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01/2010 Boletim Direito Público Notadez

Maio de 2010

Boletim

Sumário:

DOUTRINA

- Composição Jurídica Para Aproveitamento de Recursos Hídricos


Transnacionais: O Caso do Tratado de Cooperação Amazônica
Mário Jorge Philocreon Castro Lima e Thiago Pires Oliveira 01/2010 002
- Uma Breve Reflexão Acerca dos Fundamentos Constitucionais da
Tributação dos Serviços Públicos
Phillip Gil França 01/2010 019
- Responsabilidade Civil Por Dano Moral Ambiental
José Augusto Delgado 01/2010 027

JURISPRUDÊNCIA

- Recurso Ordinário em Mandado de Segurança - Administrativo.


Licitação - Anulação. Recurso Provido - STJ 01/2010 050
- Constitucional. Administrativo. Comercial. Societário. Normas locais
que Estabelecem a Participação Obrigatória de Empregados de Em-
presas Públicas, Sociedades de Economia Mista e Fundações nos Res-
pectivos Órgãos de Gestão (Conselhos de Administração e Fiscal e
Diretoria) 01/2010 057

Notícias Relevantes 01/2010 062


Ementario 01/2010 062
Boletim Direito Público Notadez

COMPOSIÇÃO JURÍDICA PARA APROVEITAMENTO DE RECURSOS


HÍDRICOS TRANSNACIONAIS: O CASO DO TRATADO DE
COOPERAÇÃO AMAZÔNICA
Mário Jorge Philocreon Castro Lima
Professor Adjunto da Faculdade de Direito da Universidade
Federal da Bahia (UFBA). Doutor em Direito pela Universi-
dade Federal de Pernambuco (UFPE)

Thiago Pires Oliveira


Professor substituto da Faculdade de Direito da Universidade
Federal da Bahia (UFBA). Assessor Jurídico Chefe da Superin-
tendência de Meio Ambiente do Município do Salvador.

SUMÁRIO: 1. Introdução – 2. Definições Normativas para Águas e Recursos Hídricos no Brasil e


Convenções Internacionais – 3. Os Conflitos sobre Cursos de Água Internacionais – 4. As Soluções
de Controvérsias para Cursos de Água e Aproveitamento de Recursos Hídricos Transnacionais – 5.
Sistema Regulatório Brasileiro de Recursos Hídricos – 6. Recursos Hídricos no Tratado de Cooperação
Amazônica – 7. Conclusões – 8. Referências Bibliográficas

Resumo: O artigo discorre sobre a composição de soluções jurídicas formuladas entre Estados soberanos,
para ajustar o aproveitamento de recursos hídricos que demandam a participação plutilateral das unidades
estatais interessadas, em razão da transnacionalidade de mananciais de superfície ou de subsolo. A exposição
se inicia pela informação e exemplificação de conflitos e soluções de controvérsias internacionais a respeito
de cursos de água transnacionais, mencionando a evolução das teorias de direito internacional público
aplicáveis à matéria, e finaliza com a descrição do conteúdo do Tratado de Cooperação Amazônica (TCA) e
sua importância no sistema regulatório regional e brasileiro de recursos hídricos.

Palavras-chave: Recursos Hídricos – Transnacional – Tratado de Cooperação Amazônica

Abstract: The article broachs the enactment of international rules among sovereign States, to adjust their
regional interests about surface and underground water resources that passes through their territories. The
text explains the controversies and international solutions concerning transnational water resources, relating
the evolution of the international law theories that encloses the subject. In the end, the paper describes the
composition of the Amazon Cooperation Treaty (TCA) that rules brazilian and regional apportionment of
amazon water resources.

Key Words: Water Resources – Transnational – Amazon Cooperation Treaty

1. Introdução

A água consiste em substância natural essencial para a existência de vida no planeta Terra da qual se
constitui como matéria prima componente. Na sua ausência, a subsistência de organismos vivos se torna
inviável e tendente ao desaparecimento.

A disponibilidade suficiente de água vem a ser fator determinante para a sobrevivência e desenvolvimento
de comunidades humanas, sem deixar de lembrar que os agrupamentos pioneiros, ancestrais das civilizações
ocidentais, se organizaram justamente em regiões geográficas providas de recursos hídricos abundantes,
como foram o Antigo Egito e a Mesopotâmia.

Nos tempos atuais a questão do aproveitamento dos recursos hídricos não somente permanece, como
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em Direito pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE)
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sor Jurídico Chefe da Superintendência de Meio Ambiente do Município do Salvador.
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assume proporções de interesse global, seja em razão do problema comum dos Estados no aproveitamento
e utilização de suas disponibilidades aqüíferas, ou seja, pelo inerente conteúdo ambiental da matéria.

Como efeito, a gestão compartilhada de recursos hídricos se torna interesse cada vez mais presente nas
relações internacionais, induzindo freqüentes reuniões, compromissos e convenções entre os Estados sobre
a matéria, assim como a mobilização de representações sociais não estatais, em eventos como os “fóruns
sociais da água”, entre outros.

2. Definições Normativas para Águas e Recursos Hídricos no Brasil e Convenções Internacionais

A necessidade inexorável da água para a sobrevivência deixa entrever que as primeiras comunidades
humanas viviam, entre suas principais ocupações, as tarefas de obtenção, manutenção e aproveitamento de
mananciais de água.

Em verdade, retornando na história até o momento das civilizações antigas que ainda não se organizavam
sob a forma dos Estados atuais, observa-se que, desde ali, o relacionamento entre comunidades humanas
similares ou estranhas entre si, ocorreu também e de modo constante por causa de disputas ou acordos a
respeito do fornecimento e aproveitamento da água.

Nos tempos atuais, a questão da água permanece como objeto das relações entre comunidades humanas,
agora organizadas sob a forma de Estados, pela sua condição de elemento natural essencial e geograficamente
distribuído e, no mundo globalizado, deixa de ser compreendida como matéria de interesse regional
específica de comunidades que desfrutam ou disputam de mananciais comuns, para ser absorvida dentro
da universalidade da temática meio ambiente, da qual se constitui notório componente.

Portanto, essas relações entre Estados a respeito das águas que lhes são comuns em interesse e
aproveitamento, seja de modo regional ou universal, se constituem como plena expressão de relações
internacionais entre as sociedades humanas, que se tornam matéria pertinente ao direito internacional
público, na medida em que essas relações instituam normas jurídicas aos atores, estatais por excelência.

O estudo das regulações das águas e seus aparatos naturais nas relações jurídicas internacionais requer
a recordação de definições da ciência jurídica nacional, porque as mesmas expressões são usadas na
nomenclatura internacionalista, com aproximações.

No Brasil, a natureza material da água está definida como substância natural. O Código de Mineração (DL
nº 227/67, art. 5º) a qualifica de modo específico apartado, diverso de outras substâncias minerais assim
denominadas, tal como faz para as substâncias fósseis, embora todas acumuláveis na natureza sob a forma
de jazidas, que, no caso das águas, segundo o código, podem ser de águas minerais ou águas subterrâneas.

A legislação nacional atualizada da matéria, lei nº 9.433/97, que institui a Política Nacional de Recursos
Hídricos, complementada pela lei 9.984/2000, que criou a Agência Nacional de Águas(ANA), declara a
condição da água como recurso natural renovável, mas que também pode ser considerada como um recurso
de valor econômico.

Essa legislação ordinária veio ajustar o ordenamento às diretrizes da Constituição Federal de 1988,
sobretudo ao art. 225, que assume a água como bem de domínio público, isto é, de uso comum do povo,
superando a antiga qualificação do Código das Águas (Dec. 24.643/34) que as dividia em públicas e privadas,
e inspirando parte da doutrina a descrevê-la como bem ambiental de natureza jurídica difusa.

No âmbito jurídico brasileiro, cabe também destacar a distinção entre água e recurso hídrico enxergada
 � ������ Até
(...) ���� onde
�������������
podemos ver,
����� a�� questão
���������������
básica que
���� dominava
��������� as
��� relações
��������� entre
���������
as cidades
�������� sumé�
�����
rias era como regular o comércio e a concorrência entre elas e, mais especificamente, como resolver
as inevitáveis disputas a respeito de terras, água e comércio, de modo que pudessem prosperar em seu
envolvimento estreito umas com as outras, mas de maneira que cada cidade pudesse preservar sua inde�
pendência.(...) WATSON, Adam. A Evolução da Sociedade Internacional, p. 42.
 � �������� Eduardo
VIEGAS, Coral. Visão Jurídica da Água, p. 88-89.
���������������
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na legislação por parte da doutrina, que define a primeira como sendo o elemento natural em si mesmo,
desvinculado de uso ou utilização, e o segundo, como expressão do elemento água ao modo de bem econômico
utilitário.

Resta ainda lembrar a definição de bacia hidrográfica que consiste em área de drenagem de um curso
de água ou lago, limitada pelas linhas culminantes de relevo que demarcam as áreas de contribuição ou
confinamento dos mananciais. As bacias hidrográficas são consideradas internacionais quando se estendem
pelo território de dois ou mais países.

No plano internacional, o interesse globalizado sobre a disponibilidade da água se acentuou desde a década
passada, com o alarde a respeito da iminente escassez das águas doces, que se tornariam insuficientes ao
consumo e desenvolvimento humano no século 21, fomentando conflitos armados e o incremento de um
indesejável e lucrativo comércio com a substância.

Algumas correntes discordam em parte do alarme, com fundamento em argumentos técnicos que enxergam
parcialidade, imprecisões e impossibilidade estimativa das apurações de disponibilidades e capacidades de
renovação dos ciclos hidrológicos. No caso, o problema mais grave vem a ser a distribuição geográfica e
temporal da água em estado líquido, sua contaminação e desperdício10.

Em verdade, registre-se que a disponibilidade necessária da substância água para a humanidade, se refere
a seu estado líquido. Observe-se que a água também existe na natureza em estado gasoso ou em estado
sólido, que são imprescindíveis dentro do ciclo hidrológico, mas, nesses estados físicos, não se presta às
utilidades humanas comuns de dessedentação, irrigação e solvente universal, senão como potencial para
redução ao estado líquido.

As águas em estado sólido ou gasoso oferecem outros interesses às comunidades humanas, como acontece
com as pesquisas científicas em geleiras ou mesmo a preservação das estações de esqui, mas são objeto de
normas técnicas ou jurídicas, em regra, diferentes das aplicáveis à água em estado líquido, embora, por vezes,
possam ser tratadas sob a mesma abordagem, como acontece com a poluição atmosférica transfronteiriça
por chuvas ácidas11.

Em termos ambientais, a água costuma ser qualificada como recurso natural renovável em razão do
perceptível ciclo hidrológico, que se entende interligado em todo o planeta, despertando o interesse
internacional para sua gestão. Além disso, a água não pode ser considerada como recurso inesgotável, porque
sua perda pode se dar pela dissolução nela, de outras substâncias que a tornem imprópria ao uso humano,
a exemplo das águas salgadas dos oceanos, ou pelo consumo em transformações químicas irreversíveis,
associando-se a outros elementos naturais, como ocorre na indústria química, ou mesmo mudanças climáticas
que dificultem seu estado líquido.

Quanto aos rios internacionais, assim considerados aqueles que banham mais de um Estado, suas águas
são tomadas como recurso natural comum12, expressão que se aproxima da noção de bem comum admitida
no ordenamento brasileiro, assim como a adoção da locução ‘cursos de água’ pela Convenção de New York
de 1997 (art. 2º), ao denominar seu objeto principal de referência, se ajusta com a noção de água, tal como
concebida na doutrina nacional, para distingui-la de recurso hídrico.

Por sua vez, destaca-se que a referida convenção preferiu assumir a locução ‘curso de água’ definido como
um sistema de águas superficiais e subterrâneas que fluem para um destino comum, refletindo uma unidade

 � �������� Cid
POMPEU, Tomanik. Direito de Águas no Brasil, p. 71
�������������
 � Idem, p. 343.
 � �������� Eduardo
VIEGAS, Coral. Ob.cit., p. 35
���������������
 � Idem, p. 58.
 � Aldo. Proteção dos Recursos Hídricos, p. 40.
���������� ������
REBOUÇAS,
10 � Idem, p. 40.
11 ��������������������
Caso Trail Smelter �������������������� SANTOS NETO, O Tratamento Jurídico dos Recursos
entre EUA e Canadá. �������������
Atmosféricos, p. 140-141.
12 ����������
MACHADO, Paulo ������ Affonso ������ Direito dos Cursos de Água Internacionais, p. 69 e 247
�������� Leme.
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funcional e a internacionalização somente das vias de água13, afastando-se da noção de bacia hidrográfica
utilizada pela International Law Association nas Regras de Helsinqui, que reflete composição geográfica com
porções terrestres dos Estados ribeirinhos.

3. Os Conflitos sobre Cursos de Água Transnacionais

As relações entre as comunidades humanas podem resultar em entendimentos pacíficos e duradouros ou


em confrontos inamistosos, onde a estabilidade possível decorrerá do equilíbrio de forças ou da subjugação
de algum dos contendores.

Os entendimentos pacíficos e as relações estáveis decorrentes do equilíbrio de forças no âmbito


internacional comumente evoluem para a produção de compromissos formais de regulação de interesses
entre as partes, os conhecidos tratados e convenções internacionais, que assumem papel relevante, uma
vez que, no plano das relações interestatais, não existe um órgão superior que determine regras cogentes
uniformes às individualidades soberanas.

Os interesses interestatais que induzem a produção de tratados são de inúmeras modalidades, e entre
as mais antigas dessas se encontram justamente a disciplina de condutas a respeito do aproveitamento de
águas, limítrofes ou de curso sucessivo, que, desde a antiguidade também foram causas ou pretextos para
conflitos bélicos14.
Em verdade, na condição de substância essencial à subsistência, as águas são recurso de aproveitamento
natural da comunidade humana dominante sobre determinado território geográfico. Este território vem a
ser, em princípio, a porção mínima que uma comunidade destaca da natureza para garantir a continuidade
de suas gerações15.

A delimitação territorial autônoma se mantém como componente essencial dos Estados atuais e permanece
como questão latente da gestão desses Estados, na sua natural convivência com o mundo que lhe é externo,
seja pelo contato físico imediato com outro Estado ou com áreas sem domínio. Em qualquer situação, os
limites territoriais demandam a vigilância constante, seja para manter a incolumidade física, seja para
acompanhamento de acontecimentos exteriores que produzam efeitos nas condições de vida dentro do
território, entre aqueles, a continuidade do uso, do fluxo e da qualidade das águas que provenham de espaço
externo ao território.

A existência de conflitos e compromissos de interesses entre os Estados atuais, vinculados aos recursos
hídricos de proveito comum, encontra referência em todos os continentes, muitos deles estabilizados em
tratados firmados em séculos passados, mas sempre sujeitos a revisão ou reestruturação em razão da mudança
das demandas humanas ou até mesmo alteração espontânea das condições naturais.

Algumas das regulações formais emergem, não da relação espontânea entre os Estados, mas em desfecho
do resultado de intermediações internacionais, como decorreu do laudo arbitral que resolveu o causa do
Lago Lanoux16, entre França e Espanha.

Em outros casos, as normas convencionais são confeccionadas justamente após fatos desastrosos, como
ocorreu após a contaminação nuclear causada pela explosão de Chernobyl17, detectada na Europa através da

13 � Idem, p. 40 a 46 e 248
14 � �“A batalha de Maratona – Dario, entretanto, confiante no seu poderio, mandou emissários recla�
mar às cidades gregas terra e água. Isto significava que lhes oferecia a oportunidade de se submeterem
pacificamente. Muitas delas, amedrontadas, cederam às ameaças desses enviados. Os espartanos, porém,
jogaram os embaixadores persas dentro de um poço dizendo que ali encontrariam terra e água à vontade.
Atenas, também, a mais visada das nações gregas, resolveu resistir a todo custo, embora soubesse serem
quase nulas as suas possibilidades de vitória. (...)”. LOBO, R. Haddock. História Universal, V. I, p. 95
(itálicos do autor)
15 � ��� VATTEL,
DE Emer. O Direito das Gentes, p. 142 (§203).
�������� ������
16 � ���������� Ian.
BROWNLIE, ����� Princípios de Direito Internacional Público, p. 291.
17 � ����������������
Convenção sobre Pronta
������� Notificação
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sobre Acidentes
���������� Nucleares.
����������� SOARES,
�������� Guido
������ Fernando
���������
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poluição atmosférica, ou como medida posterior a notório dano internacional, solucionado extrajudicialmente,
como aconteceu no caso Chernobâle, onde houve a contaminação do Rio Reno com produtos tóxicos por
indústria localizada na Suíça, e que se prestam como referência para situações de mesma natureza18.

Nos tempos antigos, observa-se que os confrontos de interesses a respeito de cursos de água de
aproveitamento interestatal decorriam, sobretudo, do uso de navegação, dos desvios e da liberdade de
exploração de recursos vivos, esta última, de pouca capacidade predatória. Atualmente este rol de interesse
vem ser acrescido da necessidade de controle do uso intensivo, da poluição e da preservação ambiental, que
induz a necessidade de promoção de novos tratados com esses novos objetivos ou extensão dos tratados
existentes19.

Recorde-se ainda que as regulações sobre cursos de água transnacionais costumam ultrapassar a
estipulação de disposições somente para o fluxo principal, se estendendo também sobre os afluentes
contribuintes mais significativos, mesmo que se tratando de correntes de alcance nacional de algum dos
Estados interessados.

As situações de concorrência de interesses com fulcro em curso de água transnacionais encontra referência
em todos os continentes como acontece na Europa, com as convenções regulatórias sobre os rios Reno e
Danúbio, na África, com os acordos para os rios Nilo, Níger e Senegal e na Ásia, com os acordos para os rios
Indo, Ganges e Mekong20, entre outros.

Na geografia externa ao continente americano destaca-se ainda o conflito entre as nações israelense, árabes
e palestina a respeito das águas dos rios Jordão-Yarmouk e afluentes, que foi uma das causas da guerra de
1967 e impediu acordos estáveis como seria o Plano Johnston (1955) que previa distribuição dos recursos
hídricos entre Israel, Jordânia, Síria e Líbano, mas não se referia aos palestinos. No momento, a tensão se
mantém sob controle por meio do Tratado de Paz entre Jordânia e Israel (1994), Anexo 2, que estabelece
regras de partilhamento de águas do sistema entre os dois signatários e o Acordo Interino Israel/Autoridade
Nacional Palestina, Anexo 3 (1995)21.

Na América do Norte sobressaem-se os tratados dos EUA com o Canadá para o Rio São Lourenço e Grandes
Lagos e com o México para o rios Grande e Colorado22, enquanto na America Central se destaca o acordo
para o Rio San Juan entre Nicarágua e Costa Rica23.

Na America do Sul existem várias bacias hidrográficas internacionais que inspiraram a elaboração de
diversos tratados específicos de concatenação dos interesses dos Estados beneficiados24. As mais importantes
dessas bacias são justamente a Bacia Amazônica e a Bacia do Prata, ambas atrativas de sensível interesse
brasileiro, desde antes da formação independente dos Estados sul-americanos.

Historicamente, a Bacia do Prata veio a ser alvo das mais antigas disputas do continente, influindo de modo
decisivo na distribuição territorial entre os Estados de seu entorno, por causa da sua situação geográfica e
de seu povoamento mais rápido. As condições inóspitas e a extensão da Amazônia retardaram as disputas
oficiais de território nessa região.

Os conflitos na região platina remontam ao período colonial, quando a competição entre os países ibéricos
pelo estuário do Rio da Prata fomentou a hostilidade dos povos indígenas guaranis e tapes contra as ambições
lusitanas, que se acentuou com a implantação da Colônia do Sacramento no século XVII, passando pela

Silva. Direito Internacional do Meio Ambiente, p. 706.


18 ���������
SOARES, Guido
������ Fernando Silva. Ob. cit., p. 708.
����������������
19 ���������
El Caso Gabcikovo-Nagymaros,
��������������������� vide:������ IZA, ����������� Responsabilidad de los Estados en los
����� Alejandro.
Cursos de Água Transfronteirizos, p. 264.
20 � ������ DAILLIER,
DINH, �������� Direito Internacional Público, p. 1261-1267.
���������� PELLET,
21 � ������� Shared Water Resources in the Jordan River Basin, p. 9.
������� Karen.
HUDES,
22 DINH, DAILLIER, PELLET, Ob. cit., p. 1266.
23 � IZA, Ob. cit., p. 254.
�����
24 � �������� Aguinaldo. Geopolítica das Águas: o Brasil e o direito internacional fluvial, p.
ALEMAR, ���������
189-190.
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guerra guaranítica no século XVIII25, pela independência da Província Cisplatina em 1828, e até a Guerra do
Paraguai entre os países da região.

Nos tempos atuais, a região do estuário do Rio da Prata estabilizou-se em termos territoriais sob a posse
dos países de descendência cultural hispânica, mas seus principais afluentes Paraná, Paraguai e Uruguai
cortam o território brasileiro. Os conflitos de interesse são resolvidos pela via diplomática ou tratados, mas
permanecem latentes, como se recorda das recentes controvérsias entre os aproveitamentos hidrelétricos
Itaipu (Brasil/Paraguai) e Yaciretá (Argentina/Paraguai), a instalação das papeleiras em território
uruguaio(Uruguai/Argentina) e a revisão de preços de Itaipu (Brasil/Paraguai).

4. As Soluções de Controvérsias para Cursos de Água e Aproveitamento de Recursos Hídricos


Transnacionais

A busca de solução estáveis para coordenação de aproveitamentos hídricos, quando existente um curso de
água limítrofe ou sucessivo entre dois países, desperta o interesse internacionalista desde seus pioneiros.

A obra de Grotius preconizava a liberdade dos rios internacionais tanto quanto a liberdade dos mares,
ambas fundadas no direito natural. Esse princípio veio a ser insculpido como regra geral somente no Congresso
de Viena em 1815, incluindo os Estados não ribeirinhos26.

A obra de De Vattel sugere a estipulação de tratados como meio seguro de estabilizar os conflitos, e estima
regras tradicionais que revelam aproximações entre domínio estatal com propriedade territorial. Assim,
entre os rios limítrofes seria aplicável regime de posse ou apropriação do primeiro ocupante27 e nos rios
sucessivos prevaleceria a regra da soberania plena no próprio território28. Ressalve-se que o autor entendia
impedida a realização de desvios ou obras que prejudicassem direitos de outrem.

Em aprofundamento do estudo das soluções de controvérsias a respeito de rios transnacionais, a doutrina


internacionalista voltou-se para a compreensão da natureza jurídica do regime desses cursos de água que
trespassam ou ocupam as fronteiras entre países, induzindo a natural concorrência de interesses entre estes.
Depois das especulações pioneiras, surgiram então algumas teorias doutrinárias com diretrizes básicas para
enfrentamento da questão.

A primeira delas pode ser chamada teoria da soberania absoluta que propõe que os Estados ribeirinhos
são soberanos absolutos nos trechos de rios que atravessem seus territórios. Essa teoria está exposta na obra
citada de De Vattel, mas possui aplicação difícil para rios limítrofes, onde os Estados confrontantes mantêm
domínio comum sobre o espelho d’água. Sua aplicação também é remota em rios transnacionais sucessivos,
onde os interesses naturalmente entram em confronto até mesmo quanto à exploração de recursos nos
próprios territórios dos Estados sucessivos. Além disso, a aplicação dessa teoria resulta no favorecimento
maior do Estado mais próximo da nascente.

Outra teoria vem a ser conhecida como princípio da absoluta integridade territorial29, que preconiza que
os Estados marginais podem exigir dos demais que o curso de água siga seu curso natural. Essa teoria não
resolve as questões dos rios limítrofes e, quanto aos rios sucessivos, se mostra inaplicável porque favorece
em demasiado os Estados de jusante e pode usurpar todo o domínio de um Estado sobre um recurso natural
componente de seu território.

A teoria da co-soberania30, pela qual os Estados ribeirinhos teriam soberania concorrente sobre todos os

25 ���������� ��������� Fronteira e identidade: confrontos luso-guarani na Banda Oriental


NEUMANN, Eduardo.
1680-1757, p. 92.
26 � ������ DAILLIER,
DINH, �������� Ob. cit., p. 1257.
���������� PELLET.
27 �� ��� ��������
DE Emer. Ob. cit., p. 171 (§ 266).
VATTEL, ������
28 � Idem, p. 178, (§ 278).
29 ��������
MELLO, Celso
������ D.
��� ������������ de. Curso de Direito Internacional Público, vol. II, p. 1218.
Albuquerque ����
30 ZANINI, Gustavo. Aguas Internacionais: Problemática jurídica dos rios internacionais, p.
382.
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trechos de curso d’água. Essa teoria pode ser aproveitada em cursos de água limítrofes, mas com restrições
significativas, que se pode presumir similares aos regimes privados de co-propriedade, onde se constituem
direitos e obrigações compulsórias aos co-proprietários. Quanto aos cursos de água sucessivos, a teoria se
mostra incômoda porque permitiria indesejáveis intervenções legislativas de um Estado sobre o território
de outro, salvo o improvável consentimento de todos, além dos prejuízos para as relações desses Estados
com terceiros Estados, quanto ao aproveitamento do rio.

A teoria mais aceita veio a ser a do direito de vizinhança, preferida por Mello e Zanini nas obras mencionadas,
que busca o equilíbrio entre direitos territoriais similares dos Estados vizinhos, determinando deveres de
tolerância, colaboração e responsabilidade por danos entre os interessados, resultante da interdependência
imposta pela natureza.

A credibilidade doutrinária dessa terceira doutrina se acentuou com o aperfeiçoamento trazido pela
chamada Equitable Apportionment Doctrine31, que postula a divisão equitativa de proveitos quanto à
distribuição e exploração de cursos de água transnacionais, tal como aplicado na solução da controvérsia
sobre o aproveitamento do Rio Oder32 no norte da Europa.

A composição da teoria do direito de vizinhança com a doutrina da divisão equitativa se consolidou como
núcleo fundamental da estruturação normativa atual para rios internacionais33.

A elaboração de normas internacionais de consolidação de compromissos entre Estados, a respeito dos


cursos de água que lhes são comuns por contigüidade ou sucessividade, também vem sofrendo alterações
no sentido da ampliação de sua abrangência, e quanto aos meios de solução de controvérsias.

Observe-se que os tratados sobre rios transnacionais, afluentes contribuintes e bacias hidrográficas
internacionais tradicionalmente se desenvolveram segundo relações bilaterais ou multilaterais regionais
travadas pelos estados ribeirinhos e circunvizinhos, principais protagonistas interessados na estabilização
dos aproveitamentos, recebendo interferência eventual e tópica de outros Estados não diretamente
envolvidos.

No entanto, nos tempos atuais, essa prática comum se revela insuficiente pela percepção de que a gestão da
disponibilidade da água como recurso natural necessário à vida humana ultrapassa o âmbito regional e passa
a assumir interesse global em razão do impacto das iniciativas e ações das diversas concentrações humanas
umas nas outras, todas ligadas por um meio ambiente comum, do qual a água é componente natural.

Além do entrelaçamento progressivo, a abordagem globalizada da gestão das águas se acentua, porque
as comunidades humanas estão distribuídas geograficamente de modo aleatório nas porções terrestres do
planeta, e todas carecem inexoravelmente de recursos hídricos mínimos de subsistência. Por sua vez, os
recursos hídricos estão distribuídos geograficamente também de modo aleatório na natureza, e diverso das
concentrações humanas.

Essa diversidade de distribuição geográfica das comunidades humanas para com a disponibilidade da
água sempre induziu diferenças de desenvolvimento entre estas, até mesmo quando dentro de um mesmo
Estado. Por conseguinte, as contradições de interesses se agravam e se universalizam quando percebido
que as ações de comunidades humanas outrora longínquas, se tornam agora confrontantes em razão da
capacidade de algumas de prejudicar ou mesmo absorver todo o sistema hídrico planetário, através de suas
ações desenvolvimentistas consumidoras ou predadoras, que, não raro, exacerbam justamente a escassez
dos carentes.

Essa percepção induz uma nova ênfase de abordagem da questão dos cursos de água transfronteiriços
31 “In other words, equitable apportionment encompasses whatever seems relevant to a fair divi�
sion of the resource between the states. This means equitable apportionment is a flexible doctrine, able to
incorporate new knowledge not only about water demands and uses, but also about the ecology of water
in general (Tarlock 1985). The ACF presents just such an occasion.” BUHL, Water Wars, Eastern Style:
Divvying Up the Apalachicola-Chattahoochee-Flint River Basin, p. 51.
32 IZA, Alejandro. Ob. cit., p. 248, e DINH, DAILLIER, PELLET, Ob. cit., p. 1259.
33 �����������
Convenção �������
de New York,
������ art.
����� 5º,
���� em
������������
MACHADO, Paulo
������ Affonso ������ Ob. cit., p. 258.
�������� Leme.
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nas relações internacionais, elevando a matéria ao âmbito do interesse global, sem deixar de manter e
reconhecer as múltiplas e inexoráveis relações regionais tradicionalmente pactuadas, como se observa nas
correntes de entendimentos que se integraram na elaboração da Convenção da ONU aprovada em de New
York em199734.

Em adendo, o problema da escassez de água sob ênfase globalizada recebe também interferência fundada
nos valores da solidariedade e dos direitos humanos em crescimento, que sugerem mesmo que a preservação
da água seja assumida como problema de interesse humanista global35, como se busca ajustar nos documentos
jurídicos internacionais mais atuais, assim como atenta para os desequilíbrios distributivos naturais.

No sentido da globalização da matéria, as iniciativas mais consistentes e multilaterais que se implementaram


nas últimas décadas foram a Regras de Helsinqui sobre a Utilização de Águas de Rios Internacionais (1966)
e a Convenção sobre o Direito Relativo à Utilização dos Cursos de Água Internacionais para Fins Diversos
dos de Navegação (New York).

A primeira delas foi adotada pela Associação de Direito Internacional36 como uma declaração das regras
existentes em Direito Internacional para bacias hidrográficas internacionais, ressalvando a eventual existência
de acordos ou costumes específicos assumidos pelos Estados dominantes da bacia.

A segunda veio a ser adotada pela Assembléia Geral da ONU em 1997, após mais de 20 anos de
negociação, e consiste em codificação de normas gerais para proteção, preservação e gestão de cursos de
água internacionais, segundo sua utilização para outras finalidades que não a de navegação37.

A Convenção de New York se estrutura em sete partes contendo, entre outras, princípios gerais, dever de
consulta de medidas projetadas, proteção de ecossistemas e prevenções de condições danosas, além de um
anexo com regras de arbitragem para solução de controvérsias.

Conclui-se então que as soluções de controvérsias a respeito de cursos de água transnacionais tendem à
multilateralização ou mesmo universalização, acompanhando também a tendência de absorção ou submissão
do relacionamento bilateral ou regional entre Estados, pelo relacionamento colegiado, enfatizadas as questões
ambientalistas.

Nos termos da categorização clássica internacionalista dos meios de solução de controvérsias, verifica-se
que os chamados meios diplomáticos e jurisdicionais, de tradicional interação bilateral ou regional, cedem
espaço normativo em favor de diretrizes gerais traçadas no âmbito dos colegiados, ainda que legitimados sob
a autoridade mediata da ONU, revelando nítida predominância dos meios políticos de soluções conformados
em normas supraestatais.

Resta ainda mencionar uma última proposição, que aspira a gestão dos rios internacionais por um
organismo central38 supraestatal, como acontece com alguns órgãos regionais específicos, a exemplo da
Comissão do Rio Reno. Essa centralização orgânica ainda se apresenta como longínqua, considerando as
imensas dificuldades de conformação efetiva de uma sociedade internacional equilibrada, mesmo porque não
existe bacia hidrográfica universal que concentre o interesse de todos os países em conjunto, com exceção
dos oceanos, que atraem até mesmo os Estados sem litoral.

No entanto, admite-se o futuro promissor da proposta, em razão da tendência universalista das relações
internacionais, que pode se inspirar na Organização Hidrográfica Internacional (OHI - Convenção de Mônaco

34 ����������
MACHADO, Paulo ������ Affonso ������ Ob. cit., p. 30.
�������� Leme.
35 ���������
CHAGAS, Galileu
���������������� das. Soberania e Ingerência Ecológica, p. 183.
Marinho �����
36 � ���������� Ian.
BROWNLIE, ����� Ob. cit., p. 293.
37 ��� A �����������
utilização ����
dos �����
rios ��������������������
internacionais para ����������
navegação �����
está ���������
regulada ���
na ����������
Convenção ���
de ����������
Barcelona
(1921). ������
DINH, ���������� PELLET, Ob. cit., p. 1.254.
DAILLIER, ��������
38 ��������
MELLO, Celso
������ D.
��� ������������ de. Ob. cit., p. 1.218
Albuquerque ����
Maio de 2010 Voltar ao 
Sumário
Boletim Direito Público Notadez
de 1967)39, da qual o Brasil é membro, que se dedica a atividade técnica e consultiva40 referentes a documentos
náuticos marítimos e das hidrografias nacionais de interesse à navegação.

5. Sistema Regulatório Brasileiro para Recursos Hídricos

A faixa de fronteira do Brasil é uma região bastante rica em recursos hídricos, conforme podemos observar
na fronteira brasileira a qual compreende duas importantes bacias de drenagem internacionais de significativa
relevância global: a bacia do prata e a bacia amazônica. Ambas as regiões hidrográficas, além dos caudalosos
cursos d’águas, ainda possuem ricos aquíferos, sendo imprescindível destacar o “aquífero guarani”, também
denominado como aquífero mercosul.

Reconhecendo esta realidade, a República Federativa do Brasil resolveu incorporar a questão dos recursos
hídricos transfronteiriços no contexto do seu Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos,
sistema de cooperação entre os diversos órgãos públicos que compõe o Estado brasileiro e que se encontra
previsto no art. 21, XIX, da Constituição brasileira.

Assim, foi criada dentro do Conselho Nacional de Recursos Hídricos (CNRH)41, órgão integrante do
referido sistema por força do art. 33, I, da Lei federal nº. 9.433/97, uma câmara específica para tratar do
tema, surgindo então a Câmara Técnica Gestão de Recursos Hídricos Transfronteiriços. A referida câmara
foi criada em 2007 por meio da Resolução CNRH nº 73/2007.

Desde então, essa Câmara, na qualidade de setor que assessora o órgão colegiado responsável pela
gestão de recursos hídricos brasileiros e que se encontra subordinado ao Ministério de Estado do Meio
Ambiente, possui as seguintes atribuições no tocante à promoção de mecanismos de cooperação hídrica
interestatais: 1. propor mecanismos de intercâmbio técnicos, legais e institucionais entre países vizinhos,
nas questões relacionadas com gestão de recursos hídricos; 2. analisar e propor ações conjuntas visando
solucionar ou minimizar os eventuais conflitos; 3. propor diretrizes para gestão de recursos hídricos
fronteiriços e transfronteiriços; 4. discutir os problemas visando desenvolver ações e implementar soluções
comuns, buscando otimização e alocação de recursos financeiros e humanos; 5. propor ações mitigadoras
e compensatórias; e 6. outras competências constantes do Regimento Interno do CNRH ou que venham a
ser delegadas pelo seu Plenário.

Considerando a fronteira brasileira, as bacias hidrográficas transfronteiriças que ensejam o interesse da


diplomacia brasileira são as seguintes: bacia do Prata42, bacia do Amazonas, bacia do Oiapoque (no Brasil,
forma a bacia de drenagem Costeira Norte) e a bacia do Jaguarão/Lagoa-Mirim (no Brasil, forma a Bacia
Costeira Sul). Todavia, para os fins deste trabalho, será abordada somente a disciplina jurídica internacional
dos recursos hídricos sob a égide do Tratado de Cooperação Amazônica.

6. Recursos Hídricos no Tratado de Cooperação Amazônica

Uma das regiões fronteiriças que mais interessa ao Brasil no contexto da geopolítica hídrica, quiçá a mais
importante, é a bacia do rio Amazonas que envolve oito países. Geograficamente, a Amazônia é um espaço
territorial que ocupa 7.500.000 quilômetros quadrados (equivalente a um terço da superficie do territorio
39 � ����� Leg.
Dec. ����� 45/67
��������e ����
Dec ��������������
nº 68.106/71. POMPEU,
�������� Cid Tomanik. Direito de Águas no Brasil, p.
�������������
469.
40 �������
Texto completo
��������� ����
em: �����
LEX. ����������
Coletânea ��� de ������������
Legislação, ����
Ano ������
XXXV, ��������������
jan-mar 1971, ��� p. ������
55-59.
41 De acordo com o art. 35 da Lei federal nº. 9.433/97, o mencionado conselho tem entre suas atribuições: “estabelecer
diretrizes complementares para implementação da Política Nacional de Recursos Hídricos, aplicação de seus instrumentos
e atuação do Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos”. A problemática dos recursos hídricos transfrontei�
riços já vinha sendo discutido pelo CNRH a exemplo da moção nº. 9, de 14 de março de 2002, que solicita a “solução dos
problemas causados pela poluição, decorrente da falta de saneamento, da bacia do rio Quaraí, fronteira do estado do Rio
Grande do Sul com o Uruguai”.
42 ����������
O rio da Prata
����������������������������������
é um dos principais rios da América
�����������
do Sul
����������������������������������������
cujos afluentes de maior relevância
são o rio Paraguai (responsável pelo complexo do Pantanal), o rio Paraná (responsável pela matriz
hidrelétrica de boa parte do país) e o rio Uruguai (marco divisório do Rio Grande so Sul em relação à
Argentina).
Maio de 2010 Voltar ao 10
Sumário
Boletim Direito Público Notadez
sulamericano) e constitui-se no maior sistema hidrográfico do mundo (quase 80.000 quilômetros de cursos
d’água)43.

De fato, a Amazônia se constitui numa das regiões mais ricas em água do planeta, junto com o Canadá e
o Sudeste da Ásia, sendo que esta região sulamericana concentra 15% (quinze por cento) das precipitações
globais44. Do ponto de vista institucional, a região amazônica divide-se em cinco sub-regiões: Central
(Amazônia stricto sensu); Andes, Guiana, Gurupi e Planalto45.
A riqueza hídrica da região é tão significativa que o Suriname e a Guiana, dois dos oito países que compõe
a bacia do rio Amazonas, seriam considerados os Estados com os melhores indicadores do continente
americano, junto com o Canadá, no ranking do Índice de Pobreza da Água (IPA)46, avaliação criada pelo
Conselho Mundial da Água.

No que pesa a região amazônica brasileira, conhecida como “Amazônia Legal”47, esta também é uma área
cobiçada, visto que se analisados os recursos naturais que compõe a referida região, pode-se constatar a
ocorrência de três grandes fatores de produção: as terras (solo e subsolo) que totalizam 4.982.000 quilômetros
quadrados; a floresta que abrangeria 260.000.000 ha; e as águas que integram uma bacia de drenagem de
7.300.000 quilômetros quadrados48.

Com estes números depreende-se que o território brasileiro abarca 63% (sessenta e três por cento) de toda
a bacia hidrográfica do rio amazonas49, logo, o Brasil configura-se como o país que mais deve se interessar
por quaisquer ações que venham a ser efetuadas na região.

Em relação aos recursos hídricos amazônicos, é interessante salientar as potencialidades vislumbradas


em relação à utilização de suas águas, as quais, sem sombra de dúvida, despertariam o interesse de qualquer
agente público ou privado, destacando-se quatro usos principais: abastecimento humano e animal em face
da grande oferta hídrica; elevado potencial hidrelétrico; significativos recursos piscosos que possibilitam o
desenvolvimento de uma pesca em escala comercial; e uma infraestrutura natural de transporte composta
por cerca de 19.000 km de rios navegáveis50.

Contrastando com essa abordagem extremamente economicista, afirma Solange Teles da Silva que os
recursos hídricos amazônicos deveriam ser apreendidos em toda a sua extensão e complexidade, ou seja, não
somente como meios de comunicação, ou fonte de energia, mas como “recursos indissociáveis da floresta e
biodiversidade” de maneira sistêmica contextualizando, assim, o ciclo hidrológico com o bioma amazônico
e o modus vivendi das populações amazônicas51.

No contexto desta complexidade, é fulcral o papel desempenhado pelos recursos hídricos em interação

43 � ������ Luis
PEÑA, ����� Alberto
�������� Diaz;
������ GOMEZ,
������� Jaime Jaramillo. Tratado de Cooperación Amazónica. Wa�
�����������������
shington D.C.: Colegio Interamericano de Defensa, 1996. p. 8.
44 ������������
CAMDESSUS, Michel������� et al. Água: oito milhões de mortos: um escândalo mundial. Trad.: Maria
�������
Angela Villela. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2005. p. 20.
45 ��������
SILVA, Solange
��������������
Teles da.
���� Proteção
��������� internacional
�������������� das
���� águas
������ continentais:
�������������� a�� caminho
�������� ���
de ����
uma ����
ges�
tão solidária das águas. In: Anais do XVI Congresso Nacional do CONPEDI. Belo Horizonte: CONPE�
DI, 2008. p. 969. Nesta subdivisão foram utilizados conjuntamente três critérios: biogeográfico, ecoló�
gico e hidrográfico.
46 CLARKE, Robin; e KING, Jannet. O atlas da água. São Paulo: Publifolha, s/d. p. 88.
47 ������������������������������������������������������������������������������������������
O conceito de amazônia legal encontra-se definido pelo direito brasileiro pelo artigo 2º ��� da Lei
����
federal nº. 5.173, de 27 de outubro de 1966, que dispõe: Art . 2º A Amazônia, para os efeitos desta lei,
abrange a região compreendida pelos Estados do Acre, Pará e Amazonas, pelos Territórios Federais do
Amapá, Roraima e Rondônia, e ainda pelas áreas do Estado de Mato Grosso a norte do paralelo de 16º,
do Estado de Goiás a norte do paralelo de 13º e do Estado do Maranhão a oeste do meridiano de 44º.
48 ��������
CÂMARA ���� ����������� Recursos naturais da Amazônia: conferência pronunciada pela
DOS DEPUTADOS.
Dra. Clara Pandolfo. Brasília: Centro de Documentação e Informação, 1975. p. 7-8.
49 � ������ Luis
PEÑA, ����� Alberto
�������� ������
Diaz; ������� Jaime Jaramillo. Ob. cit. p. 8.
GOMEZ, �����������������
50 ��������
CÂMARA DOS ����������� Ob. cit. p. 28-29.
���� DEPUTADOS.
51 ��������
SILVA, Solange
�������������� ���� Ob. cit. p. 970.
Teles da.
Maio de 2010 Voltar ao 11
Sumário
Boletim Direito Público Notadez
com a vegetação existente na área drenada pela bacia. Nesse sentido, constata Geraldo Eulálio do Nascimento
e Silva que: “A destruição das florestas nas bacias hidrográficas do mundo inteiro representa a ingerência
mais séria do homem nos ecossistemas. O desmatamento atinge seriamente as águas fluviais e modifica o
equilibrio hídrico”52.

No passado, o primeiro tratado internacional que principiou de facto na disciplina jurídica dos cursos
d’água internacionais existentes na região amazônica foi o Tratado de Santo Ildefonso de 1777 celebrado
entre duas metrópoles européias, Portugal e a Espanha, em que um de seus objetivos foi a regulação da
navegação fluvial53.

E, desde então, transcorreu-se dois séculos de ajustes internacionais (ex: Tratado de limites entre Brasil
e Venezuela de 1851) ou tentativas (ex: “Instituto da Hiléia Amazônica” ou “O Projeto Grandes Lagos” de
German Kahn54) que só foram finalmente resolvidas em 1978 com a atuação diplomática do governo brasileiro
articulando a cooperação transfronteiriça na região.

Desta forma, a principal norma internacional que é aplicada na região constituída pela bacia hidrográfica
transfronteiriça formada por um extenso complexo fluvial em que se destacam os rios Marañon e Amazonas
é o Tratado de Cooperação Amazônica (TCA), o qual não somente contém normas de direito fluvial
internacional como ainda disciplina diversos outros aspectos sóciopolíticos e econômicos atinentes ao
bioma amazônico.

O referido tratado foi assinado em 3 de julho de 1978 na cidade de Brasília por oito Estados soberanos da
Região Amazônica (Bolívia, Brasil, Colômbia, Equador, Guiana, Peru, Suriname e Venezuela). O único Estado
integrante do referido bioma que não assinou o TCA foi a França que poderia ter participado deste tratado
em virtude da Guiana Francesa, seu departamento ultramarino55.

Este tratado estava atrelado ao processo de integração latinoamericana56, tão almejada naquela época,
estando esta avença no mesmo “espírito” que norteou a concepção da ALALC (Associação Latino Americana
de Livre Comércio), atual ALADI (Associação Latino Americana de Integração)57.

Segundo Alessandra Mahé Costa Rodrigues, o Tratado de Cooperação Amazônica foi forjado num momento
mais do que propício para a regionalização das relações internacionais, sendo estimulado pelos seguintes
fatores58:

52 ��������
SILVA, ����������������
Geraldo Eulálio do ��������������
Nascimento e. ��� Direito ambiental internacional. Rio de Janeiro:
Thex, 1995. p. 75.
53 � ��������� Pedro
ANGELIS, ���� De la navegacion del Amazonas. Respuesta a una memoria de M. Maury.
������ de.
Caracas: T. Antero, 1857. p. 45.
54 � ������ �����
PEÑA, Luis Alberto
�������� Diaz;
������ GOMEZ,
������� Jaime Jaramillo. Ob. cit. p. 12. Este projeto absurdo visava
�����������������
“(...) construir un gran lago interior en el Bajo Amazonas que conectaría las Cuencas del Orinoco y del
Plata, pretendiéndose convertir el Amazonas en un Área Mediterránea Internacional de agua dulce con
un millón de kilómetros cuadrados”.
55 ��������
SILVA, Solange
�������������� ���� Ob. cit. p. 968.
Teles da.
56 � ������ Luis
PEÑA, ����� Alberto
�������� ������
Diaz; ������� Jaime Jaramillo. Ob. cit. p. 12.
GOMEZ, �����������������
57 �����������
Organismo intergovernamental
������������������� ��������������������
criado pelo Tratado de ��������������
Montevideo em ����������
1980 e que
���� substituiu
����������� a��
ALALC.
58 � �����������
RODRIGUES, �����������
Alessandra �����
Mahé �������
Costa. A�� organização
������������ ���
do tratado
�������� ���
de ���������������������
cooperação amazônica
(OTCA) como conseqüência de um direito internacional latinoamericano. In: Conferência Internacional
“Universalismo e Regionalismo no direito Internacional: desafios e perspectivas para a cooperação e
resolução de conflitos”. Belo Horizonte, 13 a 16 de Agosto de 2008. Disponível em: gedi.objectis.net.
Acesso em: 18 jul. 2009. Afirma Alessandra Mahé que a despeito do integracionismo latinoamericano
estar em voga e sua forte influencia sobre as relações internacionais naquele quadrante territorial, o TCA
não pretendia ser um instrumento de integração, mas sim de cooperação. Com isto: “os grandes projetos
de desenvolvimento na área seriam responsabilidade de cada país individualmente, os quais detêm a
soberania sobre as porções amazônicas de seus territórios”.
Maio de 2010 Voltar ao 12
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a) a tendência universal ao tratamento conjunto de problemas compartilhados por países
pertencentes a uma mesma bacia hidrográfica e sua área de influência;
b) o crescente integracionismo latino-americano;
c) a experiência do Tratado da Bacia do Prata;
d) o desenvolvimento positivo dos contatos diplomáticos entre o Brasil e os demais países
amazônicos, com crescente convergência política, impulsionando a cooperação.

Numa concepção mais crítica do TCA, Armando Yahn Filho sustenta que uma ��������������������������
hermenêutica jurídica
do referido tratado demonstra “uma ambigüidade nos seus artigos, fruto da necessidade de atender às
expectativas de todos os atores, sem deixar de levar em consideração seus interesses individuais, bem como
de abrir o leque para futuras definições sobre os meios de cooperação”59.

Os objetivos que norteiam o supracitado ato normativo internacional encontram-se devidamente citados
logo no artigo I, in verbis:
As Partes Contratantes convêm em realizar esforços e ações conjuntas a fim de
promover o desenvolvimento harmônico de seus respectivos territórios amazônicos,
de modo que essas ações conjuntas produzem resultados equitativos e mutuamente
proveitosos, assim como para a preservação do meio ambiente e a conservação e
utilização racional dos recursos naturais desses territórios.

Parágrafo único: Para tal fim, trocarão informações e concertarão acordos


e entendimentos operativos, assim como os instrumentos jurídicos pertinentes que
permitam o cumprimento das finalidades do presente Tratado.

Comentando a atuação da diplomacia brasileira na questão ambiental internacional, preleciona Lílian


Burlamaqui Duarte que o Tratado de Cooperação Amazônica pretende “promover o desenvolvimento da região
sem causar danos ao meio ambiente, além de incentivar pesquisas científicas e a cooperação transfronteiriça
para a troca de informações em domínios como segurança regional”60.

Desse modo, o Tratado de Cooperação Amazônica é um ato normativo internacional de alta relevância
para as relações regionais no contexto da América do Sul ao versar sobre um bioma extremamente conhecido
e cobiçado a nível mundial como é o caso da Amazônia, em que a necessidade de articulação entre os países
fronteiriços é argumentada desde o século XIX, a exemplo do historiador Pedro de Angelis (1784-1859)61.

Todo tratado para ser válido na ordem jurídica internacional deve obedecer a algumas etapas, dentre as
quais destacam-se a ratificação e a promulgação. A ratificação confirma a assinatura do tratado, bem como a
sua validez62, enquanto a promulgação permite ao Poder Executivo de um Estado constatar a existência de uma
norma obrigatória para o país63. O TCA não se esquivou de tais noções do direito internacional público.

59 �����
YAHN FILHO,
������� Armando
�������� Gallo.
������� O
�� conceito
��������� de
���������
bacia de
��� drenagem
��������� internacional
�������������� no
��� contexto
��������� do
�����������
Tratado de
���������
Coope�
ração Amazônica e a questão hídrica na região. Ambiente & Sociedade, Vol. VIII nº. 1 jan./jun. 2005. p. 4. Atesta Yahn Filho
que: “Em que pese a correta interpretação de AMAYO no que se refere ao reconhecimento da soberania dos países-membros,
discordo de sua visão otimista quanto aos reais interesses de regionalização. Não obstante os processos de regionalização se
darem com respeito à soberania dos Estados, julgo ser o texto do Tratado Amazônico sutil na defesa de interesses particulares
de cada Parte, resultado do trabalho da diplomacia brasileira, a fim de garantir a aceitação do texto final por parte dos demais
países”.
60 � �������� Lílian
DUARTE, ���������������� ������������ Política externa e meio ambiente. Rio de Janeiro: Jorge
Cristina Burlamaqui.
Zahar Editor, 2003. p. 25.
61 ANGELIS, Pedro de. Ob. cit. p. 5. Afirma o historiador ítalo-argentino que: “Solo la union entre los Estados cuyo
territorio riega el Amazonas, puede permitirles llamar la poblacion á sus vastos desiertos, con sabias y liberales medidas,
y establecer una navegacion activa en la grande arteria que sale del corazon de la América del Sur. Esta union estrecha,
fundada en comunidad de intereses, es condicion necesaria al progreso y seguridad de dichos Estados”.
62 ��������
MELLO, Celso
������ D.
��� Albuquerque ��� Curso de direito internacional público. 15ª ed. Rio de Janei�
������������ de.
ro: Renovar, 2004. p. 230-231. Nunca é demasiado relembrar a lição de Celso Duvivier de Albuquerque
de Mello, o qual afirma que o tratado internacional perpassa pelas seguintes fases: negociação, assinatu�
ra, ratificação, promulgação, publicação e registro.
63 � Idem. p. 241.
Maio de 2010 Voltar ao 13
Sumário
Boletim Direito Público Notadez
Assim, no que tange à validade do tratado na República Federativa do Brasil, o mesmo foi aprovado pelo
Decreto Legislativo nº 69, de 18 de outubro de 1978, e promulgado pelo Decreto nº 85.050, de 18 de agosto
de 1980, expedido pelo então Presidente da República, o General João Baptista Figueiredo.

A necessidade de expedição dos atos normativos supramencionados visando a ratificação do Tratado de


Cooperação Amazônica demonstra que o Brasil adota o sistema misto64 (exige a aprovação do Poder Legislativo
e a promulgação pelo Poder Executivo) para a ratificação dos tratados internacionais celebrados pelo país.

O sistema de decisões no âmbito deste tratado é pautado pela regra da unanimidade, sendo assegurados
os direitos de cada país signatário de explorar, em caráter exclusivo, os recursos naturais localizados em
seus territórios, resguardadas as regras da diplomacia e do direito internacional público65.

Ademais, o Tratado de Cooperação Amazônica apresenta ainda a peculiaridade de ser voltado


essencialmente para a preservação do meio ambiente, sendo importante destacar que o mesmo determina que
os Estados deverão se esforçar para a utilização racional das águas amazônicas, considerando “a importância e
multiplicidade de funções que os rios amazônicos desempenham no processo de desenvolvimento econômico
e social da região (art. V)”66.

O peruano Hugo Palomino considera o TCA como um “instrumento jurídico de natureza técnica” que visa
promover o “desenvolvimento harmônico e integrado da bacia”, possibilitando, ainda, a “sustentação de um
modelo de complementação econômica regional” que contemple o aperfeiçoamento da qualidade de vida
dos habitantes da Amazônia67.

Portanto, em que pese as potencialidades econômicas proporcionadas pelos diversos fatores de produção
que compõe o bioma amazônico, os recursos naturais que integram tais fatores somente deverão ser utilizados
sob o paradigma do uso racional, sendo vital nesse processo a aplicação do princípio do desenvolvimento
sustentável, consagrado pelo princípio 1 da Declaração do Rio de Janeiro de 1992.

O referido princípio contido na Declaração do Rio, será denominado por parte da doutrina como princípio
do desenvolvimento sustentável, expressão que já se encontra no senso comum, enquanto respeitáveis
doutrinadores, do quilate do professor Paulo Affonso Leme Machado, irão conceber tal diretriz normativa
como “princípio do acesso equitativo aos recursos naturais”68.

Desta forma, o princípio do desenvolvimento sustentável seria entendido, conforme leciona José Juste Ruiz,
como a “conciliação das exigências do desenvolvimento econômico com os imperativos do meio ambiente”69,
o qual inclusive deveria estar inserido no âmbito da promoção dos direitos humanos e na promoção do acesso
intergeracional aos recursos naturais.

Contextualizando a aplicação do desenvolvimento sustentável aos recursos hídricos, ensina Paulo Affonso
Leme Machado que a utilização dos cursos hídricos internacionais deve “proporcionar vantagens ótimas e
sustentáveis”. Pelo verbo “otimizar”, deve ser entendida a busca pelo melhor resultado possível. Já a frase
“conservar a sustentabilidade” significa usar o curso d’água de maneira que o mesmo permaneça ou, então,
continue a existir. Dessa forma, a inclusão do princípio da sustentabilidade teria sido importante ao integrar
os princípios gerais contidos na Parte II com os dispositivos previstos da Parte IV, “desmentindo-se a tese de

64 ���������
MATTOS, Adherbal Meira. Direito Internacional Público. 2ª ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2002.
����������������
p. 119.
65 ��������
SILVA, Solange
�������������� ���� Ob. cit. p. 969.
Teles da.
66 ��������
SILVA, Solange
�������������� ���� Ob. cit. p. 969.
Teles da.
67 ENRIQUEZ, Hugo Palomino. La biodiversidad, los recursos forestales y el derecho constitucional amazónico en el
Peru. In: Congresso Internacional de Direito Amazônico. Boa Vista, RR, Brasil, março de 2004. Disponível em: http://direi�
toamazonico.blogspot.com/2008/05/direito-amaznico-prof-palomino-peru.html. Acesso em: 18 Jul. 2009.
68 ����������
MACHADO, ������Paulo Affonso ������ Direito Ambiental Brasileiro. 16ª ed. São Paulo: Malheiros,
�������� Leme.
2008. p. 60.
69 � ������ José
RUIZ, Juste. Derecho Internacional del Medio Ambiente. Madrid: MacGraw-Hill, 1999. p.
����� �������
23. (tradução nossa).
Maio de 2010 Voltar ao 14
Sumário
Boletim Direito Público Notadez
que a Parte II tratava da quantidade de água e a outra referia-se exclusivamente à qualidade dessa água”70.

Desta maneira, a sustentabilidade dos recursos hídricos amazônicos constitui uma diretriz que deve
impulsionar o acesso equitativo intergeracional envolvendo as populações urbanas e as tradicionais inseridas
no contexto territorial em comento.

Outro princípio previsto na Declaração do Rio de 1992 que recepcionou o Tratado de Cooperação
Amazônica é o princípio 2 que prevê a soberania nacional na exploração dos recursos naturais71. Quando
se trata da Amazônia a garantia de não-ingerência e o respeito à soberania é um questão levantada
constantemente, se considerarmos iniciativas como a do presidente norteamericano Woodrow Wilson que
defendia a “internacionalização da amazônia” ainda em 1914 até mesmo à recente idéia aventada por Pascal
Lamy, atual diretor-geral da OMC, defendendo uma gestão internacional do bioma72.

Nesse sentido, o Tratado de Cooperação Amazônica configurou uma reação dos Estados amazônicos
à atitude diplomática de alguns países desenvolvidos “de condicionar sua política de ajuda econômica e
cooperação técnica à intangibilidade dos recursos naturais da Amazonia, o que constituía um atentado
contra o direito soberano que assiste aos nossos países de decidir por si mesmos” o destino de suas terras
amazônicas73.

Ainda nessa linha de raciocínio, Aguinaldo Alemar afirma que o TCA reflete em seus 28 artigos a
“preocupação primordial com a preservação da soberania nacional com a bacia amazônica”, sendo exemplo
disto o fato palavra território ser usada 23 vezes no texto. Ademais, havia a idéia da preservação dos recursos
naturais estarem vinculados diretamente com a soberania territorial, sendo tal proteção corolário do exercício
do poder soberano74.

Importa frisar ainda o fato da Amazônia constituir-se como fronteira do “capital natural” contextualizada
com o sistema econômico pós-moderno, conforme constatação de Bertha K. Becker quanto à existência de
três grandes eldorados naturais no mundo contemporâneo: os fundos marinhos, espaços riquíssimos em
minerais e vegetais; a Antártida, espaço dividido e disputado entre as grandes potências; e a Amazônia,
área que se encontra sob a soberania de diversos estados nacionais, entre eles o Brasil. Nessa conjuntura
geopolítica, principalmente entre a década de 1980 e a de 1990, surgiram “sugestões mundiais pela soberania
compartilhada e o poder de gerenciar a Amazônia”, que chegou a promover debates no âmbito do Direito
Internacional Público. Contudo, na atualidade vislumbra-se o crescimento dos “interesses ligados à valorização
do capital natural, que tende a se sobrepor à lógica cultural”75.
70 ����������
MACHADO, ������Paulo Affonso ������ Recursos hídricos - direito brasileiro e internacional. São
�������� Leme.
Paulo: Malheiros, 2002. p. 136. O professor Paulo Affonso está se referindo à Convenção da ONU sobre
o uso não-navegacional dos rios internacionais de 1997.
71 � ������ José
RUIZ, ������� Ob. cit. p. 25. De acordo com o J. J. Ruiz, este princípio representaria um
����� Juste.
“certo retrocesso, ou pelo menos uma certa estagnação, em relação aos aspectos relativos à proteção do
meio ambiente” (tradução nossa).
72 � ��������� José
BENATTI, ����� Heder.
������� Internacionalização
�������������������� da
��� amazônia
��������� e�� a�� �������������������
questão ambiental: ��o ��������
direito ����
das
populações tradicionais e indígenas à terra. In: Anais do XV Congresso Nacional do CONPEDI. Manaus:
CONPEDI, 2006. p. 3. Disponível em: conpedi.org. Acesso em: 20 jul. 2009.
73 �����������
ENRIQUEZ, Hugo ���������� Ob. cit. internet. (tradução nossa).
����� Palomino.
74 � Aguinaldo. Geopolítica das águas: o Brasil e o Direito Internacional Fluvial. Uber�
�������� �����������
ALEMAR,
lândia/MG: UFU, 2006 (Tese de Doutorado em Geografia). p. 200.
75 BECKER, Bertha K. Geopolítica da Amazônia. Estudos Avançados, São Paulo, nº. 19 (53), 2005. p. 77. Becker traz
as seguintes críticas ao modelo econômico de fronteira: “��A ���������
Amazônia ��é ���
um ��������
exemplo �����
vivo ������
dessa �����
nova �������������
geopolítica, �����
pois �����
nela
se encontram todos esses elementos. Constitui um desafio para o presente, não mais um desafio para o futuro. Qual é este
desafio atual? A Amazônia, o Brasil, e os demais países latino-americanos são as mais antigas periferias do sistema mundial
capitalista. Seu povoamento e desenvolvimento foram fundados de acordo com o paradigma de relação sociedade-natureza,
que Kenneth Boulding denomina de economia de fronteira, significando com isso que o crescimento econômico é visto como
linear e infinito, e baseado na contínua incorporação de terra e de recursos naturais, que são também percebidos como infini�
tos. Esse paradigma da economia de fronteira realmente caracteriza toda a formação latino-americana. Hoje, o imperativo é
modificar esse padrão de desenvolvimento que alcançou o auge nas décadas de 1960 a 1980. É imperativo o uso não predató�
rio das fabulosas riquezas naturais que a Amazônia contém e também do saber das suas populações tradicionais que possuem
um secular conhecimento acumulado para lidar com o trópico úmido. Essa riqueza tem de ser melhor utilizada. Sustar esse
Maio de 2010 Voltar ao 15
Sumário
Boletim Direito Público Notadez
Segundo Geraldo Eulálio, os países em desenvolvimento utilizam o argumento de que se os principais
danos ambientais são atribuíveis às potências industriais, e na circunstância de má conduta ambiental
perpetrada por Estados Unidos, Alemanha ou Rússia, haveria alguma entidade supraestatal que tivesse
poderes para julgar e punir quaisquer desses países? Considerando esta desigualdade de tratamento, os
países em desenvolvimento rejeitaram a tese do dever de ingerência durante a Conferência do Rio de Janeiro
de 1992, obtendo êxito com a reiteração do princípio da soberania76.

Em que pese os esforços diplomáticos para a celebração de tal acordo, a efetivação do mesmo não foi tão
célere. Neste viés, analisando a implementação dos objetivos do TCA verificou-se que, só para a instalação
das comissões setoriais, demoraram-se quase duas décadas, o que ensejou a necessidade de um maior
fortalecimento da estrutura institucional do mencionado tratado. Com este fim, em 1998, foi celebrado o
Protocolo de Caracas (Venezuela), em vigor desde 2 de agosto de 2002, no qual foi criada a Organização do
Tratado de Cooperação Amazônica (OTCA)77.

Assim, percebe-se o por quê da “letargia”78 de mais de duas décadas que teria sido verificada entre a
assinatura do TCA e a implantação dessa Secretaria a qual proporcionou uma viabilidade institucional para
a concretização dos objetivos desta avença internacional.

A OTCA é uma organização internacional portadora de personalidade jurídica cuja Secretaria Permanente
encontra-se sediada em Brasília e que tem competência para celebrar acordos e tratados com as Partes
Contratantes (os oito países sulamericanos já referidos), com Estados terceiros e, inclusive, com outras
organizações internacionais79.

Esta organização internacional contempla a seguinte estrutura80: a) Conselho de Cooperação Amazônica


(CCA); b) Comissão de Coordenação do CCA; c) Secretaria Permanente; d) Comissões Especiais da Amazônia
vinculadas ao CCA81.

De acordo com a ex-secretária geral da OTCA, a equatoriana Rosalía Arteaga Serrano, a Secretaria
Permanente da Organização do Tratado de Cooperação Amazônica visa ser “um guarda-chuva que envolva
e harmonize as iniciativas regionais e obtenha recursos para desenvolver programas de amplo alcance”82.

Segundo o também equatoriano Adolfo Ruiz Montero, a Organização do Tratado de Cooperação Amazônica
estaria interessada em discutir um maior controle do biocomércio e a elaboração de normas mais claras à
nivel legislativo, entre os países que integram esta Organização para proteger as riquezas e recursos naturais
da Amazônia83.
Em setembro de 2004, ocorreu uma reunião entre os chanceleres dos países amazônicos na
cidade de Manaus, na qual foi consensuado um plano estratégico para o período de 2004-2012. Este
plano se divide em quatro áreas: conservação e uso sustentável dos recursos naturais; integração e
competitividade regional; gestão do conhecimento e transferencia de tecnología; e fortalecimento
institucional84.
padrão de economia de fronteira é um imperativo internacional, nacional e também regional”.
76 ��������
SILVA, Geraldo
����������������
Eulálio do
��������������
Nascimento ���e. Ob. cit. p. 52-53.
77 ��������
SILVA, Solange
�������������� ���� Ob. cit. p. 969-970.
Teles da.
78 �����������
ENRIQUEZ, Hugo ���������� Ob. cit. internet.
����� Palomino.
79 ��������
SILVA, Solange
�������������� ���� Ob. cit. p. 970.
Teles da.
80 � ����������� �����������
RODRIGUES, Alessandra Mahé Costa. Ob. cit. internet.
����� �������
81 � ��� comissões
As ���������� especiais
���������� estão
����������������
previstas no����������
artigo XXIV
����� ��������
do TCA. Atualmente,
������������ existem
�������� sete:
������
Saúde (Cesam); Assuntos Indígenas (Ceaia); Meio Ambiente (Cemaa); Transportes, Infraestruturas e
Comunicações (Ceticam); Turismo (Cetura); Educação (Ceeda); e Ciência e Tecnologia (Cecta).
82 ����������
SERRANO, Rosalía�������� ���������
Arteaga. ����
Por uma
���� urgente
�������� integração
����������� da ���������� Folha de São Paulo,
��� Amazônia.
São Paulo, 25 de novembro de 2005. Disponível em: http://www.otca.org.br/ep/noticia/noticia.php?idN
oticia=1678&tipoN=4. Acesso em: 19 jul. 2009.
83 ����������
MONTERO, �������Adolfo Ruiz.
������ La
��� agricultura
������������ ��y el
������������������
medio ambiente ������
rural ���
en ���������
el marco de
��� un
��� desarrollo
�����������
sustentable. In: VII Congreso Argentino de Derecho Agrario. Disponível em: www.iada.org.ar. Acesso
em: 18 jul. 2009.
84 Idem. Internet.
Maio de 2010 Voltar ao 16
Sumário
Boletim Direito Público Notadez
Em 2005, visando a consolidação institucional do planejamento e execução das atividades de proteção e
gerenciamento sustentável do solo e dos recursos hídricos na bacia amazônica, a OTCA concebeu o “Projeto
de Gestão Integrada e Sustentável dos Recursos Hídricos Transfronteiriços na Bacia do Rio Amazonas
considerando a Variabilidade a Mudança Climática” (GEF Amazonas OTCA/PNUMA/OEA) 85.

É fundamental que no projeto supracitado sejam levados em relevância a biodiversidade (aspecto natural)
e a sociodiversidade (aspecto cultural) para que haja a visão integrada da gestão da bacia, dessa forma haveria
uma necessidade imperiosa de gerenciamento das águas internacionais por meio de uma visão solidária da
bacia hidrográfica e não somente de um curso fluvial alienado a determinados usos. De maneira que se de
uma forma, os diversos aspectos geográficos, físicos e ecológicos devem ser relevados para o gerenciamento
da bacia amazônica, da outra, torna-se imprecindível que sejam forjados mecanismos de gestão considerando
“a participação das comunidades tradicionais indígenas e não-indígenas e os modos de utilização das águas
por essas comunidades”86.

Tal posicionamento visa manter a coerência do TCA com o seu compromisso de preservação ambiental
transfronteiriça que pressupõe não somente a adoção de mecanismos tecnocráticos como ainda o atendimento
daquilo que Lílian Duarte considera um dos méritos deste tratado: a inclusão das “populações tradicionais
em suas considerações”87.

Todavia, algumas críticas merecem ser feitas à referida organização e seu tratado. Nesse sentido, importa
trazer à baila o fato de que, graças ao TCA, os países amazônicos têm total soberania sobre seus recursos
naturais, incluindo as águas, de modo que apesar de compartilhar a mesma bacia, tais Estados podem adotar
diferentes políticas econômicas, inclusive em relação ao uso da água.

Diante disto, como o Tratado de Cooperação Amazônica poderia impelir os Estados a adotar políticas
harmônicas e integradas com a proteção dos recursos hídricos envolvidos?

Para responder a pergunta é fundamental a compreensão da natureza do TCA, cuja definição pode ser
expressa nos seguintes termos: “o Pacto de Cooperação Amazônica é um instrumento normativo onde não são
previstas obrigações e, muito menos, qualquer tipo de coerção, ele é uma espécie de guia de procedimentos,
de diretrizes e princípios”88. Diante disto, este tratado somente promoveria o entendimento com base em
articulações interinstitucionais de cooperação que dependeriam sempre de um consenso para alcançar a
dita unanimidade.

É nesse sentido que Freire, Torquato e Costa concluirão que as regras existentes no TCA configuram normas
de soft law ao analisar as três dimensões do documento internacional (obrigação, precisão e delegação).
Assim, observando a primeira, evidenciam os autores a ausência de normas coercitivas, enquanto na terceira
dimensão constatar-se-iam a inexistência de delegação de autoridade à OTCA para criar, interpretar e aplicar
regras89.

Sobre as normas internacionais qualificadas como de soft law no âmbito do direito ambiental internacional,
preleciona Heron José de Santana Gordilho que tais normas não somente estabelecem princípios e regras que
exercem considerável influência na criação de normas de direito interno e internacional, como ainda, eles
tem a importante função de desenvolver o direito internacional do meio ambiente, inclusive, deslegitimando
a “prática de atos que lhes sejam contrários”90.

85 ��������
SILVA, Solange
�������������� ���� Ob. cit. p. 971.
Teles da.
86 � Idem. p. 971.
87 � �������� Lílian
DUARTE, ���������������� Burlamaqui. Ob. cit. p. 25.
Cristina ������������
88 � �������� Cristiniana
FREIRE, ������������ ������������
Cavalcanti; ����������
TORQUATO, Carla
������ Cristina
��������� Alves;
������� e���������
COSTA, José
����� Augusto
��������
Fontoura. Juridificação internacional: análise do tratado de cooperação amazônica em face dos desafios
ambientais internacionais. In: Anais do XV Congresso Nacional do CONPEDI. Manaus: CONPEDI,
2006. p. 15. Disponível em: conpedi.org. Acesso em: 18 jul. 2009.
89 � Idem. p. 15-16.
90 ����������
SANTANA, Heron����������� ���� Direito Ambiental Pós-Moderno. Curitiba: Juruá, 2009. p. 58.
José de.
Maio de 2010 Voltar ao 17
Sumário
Boletim Direito Público Notadez
Em face da ausência de coercibilidade e delegação, fica difícil a concepção de um “direito amazônico”,
por mais desejoso que seja a criação de tal manifestação de direito comunitário, especialmente para fins de
proteção ambiental, tal como sustenta alguns autores91.

Também será objeto de crítica de Yahn Filho a citada avença internacional, visto que a mesma não teria
assimilado o conceito de “bacia de drenagem internacional” contido nas “Regras de Helsinque”, as quais
foram aprovadas durante a 52ª Conferência da International Law Association, no ano de 1966, na cidade de
Helsinque (Finlândia), e sustenta o mesmo autor que “����������������������������������������������������
privilegiando-se o aspecto político, no que tange à
adesão ao tratado, bem como a falta de uma definição de ações concretas para sua consecução, faz do TCA
um instrumento pouco eficiente para a cooperação, no que concerne aos recursos hídricos”92.

Tais deficiências institucionais carecem de uma solução célere, visto que se for considerado o Plano
Estratégico feito pela OCTA, os Estados amazônicos possuem uma série de desafios para a gestão adequada
dos recursos hídricos os quais podem ser sintetizados nos seguintes problemas93:

a) Pressão antrópica que contribui para a destruição de ecossistemas frágeis e do piemonte andino,
devido ao avanço sem controle da fronteira agrícola e pecuária;
b) Desmatamento e perda da cobertura vegetal, especialmente na bacia alta, ocasionando a
degradação de solos, redução da biodiversidade e assoreamento dos rios;
c) Contaminação hídrica: uso de agrotóxicos; contribuição de lixos e esgoto dos centros urbanos;
uso de produtos químicos para plantações de cultivos de uso ilícito; poluição por mercúrio orindo
dos garimpos; e, em algumas áreas, pelos derramentos de petróleo.

Outra crítica residiria justamente nas dificuldades que os diplomatas enfrentaram na adaptação das regras
previstas no Tratado da Bacia do Prata (1969) ao TCA, visto que o primeiro tratado internacional serviu
de modelo para a estruturação do conteúdo do Tratado de Cooperação Amazônica94, e ambos se referem a
realidades geohídricas bem distintas e particulares.

7. Conclusões

A questão do aproveitamento dos recursos hídricos não somente permanece, como assume proporções
de interesse global, seja em razão do problema comum dos Estados no aproveitamento e utilização de suas
disponibilidades aqüíferas, ou seja, pelo inerente conteúdo ambiental da matéria.

Por outro lado, a gestão compartilhada de recursos hídricos se torna interesse cada vez mais uma realidade
no âmbito das relações internacionais, de modo que os Estados vêm assumindo compromissos cada vez mais
importantes com o intuito de efetivar esta gestão, em face ao crescente surgimento de conflitos internacionais
vinculados a disputa por recursos hídricos.

Assim, as soluções de controvérsias a respeito de cursos de água transnacionais tendem à multilateralização


ou mesmo universalização, acompanhando também a tendência de absorção ou submissão do
relacionamento bilateral ou regional entre Estados, pelo relacionamento colegiado, enfatizadas as questões
ambientalistas.

No caso brasileiro, tem se buscado uma coerência entre direito interno e direito internacional com a
questão dos recursos hídricos transfronteiriços sendo inserida no contexto do seu Sistema Nacional de
Gerenciamento de Recursos Hídricos pela Constituição da República Federativa do Brasil de 1988.

O Brasil possui uma rica “fronteira hidrográfica” possuindo inclusive diversos tratados internacionais
disciplinando as relações jurídicas envolvendo a mesma, sendo exemplo disto o Tratado de Cooperação
Amazônica e o Tratado da Bacia do Prata.

91 � ����������� �����������
RODRIGUES, Alessandra Mahé Costa. Ob. cit. internet.
����� �������
92 � YAHN
����� FILHO,
������� Armando ������� Ob. cit. p.
�������� Gallo. ��� 9.
���
93 �������
OTCA. SECRETARIA ������������ Plano Estratégico 2004-2012. p. 38-39. Disponível
����������� PERMANENTE.
em: http://www.otca.org.br/PDF/Plano_Estrategico.pdf. Acesso em: 20 jul. 2009.
94 SOARES, Guido Fernando Silva. Ob. cit., p. 112.
Maio de 2010 Voltar ao 18
Sumário
Boletim Direito Público Notadez

UMA BREVE REFLEXÃO ACERCA DOS FUNDAMENTOS


CONSTITUCIONAIS DA TRIBUTAÇÃO DOS SERVIÇOS PÚBLICOS
Phillip Gil França
- Doutorando e mestre em Direito do Estado pela PUC-RS.
- Coordenador e professor (graduação e pós-graduação) da Faculdade de
Direito da Universidade Tuiti do Paraná.
- Professor da Escola da Magistratura do Paraná e da Escola Superior da
Advocacia – OAB/PR.
- Membro da Comissão de Ensino Jurídico da OAB-PR.
- Autor do livro ´Controle da Administração Públicas, RT, 2º Ed. São
Paulo. 2010´.
- Advogado e consultor jurídico.

i) Introdução; ii) Serviço público; iii) Tributação do serviço público; iv) Reflexão: há tributação incidente na
prestação de serviço público prestado por pessoas jurídicas de direito privado? v) A tributação da atividade
pública prestada pelo terceiro setor; vi) Considerações finais

i) Introdução

A atividade pública sempre foi alvo de fascínio do cidadão, pois remonta o que o ente escolhido para tutelar
as liberdades em uma sociedade faz em prol desta, com todo o poder concedido pelo povo de determinada
nação. A partir dessa idéia, observa-se a necessidade de análise de alguns ditames constitucionais que tratam
do serviço público, principalmente acerca de reflexos que irradiam da sua aplicação prática. Ao momento,
sugere-se uma breve elucubração sobre o serviço público e as possibilidades e limites de sua tributação.
Sugere-se, assim, uma sucinta caminhada pela trilha constitucional da tributação do serviço público.
Para tanto, será levantando, primeiramente, o conceito de serviço público adotado nesse estudo, após, uma
rápida explicação sobre a sua perspectiva orgânica e material. Adiante, tratar-se-á sobre a capacidade de
tributação estatal, acompanhada de considerações acerca das expressões constitucionais que autorizam,
limitam e até afastam a incidência de tal impressão do Poder Público. Ainda, objetiva-se trazer alguns
elementos doutrinários e jurisprudenciais sobre a viabilidade da tributação de serviços públicos e estudo
de casos relacionados ao tema.
O principal desiderato do estudo que se propõe é, efetivamente, trazer elementos para viabilizar a
reflexão e debate sobre quais são as indicações constitucionais acerca da tributação do serviço público e se
tais indicações estão sendo observadas quando da concretização dessa atividade.

ii) Serviço público

A Constituição expressa no caput do seu artigo 175 que “incumbe ao Poder Público, na forma da lei,

diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, sempre através de licitação, a prestação de serviços

públicos”. Porém, apesar da expressão constitucional sobre o dever estatal de prestação de tal atividade, não

é tarefa simples determinar o que é o serviço público e como deve ser efetuado.

Inexiste uma idéia fechada, pois os entendimentos doutrinários e jurisprudenciais acerca de suas

características sofrem constantes variações em função de inúmeros fatores, tais como o momento histórico

e o lugar em que é prestada determinada atividade que demonstre a existência de funcionabilidade à

Maio de 2010 Voltar ao 19


Sumário
Boletim Direito Público Notadez
coletividade, justificando sua execução pelo Estado, de forma direta ou indireta.

O conceito de serviço público utilizado nesse texto, feito com auxílio do magistério de Juarez Freitas,

é o seguinte: conjunto de atividades essenciais, assim consideradas pelo ordenamento jurídico, prestadas

diretamente pelo Poder Público ou mediante delegação executória lato sensu, tendo em vista atender ao

interesse geral e sob a regência dos princípios constitucionais de direito administrativo.

Prosper Weil afirma que “elaborada pela doutrina e jurisprudência clássicas, a noção de serviço público

comportava ao mesmo tempo um sentido material (atividade de interesse geral) e um sentido orgânico

(tomada de cargo pelos poderes públicos): mais exatamente, a separação então feita entre as atividades

privadas, prosseguidas com um fim pessoal, e as atividades públicas, exercidas com um fim de interesse

geral, estabelecia uma perfeita concordância entre a concepção material e a concepção orgânica do serviço

público”. Deste modo, para o autor: “ao sublinhar o caráter de serviço público de uma determinada atividade,

daí se concluía pela tomada desta atividade a cargo das autoridades administrativas.

Assim, conforme sua doutrina, “a partir do momento em que se admitiu que os particulares podiam ser

chamados a colaborar em tarefas de interesse geral, a noção material de serviço iria triunfar e o serviço

público tenderia a tornar-se sinônimo de atividade de interesse geral. Ora, se é fácil reconhecer um serviço

público em sentido orgânico, nada é mais difícil do que definir um serviço público no sentido material do

termo. Por si só, o fim de interesse geral que parece caracterizá-lo é demasiado fluído e incerto, porque ao

fim e ao cabo quase todas as atividades humanas concorrem de uma maneira ou de outra para o interesse

geral.”

Conclui, então, que quando “se quer conservar na noção de serviço público um interesse jurídico – quer

dizer, [se há vontade lhe interligar] determinadas conseqüências jurídicas – é pois preciso acrescentar algo

à noção de interesse geral, que constitui sem dúvida um elemento necessário à noção de serviço público,

mas não pode constituir um elemento suficiente dela”.

De acordo com Dinora A. M. Grotti, a expressão surgiu pela primeira vez nos textos constitucionais
 Além do conceito estabelecido por Juarez Freitas destacam-se os seguintes magistérios da doutrina nacional:
Celso Antônio Bandeira de Mello: Toda atividade de oferecimento de utilidade ou comodidade material destinada à satisfação da cole�
tividade em geral, mas fruível singularmente pelos administrados, que o Estado assume como pertinente a seus deveres e presta por si
mesmo ou por quem lhe faça as vezes, sob um regime de direito público – portanto, consagrador de prerrogativas de supremacia e de res�
trições especiais –, instituído em favor dos interesses definidos como públicos no sistema normativo (Bandeira de Mello, Celso Antônio.
Curso... cit., p. 612).
Maria Silvia Zanella Di Pietro: toda atividade material que a lei atribui ao estado para que a exerça diretamente ou por meio de seus
delegados, com o objetivo de satisfazer concretamente as necessidades coletivas, sob regime jurídico total ou parcialmente público. (Di
Pietro, Maria Sylvia Zanella. Direito... cit., p. 99.)
Marçal Justen Filho: Serviço público é uma atividade pública administrativa de satisfação concreta de necessidades individuais ou tran�
sindividuais, materiais ou imateriais, vinculadas diretamente a um direito fundamental, destinada a pessoas indeterminadas e executada
sob regime de direito público (Justen Filho, Marçal. Curso... cit., p. 478).
Hely Lopes Meirelles: serviço público é todo aquele prestado pela Administração ou por seus delegados, sob normas e controles estatais,
para satisfazer necessidades essenciais ou secundárias da coletividade ou simples conveniência do Estado. (Meirelles, Hely Lopes. Op.
cit., p. 319.)
 Freitas, Juarez. O controle... cit., p. 46.
 Weil, Prosper. O direito administrativo. Trad. Maria da Glória F. Pinto. Coimbra: Almedina, 1977. p. 81-82.
 GROTTI, Dinorá Adelaide Musetti. O serviço público e a constituição brasileira de 1988. São Paulo: Malheiros, 2003. p.89.

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Sumário
Boletim Direito Público Notadez
pátrios com a Carta de 1934, não tendo sido, desde então, erigido algum conceito constitucional de serviço

público. O texto de 1988 fornece alguns parâmetros, alguns referenciais conformadores da área definida

como própria dos serviços públicos.

Leciona a autora, ainda, que na Constituição Federal atual dois critérios são freqüentemente atribuíveis

a tal expressão:

i) o sentido orgânico ou subjetivo, como significado de aparato administrativo do Estado (arts. 37,

XIII; 39, § 7.o, 40, III, 40, § 16; 136, § 1.o, II; ADCT art. 2.o, § 1.o; art. 8.o, § 4.o; 19 e 53)

ii) e o sentido objetivo, significando uma modalidade de atividade de natureza pública (arts. 21,

X, XI, XII, XIV; 30, V; 37, § 6.o ; 54, I, ‘a’; 61, § 12, II, ‘b’; 139, VI; 145, II; 175; 198; 202, § 5.o; 223; 241; ADCT

art. 66).

Assim, para a autora, “a amostra é bem expressiva de que a Constituição brasileira acolhe a categoria de

serviço público, e de que inspira a atuação do Poder Público também na idéia de prestação de um sistema

de serviços. Trata-se de atividades de titularidade do Poder Público, que não se desnaturam quando sua

execução é delegada a particulares, pois a Constituição fixa um vínculo orgânico com a Administração, ao

dispor, no caput do art. 175, que incumbe ao Poder Público a prestação de serviços públicos, diretamente

ou sob regime de concessão ou permissão. A Constituição não trata, porém, todos os serviços de maneira

uniforme. Os objetivos visados são diferentes; a competência para prestação, bem como as formas de

organização e de gestão são distintas; a natureza jurídica da remuneração paga pelos usuários de serviços

públicos prestados uti singuli varia; a aplicação dos princípios de direito público especialmente reportados

aos serviços com diferente intensidade; há submissão, em graus variáveis, a um regime de direito público

e, em algumas situações, ao direto privado. Não há, enfim, um tratamento jurídico uniforme em relação a

todos eles. Existem regras constitucionais específicas acerca de questões peculiares”.


O que se observa, então, é que o instituto jurídico serviço público é determinável no sentir da sua aplicação
concreta, quando e onde se fizer necessária pontuada atividade do Estado em prol do desenvolvimento
da sociedade. Extrai-se, assim, do entendimento de atividades públicas voltadas à promoção individual e
intersubjetiva do cidadão, o rótulo de serviço público, como dever inescapável do Poder Público de promover
um real benefício dos sujeitos partícipes do Estado
Entretanto, frisa-se que, em razão da assunção estatal de não atendimento adequado desse mister
na plenitude de suas frentes de atividades e responsabilidades, alguns serviços públicos encontram-se
atualmente delegados à iniciativa privada.

 Id.
 Idem, ibidem.
 O art. 6º, §1º da lei 8.987/95 traz a determinação legal acerca da idéia de serviço adequado¸ expondo que é aquele que satisfaz
as condições de : regularidade, continuidade, eficiência, segurança, atualidade, generalidade, cortesia na sua prestação e modicidade nas
suas tarifas.

Maio de 2010 Voltar ao 21


Sumário
Boletim Direito Público Notadez
iii) Tributação do serviço público
De forma extremamente reduzida, trata-se de tributação a atividade fruto da contraprestação conferida
ao Estado, advinda de atividade de polícia e de gerenciamento das liberdades que se interagem no ambiente
social, conseqüente do exercício inafastável da obrigação de tutela e regulação dos integrantes da nação.
De acordo com o art. 145 da CF/88, o poder de tributar é conferido exclusivamente ao Estado. A
interpretação e conseqüente aplicação de tal ditame normativo, somado aos arts. Art. 146-A 150, II e
VI, a, bem como, §.2 º e §3 º 10 é o objeto da presente reflexão, qual seja: há possibilidade de exercício do
poder de tributar em face do Estado – quando este se apresenta em situação de concorrência com os demais
partícipes da ordem econômica – realizado de acordo com cada competência dos entes políticos estabelecidas
constitucionalmente?
Ao início, vale sublinhar que a Constituição Federal em seu artigo 150, inciso VI, alínea ‘a’, estabeleceu
como regra geral a não tributação dos serviços públicos. Contudo, fixou a possibilidade - no parágrafo
terceiro do aludido artigo - de tributação de serviços públicos prestados mediante exploração de atividades
econômicas.
Em virtude do Estado deter a legítima tutoria constitucional das liberdades individuais, concedidas a
este em prol de um bem maior – qual seja, o convívio em coletividade – tem-se que a titularidade de criação,
determinação e aprimoramento de serviços públicos na esfera nacional pertence a esse ente público.
Sabe-se, de igual maneira, que a realização de tais serviços pode ser delegada a entes privados, os quais,
por intermédio de permissão, concessão ou autorização estatal poderão auxiliar o Poder Público com fins
e deveres equivalentes ao do Estado, pois se apresentam ao titular do poder que move tal maquinário (o
cidadão) como se fosse o legítimo titular da atividade pública.
Destarte, há a possibilidade jurídica do Estado se desvincular do ônus da prestação do serviço público de
forma direta para arrecadar o respectivo bônus, fruto da tributação (de diversas naturezas) dessa atividade
pública prestada por particulares. Já os serviços públicos que tenham caráter essencial, devem ser prestados
pela própria Administração Pública direta, ou indireta, nestas incluídas as autarquias e fundações instituídas
e mantidas pelo Poder Público, no que se refere ao patrimônio, à renda e aos serviços, vinculados a suas
finalidades essenciais ou às delas decorrentes (art. 150, §2° da CF/88).
Oportuno sublinhar que, conforme leitura do art. 150, §3° da CF/88, as sociedades de economia mista
e empresas públicas também prestam serviços públicos. Contudo, para efeitos fiscais, serão tratadas como
se particulares fossem, em regra, ao que se refere à atuação relacionada com a ´exploração de atividade
econômica´.
Finalmente, há ainda o chamado terceiro setor, composto pela organização da sociedade civil, que assume
a responsabilidade de prestar serviço público. Estas são formadas, de maneira geral, por ONGs – entidade
privada sem fins lucrativos e OSCIPs, Organizações sociais e Serviços Sociais Autônomos.
 Art. 145. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios poderão instituir os seguintes tributos:
 Art. 146-A. Lei complementar poderá estabelecer critérios especiais de tributação, com o objetivo de prevenir desequilíbrios
da concorrência, sem prejuízo da competência de a União, por lei, estabelecer normas de igual objetivo

10 Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos
Municípios:
II -  instituir tratamento desigual entre contribuintes que se encontrem em situação equivalente, proibida qualquer distinção em razão de
ocupação profissional ou função por eles exercida, independentemente da denominação jurídica dos rendimentos, títulos ou direitos;
VI -  instituir impostos sobre:
a) patrimônio, renda ou serviços, uns dos outros;
§ 2º A vedação do inciso VI, a, é extensiva às autarquias e às fundações instituídas e mantidas pelo poder público, no que se refere ao pa�
trimônio, à renda e aos serviços vinculados a suas finalidades essenciais ou às delas decorrentes.
§ 3º As vedações do inciso VI, a, e do parágrafo anterior não se aplicam ao patrimônio, à renda e aos serviços relacionados com exploração
de atividades econômicas regidas pelas normas aplicáveis a empreendimentos privados, ou em que haja contraprestação ou pagamento de
preços ou tarifas pelo usuário, nem exoneram o promitente comprador da obrigação de pagar imposto relativamente ao bem imóvel

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Boletim Direito Público Notadez
Em síntese, quando a pessoa se veste com as roupas de sujeito objeto de determinada atividade pública
(ser proprietário de um bem imóvel, por ex.) recebe o ônus da vestimenta que está usando, conseqüente do
bônus de gozar de uma atividade de policia (de gerenciamento de liberdades) que lhe confere tranqüilidade
de utilizar o bem conforme suas convicções e autodeterminação. O Estado, quando quer gozar do bônus de
proveito econômico fruto da atividade que exerce, também veste a roupa igual a do particular. Isto porque,
se essa roupa não gerar o ônus proporcional ao bônus, cria-se um abalo no sistema que, com sua onda, afeta
todas as relações jurídicas desse Estado, quebrando a segurança jurídica que o sustenta.
Basicamente, a Constituição estabelece o eixo de equilíbrio dessa balança por intermédio da equalização
das relações concorrenciais, conforme se denota da leitura do art. 146-A. e art. 170, IV.

iv) Reflexão: há tributação incidente na prestação de serviço público prestado por pessoas jurídicas
de direito privado?

Sim, inclusive essa foi uma das grandes justificativas de quebra do monopólio público de determinados
serviços nuclearmente prestados diretamente pelo Estado. Fato que remonta o eterno empenho do Estado
de se livrar do ônus e ganhar o bônus. Para a doutrina, a espinha dorsal do debate da possibilidade de
tributação de serviço público ou atividade econômica prestado pelo Estado está na idéia de monopólio da
respectiva prestação. Roque Antonio Carrazza11, como exemplo doutrinário, diz que é esse o eixo que justifica
a imunidade tributária constitucional estabelecida no artigo 150, VI, a.
Então, a partir desse raciocínio, é verdadeira a afirmação acerca da atividade pública que não se trata de
´monopólio´, quando se cobra tarifa (ou preço público) não tem imunidade? Isto é, sem qualquer sofismo,
quando há um bônus (ganho econômico) proveniente de atividade pública é correto retirar o consequente
ônus (tributação) proporcional da atividade, mesmo quando essa é prestada em formato de monopólio
público?
Ainda, é apropriado considerar ´atividades carona´ em tal imunidade tributária quando o exercício da
atividade principal da empresa prestadora de serviço público trata-se de monopólio público? Essa é a questão
do notório caso acerca da Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos, que tem como objeto a remessa de
cartas e pacotes, como segue:

“RECURSO EXTRAORDINÁRIO 354.897 – 2 RIO GRANDE DO SUL – RELATOR: MIN. CARLOS


VELOSO. D.J. 03.09.04
EMENTA: CONSTITUCIONAL. TRIBUTÁRIO. EMPRESA BRASILEIRA DE CORREIOS E
TELÉGRADOS: IMUNIDADE TRIBUTÁRIA RECÍPROCA: C.F., Art. 150, VI a. EMPRESA PÚBLICA
QUE EXERCE ATIVIDADE ECONÔMICA E EMPRESA PÚBLICA PRESTADORA DE SERVIÇO
PÚBLICO: DISTINÇÃO.
I. – As empresas públicas prestadoras de serviço público distinguem-se das que exercem
atividade econômica. A Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos é prestadora de serviço
público de prestação obrigatória e exclusiva do Estado, motivo porque está abrangida pela
imunidade tributária recíproca: C.F. art. 150, VI a.
II. – R.E. conhecido e provido”.

Como visto, parte-se da idéia da atividade principal exercida pela empresa para abraçar as demais e,
inevitavelmente, afastá-las da justa e proporcional tributação. Ao caso, certo que a atividade de envio de
cartas é atividade monopolizada pelos CORREIOS, porém, de nada exclusivo existe na atividade de remessa
11 In: CARRAZZA, Roque Antonio. A imunidade tributária das empresas estatais delegatárias de serviços públicos. Malheiros.
2004.

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de pacotes. Logo, por que todas recebem a imunidade tributária recíproca, se apenas a principal atende aos
respectivos ditames constitucionais?

v) A tributação da atividade pública prestada pelo terceiro setor


O chamado terceiro setor é, atualmente, uma importante via de atendimento ao cidadão, uma vez que o
Estado se apresenta como não integralmente capacitado para o acolhimento de todas as demandas sociais
– sempre urgentes. “A qualificação de entidades como organizações sociais – terceiro setor – e a celebração de
contratos de gestão tiveram origem na necessidade de se desburocratizar e otimizar a prestação de serviços
à coletividade, bem como viabilizar o fomento e a execução de atividades relativas às áreas especificadas
na Lei 9.637/98 (ensino, pesquisa científica, desenvolvimento tecnológico, proteção e preservação do meio
ambiente, cultura e saúde)”12. Isto é, são particulares que assumem a atuação que inicialmente competia ao
Estado, com o desiderato de desenvolver determinados serviços públicos na área social, através de termos
de parceria.
Em razão do terceiro setor prestar serviços públicos, no sentido de fomentar atividades de interesse público
sem fins lucrativos, em complementação ao mau serviço prestado pelo Estado, defende-se que estas entidades
seriam merecedoras da imunidade tributária recíproca – sem deixar de mencionar a imunidade tratada no
art. 150, VI, c (“vedação de cobrar tributo ao patrimônio, renda ou serviços dos partidos políticos, inclusive
suas fundações, das entidades sindicais dos trabalhadores, das instituições de educação e de assistência
social, sem fins lucrativos, atendidos os requisitos da lei”).
Ainda em nossos tribunais se observa um caminho de defesa dessas atividades que não possuem como
objetivo o lucro, mas apenas viabilizar um bem maior a todos, como forma contribuição com o dever de
participação no crescimento da nação. Como se depreende nos exemplos jurisprudenciais que seguem:

EMENTA: TRIBUTÁRIO - ENTIDADE DE FINS FILANTRÓPICOS - IMPOSTO DE IMPORTAÇÃO


- ART. 150, “C”, DA CF - IMUNIDADE RECONHECIDA. 1 - A imunidade do art. 150, VI, “c”,
da Constituição Federal não alcança apenas os impostos sobre a renda, o patrimônio
e os serviços, abrangendo quaisquer impostos que gravem, direta ou indiretamente, o
patrimônio, a renda ou os serviços da entidade destinatária do benefício. Precedentes
do Egrégio Supremo Tribunal Federal. 2 - No caso de bens importados destinados ao
uso exclusivo do ente importador, os impostos indiretos adquirem características de
impostos diretos, pois não haverá o repasse do ônus tributário. (REMESSA EX-OFFICIO
2008.71.08.000926-0 - RS - Relatora: LUCIANE AMARAL CORRÊA MÜNCH - SEGUNDA
TURMA – PUBLICADO NO D.E. 24/09/2008).

EMENTA: TRIBUTÁRIO. MANDADO DE SEGURANÇA. IMUNIDADE. ENTIDADE DE


ASSISTÊNCIA SOCIAL. ART. ����������������������������������������������������������������
150, VI,’C’, DA CF. IPI. II. ART. 14 DO CTN. IMPORTAÇÃO
��������������
DE
EQUIPAMENTOS HOSPITALARES. NÃO CONTRIBUINTE DO ICMS. INEXIGÊNCIA. SÚMULA
660/STF. PERSECUÇÃO DO CRÉDITO PELO ESTADO. 1. A imunidade prevista no art. 150,
VI, ‘c’, da Constituição Federal, em favor das instituições de assistência social, abrange o
Imposto de Importação e o Imposto sobre Produtos Industrializados, que incidem sobre
bens a serem utilizados na prestação de seus serviços específicos. Precedentes desta Corte.
2. A entidade filantrópica e sem fins lucrativos tem imunidade, nos termos do art. 150,
VI, ‘c’, da Constituição Federal, quanto ao recolhimento do Imposto de Importação e IPI,
em respaldo ao preenchimento dos requisitos do art. 14 do CTN como também daqueles

12 STJ – MS 1527/DF – 2005/0046851-1 – Ministra Denise Arruda – 14/09/05 – DJ 07.11.05, p. 75.

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do art. 12 da Lei 9.532/97, salvo quando estes estejam em desacordo com a reserva de
lei complementar. 3. Nos termos da Súmula 660 do STF, “não incide ICMS na importação
de bens por pessoa física ou jurídica que não seja contribuinte do imposto”, quando mais
na ausência de lei integrativa operacionalizando o princípio da não-cumulatividade.
4. O desembaraço da mercadoria importada deve prosseguir porque descabe, no caso
concreto, diante das circunstâncias, a exigência do comprovante de pagamento do ICMS,
facultado à Fazenda Pública do Estado a persecução do crédito tributário se reputar devido,
ressalvada a competência da Justiça Estadual. 5. Apelação e remessa oficial improvidas. (AC
- APELAÇÃO CIVEL - 2000.71.00.019917-9/RS – Relator: ÁLVARO EDUARDO JUNQUEIRA
- PRIMEIRA TURMA – PUBLICADO NO D.E. 12/08/2008).

Entretanto, vale o alerta: tal como ocorre com a questão da prestação de serviço público por empresas
públicas (como o caso dos CORREIOS), o terceiro setor não pode abrir um caminho de descompasso da balança
econômica do Estado. Se ela efetivamente traz um bônus à sociedade, ninguém melhor merece a diminuição
do ônus. Porém, se outras atividades correm para a carona dessa especifica e concreta atividade em prol da
coletividade, imediatamente a regulação estatal deve identificar e imprimir o ônus correspondente.
Assim, não se admite mais o caminho do Poder Público como garantidor de atividades – algumas vezes
– obscuras e distantes de um sério controle. Situações tais que geram a crise de confiança que o mundo
enfrenta nesse início do século XXI

vi) Considerações finais


Após essas brevíssimas considerações (limitadas ao objetivo de contribuição à reflexão sobre o tema),
observa-se que o tributo não pode ser instrumento de estímulo da desvantagem concorrencial do Estado
frente à iniciativa privada, no espectro da ordem econômica estabelecida.
A Constituição protege a livre iniciativa justamente para que se viabilize o desenvolvimento nacional
esperado, como almeja o artigo terceiro da Carta Maior. Para tanto, é necessário que a economia do país
possua trilhos próprios, bem estabelecidos, firmes, seguros e que tenham como rumo o crescimento continuo
e responsável. Com essas metas em vista, o papel do Estado é de regulação, não de invasor ou de agente ativo
desse cenário. Não se pode ser maestro, músico e platéia ao mesmo tempo.
Assim, o Estado pode agir em ambientes onde se procura o lucro, com objetivo de auto desenvolvimento,
apenas quando precisar de tal prestação para alcançar o seu desiderato público. Ou seja, sua atividade fora
do âmbito restrito de ente público - com todas as prerrogativas e sujeições inerentes a essa condição - é
excepcional e deve ser tratada e exercida conformes os limites constitucionais dessa excepcionalidade.
Deste modo, em que pese as determinações constitucionais que afastam a cobrança de tributos entre
entes públicos, em determinadas situações tal cobrança é estritamente necessária para manutenção da
balança concorrencial. Do contrário, o ônus será transferido indevidamente ao cidadão, elo mais fraco e
incapaz (também ilegítimo) de suportar tal dever). Não pode o Estado agir – em evidente abuso de poder
– conforme tivesse interesse de crescimento em detrimento do povo que o originou.
Geraldo Ataliba bem expressa que “é na matéria tributária que mais frequentemente se vê o Estado
tentado a alterações bruscas e implantação de inovações, surpreendendo o cidadão. Daí por que foi a esse
propósito que surgiram as reações que, à sua vez, deram lugar a momentos tão decisivos na história do
constitucionalismo. Em 1215, a Magna Charta Libertatum, com decisiva motivação tributária; a Declaração
de Independência dos Estados Unidos, desencadeadas pelo Stamp Act; a nossa Inconfidência Mineira, como
toda uma bela proposta republicana e federal... Tudo a mostrar que a tendência ao abuso de poder tem

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significativo e amplo campo de expansão na seara tributária.”13
Para Dino Jarach14, o sistema tributário tem que arrecadar de forma suficiente a que se espera como
instrumento destinado a cobrir gastos orçamentários do Estado. Em uma política fiscal tendente a alcançar
a estabilidade econômica, o sistema tributário deve estar apto a diminui o poder de compra dos particulares
em uma quantia e tempo necessários para evitar o fenômeno da inflação e deve ter a flexibilidade necessária
para adaptar-se às diferentes conjunturas econômicas.
O autor levanta outro problema de caráter geral referente ao sistema tributário, que é o antagonismo
– habitual neste e em outros campos da vida social – entre o desenvolvimento histórico e o reformismo que
pretende racionalizar o sistema, conforme específicos princípios ou postulados.
Conforme palavras de Jarach: sem pretender se apoiar na doutrina hegeliana – tudo o que é real é racional
– segue-se uma linha de raciocínio de que junto com a linguagem e o direito, todo o esforço de reforma
racionalizadora que se supõe fundada deve se compatibilizar com a evolução histórica das instituições
que fizeram parte delas e que em cada momento foram assimiladas pela economia da nação, constituindo
o equilíbrio econômico e social que as reformas se propõem a promover (este argumento não significa, a
priori, uma oposição à reforma).
Isto é, depreende-se da doutrina indicada que um sistema de tributação que imprima proporcional e
necessária força estatal na sociedade deve também se compatibilizar com a história de sua nação. Não há
espaço – nesta seara – para aventuras legislativas ou administrativas. O Estado deve assumir seu papel
responsável de ente regulador das atividades que, em determinado tempo e lugar, acontecem sob sua
gerência. Não obstante, deve integrar tais atos no contexto sociocultural de sua nação, respeitando, assim,
as conquistas alcançadas e afastando as sempre presentes tentativas de retrocesso de direitos fundamentais
constitucionalmente protegidos.
Nesta linha, e considerando o arcabouço da primeira grande crise econômica mundial surgida no século
XXI, interessante é observar o fenômeno de desestatização de alguns serviços públicos no Estado nacional
sob a ótica tributária.
Sabe-se que em meados dos anos 90, no Estado nacional, foi iniciado um plano estatal de desmonopolização
de determinados serviços públicos, visto que sua execução direta pelo Estado não estava atendendo aos
anseios da nação e aos interesses do governo da época. Assim, serviços como de telefonia, manutenção de
rodovias, dentre outros, deixaram de ser explorados exclusivamente pelo Poder Público e passaram a ser
disputados por empresas privadas. Como se observou, não apenas retirou-se um ônus do Estado, mas também
se gerou um bônus para este. Isto porque, além de se retirar toda a pesada carga de manutenção de infra
estrutura de tais serviços, bem como o necessário investimento para o indispensável avanço tecnológico dos
mesmos, o Estado passou a ganhar os respectivos tributos fruto da exploração particular desses serviços
não mais monopolizados.
A desmonopolização de serviço público criou novos partícipes concorrenciais da economia nacional,
fazendo surgir, assim, novas receitas para o Poder Público. Porém, questiona-se: É possível o adequado
gerenciamento da balança econômica e a busca do constante equilíbrio entra a prestação de serviço público
e o proveito da respectiva contraprestação – tendo em vista a atual condição de mercado norte-americano,
conseqüente da crise de fé da manutenção das relações entre sociedade e Estado?
Deste modo, chega-se a um dos elos fundamentais dessa reflexão, que é determinar quais são os limites
de possibilidade de desestatização de serviços públicos.
Seriam os limites aqueles que partem do critério sobre serviços públicos essenciais? Entretanto, quais são,
efetivamente, as atividades essenciais? Finalmente, questiona-se, até que ponto a imunidade dos ‘monopólios

13 �ATALIBA, ��������� República e Constituição. 2º Ed. 4º tir. Malheiros. São Paulo. 2007. p. 172.
��������� Geraldo,
14 ��������� ������ Finanzas Públicas y Derecho Tributário. 3 ed. Abeledo-Perrot. Buenos Aires.
JARACH, Dino.
2003. p 274.
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RESPONSABILIDADE CIVIL POR DANO MORAL AMBIENTAL


José Augusto Delgado
Ministro do Superior Tribunal de Justiça
Professor de Direito Público
Sócio Honorário da Academia Brasileira de Direito Tributário

1 - Introdução

A responsabilidade civil por dano moral ambiental, embora constitua matéria só tratada recentemente
pela doutrina e pela jurisprudência, tem merecido pronunciamentos diversificados por quem a examina.
Em face desse panorama, continua sempre atualizado qualquer estudo que a ela imponha dedicação. Na
realidade, os que estão voltados para o questionamento do assunto objetivam, unicamente, aperfeiçoar os
aspectos determinantes da responsabilidade civil quando consumado esse tipo de atentado moral ao meio
ambiente.
A doutrina da responsabilidade civil ambiental desenvolvida no limiar deste Século XXI tem demonstrado
que há necessidade de a Ciência Jurídica preocupar-se, com intensidade, da proteção aos padrões essenciais
fixados pela natureza. Concebe que há de ser preservado, em toda a sua integridade, o que ainda remanesce
do ambiente natural.
O meio ambiente, reconhece a doutrina, começou a ser alterado, com maior intensidade, a partir da
Revolução Industrial. Esta, como demonstra a história, iniciou-se na Inglaterra, em meados do Século XVIII.
A característica fundamental desse movimento, em sua origem, está na inauguração nos meios produtivos da
denominada indústria mecânica, com o objetivo de, pelo uso de máquinas fabris, multiplicar o rendimento
do trabalho e, conseqüentemente, aumentar a produção.

A Revolução Industrial proporcionou um avançado progresso tecnológico. Em razão dela foram inventadas
máquinas e mecanismos como a lançadeira móvel, a produção de ferro com carvão de coque, a máquina a
vapor, a fiandeira mecânica e o tear mecânico. Estes produtos causaram uma revolução produtiva. “Com a
aplicação da força motriz às máquinas fabris, a mecanização se difunde na indústria têxtil e na mineração.
As fábricas passam a produzir em série e surge a indústria pesada (aço e máquinas). A invenção dos navios
e locomotivas a vapor acelera a circulação das mercadorias”b2.
Por causa desse movimento, o processo de industrialização surgido pela Revolução Industrial gerou
conseqüências. Estas são avaliadas por uma parte da doutrina com as observações seguintes:
“Conseqüências do processo de industrialização - As principais são a divisão do trabalho, a produção em
série e a urbanização. Para maximizar o desempenho dos operários, as fábricas subdividem a produção em
várias operações e cada trabalhador executa uma única parte, sempre da mesma maneira (linha de montagem).
Enquanto na manufatura o trabalhador produzia uma unidade completa e conhecia assim todo o processo,
agora passa a fazer apenas parte dela, limitando seu domínio técnico sobre o próprio trabalho.
Industrialização na Inglaterra
A primeira fase da revolução industrial (1760-1860) acontece na Inglaterra. O pioneirismo se deve a vários
fatores, como o acúmulo de capitais e grandes reservas de carvão. Com seu poderio naval, abre mercados na
África, Índia e nas Américas para exportar produtos industrializados e importar matérias-primas.
Acúmulo de capital - Depois da Revolução Gloriosa, a burguesia inglesa se fortalece e permite que o país
tenha a mais importante zona livre de comércio da Europa. O sistema financeiro é dos mais avançados. Esses
fatores favorecem o acúmulo de capitais e a expansão do comércio em escala mundial.
Controle do campo - Cada vez mais fortalecida, a burguesia passa a investir também no campo e cria os
cercamentos (grandes propriedades rurais). Novos métodos agrícolas permitem o aumento da produtividade
e racionalização do trabalho. Assim, muitos camponeses deixam de ter trabalho no campo ou são expulsos
de suas terras. Vão buscar trabalho nas cidades e são incorporados pela indústria nascente.

Crescimento populacional - Os avanços da medicina preventiva e sanitária e o controle das epidemias


favorecem o crescimento demográfico. Aumenta assim a oferta de trabalhadores para a indústria.
Reservas de carvão - Além de possuir grandes reservas de carvão, as jazidas inglesas estão situadas perto
de portos importantes, o que facilita o transporte e a instalação de indústrias baseadas em carvão. Nessa
época a maioria dos países europeus usa madeira e carvão vegetal como combustíveis. As comunicações e
comércio internos são facilitados pela instalação de redes de estradas e de canais navegáveis. Em 1848 a

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Inglaterra possui 8 mil km de ferrovias.
Situação geográfica - A localização da Inglaterra, na parte ocidental da Europa, facilita o acesso às mais
importantes rotas de comércio internacional e permite conquistar mercados ultramarinos. O país possui
muitos portos e intenso comércio costeiro.
Expansão industrial
A segunda fase da revolução (de 1860 a 1900) é caracterizada pela difusão dos princípios de industrialização
na França, Alemanha, Itália, Bélgica, Holanda, Estados Unidos e Japão. Cresce a concorrência e a indústria de
bens de produção. Nessa fase as principais mudanças no processo produtivo são a utilização de novas formas
de energia (elétrica e derivada de petróleo), o aparecimento de novos produtos químicos e a substituição
do ferro pelo aço.
Automatização e Robótica
A terceira fase da revolução industrial é a que vai de 1900 até os dias de hoje. Caracteriza-se pelo surgimento
de grandes complexos industriais e empresas multinacionais e pela automação da produção. Desenvolvem-se
a indústria química e a eletrônica. Os avanços da robótica e da engenharia genética também são incorporados
ao processo produtivo, que depende cada vez menos de mão-de-obra e mais de alta tecnologia. Nos países de
economia mais desenvolvida surge o desemprego estrutural. O mercado se globaliza apoiado na expansão
dos meios de comunicação e de transporte.
Truste - Grupo de empresas dotadas de autonomia jurídica, mas controladas por uma única sociedade
matriz. O truste também pode ser entendido como uma empresa poderosa, que controla parte significativa
ou todo um setor econômico.
Cartel - Tipo de truste constituído por um grupo de empresas juridicamente distintas, que procuram
estabelecer, em comum, os preços
de determinados produtos, em detrimento das leis de mercado e do consumidor. É também conhecido
como pool.
Holding - Sociedade financeira, sem atividade produtiva, que controla ou dirige, por intermédio de
participações, empresas com personalidade jurídica própria.”c3
As transformações acima apontadas produziram, conseqüentemente, atentados ao meio ambiente. As
atividades das indústrias criadas afetaram o direito de gozo pelas populações das condições benéficas dos
fatores da natureza à saúde e ao bem-estar do homem. Esse direito, difuso por excelência, haja vista atuar
em campo de expansão da individualidade, despertou a necessidade de ser amplamente protegido.
A ciência jurídica, consciente dessa realidade, tem estabelecido regras para impedir a lesão ao meio
ambiente, bem como, impondo responsabilidade civil a quem for autor do dano, quer de natureza material,
quer de natureza moral. Idem responsabilidade administrativa e responsabilidade penal.

2 - Responsabilidade Civil por Dano Ambiental e Sua Interpretação da Legislação Que a Rege

A interpretação da legislação aplicada à responsabilidade civil por dano ambiental tem merecido estudos
freqüentes dos doutrinadores, tendo em vista os seus reflexos no patrimônio do poluidor e a necessidade
da criação de mecanismos que contribuam para diminuir a sua prática.
Entre os autores que têm demonstrado preocupação com a interpretação das regras voltadas para a
responsabilidade civil por dano ambiental, destacamos, entre tantos outros, Bruno Torquato de Oliveira
Naves. Este, em artigo sobre a responsabilidade civil por dano ambiental e sua interpretação, publicado no
site: http://buscalegis.ccj.ufsc.br/arquivos/ResponsabilidadeCA.htm, lança idéias que, pela profundidade com
que são analisadas, merecem ser, integralmente, conhecidas. Por essa razão, passamos a transcrevê-las:
“A adoção da teoria objetiva no Direito Ambiental não fez com que a aplicação da responsabilização civil
nesse ramo fosse compreendida. Muito se evoluiu na busca da reparação do bem ambiental lesado, mas ainda
estamos longe de atingir a reparação integral e muito disso se deve a má interpretação da responsabilidade
civil dentro do contexto do Direito Ambiental.

Uma das principais formas de expressão do Direito são os princípios, que informam todo o sistema jurídico,
direcionando interpretações corretas e constituindo-se das aspirações de uma determinada sociedade.
A leitura da teoria da responsabilidade civil deve ser conjugada com os princípios de Direito Ambiental,
sobrelevando o interesse coletivo frente a interesses econômicos particulares, buscando a mais completa
reparação do ambiente degradado.
Aplicar indenização pecuniária como forma de responsabilizar aquele que provocou o dano ambiental
deve ser meio subsidiário de responsabilização. A forma primeira deve ser a recuperação do meio ambiente
e só na impossibilidade desta reparação deve o agente indenizar a coletividade.

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Assim, deve-se entender o Princípio poluidor-pagador como comando que traz ao poluidor a obrigação
de reparar o dano causado por sua conduta, ‘saldando’ sua dívida para com a sociedade e restituindo o
ambiente a seu estado anterior. Deve-se abandonar a idéia de pagamento em dinheiro como forma principal
de satisfação. A indenização em dinheiro deve ser subsidiária.
Também não se pode entender que o pagamento, isto é, a reparação ou indenização, torna legítima a
atividade lesiva, pois sua finalidade é a punição do poluidor, desestimulando condutas danosas, e a reparação
do ambiente degradado para menor prejuízo da coletividade. Assim, não cabe a afirmação ‘poluo, mas pago’,
pois o caráter ilícito e reprovável permanece, devendo a sanção civil, a fim de evitar tal assertiva, estabelecer
uma sensível punição, de forma a desestimular a conduta lesiva.
A responsabilidade civil no Direito Ambiental, diferentemente da responsabilidade do Direito Civil, não
visa à satisfação de um particular, mas de grupos indeterminados de pessoas que dependem das condições
naturais para sobrevivência. Isso sempre deve ser levado em consideração na responsabilização do poluidor.
Trata-se de direito público, com caráter notadamente coletivo.
A responsabilidade civil por dano ambiental, como se infere do art. 14, § 1º, da Lei nº 6.938/81, é objetiva,
isto é, não há que se provar culpa do poluidor. Para sua caracterização há que comprovar somente o evento
danoso, a conduta lesiva e o nexo causal entre o dano e a conduta do poluidor.

Evento danoso é o fato que causou prejuízo ao meio ambiente. Exige-se que o prejuízo seja grave e não
eventual, sendo esta uma noção temporal diferente da comum.
‘A gravidade consiste na transposição daquele limite máximo de absorção de agressões que possuem os
seres humanos e os elementos naturais.’
A noção de não-eventualidade consiste ‘na necessidade de que haja o tempo suficiente para a produção
de um dano substancial e grave, não se verificando, por exemplo, no caso de odores momentâneos’.
As condições de gravidade e não-eventualidade do prejuízo devem ser analisadas no caso concreto, pois
são conceitos que variam segundo a época e o local.
Conduta lesiva é a ação ou omissão que causa prejuízo ao meio ambiente, independente da aferição do
animus, isto é, culpa ou dolo.
Relativamente ao nexo causal basta a comprovação de que a lesão ao meio ambiente tenha advindo da
atividade do poluidor.
A adoção da teoria objetiva inverteu o ônus da prova, isto é, não se tem mais que demonstrar a causalidade
entre a atividade do agente e o dano. Há uma presunção de causalidade, cabendo ao acusado afastar sua
responsabilidade.
A responsabilidade civil no Direito Ambiental deve estar em consonância com o Princípio do
desenvolvimento sustentável.
Há, no entanto, que se fazer uma cuidadosa análise do que vem a ser desenvolvimento sustentável. Não se
trata de uma simples conciliação entre crescimento econômico e preservação do meio ambiente, pois esse
é o modelo de ‘desenvolvimento’ responsável pelo atual grau de degradação ambiental.
Não se concilia crescimento econômico com meio ambiente, mas desenvolvimento com preservação
ambiental. O desenvolvimento sustentável não é só no âmbito econômico, deve-se buscar um novo modelo
de sociedade, mais participativa, igualitária, solidária e integrada com o meio ambiente.
De acordo com essa concepção está a Agenda 21, que considera desenvolvimento sustentável o
‘desenvolvimento com vistas a uma ordem econômica internacional mais justa, incorporando as mais recentes
preocupações ambientais, sociais, culturais e econômicas’.
A preservação do meio ambiente não pode fazer concessões ao desenvolvimento, além de que, como
direito difuso, ninguém pode
renunciar ao direito ao meio ambiente, pois esse é um direito que pertence também às gerações
futuras.”
Consagramos, em visão contemporânea, em manifestação de aliança com o pregado pelo autor último
citado, que os clássicos métodos de interpretação até então seguidos pela Ciência Jurídica não são mais
suficientes para a compreensão das normas positivadas, especialmente as que são dirigidas a regular a
responsabilidade civil por danos causados ao meio ambiente.
Estamos ao lado daqueles que defendem a adoção de outros métodos e técnicas de interpretação além
dos tradicionalmente conhecidos. Estes, como prega a doutrina, são:
a) interpretação filológica ou gramatical;
b) lógico ou sistemático;
c) histórico;
d) teleológico.

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Os métodos de interpretação não convencionais que, atualmente, devem ser empregados podem ser
apontados como sendo os seguintes:
I - o método tópico-problemático (privilegia o problema - e não a norma ou o sistema - a ser solucionado
pela atividade interpretativa);
II - o método concretista (Peter Häberle) (o hermeneuta procura entender de modo concreto a situação
a ele posta) (o texto normativo possui mais relevância do que o problema);
III - o método científico-espiritual ou valorativo: interpretação baseada em valores subjacentes ao texto
legal (defende a idéia de a interpretação objetiva compreender o sentido e a realidade de uma norma, mais
do que dar resposta ao sentido dos conceitos da lei);
IV - o método normativo-estruturante: investiga as várias funções da realização do direito, a fim de resolver
um problema prático a partir do texto da norma. “O seu elemento decisivo é a não-identidade entre normas e
texto-normativo, pois, por meio deste, capta-se uma parte da realidade social que o texto da lei não consegue
abrigar. Do confronto entre ambos, a atividade interpretativa desenvolver-se-á no sentido de encontrar uma
solução prática que se adapte às várias funções do direito na sociedade, tais como: a harmonia do sistema
jurídico (legislação), a administração da sociedade e o exercício da jurisdição”d4.

Identificamos a preocupação constante da doutrina e da jurisprudência com os fenômenos que envolvem a


interpretação da responsabilidade civil por danos morais ambientais. Os agentes jurídicos que atuam nesses
dois campos, o da doutrina e o da jurisprudência, voltam-se para fazer valer a eficácia e a efetividade das
garantias e dos direitos dos cidadãos que estão assegurados pela Constituição Federal de 1988, especialmente
os dirigidos para a valorização da dignidade humana e da cidadania.
A postura atual do intérprete do direito legislado está ligada ao compromisso que tem com os aspectos
axiológicos que envolvem o direito ambiental, cumprindo-lhe destacar a potencialidade dos seus efeitos e
a harmonia, quando a lei for aplicada em cada caso concreto, com as diretrizes traçadas pela Carta Magna
de 1988 sobre o assunto.
As transformações ocorridas no ordenamento jurídico voltadas para a proteção do meio ambiente, pelo
conteúdo dos seus objetivos, exige uma reavaliação do sistema interpretativo até então adotado pelo aplicador
da lei, a fim de adaptar a legislação protetora dos bens naturais aos seus desígnios.
Sabemos que interpretar a lei é, no fundamental, determinar, com o máximo de precisão, o valor da
Justiça nela contido. Esse valor Justiça, no Brasil, quando se apresenta com conotação de conflito, é entregue,
por provocação da parte interessada, ao Judiciário para solucionar o impasse, o que deve fazer sempre em
benefício do cidadão e com atitudes voltadas para o fortalecimento do Estado Democrático de Direito.
É sempre útil lembrar, na discussão do tema abordado, as reflexões feitas por Roberto Rosase5, Doutor
em Direito, no sentido de que a
“Justiça materializa-se no processo. Para atingir essa materialização, há necessidade de o processo tornar-
se viável aos legítimos interesses dos postulantes. Somente uma justiça dirigida ao social pode veicular
esse liame entre justiça e processo, destacando-se a liberdade individual como instrumento da sociedade
democrática. Sem o respeito ao individualismo não há Justiça Social. Sem permitir o acesso do indivíduo
à Justiça, não há Justiça Social. Todo obstáculo ao indivíduo perante o Judiciário é frustrar a Justiça
Social”.
A seguir, adverte Roberto Rosas que
“se o Estado institui o Judiciário com o intento de solver os conflitos de interesses, deve, portanto, adaptá-
lo ao mundo atual, modernizá-lo e compatibilizá-lo com a sociedade tecnológica e humana. Em todo esse
processo social destacam-se duas posições: a do Juiz e a do advogado. Não nos devemos aficcionar com as
tradicionais posições sem aproveitamento às realidades modernas. Se o jurista é, essencialmente, afeito à
tradição e ao respeito às formas consolidadas, até por precaução política, não deve ficar insensível às mutações
sociais e econômicas, que convocam a classe jurídica à meditação e à evolução, ou até involução”.
O renomado autor afirma que:
“Mauro Cappelletti lembra que a história do direito demonstra como o modo de conceber seus institutos
é sempre assaz mutável. Invoca determinado instituto de direito privado em certo período histórico, que
passa a direito público (Ideologias en Derecho Procesal. In: Proceso, Ideologias, Sociedad, p.12; ou Proceso
e ideologia, p.13). Em tema de justiça e liberdade estamos no mundo do social, e portanto na Justiça Social,
sem a qual os valores humanos desprotegidos tornam-se inermes nas mãos dos poderosos. Acentue-se que
a liberdade, como esfera de autonomia para o cumprimento de atividades vitais, é corolário da dignidade
moral do homem, isto é, o princípio de que o indivíduo tem um fim próprio a cumprir (Siches, Luís Recaséns.
Filosofia del Derecho, p.494).”
Estamos a defender, influenciado pelas idéias acima registradas, que uma nova postura deve ser,

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Sumário
Doutrina Boletim Direito Público Notadez
conseqüentemente, adotada pelo intérprete no referente aos propósitos da legislação destinada a
responsabilizar as pessoas físicas e jurídicas que praticam danos ao meio ambiente.
Está pacificado no campo doutrinário que o direito ao meio ambiente é de terceira geração. É um direito
novo com profunda repercussão social e voltado a assegurar ao homem uma vida sã, sem, contudo, impedir
o desenvolvimento comercial e industrial e outras necessidades da vida em sociedade como as de habitação,
saúde, escola, segurança, proteção à velhice, à maternidade e ao adolescente.
Apresenta-se influente, a nosso entender, para o seguimento de uma nova visão quanto aos métodos de
interpretação, a manifestação de Oliveira Ascensão, em sua obra O Direito: introdução e teoria geral. Rio de
Janeiro: Renovar, 1994, p.304, do teor seguinte:

“A interpretação em sentido amplo é a busca, dentro do ordenamento, da regra aplicável a uma


situação concreta. O intérprete terá então de passar em revista as fontes até chegar àquela ou àquelas que
verossimilmente contenham regra que contemple diretamente o caso. Se a encontra, fixa-se na fonte e
completa a interpretação em sentido estrito. Se não a encontra, deverá proceder à integração dessa lacuna
do sistema, ou fazer interpretação enunciativa. Em todos os casos, porém, para se poder chegar à afirmação
de que há ou não regra aplicável pressupõe-se a prévia interpretação (em sentido estrito) das fontes que o
intérprete foi sucessivamente examinando.”
Estamos certos de que não se compatibiliza, na época contemporânea, a adoção de posicionamentos,
quer doutrinário, quer jurisprudencial, que pretendam seguir interpretação em sentido estrito. O adequado
tratamento interpretativo, partindo da adoção dos princípios constitucionais, conduz a que seja seguido o
método de sentido amplo das normas referentes ao meio ambiente, com destaque aos aspectos determinantes
de obediência integral aos ditames do respeito aos direitos dos homens, especialmente os que consagram a
força da cidadania e da dignidade humana, ao lado dos demais valores que compõem o quadro fundamental
protetor do ser social.
A interpretação conclusiva das normas reguladoras das atividades desenvolvidas envolvendo o meio
ambiente há de alcançar o patamar de efetividade e de eficácia desejado pelo legislador constituinte. Ela
há de passar por processo de desenvolvimento situado em campo formado por regras que estão postas,
primeiramente, na Constituição Federal como um todo e, seqüencialmente, no Código Civil e na legislação
específica sobre o meio ambiente.
A missão do decifrador do conteúdo da mensagem legislativa consiste em, trabalhando com o ramo do
Direito suso mencionado, no que lhe interessa para o cumprimento de sua missão, afastar as ambigüidades,
as insuficiências, os desvios e as redundâncias das regras normativas que dão apoio ao sistema interpretativo
e integrativo adotado em relação ao meio ambiente.
Temos como regra de que a correção de uma norma, ao ser feita pelo aplicador do Direito, visa a adequá-la
aos anseios da sociedade jurídica. A atuação para alcançar esse objetivo desenvolve-se em linha de organização
administrativa e judicial. Qualquer que seja o ambiente, só serão corrigidos com sucesso os equívocos da
norma ambiental, por exemplo, se afastadas forem as antinomias nela existentes e os conflitos entre os
princípios a que ela está subordinada. A identificação dessa insuficiência normativa, quando tratada com
eficiência, concretiza a verdadeira vontade do legislador.

3 - Algumas Manifestações Doutrinárias Sobre a Responsabilidade Civil por Dano Moral Ambiental

Estamos em concordância com os escritores jurídicos que afirmam não ser tratado, com intensidade, na
doutrina estrangeira, o tema relativo ao dano moral ambiental, especialmente a responsabilidade do agente
provocador. Esta é, por exemplo, a opinião de André Dalanhol, em sua tese de mestrado “Responsabilidade
Civil. Reparação do Dano Moral Ambiental”, cujo texto está no site http://teses.eps.ufsc.br/defesa/pdf/7690.
pdf. No referido trabalho, afirma o citado autor:
“O tema dano moral ambiental trafega muito lentamente em alguns países, notadamente aqueles voltados
para a problemática dos aspectos causadores de impactos ambientais. Não se pode mais, num mundo
globalizado, desconhecer a existência do fato provocador de tantas aflições, angústias e infinitas dores no
íntimo do ser humano. A questão, como se disse, transcende as fronteiras brasileiras e percorre infinitas
nações. Contudo, no presente trabalho, pretende-se fixar a abrangência no contexto nacional, para o fim de
produzir um estudo que, trafegando pelas universidades, pelo mundo virtual, pela publicidade, ainda que
incipiente, possa proporcionar o debate, a discussão e, se for o caso, servir como um dos pontos de partida
para tornar o tema atraente, possibilitando uma ampla discussão, afloradora de idéias, independentemente
de pontos fixos dentro da sociedade, independentemente de camadas sociais, de níveis de escolaridade, que
atinja o corpo docente e discente, o empresariado, as associações e entidades afins. Será encarar a reparação

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Doutrina Boletim Direito Público Notadez
do dano moral ambiental como um fato irreversível, provocador da consciência preservativa da coletividade
e, por derradeiro, provocar o poder legislativo, para que analise o tema e proporcione uma legislação concreta
acerca da obrigatoriedade da reparação do mal resultante de um ato doloso ou culposo em detrimento do
meio ambiente que deve ser ecologicamente sustentável e, ferindo o sentimento mais nobre do ser humano,
qual seja, a dor íntima e o sofrimento moral.”
José Rubens Morato Leite, em monografia sobre o assunto, defende que da interpretação da legislação
sobre responsabilidade civil por dano ambiental surge a caracterização do
“... dano extrapatrimonial ambiental sem culpa, em que o agente estará sujeito a reparar a lesão por risco
de sua atividade e não pelo critério subjetivo ou da culpa. Ademais, conforme já reportado, o valor pecuniário
desta indenização será recolhido ao fundo para recuperação
dos bens lesados de caráter coletivo. A lei não especifica, mas é inquestionável a possibilidade de cumulação
do dano patrimonial e extrapatrimonial” (Dano Ambiental: do individual ao coletivo extrapatrimonial. São
Paulo: RT, 2000, p.286).
Registramos, também, que no artigo “Possibilidade de cumulação de obrigação de fazer ou não fazer
com indenização nas ações civis públicas para reparação de danos ambientais”, da autoria de Ana Maria
Marchesam, Annelise Monteiro Steigleder e Sílvia Cappelli, acessado via internet, http://www.mp.rs.gov.
br/ambiente/doutrina/id378.htm, em 20.03.2006, está assinalado que:
“O reconhecimento da dimensão moral ou extrapatrimonial do dano ambiental difuso é defendido por
José Rubens Morato Leite, Carlos Alberto Bittar Filho, dentre outros, e desenvolvido a partir das alterações
introduzidas pela Lei 8.884/94 no sistema da ação civil pública, que passa a admitir ações de responsabilidade
por danos morais e patrimoniais causados; e também a partir da construção pretoriana que admite a reparação
de danos morais impostos a pessoas jurídicas.
Com a aceitação de que a proteção dos valores morais não está restrita aos valores morais individuais
da pessoa física, tem-se o primeiro passo para que se admita a reparabilidade do dano moral em face da
coletividade que, apesar de ente despersonalizado, possui valores morais e um patrimônio ideal que merece
proteção.
No caso do dano ecológico, a primeira premissa é perceber que este dano não consiste apenas e tão-somente
na lesão ao equilíbrio ecológico, afetando igualmente outros valores precípuos da coletividade a ele ligados,
a saber: a qualidade de vida e a saúde. Estes valores estão intimamente inter-relacionados, de modo que a
agressão ao ambiente afeta diretamente a saúde e a qualidade de vida da comunidade. Portanto, as lesões
a direitos difusos e coletivos também poderão produzir danos morais, pois qualquer abalo no patrimônio
moral da coletividade também merece reparação.
Neste contexto, o dano moral coletivo é conceituado por Carlos Alberto Bittar Filho como ‘a injusta lesão
da esfera moral de uma dada comunidade, ou seja, é a violação antijurídica de um determinado círculo de
valores coletivos. Quando se fala em dano moral coletivo, está-se fazendo menção ao fato de que o patrimônio
valorativo de uma certa comunidade (maior ou menor), idealmente considerada, foi agredido de maneira
absolutamente injustificável do ponto de vista jurídico: quer isso dizer, em última instância, que se feriu a
própria cultura, em seu aspecto
imaterial. Tal como se dá na seara do dano moral individual, aqui também não há que se cogitar de prova
de culpa, devendo-se responsabilizar o agente pelo simples fato da violação’.
Luis Henrique Paccagnella desenvolve o conceito de dano moral ambiental semelhante, referindo a
importância de ter presente a noção de patrimônio ambiental, alheia à visão individualista de valor econômico.
Refere que ‘o dano ao patrimônio ambiental, ou dano ecológico, é qualquer alteração adversa no equilíbrio
ecológico do meio ambiente. (...) Por sua vez, o dano moral ambiental não tem repercussão no mundo físico,
em contraposição ao dano ao patrimônio ambiental. Esse dano moral ambiental é de cunho subjetivo, à
semelhança do dano moral individual. Só que o dano moral ambiental é o sofrimento de diversas pessoas
dispersas em uma certa coletividade ou grupo social (dor difusa ou coletiva), em vista de um certo dano ao
patrimônio ambiental. (...) Exemplificando, se o dano a uma certa paisagem causar impacto no sentimento da
comunidade daquela região, haverá dano moral ambiental’. Também vislumbramos dano moral ambiental na
exploração predatória de uma jazida mineral que venha a deixar indelével marca em paisagem significativa
de uma cidade, na contaminação da Baía de Guanabara, quando toda a coletividade sofreu abalo na sua auto-
estima e imagem, ao presenciar os gravíssimos danos materiais impostos ao ecossistema, na contaminação
desencadeada em Rio Grande pelo navio Bahamas, nas hipóteses de poluição sonora e atmosférica em
que ocorre perturbação do sossego e diminuição da qualidade de vida da coletividade, dentre outros
exemplos.
Nesses casos, então, será perfeitamente possível cumular obrigações de fazer com indenização por dano
extrapatrimonial.”

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Doutrina Boletim Direito Público Notadez
Não podemos deixar de registrar, pela importância que têm para o entendimento da matéria discutida,
os apontamentos de Carlos Alberto Bittar Filho, no artigo A consagração da noção de dano moral ambiental
no direito brasileiro, ao comentar acórdão oriundo do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro. Na
oportunidade, o articulista, que é Procurador do Estado de São Paulo e Doutor em Direito pela USP, fez as
seguintes anotações:
“No Brasil, a noção de dano moral ambiental foi objeto de brilhante consagração, em acórdão modelar,
constante da Apelação Cível nº 2001.001.14586 (TJRJ, Relª Desemb. Maria Raimunda T. de Azevedo, 06.03.02)
e publicado na revista eletrônica Consultor Jurídico (http://conjur.uol.com.br). Vale a pena transcrever-lhe
a ementa:

‘Poluição Ambiental. Ação Civil Pública formulada pelo Município do Rio de Janeiro. Poluição consistente
em supressão da vegetação do imóvel sem a devida autorização municipal. Cortes de árvores e início de
construção não licenciada, ensejando multas e interdição do local. Dano à coletividade com a destruição
do ecossistema, trazendo conseqüências nocivas ao meio ambiente, com infringência às leis ambientais,
Lei Federal 4.771/65, Decreto Federal 750/93, artigo 2º, Decreto Federal 99.274/90, artigo 34 e inciso XI,
e a Lei Orgânica do Município do Rio de Janeiro, artigo 477. Condenação à reparação de danos materiais
consistentes no plantio de 2.800 árvores, e ao desfazimento das obras. Reforma da sentença para inclusão
do dano moral perpetrado à coletividade. Quantificação do dano moral ambiental razoável e proporcional
ao prejuízo coletivo. A impossibilidade de reposição do ambiente ao estado anterior justifica a condenação
em dano moral pela degradação ambiental prejudicial à coletividade. Provimento do recurso’.
Nesse lapidar julgado, foram estabelecidas diretrizes fundamentais para a devida aplicação em casos
futuros. Assim, a condenação imposta com o objetivo de restituir o meio ambiente ao estado anterior não
impede o reconhecimento de reparação do dano moral ambiental. Ademais, a indenização por dano moral
comporta pedido genérico, deixando-se a quantificação ao prudente arbítrio do julgador. Outrossim, em se
tratando de proteção ambiental, a responsabilidade é objetiva, bastando a demonstração do dano existente
com a prova do fato perpetrado contra a coletividade pela degradação do ambiente (damnum in re ipsa). Por
outro lado, o dano moral ambiental apresenta como características a impossibilidade de mensuração e a de
restituição do bem ao estado anterior. Por fim, os danos ao meio ambiente, dada a insensibilidade de seus
causadores, hão de ser reprimidos em benefício da coletividade.
Absolutamente escorreito o respeitável acórdão, pois o dano ambiental não consiste apenas e tão-somente
na lesão ao equilíbrio ecológico, afetando igualmente outros valores precípuos da coletividade a ele ligados,
a saber: a qualidade de vida e a saúde. É que esses valores estão intimamente inter-relacionados, de modo
que a agressão ao ambiente afeta diretamente a saúde e a qualidade de vida da comunidade (CF, art. 225).
Por outro lado, o dano ambiental é particularmente perverso porque rompe o equilíbrio do ecossistema,
pondo em risco todos os elementos deste. Ora, o meio ambiente é caracterizado pela interdependência e
pela interação dos vários seres que o formam, de sorte que os resultados de cada ação contra a Natureza
são agregados a todos os danos ecológicos já causados” (Disponível em: <http://www.diritto.it/materiali/
transnazionale/filho23.html>. Acesso em 21 mar.2006).
De tudo quanto exposto, corretas são as afirmações dos doutrinadores que visualizam o meio ambiente
como sendo um direito imaterial e incorpóreo, voltado para proteger os interesses da coletividade. Esta,
conseqüentemente, pode sofrer dano moral. Este consuma-se quando produz o efeito de instalar dor física
ou psicológica coletiva, situações que determinam degradação ambiental geradora de mal-estar e ofensa
aos sentimentos da cidadania.
Destacamos, por último, a doutrinação sobre dano moral ambiental desenvolvida por José Ricardo
Alvarez Vianna, em sua tese de mestrado Responsabilidade Civil por Dano Ambiental no Direito Brasileiro -
De acordo com o Código Civil de 2002 (cópia da referida tese está em meus arquivos por gentileza do autor),
ao afirmar:
“Falar em dano moral ambiental ainda pode deixar muitos surpresos. Afinal, onde estaria o sentimento
de dor, angústia, desgosto, aflição espiritual no plano do meio ambiente?
A propósito, a discussão envolvendo dano moral sempre foi objeto de acirrados debates no cenário jurídico.
Longo foi o caminho percorrido de sua cogitação até seu efetivo reconhecimento, primeiro pela doutrina
e mais tarde pelos Tribunais. Aqueles que negavam sua aceitação sustentavam desde a imoralidade de se
compensar a dor com o dinheiro, até a dificuldade em se aquilatar sua real ocorrência. Todavia, a Constituição
de 1988 reconheceu taxativamente a existência e pertinência desta modalidade de dano. Em seu artigo 5°,
inciso V, o Texto Magno fez constar: ‘é assegurado o direito de resposta proporcional ao agravo, além da
indenização por dano material, moral ou à imagem’. No mesmo sentido, o inciso X do mesmo artigo, com os
seguintes dizeres: ‘são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado

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Sumário
Doutrina
o direito à indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação’.
A Súmula n° 37 do Superior Tribunal de Justiça, corrigindo anteriores distorções em relação à matéria,
assentou: ‘São cumuláveis as indenizações por dano patrimonial e moral oriundas do mesmo fato’.
Seguindo essa orientação, o mesmo Superior Tribunal de Justiça editou a Súmula n° 227, com a seguinte
narrativa: ‘A pessoa jurídica pode sofrer dano moral’.
O novo Código Civil, Lei nº 10.406/02, ratificando essa postura, em seu artigo 186, não se olvidou em
prever, também, essa modalidade de
dano. Observe-se a redação de tal dispositivo: ‘Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou
imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito’.”
José Ricardo Alvarez Vianna, mais adiante, escreve:
“Pois bem. Uma vez reconhecido no plano normativo, de forma expressa, a viabilidade dos danos morais
ao meio ambiente, como se identificar e se precisar a sua ocorrência diante de uma situação concreta?
Com efeito, a manifestação dos danos morais ambientais vai se evidenciar da mesma maneira que os danos
morais individuais, ou seja, com um sentimento de dor, constrangimento, desgosto, infelicidade, angústia,
etc. A única diferença diz respeito ao titular desses sentimentos. Enquanto no dano moral individual o lesado
será o sujeito unitário - individualizado -, no dano moral ambiental esse sentimento negativista perpassará
por todos os membros de uma comunidade como decorrência de uma atividade lesiva ao meio ambiente.
Tem-se, assim, aquilo que a doutrina vem denominando dano moral coletivo.
O dano moral ambiental, dessa forma, irá se contrapor ao dano ambiental material. Este afeta, por exemplo,
a própria paisagem natural, ao passo que aquele se apresentará como um sentimento psicológico negativo
junto à comunidade respectiva.
Nessas condições, o dano material ambiental poderá ou não ensejar um dano moral ambiental. Dependerá
de como tais eventos irão repercutir na comunidade onde se situa o bem ambiental afetado. Se gerar um
sentimento de comoção social negativo, de intranqüilidade, de desgosto, haverá também um dano moral
ambiental.”

4 - Outras Manifestações Doutrinárias Sobre a Responsabilidade Civil por Dano Moral Ambiental

Além dos autores já citados, selecionamos outras manifestações doutrinárias que, pela excelência com
que analisaram o assunto, não podem deixar de ser registradas.
Gisele Elias de Lima Porto, em trabalho intitulado “Responsabilidade pela poluição marinha”, publicado na
Revista do Centro de Estudos Judiciários, do Conselho da Justiça Federal, Brasília, ano 4, 2000, p. 54, afirma:
“Como se avaliar a ofensa moral a bens de natureza essencialmente subjetiva, sofrida pela população
que vive na área atingida pelo derramamento (de óleo)? A própria indenização pelos danos ambientais,
impossíveis de serem reconstituídos, já é árdua e carece de critérios, de
uma atuação firme, tanto dos órgãos legitimados à defesa dos interesses coletivos quanto do Poder
Judiciário. Contudo, apesar das dificuldades, também o dano moral ambiental deve ser sempre reparado
por meio do arbitramento e de critérios a serem adotados de acordo com o caso concreto. Daí se percebe
a importância do Poder Judiciário como propulsor da tutela da boa gestão ambiental e efetiva indenização
pelos danos ambientais em todas as suas conseqüências, principalmente como medida de prevenção a novos
danos.”
Reflexões aprofundadas merecem ser feitas a respeito do registrado por Rui Stoco, em seu Tratado de
Responsabilidade Civil. 6.ed. RT, p.855-856, ao defender que “falar em ‘dano moral ambiental’ é desvirtuar
o objetivo da Magna Carta e tangenciar os princípios que informam a responsabilidade civil, pois o que
se resguarda é o meio ambiente e não o dano causado à pessoa, individual ou coletivamente. Estes, caso
sofram prejuízos, por danos pessoais (físicos) ou materiais (em seus bens), terão direito de ação para obter a
reparação por direito próprio, mas não podem beneficiar-se do resultado alcançado pelo Ministério Público
ou pelas entidades legitimadas a ingressar com ações civis públicas para a proteção ambiental, salvo quando
a ação tenha natureza diversa, como a proteção ao consumidor ou qualquer outro interesse difuso ou coletivo
que cause dano per se e possa ser individualizado e quantificado posteriormente”.
Rui Stoco, mais adiante, p. 857, conclui:
“Do que se conclui mostrar-se impróprio, tanto no plano fático como sob o aspecto lógico-jurídico, falar
em dano moral ao ambiente, sendo insustentável a tese de que a degradação do meio ambiente por ação do
homem conduza, através da mesma ação judicial, à obrigação de reconstituí-lo e, ainda, de compor o dano
moral hipoteticamente suportado por um número indeterminado de pessoas.”
As conclusões de Rui Stoco são antecedidas, entre outras, das afirmações seguintes:
“No que pertine ao tema central do estudo, o primeiro reparo que se impõe é no sentido de que não

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existe ‘dano moral ao ambiente’. Muito menos ofensa moral aos mares, aos rios, à Mata Atlântica ou mesmo
agressão moral a uma coletividade ou a um grupo de pessoas não identificadas.
A ofensa moral sempre se dirige à pessoa enquanto portadora de individualidade própria: de um vultus
singular e único.
Os danos morais são ofensas aos direitos da personalidade, assim como o direito à imagem constitui um
direito de personalidade, ou seja, àqueles direitos da pessoa sobre ela mesma.

Essa categoria de direitos à personalidade foi definida por juristas alemães na segunda metade do século
passado, especialmente por Gareis e Köhler, que os chamou individualrechte ou persona-ltiätsrechte, quer
dizer, ‘direitos individuais’ ou ‘direitos de personalidade’ (apud Pacchioni e Stolfi, Nome civile e commerciale,
Dizionario Pratiaco del Diritto Privato, v.4, p. 84). Utilizam-se ainda das expressões individualitätsrechte -
direitos da individualidde - e persönlichkeitsrechte - direitos sobre a própria pessoa.”
José Luiz Junior, em artigo intitulado Responsabilidade civil por danos ambientais, inserido no site:
DireitoNet, São Paulo, 25.fev.2005, disponível em: http://www.direitonet.com.br/artigos/x/19/34/1934/,
acessado em: 02.abr.2006, defende a possibilidade de pessoa jurídica ou física ser responsabilizada por dano
moral ambiental. Eis o que escreveu:
“No que concerne ao dano ambiental, sua caracterização dependerá da valoração dada ao bem jurídico
lesado pelo dano e protegido pela ordem jurídica. Destarte, para a definição do dano ambiental, torna-se
essencial, preliminarmente, que se caracterize o conceito jurídico de meio ambiente.
Meio ambiente é um bem jurídico, que pertence a todos os cidadãos indistintamente, podendo, desse
modo, ser usufruído pela sociedade em geral. Contudo, toda a coletividade tem o dever jurídico de protegê-
lo, o qual pode ser exercido pelo Ministério Público, pelas associações, pelo próprio Estado e até mesmo
por um cidadão.
O conceito de meio ambiente foi, primeiramente, trazido pela Lei 6.938/81, no seu artigo 3º, I, conhecida
como Lei de Política Nacional do Meio Ambiente. Tal definição posteriormente foi recepcionada pela
Constituição Federal de 1988, que, de acordo com o seu artigo 225, tutelou tanto o meio ambiente natural,
como o artificial, o cultural e o do trabalho, como pode ser constatado:
‘Art. 225. Todos tem direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo
e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e
preservá-lo para as presentes e futuras gerações.’
Diante do que foi exposto, o dano ambiental pode ser compreendido como sendo o prejuízo causado
a todos os recursos ambientais indispensáveis para a garantia de um meio ecologicamente equilibrado,
provocando a degradação e, conseqüentemente, o desequilíbrio ecológico.

O dano ambiental, assim como o dano, tanto pode ser patrimonial como moral. É considerado dano
ambiental patrimonial quando há a obrigação de uma reparação a um bem ambiental lesado que pertence a
toda a sociedade. O dano moral ambiental, por sua vez, tem ligação com todo prejuízo que não seja econômico,
causado à coletividade, em razão da lesão ao meio ambiente.
Não se pode olvidar da questão social desencadeada pelo dano ambiental. O dano ao meio ambiente
representa lesão a um direito difuso, um bem imaterial, incorpóreo, autônomo, de interesse da coletividade,
garantido constitucionalmente para o uso comum do povo e para contribuir com a qualidade de vida das
pessoas.
Assim, não apenas a agressão à natureza deve ser objeto de reparação, mas também a privação do equilíbrio
ecológico, do bem-estar e da qualidade de vida imposta à coletividade.”
A evolução da responsabilidade civil por dano moral ambiental tem chamado a atenção de vários
setores jurídicos e não-jurídicos do Brasil, conforme pode ser constatado pela notícia de jornal a seguir
registrada:
“Dano moral ambiental chega à Justiça
Multas altas e indenizações individuais são as penalidades consideradas mais preocupantes. O ‘dano moral
ambiental’ é a mais recente modalidade de processo que vem se disseminando no universo empresarial. Já
é consenso e motivo de alarde no mercado que a legislação ambiental brasileira fica cada vez mais rígida,
restritiva e punitiva com as empresas. As ações que versam sobre danos morais envolvendo essas questões,
no entanto, são pouco comentadas e até mesmo pouco conhecidas pelos empresários. Mas estão se tornando
cada vez mais populares.
O dano moral foi integrado ao contexto judicial brasileiro há pouco tempo - até 1988 pouco se falava
no assunto -, e acabou tomando força. Inicialmente, era comum às ações envolvendo relações de consumo
e constrangimentos em estabelecimentos comerciais. Em seguida, foi se propagando na área trabalhista -

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Doutrina Boletim Direito Público Notadez
tanto que acabou se tornando, em casos que envolviam relações de trabalho, da competência da Justiça do
Trabalho. E agora ganha espaço nas questões ambientais.
A legislação ambiental também é recente no País. Foi instituída em 1998 e teve aderência ainda mais ligeira
que o dano moral - se tornando o grande temor das empresas com suas altíssimas penalidades pecuniárias
e suas condenações criminais. Assim, o dano moral inserido ao contexto ambiental promete seguir o mesmo
caminho. O dano moral ambiental é
um prejuízo extrapatrimonial que é ordinário da degradação do meio ambiente.
A Petrobras, por exemplo, vem sofrendo uma série de condenações por esse tipo de dano. O advogado
Pedro Campany Ferraz, da Norma Ambiental Consultoria e Treinamento Ltda., lembra que o Tribunal de
Justiça do Estado do Rio de Janeiro publicou, no início do ano, três acórdãos elucidativos e alarmantes sobre
a existência de dano moral ambiental. ‘Essas decisões são originárias do vazamento de alumínio silicato de
sódio - um pó branco que escapou da Refinaria de Duque de Caxias (Reduc) - que, durante a madrugada do
dia 14 de julho de 2001, caiu sobre treze bairros de Duque de Caxias e Belford Roxo, na Baixada Fluminense’,
esclarece o especialista.
O primeiro julgado citado por Pedro Ferraz é do Desembargador Nametala Machado Jorge, da 13ª
Câmara Cível. A decisão determinou que ‘ainda que atóxica, a só circunstância de o autor ter se exposto aos
efeitos dessa substância, já que na época desconhecia-se sua natureza, configura dano moral por lesão à sua
integridade psicológica, causando-lhe sofrimento, tristeza e angústia’. Esse dano, como sabido, existe ‘in re
ipsa (por ele mesmo).’
No caso, o ambiente em si não sofreu danos irreparáveis, mas a Justiça entendeu que houve um dano
moral às pessoas que, por um espaço de tempo, sofreram abalos psicológicos em decorrência do simples
fato de que o ambiente poderia estar danificado.
Outro julgado, também da 13ª Câmara Cível, é o acórdão do Desembargador Carlos Santos de Oliveira.
‘Esta decisão caracterizou, utilizando as próprias palavras do magistrado, o ferimento a direito da
personalidade da autora, que restou exposta, por ato da ré, a vexame e constrangimento’, comenta Pedro
Ferraz. ‘Dano moral devido. Verba que deve ser arbitrada tendo em consideração a extensão do dano. As
circunstâncias socioeconômicas das partes envolvidas, observados os princípios da razoabilidade e da ação
ao enriquecimento sem causa’, diz ainda o acórdão.
A decisão segue também os princípios que vêm sendo adotados no julgamento de danos morais de outra
natureza no que se refere ao valor das indenizações, que vem sendo restringido, de certa forma, de acordo
com a condição econômica de ambas as partes envolvidas, com o objetivo de que a Justiça não seja utilizada
para enriquecimento ilícito. O terceiro dos julgados citados por Pedro Ferraz teve interessante voto feito
pelo Desembargador Jorge Luiz Habib, da 18ª Câmara Cível. O
magistrado afirma que ‘a dor e o sofrimento, geradores do dano moral, não precisam ser provados, posto
que se trata de algo imaterial. Entretanto, podem ser comprovados os fatos geradores do constrangimento
alegado’. Esse também é um princípio que já vem sendo utilizado nas ações de danos morais em geral.
‘A peculiaridade desses julgados é que, em detrimento de outras câmaras do mesmo tribunal, os
desembargadores estão se conscientizando de que os danos morais decorrentes de danos ao ambiente são
um fato inerente à bruscas alterações ao meio em que vivem as populações.
A toxicidade da substância que surja no meio é independente para a existência do dano moral, mas base
para a valoração do dano material, pois o dano moral ambiental é independente do dano material (CC, artigo
186) e se configura a partir do desequilíbrio psíquico (por medo, angústia, temor, etc.) do cidadão ao ser
surpreendido com uma paisagem atípica de seu meio ambiente’, comenta o advogado Pedro Ferraz. ‘Afinal
de contas, qual mãe ficaria tranqüila em deixar seus filhos saírem de casa para brincar num quintal que
amanhece coberto com um pó desconhecido? Que idoso se atreveria a sair de casa sob um ambiente inóspito?
Que asmático ou portador de bronquite não ficaria apreensivo ou com uma prévia crise respiratória ao se
ver cercado de um pó caído do céu’, questiona o especialista, demonstrando os argumentos que podem ser
levantados nessas questões.
O advogado recorda ainda uma decisão do ano de 2003 que favoreceu o município do Rio de Janeiro em
um caso de desmatamento. Na ocasião, os magistrados deram a condenação por danos morais em nome
da coletividade. Pedro Ferraz ressalta, porém, que é mais admissível nos casos de danos morais levarem-
se em conta os direitos individuais, homogêneos e intransferíveis. ‘Em síntese, a magistratura fluminense
vem demonstrando certa maturidade no tema de dano moral ambiental, fato esse que deve conscientizar
o empresariado nacional e beneficia toda a sociedade na busca do ambiente ecologicamente equilibrado’,
finaliza o especialista. Kicker: Legislação ambiental fica cada vez mais rígida, restritiva e punitiva contra as
empresas” (Fonte: Gazeta Mercantil/Legal & Jurisprudência 1) (Cristiane Crelier).
A advogada Daniela A. Rodrigueiro, em obra intitulada Dano Moral Ambiental, publicada pela Editora

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Doutrina Boletim Direito Público Notadez
Juarez de Oliveira, enfrentou todos os aspectos doutrinários e jurisprudenciais sobre o assunto. Defende
que se trata de um direito subjetivo difuso.

Afirma:
“Dano Moral Ambiental. Sua defesa em juízo em busca de vida digna e saudável. O presente trabalho
essencialmente busca, em suas entrelinhas, chamar a atenção do leitor para a sensível e praticamente
irreversível crise ambiental que sofre a humanidade. Destaca a necessidade da inclusão, em nível mundial,
de políticas preservacionistas como forma única de, através da educação ambiental, preservar, para as
futuras gerações, o que resta dos recursos naturais. Ao final, declina que, verificado o dano, impõem-se a
sua reparação, não apenas em termos patrimoniais, mas, igualmente, em níveis morais e coletivos. Trata-se
do reconhecimento de um direito subjetivo difuso, o dano moral ambiental.”
Os registros dos Tribunais demonstram que a Petrobras tem sido, constantemente, acionada pelo Ministério
Público para responder por danos morais ambientais, conforme anota Talden Farias, em trabalho publicado
no site: http://www.datavenia.net/artigos/taldenfarias.htm. O mencionado autor assim noticia:
“Nas ações contra a Petrobras, por exemplo, o Ministério Público Federal tem sempre requerido a
indenização por danos morais coletivos lato sensu em matéria ambiental, além da descontaminação e do
monitoramento da área atingida.”
Informa, ainda, Talden Farias, artigo citado, que:
“No mês de março do presente ano, na ação civil pública de nº 2001.001.14586, promovida pelo Município
do Rio de Janeiro, a Desembargadora Maria Raimunda de Azevedo, do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro,
relatou na 2ª Câmara Cível o acórdão que em parte se transcreve condenando um cidadão ao pagamento
dos danos morais ambientais:
‘A condenação imposta com o objetivo de restituir o meio ambiente ao estado anterior não impede o
reconhecimento de reparação do dano moral ambiental.
Pacífico o entendimento por este Colegiado de que a indenização por dano moral comporta pedido genérico,
deixando-se ao arbítrio do julgador a quantificação, a ausência de pedido certo e determinado não impede
a condenação, uma vez existente pedido genérico.
Em se tratando de proteção ambiental, a responsabilidade é objetiva, bastando a demonstração do dano
existente com a prova do fato perpetrado contra a coletividade pela degradação do ambiente.

Uma coisa é o dano material consistente na poda de árvores e na retirada de sub-bosque cuja reparação
foi determinada com o plantio de 2.000 árvores.
Outro é o dano moral consistente na perda de valores ambientais pela coletividade.
Com relação ao dano ambiental moral de caráter individual, vale lembrar os casos em que apenas ou
principalmente determinadas pessoas são prejudicadas individualmente, a exemplo de ‘problemas de saúde
pessoal por emissão de gases e partículas em suspensão ou ruídos, a infertilidade do solo de um terreno
privado por poluição do lençol freático, doença e morte do gado por envenenamento da pastagem por resíduos
tóxicos’ (Guimarães: 2002). Deverá essa indenização por danos morais ser compatível com a situação do
autor e condizer com a abrangência e periculosidade dos danos. Todavia, não poderá a quantia dos danos
morais ser pouco significativa quando houver danos irreparáveis à vida e à saúde, que são o mais precioso
bem de um homem e que pode abarcar o Direito.
Não se pode esquecer que alguns danos morais repercutem na esfera patrimonial do prejudicado, fato
que obviamente também pode ocorrer com o dano ambiental. É o caso, por exemplo, do sujeito que teve a
fazenda contaminada por metais pesados prejudicando a sua agricultura ou sua pecuária. Nenhum negociador
compraria ou trocaria gado afetado com tal poluição, já que esses animais morrerão logo ou necessitarão de
gastos com medicação. Ninguém comeria a carne desses animais ou beberia o seu leite, nem se alimentaria
de seus derivados, devido ao risco de contaminação. Ninguém consciente compraria frutas ou verduras de
uma propriedade que estivesse seriamente contaminada. De fato, no mundo da agricultura e da pecuária o
nome dessas pessoas estaria moralmente comprometido.
Mas o desdobramento social da poluição ambiental também é muito importante. Que pessoa aceitaria
tomar um cafezinho ou um suco ou mesmo um simples chá se soubesse que poderia estar infectado com o
chumbo? Que pessoa aceitaria um convite para comer uma galinha de capoeira ou um churrasco ou até uma
buchada se soubesse que esses animais poderiam estar gravemente contaminados? Que pessoa aceitaria,
mesmo como um presente, uma cesta de laranjas ou um balde de umbus ou uma sacola de pinhas se soubesse
que essas frutas poderiam ter um alto grau de intoxicação? Que pessoa comeria o queijo ou beberia o leite
feitos nessa casa, se soubesse que poderia estar intoxicado? Ninguém, a
menos que não estivesse em sã consciência, aceitaria um convite para fazer uma refeição ou lanche

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Doutrina Boletim Direito Público Notadez
nessa propriedade. O dano moral em matéria ambiental visa a reparar ainda esse sentimento de exclusão
ou isolamento da sociedade.
Um outro exemplo de dano moral ambiental individual é dado pelo Desembargador do Tribunal Federal da
4ª Região Vladimir Passos de Freitas (2001), que cita um exemplo de um cidadão que, acostumado a pescar
nas limpas águas de um rio, vê-se impossibilitado de o continuar fazendo, porque um curtume passou a jogar
detritos na água, sem oferecer nenhum tratamento. Embora não tenha tido nenhum dano patrimonial, ele tem
total direito ao ressarcimento de seus danos morais e espirituais, e inclusive de maneira individual, segundo
expressão do jurista, já que se viu privado de um lazer essencial ao seu bem-estar. Segundo o magistrado, o
dano moral ambiental é uma ocorrência mundial, tendo sido o direito positivo do meio ambiente adotado
pela legislação de diversos países.’”
No site http://www.mp.rs.gov.br/ambiente/doutrina/id378.htmm, administrado pelo Ministério Público
do Estado do Rio Grande do Sul, encontramos, sem autor identificado, trecho defendendo ardorosamente
a possibilidade de responsabilidade civil por danos morais ambientais. Os fundamentos ali desenvolvidos
são os que passamos a transcrever:
“No caso do dano ecológico, a primeira premissa é perceber que este dano não consiste apenas e tão-
somente na lesão ao equilíbrio ecológico, afetando igualmente outros valores precípuos da coletividade a
ele ligados, a saber: a qualidade de vida e a saúde. Estes valores estão intimamente inter-relacionados, de
modo que a agressão ao ambiente afeta diretamente a saúde e a qualidade de vida da comunidade. Portanto,
as lesões a direitos difusos e coletivos também poderão produzir danos morais, pois qualquer abalo no
patrimônio moral da coletividade também merece reparação.
Neste contexto, o dano moral coletivo é conceituado por Carlos Alberto Bittar Filho como ‘a injusta lesão
da esfera moral de uma dada comunidade, ou seja, é a violação antijurídica de um determinado círculo de
valores coletivos. Quando se fala em dano moral coletivo, está-se fazendo menção ao fato de que o patrimônio
valorativo de uma certa comunidade (maior ou menor), idealmente considerada, foi agredido de maneira
absolutamente injustificável do ponto de vista jurídico: quer isso dizer, em última instância, que se feriu a
própria cultura, em seu aspecto imaterial. Tal como se dá na seara do dano moral individual, aqui
também não há que se cogitar de prova de culpa, devendo-se responsabilizar o agente pelo simples fato
da violação’.”
A seguir, está registrado apoio ao pensamento de Luis Henrique Paccagnella, que
“desenvolve o conceito de dano moral ambiental semelhante, referindo a importância de ter presente
a noção de patrimônio ambiental, alheia à visão individualista de valor econômico. Refere que ‘o dano ao
patrimônio ambiental, ou dano ecológico, é qualquer alteração adversa no equilíbrio ecológico do meio
ambiente. (...) Por sua vez, o dano moral ambiental não tem repercussão no mundo físico, em contraposição
ao dano ao patrimônio ambiental. Esse dano moral ambiental é de cunho subjetivo, à semelhança do dano
moral individual. Só que o dano moral ambiental é o sofrimento de diversas pessoas dispersas em uma certa
coletividade ou grupo social (dor difusa ou coletiva), em vista de um certo dano ao patrimônio ambiental.
(...) Exemplificando, se o dano a uma certa paisagem causar impacto no sentimento da comunidade daquela
região, haverá dano moral ambiental’ . Também vislumbramos dano moral ambiental na exploração predatória
de uma jazida mineral que venha a deixar indelével marca em paisagem significativa de uma cidade, na
contaminação da Baía de Guanabara, quando toda a coletividade sofreu abalo na sua auto-estima e imagem,
ao presenciar os gravíssimos danos materiais impostos ao ecossistema, na contaminação desencadeada em
Rio Grande pelo navio Bahamas, nas hipóteses de poluição sonora e atmosférica em que ocorre perturbação
do sossego e diminuição da qualidade de vida da coletividade, dentre outros exemplos. Nesses casos, então,
será perfeitamente possível cumular obrigações de fazer com indenização por dano extrapatrimonial”.
Na defesa da possibilidade de existir a responsabilidade civil por danos morais ambientais, temos, ainda,
a doutrinação de Rogério Tadeu Romano, Procurador Regional da República, em trabalho inserido no site
http://www.jfrn.gov.br, acessado em 02.04.2006.
Com ênfase, defende o mencionado autor:
“Aparecerá o dano moral quando além da repercussão física no patrimônio ambiental houver ofensa ao
sentimento difuso ou coletivo.
Há ofensa ambiental quando for identificada dor, sofrimento ou desgosto da comunidade. Já se disse
isso quando forem suprimidas certas árvores na zona urbana ou ainda em mata próxima, destruído um
parque, sempre que forem objeto de especial apreço pela comunidade, sempre que o sentimento negativo
for suportado por um grande número de
pessoas, por um grupo social. Na mesma linha de raciocínio temos a demolição de um prédio tombado,
da poluição de um lago utilizado pela população.
Luiz Henrique Paccagnella (Dano moral ambiental) considera que, só em casos de degradação contra

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patrimônio ambiental objeto de especial admiração ou importância por uma comunidade ou grupo social,
ficará caracterizada a ofensa ao sentimento coletivo.”
Insiste Rogério Tadeu Romano em defender que:
“Por certo não há dúvidas muitas a perguntar com relação ao chamado dano individual. Mas e o dano
moral coletivo? Deixemos certamente para as cogitações substanciais o seu conteúdo ontológico. De toda
sorte, temos presente que o quadro de direitos subjetivos como possibilidade de exercício de uma pretensão
foi construído para uma teoria do dano própria do Estado Liberal, tipicamente clássico, baseado num sistema
constitucional de divisão de poderes, num quadro de respeito às leis próprio de um Estado burguês que
necessitava de um aparato estatal neutro, cujo objetivo era assegurar a distribuição conservadora dos bens
existentes. De toda sorte, temos a realidade presente dos direitos subjetivos públicos e um Estado diverso
do Estado liberal, onde a preocupação se alicerçava no mérito da limitação do Poder político.
Para Locke (Two treatises of Government), onde explica a teoria do contrato social, idealiza-se o homem
livre e igual por natureza, sendo o Estado constituído apenas para garantir os seus direitos.
Deve-se a Jellinek a elaboração da teoria dos direitos subjetivos públicos (System der subjektiven öffentliche
Rechte, 1892). O tipo histórico do Estado de Direito moderno diferencia-se dos demais por reconhecer nos
seus súditos pessoas com direitos a reivindicar a proteção do Estado. O Estado possui personalidade que o
limita juridicamente, pois sujeita-se a direitos e deveres. O status ou personalidade caracteriza-se como ‘uma
relação com o Estado que qualifica o indivíduo’, conferindo-lhe como conteúdo o ser jurídico, como ensina
Alexy, e não o ter jurídico de uma pessoa.
Sabe-se que Jellinek classificou os direitos subjetivos públicos em 4 (quatro) status consoante a posição
ocupada pelo indivíduo em relação ao Estado: no status passivo, o indivíduo encontra-se numa posição de
subordinação, despido de personalidade; no status negativus, há o reconhecimento ao indivíduo de uma
esfera de liberdade individual intangível pelo Estado; no status positivus, o indivíduo é reconhecido
como sujeito do poder político, com direitos a prestações fornecidas pelo Estado; por último, no status
activus, o indivíduo angaria o direito de participar ativamente do poder político.
O moderno Estado Democrático de Direito reclama uma Democracia Participativa aberta, dentro de uma
Constituição aberta a todas as instâncias de participação permanente.
Fácil é ver que os esquemas político-institucionais baseados em estruturas antigas, do tipo liberal-
individualista, não se adaptam às novas exigências da ordem coletiva.
O Estado tem o dever de zelar pela saúde, a educação, a segurança, o meio ambiente, pela proteção ao
consumidor. Assim, há dano moral coletivo em lesão a interesses difusos ou coletivos, tais como o meio
ambiente, a qualidade da vida e saúde da coletividade e, mesmo, no caso de consumidores.
Até mesmo na edição de uma lei inconstitucional existe o dano moral que possa provir dos efeitos desse
ato legislativo viciado, como ensina Caio Tácito (Responsabilidade Civil do Estado por dano moral. Revista
de Direito Administrativo. Rio de Janeiro: Renovar, n. 197, jul.-set.1994).
Dir-se-á, como revela Luíza Cristina F. Frischeisen (Políticas Públicas - A responsabilidade do administrador
e do Ministério Público. Max Limonad, 2000, p. 146-150): as normas constitucionais da ordem social
constitucional delimitam políticas públicas, vinculantes para o administrador, que visam ao efetivo exercício
dos direitos sociais para a realização dos objetivos daquela: o bem-estar social e a justiça social, sendo que o seu
descumprimento gera responsabilidade para a Administração, pois tal conduta é ilegal e inconstitucional.
Parece-me, na linha de Eduardo Talamini (Tutela relativa aos deveres de fazer de não fazer - art. 461 do CPC
e art. 84 do CDC), deve-se distinguir entre as hipóteses normativas constitucionais de que se extrai apenas
o dever de o Estado realizar políticas públicas de caráter social e aquelas que, mais do que a imposição de
diretrizes objetivas estatais, embasam verdadeiros direitos subjetivos públicos. No caso de exigência quanto
à formulação de políticas públicas, dir-se-á que há restrições à tutela jurisdicional. No segundo caso, é viável
o ingresso no Judiciário para a fruição completa do direito assegurado no texto constitucional.”
Seguindo a corrente dos que defendem a existência da responsabilidade civil por danos morais ambientais,
lembramos, também, a postura de Juliana Piccinin Frizzp, Bacharela em Direito pela Univ. Fed. de Santa
Maria, em artigo publicado
no site http://www.ufsm.br/direito/artigos/ambiental/responsabilidade-dano-ambiental.htm.
Afirma a articulista referida:
“De acordo com a colocação anterior, o dano pode ser patrimonial ou moral, assim também o é o dano
ambiental. O dano ambiental patrimonial exige a reparação ou indenização do bem ambiental lesado, que
pertence a toda a coletividade. Já o dano moral ambiental está relacionado a todo prejuízo não-econômico
causado ao indivíduo ou à sociedade, em virtude de lesão ao meio ambiente.
Não se pode olvidar da questão social desencadeada pelo dano ambiental. O dano ao meio ambiente
representa lesão a um direito difuso, um bem imaterial, incorpóreo, autônomo, de interesse da coletividade,

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garantido constitucionalmente para o uso comum do povo e para contribuir com a qualidade de vida das
pessoas. Assim, a reparação não pode ser feita apenas às pessoas que postularam em juízo tal ressarcimento,
pois se trata de um direito de todos. Para efetivar tal indenização, deverão surgir mudanças.”
A Revista de Direito Ambiental de dezembro de 1996, 04/61, RT, publicou artigo denominado “O dano
Moral Ambiental e sua reparação, da autoria de Leite, Dantas e Fernandes, onde estão desenvolvidos os
seguintes fundamentos sobre a matéria em análise:
“Assim como o dano moral individual, também o coletivo é passível de reparação. Isto pode ser depreendido
do próprio texto constitucional, no qual não se faz qualquer espécie de restrição que leve à conclusão de
que somente a lesão ao patrimônio moral do indivíduo isoladamente considerado é que seria passível de
ser reparado.”
Cláudia Cecília Fedeli, Promotora de Justiça, assinala, em manifestação tornada pública pela Revista
Consultor Jurídico, de 13 de maio de 2003, que, no dano moral ambiental,
“(...) verifica-se que está havendo a violação de direitos inerentes à personalidade humana, como a
integridade física e a saúde dos moradores do local em questão, que requer a devida reparação. Além disso,
é possível, sem maiores dilações probatórias, concluir-se que os moradores da região estão submetidos
a enorme desconforto causado pelo ruído produzido acima de qualquer limite legal, sendo necessária a
indenização por esses transtornos causados”.
Sobre o dano ambiental moral vale referir as considerações a respeito do dano social de Francisco José
Marques Sampaio, in verbis:

“Não é apenas, portanto, a agressão à natureza que deve ser objeto de reparação, mas, outrossim, a
privação, imposta à coletividade, do equilíbrio ecológico, do bem-estar e da qualidade de vida que aquele
recurso ambiental proporciona, em conjunto com os demais. Desse modo, a reparação do dano ambiental deve
compreender, também, o período em que a coletividade ficará privada daquele bem e dos efeitos benéficos
que ele produzia, por si mesmo e em decorrência de sua interação com os demais (artigo 3º, inciso I, da Lei
6.938/81). Se a recomposição integral do equilíbrio ecológico, com a reposição da situação anterior ao dano,
depender, pelas leis da natureza, de lapso de tempo prolongado, a coletividade tem direito subjetivo a ser
indenizada pelo período que mediar entre a ocorrência do dano e a integral reposição da situação anterior
de equilíbrio ecológico e fruição do bem ambiental atingido” (In: Responsabilidade Civil e Reparação de Danos
ao Meio Ambiente. Lumen Juris, 1998, p.107.
Demonstramos que na doutrina predominam posicionamentos acolhendo a imposição da responsabilidade
civil por danos ambientais. Passamos, em seqüência, a anotar algumas decisões jurisprudenciais sobre o
assunto.

5 - O Posicionamento da Jurisprudência Sobre a Responsabilidade Civil por Dano Moral Ambiental

O tema, não obstante a sua relevância, não tem sido examinado com assiduidade pelo Superior Tribunal
de Justiça, em sede de Recurso Especial, nem pelos Tribunais de 2º grau.
Destacamos alguns julgamentos, para demonstrar a tendência do Superior Tribunal de Justiça e dos
Tribunais de 2° grau sobre o assunto. Ei-los:
a) A 1ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, no REsp nº 598.281, de Minas Gerais, julgamento ainda não
terminado na data em que este trabalho está sendo elaborado, apreciando recurso do Ministério Público, em
face de o Tribunal de Minas Gerais haver negado pretensão de fixar responsabilidade civil por dano ambiental,
reformando sentença de 1° grau, está dividida. Em voto vista que proferi, acompanhando o Relator, emiti o
entendimento seguinte:
“Debate-se, no recurso especial em exame, se há possibilidade de condenação em dano moral coletivo em
sede de ação civil pública onde se discute a reparação de prejuízos ao meio ambiente.
O eminente Ministro Luiz Fux, Relator, entendeu ser possível condenar o infrator do meio ambiente por
dano moral coletivo.
As razões desse posicionamento estão postas na ementa seguinte:

‘AÇÃO CIVIL PÚBLICA. DANO AO MEIO AMBIENTE. DANO MATERIAL E MORAL. ART. 1º DA LEI
7.347/85.
1. O art. 1º da Lei 7.347/85 dispõe: ‘Regem-se pelas disposições desta Lei, sem prejuízo da ação popular,
as ações de responsabilidade por danos morais e patrimoniais causados:
I - ao meio ambiente;
II - ao consumidor;

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III - a bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico;
IV - a qualquer outro interesse difuso ou coletivo;
V - por infração da ordem econômica.’
2. O meio ambiente ostenta na modernidade valor inestimável para a humanidade, tendo por isso alcançado
a eminência de garantia constitucional.
3. O advento do novel ordenamento constitucional - no que concerne à proteção ao dano moral -
possibilitou ultrapassar a barreira do indivíduo para abranger o dano extrapatrimonial à pessoa jurídica e
à coletividade.
4. No que pertine à possibilidade de reparação por dano moral a interesses difusos como sói ser o meio
ambiente amparam-na o art. 1º da Lei da Ação Civil Pública e o art. 60, VI, do CDC.
5. Com efeito, o meio ambiente integra inegavelmente a categoria de interesse difuso, posto inapropriável
uti singuli. Consectariamente, a sua lesão, caracterizada pela diminuição da qualidade de vida da população,
pelo desequilíbrio ecológico, pela lesão a um determinado espaço protegido, acarreta incômodos físicos ou
lesões à saúde da coletividade, revelando atuar ilícito contra o patrimônio ambiental, constitucionalmente
protegido.
6. Deveras, os fenômenos, analisados sob o aspecto da repercussão física ao ser humano e aos demais
elementos do meio ambiente, constituem dano patrimonial ambiental.
7. O dano moral ambiental caracterizar-se quando, além dessa repercussão física no patrimônio ambiental,
sucede ofensa ao sentimento difuso ou coletivo, v.g., o dano causado a uma paisagem causa impacto no
sentimento da comunidade de determinada região, quer como v.g. a supressão de certas árvores na zona
urbana ou localizadas na mata próxima ao perímetro urbano.
8. Consectariamente, o reconhecimento do dano moral ambiental não está umbilicalmente ligado à
repercussão física no meio ambiente, mas, ao revés, relacionado à transgressão do sentimento coletivo,
consubstanciado no sofrimento da comunidade, ou do grupo social, diante de determinada lesão
ambiental.
9. Destarte, não se pode olvidar que o meio ambiente pertence a todos, porquanto a Carta Magna de 1988
universalizou este direito, erigindo-o como um bem de uso comum do povo. Desta sorte, em se tratando de
proteção ao meio ambiente, podem coexistir o dano patrimonial e o dano moral, interpretação que prestigia
a real exegese da Constituição em favor de um ambiente sadio e equilibrado.
10. Sob o enfoque infraconstitucional, a Lei nº 8.884/94 introduziu alteração na LACP, segundo a qual
restou expresso que a ação civil pública objetiva a responsabilidade por danos morais e patrimoniais causados
a quaisquer dos valores transindividuais de que cuida a lei.
11. Outrossim, a partir da Constituição de 1988, há duas esferas de reparação: a patrimonial e a moral,
gerando a possibilidade de o cidadão responder pelo dano patrimonial causado e também, cumulativamente,
pelo dano moral, um independente do outro.
12. Recurso especial provido para condenar os recorridos ao pagamento de dano moral, decorrente da
ilicitude perpetrada contra o meio ambiente, nos termos em que fixado na sentença (fls. 381-382).’
O eminente Ministro Teori Albino Zavascki assume posição oposta, negando provimento ao recurso do
Ministério Público.
Na mesma linha de pensar, embora por fundamentos diferentes, posicionou-se a eminente Ministra
Denise Arruda, acompanhando o Ministro Teori Zavascki, isto é, pelo não-reconhecimento, na espécie, de
dano moral.
Pedi vista dos autos. Apresento o meu voto.
Estou de acordo com as razões desenvolvidas pelo Ministro Luiz Fux. Além da doutrinação exposta no
voto que apresentou, acrescento o pensamento de José Ricardo Álvares Vienna, em Responsabilidade Civil
por Danos ao Meio Ambiente no Direito Brasileiro (de acordo com o Código Civil de 2002), tese de mestrado
ainda não publicada, com exemplar em meus arquivos.
O referido doutrinador leciona (pp. 188-195):

5.1 Dano Moral Ambiental

Falar em dano moral ambiental ainda pode deixar muitos surpresos. Afinal, onde estaria o sentimento
de dor, angústia, desgosto, aflição espiritual no plano do meio ambiente?
A propósito, a discussão envolvendo dano moral sempre foi objeto de acirrados debates no cenário jurídico.
Longo foi o caminho percorrido de sua cogitação até seu efetivo reconhecimento, primeiro pela doutrina
e mais tarde pelos Tribunais. Aqueles que negavam sua aceitação sustentavam desde a imoralidade de se
compensar a dor com o dinheiro, até a dificuldade em se aquilatar sua real ocorrência. Todavia, a Constituição

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de 1988 reconheceu taxativamente a existência e pertinência desta modalidade de dano. Em seu artigo 5º,
inciso V, o Texto Magno fez constar: ‘é assegurado o direito de resposta proporcional ao agravo, além da
indenização por dano material, moral ou à imagem’. No mesmo sentido, o inciso X do mesmo artigo, com os
seguintes dizeres: ‘são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado
o direito à indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação’.
A Súmula nº 37 do Superior Tribunal de Justiça, corrigindo anteriores distorções em relação à matéria,
assentou: ‘São cumuláveis as indenizações por dano patrimonial e moral oriundas do mesmo fato’.
Seguindo essa orientação, o mesmo Superior Tribunal de Justiça editou a Súmula nº 227, com a seguinte
narrativa: ‘A pessoa jurídica pode sofrer dano moral’.
O novo Código Civil, Lei nº 10.406/2002, ratificando essa postura, em seu artigo 186, não se olvidou
em prever, também, essa modalidade de dano. Observe-se a redação de tal dispositivo: ‘Aquele que, por
ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que
exclusivamente moral, comete ato ilícito’. Extrai-se do disposto na Lei nº 7.347, de 24 de julho de 1985, com
nova redação dada pela Lei nº 8.884. de 11 de julho de 1994, a saber:
‘Art. 1º. Regem-se pelas disposições desta Lei, sem prejuízo da ação popular, as ações de responsabilidade
por danos morais e patrimoniais causados:
I - ao meio ambiente;
(...)
III - a bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico;
IV - a qualquer outro interesse difuso ou coletivo.’

Pois bem. Uma vez reconhecida no plano normativo, de forma expressa, a viabilidade dos danos morais
ao meio ambiente, como se identificar e se precisar a sua ocorrência diante de uma situação concreta?
Com efeito, a manifestação dos danos morais ambientais vai se evidenciar da mesma maneira que os danos
morais individuais, ou seja, com um sentimento de dor, constrangimento, desgosto, infelicidade, angústia,
etc. A única diferença diz respeito ao titular desses sentimentos. Enquanto no dano moral individual o lesado
será o sujeito unitário - individualizado -, no dano moral ambiental esse sentimento negativista perpassará
por todos os membros de uma comunidade como decorrência de uma atividade lesiva ao meio ambiente.
Tem-se, assim, aquilo que a doutrina vem denominando dano moral coletivo.
O dano moral ambiental, dessa forma, irá se contrapor ao dano ambiental material. Este afeta, por exemplo,
a própria paisagem natural, ao passo que aquele se apresentará como um sentimento psicológico negativo
junto à comunidade respectiva.
Nessas condições, o dano material ambiental poderá ou não ensejar um dano moral ambiental. Dependerá
de como tais eventos irão repercutir na comunidade onde se situa o bem ambiental afetado. Se gerar um
sentimento de comoção social negativo de intranqüilidade, de desgosto, haverá também um dano moral
ambiental.
Inúmeros são os exemplos de danos morais ambientais. Cite-se, por primeiro, episódio ocorrido no
Município de Araucária, envolvendo a Petrobras, em 16 de julho de 2000, consistente no vazamento de quatro
milhões de litros de petróleo, atingindo o rios Barigüi e Iguaçu, estendendo-se por 40km por este último rio.
Na ocasião, houve comprometimento das águas, da flora e fauna ali existentes. Houve impacto emocional e
intranqüilidade geral junto à comunidade municipal, estadual e nacional. Os efeitos foram sentidos até pela
população do Município de União da Vitória, situado aproximadamente a 300 quilômetros do local dos fatos,
que corria o risco de comprometimento de abastecimento de água.
Os mais diversos meios de comunicação, tanto no âmbito regional, quanto nacional, noticiavam com
freqüência o ocorrido, denotando o quadro de gravidade então instalado. Foi nesta perspectiva que o Deputado
Federal Rafael Greca, em ofício dirigido ao Procurador de Justiça Saint-Clair Honorato Santos, responsável
pelo Centro de Apoio Operacional das Promotorias de Meio Ambiente, consignou: ‘Nossa comunidade está
estarrecida com as proporções do ocorrido’ (...). ‘O
impacto ecológico só não é mais grave do que o impacto social, pelo pânico disseminado entre as
populações ribeirinhas, e pelo péssimo exemplo de comportamento ambiental manifestado pela lentidão
em serem tomadas as primeiras providências - ao que parece só formalizadas com os expedientes funcionais
de segunda-feira’.
Diante desses acontecimentos, não há como recusar a incidência de dano moral ambiental face ao quadro
crítico, de pânico e comoção social, junto àquela comunidade após a degradação ambiental.
No plano internacional é pertinente o episódio ocorrido na Baía de Minamata no Japão. No Município
de Kumamoto, nas proximidades do Mar de Shiramui, onde se encontra a Baía de Minamata, entre os anos
de 1932 e 1968, esteve em atividade a empresa Chisso Corporation, que ali atuou no ramo de fertilizantes

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e, posteriormente, nos ramos petroquímico e de plásticos. Para execução de suas atividades, ao longo do
período antes referido, a empresa despejou cerca de 27 toneladas de composto de mercúrio junto à Baia de
Minamata, afetando a fauna ecológica e, por conseguinte, a população local, cuja alimentação era baseada
em peixes.
Sucede que ao longo dos anos, e com o processo de envenenamento dos peixes, o efeitos passaram a ser
sentidos pela população respectiva em meados de 1950, ao que se denominou de uma ‘doença estranha’.
Constatou-se, então, a degeneração do sistema nervoso central nas pessoas afetadas, cujos sintomas variavam
desde movimentos involuntários até o estado de inconsciência. Os animais da região também não ficaram
imunes ao quadro drástico. Tanto gatos como pássaros foram vítimas do efeitos do mercúrio, vindo a morrer
em decorrência disso.
Ao final dos levantamentos oficiais e da apuração do nexo de causalidade para com a empresa Chisso
Corporation, isso já na década de 90, reconheceu-se que 12.615 pessoas foram vítimas da doença pela ação
do mercúrio.
Esse quadro caótico vivenciado ao longo de vários anos pela comunidade japonesa antes referida também
está, indubitavelmente, a caracterizar um dano moral ambiental.
Cite-se, outrossim, o episódio que afligiu o Município de Londrina. Em maio de 2001, a Prefeitura local,
sob o argumento de edificar reparos em uma ponte que separa os Lagos Igapó 1 e Igapó 2, bem como efetivar
serviço de manutenção e limpeza nos Lagos, procedeu ao esvaziamento do Lago 2 e redução significativa
do nível de água do Lago
1. Na ocasião, noticiou-se que as obras estariam concluídas por ocasião do aniversário da cidade,
comemorado em 10 de dezembro. No entanto, venceu-se o prazo anunciado sem que os trabalhos de reparos
mal se iniciassem. Aliado a isso, segmentos técnicos da área ambiental questionaram a ausência de um
prévio planejamento para a execução das obras, bem como a inoperância dos responsáveis em conduzir os
trabalhos.
Paralelamente, proliferou-se no Lago esvaziado um péssimo odor, agravado pelo crescimento aleatório
da vegetação, bem como acúmulo expressivo de lixo. Revoltada com o cenário, a Associação de Moradores
Altos do Igapó (AMAI), traduzindo sentimento dos londrinenses, externou o repúdio aos fatos, promovendo
passeatas e manifestações junto ao Município, chamando a atenção das Autoridades com vistas a reverter
o quadro desolador.
No caso em questão, os Lagos antes referidos tratava-se de autênticos ‘cartões-postais’ de Londrina,
sobretudo pela sua rara beleza cênica, de maneira que a situação antes relatada realça de fato uma agressão
ao sentimento de apreço sentido pelo munícipe londrinense, criando-lhe um espírito unívoco e uníssono de
indignação e desconforto. Em vista disso, não há dúvidas de que o quadro de incerteza, junto aos Lagos Igapó
1 e 2, patrimônios culturais e ecológicos, configura típico dano moral ambiental, ante o comprometimento
do cativante e carismático bem ambiental ofendido.
Em apertada síntese, portanto, assevera-se que o dano moral ambiental é perfeitamente admissível em nosso
sistema. Além de contemplado, expressamente, pelo ordenamento jurídico, não encerra incompatibilidades
empíricas para sua ocorrência ou identificação. Sua aferição é até mais fácil do que no caso do dano moral
individual, porquanto evidencia-se com um sentimento público de comoção e perturbação a determinada
comunidade como decorrência da degradação ambiental. Além disso, difere-se do dano ambiental comum,
o qual afeta o patrimônio ambiental em sua concepção material, enquanto o dano moral corresponde a um
sentimento psicológico social adverso suportado por determinado grupo de pessoas.
Por fim, assenta-se que o dano moral ambiental pode concorrer ou não com o dano ambiental comum, o
que não obsta ao concurso de indenizações, na esteira Súmula nº 37 do Superior Tribunal de Justiça.’
Isso posto, com o meu pedido de vênia, acompanho o Relator para dar provimento ao recurso.

É como voto.”
Observamos que até a data da elaboração do presente trabalho, o julgamento não tinha terminado.
b) O Tribunal de Justiça de São Paulo, na decisão a seguir mostrada, por sua ementa, decidiu:
“Indenização. Responsabilidade civil. Dano moral. Intoxicação por resíduos industriais de hexaclorobenzeno
(HCB), depositados em área próxima de habitação coletiva. Substância química capaz de provocar doenças
malignas. Necessidade de freqüente acompanhamento médico da vítima até eventual eliminação orgânica.
Ofensa ao direito subjetivo à segurança pessoal. Verba devida. Ação de indenização julgada, em parte,
procedente. Provimento parcial ao recurso para esse fim - ‘Configura dano moral reparável, a título de
violação do direito à segurança pessoal, a condição orgânica de quem, intoxicado por resíduos industriais
de hexaclorobenzeno (HBC), fica exposto aos riscos de ser acometido por doença maligna” (TJSP - 2ª C.
Dir. Privado - Apelação 170.660-4 - Rel. Cezar Peluzo - j. 20.03.2002, citado por Stoco, Rui. Tratado de

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Responsabilidade Civil. 6.ed. p.858).
c) O Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, pela sua 2ª Câmara Cível, apregoou, na Apelação Cível nº
2001.001.14586 - Apelante: Município do Rio de Janeiro, Apelado: Artur da Rocha Mendes Neto, tendo como
Relatora a Desembª Maria Raimunda T. de Azevedo, que:
“Poluição Ambiental. Ação Civil Pública formulada pelo Município do Rio de Janeiro. Poluição consistente
em supressão da vegetação do imóvel sem a devida autorização municipal. Cortes de árvores e início de
construção não licenciada, ensejando multas e interdição do local. Dano à coletividade com a destruição
do ecossistema, trazendo conseqüências nocivas ao meio ambiente, com infringência às leis ambientais,
Lei Federal 4.771/65, Decreto Federal 750/93, artigo 2º, Decreto Federal 99.274/90, artigo 34 e inciso XI,
e a Lei Orgânica do Município do Rio de Janeiro, artigo 477. Condenação à reparação de danos materiais
consistentes no plantio de 2.800 árvores e ao desfazimento das obras. Reforma da sentença para inclusão
do dano moral perpetrado à coletividade. Quantificação do dano moral ambiental razoável e proporcional
ao prejuízo coletivo. A impossibilidade de reposição do ambiente ao estado anterior justifica a condenação
em dano moral pela degradação ambiental prejudicial à coletividade. Provimento do recurso.”
O voto do mencionado acórdão merece, pelos fundamentos que desenvolveu, ser conhecido:

“VOTO
Apela o Município do Rio de Janeiro da sentença que julgou procedente em parte pedido deduzido em ação
Civil Pública contra Artur da Rocha Mendes Neto, pela causação de danos à coletividade com a destruição
do ecossistema local, obrigando-a sofrer os efeitos de tal degradação.
O apelado foi condenado a desfazer as obras executadas, sem autorização municipal, à retirada de entulho
e a plantar 2.800 mudas de espécies nativas, no prazo de 90 dias.
Não tendo havido condenação da parte quanto aos danos morais causados à coletividade, reitera o
Município Apelante esta parte do pedido.
Nas razões de decidir, argumenta o Juiz monocrático que por determinação constitucional (art. 225, §
3°, da Constituição Federal) as condutas lesivas ao meio ambiente sujeitam os infratores às sanções penais
e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos causados.
Os documentos acostados à inicial atestam o corte de 40 árvores, inicialmente, além de onze (11)
subseqüentes, a supressão de sub-bosque, provocando a diminuição da cobertura vegetal da região, com
a diminuição do valor ecológico e paisagístico para o local e a execução de obras sem a devida licença da
municipalidade.
A real utilidade e a necessidade do sub-bosque podem ser avaliadas pela descrição, após inspeção técnica
no local:
‘A cobertura arbórea, além do seu valor ecológico/paisagístico para o local, tem como funções importantes
tamponar os impactos gerados nas zonas ocupadas, contribuindo para amenizar o microclima local; conter
a erosão do solo; reter poluentes e ruídos; servir como porta-sementes; atrair a fauna entre outros aspectos
relevantes para uma área próxima a uma Unidade de Conservação Ambiental’ (fl. 04).
Quanto à obra em si, foi ressaltado pelos técnicos que ‘estará impedindo a regeneração natural da
vegetação local, como também impermeabilizando grande parte do terreno. Por ser obra clandestina, poderá
ainda acarretar poluição hídrica e do solo, devido à falta de critérios técnicos que as construções irregulares
costumam ter’.
As providências a serem tomadas para a reversão dos danos ambientais causados pelo Réu, como seja a
compensação do dano ambiental com o plantio de 2.800 mudas de espécies nativas de acordo
com orientação da Secretaria do meio ambiente, além da demolição das construções e retirada de entulho,
ainda assim não propiciam reversão ao estado anterior, certo que em nova vistoria foi constatado o aumento
de corte de árvores, já em número de 51, em total desacordo com as leis de controle ambiental.
De acordo com o relatório de vistoria de fl. 12, trata-se de área com cerca de 3.091 metros quadrados,
situada em torno do Parque Estadual da Pedra Branca. Apesar de já estar descaracterizada da original Mata
Atlântica, possui um misto de espécies nativas com exóticas. Com o povoamento municipal, os lotes situados
naquele local só podem ser desmembrados em áreas mínimas de 5.000 metros quadrados e edificados em
10%.
Embora haja impugnação das exigências ao assunto de que houve desdobramento do terreno, no Registro
Geral de Imóveis este desdobramento foi efetuado em desacordo com a legislação proibitiva por implicar
degradação ao meio ambiente na forma da Lei Federal 4.771/65, o Decreto Federal 750/93, artigo 1°, a
Resolução do CONAMA n° 13, de 06.12.90, artigo 2°, Decreto Federal 99.274/90, artigo 34, inciso XI, e a Lei
Orgânica do Município do Rio de Janeiro, artigo 477.
Por outro lado, a condenação imposta com o objetivo de restituir o meio ambiente ao estado anterior não

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impede o reconhecimento de reparação do dano moral ambiental.
Pacífico o entendimento por este Colegiado de que a indenização por dano moral comporta pedido genérico,
deixando-se ao arbítrio do julgador a quantificação, a ausência de pedido certo e determinado não impede
a condenação, uma vez existente pedido genérico.
Em se tratando de proteção ambiental, a responsabilidade é objetiva, bastando a demonstração do dano
existente com a prova do fato perpetrado contra a coletividade pela degradação do ambiente.
Uma coisa é o dano material consistente na poda de árvores e na retirada de sub-bosque cuja reparação
foi determinada com o plantio de 2.800 árvores.
Outra é o dano moral consistente na perda de valores ambientais pela coletividade.
O dano moral ambiental tem por característica a impossibilidade de mensurar e a impossibilidade de
restituição do bem ao estado anterior.

Na hipótese, é possível estimar a indenização, pois a reposição das condições ambientais anteriores,
ainda que determinado o plantio de árvores, a restauração ecológica só se dará, no mínimo, dentro de 10 a
15 anos.
Conforme atestam os laudos (fls. 11/12 e 17/18), nesse interregno a degradação ambiental se prolonga
com os danos evidentes à coletividade, pela perda de qualidade de vida nesse período.
Os danos ao meio ambiente vêm sendo cada vez mais perpetrados, resultantes da insensibilidade dos
perpetradores, por isso que devem ser reprimidos a benefício da coletividade.
Assim sendo, de acordo com os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade norteadoras da fixação
do valor, e de acordo com o brilhante parecer do Procurador de Justiça Dr. Luiz Otávio de Freitas, que na forma
regimental passa a integrar o julgado, dá-se provimento ao apelo, para condenar o apelado ao pagamento
de danos morais ambientais, no equivalente a 200 (duzentos) salários mínimos nesta data, revestidos em
favor do fundo previsto no artigo 13 da Lei 7.347/85.
Rio de Janeiro, 06 de março de 2002.
Desembargador João Wehbi Dib.”
d) O Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, nos Embargos de Declaração nº 70010872729, da relatoria
do Desemb. Wellington Pacheco Barros, julgado em 16.03.2005, ementou:
“Embargos de Declaração. Processual Civil. Apelação cível. Constitucional. Administrativo. Processual civil.
Ação civil pública. Porto Alegre. Pedreira do Morro Santana. Extrativismo mineral. Inexistência de licença
por grande parte do tempo de funcionamento da empresa. Responsabilidade objetiva por dano ambiental.
Obrigatoriedade de intervenção estatal instituída pela declaração de Estocolmo de 1972. Incidência na Lei nº
6.938/1981, recepcionada pela Constituição Federal de 1988. Responsabilidade solidária. Parcial procedência
na origem. Obrigação de recuperação da área. Dano moral ambiental. Incabimento. Não-provimento em
grau recursal. Sentença que se mantém. Inexistência de obscuridade, contradição, omissão ou necessidade
de esclarecimentos. Embargos desacolhidos” (Embargos de Declaração nº 70010872729, 4ª Câmara Cível,
Tribunal de Justiça do RS, Relator: Wellington Pacheco Barros, Julgado em 16.03.2005).
e) Na Apelação Cível nº 7009570490, relatada, também, pelo Desemb. Wellington Pacheco Barros, no
Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, julgamento de 10.11.2004, 4ª Câmara Cível, ficou decidido:

“Apelação Cível. Constitucional. Administrativo. Processual Civil. Ação Civil Pública. Porto Alegre.
Pedreira do Morro Santana. Extrativismo Mineral. Inexistência de Licença por Grande Parte do Tempo de
Funcionamento da Empresa. Responsabilidade Objetiva por Dano Ambiental. Obrigatoriedade de Intervenção
Estatal Instituída pela Declaração de Estocolmo de 1972. Incidência na Lei Nº 6.938/1981, Recepcionada
pela Constituição Federal de 1988. Responsabilidade Solidária. Parcial Procedência na Origem. Obrigação
de Recuperação da Área. Dano Moral Ambiental. Incabimento. Não-Provimento em Grau Recursal. Sentença
Que Se Mantém. Recurso Adesivo. Deserção. Ausência de Preparo. Não-comprovado o preparo no ato de
interposição do recurso. Texto e inteligência do artigo 511 do CPC. Inocorrência. Precedentes do STJ. Não-
conhecimento. 1 - A Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente Humano, reunida em Estocolmo,
de 5 a 16 de junho de 1972, da qual o Brasil foi signatário, determinou a obrigatoriedade da intervenção
estatal, sendo inescusável a omissão na tarefa de vigiar e controlar a utilização dos seus recursos ambientais.
2 - Depois disso, ficou plasmado que a responsabilidade por dano ambiental é objetiva, fulcro no artigo 14,
§ 1º, da Lei nº 6.938/81, recepcionado pelo artigo 225, § 3º, da Constituição Federal. 3 - Além disso, era
regra expressa na ocasião do fato que todos que concorressem para a ocorrência do dano responderiam
solidariamente, nos termos do artigo 1.518 do Código Civil de 1916. 4 - E, por fim, o dano moral ambiental tem
feição subjetiva. Reparam-se a dor, o sofrimento, a vergonha de um grupo, de uma coletividade. Inexistência
de comprovação. Negado provimento às apelações e não conhecido o recurso adesivo, vencido em parte o

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Desemb. Presidente” (Apelação Cível nº 70009570490, 4ª Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator:
Wellington Pacheco Barros, Julgado em 10.11.2004).
f) O Tribunal de Justiça no Paraná, apreciando agravo referente ao Processo nº 132526800, relatado pelo
Desemb. Wanderlei Resende, julgamento de 19.03.2002, entendeu que:
“Ação Civil Pública por Imoralidade Administrativa e Danos Materiais e Morais Causados ao Meio Ambiente
- Juízo A Quo Deferiu Pedido Liminar - Paralisação de Obras em Estrada Rural - Suspensão da Licença de
Instalação - Possibilidade - Área Integrante da Mata Atlântica - Licença Concedida pelo IAP Sem Anuência
do IBAMA - Vício Insanável - Licença Nula - Aplicação do Princípio da Prevalência do Meio Ambiente - Efeito
Suspensivo Revogado - Decisão Mantida - Agravo Não Provido. Presentes os requisitos do fumus boni iuris e
do periculum in mora, é cabível a imposição de medida liminar em ação civil pública, por força do art. 12 da
Lei 7.347/85. No direito ambiental, o poder geral de cautela do juiz deve ser norteado pelo princípio da
prevalência do meio ambiente (vida), podendo impor ao poder público a cessação da atividade danosa,
justamente por ser seu dever defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações (art. 225, caput,
da CF).”
g) O Tribunal de Justiça do Paraná, no agravo de nº 132527500, acórdão nº 21802, relatado pelo Desemb.
Wanderlei Resende, julgado em 19.03.2003, reafirmou:
“Ação Civil Pública por Imoralidade Administrativa e Danos Materiais e Morais Causados ao Meio Ambiente -
Juízo A Quo Deferiu Pedido Liminar - Paralisação de Obras em Estrada Rural - Suspensão da Licença de Instalação
- Possibilidade - Área Integrante da Mata Atlântica - Licença Concedida pelo IAP Sem Anuência do IBAMA
- Vício Insanável - Licença Nula - Aplicação do Princípio da Prevalência do Meio Ambiente - Efeito Suspensivo
Revogado - Decisão Mantida - Agravo Não Provido. Presentes os requisitos do fumus boni iuris e do periculum
in mora, é cabível a imposição de medida liminar em ação civil pública, por força do art. 12 da Lei 7.347/85.
No direito ambiental, o poder geral de cautela do juiz deve ser norteado pelo princípio da prevalência do
meio ambiente (vida), podendo impor ao poder público a cessação da atividade danosa, justamente por ser
seu dever defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações (art. 225, caput, da CF).”
h) É de ser destacada decisão do Tribunal de Justiça de Minas Gerais, relatada pelo Desemb. Geraldo
Augusto, no Processo 1.0024.03.131618-5/0001(1), de 19.12.2005, referente à manutenção de pássaros
em cativeiro.
A ementa do julgado registra:
“Ambiental - Manutenção de Pássaros em Cativeiro - Apreensão - Dano com Efeito Moral - Critério de Fixação.
A apreensão, pela polícia ambiental, de pássaros mantidos em cativeiro para serem reintegrados ao meio
ambiente caracteriza ofensa que extrapola o terreno dos danos meramente patrimoniais, constituindo,
em verdade, danos com efeitos morais ou simplesmente danos extrapatrimoniais com ofensa ao direito
difuso ao meio ambiente. Em casos tais, torna-se satisfatório o arbitramento de um valor de indenização
que, na hipótese, é fixado de forma subjetiva, diante das especificidades de cada caso concreto, tais como
circunstâncias do fato, gravidade da perturbação, reparabilidade do dano, tipo de agressão, espécies afetadas
e, ainda, dentre outros critérios, também a condição econômica da parte envolvida.”
O Tribunal de Justiça de Minas Gerais, no Processo nº 1.047.03.000681-8/0001, da relatoria do Desemb.
Batista Franco, julgado em 27.09.2005, assentou:
“Ação de Indenização por Danos Materiais e Morais - Nulidade da Sentença Afastada - Direito de Propriedade
Violado - Danos Materiais Comprovados -
Obrigação de Indenizar Caracterizada - Danos Morais Afastados - Juros de Mora de 1% ao Mês - Majoração
da Verba Sucumbencial - Possibilidade. 1 - Não há que se falar em julgamento ultra petita ou extra petita
quando a sentença de 1° grau ateve-se rigorosamente aos termos da petição inicial, a qual foi capaz de revelar
aquilo que o autor pretendia do Estado frente ao requerido. 2 - Comprovada nos autos a ocorrência de dano
de ordem material decorrente de obra realizada a mando do Município, para drenagem e pavimentação
asfáltica, culminando no desvio natural do córrego que define um dos limites do terreno, com conseqüente
isolamento de parte de sua área, afetando, inclusive, possíveis entradas no imóvel dos autores da ação, deverá
aquele arcar com o pagamento da indenização dos danos decorrentes, cujo valor deverá ser fixado em fase de
liquidação de sentença por arbitramento, levando em conta o valor da área desmembrada o total do imóvel
e os valores necessários para realização de obras a fim de evitar novos danos à propriedade dos autores. 3
- Ausente qualquer dos elementos ditos como essenciais na doutrina subjetivista para a caracterização da
responsabilidade de indenizar os alegados danos morais, quais sejam, o erro de conduta do suposto ofensor,
o dano efetivamente sofrido pelos ofendidos e o nexo de causalidade entre uma e outra, cabe ser inacolhido
o pedido inicial de indenização por danos morais por motivo de invasão de parte do terreno dos autores da
ação. 4 - Os juros de mora, em se tratando de condenação a ser suportada pela Fazenda Municipal, devem ser
fixados em 1% ao mês, na forma prevista no art. 406 do novo Código Civil c.c. art. 141 do Código Tributário

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Nacional. 5 - Os honorários de sucumbência a serem pagos pelo Município apelado, em observância ao que
está disposto no § 4º do art. 20 do Código de Processo Civil, devem ser fixados segundo apreciação eqüitativa
do juiz da causa, que deve estar atento ao fato de não se admitir a hipótese de condenação em valor irrisório,
ou tampouco, excessivamente onerosa ao devedor, cabendo a este eg. Tribunal, quando necessário, adequá-
la à hipótese fática. 6 - Preliminar rejeitada, parcialmente provida a apelação principal e provida a apelação
adesiva” (Obs.: Rejeitaram preliminar e deram provimento parcial aos recursos principal e adesivo).
j) Em 17.08.2004, o Tribunal de Justiça de Minas Gerais, por reconhecer inexistir pedido específico sobre
danos morais ambientais, decidiu no Processo nº 1.0702.96.002497-5/002(1), relatado pelo Desemb.
Caetano Levi Lopes:
“Apelação Cível. Ação civil pública. Sentença. Vício extra petita inocorrente. Prova oral. Irregularidade
eventual. Ausência de prejuízo. Princípio da instrumentalidade das formas. Nulidade inexistente. Estudo
prévio de impacto ambiental. Peça integrante do contexto de licenciamento ambiental. Impossibilidade
de apresentação isolada. Área de preservação permanente. Recomposição inviável ao status quo ante. Dano
ambiental. Responsabilidade civil objetiva. Reparação devida. Indenização. Arbitramento correto. Danos
morais. Falta de pedido específico. Inviabilidade. Recursos não providos. 1. A sentença contém o vício extra
petita quando soluciona causa diversa da que foi proposta. 2. Limitando-se o julgador a decidir a pretensão
deduzida, inocorre o vício mencionado. 3. Deve a parte demonstrar, objetivamente, qual prejuízo processual
sofreu pela produção da prova oral. Omissa a demonstração, tem pertinência o princípio da instrumentalidade
do processo, porque este não é fim em si mesmo e, sim, meio para aplicação do direito material na composição
dos conflitos de interesses. 4. Nos casos de dano ao meio ambiente, a regra é a responsabilidade civil objetiva,
sob a modalidade do risco integral. 5. É devida a reparação do dano, quando demonstrado o nexo causal entre
a conduta do agente e a lesão ao meio ambiente a ser protegido. 6. O estudo prévio de impacto ambiental
visa a conhecer a atividade que se pretende realizar e, por conseqüência, adotar as medidas mitigadoras e
compensatórias da degradação ambiental. Logo, não é peça isolada do sistema de proteção do meio ambiente
e deve estar integrado no contexto do licenciamento ambiental. 7. É de se arbitrar a indenização em dinheiro
para compensar, de alguma forma, a degradação causada ao sistema ambiental, não suscetível de reparação
natural. 8. Ausente pedido específico quanto ao dano moral, a pretensão recursal neste sentido não pode ser
atendida. 9 Apelações cíveis conhecidas e não providas, rejeitadas duas preliminares.
l) O Desemb. Francisco Figueiredo, do Tribunal de Justiça de Minas Gerais, no Acórdão do Processo nº
1.0702.96.019524-7/001 (1), julgado em 18.11.2003, ementou:
“Ação Civil Pública - Condenação em Danos Morais - Processualidade. É indevida e inviável a condenação
para atender a danos morais em relação a uma coletividade, como também porque não comprovados tais
danos no curso da lide.”
O acórdão está formado pelos fundamentos seguintes:
“Conheço do recurso, que é adequado, oportuno e atende aos requisitos de sua admissão.
Trata-se de Ação Civil Pública, aforada pelo Ministério Público do Estado de Minas Gerais, através do
Promotor de Justiça da 1ª Vara Cível da Comarca de Uberlândia, contra o Bar e Restaurante Tribuna Livre
Ltda., qualificado na inicial, para que o mesmo seja compelido a recolher para os Cofres Públicos do
Município de Uberlândia o valor relativo aos danos morais como reparação pela poluição sonora que propagou
por longo período e que causou toda sorte de transtornos aos moradores do local.
Deliberando em torno da questão, a sentença acolheu parcialmente o pedido, determinando que o
estabelecimento requerido se abstenha da prática poluidora e se adapte com estrutura acústica que não
prejudique a tranqüilidade da vizinhança, mas negando deferimento ao pedido de danos morais, daí o
presente inconformismo do Órgão Ministerial.
No caso, não vislumbro razão na tese recursal e tenho que a decisão não está a merecer reparos, data
venia.
É bem verdade que o Bar e Restaurante Tribuna Livre Ltda., por um longo período e a despeito das
reclamações dos seus vizinhos, mostrou-se desidioso, ao permitir o ruidoso funcionamento da casa e ensejando
os reclamos de tantos quantos se sentiram incomodados, tal como noticiado no caderno processual.
Quanto ao pleito de danos morais, há de se reconhecer que realmente os atos do apelado causaram
transtornos à comunidade, o que, entretanto, não chega a caracterizar a existência daquele tipo de dano.
Inicialmente, porque observo que os danos morais não foram suficientemente provados e a sentença, por
óbvio, não tinha mesmo como incluir tal verba na condenação.
Lado outro, por mais que se pretenda, a eventual afetação ambiental não tem como importar em ofensa
moral a ser indenizável e muito menos restaria evidenciada uma dor suportada pela comunidade e que
pudesse ser traduzida em reparação pecuniária.
O bem jurídico atingido, in casu, foi o patrimônio ambiental coletivo e, por tal ofensa, está ele recebendo

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a reparação devida, com as cominações já impostas sentencialmente.
Emoldurado tal cenário e mesmo considerando a comprovação da responsabilidade do estabelecimento
infrator, assim como sua desídia em não buscar adaptar sua estrutura a uma acústica que não mais perturbe
o sossego e a tranqüilidade de terceiros, nego provimento ao recurso para confirmar a sentença na íntegra
e também julgar indevida qualquer reparação de danos morais.
Custas ex lege.
O Sr. Desemb. Nilson Reis:

VOTO
Adoto, com vênia, o relatório do eminente Relator, Desemb. Francisco Figueiredo, e, como ele, também
conheço do recurso, porque presentes os requisitos de sua admissibilidade.
A insurreição recursal do ilustrado representante do Ministério Público da 1ª Vara Cível da Comarca de
Uberlândia pretende a reforma da r. sentença para que o Bar e Restaurante Tribuna Livre Ltda. seja condenado
ao pagamento da importância por danos morais como indenização-ressarcimento em decorrência da poluição
sonora causada aos moradores do local.
Na lição do sempre magistral Caio Mário da Silva Pereira, in Responsabilidade Civil do Estado. 8.ed. Rio de
Janeiro: Forense, 1992, p.54, colhemos:
‘O fundamento da reparabilidade pelo dano moral está em que, a par do patrimônio em sentido técnico,
o indivíduo é titular de direitos integrantes de sua personalidade, não podendo conformar-se a ordem
jurídica em que sejam impunemente atingidos. Colocando a questão em termos de maior amplitude, Savatier
oferece uma definição de dano moral como ‘qualquer sofrimento humano que não é causado por uma perda
pecuniária’, e abrange todo atentado à reputação da vítima, à sua autoridade legítima, ao seu pudor, à sua
segurança e tranqüilidade, ao seu amor-próprio estético, à integridade de sua inteligência, a suas afeições,
etc.’ (Traité de la Responsabilité Civile, v.II, n.525).
O dano moral é a dor, o sofrimento, dignidade, atribulações, a tristeza, o constrangimento. É a ofensa
à honra, à sensibilidade, à tranqüilidade, ao sossego. É um direito personalíssimo e a sua lesão deve ser
reparada, na sua expressão socioeducativa, pedagógica e até punitiva. Remonta ao Código de Hamurabi (Rei
da Babilônia, 1728 a 1686 a.C.). A Constituição da República o prevê (art. 5º, V e X)
A Lei de Política Nacional do Meio Ambiente nº 6.938, de 31 de agosto de 1981, em seu art. 3º, III, a,
dispõe:
‘Art. 3º. Para os fins previstos nesta Lei, entende-se por:
(...)
III - poluição, a degradação da qualidade ambiental resultante de atividades que direta ou
indiretamente;
a) prejudiquem a saúde, a segurança e o bem- estar da população; (...).’

Neste caminhar, registra o mestre Paulo Affonso Leme Machado, em sua obra Direito Ambiental Brasileiro,
11.ed. p.616, do estudo publicado pela Organização Mundial como efeitos do ruído: ‘perda de audição;
interferência com a comunicação; dor; interferência no sono; efeitos clínicos sobre a saúde; efeitos sobre a
execução de tarefas; incômodo; efeitos não específicos’.
Yussef Said Cahali, em sua obra Dano Moral. 2.ed. Editora Revista dos Tribunais, 1998, p.20, doutrina:
‘Parece mais razoável, assim, caracterizar o dano moral pelos seus próprios elementos; portanto, ‘como
a privação ou diminuição daqueles bens que têm um valor precípuo na vida do homem e que são a paz, a
tranqüilidade de espírito, a liberdade individual, a integridade individual, a integridade física, a honra e os
demais sagrados afetos’.
Disse Confúcio: ‘Não faça a outrem o que não queres que te façam’ e na Lei da XII Tábuas já se encontrava:
‘Se alguém causa um dano premeditadamente que o repare’.
Indubitável, pois, que a poluição sonora é dano moral, mas, no caso dos autos, não ao Ente Público,
Município, mas àquelas pessoas naturais, que são vizinhas do estabelecimento comercial que lhes provocava
perturbação, tirava-lhes o sossego e a tranqüilidade pessoais nas moradias, nas quais, depois da labuta diária
recolhem-se para o reencontro da paz, da família, santuário da família.
Ao Município cabe o dever de polícia de impedir a poluição sonora, que se insere na vida, na violação da
paz, tempestividade e à qualidade de vida.
Assim sendo, porque direito personalíssimo, impossível, concessa venia, a postulação recursal do ilustre
representante do Ministério Público, que não é, no caso dos autos, substituto processual ou detentor de
legitimidade para reclamar indenização por danos morais ao Município, invocando, para tanto, o art. 1º da
Lei 7.347/85, inaplicável, portanto. Acompanho o eminente Desembargador Relator para negar provimento

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ao recurso, confirmando a r. sentença.
Custas, ex lege.
O Sr. Desemb. Jarbas Ladeira:
VOTO
De acordo.”

6 - Conclusões

Há, não se pode deixar de reconhecer, um movimento doutrinário voltado, de modo preponderante, para
a defesa da responsabilidade civil por danos morais ambientais.
Os artigos citados no curso do presente trabalho revelam essa tendência. A corrente que tem posicionamento
em sentido contrário não tem atraído muitos adeptos.
A jurisprudência dos Tribunais de 2° Grau está dividida. A análise das decisões acima citadas revela
que são dúbios os posicionamentos adotados. Os fundamentos apresentados pelos julgados que aceitam a
responsabilidade civil por danos morais ambientais não demonstram plena convicção. Sentimos, em cada
acórdão referido, que há necessidade de a convicção do julgador ser mais clara e vinculada ao verdadeiro
alcance desse tipo de responsabilidade.
Por outro ângulo, os que negam a possibilidade de alguém, pessoa jurídica ou física, responder, civilmente,
por danos morais ambientais não alargam as suas concepções para que sejam discutidas as diretrizes
científicas jurídicas do Direito Ambiental.
A verdade é que está iniciado um novo ciclo de debates e de investigações científicas sobre o Direito
Ambiental. O Direito, pelos seus métodos de pesquisa e técnicas de imposição de princípios, há de abrir
espaços, em todos os ângulos onde ele é estudado, para que o tema seja solucionado tendo em vista a garantia
da dignidade humana e da valorização da cidadania.

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Jurisprudência Boletim Direito Público Notadez

Jurisprudência:

RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA. ADMINISTRATIVO.


LICITAÇÃO. ANULAÇÃO. RECURSO PROVIDO.

1. A licitação, como qualquer outro procedimento administrativo, é suscetível de anulação, em caso de ilegalidade, e
revogação, por conveniência e oportunidade, nos termos do art. 49 da Lei 8.666⁄93 e das Súmulas 346 e 473⁄STF. Mesmo
após a homologação ou a adjudicação da licitação, a Administração Pública está autorizada a anular o procedimento
licitatório, verificada a ocorrência de alguma ilegalidade, e a revogá-lo, no âmbito de seu poder discricionário, por razões
de interesse público superveniente. Nesse sentido: MS 12.047⁄DF, 1ª Seção, Rel. Min. Eliana Calmon, DJ de 16.4.2007;
RMS 1.717⁄PR, 2ª Turma, Rel. Min. Hélio Mosimann, DJ de 14.12.1992.
2. Na hipótese dos autos, após a homologação do procedimento licitatório e a adjudicação de seu objeto em favor da
ora recorrente, para a construção do Presídio Regional de Passo Fundo⁄RS, a Administração Pública entendeu por
bem anular o certame, sob o fundamento de que no edital, na parte relativa à planilha de orçamento global da obra, no
item 9.12 - Instalações elétricas -, subitem 35 do tópico 9.12.1.2, foi atribuído, incorretamente, o valor ZERO aos preços
unitário e global do material ali discriminado - caixa estampada 3x3 -, em desconformidade, portanto, com o disposto
no art. 44, § 3º, da Lei 8.666⁄93. Irresignada, a ora recorrente interpôs recurso administrativo, que, no entanto, foi
desprovido, por se entender que, “afora o dispositivo legal descumprido, há também que se considerar o princípio da
economicidade, o qual deve nortear a conduta do administrador, haja vista que a desclassificação da empresa foi pelo
valor de R$ 462,78 a maior referente a apenas quatro itens dentre mais de 2000 (dois mil da licitação). No entanto, o
preço global da empresa considerada vencedora pela comissão especial de licitações foi R$ 458.607,66, superior ao da
empresa desclassificada, valor que estaria compelindo ao erário suportar” (fl. 151).
3. Nesse contexto, verifica-se que o fundamento central que autorizou a anulação da Concorrência 162⁄GELIC⁄2007 foi
o da existência de incorreções na planilha de orçamento global da obra, constante do edital de licitação, o que ensejou
vício de ilegalidade, por violação do art. 44, § 3º, da Lei 8.666⁄93. Há também o fundamento, de natureza subsidiária,
apresentado no momento do indeferimento do recurso administrativo, o qual revela, na realidade, razões de interesse
público, a autorizar o desfazimento do certame.
4. Da análise do edital de Concorrência 162⁄GELIC⁄2007 e de seus anexos, verifica-se que, na planilha de orçamento
global da obra, consta apenas um item ao qual foi atribuído valor unitário e global ZERO (material: caixa estampada
3x3 - 76,2x76,2mm, Chapa 20 -, constante do tópico 9x12 - Instalações Elétricas -, subitem 35 do tópico 9.12.1.2), entre
mais de 1.600 itens, sendo mais de 90 materiais para instalação elétrica. E apenas em um deles (caixa estampada 3x3,
em relação ao qual foi estipulada a quantidade de apenas uma unidade para a realização da obra), consta ZERO como
valores unitário e global. É oportuno registrar que consta como item seguinte (36 do tópico 9.12.2) quatro unidades
de caixa estampada de 2x4 (51x102mm, Chapa 20), com valor unitário de R$ 2,02 e valor global de R$ 8,08. Fica,
assim, demonstrada a irrisoriedade do valor a ser acrescentado à planilha de orçamento global, em caso de retificação
do edital, o que seria, consideravelmente, inferior aos gastos a serem despendidos com uma nova licitação. Ou seja, a
Administração pretende anular licitação já consumada, com objeto homologado e adjudicado ao licitante vencedor,
para APENAS retificar o referido item da planilha de orçamento global, cuja alteração refere-se a valor ínfimo e, após,
realizar nova licitação, com o mesmo objeto da concorrência anulada.
5. Os vícios formais encontrados no edital de licitação que não causem prejuízos aos particulares nem ao interesse público
podem ser reparados pela Administração, sem que isso importe em nulidade do ato convocatório ou do certame.
6. Dessa análise, não há outra conclusão a que se possa chegar senão a de que a Administração se utiliza de mera
irregularidade formal do edital para fundamentar a anulação da concorrência e a realização de novo certame, porque, na
realidade, ficou insatisfeita com o resultado do procedimento licitatório, que desclassificou a empresa CONSTRUTORA
PELOTENSE LTDA, em virtude de, em sua proposta, ter atribuído a alguns itens valor superior ao máximo permitido
pelo edital, e teve como vencedora a empresa PORTONOVO EMPREENDIMENTOS E CONSTRUÇÕES LTDA. E, somente
após a homologação e adjudicação da licitação é que a Administração deu-se conta de que o preço global oferecido pela
empresa desclassificada era inferior ao da empresa vencedora do certame.
7. Em relação ao interesse público que embasou o desfazimento do certame, ressalte-se que, nos termos do art. 49 da
Lei 8.666⁄93, “a autoridade competente para a aprovação do procedimento somente poderá revogar a licitação por
razões de interesse público decorrente de fato superveniente devidamente comprovado, pertinente e suficiente para
justificar tal conduta”. E, consoante se pode depreender dos autos, o interesse público na obtenção do menor preço
não é superveniente à homologação e à adjudicação do objeto do certame, na medida em que, desde o oferecimento

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das propostas pelas empresas concorrentes e de suas respectivas avaliações pela Comissão de Licitação, passou a
ser conhecido o fato de que a proposta da empresa posteriormente desclassificada possuía preço global inferior à da
empresa vencedora ao final do certame.
8. Recurso ordinário provido, para, concedendo a segurança, reconhecer a invalidade do ato anulatório da licitação,
restabelecendo-se a homologação e a adjudicação da Concorrência 162⁄GELIC⁄2007 em favor da impetrante.

(STJ - RMS 28.927 - RS - Proc. 2009/0034015-3 - 1ª T. - Relª Minª Denise Arruda - DJ 02.02.2010)
 
ACÓRDÃO
 
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Primeira Turma do Superior Tribunal de Justiça:
A Turma, por unanimidade, deu provimento ao recurso ordinário em mandado de segurança, para, concedendo a
segurança, reconhecer a invalidade do ato anulatório da licitação, restabelecendo-se a homologação e a adjudicação da
Concorrência 162⁄GELIC⁄2007 em favor da impetrante, nos termos do voto da Sra. Ministra Relatora. Os Srs. Ministros
Benedito Gonçalves, Hamilton Carvalhido, Luiz Fux e Teori Albino Zavascki votaram com a Sra. Ministra Relatora.
Brasília (DF), 17 de dezembro de 2009(Data do Julgamento).
  
RELATÓRIO
 
A EXMA. SRA. MINISTRA DENISE ARRUDA (Relatora):
 
Trata-se de recurso ordinário interposto por PORTONOVO EMPREENDIMENTOS E CONSTRUÇÕES LTDA contra
acórdão, proferido pelo Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, nos autos de mandado de segurança, assim
ementado: 
“MANDADO DE SEGURANÇA. LICITAÇÃO. OBRA PÚBLICA. EMPREITADA POR PREÇO GLOBAL. VALOR UNITÁRIO.
IRREGULARIDADE.
1. Constatada a nulidade no processo de licitação, a Administração Pública tem o dever de anulá-lo, ainda que já tenha
sido homologado.
2. Na licitação de obra pública para execução em regime de empreitada integral por preço global com a fixação de
valores unitários máximos de bens e serviços, configura mera irregularidade a proposta que atribui em apenas quatro
itens valor superior ao constante do edital. Hipótese em que o valor global ficou 9% aquém do preço global previsto
no edital. A desclassificação, nesse caso, configura excesso de formalismo em detrimento dos demais princípios que
regem o processo de licitação, em especial, o da competitividade e o da proporcionalidade.
Segurança denegada. Relator vencido.” (fl. 304)
 Nas razões de recurso ordinário, a empresa recorrente sustenta, em síntese, que: (a) não há nenhuma ilegalidade a
ensejar a anulação do procedimento licitatório; (b) no edital do certame consta orçamento oficial, o qual cota como
ZERO o fornecimento do tópico 35 do subitem 9.12.1.2 (caixa estampada 3x3); (c) não há previsibilidade técnica de
utilização do referido tópico no memorial descritivo, tampouco no projeto elétrico; (d) “a empresa desclassificada
afrontou disposição editalícia clara e objetiva lançando valores unitários superiores ao do edital e a ora recorrente, tão-
somente, cumpriu o edital, lançando valor zero para produto que o próprio edital havia também lançado valor zero” (fls.
345⁄346). Requer, ao final, o provimento do recurso ordinário, para, concedendo-se a segurança, decretar a invalidade
do ato anulatório da licitação, restabelecendo-se a homologação e a adjudicação da Concorrência 162⁄GELIC⁄2007
em favor da impetrante.
O ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL apresentou contrarrazões às fls. 366⁄373, pugnando pelo desprovimento do
recurso.
Admitido o recurso na origem, subiram os autos.
Instado a se manifestar, o Ministério Público Federal, no parecer de fls. 387⁄394, opinou pelo não provimento do
recurso ordinário, por entender que é devida a anulação do procedimento licitatório, por vício de ilegalidade. Concluiu,
assim, que, “no caso concreto, foi constatado que no edital foi atribuído, em seu item 9.12 (instalações elétricas), tanto
no preço unitário quanto no global, valor zero (fl. 89), o que interferiu na apresentação das propostas e contrariou o
disposto no art. 44, § 3º, da Lei nº 8.666⁄93” (fl. 391).
É o relatório.
RECURSO EM MANDADO DE SEGURANÇA Nº 28.927 - RS (2009⁄0034015-3)
  

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VOTO
 
A EXMA. SRA. MINISTRA DENISE ARRUDA (Relatora):
 A licitação, como qualquer outro procedimento administrativo, é suscetível de anulação, em caso de ilegalidade, e
revogação, por razões de interesse público. Nos termos do art. 49 da Lei 8.666⁄93, o procedimento licitatório poderá
ser desfeito, em virtude da existência de vício no procedimento ou por razões de conveniência e oportunidade da
Administração Pública, nos termos seguintes:
 
“Art. 49. A autoridade competente para a aprovação do procedimento somente poderá revogar a licitação por razões
de interesse público decorrente de fato superveniente devidamente comprovado, pertinente e suficiente para justificar
tal conduta, devendo anulá-la por ilegalidade, de ofício ou por provocação de terceiros, mediante parecer escrito e
devidamente fundamentado.
§ 1º A anulação do procedimento licitatório por motivo de ilegalidade não gera obrigação de indenizar, ressalvado o
disposto no parágrafo único do art. 59 desta Lei.
§ 2º A nulidade do procedimento licitatório induz à do contrato, ressalvado o disposto no parágrafo único do art. 59
desta Lei.
§ 3º No caso de desfazimento do processo licitatório, fica assegurado o contraditório e a ampla defesa.
§ 4º O disposto neste artigo e seus parágrafos aplica-se aos atos do procedimento de dispensa e de inexigibilidade de
licitação.” (grifou-se)
 
A propósito, a Súmula 473 do STF estabelece que “a Administração pode anular seus próprios atos, quando eivados
de vícios que os tornam ilegais, porque deles não se originam direitos; ou revogá-los, por motivo de conveniência ou
oportunidade, respeitados os direitos adquiridos, e ressalvada, em todos os casos, a apreciação judicial”. E, ainda, a
Súmula 346⁄STF dispõe que “a Administração pode declarar a nulidade dos seus próprios atos”.
Cumpre salientar, ademais, que, mesmo após a homologação ou a adjudicação da licitação, a Administração Pública está
autorizada a anular o procedimento licitatório, verificada a ocorrência de alguma ilegalidade, e a revogá-lo, no âmbito
de seu poder discricionário, por razões de interesse público superveniente.
A respeito do tema, leciona Hely Lopes Meirelles (in Licitação e Contrato Administrativo, 14ª ed., São Paulo: Malheiros,
2006, pp. 177-179), in verbis:
 
“A anulação da licitação ou do julgamento, por basear-se em ilegalidade, pode ser feita em qualquer fase e a
qualquer tempo, antes do contrato, desde que a Administração verifique e aponte a infringência à norma legal
ou ao edital. O essencial é que a autoridade justifique a anulação, indicando claramente a ilegalidade a ser corrigida.
Anulação sem indicação da ilegalidade é absolutamente inválida.
A jurisprudência só tem admitido a anulação com justa causa. Essa justa causa é, precisamente, a ilegalidade do
procedimento ou do julgamento anulado. Isto porque a anulação está sempre vinculada à ocorrência de uma ilegitimidade,
quer na forma, quer na substância do ato ou do procedimento invalidado. Não há, nem pode haver, discricionariedade na
anulação, porque ela só se justifica quando a motivação da decisão anulatória evidencia ilegalidade do ato anulado.
(...)
A revogação da licitação assenta em motivos de oportunidade e conveniência administrativa, mas nem por isso dispensa
a justificação do ato revocatório. A Administração pode revogar a licitação em qualquer de suas fases, desde
que o interesse público imponha essa invalidação. São as conveniências do serviço que comandam a revogação, e
passam a ser justa causa da decisão revocatória, que, por isso mesmo, deve ser motivada, sob pena de se converter em
ato arbitrário do administrador público. E o arbitrário é incompatível com o Direito.” (grifou-se)
 
Nesse sentido, podem ser citados os seguintes precedentes desta Corte de Justiça:
 
“ADMINISTRATIVO – LICITAÇÃO – REVOGAÇÃO APÓS ADJUDICAÇÃO.
1. No procedimento licitatório, a homologação é o ato declaratório pelo qual a Administração diz que o melhor
concorrente foi o indicado em primeiro lugar, constituindo-se a adjudicação na certeza de que será contratado aquele
indicado na homologação.
2. Após a adjudicação, o compromisso da Administração pode ser rompido pela ocorrência de fatos
supervenientes, anulando o certame se descobertas ilicitudes ou revogando-o por razões de conveniência e
oportunidade.

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3. Na anulação não há direito algum para os ganhador da licitação; na revogação, diferentemente, pode ser a Administração
condenada a ressarcir o primeiro colocado  pelas despesas realizadas.
4. Mandado de segurança denegado.” (MS 12.047⁄DF, 1ª Seção, Rel. Min. Eliana Calmon, DJ de 16.4.2007, grifou-se)
 
“MANDADO DE SEGURANÇA. LICITAÇÃO HOMOLOGADA. SIMPLES EXPECTATIVA DE DIREITO À CONTRATAÇÃO.
ANULAÇÃO. POSSIBILIDADE. VÍCIOS QUE TORNAM OS ATOS ILEGAIS.  DESPACHO MOTIVADO.  ARTIGO 39, DO DECRETO-
LEI N. 2.300⁄86 E SUMULA N. 473, DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL.  SEGURANÇA DENEGADA.
- Pode a Administração revogar a licitação por interesse público e deve anular, inclusive os atos homologatórios,
por ilegalidade.
- Induvidoso o prejuízo ao Estado, evidenciada a existência de ilegalidade ou dos vícios graves que levaram
a essa constatação, a anulação se impunha, mesmo depois de homologada a concorrência a favor de um dos
licitantes, pois o vencedor é titular de simples expectativa de direito a contratação.
- Exige-se, porém, que o ato de invalidação esteja plenamente justificado e que não resulte no benefício de outro
concorrente, em detrimento do vencedor.
- Dos vícios que tornam os atos ilegais não se originam direitos e o mandado de segurança não comporta minucioso
exame de provas sobre matéria controvertida.  O direito líquido e certo deve estar desde logo demonstrado.” (RMS
1.717⁄PR, 2ª Turma, Rel. Min. Hélio Mosimann, DJ de 14.12.1992, grifou-se)
 
Na hipótese dos autos, após a homologação do procedimento licitatório e a adjudicação de seu objeto em favor da ora
recorrente - PORTONOVO EMPREENDIMENTOS E CONSTRUÇÕES LTDA -, para a construção do Presídio Regional de
Passo Fundo⁄RS, a Administração Pública entendeu por bem anular o certame, sob o fundamento de que no edital,
na parte relativa à planilha de orçamento global da obra, no item 9.12 - Instalações elétricas -, subitem 35 do tópico
9.12.1.2, foi atribuído, incorretamente, o valor ZERO aos preços unitário e global do material ali discriminado - caixa
estampada 3x3 - (fls. 123⁄131), em desconformidade, portanto, com o disposto no art. 44, § 3º, da Lei 8.666⁄93.
Irresignada, a ora recorrente interpôs recurso administrativo, que, no entanto, foi desprovido, por se entender que,
“afora o dispositivo legal descumprido, há também que se considerar o  princípio da economicidade, o qual deve nortear
a conduta do administrador, haja vista que a desclassificação da empresa foi pelo valor de R$ 462,78 a maior referente
a apenas quatro itens dentre mais de 2000 (dois mil da licitação). No entanto, o preço global da empresa considerada
vencedora pela comissão especial de licitações foi R$ 458.607,66, superior ao da empresa desclassificada, valor que
estaria compelindo ao erário suportar” (fl. 151).
Nesse contexto, verifica-se que o fundamento central que autorizou a anulação da Concorrência 162⁄GELIC⁄2007 foi
o da existência de incorreções na planilha de orçamento global da obra, constante do edital de licitação, o que ensejou
vício de ilegalidade, por violação do art. 44, § 3º, da Lei 8.666⁄93. Há também o fundamento, de natureza subsidiária,
apresentado no momento do indeferimento do recurso administrativo da ora recorrente, o qual revela, na realidade,
razões de interesse público, a autorizar o desfazimento do certame.
No entanto, como o ato impugnado ocorreu por meio da decretação da nulidade da licitação, não há como aproveitar-se o
fundamento de ordem discricionária a respeito da existência de interesse público em contratar a empresa desclassificada,
a qual apresentou preço global economicamente mais vantajoso à Administração. Destarte, o segundo fundamento,
por se tratar de causa de revogação do procedimento licitatório, não pode servir para justificar sua anulação, devendo,
portanto, ser afastado.
É importante destacar trecho do voto vencido, proferido pelo Desembargador Genardo José Baroni Borges, relator do
mandado de segurança, o qual bem delineia a inviabilidade do segundo fundamento apresentado pela Administração
Pública, por se revestir de verdadeira causa de revogação, incapaz, pois, de fundamentar decisão de anulação de
procedimento licitatório, in verbis:
 
“Aprecio ainda questão não tratada na liminar, por não ser o momento oportuno. Para tanto, peço vênia ao Dr. Procurador
de Justiça para adotar os fundamentos expendidos no Parecer, a fl. 295, que transcrevo:
‘Mas há, é bem verdade, o outro argumento, que faz parte da decisão relativa ao recurso administrativo. E este, salvo
melhor juízo, afigura-se como o efetivo motivo que desencadeou a busca formal de um adminículo de nulidade: o
preço apresentado pela empresa desclassificada fora inferior, no montante global, àquele referendado, apresentado
pela empresa tida como vencedora.
Todavia, por mais que se busque resguardar os interesses da Administração, neste passo, esse argumento
poderia vir como mote de revogação da licitação, não como causa de sua nulificação, depois de homologada.
Mesmo porque, quando do julgamento, o lance maior sagrou-se vencedor em face da desclassificação do
apresentante do lance menos gravoso. Tratou-se de questão decidida às claras, e o resultado foi homologado
após um parecer da Assessoria Jurídica.
Assim, em que pese evidenciar-se, nos termos da inserção do item II da decisão denegatória do recurso

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Sumário
Jurisprudência Boletim Direito Público Notadez
administrativo, a compreensível preocupação da autoridade administrativa com o resguardo do erário e, quiçá,
de sua própria condição de autoridade condutora do processo, essa decisão não poderia vir como acréscimo
à que anulou o certame; acréscimo que, diga-se de passagem, passou ao largo do recurso administrativo, visto
que não fora até então suscitado.
Ademais, em que pese ser de indiscutível conveniência a prevalência de um preço menor, motivo apontado na
tardia explicitação, isso não teria o condão de repor à baila – não, ao menos, no mesmo processo licitatório – a
empresa vencedora, de menor preço, visto que de anulação do certame se trata, e não de novo julgamento, com
reclassificação. E mais que isso. Sequer se tem a garantia de que, num novo certame, realizado com a realidade dos
valores concernentes à época da publicação do novo edital, a apontada economia para o erário venha a remanescer’.”
(fls. 310⁄311, grifou-se)
 
Cumpre, agora, examinar se o primeiro fundamento - existência de incorreções na planilha de orçamento global da obra,
constante do edital de licitação - é capaz de ensejar ilegalidade e, portanto, de autorizar a anulação do certame.
A Administração Pública estadual sustenta que a anulação do procedimento licitatório decorreu de ilegalidade existente
no edital do certame, o qual previu valor ZERO a um dos materiais a serem utilizados na obra (caixa estampada 3x3),
ofendendo, assim, o disposto no art. 44, § 3º, da Lei 8.666⁄93, que dispõe:
 
“Art. 44. No julgamento das propostas, a Comissão levará em consideração os critérios objetivos definidos no edital ou
convite, os quais não devem contrariar as normas e princípios estabelecidos por esta Lei.
(...)
§ 3º Não se admitirá proposta que apresente preços global ou unitários simbólicos, irrisórios ou de valor zero,
incompatíveis com os preços dos insumos e salários de mercado, acrescidos dos respectivos encargos, ainda que o ato
convocatório da licitação não tenha estabelecido limites mínimos, exceto quando se referirem a materiais e instalações
de propriedade do próprio licitante, para os quais ele renuncie a parcela ou à totalidade da remuneração.”
 
Da análise do edital de Concorrência 162⁄GELIC⁄2007 e de seus anexos, verifica-se que, na planilha de orçamento
global da obra, consta apenas um item ao qual foi atribuído valor unitário e global ZERO (material: caixa estampada
3x3 - 76,2x76,2mm, Chapa 20 -, constante do tópico 9x12 - Instalações Elétricas -, subitem 35 do tópico 9.12.1.2), entre
mais de 1.600 itens, sendo mais de 90 materiais para instalação elétrica. E apenas em um deles (caixa estampada 3x3,
em relação ao qual foi estipulada a quantidade de apenas uma unidade para a realização da obra), consta ZERO como
valores unitário e global, consoante se pode constatar à fl. 89.
É oportuno registrar que, à fl. 89, consta como item seguinte (36 do tópico 9.12.2) quatro unidades de caixa estampada
de 2x4 (51x102mm, Chapa 20), com valor unitário de R$ 2,02 e valor global de R$ 8,08. Fica, assim, demonstrada a
irrisoriedade do valor a ser acrescentado à planilha de orçamento global, em caso de retificação do edital, o que seria,
consideravelmente, inferior aos gastos a serem despendidos com uma nova licitação. Ou seja, a Administração pretende
anular licitação já consumada, com objeto homologado e adjudicado ao licitante vencedor, para APENAS retificar o
referido item da planilha de orçamento global, cuja alteração refere-se a valor ínfimo e, após, realizar nova licitação,
com o mesmo objeto da concorrência anulada (fl. 134).
Dessa análise, não há outra conclusão a que se possa chegar senão a de que a Administração se utiliza de mera
irregularidade formal do edital para fundamentar a anulação da Concorrência 162⁄GELIC⁄2007 e a realização de novo
certame, porque, na realidade, ficou insatisfeita com o resultado do procedimento licitatório, que desclassificou a empresa
CONSTRUTORA PELOTENSE LTDA, em virtude de, em sua proposta, ter atribuído a alguns itens valor superior ao máximo
permitido pelo edital, e teve como vencedora a empresa PORTONOVO EMPREENDIMENTOS E CONSTRUÇÕES LTDA, a
qual apresentou como valor total da obra o montante de R$ 8.723.107,66 (dentro, portanto, do preço global máximo
admitido pela Administração de R$ 9.101.547,89). E, somente após a homologação e adjudicação da licitação é que
a Administração deu-se conta de que o preço global oferecido pela empresa desclassificada era inferior ao da
empresa vencedora do certame, correspondendo a uma diferença de mais de R$ 450.000,00 (quatrocentos e
cinquenta mil reais) entre uma proposta e outra (fl. 151).
Todavia, conforme anteriormente salientado, esse fundamento, de natureza discricionária, em que se está levando em
consideração apenas um juízo de oportunidade e conveniência, não serve para embasar a anulação do certame, mas
apenas sua revogação. Ocorre que, nos termos do art. 49 da Lei 8.666⁄93, “a autoridade competente para a aprovação do
procedimento somente poderá revogar a licitação por razões de interesse público decorrente de fato superveniente
devidamente comprovado, pertinente e suficiente para justificar tal conduta”. E, consoante se pode depreender dos
autos, o interesse público na obtenção do menor preço não é superveniente à homologação e à adjudicação
do objeto do certame, na medida em que, desde o oferecimento das propostas pelas empresas concorrentes
e de suas respectivas avaliações pela Comissão de Licitação, passou a ser conhecido o fato de que a proposta
da empresa posteriormente desclassificada possuía preço global inferior à da empresa vencedora ao final do
certame.

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Portanto, a conduta da Administração de anular procedimento licitatório, após concluídas as fases de homologação e de
adjudicação, baseando-se no fato de que a proposta da empresa desclassificada possui valor global inferior à da empresa
vencedora, o que a qualifica como a melhor proposta, acaba por ofender os  princípios da impessoalidade e do critério
objetivo. Isso, porque o momento correto para se avaliar as propostas das empresas licitantes seria na fase do julgamento
pela Comissão de Licitação. Então, se naquele momento a referida Comissão desclassificou a CONSTRUTORA PELOTENSE
LTDA e escolheu como melhor proposta a oferecida pela PORTONOVO EMPREENDIMENTOS E CONSTRUÇÕES LTDA,
não poderia, após a conclusão do certame, com a adjudicação do objeto à empresa vencedora, alegar que a melhor
proposta seria a da empresa desclassificada e com esse fundamento ANULAR a licitação.
Por fim, é importante ressaltar que não se pode atribuir caráter absoluto ao princípio da vinculação do edital, tendo
em vista que eventuais vícios ou defeitos constantes do instrumento convocatório podem ser perfeitamente sanáveis,
constituindo-se em meras irregularidades incapazes de lesar valor ou interesse jurídico, por não ensejar efeitos gravosos
ao certame.
Com efeito, os vícios formais encontrados no edital de licitação que não causem prejuízos aos particulares nem ao
interesse público podem ser reparados pela Administração, sem que isso importe em nulidade do ato convocatório ou
do certame. Nesse sentido, o Tribunal de Contas da União estabeleceu que “falhas formais no edital não têm o condão
de macular todo o ato, podendo ser corrigidas mediante expedição de determinações” (Acórdão 479⁄2007, Plenário,
Rel. Min. Valmir Campelo).
Nas palavras de Marçal Justen Filho (in Comentários à Lei de Licitações e Contratos Administrativos, 12ª ed., São
Paulo: Dialética, 2008, pp. 620-623):
 
“4.5) A afirmação da preponderância dos valores sobre a forma.
O primeiro passo na teoria contemporânea das nulidades administrativas reside na superação de concepções formalistas
mecanicistas na conceituação da nulidade.
Em época pretérita, conceituava-se nulidade como a ausência de conformidade entre um ato concreto e o modelo
normativo abstrato. Sob esse enfoque, toda e qualquer desconformidade entre a ‘lei’ e o ‘fato’ conduzia à nulidade,
reconhecida como uma categoria unitária e geradora do efeito único da invalidade absoluta.
Mas a evolução cultural tende a superar a compatibilidade externa como critério de validade e de invalidade. Em todos
os ramos do Direito, a validade do ato jurídico resulta não tanto da adequação formal do ato em face de um modelo
normativo. Cada vez mais, afirma-se que a validade depende da verificação do conteúdo do ato, da intenção das partes,
dos valores realizados e assim por diante.
Mais precisamente, evolui-se para a concepção de que a nulidade deriva da incompatibilidade do ato concreto com
valores jurídicos relevantes. Se um certo ato concreto realiza os valores, ainda que por vias indiretas, não pode receber
tratamento jurídico equivalente ao reservado para atos reprováveis.
Então, a nulidade vai se afirmando como uma categoria integrante do âmbito da antijuridicidade, antes do que como
uma manifestação de descompasso formal com rituais jurídicos.
Por isso, passa-se a investigar o efeito e a significação da infração para reconhecer a existência da nulidade.
Dito de outro modo, não se admite que a invalidade resulte da mera discordância entre o ato concreto e um modelo
jurídico. É imperioso agregar um componente axiológico ou finalista. A nulidade evidencia-se como um defeito complexo,
em que se soma a discordância formal e a infração aos valores que dela derivam. Então, a discordância é a causa geradora
desse efeito, consistente no sacrifício de valores jurídicos. Sem a consumação do efeito (lesão a um interesse protegido
juridicamente) não se configura invalidade jurídica.
Aliás, a doutrina tradicional do Direito Administrativo já intuía a necessidade de algo além para pronunciar-se a invalidade
do ato administrativo. A asserção ‘pas de nullité sans grief’ (‘não há nulidade sem dano’) já refletia a concepção de que
a mera desconformidade era insuficiente para a invalidação de atos jurídicos.
Mas esse enfoque não apresentava sistematicidade nem indicava, de modo preciso, a consistência do dano a ser
examinado.
As novas concepções encaminham-se a reconhecer a heterogeneidade qualitativa dos defeitos e uma escala de gravidade
de vícios.
Reconhecendo-se que a nulidade consiste na ausência de compatibilidade de uma atuação concreta e individualizada
em face do Direito, tem de admitir-se a diversidade das hipóteses possíveis.
A pura e simples contradição entre o ato concreto e o modelo normativo é insuficiente para o reconhecimento da nulidade.
Como visto, é indispensável avaliar os efeitos - o que permite, então, diferenciar as várias categorias de nulidades.
Os efeitos nocivos relacionam-se com os valores e interesses tutelados.
Faz-se necessário examinar o fim buscado pela ordem jurídica, quando impõe determinada disciplina da conduta. Esse
fim se relaciona com certos valores e interesses. As exigências contempladas no Direito são instrumentais para realizar
ou proteger ditos valores e interesses.

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Daí se segue que a ausência de lesão ao interesse ou valor tutelado pelo Direito torna irrelevante a desconformidade
entre a conduta concreta e o modelo legal. Nesse caso, poderia reconhecer-se a irrelevância da desconformidade,
qualificando-a de mera irregularidade.
No entanto, tal formulação não é suficiente para resolver todas as dúvidas. Há questões problemáticas, a propósito das
quais é difícil avaliar como irrelevantes os efeitos nocivos, especialmente quando são eles meramente potenciais.
Em outras situações, existem conflitos de valores e princípios, na medida em que a conduta prática adotada realiza
alguns valores, mas outros - de igual importância - podem reputar-se como infringidos.
(...)
4.9) Ainda os vícios sanáveis.
Justamente por isso e como acima afirmado, admite-se a existência de vícios supríveis, em matéria de licitações. Há
normas que não tutelam o chamado ‘interesse público’, mas se destinam a proteger interesses privados. Logo, a ofensa
a tais normas não lesiona as funções atribuídas ao Estado. Assim, há casos de atos viciados, mas em que o vício não
se caracteriza como irremediável. O vício não é de nulidade, mas de outra natureza. Como já apontado acima, o vício
nesses casos pode ser de mera irregularidade ou de anulabilidade. Neste último caso, a omissão do interessado, desde
que acompanhada de outra conduta positiva inquestionável, provoca a superação do vício e o ato toma-se inatacável.
Esse silêncio do interessado, qualificado por outras circunstâncias, acarreta preclusão do direito de impugnar o ato,
conforme estabelecido no art. 41, § 2°.
Jurisprudência do STJ
‘1. Demonstrada a suficiente abrangência publicitária da licitação e ausente alegação objetiva de prejuízo, prevalece
o interesse público, como chancelador da legalidade do ato, perdendo significado a irregularidade ocorrida.’ (REsp nº
287.727⁄CE, 1ª T., ReI. Min. Milton Luiz Pereira, j. em 24.09.2002, DJ de 14.10.2002, p. 190)
Jurisprudência do TCU
‘3. Atos administrativos contendo defeitos sanáveis que não tenham acarretado lesão ao interesse público nem
prejuízo a terceiros poderão ser convalidados pela Administração.’ (Acórdão n° 70112007, Plenário, Rel. Min. Benjamin
Zymler).”
 
A propósito:
 
“Mandado de Segurança. Administrativo. Serviço de Radiodifusão. Licitação. Compreensão de Cláusulas Editalícias.
Comprovação Suficiente. Edital de Concorrência Pública nº 030⁄2000 - SSR⁄MC. C.F., arts. 5º LXIX, e 37, XXI. Lei nº
8666⁄93.
1. Cláusulas editalícias com dicção condicional favorecem interpretação amoldada à sua finalidade lógica, merecendo
compreensão moderada a exigência obstativa do fim primordial de licitação, aberta para ampla concorrência. A
interpretação soldada ao rigor tecnicista deve sofrer temperamentos lógicos, diante de inafastáveis realidades, sob
pena de configuração de revolta contra a razão do certame lucrativo.
2. Desfigurada a condição especial da ação – liquidez e certeza (art. 5º, LXIX, C.F.) –, o pedido de segurança não tem a
louvação do sucesso.
3. Segurança denegada.” (MS 7.724⁄DF, 1ª Seção, Rel. Min. Milton Luiz Pereira, DJ de 23.9.2002)
 
Diante do exposto, dá-se provimento ao recurso ordinário, para, concedendo a segurança, reconhecer a invalidade do
ato anulatório da licitação, restabelecendo-se a homologação e a adjudicação da Concorrência 162⁄GELIC⁄2007 em
favor da impetrante.
Custas ex legis.
Sem honorários (Súmulas 105⁄STJ e 512⁄STF).
É o voto.
 Brasília, 17  de dezembro  de 2009
 BÁRBARA AMORIM SOUSA CAMUÑA
Secretária

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CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. COMERCIAL. SOCIETÁRIO. NORMAS


LOCAIS QUE ESTABELECEM A PARTICIPAÇÃO OBRIGATÓRIA DE EMPREGADOS
DE EMPRESAS PÚBLICAS, SOCIEDADES DE ECONOMIA MISTA E FUNDAÇÕES
NOS RESPECTIVOS ÓRGÃOS DE GESTÃO (CONSELHOS DE ADMINISTRAÇÃO E
FISCAL) E DIRETORIA.
ARTS. 42 E 218 (NOVA REDAÇÃO) DA CONSTITUIÇÃO DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO.
VIOLAÇÃO DO ART. 173, § 1º DA CONSTITUIÇÃO. RESERVA DE LEI FEDERAL PARA DISPOR SOBRE DIREITO
COMERCIAL.

Viola a reserva de lei para dispor sobre norma de direito comercial voltada à organização e estruturação das empresas
públicas e das sociedades de economia mista norma constitucional estadual que estabelece número de vagas, nos
órgãos de administração das pessoas jurídicas, para ser preenchidas por representantes dos empregados.
Ação direta de inconstitucionalidade julgada parcialmente procedente.
Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 238 – RJ – Relator: Min Joaquim Barbosa – DJU 09.04.2010

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os ministros do Supremo Tribunal Federal, em Sessão Plenária,
sob a presidência do ministro Gilmar Mendes, na conformidade da ata do julgamento e das notas taquigráficas, por
maioria e nos termos do voto do Relator, em julgar parcialmente procedente a ação direta, vencidos os Senhores
Ministros Ayres Britto e Marco Aurélio.
Brasília, 24 de fevereiro de 2010.
Joaquim Barbosa – Relator

RELATÓRIO

O Senhor Ministro Joaquim Barbosa – Relator: Trata-se de ação direta de inconstitucionalidade ajuizada pelo
Governador do Estado do Rio de Janeiro contra os arts. 42, caput e 215 da respectiva Constituição estadual.
As normas impugnadas têm a seguinte redação:
“Art. 42 – Os empregados serão representados na proporção de 1/3 (um terço), nos conselhos de
administração e fiscal das empresas públicas e sociedades de economia mista.
[...]
Art. 215 – Na direção executiva das empresas públicas, das sociedades de economia mista e fundações
instituídas pelo poder público participarão, com 1/3 (um terço) de sua composição, representantes de
seus servidores, eleitos por estes mediante voto direto e secreto, atendidas as exigências legais para o
preenchimento dos referidos cargos.”
Posteriormente, o texto do art. 215 foi renumerado para corresponder ao art – 218 da Constituição do Estado do Rio
de Janeiro.
O estado-requerente argumenta, em síntese, que a matéria relativa à composição e forma das empresas públicas de
economia mista se insere no campo do direito comerciai e, portanto, está reservada à competência da União (art. 173,
§ 1º da Constituição federal).
Ainda que assim não fosse, entende o estado-requerente que as normas em exame também violam o art. 61, §1°, II, a
e c da Constituição, na medida em que compete ao Chefe do Executivo a iniciativa de normatizar a matéria relativa às
fundações, por se inserirem na administração indireta estadual.
As informações foram prestadas (Fls. 46-60) e posteriormente aditadas (Fls. 62-66).
A Advocacia-Geral da União ofereceu defesa (Fls. 68-74) . A Procuradoria-Geral da República, por seu turno, pelo
parcial procedência do pedido, para declarar inconstitucional o art. 42 da CE, e prejudicada a ação em relação ao art.
215 ou, sucessivamente, declarar-se inconstitucionais os arts. 42 e 218 da Constituição do Estado do Rio de Janeiro.
É o relatório.
Distribuam-se,oportunamente, cópias às Senhoras e Senhores Ministros da Corte.

VOTO

O Senhor Ministro Joaquim Barbosa – Relator: Inicialmente, considero que a renumeração do art. 215, sem mudança
do texto impugnado, não leva à alteração substancial do objeto do controle concentrado de constitucionalidade, de
modo a persistir o interesse e a competência desta Corte para julgar a ação direta de inconstitucionalidade.
Pertence aos domínios temáticos do direito comercial a definição sobre a estrutura das pessoas jurídicas, incluída

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a composição dos respectivos órgãos de administração e a representação dos trabalhadores nos conselhos de
administração e fiscais.
Nos termos do art. 173, § 1º, IV da Constituição, compete à lei estabelecer o estatuto jurídico da empresa pública, da
sociedade de economia mista e de suas subsidiárias que explorem atividade econômica de produção ou comercialização
de bens ou de prestação de serviços, compreendida a forma de constituição e o funcionamento dos conselhos de
administração e fiscal, com a participação de acionistas minoritários.
Ademais, nos termos do inciso II do artigo e parágrafo mencionados, as entidades empresariais públicas também se
sujeitam ao regime jurídico próprio das empresas privadas, inclusive quanto aos direitos e obrigações civis, comerciais,
trabalhistas e tributários.
Nessa linha, a Lei das Sociedades por Ações (Lei 6.404/1976) permite a participação dos empregados no conselho de
administração das empresas, se houver (i) previsão no respectivo estatuto, a eleição for (ii) direta e organizada pela
empresa, em conjunto com as (iii) entidades sindicais que os representem (art. 140, par. ún., da LSA).
Em relação ao conselho fiscal, a LSA prevê que seus membros serão eleitos pelos acionistas (art. 161, § 4º) . A LSA
estabelece, ainda, uma série de requisitos necessários à investidura na função de conselheiro fiscal, como, por exemplo,
a exigência de exercício prévio de três anos no cargo de administrador de empresa ou de conselheiro fiscal (art. 162,
caput)
Por fim, quanto à diretoria, seus membros são escolhidos pelo Conselho de Administração ou, em sua ausência, pela
Assembléia Geral (art. 143,caput).
Entrevejo, assim, parcial conflito entre os arts.42 e 218 da Constituição do Estado do Rio de Janeiro e a norma federal
de direito comercial destinada a estabelecer a estrutura das sociedades por ações. Inicialmente, observo que ao passo
que a LSA permite a participação dos empregados na administração da empresa, os arts. 42 e 218 da CE/RJ obrigam as
empresas públicas e as sociedades de economia mista à observância da reserva de um terço das vagas dos Conselhos
de Administração e Fiscal e da Diretoria para a mesma finalidade.
Em segundo lugar, anoto que o art. 218 da Constituição do Estado do Rio de Janeiro outorga aos servidores ou aos
empregados públicos o direito de eleger, diretamente, os Diretores que ocuparão o terço destinado à representação
dos empregados, enquanto a LSA estabelece a competência do Conselho de Administração e da Assembléia Geral para
a mesma finalidade.
A questão posta ao crivo da Corte, portanto, consiste em se saber se a competência da União para dispor sobre a norma
de direito comercial destinada a estabelecer a estrutura das sociedades por ações e das demais pessoas jurídicas foi
invadida pela Constituição do Estado do Rio de Janeiro ou, por outro lado, se, nos termos do Pacto Federativo, poderia
o Estado do Rio de Janeiro dispor de forma diferenciada em relação às suas pessoas jurídicas, ligadas à administração
indireta.
O Pacto Federativo brasileiro é marcado por constante tensão, marcada, por um lado, pela necessidade de se estabelecer
tratamento harmonioso e uniforme em matéria de interesse de toda a Nação e, do outro, o constante risco de se dar ao
estado federado feição de verdadeiro estado unitário descentralizado.
Nesse sentido, e após lembrar os trabalhos doutrinários do Ministro Carlos Velloso, disse o Ministro Celso de Mello,
por ocasião do julgamento da ADI 1.067:
“Vê-se, pois, com a redefinição do perfil institucional da Federação, promovida pela Lei Fundamental da
República promulgada em 1988, que a autonomia dos Estados-membros constitui um dos núcleos essenciais
na configuração conceitual da organização federativa.
Essa extraordinária capacidade político-jurídica das entidades regionais reflete a própria matriz
constitucional de que deriva o poder de auto-organização dos Estados-membros, a quem se conferiu a
especial prerrogativa de definir, mediante deliberação própria, uma ordem constitucional autônoma.”
Contudo, como lembrou o Ministro Celso de Mello logo a seguir na mesma ocasião, a competência dos entes federados
não ostenta caráter absoluto (art. 25, caput da Constituição).
No modelo de Pacto Federativo adotado na Constituição de 1988, a competência privativa e a competência comum
para dispor sobre normas gerais concedidas à União visam assegurar a necessária segurança jurídica advinda do
tratamento centralizado dado a determinadas matérias, cuja regulamentação dissonante traria prejuízos econômicos
e sociais. É nesse sentido que a expressão normas gerais deve ser interpretada – não como normas genéricas, que
estabeleçam as expectativas do jurisdicionados em geral.
Entendo que o apelo ao Pacto Federativo não justifica cisão tão profunda entre o regime geral imposto às empresas
públicas e sociedades de economia mista federais, de um lado, e, do outro, às estatais pertencentes aos demais entes
federados.
Pelo contrário – atenta leitura do alcance dos princípios que orientam a federação brasileira sugerem o fortalecimento
do Estado pela observância de regras uniformes na matéria em exame.
A harmonização do tratamento dispensado á estruturação de tais entidades tem por primeiro pressuposto a
circunstância de as empresas públicas e as sociedades de economia mista serem agentes de mercado. Isto é, trata-se de
entidades que desenvolvem atividades econômicas e que são consideradas pessoas jurídicas de direito privado, ainda
que animadas por interesse público (art. 5º, II e III, do Decreto-lei 200/1967). Tendo em vista a vastidão da federação
brasileira e as cada vez mais complexas relações societárias e econômicas, o Pacto Federativo reclama o tratamento
uniforme da estruturação e do funcionamento das empresas públicas e das sociedades de economia mista.
Não há impedimento para que os estatutos das sociedades de economia mista ou empresas públicas por ações

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prevejam a participação dos empregados na Diretoria ou nos Conselhos de Administração e Fiscal. O que não parece
coerente é afirmar ser válido que todas as empresas públicas e fundações do Estado do Rio de Janeiro sejam obrigadas,
aprioristicamente, à reserva. do terço das vagas disponíveis nos Conselhos Administrativo e Fiscal e na Diretoria e à
eleição direta para a última, dado que a União, ao exercer sua competência, facultou a participação dos empregados na
administração da empresa, nos termos dos respectivos estatutos.
Por outro lado, também invade a reserva de lei federal para dispor sobre a matéria o art. 218 da Constituição do Estado
do Rio de Janeiro, na medida em que estabelece forma de escolha de membros da Diretoria inconciliável com aquela
prevista na Lei 6.404/1974 ,
Em sentido semelhante, ainda que a empresa pública organize-se com base em outro tipo societário, não comercial,
haveria violação da reserva de lei da União para dispor sobre Direito Civil (art. 22, I da Constituição Federal).
Não vejo, contudo, a alegada violação à reserva de lei de iniciativa do Chefe do Poder Executivo, nos termos do art 61
da Constituição. Mencionada norma se refere especificamente à organização dos territórios e, portanto, não se alica
aos entes federados por simetria.
Ante o exposto, julgo procedente o pedido formulado na inicial, para considerar inconstitucionais os arts. 42 e 218 da
Constituição do Estado do Rio de Janeiro, por violação dos art. 173, § 1º, IV da Constituição Federal.
Ressalvo, contudo, que o presente julgamento nada diz em relação às empresas públicas e sociedades de economia
mista cujos estatutos ou contratos sociais prevejam a participação dos empregados nos respectivos órgãos de
administração. Questões oriundas de tais circunstâncias deverão ser resolvidas individualmente, por meio do devido
processo legal.
É como voto.

VOTO

O Senhor Ministro Dias Toffoli: Senhor Presidente, acompanho o eminente Relator, agregando apenas que também
há um debate semelhante, iniciado anteriormente por esta Corte, na Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 238, da
Relatoria do então Ministro Carlos Velloso, e contou com o voto-vista do Ministro Sepúlveda Pertence, cujo julgamento
final ainda se encontra pendente.
Nos votos de Suas Excelências, naquela oportunidade, deferia-se a cautelar para suspender a eficácia de lei e de Texto
da Constituição do Estado de Santa Catarina, agregando, Suas Excelências, a competência da União para legislar em
matéria trabalhista, em razão do inciso XI do artigo 7º da Constituição Federal, que dispõe:
“Art. 7º
................................................................................................................................................
XI – participação nos lucros, ou resultados, desvinculada da remuneração, e, excepcionalmente, participação
na gestão da empresa, conforme definido em lei;”.
Estabelecido no inciso XI do art. 7º como um direito de todos os trabalhadores.
Com esse ligeiro acréscimo, acompanho o voto do eminente Relator, Senhor Presidente, no sentido de ser matéria
reservada à legislação da União.

VOTO

O Senhor Ministro Eros Grau: – Senhor Presidente, eu fiquei com uma dúvida, apenas, e pediria um esclarecimento ao
Relator, Ministro Joaquim Barbosa.
O que me inquieta é saber se a Constituição está determinando ao Estado-acionista que faça isso ou aquilo e, portanto,
ele, Estado-acionista, compareça à assembleia de cada sociedade e, como acionista, vote para introduzir no estatuto
essa posição; ou se esses preceitos pretendem moldar a própria estrutura estatutária da empresa. Porque eu não teria
dúvida nenhuma, na segunda hipótese, em afirmar a sua inconstitucionalidade.
Agora, se nós estivermos no campo de determinação feita ao Estado-acionista para que introduza nos estatutos de
cada sociedade esses preceitos, tudo fica claro. A minha dúvida se coloca porque o próprio Ministro Joaquim Barbosa
mencionou “se for introduzido no estatuto”.
Então veja Vossa Excelência o que me inquieta: se eu caminhar pelo primeiro raciocínio, direi que não há
inconstitucionalidade; se eu caminhar pelo segundo raciocínio, direi que há inconstitucionalidade. Se tempo houvesse,
eu pediria vista. Seria talvez o caso de vista em mesa. Mas me bastará o esclarecimento do Ministro Relator.
O Senhor Ministro Joaquim Barbosa – Relator: – O meu voto tem duas premissas: primeiro, a distinção entre, digamos,
a quase facultatividade que haveria na matéria e a obrigatoriedade que se impõe no texto federal. Mas o voto também
é pela inconstitucionalidade formal; a matéria é federal.
O Senhor Ministro Eros Grau: – Para que a inquietude não me acompanhe, vou acompanhar Vossa Excelência pelo
outro fundamento, com a ressalva em relação a isso. Veja vossa Excelência que a minha inquietude se justifica, mas eu
o acompanho pelo outro fundamento.
O Senhor Ministro Ayres Britto – Senhor Presidente, quanto ao artigo 42, vou pedir vênia ao eminente Relator para
discordar do voto de Sua Excelência. E, naturalmente, estendendo as vênias aos demais Ministros que acompanharam
o voto do Relator.
Diz o art. 42:

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Art. 42 – Os empregados serão representados na proporção de 1/3 (um terço), nos conselhos de administração e fiscal
das empresas públicas e sociedades de economia mista.
Então, essa representação dos empregados nos dois conselhos, fiscal e de administração, parece-me até saudável,
isso faz parte de uma preocupação de cogestão, que é de todo elogiável. Não vejo em que, nessa matéria, se está
invadindo competência legislativa da União para legislar sobre Direito Civil e Direito Comercial. Acho que a matéria é
de Direito Administrativo mesmo. O melhor modo de estruturar e funcionalizar empresas estatais. Não vejo invasão
de competência legislativa, privativa da União.
O Senhor Ministro Marco Aurélio – É interessante Ministro: os prestadores de serviços são trabalhadores,
O Senhor Ministro Ayres Britto – Trabalhadores, eu acho elogiável isso.
O Senhor Ministro Marco Aurélio – No caso, no rol das garantias constitucionais dos trabalhadores tem-se a participação
na gestão da empresa. Confiram com o inciso XI do artigo 7°.
O Senhor Ministro Ayres Britto – Temos a cogestão. Perfeito, previsto em lei. Então, não vejo problema.
O Senhor Ministro Marco Aurélio – Houve uma opção política normativa do Estado do Rio de Janeiro em relação a
empresas que são estaduais e não federais.
O Senhor Ministro Ayres Britto – Quanto ao melhor modo de estruturar e colocar em funcionamento suas empresas
estatais sob controle, sob fiscalização dos empregados, eu acho até saudável essa política de cogestão. Não é nem
propriamente de cogestão, mas de controle por um segmento importantíssimo das empresas, que é o segmento dos
servidores.
Agora, quanto ao artigo 212 eu acompanho Sua Excelência, mas por outro fundamento, eu vou ler o 218:
“Art. 218 – Na direção executiva das empresas públicas, das soeiedades de economia mista e das fundações
instituídas pelo poder público ...”
O Senhor Ministro Marco Aurélio – Não seria gestão?
O Senhor Ministro Ayres Britto – Aqui sim é gestão.
O Senhor Ministro Marco Aurélio – Ela não está autorizada no XI do artigo 7º da Constituição Federal?
O Senhor Ministro Ayres Britto – Porque O primeiro não é gestão, é controle. O artigo 42 cuida de conselho de
administração e conselho fiscal, naturalmente para controlar os atos executivos da empresa.
Agora, aqui, é gestão, eu vou ler:
“ Art. 218 – Na direção executiva das empresas públicas, das soeiedades de economia mista e de fundações
instituídas pelo poder público participarão, com 1/3 (um terço) de sua composição, representantes de
seus servidores, eleitos por estes mediante voto direto e secreto, atendidas as exigências legais para o
preenchimento dos referidos cargos.”
Aqui, sim, é cogestão típica. Em princípio, eu seria totalmente a favor.
Vossa Excelência considerou esse dispositivo, o artigo 218, inconstitucional materialmente e formalmente ou apenas
materialmente?
O Senhor Ministro Joaquim Barbosa – Relator: – Ambos: materialmente e formalmente.
Materialmente porque as empresas públicas devem se submeter às regras de direito comercial, como diz a Constituição.
Elas se submetem, portanto, à lei das S.A. Como mostrei no meu voto, há uma discrepância muito grande entre o que
estabelece a lei das S.A. e essa norma da Constituição do Estado do Rio de Janeiro. É por isso que preconizei, no meu
voto, uma uniformidade, não vejo como cada Estado possa legislar nessa matéria de maneira discrepante, sendo que
a Constituição diz que essas empresas estatais se submetem às regras trabalhistas, civis e comerciais como qualquer
outra empresa privada. E o segundo fundamento é o argumento de ordem formal, cabe à lei federal disciplinar.
O Senhor Ministro Ayres Britto – À lei federal. Então, vou discordar integralmente do voto de Vossa Excelência nesse
artigo, tanto pelo primeiro fundamento quanto pelo segundo, e dar pela plena constitucionalidade do dispositivo.
É como voto.

Explicação

O Senhor Ministro Eros Grau: – Senhor Presidente, se Vossa Excelência me permitir, eu queria fazer um pequeno
adendo.
Falou-se, na tribuna, da razoabilidade da lei. Eu diria, apenas para insistir naquela tecla, que não é com os Ministros do
Supremo, a razoabilidade. É com o Poder Legislativo. Aqui tratamos da constitucionalidade.
Só para deixar registrada para o futuro essa minha insistência.

voto

A Senhora Ministra Carmen Lúcia – Senhor Presidente, preciso de um esclarecimento, porque não prestei atenção a
um dado. Ministro, desculpa.
Quanto ao artigo 218, há uma referência às fundações instituídas pelo poder público.
O Senhor Ministro Cezar Peluso – Não se regem pelo direito comercial.
A Senhora Ministra Cármen Lúcia – Que não se regem pelo direito comercial, são tipicamente de direito administrativo,
porque são instituídas.

Maio de 2010 Voltar ao 60


Sumário
Boletim Direito Público Notadez
O Senhor Ministro Ayres Britto – Acho que tudo aqui é de direito administrativo.
O Senhor Ministro Joaquim Barbosa – Relator – Vossa Excelência está propondo que se exclua?
A Senhora Ministra Cármen Lúcia – Não. Só estou questionando, porque a fundamentação de Vossa Excelência
quanto ao aspecto material, a inconstitucionalidade material declarada, seria exatamente porque a matéria de
direito comercial se referiria à competência do titular do Poder Executivo, basicamente, da União. Como se trata de
fundação instituída pelo poder público, neste caso, tratando-se de constituinte estadual, não haveria a questão nem da
inconstitucionalidade material nem da inconstitucionalidade formal.
Neste caso, acompanho, quanto ao artigo 42, mas, quanto ao artigo 218, acolho a inconstitucionalidade apenas para as
expressões “empresas públicas, das sociedades de economia mista e”.
O Senhor Ministro Joaquim Barbosa – Relator – Eu reajusto.
O Senhor Ministro Gilmar Mendes – Presidente – Deixa as fundações.
A Senhora Ministra Cármen Lúcia – As fundações sim, porque elas são entidades administrativas criadas pelo próprio
poder público e, aí, não haveria nenhum dos óbices alegados.
Obs.:Texto sem revisão da Exma. Sra. Ministra Cármen Lúcia. (§ 3º do artigo 96 do RISTF, com a redação dada pela
Emenda Regimental nº 26, de 22 de outubro de 2008)

RETIFICAÇÃO DE VOTO

O Senhor Ministro Joaquim Barbosa – Relator – Reajusto meu voto.


Ação direta de inconstitucionalidade conhecida e julgada parcialmente procedente para declarar a inconstitucionalidade
do art. 42 da Constituição do Estado do Rio de Janeiro e das expressões “empresas públicas, das sociedades de economia
mista e” constantes do art. 218 da mesma Carta estadual.
O Senhor Ministro Cezar Peluso – Senhor Presidente, estou de acordo, com a ressalva quanto às fundações.
O Senhor Ministro Marco Aurélio – Presidente, estamos a cogitar de empresas públicas e sociedades de economia
mista estaduais. A regência da organização cabe ao próprio Estado, numa opção política normativa.
O Senhor Ministro Ayres Britto – Vossa Excelência me permite? Que pode até não criar nenhuma delas. Para mostrar
que é matéria de direito administrativo: o estado pode não ter nenhuma empresa pública e nenhuma sociedade de
economia mista.
O Senhor Ministro Marco Aurélio – Sim, mas no caso concreto tem.
Então, houve opção política normativa mediante instrumento maior, ou seja, a Carta Estadual. Devemos reconhecer
que vivemos em uma Federação e que as unidades têm uma certa autonomia normativa, desde que harmônica com a
Constituição Federal.
O que nos vem da Carta Federal no tocante aos trabalhadores? O que nos vem dessa Carta em termos de garantia dos
trabalhadores? A gestão, a participação na gestão das empresas, inclusive das empresas, já que, no caso, são pessoas
jurídicas de Direito Privado, estritamente privadas. Previu-se a gestão, a meu ver, de forma razoável, tendo em conta
a participação de 1/3 (um terço) dos trabalhadores nos Conselhos. Quando o dispositivo se refere a fundações, não
assenta as fundações que, em última análise, são verdadeiras autarquias. Tem-se a referência como a direcionar a
fundações sob o ângulo privado.
Por isso, peço vênia – entendo que o Estado do Rio de Janeiro avançou no campo social, avançou no campo da eficácia
maior da Carta da República, dando concretude ao que se contém no inciso XI do artigo 7º da Constituição Federal
– para julgar improcedente o pedido formulado.

EXTRATO DE ATA

Ação Direta de Inconstitucionalidade 238


Proced.: Rio de Janeiro
Relator : Min. Joaquim Barbosa
Reqte.: Governador do Estado do Rio de Janeiro
Adv.: Jose Eduardo Santos Neves
Reqdo. : Assembléia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro
Decisão: O Tribunal, por maioria e nos termos do voto do Relator, julgou parcialmente procedente a ação direta,
vencidos os Senhores Ministros Ayres Britto e Marco Aurélio. Votou o Presidente, Ministro Gilmar Mendes. Ausentes,
licenciado, o Senhor Ministro Celso de Mello e, justificadamente, a Senhora Ministra Eilen Gracie. Falou pelo requerente
a Dra. Cristina Ayres Corrêa Lima, Procuradora do Estado. Plenário, 24.02.2010.
Presidência do Senhor Ministro Gilmar Mendes. Presentes à sessão os Senhores Ministros Marco Aurélio, Cezar Peluso,
Ayres Britto, Joaquim Barbosa, Eros Grau, Ricardo Lewandowski, Cármen Lúcia e Dias Toffoli.
Procurador-Geral da República, Dr. Roberto Monteiro
Gurgel Santos.
Luiz Tomimatsu – Secretário

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Sumário
Jurisprudência Boletim Direito Público Notadez

Notícia Relevante:

Notícia: REPETITIVO. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. NOTIFICAÇÃO PRÉVIA.

A Seção, ao apreciar recurso representativo de controvérsia (art. 543-C do CPC e Res. n. 8/2008-STJ), decidiu que o
especialíssimo procedimento estabelecido na Lei n. 8.429/1992 (Lei de Improbidade Administrativa), que prevê um
juízo de delibação para recebimento da petição inicial conforme previsto no art. 17, §§ 8º e 9º, precedido de notificação
do demandado, como disposto no art. 17, § 7º, somente é aplicável nas ações de improbidade administrativa típicas. No
caso dos autos, a ação foi proposta como de responsabilidade civil contra prefeito com pedido no sentido de declarar
nulas as concessões de adicionais de insalubridade, gratificações especiais, ajuda de custo e pagamento de horas
extras a comissionados e diversos funcionários públicos municipais, bem como a indenização ao erário pela devolução
atualizada dos benefícios percebidos pelos funcionários públicos. Anotou-se, também, que somente na apelação foi
suscitada a impropriedade do rito pela inobservância do § 7º do art. 17 da citada lei, o qual prevê a notificação inicial
do demandado. Entretanto, a apelação foi rejeitada pelo tribunal a quo ao argumento de ser cabível a dispensa da
notificação, visto que a ação foi fundada em inquérito instaurado pelo parquet e que esse procedimento recolheu
material probatório suficiente à instauração da demanda, tornando, assim, desnecessária uma defesa prévia. Para o
Min. Relator, o acórdão deve ser confirmado, mas por outro fundamento, ou seja, por não se tratar de uma ação de
improbidade típica. Explica que a instauração de inquérito civil no âmbito do qual se produz prova necessária à ação de
improbidade é o procedimento padrão e normal em casos da espécie (arts. 14, § 3º, e 15 da lei em comento), mas nem
por isso, proposta a ação, fica o juiz dispensado de promover o juízo de delibação para recebimento da inicial precedido
da notificação prévia do demandado para se manifestar a respeito, conforme exige o art. 17, §§ 7º, 8º e 9º, da mesma
lei. Observa que, no caso dos autos, a dispensa da notificação e a própria decisão delibatória sobre o recebimento da
inicial não são atos processuais obrigatórios, porque não se trata de ação de improbidade administrativa típica, uma
vez que não se pode confundi-la com uma simples ação de ressarcimento de danos ao erário, pois a ação em exame
não contém pedido algum de aplicação ao infrator de quaisquer sanções político-civis, de caráter punitivo; há apenas o
pedido de anulação de atos danosos ao erário e o de ressarcimento desses danos. REsp 1.163.643-SP, Rel. Min. Teori
Albino Zavascki, julgado em 24/3/2010. (Informativo nº 428 do STJ)

Ementário:

Desapropriação – Juros Compensatórios – Moratórios


DTZ4793033 - ADMINISTRATIVO. RECURSO ESPECIAL. DESAPROPRIAÇÃO DIRETA. JUROS MORATÓRIOS.
TERMO INICIAL. ART. 15-B DO DECRETO-LEI 3.365/41. ENTENDIMENTO REAFIRMADO POR ESTA CORTE
NO JULGAMENTO DO REsp 1.118.103/SP, SUBMETIDO AO REGIME DO ART. 543-C DO CPC. 1. Os juros
moratórios, nas desapropriações, são devidos a partir de 1º de janeiro do exercício seguinte àquele em que o
pagamento deveria ser feito. 2. Recurso especial provido. (STJ - REsp 1.181.925 - SP - Proc. 2010/0032160-2
- 2ª T. - Relª Minª Eliana Calmon - DJ 08.04.2010)

Improbidade Administrativa
DTZ4793448 - AGRAVO REGIMENTAL EM AGRAVO DE INSTRUMENTO. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA.
RESSARCIMENTO AO ERÁRIO. IMPRESCRITÍVEL. FUNDAMENTO EXCLUSIVO CONSTITUCIONAL. 1. Tendo o
acórdão recorrido apreciado a questão relativa à imprescritibilidade das ações de ressarcimento referentes
aos ilícitos praticados por agentes públicos com base em fundamento exclusivamente constitucional (artigo
37, parágrafo 5º, da Constituição Federal), inviável cabimento do recurso especial, nos termos do artigo 105,
inciso III, da Constituição da República. 2. Agravo regimental improvido. (STJ - AgRg-AI 1.162.078 - SP - Proc.
2009/0039577-0 - 1ª T. - Rel. Min. Hamilton Carvalhido - DJ 09.04.2010)

DTZ4794769 - ADMINISTRATIVO. AÇÃO DE IMPROBIDADE. LEI 8.429/92. ATRASO NO PAGAMENTO DE


PRECATÓRIO. AUSÊNCIA DE ELEMENTO SUBJETIVO DA CONDUTA. INEXISTÊNCIA DE IMPROBIDADE.
PRECEDENTE. 1. A improbidade é ilegalidade tipificada e qualificada pelo elemento subjetivo da conduta do
agente. Por isso mesmo, a jurisprudência dominante no STJ considera indispensável, para a caracterização
de improbidade, que a conduta do agente seja dolosa, para a tipificação descrita nos artigos 9º e 11 da
Lei 8.429/92, ou pelo menos culposa, na do artigo 10 ( v.g. : REsp 734.984/SP, 1 T., Min. Luiz Fux, DJe de

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Sumário
Jurisprudência Boletim Direito Público Notadez
16.06.2008; AgRg no REsp 479.812/SP, 2ª T., Min. Humberto Martins, DJ de 14.08.2007; REsp 842.428/ES,
2ª T., Min. Eliana Calmon, DJ de 21.05.2007; REsp 841.421/MA, 1ª T., Min. Luiz Fux, DJ de 04.10.2007; REsp
658.415/RS, 2ª T., Min. Eliana Calmon, DJ de 03.08.2006; REsp 626.034/RS, 2ª T., Min.João Otávio de Noronha,
DJ de 05.06.2006; REsp 604.151/RS, Min. Teori Albino Zavascki, DJ de 08.06.2006). 2. Com esse entendimento,
está assentado, em precedente da 1ª Turma, que “o inadimplemento do pagamento de precatórios, por si
só, não enseja ação de improbidade administrativa, salvo se houver desvirtuamento doloso do comando
constitucional nesse sentido” (AgRg no AG 1.122.211, Min. Luiz Fux, DJe de 15/10/09). 3. Recurso especial
provido. (STJ - REsp 1.107.840 - PR - Proc. 2008/0267018-7 - 1ª T. - Rel. Min. Teori Albino Zavascki - DJ
13.04.2010)

Licitação – Contrato – Contratos


DTZ4795619 - AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO ESPECIAL. CONTRATO ADMINISTRATIVO. NATUREZA
DE DOCUMENTO PÚBLICO. CERTEZA, LIQUIDEZ E EXIGIBILIDADE DO TÍTULO. REEXAME DE PROVAS E
CLÁUSULAS CONTRATUAIS. IMPOSSIBILIDADE. 1. A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça é firme
em que o contrato administrativo tem natureza de documento público, porque é ato administrativo perfeito e
revestido de todas as formalidades inerentes aos contratos públicos. 2. Reconhecida no acórdão impugnado,
com base nas provas dos autos e no contrato realizado, a certeza, liquidez e exigibilidade do título, a alegação
em sentido contrário, a motivar insurgência especial, requisita exame do acervo fáctico-probatório e de
cláusulas contratuais, vedado na instância especial. 3. “A simples interpretação de cláusula contratual não
enseja recurso especial.” (Súmula do STJ, Enunciado nº 5). 4. “A pretensão de simples reexame de prova não
enseja recurso especial.” (Súmula do STJ, Enunciado nº 7). 5. Agravo regimental improvido. (STJ - AgRg-REsp
1.147.510 - DF - Proc. 2009/0127823-7 - 1ª T. - Rel. Min. Hamilton Carvalhido - DJ 19.04.2010)

Previdência Social – Servidor Público – Ex-Combatente


DTZ4796006 - DIREITO ADMINISTRATIVO. RECURSO ESPECIAL. EX-COMBATENTE. PENSÃO ESPECIAL
DE SEGUNDO-SARGENTO. APLICAÇÃO DA NORMA VIGENTE À ÉPOCA DO ÓBITO DO EX-MILITAR. LEIS
3.765/60 E 4.242/63. BENEFÍCIO DE NATUREZA ASSISTENCIAL. FILHA MAIOR. INCAPACIDADE DE PROVER
O PRÓPRIO SUSTENTO. COMPROVAÇÃO. NÃO-OCORRÊNCIA. RECURSO ESPECIAL CONHECIDO E IMPROVIDO.
1. Consoante reiterada jurisprudência do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça, o
direito à pensão deverá ser examinado com base na legislação vigente ao tempo do óbito de seu instituidor.
2. “O benefício conferido à filha de ex-combatente, estabelecido pelo artigo 30 da Lei nº 4.242/63, que
estipula pensão igual à de Segundo-Sargento, contida no artigo 26 da Lei nº 3.675/60, não se confunde com
a pensão especial devida aos ex-combatentes com o advento da Carta Magna de 1988, prevista no artigo 53,
inciso II, do ADCT” (AgRg no REsp 772.251/RS, Rel. Min. MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, Sexta Turma,
DJ 26/3/07). 3. São requisitos para o pagamento da pensão especial de ex-combatente previsto no art. 30 da
Lei 4.242/63: a) ser o ex-militar integrante da FEB, da FAB ou da Marinha; b) ter efetivamente participado
de operações de guerra; c) encontrar-se o ex-militar, ou seus dependentes, incapacitados, sem poder prover
os próprios meios de subsistência e d) não perceber nenhuma importância dos cofres públicos. 4. A pensão
especial de Segundo-Sargento, prevista na Lei 4.242/60, por se tratar de benefício de natureza assistencial,
também exige dos dependentes o preenchimento dos requisitos impostos ao ex-combatente, no que toca
à comprovação da incapacidade de prover os próprios meios de subsistência e de não receber nenhuma
importância dos cofres públicos. 5. Recurso especial conhecido e improvido. (STJ - REsp 1.084.286 - RS -
Proc. 2008/0192743-5 - 5ª T. - Rel. Min. Arnaldo Esteves Lima - DJ 19.04.2010)

Servidor Público – Concurso Público


DTZ4786859 - PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL. MÉRITO. TITULARIDADE DE CARTÓRIO. COISA
JULGADA. OCORRÊNCIA. MATÉRIA DECIDIDA EM MANDADO DE SEGURANÇA COM DECISÃO TRANSITADA
EM JULGADO. PRESCRIÇÃO ADMINISTRATIVA. NÃO-OCORRÊNCIA. AUSÊNCIA DE CONCURSO PÚBLICO.
EFEITOS DA DECISÃO DO STF EM ADI. NULIDADE ABSOLUTA. ALÍNEA “B” DO PERMISSIVO CONSTITUCIONAL.
AGRAVO REGIMENTAL NÃO PROVIDO. 1. Os atos administrativos de delegação com fim de investidura no
cargo de titular de serventia cartorária pressupõem, necessariamente, a realização de concurso público. Na
hipótese esse requisito não foi observado. 2. Configuração da coisa julgada, embora a questão tenha sido
decidida, em primeiro lugar, em sede de mandado de segurança. 3. Nulidade de pleno direito da nomeação,
em decorrência da declaração de inconstitucionalidade pelo STF, com efeitos ex tunc , não havendo que se
falar, portanto, em prescrição ou preclusão administrativa (Súmula n. 473 do STF). 4. Agravo regimental
não provido. (STJ - AgRg-REsp 969.090 - (2007/0151856-3) - 2ª T. - Rel. Min. Mauro Campbell Marques - DJ

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Sumário
Jurisprudência Boletim Direito Público Notadez
30.03.2010)

Servidor Público – Processo Disciplinar


DTZ4792569 - MANDADO DE SEGURANÇA. ADMINISTRATIVO. SERVIDOR PÚBLICO FEDERAL. PENA DE
DEMISSÃO. PRESCRIÇÃO DA PRETENSÃO PUNITIVA DO ESTADO. ART. 142 DA LEI 8.112/90. SINDICÂNCIA.
INTERRUPÇÃO DO PRAZO PRESCRICIONAL. NÃO OCORRÊNCIA. PROCESSOS DISCIPLINARES ANTERIORES
NULOS. 1. É cabível a interrupção da prescrição, em face da instauração de sindicância, somente quando
este procedimento sumário tiver caráter punitivo e não meramente investigatório ou preparatório de
um processo disciplinar, pois, neste caso, dar-se-á a interrupção somente com a instauração do processo
administrativo disciplinar, apto a culminar na aplicação de uma penalidade ao servidor. 2. A Terceira Seção
desta Corte tem entendimento no sentido de que o anterior processo administrativo disciplinar declarado
nulo, por importar em sua exclusão do mundo jurídico e consequente perda de eficácia de todos os seus
atos, não tem o condão de interromper o prazo prescricional da pretensão punitiva estatal, que deverá ter
como termo inicial, portanto, a data em a Administração tomou ciência dos fatos. 3. Transcorridos mais de 5
anos entre a data que a Administração tomou ciência da última irregularidade supostamente praticada pelo
servidor e a data de instauração do processo administrativo que culminou na sua demissão, primeiro marco
interruptivo prescricional, é de se entender prescrita a pretensão estatal de aplicar a pena de demissão ao
impetrante. 4. Segurança concedida. (STJ - MS 13.703 - DF - Proc. 2008/0161033-0 - 3ª S. - Relª Minª Maria
Thereza De Assis Moura - DJ 07.04.2010)

Servidor Público – Reajuste – Revisão de Vencimentos


DTZ4794248 - ADMINISTRATIVO. SERVIDOR PÚBLICO FEDERAL. REAJUSTE DE 28,86%. PERÍODO
POSTERIOR AO ADVENTO DA Nº 831/95. INCIDÊNCIA SOBRE A RAV QUANDO O ÍNDICE NÃO TIVER SIDO
APLICADO AO VENCIMENTO-BÁSICO. 1. Consoante entendimento deste Superior Tribunal de Justiça, a partir
do advento da Medida Provisória nº 831/95, o reajuste de 28,86% passou a ter incidência sobre a Retribuição
Adicional Variável - RAV, exceto se esse índice já houver sido utilizado em sua base de cálculo, sob pena de
bis in idem. 2. Recurso especial parcialmente provido. (STJ - REsp 1.105.038 - RS - Proc. 2008/0250868-0
- 5ª T. - Rel. Min. Jorge Mussi - DJ 12.04.2010)

DTZ4796013 - DIREITO ADMINISTRATIVO. PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE


INSTRUMENTO. SERVIDOR PÚBLICO MUNICIPAL. REAJUSTE SALARIAL. COMPENSAÇÃO. AUSÊNCIA DE
PREVISÃO NO TÍTULO EXECUTIVO. IMPOSSIBILIDADE. AGRAVO IMPROVIDO. 1. Não havendo expressa
previsão no título executivo que concede a servidores públicos do Município de São Paulo o reajuste previsto
nas Leis Municipais 10.688/88 e 10.722/89, é inviável a aplicação retroativa da Lei Municipal 12.397/97
no cálculo do percentual devido para o mês de fevereiro de 1995. Precedentes do STJ. 2. Agravo regimental
improvido. (STJ - AgRg-AI 1.134.103 - SP - Proc. 2008/0265211-6 - 5ª T. - Rel. Min. Arnaldo Esteves Lima
- DJ 19.04.2010)

Servidor Público – Remoção


DTZ4795223 - AGRAVO REGIMENTAL. SUSPENSÃO DE LIMINAR E DE SENTENÇA. REMOÇÃO DEFINITIVA DE
ADVOGADO DA UNIÃO. PREVALÊNCIA DO INTERESSE PÚBLICO SOBRE O, PRIVADO. DECISÃO DE SUSPENSÃO
MANTIDA. - A remoção definitiva de servidor para outra cidade a fim de atender interesse pessoal daquele,
contrariando o interesse público e os critérios legais vigentes, pode causar grave lesão à ordem pública, além
da multiplicação de demandas semelhantes. Agravo regimental improvido. (STJ - AgRg-SL 1.086 - GO - Proc.
2009/0147968-0 - C.Esp. - Rel. Min. Presidente do STJ - DJ 15.04.2010)

Maio de 2010 Voltar ao 64


Sumário

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