30 3a N=20 4a N=7 Total


Temperatura 19 22 16 6 63
Pressão 14 14 11 5 54
Solubilidade 0 5 6 1 12
Volume 2 4 3 1 10
Gases 4 4 3 2 13
Movimento molecular 5 3 1 1 10
Energia Cinética 0 6 1 1 8
Movimento 2 2 0 0 4
Equilíbrio 2 2 0 0 4
CO2 2 0 0 1 3
Velocidade 0 3 0 0 3
Reação 2 0 1 0 3
Fermentação 1 0 0 1 2
Citada por um aluno 1 15 9 7 2 33
1
Palavras citadas por apenas um aluno: difusão, efusão, pressão de vapor, irreversibilidade, superfície de contato,
diluição, expansão, entalpia, deslocamento, solução, estabilidade, potencial químico, dissolvido, interação,
evaporação, grandezas diretamente/ inversamente proporcionais, energia, desprende, escape, movimento, ambiente,
rápida, vazamento, organização, líquidos gaseificados.

Tabela 2 – Percentagem de alunos em cada série do curso por fatores mencionados para explicar a liberação
de gás com a variação da temperatura. Química – UFMS (1996)
Série N (%)
3 a
Explicações 1 23 (28,7) 2 30 (37,5) 3 20 (25,0) 4a 7 (8,8)
a a
Total 80
Pressão1 11 (47,8) 10 (33,3) 8 (40,0) 4 (57,1) 33 (41,3)

Mov. moléculas1 9 (39,1) 14 (46,7) 6 (30,0) 2 (28,6) 31 (38,8)

Solubilidade gás2 2 (8,7) 7 (23,3) 11 (55,0) 1 (14,3) 21 (26,3)

Energia Cinética1 0 (0) 7 (23,3) 2 (10,0) 1 (14,3) 10 (12,5)

Eq. pressão 0 (0) 0 (0) 3 (15,0) 1 (14,3) 4 (5,0)

Volume do gás1 0 (0) 0 (0) 2 (10) 1 (14,3) 3 (3,8)

1
Referiram-se a aumento deste fator
2
Referiram-se a diminuição deste fator
3
O aluno propõe mais de uma explicação

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As explicações foram principalmente: aumento de pressão - 33 alunos (41,3%), aumento


da agitação/movimento das moléculas - 31 alunos (38,8%), diminuição da solubilidade do gás –
21 alunos (26,3%), aumento da energia cinética - 10 alunos (12,5%), equalização das pressões
interna do sistema com a pressão externa - 4 alunos (5,0%) e aumento do volume do gás - 3
alunos (3,8%).
Essas proporções foram comparadas entre si e não mostraram diferenças estatisticamente
significativas (p> 0,05).
Com relação às respostas estratificadas por séries, verificou-se que o aumento de pressão
foi a explicação mais citada nas 1a e 4a séries, aumento no movimento das moléculas na 2a e
diminuição da solubilidade do gás na 3a. As proporções das respostas foram comparadas entre as
séries e constatou-se diferença significativa (p < 0,05) somente com relação a explicação baseada
na diminuição da solubilidade do CO2 em água.
Outras explicações citadas por um ou dois alunos na 1a série foram: aumento da dilatação
da água, da velocidade de reação, da instabilidade das moléculas, da dissociação do CO2 , da
dispersão das moléculas, da concentração do CO2 e nas 2a e 3a séries: aumento na tensão do gás,
da tensão das moléculas, pressão de vapor do CO2 , do potencial químico, da interação molecular.
Nenhum aluno abordou, em suas explicações, conceitos de equilíbrio, apezar de 4 alunos
a terem mencionado como palavra chave (Tabela 1), e também nenhum aluno utilizou equações
químicas (abordagem simbólica).
Formulações matemáticas relacionadas à lei dos gases ideais foram utilizadas por
somente 14 alunos (17,5%) em suas explicações. Referências ao comportamento dos sistemas
em nível microscópico foram identificadas respectivamente em cada série: 69,6%, 56,7%, 55,0%
e 28,6%, configurando uma tendência que estatisticamente não foi significativa (p> 0,05).
Constatou-se a homogeneidade verificada na maneira de como esse fenômeno foi
observado e explicado, a despeito das disciplinas ministradas ao longo do curso.
As explicações enfatizaram variação de pressão e movimento de moléculas. A
diminuição da solubilidade do gás foi citada com maior ênfase por alunos da 3a série, fato que
pode estar relacionado com a disciplina de Química Ambiental, pois conforme relato do
professor que ministrou a disciplina, este aspecto foi discutido em diversas situações abordadas.
A maior ênfase em considerar a pressão e o movimento/agitação das moléculas pode estar
relacionada com as características macroscópicas do fenômeno. Assim, a violenta liberação do
gás/água observada ao se abrir a garrafa mantida na temperatura ambiente, em flagrante oposição
ao pequeno borbulhar verificado na garrafa resfriada, pode suscitar idéias de movimento,
velocidade, agitação e pressão, advindas da percepção dos sentidos a influenciar as conclusões,

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daí serem os principais fatores mencionados para a liberação de matéria. Pesquisas apontam para
o fato de que imagens mentais compartilham mecanismos comuns com a percepção visual, e
uma vez que estas imagens mentais são formadas, elas poderão ser analisadas pelos mecanismos
utilizados durante a percepção (KOSSLYN, 1994; PINKER, 1996), e que o ato de entendimento
de um fenômeno requer que o individuo traga seus elementos à consciência para organizá- los em
algum tipo de esquema (RAPOPORT, 1997), como um resumo, proporcionado pela experiência,
que atua extraindo informação, possibilitando o reconhecimento e generalizando significados
(MARINA,1995).
Dessa forma investigando-se o desenvolvimento do “espírito científico”, verificamos que
os alunos, de maneira geral, demonstraram estar presos a obstáculos epistemológicos relativos à
experiência primeira
(...) A experiência primeira, pitoresca, concreta, fácil, é a experiência situada antes e
acima da crítica, que capta o imediato, o subjetivo; que tem dificuldade de abandonar o pitoresco
da observação; que subordina a prática científica ao efeito das imagens; que dá grande atenção ao
que é natural; que aborda fenômenos complexos como se fossem fáceis; que tem a marca de um
empirismo evidente. Na educação em ciência, com maioria de razão, o colorido pitoresco de certas
manifestações naturais, seduzem os alunos. Tal admiração opõe-se à procura do “por que” e do
“porque não” de tais fenômenos.(SANTOS apud ANDRADE et al., 2002)

Conclusão
Concluímos que este procedimento pode ser uma valiosa ferramenta para análise e
discussão das artic ulações conceituais dos alunos das diversas séries dos cursos de Química.
Acreditamos que outros procedimentos do cotidiano podem ser pesquisados e elencados
para esta analise.
Considerando a simplicidade deste instrumento, por sua facilidade de execução, pelos
materiais de baixo custo utilizados e as possibilidades para discussão nele inerentes, julgamos
necessário amplia- lo, adicionando variantes a serem comparadas, como a adição de soluções
ácidas ou de sais que ao reagirem com carbonatos, precipitem no meio aquoso, deslocando o
equilíbrio estabelecido.
Pretende-se enfatizar a discussão com grupos de alunos, debatendo com os mesmos suas
opiniões, ampliando a manifestação de suas explicações e oportunizando uma análise mais
detalhada da articulação dos conceitos por eles estabelecida.
Consideramos que a metodologia empregada é promissora, mas a demonstração realizada
foi limitada e o fato do fenômeno (observação macroscópica) apresentar forte efeito visual pode
ter influenciado os alunos a focalizarem sua redação em descrições e não em explicações mais
criteriosa, conforme Bachelard (1996) alude aos estados concreto e concreto-abstrato, nos quais

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na simplicidade.
A constatação da homogeneidade verificada na maneira de como esse fenômeno do
cotidiano, foi observado e explicado, pelos alunos, a despeito das disciplinas ministradas ao
longo do curso, pode estar a indicar a presença do obstáculo referente à experiência primeira, na
qual a prática científica encontra-se subordinada ao efeito das imagens conforme a influência da
percepção visual, indicada por Kosslyn (1994) e Pinker (1996).
Embora a pesquisa não seja conclusiva, os dados obtidos indicam que a única diferença
significativa observada na postura científica no emprego do repertório de conceitos foi
relacionada a indicação de variação de solubilidade do gás em água, pelos alunos da 3a série.
Poder-se-ia interpretar esse comportamento como manifestação do estado abstrato da formação
do “espírito científico”, mas para tal afirmação seria necessária uma investigação mais detalhada.
Esta constatação leva às reflexões sobre o currículo dos cursos de Química da UFMS,
aqui não sendo questionados os conceitos adquir idos pelos alunos mas sim, a necessidade de
oferecer dinâmicas relacionadas a problemas reais e não formatados em moldes estritamente
acadêmicos para o desenvolvimento de estratégias de raciocínio.

Referencias
Andrade, Beatriz de A.; Zylbersztajn, Arden; Ferrari, Nadir. As analogias e metáforas no ensino
de ciências à luz da epistemologia de Gaston Bachelard. ENSAIO – Pesquisa em Educação em
Ciências, volume 2, número 2, 1 -11, dez. 2002.
UFMS. Projeto Pedagógico do curso de Química – Licenciatura e Bacharelado, 2001.
Bachelard, Gaston. A formação do espírito científico: contribuição para uma psicanálise do
conhecimento. Tradução de Estela dos Santos Abreu, 1 a Ed.Rio de Janeiro: Contraponto, 1996.
Tradução de: La formation deléspirit scientifique:contibution a une psychanalyse de la
connaissance. Paris/FRA: Librairie Philosofique J.Vrin,1938.
Barrio, Paloma, G.; Izquierdo, Emiliano, G. Recursos Didácticos: Experimentos y Ejemplos. In:
Cañon Gabriel, P. Didática de la Química y Vida Cotidiana. Madri: Ministério de Ciencia y
Tecnologia 2003,105-114.
Kosslyn, Stephen, M. Image and Brain: The Resolution of the Imagery Debate. 1 a Ed.
Cambridge (MA): The MIT Press, 1994.
Marina, José A. Teoria da Inteligência Criadora. 1 a Ed. Lisboa: Ed. Caminho, 1995.
Pinker, Steven. O Olho da Mente. In: Como a Mente Funciona. 2a Ed. São Paulo: Cia das
Letras, 1996..
Rapoport, Amos. Human Aspects of Urban Form: Toward a Man-Environment Approach
to Urban Form and Design. 1 a Ed. New York: Pergamon Press, 1977.
Weast, Robert, C. (Ed); Handbook of Chemistry and Physics. 68a ed. CRC; Boca Raton
(USA): 1987 - 1988.

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Zucco, César; Pessine, Francisco B. T.; Andrade, Jailson B. de. Diretrizes curriculares para os
cursos de química. Química Nova, volume 22, número 3, 454-461, mai./jun. 1999
Santos, Maria E. V. M dos. As concepções alternativas dos alunos à luz da epistemologia
bachelardiana. In: Mudança conceitual em sala de aula, um desafio pedagógico. Lisboa/POR:
Livros Horizonte, 128-164, 1991

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