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A introdução (p.

15-22)
             À p. 15 ele destaca ... “Nosso desejo explícito é a produção de um sistema de ideias que seja, ao mesmo tempo, um ponto de partida para
a apresentação de um sistema descritivo e de um sistema interpretativo da geografia.”
            À p. 16 ele continua ... “Este livro resulta sobretudo de uma antiga insatisfação do autor diante de um certo número de questões. A
primeira tem que ver com o próprio objeto do trabalho do geógrafo. A essa indagação, com frequência a resposta é busca numa interminável
discussão a respeito do que é geografia.... Discorrer, ainda que exaustivamente, sobre uma disciplina, não substitui o essencial, que é a discussão
sobre seu objeto. Na realidade, o corpus de uma disciplina é subordinado ao objeto e não o contrário. Desse modo, a discussão é sobre o espaço e
não sobre a geografia; e isto supõe o domínio do método. Falar em objeto sem falar em método pode ser apenas o anúncio de um problema, sem,
todavia, enunciá-lo. É indispensável uma preocupação ontológica, um esforço interpretativo de dentro, o que tanto contribui para identificar a
natureza do espaço, como para encontrar as categorias de estudo que permitam corretamente analisá-lo.”
            Essa tarefa supõe o encontro de conceitos, tirados da realidade, fertilizados reciprocamente por sua associação obrigatória, e tornados
capazes de utilização sobre a realidade em movimento. A isso também se pode chamar a busca de operacionalidade, um esforço constitucional e
não adjetivo, fundado num exercício de análise da história.
Comentário – Milton Santos visa a produção de um sistema de ideias, implicando descrição e interpretação, que para tanto, é
necessário focarmos no objeto da geografia, o espaço. Para ele o fundamental é o objeto, sobre o qual se funda a disciplina. Para discutir espaço
há de dominar o método. Trata-se de anunciar e enunciar. É necessária uma preocupação ontológica, um esforço interpretativo que tanto
contribua para identificar a natureza do espaço como também para encontrar as categorias de estudos que permitam analisá-lo.
            Neste ponto de partida de sua análise, Milton Santos cria uma equivalência entre método e ontologia.
            Se realizamos uma consulta num dicionário, como o Houaiss (2009) , a palavra ontologia  tem um significado que não parece ser o meio
mais adequado para  tratarmos do espaço.
            Para entendermos isto, convém termos uma diferença que Heidegger (2009) estabelece entre ser e existir. O espaço existe, mas ele não é
o ser. O ser nos remete a uma reflexão sobre por que há o ser e não o nada! Na circunscrição do ser nós temos vários existentes, incluindo o
espaço. Há o ato de ser, o espaço participa enquanto existente, assim como aquele que escreve estas linhas. Mas nem o espaço, nem o presente
escriba, detém o ato de ser.
            A impressão que se dá é que ontologia para Milton Santos é muito mais o esforço de se definir o que é espaço, mas isto não cabe à
ontologia, está mais adequado ao campo da epistemologia. Uma reflexão do conhecimento humano nos termos em que se coloca e que se
sustenta.
            Ora, quando passamos de uma discussão que não mais se referencia à ontologia e sim à epistemologia temos uma percepção menos rígida
do que possamos refletir sobre o espaço.
            Isto porque a epistemologia encontra-se afeita à discussão da ciência e sua implícita alteridade, transitoriedade e revisão.
            Em resumo, não há sentido de se ter ontologia do que é passageiro. O estudo do ser (ontologia) é sobre o que é . Mas o espaço não é, não
era, passou a ser e pode vir a desaparecer. O ato de ser precede o espaço. Ser é aquilo que é ! O espaço existe, participa do ato de ser mas não é o
próprio ser.[1]
            Agora, afora este discernimento, há um outro aspecto a ser considerado quando Milton  Santos fala em ....“Na realidade, o corpus de uma
disciplina é subordinado ao objeto e não o contrário. Desse modo, a discussão é sobre o espaço e não sobre a geografia; e isto supõe o domínio
do método. Falar em objeto sem falar em método pode ser apenas o anúncio de um problema, sem, todavia, enunciá-lo.”(p. 16)
            A repetição da frase, já indicada anteriormente, encerra um problema, a saber, o corpus de uma disciplina é subordinado ao objeto, mas
aí ... isto supõe o domínio do método!
            Recorrendo novamente ao mesmo dicionário, método tem relação com procedimento técnico ou meio de fazer. É algo operacional, não é
algo que se define por si, a rigor, pensamos nós, o que define o método a ser utilizado é o próprio objeto que consideramos para estudar, mas não
é assim que Milton Santos pensa. Ele entende que o método é que legitima uma discussão sobre a compreensão do que seja espaço.
            Inclusive, ele opera um jogo de verbos que não elucida a questão, ou seja, ele fala ... “Falar em objeto sem falar em método pode ser
apenas o anúncio de um problema, sem, todavia, enunciá-lo.” (p. 16) Anunciar ... enunciar ... dá no mesmo! Estes dois termos por ele utilizado
não são suficientes para indicar a profunda discrepância que para ele existe de se falar em objeto sem falar em método.
            Prosseguindo a leitura!
“O desafio está em separar da realidade total um campo particular, susceptível de mostrar-se autônomo e que, ao mesmo
tempo, permaneça integrado nessa realidade total. E aqui enfrentamos um outro problema importante, e que é o seguinte:
a definição de um objeto para uma disciplina e, por conseguinte, a própria delimitação e pertinência dessa disciplina
passam pela metadisciplina e não o revés. Construir o objeto de uma disciplina e construir sua metadisciplina são
operações simultâneas e conjugadas ...Uma disciplina é uma parcela autônoma, mas não independente, do saber geral. É
assim que se transcendem as realidades truncadas, as verdades parciais, mesmo sem a ambição de filosofar ou de teorizar.
(p. 17)
            O que vem a ser metadisciplina?
 Como algo que está além da disciplina faculta à pessoa desenvolver uma dada disciplina?
 Milton Santos está diante de um problema e o recurso que utiliza para saná-lo encontra-se fora da disciplina que procura promover. É factível?
            De certo modo ele segue caminho oposto ao de Richard Hartshorne (1978), este na indagação sobre a natureza da geografia adentra na
história de seu processo. Milton Santos não faz isto, inclusive na página 16 ele afirma que a discussão é sobre espaço e não sobre disciplina.
            Como é possível encontrar  o espaço, o espaço geográfico, sem estar norteado pela história da disciplina ?
            Milton Santos estabelece um diálogo com uma certa ideação do que vem a ser espaço para então chegar ao que é geografia, porém, esta
ideação está pendente de um método. Mas quem dita a trilha (o método) a ser adotada? Não é o objeto? Isto nos leva a ser norteado pelo reino do
arbitrário caso não seja as características do objeto que estabelece o método, por exemplo, se vai estudar um lago será necessário roupa de
mergulho, tendo tais tipos de informações a serem obtidas .... se o objeto for um deserto então o método .... mas não é por este prisma que Milton
Santos entende a escolha do método.
“É toda questão da pertinência que aí se instala. Para que o espaço possa aspirar a ser um ente analítico independente,
dentro do conjunto das ciências sociais, é indispensável que conceitos e instrumentos de análise pareçam dotados de
condições de coerência e de operacionalidade. Assim ao mesmo tempo demonstramos sua indispensabilidade e
legitimamos o objeto de estudo.” (p. 18)
            Já é possível perceber uma característica que marca todo o  livro que aqui analisamos, ou seja, se eu uso a palavra oaka e quero lhe
impor o significado de casa, ora, as pessoas reagirão porque entendem que a palavra casa encontra-se em seu vocabulário e a outra,  oaka,
não!  Entendeste? O que quero dizer é, se a palavra não é o que ele é em termos de designação, e ontologia é um termo muito caro à filosofia, se
Milton a usa para outros fins que ao menos a sua interpretação do que significa ontologia fosse explicita. Ainda, ...  metadisciplina  ... O que é
para ele? 
Mas ele não opera deste modo, se atendo ao significado clássico das palavras, daí porque a utilização de um renomado dicionário para
fazer o presente estudo.  Milton usa os termos, ele joga os termos! Aí fica difícil a própria compreensão do que ele escreve. Por exemplo, na
passagem imediatamente destacada ele observa – “Para que o espaço possa aspirar a ser um ente analítico independente...”  O espaço não tem
condição de aspirar nada, ele não é sujeito , por que não adotar  ....  o geógrafo, se pretende ter seu objeto como um ente... Mas não é assim que
ele procede e este procedimento não é gratuito!
Assim, palavras como ontologia, metadisciplina, espaço aspira ....  são designações que constituem a construção de um discurso de
difícil escrutínio.
            Ele definitivamente está trabalhando com uma ideação que o próprio espaço, pelo método, se auto referência.
            Em seguida, ele observa – “Nas diversas disciplinas sociais são essas categorias analíticas e esses instrumentos de análise que constituem
a centralidade do método ...” (ibidem, p. 18)
            Comentário – Milton menciona essas categorias analíticas .... mas tendo por parágrafo anterior o que já destaquei, ou seja, categorias
analíticas significando conceitos e instrumentos de análise. Ora, é sempre a noção de que o que define a geografia é o objeto que está
circunstanciado ao método, assim, o fundamental, o decisivo, é o método... Mas, o que dita o teor do método?
            Outro aspecto que chama a atenção é a caracterização da geografia enquanto ciência social .... seria mesmo? Ele trata isto como um ponto
pacífico, ora, para quem escreve sobre a Natureza do Espaço, conviria que esta definição da geografia enquanto ciência social fosse também
ponto de discussão já ao início do próprio trabalho.
            Ainda, ...  “Cada vez que um geógrafo decide trabalhar sem se preocupar previamente com o seu objeto, é como se para ele  tudo fossem
“dados”, e se entrega a um exercício cego sem  uma explicitação dos procedimentos adotados, sem regras de consistência.” (ibidem, p.  18)
            A questão é – se a cada trabalho a pessoa previamente houvesse de definir espaço, método,  ... Entendo que cada escola  há quem se
ocupe com tal tema e boa parte das pessoas vão se assenhoreando de um stablishment que de quando em quando é questionado, criticado e
revisto. Enfim, não criticaria uma produção cuja a intenção não foi o de desconhecer o objeto, ele já estava implícito, cabe sim, criticar quem por
ventura perfaz uma ideação que corrobora na constituição de uma escola. A rigor, as pessoas afeitas a esta discussão são poucas, o teor da
discussão em tela desperta interesse de poucas pessoas. Nem todos tem talento ou apetite para se assenhorear as artimanhas do processo
epistemológico de sua disciplina e atuar em consequência ao que entende ser adequado.
            Parece que a grande falta foi o de não ter adentrado na história da disciplina e por esta, a partir da epistemologia (estudo da natureza de
um dado campo de conhecimento, e não ontologia), chegar à sua contribuição.
            Ainda, “Como ponto de partida, propomos que o espaço seja definido como um conjunto indissociável de sistemas de objetos e de
sistemas de ações. Através desta ambição de sistematizar, imaginamos poder construir um quadro analítico unitário que permita ultrapassar
ambiguidades e tautologias.” (p. 18)
            Novamente adentramos no grave problema das palavras, o que elas designam. Se não tivermos apreço por esta forma de
comunicação, esta se torna inviável. Enfim, o que é sistema para Milton Santos? Usualmente no campo da história do pensamento geográfico o
sistema, a visão sistêmica, era constitutiva da geografia quantitativa.
            Ademais, sistema de objetos e  ações ... uma maneira de ver  bastante limitadora quanto  ao teor da  dinâmica dos processos espaciais, ou
seja, objetos e ações ...  A rigor, tanta o os objetos quanto as ações são desdobramentos, resultados, que em outro momento torna-me se
resultantes.
            Não parece que espaço venha a ser só objeto e ação.  Naturalmente  que assumindo  a dinâmica espacial  enquanto sistema, o que fica são
os objetos e ações. Mas as críticas à visão sistêmica decorreram justamente de ter um caráter limitador.
            Há toda uma simbologia,  uma espiritualidade que norteia os processos sociais sem serem passíveis de serem diagnosticados por uma
visão sistêmica. Por exemplo, a morte! A pulsão da morte, a reflexão sobre a mesma, o modo como inquieta, nos deixa paralisado ou em
movimento, .... não dá para tratar disto na base de objetos e ações. A morte ou a ausência dela forja outros objetos e ações que vão além do
próprio objetos e ações. Outro exemplo, a poesia, esta só existe só no papel? Não existe também numa paisagem como a do Rio de Janeiro?
            Na p.  19 Milton Santos observa ... “A  partir da noção de espaço como um  conjunto indissociável de sistemas de objetos e sistemas de
ações podemos reconhecer suas categorias analíticas internas. Entre elas, estão a paisagem, a configuração territorial, a divisão territorial do
trabalho, o espaço produzido ou  produtivo, as rugosidades e as formas-conteúdo. Da mesma maneira, e com  o mesmo ponto de partida,
levanta-se a questão dos recortes espaciais, propondo debates de problemas como o da região e o do lugar; o das redes e das  escalas.
Paralelamente, impõem-se a realidade do meio com seus diversos conteúdos em artifício e a complementaridade entre uma tecnoesfera e uma
psicoesfera. E do mesmo passo podemos propor a questão da racionalidade do espaço como conceito histórico atual e fruto, ao mesmo tempo, da
emergência das  redes e do processo de globalização. O conteúdo geográfico do cotidiano também se inclui entre esses conceitos constitutivos e
operacionais, próprios à realidade do espaço geográfico, junto à questão de uma ordem mundial e de uma ordem local.”
            Comentário – espaço enquanto noção, noção de um conjunto indissociável de sistemas, sistemas de objetos e de ações, enseja um
reconhecimento das categorias analíticas internas. Da noção para as categorias .... o que é noção ?
            Recorrendo novamente ao dicionário Houaiss (2009), este assinala que noção vem a ser conhecimento imediato, intuitivo (como de fato
imaginava, ou seja, noção pressupõe um  visão embrionária, momentânea) agora , e categoria ? Em termos filosóficos tem a ver com conceito.
Enfim, da noção ao conceito. Ainda, esta passagem da noção ao conceito é mediada pela noção de conjunto de sistemas de objetos e ações
interligados. Bom, estamos diante de um problema,  ou descoberta, a saber, se o acesso às categorias são mediadas pela noção de espaço
enquanto conjunto de sistemas de objetos e ações, logo, a revelação das categorias está subordinada às ações e aos objetos encontrados; mas, o
espaço é só isto, e a poesia etc. ?
            Em resumo, a noção de sistema de ações e objetos reduz o campo de acesso do pesquisador às categorias de análise na geografia.
            Continuando,  entre as categorias analíticas , nós temos, a paisagem, a configuração territorial,  a divisão territorial  do
trabalho ,  o espaço produzido ou produtivo,  as rugosidades e  as formas – conteúdo .... faltou alguma coisa?
            A  não prefixação do que significa paisagem  e sua diferença para configuração territorial e desta para o espaço produzido (ou
produtivo), deste para a divisão territorial do trabalho, por fim, isto tudo diferente de rugosidades e as formas-conteúdo (se fossem iguais não
haveria tanta abundancia de termos)  ....torna o trabalho do pesquisador que utiliza sua linha de pensamento um tanto  perdido.
            Prosseguindo, da mesma maneira (p. 19) ... maneira em relação a quê ? Seriam também categorias analíticas ? Pressupondo que sim (da
mesma maneira) há os  recortes espaciais, que enseja debates relacionados à região e lugar, redes e escalas. Ora, é da mesma maneira, mas não é
da mesma maneira, ou seja, paisagem etc. tem  relação ao  conteúdo ,  recortes (região etc.) tem relação com método de análise deste conteúdo.
Esta “Da mesma maneira” mais confunde do que esclarece.
            Prosseguindo, não sendo mais “Da mesma maneira” ,  agora temos “paralelamente , impõem-se” Novamente impem-se uma constatação
de que não há nada paralelo, ou seja, ele menciona “do meio com seus diversos conteúdos em artifício e a complementaridade entre
uma  tecnosesfera e uma psicoesfera” . Ora, este meio não vem a ser “a paisagem, a configuração territorial, a divisão territorial do trabalho, o
espaço produzido ou produtivo , as rugosidades e as formas  - conteúdo” ? Se é por  que não ficou logo no início, se não é , então temos uma
paisagem, um paralelo e além do paralelo.
A pergunta é – que estrutura da realidade Milton Santos tem  em conta para dizer o que está dizendo ? Parece que  não há estrutura da
realidade para ele, este espaço onde pegamos ônibus e vamos  ao cinema. Há no Milton Santos ideação do que seja espaço. Esta ideação
se  confirma quando de um lado ele nos remete ao sistema de objetos e ações para depois falar em “complementaridade entre uma tecnoesfera e
uma psicoesfera”. Ora, sistema de ações e objetos não pressupõe psicoesfera!
            Ao término da p. 19 ele acrescenta – “A coerência interna da construção teórica depende do grau de representatividade dos elementos
analíticos ante o objeto estudado. Em outras palavras, as categorias de análise , formando sistema, devem esposar o conteúdo existencial, isto é ,
devem refletir a própria ontologia do espaço, a partir de estruturas internas a ele. A coerência externa se dá por intermédio das estruturas
exteriores consideradas abrangentes e que definem a sociedade e o planeta, tomados como noções comuns a toda a História e a todas as
disciplinas sociais e sem as quais o entendimento das categorias analíticas internas seria impossível.”
            “A coerência interna da construção teórica depende do grau de representatividades dos elementos analíticos ante o objeto estudado.”
Uma  frase que não merece nenhum reparo, agora, ele acrescenta “... as categorias de análise, formando sistema, devem esposar o conteúdo
existencial” ,  então se tem um pressuposto, a saber, o conteúdo existencial é um sistema! Ainda, as categorias de análise (que formam sistema)
há de refletir a própria ontologia do espaço, assim .... espaço é sistema !  Mas isto na perspectiva da coerência interna.
            Já pela coerência externa, temos, segundo Milton Santos, sua realização via estruturas exteriores abrangentes que definem a sociedade e o
planeta , tomadas como noções comuns a toda História e as disciplinas sociais ... coerência externa via .... como conclusão ... a totalidade de tudo
que ai está! Mas, o que é isto ? Como aferir uma coerência (no caso externa) em termos tão vagos ?
            Na p. 20 há um  problema, a saber, ele começa escrevendo – “A centralidade da técnica reúne as categorias internas e externas,
permitindo empiricamente assimilar coerência externa e coerência interna.”
            Qual o problema ? Em todo o texto em momento algum ele fala em categoria analítica externa. Mas sim categoria analítica interna. O que
é isto ? Categoria analítica externa ? Ele coloca a técnica como elemento central, a técnica reunindo partes para os quais ele não introduz o leitor
sobre o seu significado. Como a técnica pode ser central na reunião de categorias se uma das partes não nos foi previamente apresentada ?
            Continuando o parágrafo, ele observa – “A técnica deve ser vista sob um tríplice aspecto : como reveladora da produção histórica da
realidade; como inspiradora de um método unitário (afastando dualismos e ambiguidades) e, finalmente, como garantia da  conquista do futuro,
desde que não nos deixemos ofuscar pelas técnicas particulares, e sejamos guiados, em nosso método, pelo fenômeno técnico visto
filosoficamente , isto é , como um todo.” (p. 20)
            A elaboração teórica do Milton Santos fica cada vez mais complicada. Se antes era o sistema, agora é a técnica ... o que mais nos espera?
O que é o centro do centro em seu pensamento? É o sistema? A técnica?
            Sistema é técnica? Técnica é sistema?
            Ora, se por ventura, esquecermos , mesmo que por um breve momento, a perspectiva do sistema como ele fez ao início de seu texto , para
então só nos ocuparmos com a técnica ... Ainda, mesmo se  esquecendo que para Milton a técnica reúne duas categorias (sendo que uma delas ele
não apresentou previamente) ... cabe ainda indagar – a técnica pode ser tudo isto que ele aponta ? Ou seja, reveladora da produção histórica da
realidade (perspectiva perfeitamente factível), ainda, inspiradora de um método unitário (afastando dualismos e ambiguidades) ... como inspira?
Como conquista do futuro .... faltou alguma coisa?
            A técnica para ele é o quê? Técnica inspira método?  Técnica é um desdobramento, uma consecução, uma resultante, se se quer
compreender a técnica adentre nos pressupostos que a antecederam.
            Parece que para Milton Santos a ontologia do espaço é a técnica no, pelo, para o espaço. E a questão do sistema
            Na página 20 consta –
“A partir de tais premissas, este livro deseja ser uma contribuição geográfica à produção de uma teoria social crítica, e em
sua construção privilegiamos quatro momentos. No primeiro, tentamos trabalhar com as noções fundadoras do ser do
espaço, susceptíveis de ajudar a encontrar sua busca da ontologia: a técnica, o tempo, a intencionalidade, materializados
nos objetos e ações. No segundo momento ....
            Definitivamente, o pensamento do Milton Santos, ao longo da redação do presente texto em análise mostra-se plástico, moldável, ele se
amplia , o que gera  uma certa incerteza no que ele mesmo quer afirmar, senão, vejamos – ele visa alcançar uma teoria social crítica, elaborada
em quatro momentos, sendo que o primeiro está apoiado numa ontologia do espaço que corresponde a tempo , intencionalidade materializados
nos objetos e ações. Ou seja, tudo aquilo que aqui analisamos diz respeito a um único momento, dentro de mais três. Ele chega ao término de sua
introdução, a ocorrer na página 22, deixando ao leitor a surpresa de entender que tudo o que fez para entendê-lo corresponde a um dos quatros
momentos. Em vez das linhas acima destacadas virem logo ao início da introdução , de modo a tornar a pessoa ciente do projeto que orienta o
autor, elas só chegam ao término da introdução.
            O que pensar ?
            Aprendi com Karl Marx que uma coisa é o processo de investigação e outra bem diferente é o processo de redação, ou seja, não é factível
uma redação ter a mesma dinâmica que o processo investigação. Parece que a redação de Milton Santos não seguiu este critério, ou seja, à
medida que pensava escrevia de tal modo que a redação acompanhou o processo de evolução do pensamento.
            Continuando ...
“... No segundo  momento, retomamos a questão ontológica , considerando o espaço como forma-conteúdo. No
terceiro momento, as noções acima estabelecidas são revisitadas à luz do presente  histórico, para aprendermos a
constituição atual do espaço e surpreendemos a emergência de conceitos, cujo sistema é aberto, e cuja dialética,
nas condições atuais do mundo, repousa na forma hegemônica e nas demais formas de racionalidade. No quarto
momento, o reconhecimento de racionalidades concorrentes, em face da racionalidade dominante, revela as novas
perspectivas de método e de ação, autorizando mudanças de perspectivas quanto à evolução espacial e social e
aconselhando mudanças na epistemologia da geografia e das ciências sociais como um todo.
Esses quatros darão as quatro grandes divisões, cuja arquitetura prevê quinze capítulos.” (p. 20)
             Eis o plano do trabalho, agora, se a dedicação sobretudo ao primeiro momento, expressa na redação da introdução, decorre do seu caráter
estratégico para a exposição, por que Milton Santos  trata de forma tão ligeira os três momentos seguintes? Poder-se-ia, ao menos, explicitar de
que forma a questão do objeto e ação (primeiro momento) se articulam à forma-conteúdo (segundo momento). Ainda , no quarto momento,
racionalidade dominante .... racionalidade concorrente ... (uma espécie de luta de classe dita de outra forma) ... por que isto só aparece ao término
da introdução ?
 Primeira parte – uma ontologia do espaço : noções fundadoras (p. 23-88)
Capítulo 1 – as técnicas, o tempo e o espaço geográfico (p. 25-49)
            Assim começa – “É por demais sabido que a principal forma de relação entre o homem e a natureza, ou melhor, entre o homem e o meio ,
é dada pela técnica ...”
            Ora , se eu tivesse afirmado .... a principal forma de relação entre o homem e a natureza, ou melhor, entre o homem e o meio , é dada pela
morte ! Ou seja, nós seres humanos somos teleológicos, buscamos fins, ao fim e ao cabo o que nos inquieta é a nossa fabilidade. Somos falíveis,
perecíveis, e a nossa relação com o entorno tem esta marca.
            Ou ainda, é sabido que a principal forma de relação entre .... por que sabido? Quem o fez saber o que ele sabe? Milton adota critérios para
se valer da técnica como elemento que norteia a relação com o meio, mas ele não pode simplesmente dizer .... como é sabido ... Parece estarmos
diante de uma lei da gravidade!
            Enfim, entre homem e meio não há determinação! No momento que se opta pela técnica, perspectiva legítima, há de se introduzir o tema,
ao menos, afirmando, olha ... na minha perspectiva a técnica é ...
            Ainda, ele assinala que a técnica são técnicas que são um conjunto de meios com o quais realiza a vida. Ora, antes do arsenal técnico,
existe a indagação, a preocupação, a inventividade, a técnica em si não é suficiente!
            Retire a alma de um povo e a técnica perde todo o valor; por exemplo, os incas, maias e astecas, civilizações americanas avançadas ao seu
tempo, mas quando os espanhóis lá aportaram o apogeu já não era mais o mesmo.  A técnica continuava existindo, mas o ânimo, a força moral, a
justificativa dos atos já esmorecia, assim, perderam a guerra diante de um grupo tão minoritário representado pelos espanhóis.
            No item – A negligência com as técnicas (p. 25-32) – começa afirmando de forma bem razoável, a saber, que nos estudos das técnicas
“...esse  fenômeno é freqüentemente analisado como se a técnica não fosse parte do território, um elemento de sua constituição e da sua
transformação”. (p. 25). Em seguida ele começa a elaborar um valioso levantamento sobre o tema e muito particularmente como a geografia
chegou, ou não, a tratar do tema. Ao longo da redação, ele vai elaborando uma dada percepção, valiosa, de que forma a questão da técnica há de
ser incorporada pela geografia.
            Não houvesse o livro iniciado pela forma como foi, tipo .... ontologia do espaço ..., mas se propusesse ser uma reflexão sobre o espaço a
partir da consideração da técnica, estaria assim traçado um campo mais limitado, certamente, mas não tornaria o trabalho alvo de incompreensão!
Ou seja, a propriedade de se analisar a questão da relação espaço x técnica é primorosa, inquestionável, de grande valia; porém, quando a mesma
vem precedida por um discurso ... olha, o assunto aqui é ontologia do espaço ... 
            Nesta parte do trabalho, o da relação espaço x técnica, caberia uma consideração de que forma Milton Santos a realiza; porém,
consideração crítica sobre tal relação não a farei porque tenho muito o que aprender com ele sobre o tema. Cabendo a outros fazer. Quando, por
exemplo, realizava meu curso de doutorado na UFRJ (1995-1998), um colega chamou-me a atenção da diferença/conflito entre ele e outros
autores como David Harvey e Edward Soja. Aí é briga de gende grande. Enfim, o que pontuo aqui são observações a partir do que o próprio
texto sugere à pessoa refletir. A abertura do livro, sua introdução, coloca a envergadura da obra num patamar, mas ao curso dos capítulos
seguintes temos itens muito mais bem amarrados, como é o caso deste capítulo referente à técnica e território. Tenho a impressão que a obra – A
natureza do espaço – é uma obra inacabada, incompleta! Sigamos!
            Na página 39 há uma reflexão interessante, a saber: “De um modo geral, é por falta de uma epistemologia, claramente expressa, que a
própria geografia tem dificuldade para participar em um debate filosófico e interdisciplinar. Ao nosso ver, essa é a razão pela qual especialistas
de outras disciplinas, não sabendo claramente o que fazem os geógrafos, renunciam a incluí-la nos seus próprios debates. O que faz falta, aliás,
seria uma metadisciplina da geografia, que se inspire na técnica, isto é, no fenômeno técnico e não nas técnicas, na tecnologia”.
            Bom, esta crítica da geografia padecer de uma lacuna epistemológica a escuto desde a graduação. Parece-me que está na hora de
colocarmos isto em dúvida.
            Reparem que, até onde sei, um biólogo tem pouca preocupação epistemológica com seu objeto de estudo, nem por isto o biólogo deixa de
ser convocado naquilo que é próprio de sua área. Enfim, ao contrário da biologia, o que se nota na geografia não é tanto uma carência
epistemológica ... mas sim que nosso campo de estudo e trabalho vem sucessivamente invadido por outras áreas. A geografia de Humboldt,
concebida à época,  ia desde o sistema solar até as característica do solo. E este espectro veio a ser paulatinamente tomado por várias
especialidades. Mais ou menos isto se deu com a filosofia; à época do pensamento clássico grego, o filósofo também era cientista, o discurso
sobre o ser não o eximia do senso de estrutura da realidade tal qual se apresentava, um exemplo deste perfil é Aristóteles. Porém, com  o tempo. a
ciência se distancia da filosofia (refiro-me ao século XIX)! O cientificismo ficou em voga !
            Enfim, não responsabilizaria, no caso da geografia, a carência da epistemologia ...  como se a pouca expressão da geografia decorresse
de  um processo interno da disciplina, que não fez um dado dever de casa num dado momento.
Entendo que há elementos históricos que tornaram a geografia afeita a algo cada vez mais semífluo, superficial como a própria
descrição da superfície da terra. Se lemos, por exemplo, Geographia dell’uomo de Friedrich Ratzel (versão italiano) (1898) fica claro o quanto de
teoria o mesmo dominava! O mesmo podemos falar de Vidal de La Blache.
De qualquer forma, a consideração de Milton Santos de que a ausência da geografia no debate sobre técnica fez com que uma visão
espacial da mesma ficasse faltando é extremamente pertinente. Agora, achar que esta ausência da geografia na discussão decorra de uma carência
epistemológica .... sinceramente, vejo isto muito mais como sintoma do que causa, ou seja, à medida que a geografia veio a ser “encostada” por
outros campos de saber, sua elaboração teórica empobreceu. Enfim, ao contrário do que Milton Santos observa, entre outros, assinalo a
necessidade de acompanharmos a evolução histórica de nossa disciplina e como esta veio a ser traduzida, tragada, diminuída ao longo da
proliferação científica ao longo do século XIX. Nos falta uma arqueologia do saber geográfico!

Capítulo 2 – O Espaço: sistemas de objetos, sistemas de ação (p. 50-71)


 Já no capítulo dois do livro, há um começo pelo qual se tem definição de sistema... (repare que ele começa definição do espaço enquanto
sistema, tal como o fez na introdução do livro, porém, em vez do tema, espaço-sistema, compor logo o primeiro capítulo, ele fica no segundo,
por que?
A rigor, a noção precede a noção de tecnologia, porém esta, no curso da redação do livro vem em primeiro. Acaso, sistema é
uma tecnologia? O espaço não passa de uma tecnologia? Sendo afirmativas as respostas, não se subtrai do espaço uma noção cultural do
mesmo?
Ainda, o capítulo 1, sobre tecnologia, assim como o capítulo 2, do sistema, estão inseridos na Parte 1 do trabalho intitulado Uma
ontologia do espaço: noções fundadoras. Ora, ontologia de algo cuja noção fundamental é técnica, procede? Afinal, o que é ontologia para ele?
Ele não se deu o trabalho de explicitar isto num momento crucial de seu livro. Este proceder abre espaço para o arbitrário, a não definição nos
leva a sucessivos alargamentos do sentido que suas palavras podem ter.

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