Entrevista com Especialista A entrevista com um especialista é uma ferramenta/método utilizada para compreender melhor determinada realidade. Quem busca a entrevista (entrevistador) está dentro de um contexto (seja pessoal ou profissional) em que quer conhecer melhor, seja em termos teóricos, seja entendendo as experiências pessoais de quem trabalha ou convive com trabalhos ligados ao tema, como por exemplo, o tema da memória e justiça. A entrevista pode ser estruturada (ter um roteiro de perguntas pré-estabelecidas e que seguirá à risca) ou não estruturada (o entrevistador tem liberdade para dirigir a entrevista de maneira informal podendo fazer alterações no decorrer da conversação para melhor alcançar os objetivos propostos na pesquisa. Insere-se aqui a entrevista semi-estruturada, na qual as perguntas previamente desenhadas são apenas um roteiro para o entrevistador). Em todo caso, estruturada ou não, o pesquisador deve planejar a entrevista e traçar um roteiro de perguntas de acordo com o que pretende descobrir sobre o tema, para guiar-se durante a condução da entrevista. Esta abordagem é muito utilizada, por exemplo, por jornalistas que desejam publicar matérias sobre determinado assunto que não dominam completamente. Ela também é empregada como técnica de pesquisa dentro das ciências sociais (antropologia, ciências políticas e sociologia) como ferramenta de coleta de dados para a elaboração de um estudo. Trabalhamos, por isso, com a ideia de que especialista não é apenas aquele (a) que se debruça no estudo acadêmico, realiza pesquisas ou escreve livros sobre determinado tema, mas, também, todos os sujeitos que estão inseridos dentro de determinado universo, em nosso exemplo neste caso todos aqueles que atuam ou atuaram na defesa do direito à verdade e memória, sejam os ativistas do período militar, professores/acadêmicos, familiares de presos políticos e/ou desaparecidos e etc. Por isso, propomos que diferentes atores do campo sejam ouvidos, pois o objetivo, ao se realizar uma entrevista com um especialista, é compreender determinada questão por meio do olhar de outra pessoa que conhece profundamente o assunto. Passo-a-passo da realização de entrevista 1. Dúvidas e Angústias. Identifique a situação/problema e quais as angústias dúvidas que ela traz para você. Você pode ter mais do que uma dúvida/angústia, por isso é importante que você as liste, para ajudar a clarear os próximos passos. Não há dúvida boa ou ruim, todas as dúvidas e angústias precisam ser listadas. O primeiro ponto que precisamos ter em mente quando optamos por realizar uma entrevista, é definir o que exatamente gostaríamos de saber. Qual o assunto/tema/situação, ou seja, quais as nossas dúvidas/angústias e inquietações que gostaríamos de ter respondidas? 2. O especialista Você pode encontrar alguém que possa conversar com você sobre sua dúvida/angústia através da sua rede de colegas de trabalho, amigos, por meio de uma busca na internet! Lembre-se, também, que pesquisadores e professores das Universidades e outras áreas correlatas podem estar pesquisando ou ter muito conhecimento a respeito. Busque, também, ONGs e coletivos atuantes na temática. Use a internet para te ajudar a descobrir quem são e onde estão esses profissionais. Vejamos o exemplo abaixo: Dulce participou da formação sobre Direito à Memória, Verdade e Justiça ministrada por Pedro e decidiu, como atividade final da formação, realizar uma entrevista com Lia, dirigente da organização não governamental onde a formação ocorreu, e que acompanhou a Comissão da Verdade estabelecida na UFMG. Pedro orientou Dulce que, antes de conversar com Lia, listasse algumas de suas dúvidas. Dúvidas: 1) O que é a Comissão da Verdade? 2) Qual a importância de se conhecer o que aconteceu durante a ditadura civil militar? 3) Quais os procedimentos para se criar uma Comissão da Verdade? 4) Por que se criou uma Comissão da Verdade dentro da UFMG? 5) Que atividades a Comissão da Verdade desenvolveu na UFMG? 6) O que a Comissão da Verdade da UFMG apurou? 7) Como podemos ajudar as pessoas a preservar a memória desse período? 3. Contato Definidas as angústias/dúvidas e a pessoa a ser entrevistada, entre em contato com ela para agendar a entrevista. Esse primeiro contato pode ser feito através de e-mail (como no caso acima) ou por meio de uma ligação. Independentemente de como você contatará o seu entrevistado, é importante que você se apresente dizendo quem você é, o que faz e os motivos da entrevista. Pode ser que o entrevistado peça as perguntas antes, para se preparar. Seja flexível. Você pode mandar, por exemplo, os temas gerais, se não quiser enviar as perguntas detalhadas. Exemplo: Prezada Lia, tudo bem? Sou Dulce, aluna do Professor Pedro, e como atividade final da formação na disciplina Cidadania, Estado e Justiça eu gostaria de entrevistar a senhora sobre seu trabalho e a importância da Comissão da Verdade na UFMG. Qual seria o melhor dia e horário para conversarmos? Atenciosamente; Dulce 4. Roteiro É interessante ir para a entrevista com algumas perguntas já predefinidas, ou seja, com um roteiro de questões que você gostaria que o especialista respondesse. Para isso, volte às suas dúvidas/angústias listadas no passo 1 e, a partir delas, elabore suas perguntas. Lembre-se, ainda, que a pessoa que você vai entrevistar talvez não tenha todas as respostas para as suas dúvidas/angústias e que ela talvez tenha outras coisas para lhe contar, por isso procure elaborar um roteiro que privilegie a escuta. Você pode se surpreender com o que a pessoa tem a dizer. Exemplo: 1. Apresentação Dulce. 2. Você se sente confortável em conversar comigo sobre as questões que tenho? (perceba como a entrevistada se porta e se ela se sente confortável ou demonstra alguma hesitação em conversar). 3. Tudo bem se eu tomar notas da nossa conversa? E gravar, posso? Mesmo que você concorde com a gravação e anotações, se houver algo que quiser me falar em particular, por favor me avise e eu desligarei o gravador, não tomarei notas e/ou não divulgarei a informação. 4. Por favor, me fale seu nome completo e, resumidamente, quem é você e o que você faz hoje. 5. O que é a Comissão da Verdade? 6. Quais os procedimentos para se criar uma Comissão da Verdade? 7. Por que se criou uma Comissão da Verdade dentro da UFMG? 8. Que atividades a Comissão da Verdade desenvolveu na UFMG? 9. Qual foi o seu papel dentro da Comissão da Verdade da UFMG e o que lhe motivou a participar dela? 10. Qual a importância de se conhecer o que aconteceu durante a ditadura civil militar? 11. Que atividades a Comissão da Verdade desenvolveu na UFMG? 12. O que a Comissão da Verdade da UFMG apurou? Por que é importante estabelecer uma Comissão da Verdade? 13. Como podemos sensibilizar as pessoas sobre o tema? 14. Para você qual a importância de se preservar a memória? 5. Agendamento da entrevista O especialista topou conversar e você já elaborou o seu roteiro de perguntas. O próximo passo é agendar o horário e o local para a entrevista. Dicas: • Procure um lugar no qual o especialista se sinta à vontade para conversar. Talvez ele queira receber você no próprio escritório. • Locais como cafés e bares são descontraídos e podem ser uma boa opção, mas podem dificultar a gravação da conversa ou atrapalhar conversas sobre temas mais sensíveis; caso queira gravar, procure um lugar mais calmo e silencioso. Parques ou mesmo praças podem ser uma boa opção. • Reserve tempo para a entrevista e certifique-se de que o entrevistado também terá tempo. Recomenda-se um mínimo de duas horas, pois são necessárias apresentações, um papo inicial para quebrar o gelo, desvios na conversa, perguntas de última hora, etc. Cada entrevistado tem seu ritmo. Há pessoas muito objetivas, focadas e que falam pouco, há pessoas que demoram mais para falar, gostam mais de conversar, etc. Caso você não consiga terminar a entrevista toda no mesmo dia, marque outro horário – o mais breve possível, para não perder o “momento”. Se a pessoa não vive na mesma cidade que você, há algumas opções que você pode explorar: • Tentar agendar a entrevista pessoalmente caso você saiba que ela estará na sua cidade por um ou mais dias para outro compromisso; • Ir até a cidade onde o profissional trabalha (especialmente para isso ou aproveitando outros compromissos); • Fazer a entrevista por Skype, telefone ou outro meio de comunicação à distância, usando a internet (hoje em dia há vários comunicadores instantâneos em que você também pode fazer chamadas de graça, como Whatsapp, Messenger do Facebook, Google Hangout, etc.). Caso opte pela comunicação à distância, o ideal é utilizar também o recurso de vídeo, pois ver o rosto das pessoas é sempre melhor para estabelecer uma boa conversa. A desvantagem de fazer entrevistas por telefone, pela internet ou por e-mail é que você pode perder oportunidades de conexão e interpretação que só acontecem pessoalmente – o tom de voz, a expressão corporal, o olhar, a hesitação. A opção mais limitadora é a entrevista escrita (e-mail). Caso nenhuma outra opção seja viável, é bom ter esta carta na manga, mas use-a como último recurso. A entrevista oral (presencial, pelo telefone ou outra forma de comunicação imediata) te dá a oportunidade de fazer perguntas de esclarecimento ou explorar algum ponto que tenha chamado a atenção na fala do entrevistado. Quanto mais interação você tem com o entrevistado, mais rico é o processo, e maior a chance de você conseguir obter as informações que você queria – e de descobrir outras coisas que você, talvez, nem poderia imaginar, e que podem ser muito importantes e úteis para você. 6. A entrevista Chegou o dia da entrevista, é normal que você se sinta um pouco inseguro e ansioso para realizá-la. Por isso, lembre-se de que a entrevista é um bate papo onde você realiza algumas perguntas no intuito de provocar a fala do outro. Alguns pontos precisam ser observados, conforme abaixo: • Seja pontual – aquela pessoa está doando seu tempo e conhecimento para você. • Seja respeitoso – caso haja algum constrangimento em determinado assunto, pule para outra questão. • Esteja disposto a ouvir – coloque-se em uma posição de ouvinte, procurando interferir o mínimo possível na fala da pessoa. • Comece quebrando o gelo – se apresente, explique o porquê da entrevista e convide seu entrevistado a se apresentar também. • Interaja com o especialista – ele pode abordar alguns temas e assuntos que não lhe ocorreram ao fazer o roteiro; pode ser que você não consiga imediatamente ver uma conexão entre o que ele está explicando e as suas dúvidas. Pergunte mais! Espere a pessoa terminar a explicação e se ainda tiver dúvidas, pergunte novamente. Atenção! Quando o entrevistado é alguém que já sofreu algum tipo de violência (por exemplo, tortura), ou esteve na prisão, é necessário que você leve em conta que há assuntos delicados que podem desencadear reações emocionais, por isso é necessário estar atento à linguagem que se utiliza durante a entrevista e como o entrevistado reage a cada pergunta. Caso surja alguma reação inesperada, como choro, dê tempo ao entrevistado, deixe-o falar, escute com atenção e empatia e, após isso, pergunte se está tudo bem em continuar a entrevista – diga a ele que, se ele quiser, podem parar. 7. Registro da entrevista É interessante que você faça o registro da entrevista/conversa, por meio de notas ou de gravação. Importante! Caso você queira gravar a conversa, pergunte ao especialista se você pode gravar, e se pode ou não utilizar o nome e título (cargo, função, profissão) dela caso você queira citar o conteúdo da entrevista em algum documento, atividade ou ocasião. Ofereça a possibilidade de preservar o anonimato da pessoa utilizando nomes fictícios ou mesmo o sigilo sobre uma ou mais partes da entrevista. Pode ser que, em algum momento da entrevista, a pessoa queira compartilhar alguma história ou impressão que ela não quer que você comente com ninguém, ou que sequer queira que você anote. Respeite o pedido dela e depois mantenha sua palavra e não comente com ninguém nem escreva a informação confidencial em documentos. Importante! Em geral, é necessário produzir um Termo de Consentimento Livre e Esclarecido em que os termos combinados com o especialista para a utilização e a divulgação da entrevista são determinados. O termo será assinado pelo entrevistado e pelo entrevistador. O entrevistado deve receber sua cópia do termo assinada. Há modelos de termo na internet. Toda pesquisa feita com pessoas, segundo o Comitê de Ética em pesquisas, exige esse tipo de documento, que tem efeitos legais, ou seja, gera responsabilização do entrevistador caso ele exceda os termos do acordo. Exemplo de registro da Entrevista: Entrevistador: Dulce Lima. Entrevistada: Lia Almeida. Lia relatou que se envolveu na Comissão da Verdade estabelecida na UFMG por ter frequentado a universidade durante o período da ditadura civil-militar no Brasil. O que a motivou a participar da Comissão foi a sua vontade de compreender como a repressão agiu dentro da universidade, já que ela vivenciou alguns episódios de violência durante sua graduação. Na Comissão, ela foi responsável por orientar um grupo de pesquisadores, que realizaram entrevistas com ex-presos políticos, assim como visitas de campo em locais identificados como espaços de tortura. Para ela, a Comissão da Verdade é um passo importante para o fortalecimento da democracia no país, pois ao se conhecer o passado pode-se evitar que os mesmos erros sejam cometidos novamente. Além disso, a Comissão reescreve a história do país a partir de outro prisma, mostrando que o Estado pode ser um grande violador de direitos humanos e que esses são melhores protegidos quando estamos em regimes democráticos. 8. Revisão da entrevista e anotações pessoais Depois de uma entrevista, muitas vezes nos sentimos cansados. Você pode sentir que é ‘muita informação para processar’. Isso é normal: a entrevista demanda empatia, uma certa tensão e atenção para não perder nada, para registrar o máximo possível, para fazer perguntas pertinentes, para entender o que o entrevistado está lhe contando. Diante disso, a nossa tendência inicial, logo após a entrevista, é deixar um pouco de lado as notas e o material – nossa mente precisa de tempo para internalizar aquela experiência. Durante a entrevista, você pode também ter se emocionado ou ter se sentido impactado por alguma coisa que o entrevistado lhe contou. Isso também é normal. Se sentir que precisa falar sobre isso, procure alguém de sua confiança. Lembre-se que o entrevistado pode ter contado coisas confidenciais, então mantenha seu compromisso com ele caso queira compartilhar seus sentimentos com alguém. Ainda assim, recomendamos que, assim que possível, uma vez terminada a entrevista, registre no papel todas as suas observações, impressões, dúvidas não esclarecidas, novas perguntas que surgiram, intuições, providências a tomar, encaminhamentos etc. Não confie na sua memória! Às vezes a melhor intuição que temos sobre uma questão é aquela que vem imediatamente. Registre tudo o que lhe vier à cabeça. E então, deixe de lado um pouquinho aquele conteúdo, e procure relaxar. Assim que possível, revise novamente suas notas. Pode ser que você ainda tenha alguma dúvida, ou que as suas notas não estejam tão claras e você precise esclarecer algo com o entrevistado. Neste caso, é muito importante que você o procure e esclareça suas dúvidas. Recomendamos que você escreva ou diga a ele o que entendeu e pergunte se está correto. Lembretes finais: Seja flexível! Talvez você não encontre exatamente a pessoa ideal para abordar determinado assunto. Mesmo assim, aproveite esta oportunidade e expanda seus conhecimentos sobre o tema. Seu roteiro de perguntas é um guia, não há necessidade de ficar preso somente a ele. Outras questões podem surgir durante a conversa, por isso esteja atento ao o que o especialista fala. Seu entrevistado/a pode indicar outras pessoas que atuem/trabalhem ou conheçam as questões/angústias que o levaram a realizar a entrevista, por isso peça indicações de outras pessoas com quem conversar.