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Resumo
Foi solicitado a 80 alunos, das quatro series dos Cursos de Química da UFMS, que avaliassem os
comportamentos de garrafas de água mineral (25o C e 5o C), quando repentinamente abertas; registrassem as
explicações para o fenômeno e indicassem palavras chave. Os objetivos foram: identificar os conceitos utilizados
nas explicações em função das disciplinas curriculares, para subsidiar reflexões sobre o currículo dos cursos. Apesar
do destaque para as explicações: aumento de pressão e do movimento das moléculas, e para as palavras Temperatura
e Pressão, constatou-se, por testes estatísticos, uma homogeneidade de explicações para o fenômeno. Consideramos
que a metodologia é promissora, mas o forte efeito visual (observação macroscópica) pode ter influenciado os
alunos a focarem em descrições e não em explicações mais criteriosa, segundo os estados concreto e concreto-
abstrato (Bachelard), nos quais o espírito se entretém com as primeiras imagens do fenômeno e se apóia numa
filosofia baseada na simplicidade.
Introdução
Os cursos de Química, Licenciatura e Ba charelado, da Universidade Federal de Mato
Grosso do Sul (UFMS) foram reformulados no ano de 2002. A nova estrutura implantada foi
amplamente discutida pelos docentes em seminários e debates.
O perfil dos seus egressos foi delineado levando em consideração que, em relação ao
conteúdo de Química, devem apresentar uma “formação generalista, mas sólida e abrangente
em conteúdos dos diversos campos da Química” (UFMS, 2002).
Esta característica traduz a importância em atribuir uma articulação integrada dos
conteúdos abordados, configurada formalmente na estrutura curricular.
Entretanto a estrutura disciplinar tradicional, em que se mantiveram organizados os
cursos, estimula a ação compartimentalizada dos professores em suas disciplinas, embora muitas
atividades oferecidas na universidade contribuam para a formação profissional do aluno e
possam oportunizar o relacionamento de conteúdos específicos.
Também é preciso considerar que ao ingressarem nos cursos de graduação, os alunos já
vivenciaram processos de ensino-aprendizagem específicos sobre química, no ensino médio,
embora não seja possível definir como foram compreendidos e absorvidos os conceitos
científicos propostos para discussão neste nível de ensino.
Ao longo do curso de graduação, muitos conceitos já discutidos no ensino médio são
retomados e novos apresentados. A discussão, obviamente, é mais complexa e ampla. Espera-se
Especificar a Área do trabalho
XIV Encontro Nacional de Ensino de Química (XIV ENEQ)
(EA)
que o repertório de conceitos do aluno se amplie e qualifique e que ele adquira a “formação
generalista, sólida e abrangente”.
Entretanto, conforme indicado por Zucco et al., (1999), ao discutir as diretrizes para os
currículos dos cursos de química;
Os currículos vigentes estão transbordando de conteúdos informativos em flagrante prejuízo aos
formativos, fazendo com que o estudante saia dos cursos de graduação com "conhecimentos" já
desatualizados e não suficientes para uma ação interativa e responsável na sociedade, seja como
profissional, seja como cidadão.
E alertam:
Diante dessa constatação, advoga-se a necessidade de criar um novo modelo de curso superior, que
privilegie o papel e a importância do estudante no processo da aprendizagem, em que o papel do
professor, de "ensinar coisas e soluções", passe a ser "ensinar o estudante a aprender coisas e
soluções".
Assim, conforme discutido no processo de reorganização curricular desenvolvido na
UFMS, pretende-se preparar o profissional para atuar de forma independente e crítica na busca
de conhecimentos, ao longo de sua vivência profissional.
Nesse sentido, busca-se o desenvolvimento do “espírito científico”, conforme indicado por
Bachelard (1996), que em sua formação individual passaria por três estágios:
E ainda,
(…) é no âmago do próprio ato de conhecer que aparecem, por u ma espécie de imperativo
funcional, lentidões e conflitos. É aí que aparecem causas de estagnação e até de regressão, causade
inércia às quais daremos o nome de obstáculos epistemológicos.
Metodologia
A metodologia de coleta de dados consistiu em apresentar, em sala de aula, aos alunos de
cada série, a seguinte demonstração:
Duas garrafas de água mineral gasosa foram apresentadas aos alunos, sendo indicado que
uma estava à temperatura ambiente, em torno de 25 ºC e outra, mantida esfriada, em torno de 5º
C, por gelo contido em recipiente, tipo isopor. Os alunos foram informados que o gás presente
nos sistemas era o dióxido de carbono (CO2 ) e que as garrafas encontravam-se lacradas. Em
seguida, as garrafas foram destampadas repentinamente, ficando evidente a diferença de
quantidade e da velocidade de liberação dos materiais (água e CO2 ) projetados de ambas.
Solicitou-se aos alunos que explicassem o fenômeno observado registrando na forma de
redação e que indicassem três palavras chave relacionadas com sua interpretação.
Participaram da pesquisa 80 alunos dos cursos de Química (Licenciatura e Bacharelado)
da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS), sendo 23, 30, 20 e 7 alunos
respectivamente das 4 séries do curso. A aplicação foi realizada em março/abril de 2006. Como
os alunos estavam no início da série em que estão matriculados, consideramos que o repertório
de conceitos foi adquirido até a série anterior, e no caso dos alunos da 1º série, no ensino médio.
Os dados obtidos com relação às palavras-chave foram agrupados por palavra e as
explicações relatadas nas redações agrupadas em categorias. Para verificar possíveis associações
entre as variáveis de estudo, foi utilizado o Teste Qui-quadrado ou de Fisher, ao nível de
significância de 5%.
A interpretação do fenômeno articula os diversos níveis de abordagem da química. No
macroscópico, envolvendo a descrição do fenômeno observado e no microscópico, a explicação
em nível atômico–molecular, utilizando ou não representações simbólicas das equações
químicas.
Resultados e Discussão
As palavras chave, Temperatura e Pressão, foram as mais indicadas pelos alunos de todas
as séries (Tabela 1). Outras palavras citadas não configuraram uma tendência entre os
respondentes.
O termo equilíbrio foi mencionado apenas por 4 alunos, na 1a e 2a séries e solubilidade
por 12, sendo a maioria das 3a e 4a séries. Houve grande variedade de palavras chave, sendo que
33 foram citadas por apenas um aluno, e muitas não estavam atreladas a conceitos científicos.
As explicações sobre o fenômeno observado, registradas nas redações, foram analisadas e
categorizadas conforme Tabela 2. As categorias foram estabelecidas em função das
convergências observadas no discurso dos alunos.
Todos os alunos participantes, relacionaram o aumento da temperatura à liberação mais
intensa de gás/água e forneceram explicações para esta relação de causa e efeito. Entretanto nem
sempre descreveram o fenômeno microscopicamente, referindo-se como: “maior velocidade de
liberação do gás”, “maior liberação de gás”, ”maior borbulhamento”, “maior formação de
Tabela 1- Palavras chave indicadas por alunos (N) por série dos cursos. Química – UFMS (1996)
Tabela 2 – Percentagem de alunos em cada série do curso por fatores mencionados para explicar a liberação
de gás com a variação da temperatura. Química – UFMS (1996)
Série N (%)
3 a
Explicações 1 23 (28,7) 2 30 (37,5) 3 20 (25,0) 4a 7 (8,8)
a a
Total 80
Pressão1 11 (47,8) 10 (33,3) 8 (40,0) 4 (57,1) 33 (41,3)
1
Referiram-se a aumento deste fator
2
Referiram-se a diminuição deste fator
3
O aluno propõe mais de uma explicação
daí serem os principais fatores mencionados para a liberação de matéria. Pesquisas apontam para
o fato de que imagens mentais compartilham mecanismos comuns com a percepção visual, e
uma vez que estas imagens mentais são formadas, elas poderão ser analisadas pelos mecanismos
utilizados durante a percepção (KOSSLYN, 1994; PINKER, 1996), e que o ato de entendimento
de um fenômeno requer que o individuo traga seus elementos à consciência para organizá- los em
algum tipo de esquema (RAPOPORT, 1997), como um resumo, proporcionado pela experiência,
que atua extraindo informação, possibilitando o reconhecimento e generalizando significados
(MARINA,1995).
Dessa forma investigando-se o desenvolvimento do “espírito científico”, verificamos que
os alunos, de maneira geral, demonstraram estar presos a obstáculos epistemológicos relativos à
experiência primeira
(...) A experiência primeira, pitoresca, concreta, fácil, é a experiência situada antes e
acima da crítica, que capta o imediato, o subjetivo; que tem dificuldade de abandonar o pitoresco
da observação; que subordina a prática científica ao efeito das imagens; que dá grande atenção ao
que é natural; que aborda fenômenos complexos como se fossem fáceis; que tem a marca de um
empirismo evidente. Na educação em ciência, com maioria de razão, o colorido pitoresco de certas
manifestações naturais, seduzem os alunos. Tal admiração opõe-se à procura do “por que” e do
“porque não” de tais fenômenos.(SANTOS apud ANDRADE et al., 2002)
Conclusão
Concluímos que este procedimento pode ser uma valiosa ferramenta para análise e
discussão das artic ulações conceituais dos alunos das diversas séries dos cursos de Química.
Acreditamos que outros procedimentos do cotidiano podem ser pesquisados e elencados
para esta analise.
Considerando a simplicidade deste instrumento, por sua facilidade de execução, pelos
materiais de baixo custo utilizados e as possibilidades para discussão nele inerentes, julgamos
necessário amplia- lo, adicionando variantes a serem comparadas, como a adição de soluções
ácidas ou de sais que ao reagirem com carbonatos, precipitem no meio aquoso, deslocando o
equilíbrio estabelecido.
Pretende-se enfatizar a discussão com grupos de alunos, debatendo com os mesmos suas
opiniões, ampliando a manifestação de suas explicações e oportunizando uma análise mais
detalhada da articulação dos conceitos por eles estabelecida.
Consideramos que a metodologia empregada é promissora, mas a demonstração realizada
foi limitada e o fato do fenômeno (observação macroscópica) apresentar forte efeito visual pode
ter influenciado os alunos a focalizarem sua redação em descrições e não em explicações mais
criteriosa, conforme Bachelard (1996) alude aos estados concreto e concreto-abstrato, nos quais
o espírito se entretém com as primeiras imagens do fenômeno e se apóia numa filosofia baseada
na simplicidade.
A constatação da homogeneidade verificada na maneira de como esse fenômeno do
cotidiano, foi observado e explicado, pelos alunos, a despeito das disciplinas ministradas ao
longo do curso, pode estar a indicar a presença do obstáculo referente à experiência primeira, na
qual a prática científica encontra-se subordinada ao efeito das imagens conforme a influência da
percepção visual, indicada por Kosslyn (1994) e Pinker (1996).
Embora a pesquisa não seja conclusiva, os dados obtidos indicam que a única diferença
significativa observada na postura científica no emprego do repertório de conceitos foi
relacionada a indicação de variação de solubilidade do gás em água, pelos alunos da 3a série.
Poder-se-ia interpretar esse comportamento como manifestação do estado abstrato da formação
do “espírito científico”, mas para tal afirmação seria necessária uma investigação mais detalhada.
Esta constatação leva às reflexões sobre o currículo dos cursos de Química da UFMS,
aqui não sendo questionados os conceitos adquir idos pelos alunos mas sim, a necessidade de
oferecer dinâmicas relacionadas a problemas reais e não formatados em moldes estritamente
acadêmicos para o desenvolvimento de estratégias de raciocínio.
Referencias
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