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Copyright © 2014 Pedro Mendonça Burgos
Todos os direitos reservados.
Diretor editorial: Pascoal Soto
Editora executiva: Tainã Bispo
Produção editorial: Pamela J. Oliveira, Renata Alves, Maitê Zickuhr
Diretor de produção gráfica: Marcos Rocha
Gerente de produção gráfica: Fábio Menezes
Preparação de texto: Marleine Cohen
Revisão: Iracy Borges
Capa: Mateus Valadares
Ilustração de capa: Stefano Marra
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)
Angélica Ilacqua CRB-8/7057
Burgos, Pedro
Conecte-se ao que importa : um manual para a vida digital saudável / Pedro Burgos. – São Paulo : LeYa, 2014.
Bibliografia
ISBN 9788580447583
1. Tecnologia da informação 2. Redes de relações sociais 3. Internet 4. Tecnologia e civilização I. Título
13-1047 CDD 004.6
Índices para catálogo sistemático:
1. Internet – aspectos sociais
2014
Texto Editores Ltda.
[Uma editora do Grupo LeYa]
Rua Desembargador Paulo Passaláqua, 86
01248-010 – Pacaembu – São Paulo – SP
www.leya.com.br
Dedicatória
Para Nina, por todo o amor. Para meu pai, por me ensinar o valor de
conhecer melhor a tecnologia. E a minha mãe, por me inspirar a
compreender e amar as pessoas.
Apresentação
Reinventando a roda
É comum descrever o morador de Brasília como um ser formado de “cabeça,
tronco e rodas”. Basta parar em qualquer local do Plano Piloto e ver a
movimentação de automóveis e pessoas: e parece bastante claro que a enorme
maioria dos brasilienses não está acostumada a estacionar o carro e andar um
pouco. O raciocínio é simplista: sendo o carro a tecnologia que leva de A a B,
pessoas que consideram o automóvel como uma extensão do corpo, tentam
chegar o mais perto possível de B para parar. E isso provoca todo tipo de
problema e só é mais claramente observável quando você muda o hábito e
reconecta os circuitos do cérebro. No meu caso, ocorreu quando deixei a capital
para morar em São Paulo, há sete anos, e não senti mais necessidade de comprar
um carro. Hoje, praticamente só dirijo quando volto à terrinha.
Em um domingo ensolarado, estava na capital dirigindo em direção à Feira dos
Importados – uma enorme aglomeração de barracas e gente vendendo todo tipo
de bugiganga, apetrechos eletrônicos e pirataria em geral. Quando estava perto
do destino, vi uma fila de carros gigantesca em frente e parei logo na primeira
vaga que avistei, a uns 300 metros da feira. O estacionamento público ali estava
vazio. A pé, cheguei mais rápido que os carros engarrafados. Era possível ver
gente sofrendo com o calor dentro dos automóveis e quanto mais próximos eles
chegavam do relativamente pequeno estacionamento ao lado da feira, mais
difícil ficava conseguir uma vaga. Refletindo por alguns segundos, era óbvio que
parar onde eu parei era melhor: os que seguiram para ter a “vantagem” de andar
menos, não levaram em conta as voltas dadas a mais, o tempo parado esperando
alguém sair e o estresse provocado pelo motorista buzinando atrás. Além disso,
quem parou mais longe, também sairia mais depressa, já que não pegaria o
engarrafamento da saída. Enumerando tudo, é difícil entender por que tanta
gente faz algo tão sem sentido lógico, tão frequentemente.
O que ocorre é que quando incorporamos uma tecnologia ao nosso cotidiano,
raramente paramos para pensar sobre o uso dela em si, apenas seguimos usando
– nem todos aqui são filósofos gregos ou alemães que usam a dialética para
questionar o impacto das ferramentas no nosso cérebro o tempo todo.
Subliminarmente, “todas” têm algum tipo de impacto.19
Não notamos porque desenvolvemos novos hábitos rapidamente, o tempo
todo. As primeiras consultas ao Google, por exemplo, são escolhas racionais:
depois de passar um tempo com uma dúvida na cabeça, seu cérebro pensa: “Ah,
o Google deve saber!” Meses fazendo isso e a busca frenética ao google.com.br
(ou, mais recentemente, a pergunta em voz alta ao Google Now ou Siri) passa a
ser automática.
Da mesma forma, dirigir um carro, especialmente por caminhos conhecidos,
não é uma tarefa racional: à medida que nos acostumamos a fazê-la, os gânglios
da base, a parte do cérebro responsável pelos instintos e memórias motoras, fica
responsável pela ação. Hábitos enraizados, que repetimos de maneira
inconsciente, são mais difíceis de serem mudados. Mas, em algum momento,
podem ser questionados.
Carros e dispositivos conectados, se usados de maneira exagerada e sem uma
reflexão sobre a sua utilidade, são prejudiciais para a maior parte das pessoas,
tanto no nível pessoal quanto para a humanidade: uma cidade onde todos andam
de carro é desumana e engarrafada, e uma sociedade onde todos só se
comunicam pela internet é mais ansiosa, narcisista e com laços potencialmente
mais fracos. Se soubermos usar de maneira correta, com alguma parcimônia,
carro e smartphones, por exemplo, podem ter um impacto claramente positivo.
Poder acessar a rede mundial nos permite, numa avaliação superficial, uma
maior liberdade de escolha e, por consequência, um (potencial) maior
desenvolvimento pessoal e social. É a mesma lógica do carro, vendida em
milhares de comerciais ao som de Born to be wild: com ele podemos morar um
pouco mais longe, ir àquele restaurante à meia-luz em outro bairro, viajar,
transportar pessoas e objetos, nos conectar a mais gente. Tudo na hora que
quisermos, sem depender basicamente de nenhuma outra pessoa.
Mas para todas as vantagens individuais que o carro traz, há um impacto para
a sociedade que é cada vez mais claro e (já me desculpando pelo viés ex-dono de
carro) nocivo. Há uma questão de saúde pública importante, já que acidentes
automobilísticos são hoje a maior causa de mortes entre pessoas de 15 a 29 anos
de idade no mundo. Quem não é envolvido em batidas e atropelamentos, pode
ser vítima do estresse causado dentro do carro: estima-se que um em cada 12
ataques cardíacos tem relação com engarrafamentos.20 O excesso de carros
também gera um problema econômico, que começa no investimento em obras de
engenharia cada vez mais complexas, como vias elevadas, viadutos e
duplicações que custam caríssimo e termina, literalmente, no próprio trânsito: o
tempo perdido nos engarrafamentos custa à cidade de São Paulo entre R$ 30 e
40 bilhões todo ano.21 Há outros efeitos negativos não tão facilmente
mensuráveis, como a perda do hábito de andar na rua, o enfraquecimento do
pequeno comércio local e a mudança na paisagem.
Mas vou parar com a lista de motivos contra aqui. Não estou pregando que
todos possam de uma hora para outra largar os carros e andar de bicicleta ou
transporte público sem muita perda de qualidade de vida. Na maioria das
grandes cidades do Brasil, este cenário é difícil, apesar de as recentes
manifestações jogarem luz sobre a necessidade de uma política de mobilidade
urbana. Mas, como no caso da internet ubíqua, o uso do automóvel pode e deve
ser racionalizado. Diria que ele já está sendo.
Algumas das cidades com melhor qualidade de vida do mundo hoje colocaram
limites para o uso do carro, seja de maneira econômica (aumentando o imposto
sobre a gasolina, criando pedágios urbanos e rodízios), seja mudando o
planejamento urbanístico, fechando áreas centrais para a circulação apenas de
pedestres ou proibindo que novos prédios em áreas congestionadas tenham
estacionamento. É claro que só punir quem escolheu o carro não é suficiente: a
limitação do uso do automóvel individual é acompanhada de investimentos em
outras formas de locomoção, desde a criação de ciclovias ou faixas exclusivas
para ônibus, subsidiados, até bilhões gastos com o metrô.
Além dos governos, outros setores da sociedade estão tomando medidas para o
uso mais racional do carro. Na França e na Bélgica, algumas empresas oferecem
uma espécie de bolsa-pedal, pagando para os funcionários irem ao trabalho de
bicicleta; em São Paulo, ONGs promovem a carona solidária, dando desconto
em estacionamentos. E por todo o mundo, uma quantidade cada vez maior de
empresas começou a ver que o trabalho remoto é mais econômico e muitas vezes
igualmente efetivo. A gigante da tecnologia IBM, por exemplo, tem 40% dos
seus funcionários fora do escritório, trabalhando em computadores em casa ou
em cafés e desengarrafando as vias públicas.
Aqui vale um parêntese: para além de ajudar a melhorar o trânsito, a
possibilidade de executar o trabalho remotamente, com a internet ubíqua, é uma
das vantagens mais fascinantes. Mas se for usada de maneira errada por
empregadores, empreendedores e mesmo empregados com tendências
workaholic, a bênção vira maldição. Como essa possibilidade é bastante recente,
é compreensível que não tenhamos muita ideia de como aproveitá-la melhor.
Eu me alongo na analogia com o carro porque acredito que podemos estar
passando por algo bem semelhante em relação à nossa percepção e uso das
tecnologias conectadas. Em pouco mais de cem anos, já enxergamos o carro de
diversas formas. Começamos com um profundo deslumbramento, passamos pela
mudança das cidades para privilegiar o transporte individual e – especialmente
no Brasil – ficamos felizes diante da maneira como os automóveis expandiram
nossa indústria. Mas já chegamos, mais recentemente e especialmente na
Europa, à racionalização do ato de dirigir. Já sabemos, em teoria, que o motor a
combustão em um veículo de quatro rodas é incrível, mas também nos
acostumamos à ideia de que se todo mundo usá-lo indiscriminadamente não
chegaremos, literalmente, a lugar algum.
Isso é provavelmente verdade para os apetrechos que usamos para ficar online.
Estamos deslumbrados, mas já estamos ficando preocupados, e em algum
momento chegaremos ao equilíbrio. “Mil câmeras ligadas o tempo todo
transmitindo ao vivo fazem o centro da cidade ficar livre de batedores de
carteira, diminuem os motoristas que furam o sinal vermelho e gravam o abuso
policial. Um bilhão de câmeras ligadas o tempo todo servem como um monitor
da comunidade e sua memória, reestruturam a noção de ‘eu’ e reduzem a
autoridade das autoridades”, especula Kevin Kelly.
É possível ir adiante com analogias sobre avanços que têm mudado
profundamente o nosso cotidiano – poderíamos falar da invenção do relógio, por
exemplo –, mas eu gosto da história do carro especialmente por dois motivos: se
você é otimista como eu, percebe pelos bons exemplos vindos de fora que nós já
temos boas pistas de qual é o ponto de equilíbrio no campo automobilístico.
Achamos, em teoria, uma solução. Basta ver o exemplo de cidades como
Copenhague, na Dinamarca. Mesmo que a população tenha dinheiro, lá o carro é
apenas o terceiro veículo mais usado para deslocamento até o trabalho no dia a
dia, atrás das bicicletas e do ônibus. O bom funcionamento do transporte
público, as ciclovias que cobrem todos os bairros, a segurança e as ruas feitas
exclusivamente para o pedestre são motivo de orgulho para a população local,
que resistiu quando essas mudanças surgiram, ainda nos anos 1970, mas hoje
considera a cidade como modelo.
O segundo aspecto que faz a analogia com o automóvel ser interessante é a
diferença sobre os motivadores de um uso mais consciente da tecnologia. A
pressão de setores da sociedade e a consequente (em um cenário ideal) atuação
de governos interferiram, em última instância, na percepção do “direito” de ir e
vir do cidadão motorizado. Quando foi aplicado corretamente, o resultado foi
entendido como benéfico pela maioria. Das multas por não respeitar a faixa de
pedestre ou não usar o cinto de segurança aos rodízios baseados no
emplacamento, as autoridades usam regularmente o seu poder para nos lembrar
de que não temos capacidade de autorregulação ou auto-organização quando o
assunto são os autos. E isso é bom, na maioria das vezes.
A internet onipresente é uma tecnologia que já está se tornando muito mais
influente que o carro e tem modificado profundamente a sociedade e os
indivíduos, mas não tem praticamente nenhuma regulação. Não teremos fiscais
de um órgão equivalente ao Detran para multá-lo quando você perder a manhã
inteira comentando fotos e discutindo com estranhos na web. Então, mudar os
hábitos em relação à vida superconectada – usando a internet não só de maneira
mais seletiva para melhorar sua qualidade de vida, mas também menos tempo,
para conter uma relação obsessiva – é algo que caberá provavelmente só a você e
à sua força de vontade. É claro que ajudá-lo nessa tarefa é o propósito deste
livro.
Para a maioria das pessoas que conheço, as pressões externas para mudar
hábitos nesse sentido são consideradas irritantes, na melhor das hipóteses. Para
os mais jovens, censurar o uso excessivo de tecnologia é a repetição de uma
experiência comum na adolescência: a mãe pedindo para “sair da frente da TV”
ou “desligar o videogame”. O argumento é um clássico “não estou fazendo mal a
ninguém” e na maior parte das vezes isso é aparentemente verdade. Mas, agindo
assim, o pequeno infrator pode estar minando uma relação amorosa por não dar
atenção presencial, por exemplo. Nas empresas, o “pessoal da TI” que bloqueia
certos sites é tachado nos corredores como “pessoas que limitam o acesso à
informação”, como se alguém da contabilidade realmente precisasse acessar o
Youtube ou o Facebook no trabalho.
A regulação do uso de tecnologias sempre conectadas por parte do governo é
ainda mais complicada. Os mais proeminentes estudiosos da internet e governos
ocidentais defendem a liberdade irrestrita e “neutralidade” da rede, e ficamos
horrorizados com a censura imposta na China, onde sites de opositores e certos
temas de buscas não aparecem no Google. As leis que limitam ou coíbem o uso
são bem específicas, como as medidas antibullying na Coreia do Sul, as multas
para quem atravessa a rua usando o celular nos EUA, ou ouve um celular sem
fones de ouvido no Rio de Janeiro.
Parece que, por ora, não ficaremos confortáveis se alguém mexer na nossa
capacidade de estarmos conectados o tempo todo a tudo o que quisermos,
acariciando nossos brinquedos tecnológicos. Mas também é ilusão pensar que
essa liberdade irrestrita vá durar para sempre: quando os efeitos do abuso das
telas onipresentes ficarem mais claros para a sociedade, um futuro com
regulações mais severas se tornará tão factível quanto o atual “vale-tudo”. Basta
olhar o país mais conectado do mundo, a Coreia do Sul, sempre no topo do
ranking de “banda larga mais rápida”, horas gastas na internet e porcentagem da
população com smartphone (70%).22
Nos últimos anos, recebemos algumas notícias assustadoras do tigre asiático,
desde jovens que morreram depois de três dias seguidos em uma lan-house até
um casal que esqueceu o filho dentro do carro depois de uma maratona de jogos
online. Para lidar com o problema, o governo subsidia mais de uma centena de
clínicas de desintoxicação para viciados em internet e estabeleceu, no fim de
2011, a “Lei da Cinderela”, que proíbe o acesso de menores de 16 anos a
servidores de jogos online. As medidas não se limitam aos jovens, teoricamente
mais suscetíveis. Depois de lidar com uma crescente quantidade de processos
por difamação e até suicídios causados por bullying virtual, o país passou a
exigir uma espécie de “RG de internet” para quem quisesse deixar comentários
em grandes sites. O anonimato na rede, tão celebrado por muitos, praticamente
deixou de existir lá.
É melhor para todos que não precisemos chegar ao extremo da Coreia do Sul
para perceber que o uso excessivo das tecnologias digitais, a conexão
ininterrupta e a consequente desconexão do mundo à nossa volta são perigosos.
É mais saudável prescindirmos de governos dizendo o que podemos fazer ou não
com nossos apetrechos, assim como seria melhor se aprendêssemos a usar
melhor o carro antes do caos que está aí. Se você tem alguma tendência ao
“vício” (aspas importantes, já vamos falar disso) da internet, das redes sociais, e-
mails ou coisas do tipo, comece a refletir sobre as maneiras como estes novos
hábitos podem estar afastando-o do que importa. Mesmo que o impacto não seja
exatamente negativo, precisamos olhar para as nossas ferramentas com um olhar
mais crítico, observando o que de certa forma elas “querem”.
2 Ian Morris, Why the west rules - for now: the patterns of history, and what they reveal about the future,
Farrar, Straus and Giroux, 2010.
3 William H. Calvin, The Cerebral Code: Thinking a Thought in the Mosaics of the Mind, MIT Press, 1996.
5 Platão, Fedro, citado por Marcus Reis Pinheiro, “O Fedro e a Escrita”, em Anais de Filosofia Clássica,
vol. 2 n. 4, 2008. Acessado em: http://www.ifcs.ufrj.br/~afc/2008/REIS.pdf
6 Jack Goody, Literacy in traditional societies, Cambridge University Press, 1975. Disponível em:
http://books.google.com.br/books/about/Literacy_in_Traditional_Societies.html?id=B9SUyI–
3tRwC&redir_esc=y
7 Gregory Cochran, juntamente com o antropólogo Henry Harpending, explica o argumento de que o
homem está evoluindo mais rapidamente nos últimos anos no documentário Nova, da PBS. Disponível em:
http://www.pbs.org/wgbh/nova/evolution/are-we-still-evolving.html e no livro 10,000 Year Explosion: How
Civilization Accelerated Human Evolution, Basic Books, 2009.
8 Crânios da Idade Média eram menores do que os de hoje - ver Rebecca Morelle, “Time changes modern
human’s face”, BBC, 25 jan. 2006. Disponível em: http://news.bbc.co.uk/2/hi/4643312.stm.
9 Kathleen McAuliffe, “If Modern Humans Are So Smart, Why Are Our Brains Shrinking?”, Discover
Magazine, set. 2010. Disponível em: http://discovermagazine.com/2010/sep/25-modern-humans-smart-
why-brain-shrinking#.UeIPn2TOtW1
10 Feggy Ostrosky-Solís e outros cientistas exploram a teoria no artigo “Can literacy change your brain
anatomy?”, Edição especial do International Journal of Psychology, Psychology Press, v. 39, ed. 1, fev.
2004. Disponível em: http://www.tandfonline.com/toc/pijp20/39/1#.Ug_qYZK1HnE
11 Marshall McLuhan, o pensador americano citado no início deste capítulo, ficou famoso por dizer que “o
meio é a mensagem”. A interpretação mais comum é que nunca discutimos a tecnologia, mas o conteúdo
levado por ela. Quando falamos que “a TV é uma lástima”, falamos dos programas policiais, das novelas
apelativas e dos reality shows, e não da tela plana de 42 polegadas. Mas havia mais no aforismo de
McLuhan, que via ainda em 1964 que a tecnologia, como janela para o mundo, alterava nossos “padrões de
percepção paulatinamente e sem resistência”.
12 O VisiCalc, primeiro programa de planilha eletrônica para computadores domésticos, lançado em 1983
para Apple II, é considerado por historiadores da computação como um dos maiores motivos (junto com os
processadores de texto) para a popularização do computador pessoal. Antes da internet, lembro que o
computador da casa era uma máquina de Excel, Word e Paciência.
17 Eu particularmente abandonei o Word há alguns anos. Acho o excesso de elementos uma grande
distração. Vejo muita gente gastar tempo demais ajustando fontes e parágrafos depois de colar um texto, ou
vendo a fonte certa para os entretítulos, brigando com os sublinhados verdes e vermelhos, em vez de se
preocupar com o que escreve de fato.
18 O uso excessivo de PowerPoints é apontado como uma das razões para a falha mecânica que destruiu o
ônibus espacial Columbia, em 2003. A comissão independente para investigar as causas do desastre
percebeu que comunicações críticas que poderiam ser usadas para prevenir o acidente estavam sendo
passadas para a equipe em forma de apresentações, com muitas informações deixadas de lado. “A comissão
vê o uso endêmico de slides de PowerPoint em briefings em vez de trabalhos técnicos como a ilustração dos
métodos de comunicação problemáticos dentro da NASA”, concluiu no relatório. Disponível em:
http://www.edwardtufte.com/bboard/q-and-a-fetch-msg?msg_id=0001yB&topic_id=1
19 Há um grande corpo de pesquisa, por exemplo, sobre a relação entre a cor dos utensílios de cozinha e o
que comemos. Estudos mostram que sentimos que uma bebida mata mais a sede quando a tomamos em um
copo de cor fria (como azul) e que comemos menos quando há um contraste maior entre a cor da comida e o
prato. http://www.npr.org/blogs/thesalt/2013/06/30/196708393/from-farm-to-fork-to-plate-how-utensils-
season-your-meal
20 “Heavy Traffic Bad for your heart”, BBC News, Outubro de 2004. Acessado em:
http://news.bbc.co.uk/2/hi/health/3761012.stm
21 “Trânsito lento faz São Paulo perder R$ 40 bilhões por ano”, Revista Exame, Maio de 2005. Acessado
em: http://exame.abril.com.br/economia/noticias/transito-faz-sao-paulo-perder-r–40-bilhoes-por-ano
22 Jung Ha-Won, “Ultra-wired South Korea battles smartphone addiction” Phys.org, Junho de 2013.
Acessado em: http://phys.org/news/2013–06-ultra-wired-south-korea-smartphone-addiction.html
24 http://www.tribunahoje.com/noticia/26826/cidades/2012/05/14/iml-registra–33-assassinatos-durante-
final-de-semana-em-alagoas.html
25 http://techcrunch.com/2013/10/02/gay-gets-better-and-more-targeted-say-hello-to-the-next-generation-
of-grindr/
26 Jacqueline Marino, “How tablets are changing the way writers works”. Poynter, outubro de 2013.
Acessado em: http://www.poynter.org/how-tos/digital-strategies/224805/how-tablets-are-changing-the-way-
writers-work/
27 Rob Walker, “Can Tumblr’s David Karp Embrace Ads Without Selling Out?” New York Times, Julho de
2012. Acessado em: http://www.nytimes.com/2012/07/15/magazine/can-tumblrs-david-karp-embrace-ads-
without-selling-out.html?pagewanted=all&_r=0
“O homem bebe a bebida, então a bebida bebe a bebida e, por fim, a bebida bebe o homem.” –
Cartilha dos Alcoólicos Anônimos nos EUA
O primeiro trago
Em pleno ano de 2011, minha mãe – uma médica estudiosa e inteligentíssima
(a própria definição de “CDF”) – era razoavelmente avessa a e-mails, não
respondia a mensagens em seu velho Nokia que costumeiramente ficava
esquecido em casa ou desligado, sem bateria, e anotava tudo em infindáveis
folhas de papel. Ela sempre ficava impressionada com as novidades tecnológicas
que eu apresentava, mas nunca investiu muito dinheiro e tempo no assunto. Até
ela comprar um iPad em abril daquele ano. Chegamos da loja e eu configurei
tudo, coloquei alguns aplicativos, mas não fui muito além. Queria vê-la
descobrindo tudo por conta própria e o tablet da Apple40, com sua interface
intuitiva, era perfeito para o cenário. Poucos meses depois, eu recebia as
primeiras imagens do meu sobrinho recém-nascido, direto da Espanha, tiradas
com a própria câmera do iPad. E-mails e mensagens começaram a aparecer com
mais frequência e a videoconferência de domingo virou hábito para diminuir a
distância de mil quilômetros que nos separa. Meses mais tarde, ela ficou com o
meu iPhone quando troquei de aparelho, e agora passava a receber mensagens de
texto. Ela estava longe de ficar “viciada”, mas cada vez que a encontrava,
monitorava as suas percepções sobre a tecnologia e a influência da ferramenta.
Em uma de suas recentes visitas à minha casa, notei que ela mostrava vários e-
mails do estilo “corrente”. Das apresentações em PowerPoint que reciclam
piadas sexagenárias, poemas atribuídos erroneamente ao Jabor ou a Veríssimo,
teorias da conspiração genéricas e vídeos com “invenções revolucionárias da
Alemanha”, toda a cesta básica de spam, o lixo do e-mail, estava lá. Ela falava
feliz pois “agora, com o iPad, não sentia mais tédio” e o e-mail a entretinha. Eu a
provoquei: “E os livros, mãe? Você sempre estava lendo alguma coisa
importante. Substituí-los por esse monte de besteira vale?” Antes, era comum
vê-la no sofá ou na rede lendo algo novo. Agora, com o iPad, ela sorri mais,
mas, no longo prazo, o que fica? Ela vai se lembrar de algum desses e-mails da
mesma maneira que de um livro daqui a alguns meses? Tivemos uma leve
discussão, mas eu provava o meu ponto que mesmo neófitos tecnológicos e
pessoas evoluídas espiritualmente (minha mãe medita diariamente e tem uma
capacidade ímpar de concentração) podem cair nas armadilhas da hiperconexão.
Coincidentemente, na visita seguinte, assistimos a um filme sobre Deepak
Chopra, feito por seu filho Gotham, tentando humanizar a figura do guru
espiritual, que sempre foi uma influência para a minha mãe. A surpresa foi ver
que o autor de As sete leis espirituais do sucesso e mais de 50 outros guias de
autoajuda era um típico “viciado” em Blackberry, que não conseguia se
desvencilhar do smartphone nem quando estava em um retiro com monges
indianos.41. Analisando o filme depois com a minha mãe, concluímos que
Deepak era na verdade viciado em ver sua mensagem chegando ao maior
número de pessoas, e a tecnologia só amplificava as possibilidades – e
necessidades – associadas a este desejo. Da mesma forma, minha mãe sempre foi
uma pessoa gregária e tem amigos espalhados por todo o mundo. O e-mail foi a
maneira que ela encontrou de jogar conversa fora. Eternamente conectados, a
tecnologia tem a capacidade de potencializar nossos vícios e virtudes. Como
chegar ao equilíbrio? Como detectar um comportamento doentio?
Próxima fase
Para muitas pessoas, o elemento distrativo da tecnologia não está só nas redes
sociais e notificações de novos e-mails, mas também – e às vezes principalmente
– nos joguinhos. Para mim, em diversas fases da vida, descobrir por que eu não
estava “fazendo isso mais vezes” era uma questão de observar a caixinha verde
em cima do Xbox ou o ícone mais proeminente no meu PC. Eu não andava mais
de bicicleta – que adorava, em retrospectiva – porque pegar o controle e ligar a
TV era mais fácil. Ao todo, eu certamente já passei muito mais de 365 dias
olhando para telas de mundos imaginários, mais do que gastei (ou “investi”,
como dizem) lendo livros ou assistindo a filmes. Isso é algo comum à minha
geração, então, certamente é natural questionar se são horas bem gastas. Vale
tratar o videogame como só mais uma manifestação artística, uma forma de
entretenimento?
A questão não é preto no branco como muitas vezes os dois lados do debate
tratam. E seria difícil aqui assumir a posição de demonizar o comportamento dos
gamers ou dizer que jogar é uma diversão necessariamente “inferior”. Até
porque há jogos e “jogos”, assim como há livros e livros. Toda pessoa que joga
muito, como eu, já tem um discurso pronto para justificar tanto tempo gasto na
atividade. Eu sempre começava dizendo que devo ao vício precoce em
videogames boa parte do meu vocabulário inglês, muitos amigos e, por que
não?, este livro: eu comecei a escrever para grandes publicações justamente
falando de videogames – foi por onde minha carreira jornalística decolou.
Mas a verdade é que variações desse discurso não são usadas apenas para dar
satisfação aos críticos – seja eles a mãe, que ordena “desliga o videogame”, ou a
mídia tradicional, que coloca na conta dos jogos violentos cada homicídio
cometido por adolescentes problemáticos. Ele também serve para enganar os
próprios jogadores. É o que o autor americano Clive Thompson definiu como
“remorso gamer”,63 “uma sensação súbita e assustadora de vazio quando
consideramos todas as outras coisas que poderíamos ter feito durante o nosso
tempo jogando”. É claro que essas horas “desperdiçadas” no videogame não
seriam automaticamente convertidas em atividade física, leitura de Graciliano
Ramos e James Joyce ou a filmografia de Kurosawa. Mas esse remorso descrito
é uma sensação muito comum – e muito mais recorrente do que em apreciadores
de outras formas de entretenimento. É difícil achar alguém que diga: “Nossa,
acho que eu passei tempo demais lendo esse livro”. Por quê?
Creio que ainda não sabemos a resposta. Pode ser algo circunstancial, e eu
aqui, ao criticar quem gasta tempo demais com jogos, posso soar como as
pessoas que atacavam os romances no século 19 (“os jovens estão sendo
consumidos por essas históricas pervertidas!”). Mas se pegarmos a lista de
aplicativos mais baixados para smartphones e tablets, pelo menos 50% são jogos
e os videogames são a categoria de produtos de consumo que mais cresceu em
vendas nos últimos anos64 no Brasil. Então, já que estamos colocando bastante
dinheiro e tempo nisso, é bom discutir a relação.
Ao mesmo tempo, devemos também afastar o problema dos estereótipos, ou,
pelo menos, expandir o universo do “problema”. No imaginário popular, o
viciado em jogos eletrônicos é o rapaz adolescente que fica dando tiros,
hipnotizado na TV. Mas a relação obsessiva com as diversões eletrônicas tem se
democratizado enormemente com a popularização de todo tipo de dispositivos
eletrônicos. Hoje, da mesma forma que há jovens adultos gastando 10 horas por
dia em RPGs online, há mulheres cinquentonas acumulando centenas de dias (se
somarmos tudo) em partidas do velho Paciência ou Freecell do Windows e
homens de negócios perdendo incontáveis dólares em joguinhos de Facebook,
como Candy Crush. Há opções para todos os tipos de consumidor/vítima.
Assim como fazemos quando estamos checando e-mail ou as redes sociais, o
ideal é parar para analisar se estamos no modo piloto automático ou se há algum
propósito quando estamos jogando. Estamos ali realmente felizes pela imersão
no que é o cruzamento de um hobby, um esporte e uma narrativa ficcional? O
objetivo é tão somente “esvaziar a mente”, relaxar, para alternar entre os outros
estresses do dia? Ou é um consumo compulsivo? O mesmo jogo pode ser coisas
diferentes em situações diferentes. Mas o último caso preocupa bastante gente.
Em primeiro lugar, eu gosto das pessoas que dizem que jogam para “esvaziar a
cabeça” porque elas são honestas e não tentam justificar demais o que o resto da
sociedade vê como tempo perdido. O nadador Cesar Cielo disse que para
acalmar a mente e amenizar o estresse antes do mundial de natação de 2013, ele
viu séries bobas de TV e jogou Candy Crush Saga.65 Parece ter dado certo: ele
acabou campeão da prova mais disputada. A estratégia faz sentido: jogos
monopolizam a atenção ao mesmo tempo em que exigem decisões instintivas, o
tempo todo. Não raciocinamos muito profundamente quando jogamos, já que
tudo é muito rápido.
Recentemente, quando uma tragédia aconteceu com amigos próximos, minha
mãe teve que viajar e contou para mim que conseguiu parar de pensar no pior
quando, no avião, sacou o iPad e jogou Fruit Ninja, que testa ao máximo a
atenção e os reflexos em um tema abstrato. Ele parece ter funcionado melhor
para tirar os pensamentos ruins que o outro método favorito dela, a meditação.
Colecionando casos assim, quando encarno o conselheiro sentimental,
recomendo às pessoas que acabaram de terminar um relacionamento que joguem
bastante videogame. É a arte superior para “resetar” o cérebro nessas situações.
Assistir a um filme pode lembrar uma situação X, que os recém-terminados
viveram juntos; em livros, a mente facilmente cai em devaneios; qualquer
música pode ter sido a trilha de algum momento juntos. Em jogos, estamos em
um mundo à parte. E isso pode ser – com parcimônia, é claro – uma terapia.
Jogar é zen. Pense no termo usado para descrever o simples e solitário jogo de
cartas, com mais de 200 anos, instalado em todo PC: “paciência”.66
É certo que “esvaziar o cérebro” não é uma defesa muito abonadora, e
obviamente não funciona para todo mundo. Então, os defensores mais ferrenhos
dos games, os que gastam mais atenção, tempo e comentários na internet,
preferem apontar outras vantagens: as pesquisas que mostram que jogos ensinam
conceitos de lógica, bem como a habilidade de tomar decisões e priorizar em
situações de estresse;67 as que mostram que as pessoas que jogam títulos de ação
de 5 a 10 horas por semana, conseguem distinguir melhor os detalhes visuais no
meio de muitas informações – virando melhores motoristas no processo;68 ou que
a maneira como nos comportamos e parecemos ser no mundo dos jogos online
pode ter efeito positivo no comportamento “real”.69
São argumentos que fazem sentido mas, cá entre nós, há pesquisas que
apontam benefícios para qualquer coisa que é consumida em larga escala e tem
seus apreciadores. Até a apreciação por armas de fogo já serviu para unir pais e
filhos. Esses estudos sempre rendem muitas citações ao autor e grandes
manchetes em portais. Alternativamente, digite no Google “cerveja benefícios” e
verá dezenas de reportagens. Chequei aqui e acabo de descobrir que cervejas são
menos calóricas que sucos de laranja e vinhos.70
Prefiro as explicações mais fundamentais sobre os benefícios de jogar,
qualquer coisa que seja. A julgar o que se encontra junto de ossos em sítios
arqueológicos, jogar é algo que faz parte da natureza do ser humano há muito
tempo. Os jogos sempre nos permitiram testar os limites, desenvolver
habilidades e, no caso dos jogos que praticamos sozinhos, fazer com que nos
sintamos “efetivos”. Gostamos de nos sentir bons em qualquer coisa, e jogos,
especialmente de videogame, são um caminho extremamente eficaz para isso.
Desde as cartas pulando em cascata ao fim de um jogo de paciência ao YOU
ROCK!! quando terminamos de “tocar” uma música em Rock Band (qualquer
que seja a pontuação), temos a confirmação de que somos bons. Mesmo antes de
completar um objetivo, cada ding das moedas que coletamos em Super Mario
Bros, cada swoosh das frutas fatiadas de Fruit Ninja, cada aplauso de uma
multidão imaginária por uma nova conquista em Civilization, nos mostra que
estamos “produzindo” algo.
Por isso, jogos podem ajudar a aumentar a autoestima. Em um dia ruim e
burocrático no trabalho, matar alguns monstrinhos e ser elogiado pelos colegas
online em uma partida de League of Legends, ou mesmo sozinho, passando de
uma fase qualquer, reforça a sensação que fazemos “algo” bem. E se não somos
bons em algo, o jogo se adapta, mudamos a dificuldade, ou trocamos. Sempre há
progresso.
Quando estamos realmente entretidos em um jogo, atingimos o chamado
“estado de fluxo”, ou “estado mental de operação em que a pessoa está
totalmente imersa no que está fazendo, caracterizado por um sentimento de total
envolvimento e sucesso no processo da atividade”, como definiu o psicólogo
Mihaly Csíkszentmihályi, em 1975.71 O “fluxo” é atingido por meio de diversas
atividades que não sofrem tanto preconceito social quanto os videogames, como
a dança, a escalada ou o crochê. Ficamos imersos, nos sentimos no ápice da
nossa habilidade, felizes por estar realizando algo que se materializa na nossa
frente. Isso provoca um tipo de estresse bom. Há algumas regras para
caracterizar o “fluxo”, como definir objetivos claros, ter um feedback direto e
imediato, além do fato de a atividade em si (e não necessariamente o “produto”
dela) ser recompensadora.
O trabalho de Csíkszentmihályi foi levado para diversas outras disciplinas,
porque no fim faz eco à ideia de que “temos de fazer algo que nos deixe felizes”.
O psicólogo é citado em quase todas as defesas do valor intrínseco de jogar
videogame, mas acho que faz mais sentido a leitura de Alex Soojung-Kim Pang,
autor de The Distraction Addiction (‘O vício da distração’, sem tradução para
português), que usa as partidas de videogame com os filhos para, de certa forma,
treiná-los para a vida. “A chave para vencer é se concentrar, aprender a excluir
distrações e focar apenas no que importa. Eu sou bom no jogo porque eu sei me
focar. Eu sempre amei essa qualidade imersiva nos jogos, e quero que meus
filhos apreciem este prazer. E quero que eles estejam cientes do valor decisivo
do foco.”72
O problema da explicação de Csíkszentmihályi (que não é mera teoria, mas
partiu de estudo e observação de milhares de cobaias) é que ela se aplica como
uma luva para os jogos mais viciantes: no jogo, sabemos muito claramente o que
precisamos fazer para chegar ao objetivo, a cada pequeno passo em direção a ele
somos recompensados, quando falhamos, aprendemos algo, ganhamos uma nova
chance imediatamente depois e temos a sensação de tempo distorcida. São
“qualidades” dos jogos em que as pessoas gastam mais tempo. World of
Warcraft (onde o típico usuário investe 468 horas por ano73) ou jogos sociais
como os finados FarmVille e Colheita Feliz têm exatamente essa estrutura e
estão adaptados às nossas habilidades e expectativas. Pela repetição de tarefas,
eles parecem, para quem vê de fora, ser um “trabalho”. E isso não é
coincidência.
“Jogos nos fazem felizes porque são trabalho duro que nós escolhemos fazer
nós mesmos. E não há nada que nos deixe mais felizes que um bom trabalho
duro”, explica Jane McGonigal, que escreveu Reality is Broken – traduzido por
aqui como A Realidade em Jogo. A tese dela faz mais sentido no título em
inglês: para resolver problemas do mundo, precisaríamos fazer com que os
desafios da vida, do trabalho à participação social, parecessem mais como
videogame, já que a realidade está “quebrada”. A lógica de aplicar esses
conceitos a outros problemas é o chamado gamification, termo que até pouco
tempo atrás estava circunscrito aos discursos de marketeiros, mas começa a
aparecer em diversos aspectos da nossa vida conectada, e é algo que merece ser
melhor entendido.
Pelas teorias de McGonigal e defensores da gamificação (como foi
parcialmente traduzido no Brasil), alguns dos maiores problemas dos nossos
trabalhos – e da nossa vida em geral – é que não há micro-objetivos o tempo
todo, não temos pequenas recompensas no caminho, não somos instigados a
“quebrar recordes”. E se ficarmos só voltando para os jogos para nos sentirmos
mais “produtivos”, o mundo não gira. “O que precisamos é de jogos que nos
fazem felizes no momento, que produzam um tipo de recompensa emocional
mais duradoura. Nós precisamos nos sentir felizes mesmo quando não estamos
jogando. Só então encontraremos o equilíbrio certo entre jogar nossos jogos
favoritos e fazer o melhor nas nossas vidas reais”, diz McGonigal.
Na visão dela, o conceito da gamificação (a coisa não foi traduzida, até para
ficar mais “moderna”) poderia ser usado, por exemplo, para incentivar as
pessoas a fazerem tarefas chatas, como lavar a louça ou limpar a casa (há um
jogo estilo RPG chamado Chore Wars74) ou melhorar a participação de alunos
em projetos fora da escola (em Nova York, no Quest to Learn75). Os exemplos
parecem realmente interessantes. Quando tivermos o smart grid e o consumo de
energia de cada cidade puder ser visto a qualquer momento, poderemos criar
uma espécie de jogo entre os moradores de uma rua para ver quem consegue
reduzir mais o consumo, dando prêmios (simbólicos ou não) para os mais
conscientes no gasto da energia e instituir a “provocação” sadia entre os
competidores. É o que está fazendo a Simple Energy, nos EUA.76
Além de tentar melhorar o mundo, a gamificação também está em aplicativos
mais triviais, mas bastante populares: no Foursquare, quem visita mais vezes um
lugar – e “anota” o ato pelo smartphone – vira “prefeito”, e pode ganhar
descontos no processo; no GoodReads, dá para medir quão rápido você está na
leitura em comparação com os seus amigos ou ganhar medalhas por atingir
metas de livros concluídos; no FitoCracy, Runkeeper ou quase qualquer app de
malhação, somos motivados a competir com os amigos e colecionamos troféus
virtuais pelo nosso esforço e calorias gastas.
Tudo parece lindo e os objetivos, nobres. Mas será que os fins justificam os
meios? Os advogados da gamificação reconhecem que não podemos resistir a
essa estrutura dos jogos viciantes, então temos que transformar o mundo em um
grande jogo – algo que era reservado aos escoteiros e seus distintivos, antes da
invenção dos smartphones. Talvez seja mais fácil criar um sistema cheio de
bônus, ícones coloridos e competições entre amigos para diminuir o desperdício
de energia, por exemplo. Mas qual será o impulso real das pessoas que
participam? Ganhar o jogo ou salvar o mundo? Será que alguém aprende valores
reais ao participar dessas gincanas conectadas? Não há muita confirmação
científica de que o comportamento “aprendido” (ou seria apenas repetido?) no
jogo se estende para o resto da vida das pessoas e a discussão moral fica em
segundo plano. Somos tratados como crianças. E quando as pessoas ficam
realmente “viciadas” nas recompensas intrínsecas do jogo, a questão moral fica
em segundo plano: elas começam a repetir o que a dopamina diz ser o certo, não
necessariamente o que a consciência manda. Exemplo disso: os agentes da NSA,
a agência americana que, como se revelou em 2013, espiona uma enorme parte
da comunicação mundial, competiam entre si, valendo troféus virtuais, um
“XKeyscore” e ranking, para ver quem conseguia encontrar mais suspeitos.77
A digressão sobre gamificação é necessária porque essa é uma solução vendida
como sendo mágica para as mais diversas atividades – muitos defendem mais
videogames nas escolas, por exemplo78 – e que ainda não enfrentou a devida
crítica. Antes de abraçar os mecanismos do vício em joguinhos e aplicá-los em
causas mais belas, talvez seja o caso de discutir por que ficamos viciados em
coisas tão bobas e gastamos tanto tempo nisso. Uma coisa é jogar para esvaziar a
cabeça ou para entrar no “fluxo”, desenvolver habilidades ou avançar em uma
história interativa. Outra é jogar porque você não consegue parar.
30 “O que aprendi com Jobs: tecnologia, sozinha, não é suficiente”, Gizmodo Brasil, 6 out. 2011.
Disponível em: http://gizmodo.uol.com.br/o-que-aprendi-com-jobs-tecnologia-sozinha-nao-e-suficiente.
31 Gadget é um termo genérico que designa uma ferramenta ou aparato tecnológico, normalmente novo.
Virou uma palavra consagrada para descrever de celulares a pequenas filmadoras.
32 Mark Wilson. “In 20 Years, We’re All Going To Realize This Apple Ad Is Nuts”, Co.Design, 16 jul.
2013. Disponível em: http://www.fastcodesign.com/1673020/in–20-years-we-re-all-going-to-realize-this-
apple-ad-is-nuts.
33 Uma publicidade do Fusca dizia que a esposa do homem de negócios que lia o anúncio certamente iria
bater o carro, e o carro da Volks era melhor porque ninguém se machucaria e as peças eram mais baratas:
http://www.businessinsider.com/the-outrageously-sexist-ads-of-the-mad-men-era-that-some-companies-
wish-wed-forget-2012-3#-7.
34 Ver http://mulher.terra.com.br/vida-a-dois/pesquisa–20-dos-jovens-adultos-usam-smartphones-durante-
o-sexo,1195ed64d78df310VgnVCM20000099cceb0aRCRD.html.
35 Ver “3G: 3ª Geração de Celular no Brasil”. Relatório Teleco de Telefonia Celular no Brasil, 24 jul. 2013.
Disponível em: http://www.teleco.com.br/3g_brasil.asp.
36 Gabriela Ruic, “Pesquisa mostra um Brasil dividido pela internet”. Exame.com, 20 jun. 2013. Disponível
em: http://exame.abril.com.br/tecnologia/noticias/pesquisa-mostra-um-brasil-dividido-pela-internet.
37 “Internauta gasta em média 10 horas e 26 minutos em redes sociais”. Ibope, 19 fev. 2013. Disponível
em: http://www.ibope.com.br/pt-br/noticias/Paginas/Internauta-gasta-em-media-10-horas-e-26-minutos-em-
redes-sociais.aspx.
38 “Vendas de smartphones crescem 86% no Brasil em um ano”. Zero Hora, 14 jun. 2013. Disponível em:
http://zerohora.clicrbs.com.br/rs/economia/tecnologia/noticia/2013/06/vendas-de-smartphones-crescem-86-
no-brasil-em-um-ano-4170047.html.
39 O termo é muito bem defendido por Tom Chatfield no livro Como viver na Era Digital. Objetiva: Rio de
Janeiro, 2012. Ele diz que a frequência com que usamos esses aparelhos “antes era reservada a amigos ou
animais de estimação”.
40 Falei certa vez que ela era minha “cobaia”, mas ela não saberá o quão sério eu falava até ler este livro.
Como estudiosa do comportamento humano, espero que ela entenda.
41 Depois do lançamento do filme, Deepak foi à TV americana dizer que ele não era “viciado em
Blackberry”, mas no Twitter. Ele ficava o tempo todo respondendo mensagens, ajudando as pessoas em
todo o mundo. “O que havia de errado em ser obcecado por isso?”, ele perguntou. Seu filho riu.
42 A Associação Psiquiátrica Americana (APA) publicou os rascunhos dos DSM-5, incluindo a discussão
sobre as novas classificações de vício. Ver
http://www.dsm5.org/Newsroom/Documents/Addiction%20release%20FINAL%202.05.pdf.
43 Mariana Versolato, “Viciados em jogos preocupam pais e psicólogos”, Folha de S. Paulo, 2 set. 2012.
Disponível em: http://www1.folha.uol.com.br/ciencia/1146914-viciados-em-jogos-preocupam-pais-e-
psicologos.shtml.
44 Jusith Donath é citada no livro de Larry D. Rosen, Ph.D., iDisorder: Understanding our Obsession with
Technology and Overcoming its Hold on us. Palgrave Macmillan, 2012.
45 Depoimento dado a Michael Chorost em World Wide Mind: The Coming Integration of Humanity,
Machines, and the Internet. Free Press, 2011.
46 Denise Mota, “83% dos usuários brasileiros ficam alterados se esquecem o celular em casa”. Folha de S.
Paulo, 30 out. 2012; disponível em: http://www1.folha.uol.com.br/equilibrioesaude/1177128-83-dos-
usuarios-brasileiros-ficam-alterados-se-esquecem-o-celular-em-casa.shtml.
47 A questão é muito bem defendida em iDisorder: Understanding our Obsession with Technology and
Overcoming its Hold on us, livro lançado por Rosen em 2012 pela editora Palgrave Macmillan. O “i”
minúsculo vem de iPhone, iPad, etc., e o Disorder é comumente traduzido dentro da psiquiatria como
“transtorno”.
49 Em entrevista concedida a James Fallows, “The Art of Staying Focused in a Distracting World”. The
Atlantic, jun. 2013. Disponível em: http://www.theatlantic.com/magazine/archive/2013/06/the-art-of-
paying-attention/309312/.
50 Eliane Brum, “Os robôs não nos invejam mais”, para o site da Revista Época, 24 out. 2011. Disponível
em: http://revistaepoca.globo.com/Sociedade/noticia/2011/10/os-robos-nao-nos-invejam-mais.html.
51 Vânia Barcellos e Leite, Viver com Humor, Biblioteca 24 horas, 2012.
52 Cheryl Powell, “Cellphone use tied to poor fitness levels, study says”, Denver Post, 23 jul. 2013.
Disponível em: http://www.denverpost.com/ci_23710246/cellphone-use-tied-poor-fitness-levels-study-says
53 Youkyung Lee, “South Korea: 160,000 Kids Between Age 5 And 9 Are Internet-Addicted”, Huffington
Post, 28 nov. 2012. Disponível em: http://www.huffingtonpost.com/2012/11/28/south-korea-internet-
addicted_n_2202371.html.
54 Laura Beil, “In Eyes, a Clock Calibrated by Wavelengths of Light”, The New York Times, 4 jul. 2011.
Disponível em: http://www.nytimes.com/2011/07/05/health/05light.html?pagewanted=all.
55 O efeito da CVS é semelhante a colocar um ventilador apontado para o seu rosto. Ver:
http://www.allaboutvision.com/cvs/faqs.htm.
56 Entrevista de Jonathan Franzen, “A tecnologia não cura a angústia”, Revista Época, ed. 737, 2 jul. 2012.
57 Rosana Hermann, “Porforofobia, você ainda vai ter isso”, R7, 16 maio 2012. Disponível em:
http://noticias.r7.com/blogs/querido-leitor/porforofobia-voce-ainda-vai-ter-isso/2012/05/16/
58 Qualquer livro sobre psicologia das cores vai dar alguma razão para sermos tão atraídos pelo vermelho,
que chama a nossa atenção. Não é à toa que o número de e-mails e mensagens não lidas é sempre vermelho.
59 O RSS é uma espécie de protocolo que busca notícias de vários sites e as empacota de uma forma de
consumo mais rápida. Assim, não é preciso entrar em cada site para ler as notícias. O principal programa do
tipo, o Google Reader, foi aposentado pelo Google em julho de 2013, mas há outros que realizam a mesma
tarefa.
60 Recuperar uma senha perdida é relativamente fácil, mas toda vez que eu chegava ao campo de login e
via que não sabia o que digitar, lembrava da promessa.
61 Disponível para Mac e PC, custa cerca de US$ 7 por mês e entrega relatórios detalhados do que você faz
no computador. Há vários programas semelhantes. Originalmente eram destinados a empresas, mas
funciona tão bem, ou melhor, para a pessoa física.
63 Clive Thompson, “Battle With ‘Gamer Regret’ Never Ceases”, Wired, 10 set. 2007. Disponível em:
http://www.wired.com/gaming/virtualworlds/commentary/games/2007/09/gamesfrontiers_0910?
currentPage=all
64 “Vendas de videogames crescem mais que as de smartphones no Brasil”, UOL Economia, 19 nov. 2012.
Disponível em: http://noticias.bol.uol.com.br/economia/2012/11/19/vendas-de-videogames-cresceram-mais-
que-de-smartphones-no-brasil.jhtm.
65 Mariana Lajolo, “Cielo usa série de TV, Candy crush e música feita para ele para vencer em Barcelona”,
Folha de S. Paulo, 4 ago. 2013. Disponível em: http://www1.folha.uol.com.br/esporte/2013/08/1321490-
cielo-usa-serie-de-tv-candy-crush-e-musica-feita-para-ele-para-vencer-em-barcelona.shtml.
66 Ver http://www.davidparlett.co.uk/histocs/patience.html.
67 Jane McGonigal, Reality Is Broken: Why Games Make Us Better and How They Can Change the World.
Penguin Press, 2011.
68 Luke Reilly, “5 Reasons Video Games Are Actually Good for You”, IGN.com, 9 set. 2012. Disponível
em: http://www.ign.com/articles/2012/09/10/5-reasons-video-games-are-actually-good-for-you.
69 Jesse Fox e Jeremy N. Bailenson, “Virtual self-modeling: The effects of vicarious reinforcement and
identification on exercise behaviors”, Media Psychology, Stanford University, v. 12, ed. 1, p. 1-25, 2009.
Disponível em: http://www.stanford.edu/~bailenso/papers/fox-mp-selfmodeling.pdf.
70 Ver “Is beer less fattening than wine?”, BBC, 8 mar. 2005. Disponível em:
http://news.bbc.co.uk/2/hi/uk_news/magazine/4329323.stm.
71 Ver http://pt.wikipedia.org/wiki/Fluxo_(psicologia).
72 Alex Soojung-Kim Pang, “Mario Kart and the Challenge of Teaching Children Mindfulness”, Huffington
Post, 3 jul. 2013. Disponível em: http://www.huffingtonpost.com/alex-soojungkim-pang-phd/mario-kart-
teaching-children-mindfulne_b_3072671.html.
73 Hunter Slife, “Average weekly time spent playing World of Warcraft”, Examiner.com, 25 mar. 2011.
Disponível em: http://www.examiner.com/article/average-weekly-time-spent-playing-world-of-warcraft.
74 Ver http://www.chorewars.com.
75 Ver http://q2l.org/.
76 Pedro Burgos, “No FarmVille da conservação de energia, todo mundo ganha”, Gizmodo Brasil, 24 set.
2011. Disponível em: http://gizmodo.uol.com.br/no-farmville-da-conservacao-de-energia-todo-mundo-
ganha/.
77 Laura Poitras, Marcel Rosenbach e Holger Stark (tradução para o inglês por Christopher Sultan),
“Germany Is a Both a Partner to and a Target of NSA Surveillance”, Spiegel Online, 12 ago. 2013.
Disponível em: http://www.spiegel.de/international/world/germany-is-a-both-a-partner-to-and-a-target-of-
nsa-surveillance-a-916029.html.
78 Davi de Castro, “Gamificação da pedagogia: entenda como os jogos podem auxiliar no processo de
aprendizagem”, EBC, 31 jan. 2013. Disponível em:
http://www.ebc.com.br/tecnologia/2013/01/gamificacao-da-pedagogia-como-os-jogos-podem-auxiliar-no-
processo-de-aprendizagem.
79 John Hopson, “Behavioral Game Design”, Gamasutra, 27 abr. 2001. Disponível em:
http://sd271.k12.id.us/lchs/faculty/sjacobson/careertech/files/behavioralgamedesign.pdf.
80 Luciana Ruffo, “Por que alguém se ‘vicia’?”, Núcleo de Pesquisas da Psicologia em Informática da
PUC-SP, set. 2011. Disponível em:
http://www.pucsp.br/nppi/downloads/Porque_alguem_se_vicia_setembro_2011.pdf.
81 Ryan Rigney, “These Guys’ $5K Spending Sprees Keep Your Games Free to Play”, Wired, 1º nov. 2012.
Disponível em: http://www.wired.com/gamelife/2012/11/meet-the-whales/all/.
82 Ramin Shokrizade, “The Top F2P Monetization Tricks”, Gamasutra, 26 jun. 2013. Disponível em:
http://www.gamasutra.com/blogs/RaminShokrizade/20130626/194933/The_Top_F2P_Monetization_Tricks.php
83 Michael Moss, “The Extraordinary Science of Addictive Junk Food”, The New York Times, 20 fev. 2013.
Disponível em: http://www.nytimes.com/2013/02/24/magazine/the-extraordinary-science-of-junk-
food.html?ref=magazine&_r=1&pagewanted=all&.
84 Chi Lee, “No, Korea, Gaming Does Not Make You a Bully”, Kokatu, 15 fev. 2012. Disponível em:
http://kotaku.com/5885248/no-korea-gaming-does-not-make-you-a-bully.
85 “Thousands of Students Addicted to Video Games, Study Says”, Deutsche Welle, 16 mar. 2009.
Disponível em: http://www.dw.de/thousands-of-students-addicted-to-video-games-study-says/a-4101062.
86 É uma conta difícil: não necessariamente as pessoas estariam fazendo algo mais produtivo, mas não
deixa de ser uma cifra interessante.
2. Virtualmente real
“A presença física não é substituível. É a lei não escrita pelos pais da ciência, nem relembrada
em palestras ou na revisão do cursinho, provavelmente porque não pensaram que um dia iríamos
desafiá-la tão descaradamente.”
Camilla Costa87
O espaço
Há 20 anos, a internet era uma curiosidade científica. Em 2002, menos de 10%
da população tinha acesso à rede no Brasil, seja no trabalho, em casa ou em lan-
houses. Era algo estranho e para pouca gente, e é interessante ver os termos que
a grande imprensa usou neste período inicial, nas reportagens sobre a rede. Elas
mostram o quanto se acreditava que da “tela do computador para dentro” se
tratava de um mundo à parte. O adjetivo “virtual” era usado para tudo,
especialmente para os “amigos” (sempre entre aspas) com quem interagíamos só
pela interface do computador. O termo mais usado para dizer que usávamos a
internet era “navegar”, como se fosse um mundo aberto, inexplorado, onde era
difícil ter um destino certo. O termo para o explorador deste outro mundo,
“internauta” – que infelizmente ainda não foi totalmente abandonado –, também
mostrava o aspecto estrangeiro, ou extraterrestre, da experiência: eram os
astronautas do mouse e do teclado no “cyberespaço”. O Second Life92, este, sim,
uma espécie de mundo paralelo, meio jogo, meio sala de chat com bonequinhos,
ganhou capas de revistas no início de 2007 justamente porque cumpria essa
profecia da vida paralela e interessava quem acompanhava a internet como
curiosidade científica.
É incrível como essa percepção mudou em tão pouco tempo. Os termos que
usamos hoje mostram que a distinção entre os dois “mundos” está sucumbindo93.
Se antes falávamos em “acessar” tal site, hoje ouve-se frases como “eu estava lá
no UOL e vi uma notícia bizarra”. As pessoas que nos “adicionam” no Facebook
são nossos “amigos”, sem o velho “virtual”, e conseguimos classificar alguém
como “gente boa” apenas pelo que ele fala no Twitter. É claro que ainda há os
mundos fantásticos dos jogos online, mas é mais comum hoje tratarmos os
espaços da internet como extensões da nossa vida, sem distinções estanques.
Onde você ”está” é onde sua atenção se encontra. E a nossa atenção gosta de
estar em vários lugares.
É interessante ver também a evolução da opinião de quem escreve sobre
internet desde antes da sua abertura para o público. Um dos autores mais
conhecidos é o escritor e professor americano Howard Rheingold. Em 1993,
quando a internet não era muito mais que umas salas de chat, ele se maravilhava
com a multiculturalidade dos bate-papos online e pensava: “que tipos de cultura
emergirão quando você remover do discurso humano todos os artefatos culturais
exceto as palavras?”94 Rheingold era o que hoje chamamos de cyberutópicos e
não conseguia ver os possíveis problemas que as tecnologias hiperconectadas
causariam.
Em seu último livro Net Smart, de 2012, ele já traz uma visão bem mais
equilibrada e descreve um exercício que faz com seus alunos das Universidades
de Princeton e Stanford todo início de semestre. Rheingold pede para todos
fecharem os notebooks e desligarem o celular. E, depois, notarem “como você
não precisa se esforçar para fazer com que a sua mente viaje de pensamento em
pensamento”. Para o escritor, as noções de “presença” e atenção estão mudando
rapidamente, e precisamos retomar o controle: “A maneira com que nos
comunicamos hoje está alterando a forma com que as pessoas prestam atenção, o
que significa que nós temos que treinar como prestar atenção agora, para que
nós, e não nossos dispositivos, controlem a forma dessa alteração no futuro”.
Estar em um lugar fisicamente e prestar atenção alhures não é novidade. O que
a internet trouxe de diferente, ao levarmos nossa mente para outros lugares, foi a
possibilidade de interagir com pessoas que também não estão onde fisicamente
parecem estar. Nossos pensamentos voam e encontramos outros avoados com
interesses afins.
Isso não é necessariamente ruim, em princípio: o programa que uso no
trabalho para discutir as pautas e reportagens com a equipe se chama Campfire
(fogueira de acampamento, em inglês), e é onde nos reunimos muitas vezes. A
nossa fogueira permite registrar tarefas, deixar recados, trocar piadas em forma
de fotos engraçadas e, o mais importante, que as pessoas trabalhem de onde
quiserem. Essa liberdade que a tecnologia nos trouxe não pode ser
menosprezada.
Há cada vez mais empresas que permitem aos empregados “estarem” no
escritório mesmo de muito longe: basta uma conexão 3G/4G que, pronto, estou
trabalhando e tomando um ótimo café em um lugar mais arborizado. E isso faz
sentido: em várias profissões e cargos, a sua presença de fato só é exigida no
trabalho em alguns poucos momentos de reunião ou troca de ideias. Existem
algumas estratégias para fazer o trabalho remoto funcionar, mas o que importa é
que a tecnologia pode aumentar substancialmente a sua qualidade de vida,
transformando o escritório em uma paisagem mais aprazível. Em alguns casos
específicos, o impacto de ser achado em qualquer lugar revolucionou
positivamente a vida profissional: autônomos ganharam uma incrível mobilidade
com o celular. Pense no encanador que poderia perder um serviço enquanto
estava atendendo um cliente longe da sua base.
Essas tecnologias também tiveram um impacto muito grande no que podemos
chamar de espaços transitórios. No meu trabalho, muitas vezes saía do escritório
para ir a uma coletiva de imprensa longe. No meu trabalho anterior, anos antes,
quando essa situação acontecia, eu precisava voltar para a redação apenas para
escrever um texto curto e depois ir embora. Hoje, eu posso pegar um táxi e sair
do local da coletiva direto pra casa e, no caminho, acabar o meu trabalho usando
um notebook ligado pela rede 3G. Hoje, por exemplo, prefiro ir de ônibus ou
táxi para o trabalho porque é o momento que posso me atualizar em notícias e
nas demandas da redação. Quando chego ao escritório, já estou pronto.
Enquanto ainda não aprendemos a dosar, a desligar o celular na hora certa ou
delimitar qual o momento de trabalhar e de brincar, a possibilidade de estar
sempre disponível pode despertar tendências antissociais (ironicamente,
exercidas por pessoas que saem do espaço físico e se perdem em outras redes
sociais) ou workaholics: profissionais que usam celular com internet trabalham o
equivalente a seis semanas a mais por ano, de acordo com John Gallagher,
coordenador de pesquisa da empresa americana de serviços de mobilidade
iPass95.
Netiqueta
Especialmente agora que levamos a internet nos bolsos, tentar estabelecer
regras de bons costumes na web e em relação ao uso de aparelhos conectados
parece estar na moda e já vi algumas palestras sobre o assunto, que chamarei
aqui de “netiqueta”96. Falarei de dicas – e não de regras – sobre redes sociais no
próximo capítulo, mas, aqui, quando falo do uso de smartphones e afins, a
“netiqueta” basicamente é uma resposta às variantes da mesma questão: quando
é aceitável sair do espaço onde estou fisicamente e gastar tempo no meu mundo
(ou no dos outros) por meio da tecnologia?
Um exemplo de que é difícil estabelecer receitas fáceis vem do americano
Louis CK – provavelmente o mais badalado comediante americano, hoje. Ele
conta que certa vez estava segurando a mão de sua filha próximo ao colégio dela
e começou a digitar no Blackberry com a outra mão, respondendo uma
mensagem importante, e viu uma senhora lançar aquele olhar de reprovação.
Para a mulher que assistia à cena – cada vez mais comum – com um olhar de
censura, aquela era só mais uma situação na qual o pai não dava atenção total à
filha, imerso nos brinquedos tecnológicos. Mas há mais nessa história. “É por
causa desse celular que eu estou com a minha filha, ok? Era meio-dia de uma
quinta-feira, eu tinha um monte de trabalho a fazer. Mas por causa dele consegui
vê-la no dia da formatura da pré-escola, depois almoçamos e eu vi os desenhos
dela. O que você sabe para me julgar?”, esbravejou Louis.
A história foi contada em um bem-humorado comercial para a rede de TV
ABC sobre os desafios da paternidade97 e mostra como quando você tem total
controle sobre qual é a tarefa prioritária (no caso, ver a filha), a tecnologia
conectada pode ser libertadora. Muitas vezes, vale estar parcialmente em um
lugar, em standby, para aproveitar uma boa oportunidade de estar completamente
em outro – basta priorizar. Ninguém deveria recusar uma ida ao parque ou sair
com amigos simplesmente por “estar esperando um e-mail importante do
trabalho”. No último ano, à medida que fui dosando a minha conexão, por
diversas vezes eu consegui tirar uma tarde inteira longe do escritório para ficar
um tempo maior com pessoas que me visitavam – uma grande vantagem de
viver longe da sua cidade natal, aliás. Passeávamos à tarde, ou tinha um longo
almoço, e em algum momento pedia licença para “resolver coisas”, normalmente
responder dois ou três e-mails e retornar uma ligação. Não lembro de alguém ter
se incomodado.
A minha regra é o bom-senso, ou qualquer derivação da frase “esteja
totalmente no lugar onde você escolheu estar”. Mas já que, como tudo na vida, é
impossível confiar no bom senso, aos poucos aparecem regrinhas para que os
ultraconectados vivam em sociedade, tirando liberdades para aumentar a
presença – como quando uso o irônico Freedom. O Eva, um restaurante em Los
Angeles, foi notícia em 201298 por oferecer desconto aos clientes que deixassem
o celular na recepção, enquanto um outro em Vermont cobrava uma taxa de 3
dólares para quem usasse o aparelho no recinto.99 Até onde menos esperamos,
essas limitações começam a se desenhar: nas reuniões do Google, das empresas
mais conectadas do mundo, apenas um computador pode estar ligado por vez. A
ideia é que todo mundo preste atenção e que o encontro dure menos tempo.
Desde os templos até as cidades brasileiras que multam quem ouve música no
celular alto demais enquanto estão no ônibus, aos poucos os espaços públicos
criam regras, e não tenha dúvida que sinais de “proibido celular” ficarão mais
comuns até acharmos o equilíbrio, se ele vier. Mas a tecnologia – ou as empresas
que a controlam – já está contra-atacando para ficar mais “discreta”: o
smartwatch, relógio de pulso da Sony que se comunica com o celular, foi
anunciado da seguinte maneira pela revista Superinteressante: “Sabe aqueles
momentos em que você fica louco para pegar o celular, mas não pode – como
durante uma aula chata ou no meio de uma reunião?”100. Será que vai dar certo?
Professores são bons em notar quando um aluno não está olhando para a lousa, e
ele pode desconfiar que o rapaz checando o relógio a cada 20 segundos está
lendo atualizações dos amigos no Facebook. O aparelho em questão acabou não
decolando, mas o conceito de um relógio que faça a ponte para notificações do
celular de maneira mais simplificada está vivíssimo, e vários modelos devem
aparecer em 2014, puxados por um iWatch da Apple101.
É possível, então, ser mais discreto: em 2012, foi apresentado ao público o
Google Glass, que nada mais é que a tentativa de colocar uma câmera e uma
pequena telinha de smartphone sobre o olho, de maneira “discreta”, um dos
primeiros exemplos da tal “computação vestível”. A intenção dos engenheiros do
Google era fazer com que você continuasse conectado, mas não desviasse os
olhos da realidade do momento. Nos vídeos de apresentação do protótipo, o
Google Glass aparecia como a salvação para aqueles momentos cada vez mais
comuns em que, no meio de uma conversa de bar, uma pessoa baixa a cabeça
para checar uma informação (no Google, obviamente) antes de voltar para a
conversa. Com comandos de voz e uma tela na frente do olho, você continuaria
mais ou menos “presente” para os seus amigos. Ou pelo menos é assim que
Sergey Brin, cofundador da gigante de buscas e publicidade e pai do gadget, o
descreve. É uma proposição que particularmente acho bastante problemática,
mas como ela ainda não havia chegado ao grande público quando escrevi o
texto, deixo para discuti-la mais adiante, quando trato de futurologia.
No fim, não importa se o meio que você usa para driblar a limitação espacial
seja um telefone, um computador ou um relógio. A regra de ouro da “netiqueta”,
no caso de não haver bom senso, é tentar imaginar a mesma situação com
análogos analógicos. Ou, como diz o autor americano Will Schwable, aplique-se
a regra das palavras cruzadas: “no ambiente que você se encontra é ok puxar
uma revista de quebra-cabeças e fazer algumas páginas? Se sim, é ok usar um
smartphone.102” Quando estava sentado na sala de espera do dentista, era normal
até alguns anos atrás colocar a agenda em dia, ler uma revista, ou ver os
canhotos dos cheques e fazer contas. Mas imagina quão bizarro é fazer isso no
meio de uma reunião? Imagine então, quando está em aula, conversar às
gargalhadas com um colega, apontando para um vídeo passando na TV? É isso
que fazemos muitas vezes, apenas com um dispositivo mais discreto. Não
estamos lá.
É fácil, novamente, culpar exclusivamente a tecnologia pelo triste hábito de
fugir do lugar onde estamos e das pessoas que encontramos. Mas há outras
teorias concorrentes. De acordo com o educador e escritor americano Lowell
Monke, a preferência pelos smartphones é o auge de um processo que vem
acontecendo há algum tempo, de contatos cada vez mais superficiais. Lembra
quando você conhecia o vizinho, o porteiro, o padeiro e o Zé da banca? Eu, com
33 anos, mal consigo. Hoje, quando vou ao banco pagar uma conta, ao posto de
gasolina ou ao supermercado, as pessoas que ajudam, funcionam melhor quando
se comportam exatamente como máquinas. “Em uma sociedade na qual os
adultos tratam tão comumente uns aos outros mecanicamente, talvez não
devêssemos nos supreender tanto quando a nossa juventude está mais atraída por
máquinas”, afirma Monke. E quando passamos por aulas ou palestras
conversando com outras pessoas por meio do chat, o problema é da tecnologia
que possibilita isso ou do modelo de aula, “cuspe e giz”, que não mudou há
séculos?
A juventude não está mais atraída por “máquinas”, mas por interações
mediadas por elas. Em um blog brasileiro sobre smartphones popular, Ticiano
Sampaio classificou como “chatos” e intelectuais solitários os que reclamam dos
celulares que dominam a mesa de bar: “Aqui vemos outro grande benefício da
tecnologia e outra maravilha da internet móvel. Em vez de ficar analisando a
estampa da toalha ou o rótulo da cerveja, você pode simplesmente lançar mão do
seu smartphone, dar uma olhada no Pulse News e achar algum tema interessante
que acabe com a monotonia por ali. Caso aquele ambiente seja coisa sem
salvação, você pode abrir o Foursquare e ver se um pessoal mais interessante não
fez check-in no bar ao lado. Depois basta usar algum aplicativo que inicie uma
chamada falsa e sair de fininho falando que há uma emergência.”103
Todos os comentários no blog de Ticiano concordavam com a ideia dele que,
bem, soa um bocado com a “porforofobia” para mim. Admito que já usei mais
de uma vez, em um compromisso mais ou menos chato, a desculpa de estar
sendo chamado por outros lugares. Esperamos um bip, uma notificação, e “Com
licença, tenho que atender isso aqui”. Um dos primeiros aplicativos
desenvolvidos pelo Instituto Nokia de Tecnologia no Brasil, aliás, foi o
Desguiator, que prometia, justamente, simular que alguém estava te chamando
em outro lugar para “fugir de situações desagradáveis e momentos chatos.”104
A tecnologia cada vez mais nos dá ferramentas para achar que o que está
acontecendo em outro lugar é mais interessante do que está à nossa frente. E,
sim, isso pode ser verdade. Mas quando engatamos em um ciclo de ficar
trocando de lugar como quem troca de canais com o controle remoto até achar o
programa menos ruim na TV, muitas vezes perdemos de vista o que está na nossa
cara. E se pode ser interessante em uma noite, quando escapamos de uma
conversa chata, no longo prazo isso pode ter consequências bem ruins, como o
sentimento de rejeição da companhia rejeitada.
Como escrevi sobre o “vício”, precisamos saber a hora de não sair do lugar. O
cenário pode parecer apocalíptico hoje, mas se você for otimista, poderá ver
alguns indícios de que comportamentos tolerados hoje serão ridicularizados em
alguns anos, como Mark Wilson sugeriu sobre o comercial da Apple. No início
de 2012, começou-se a falar nas redes sociais sobre o phone stacking,
literalmente empilhamento de telefones. A ideia é deixar todos os telefones no
centro da mesa (normalmente em um bar) e o primeiro que se mostrar fraco e
olhar alguma notificação, paga uma prenda – um chopp ou toda a conta, para os
mais radicais. Quando surgiu, parecia um jogo de bar interessante, que não dava
(necessariamente) ressaca. Passado mais de um ano, vi que o phone stacking
acabou sendo mais comentado nas redes sociais do que efetivamente praticado.
Mas a discussão gerada mostrou que há muita gente querendo mesas com
telefones virados para baixo e pessoas olhando umas na cara das outras.
Estar no lugar
A escritora americana Susan Maushart fez um experimento de seis meses em
que limitou pesadamente a conexão na sua casa. Ela desligou desde os
computadores à TV, forçando os habitantes da casa (ela e três adolescentes, duas
meninas e um menino) a se reeducarem a viver, ao menos dentro de casa, na era
pré-internet. Ela conta os resultados no livro O Inverno da Nossa Desconexão,
que soa por vezes como um Walden atualizado. Uma das primeiras mudanças
observadas foi a qualidade e o tempo gasto nas refeições. Antes, o ato de comer
era visto pela molecada como um pit stop para ter combustível antes de voltar à
sessão de videogame ou ao Facebook. De repente, sem a perspectiva do mundo
conectado no quarto, Susan e os filhos se acostumaram a passar mais tempo
juntos, e as refeições ajudaram a reaproximá-los. “Ficávamos um tempão, sem
nenhum motivo, à mesa de jantar. Invadimos os espaços uns dos outros.
Enquanto antes correríamos cada um para o seu canto, agora encontrávamos
desculpas para ficarmos juntos e continuarmos assim. Como família, nossa
conversa ficou mais interessante e nossas discussões, mais desafiadoras, por um
simples motivo: porque tinham que ficar.”105
Nem todo mundo pode se dar ao luxo de fazer uma experiência de
desintoxicação/desconexão tão radical, mas há uma infinidade de situações em
que ao menos um pouco desse ritual é aplicável, mesmo que forçado justamente
por dar a oportunidade de fazer a pessoa repensar a necessidade de estar em
todos os lugares, eternamente disponível. Além do ritual de deixar a mente viajar
na aula inaugural, Howard Rheingold adotou outra regra nas suas aulas: apenas
cinco computadores podem ficar ligados ao mesmo tempo durante a classe. Isso
fez com que os alunos ficassem mais conscientes do tipo de uso, e se ativessem
ao essencial para dar espaço aos outros e voltar a prestar atenção na aula. Sim,
porque é muito raro estar com os amigos na rede social e na aula ao mesmo
tempo. Eu peguei o método emprestado e nas minhas palestras sobre o assunto
peço para as pessoas se desligarem do resto do mundo: não há problema em
anotar coisas no computador, desde que ele não esteja ligado na internet: somos
muito menos multitarefa do que imaginamos, como veremos adiante.
O meu ponto é que é interessante fugir do lugar, maximizar o tempo e matar o
tédio quando passamos por lugares conhecidos, transitórios e utilitários: nas
salas de espera, filas, ônibus e, sim, no banheiro.106 É claro que pode haver um
grande gênio no ônibus e eu estaria me privando de conhecer histórias
maravilhosas de taxistas se ficar no celular, mas a verdade é que há uma série de
situações em que de outra forma e em outro tempo você apenas olharia para
cima ou bateria o pé impacientemente por não ter chegado ainda ao destino. É
difícil dizer que os smartphones “pioram” as coisas nesse sentido, mas de todo
modo é sempre importante checar em volta o que estamos perdendo, os contatos
que estamos deixando de fazer, as conversas das quais ficamos de fora, quando
decidimos entrar no portal dimensional.
A conexão ininterrupta com lugares e pessoas conhecidas pode ser
empobrecedora quando efetivamente viajamos, visitamos outros lugares. Nessas
situações, sair do lugar físico é privar-se de experiências importantes, que
enriquecem quem somos – pegar um táxi em outra cidade é uma experiência
antropológica, e se ficarmos no celular temos uma chance maior de perdermos
coisas importantes. Pegue, por exemplo, a vivência de morar fora do país. O que
é “experienciar uma nova cultura” quando você leva seus amigos no bolso,
conectado o tempo todo nas redes sociais, em chats e videochamadas? A
experiência pode virar apenas um novo cenário para abastecer as fotos do perfil,
em casos extremos – e cada vez mais comuns. O aprendizado de línguas, por
exemplo, fica dificultado quando abdicamos de mudar de espaço efetivamente.
A professora Sherry Turkle, que estuda os efeitos da nossa conexão com as
máquinas há quase 30 anos, relatou uma conversa que teve com um professor de
línguas, preocupado com o fato de que seu programa de mandar as pessoas para
a Espanha estava dando menos resultado hoje. Para aprender o castelhano, é
preciso ser forçado a pensar naquela língua, estar imerso nas palavras e no
ambiente, o que é mais difícil hoje, especialmente para os mais jovens. Sherry
percebeu isso quando viu como a viagem da filha adolescente a Paris não trouxe
o mesmo efeito enriquecedor que ela imaginava, apesar do que sugeriam todas
as conversas deslumbradas com seus amigos no Facebook. “Minha Paris veio
com a emoção, a expectativa e a insegurança da desconexão de tudo que eu
conhecia. A Paris da minha filha não incluiu essa noção de estar fora do
lugar.”107
Viagens românticas, de intercâmbio, uma semana com amigos ou um retiro
têm um efeito mais importante quando nos desconectamos mais e deixamos os
estímulos do ambiente invadirem nossos sentidos, criando experiências mais
fortes e memórias mais duradouras. A adolescente que vai à praia, fica embaixo
do guarda-sol e passa o tempo todo conversando com as amigas no Facebook
apenas desperdiçou filtro solar e um espaço na sombra. Na prática, para uma
parte grande do seu cérebro, ela não saiu da frente do computador de casa.
William Powers, autor do excepcional livro O Blackberry de Hamlet, define a
situação: “Quer seja andando em uma rua de uma cidade grande ou na floresta
próxima a uma cidadezinha, se você está levando um smartphone com você, a
multidão global vai junto. Uma caminhada pode ser ainda uma experiência
bastante prazerosa, mas é qualitativamente uma experiência diferente,
simplesmente porque é mais ocupada. O ar está cheio de gente”.108
Estar em todos os lugares
Um dos aplicativos mais baixados em todos os celulares é o WhatsApp,109 que
lidera, no momento que escrevo o livro, a lista de mais vendidos tanto para o
iPhone quanto para aparelhos com Android. Ele funciona basicamente como um
substituto para o centro de mensagens do aparelho, usando a rede de dados para
enviar os chamados torpedos, em vez do serviço da operadora. Ele é
incrivelmente popular (os seus usuários enviam quase 30 bilhões de mensagens
por dia110 por três motivos: o primeiro é que nenhuma mensagem é cobrada, e
sua assinatura custa meros 2 reais por ano, fazendo-o parecer mais “econômico”;
o segundo é sobre a natureza da mensagem: muita gente acha que telefonar é
“muito íntimo”, e prefere mandar um texto para conversas rápidas; por último há
um recibo de leitura, que permite à pessoa saber se seu recado foi dado. Há a
possibilidade de organizar grupos e mandar fotos também, mas isso não é
exclusivo. Parece ótimo no papel, mas, nas minhas palestras, normalmente dadas
para usuários ávidos do programinha, o primeiro conselho prático para retomar o
controle sobre a tecnologia é eliminar o WhatsApp da vida. As pessoas se
espantam no início, mas eu já recebi alguns e-mails agradecendo pelo conselho
depois. O WhatsApp é um dos casos clássicos de como o meio altera de maneira
importante a mensagem. Ou as milhares de mensagens.
À primeira vista, não há nada tão revolucionário nele. Pessoas de outros países
já tinham o hábito de mandar centenas, ou milhares de mensagens por mês, a
custo quase zero pelo serviço, mas parece que aqui os custos arbitrários de uma
mensagem com poucos caracteres, que é negligível para a operadora, pode ter
atrasado a adoção tão maciça dos torpedos. O WhatsApp é uma evolução natural
dos aplicativos de chat em computador aos quais muitos de nós estamos
acostumados, como o Google Talk, Live Messenger (outrora conhecido como
MSN), o próprio Skype e o pai de todos eles, o ICQ. É possível usar esses
programas nos celulares também, mas além de eles gastarem muita bateria, é
preciso ter acrescentado informações de contato dos outros usuários antes. O
WhatsAspp, por outro lado, configura tudo automaticamente, pegando os
telefones da sua lista de contatos e fazendo com que todas as pessoas estejam
acessíveis a qualquer momento, “de graça”.
Mas qual seria o problema de algo assim? Os programas de chat anteriores
precisavam que a pessoa estivesse na frente do computador, tal qual o telefone
de linha, tempos atrás. Eles usam símbolos como “ocupado” ou “ausente” para
mostrar que, mesmo se estiver lá, a pessoa não quer ser perturbada. O WhatsApp
tira essa barreira, e deixa todo mundo disponível, interrompível. E com o recibo
de leitura (funcionalidade copiada posteriormente), há a notificação para o
remetente que o destinatário já leu, e consequentemente, cria uma pressão para
responder logo. Matt Buchanan, no Buzzfeed, definiu corretamente que o
simples recibo transforma um meio “postal” em um meio “conversacional”. “Em
outras palavras, quando um remetente sabe que a sua mensagem foi lida, há uma
pressão imediata sobre o destinatário para responder – de outra forma é como
um silêncio embaraçoso em qualquer outra conversa. Por que você não
respondeu?”111
Entrar nesse sistema é uma escolha pessoal, é claro, mas diz muito sobre a
nossa ânsia de querer estar junto e não perder nada, mesmo que seja para
reafirmar a nossa importância. O escritor português João Pereira Coutinho, que
diz checar o e-mail apenas logo de manhã e antes de dormir “por uma questão de
higiene mental”, vê isso como um sintoma da nossa “iDoença”: “A nossa
constante disponibilidade para os outros é apenas uma manifestação mais
profunda do nosso insuportável narcisismo. E o narcisismo, como sempre, nasce
de uma insegurança que procuramos preencher com o culto doentio do ego.
Pensamos que somos tão imprescindíveis que temos de estar presentes 24 horas
por dia na vida alheia. E vice-versa: pensamos que somos tão importantes que os
outros têm de estar permanentemente disponíveis para nós”.112
Há um paradoxo aí: queremos nos dar valor e ao mesmo tempo só começamos
a nos comunicar o tempo todo quando apareceu uma ferramenta gratuita.
“Quando todo mundo está eternamente disponível, todas as formas de contato
humano começam a parecer menos especiais e significativas. Pouco a pouco, a
própria companhia vira uma commodity, barata, facilmente tida como garantida”,
alerta William Powers. Quando você deixa de entrar em contato com uma pessoa
para economizar 3 centavos, é de se pensar: será que sua mensagem ou o seu
pedido de atenção vale tudo isso?
Seduzidos pela ideia de falar de modo ilimitado gratuitamente, os usuários
compulsivos por mensagens não pensam muito que o meio “texto escrito
rapidamente em um celular” está longe de ser ideal para uma enorme parte das
nossas conversas. É incrível como, podendo usar sem controle, as pessoas
abusam da ferramenta. O SMS e o WhatsApp são mais efetivos para iniciar
conversas, ou mesmo pequenos flertes (“está livre hoje de noite?”, “você vai à
faculdade amanhã?”) e para confirmações e avisos (“me atrasei, estou chegando
em 5 minutos” é uma mensagem pré-escrita de alguns celulares). Penso que o
uso ideal de mensagens pelo celular envolva conversas que terminem depois de
meia dúzia de respostas, não mais. Quando ela se alonga, as ineficiências do
meio começam a aparecer.
Certo dia, uma amiga que se hospedou na nossa casa e não parava de olhar
para a tela do seu Nokia, ficou longos minutos no WhatsApp com outra amiga.
Esta estava longe do computador e pediu a Bárbara que entrasse no site de uma
companhia aérea para ver uma boa passagem e comprasse para ela. Seguiu-se
uma frenética troca de mensagens:
Tem amanhã, na Gol, por R$ 259.
Que horas?
19h. E às 11h30, só que é R$ 300.
Muito caro. Tem na TAM no domingo?
Deixa eu ver.
Se não tiver, será que ônibus vai ter?
Que horas você precisa chegar no trabalho na segunda?
E por aí vai. Eu estava do lado, ajudando a procurar os preços (ela não podia
digitar sem parar e ver o site) quando me cansei e pedi pra ela usar o telefone
para falar. Era óbvio que em uma ligação todo o processo duraria bem menos
tempo. Foi a partir daí que comecei a observar quão errado muitas pessoas
usavam as mensagens de texto instantâneas e como o fim das barreiras limitantes
(estar num espaço fixo, como no caso dos chats do computador, ou o preço do
SMS) fez com que as pessoas abusassem e trocassem centavos economizados
por horas de missivas mal interpretadas e uso não otimizado do tempo. Se temos
algo para “combinar”, uma conversa que envolva mais que passar um recado e
perguntas com mais de duas respostas possíveis, a mensagem não é, nem de
perto, o meio correto. Uma colega jornalista lembrou do “dia em que parou de
usar o WhatsApp”. Ela precisava decidir onde ia jantar com os amigos. Havia
tantas opções e cada sugestão trazia um novo “porém” (Não gosto de japonês!
Fui lá na semana passada!) que conversar por telefone levou a uma resolução
muito mais rápida. É claro que o benefício de uma conversa em grupo – onde o
WhatsApp de fato tem algumas vantagens – não pode ser totalmente
desconsiderado. Mas, como em toda tecnologia, é preciso ter um uso mais
crítico. Ela está “realmente” economizando tempo e aproximando você das
coisas que gosta?
Se você não usar um serviço como esses, pode achar a questão que levanto
exagerada. Mas há, novamente, o problema do fumante passivo: mesmo que
você não use o celular assim, pode acabar sendo atingido por tabela. O problema
parece ser mais observado nos mais jovens, que – até por uma questão
econômica – se utilizam mais das mensagens pelo celular, especialmente o
WhatsApp. Ao usarem excessivamente as mensagens para comunicações que
outrora eram feitas pessoalmente ou por telefone, perdemos o treinamento da
troca de ideias “ao vivo”. O WhatsApp e as conversas por chat parecem ser “em
tempo real”, mas há sempre um pequeno intervalo em que é possível (e de certa
forma desejável) que pensemos sobre o que vamos escrever.
Há um efeito colateral claro nisso: as conversas ao telefone indiretamente nos
ajudam a treinar reações e raciocínio rápido na hora de conversar com alguém, a
ser assertivo, a verbalizar uma ideia de fácil entendimento. Nem sempre a
comunicação “simultânea” é a mais indicada, como veremos, mas não podemos
prescindir de usá-la. Há uma geração chegando ao mercado de trabalho agora e
que não teve este treinamento, de certo modo. E é cada vez mais comum ver
jovens não preparados para lidar com chefes ou professores, ou pelo menos é
uma reclamação que ouço demais de chefes mais velhos, atribuída à tal
“Geração Z”. Eu mesmo já trabalhei com estagiários de menos de 20 anos que
basicamente não conseguiam responder imediatamente em uma conversa cara a
cara e tentavam consertar com um e-mail, dando prosseguimento ao debate. É
difícil precisar uma relação de causa e consequência aqui e corro o risco de soar
como um velho saudosista de um tempo que não vivi, mas me parece que saber
falar é uma habilidade importante, que pode estar sendo deixada em segundo
plano em prol de mecanismos teoricamente mais eficientes.
Videoconferência
O mais interessante do momento em que vivemos é que ao mesmo tempo que
trocamos bilhões de mensagens curtas, e colocamos as ligações em espera, há
um interesse renovado, ainda que menos presente do que imaginavam os filmes
de ficção científica de décadas atrás, pela videochamada. Os nossos encontros
ganham mais relevância quando temos a sensação de exclusividade: um jantar a
dois ou uma conversa particular na sala do chefe são maneiras de sinalizar a
importância do interlocutor. Na comunicação mediada pela tecnologia, acontece
o mesmo: sabemos que uma conversa em um programa de chat é só mais uma
janelinha aberta no computador e um e-mail com várias pessoas copiadas pode
parecer apenas uma bronca dada em voz alta no escritório, que ouvimos sem
querer. Nós buscamos uma forma de aperfeiçoar o encontro exclusivo por meio
da tecnologia, de trazer a pessoa, cada vez mais realista, para cada vez mais
perto. Ainda temos um longo caminho até chegarmos ao teletransporte ou ao
holograma de massa,113 mas por enquanto o mais próximo que temos disso é a
videochamada.
Com apenas uma câmera para o computador ou, cada vez mais, o smartphone
ou tablet, basta se conectar pelo Skype, Facetime ou Hangouts114 que temos uma
conexão direta, normalmente particular e cheia de detalhes. A tecnologia já
existe há muitos anos e é usada em grandes empresas há mais tempo, mas só
muito recentemente ficou acessível e satisfatória para todos nós, mortais, com as
limitações técnicas sendo derrubadas: as câmeras permitem ver a outra pessoa
em alta definição e o menor custo da banda larga evita que as imagens fiquem
paradas e as vozes entrecortadas. Mas talvez o sinal de que a tecnologia veio
para ficar foi o anúncio, em 2011, que a Microsoft comprou o Skype, que tem 80
milhões de pessoas usando o seu serviço com vídeo, por US$ 8 bilhões.115
As vantagens de usar uma vídeochamada são claras: mães preferem porque
podem ver se as crias estão com a cara boa, bem de saúde, namorados para
mostrar intimidades, às vezes bem literalmente, pessoas de negócios para
apresentar documentos ou objetos ao mesmo tempo. Quanto mais entendermos a
natureza distinta da videochamada para além de uma ligação telefônica com voz,
maior serão seus benefícios.
Em uma viagem a Shenzen, na China, encontrei um executivo americano que
me contou como ele “tomava café” com a esposa, do outro lado do mundo, todos
os dias. O café da manhã dele se confundia com o jantar da amada, e eles
conversavam amenidades como se estivessem à mesa. “E se não há nada para
falar?”, perguntei. Não se diz. Não é uma ligação de “relatórios”, como a que
várias mães superprotetoras submetem às filhas que estão longe. No caso do
americano, às vezes cada um lia o jornal, comentava as notícias quando achava
algo interessante. De certa forma, não era uma chamada de telefone acrescida de
vídeo. Os “encontros” de uma hora serviam para que a pessoa “estivesse lá” e se
sentisse querida; a ausência, notada. O americano, um cinquentão, não
considerava aquilo como um substituto para o encontro real, mas um
complemento. E ao criar um certo ritual, ele valorizava a companhia.
Um dos problemas da videoconferência, com as atuais tecnologias disponíveis,
é o fato de a câmera sempre ficar um pouco acima do olhar. Não há a ilusão de
que estamos “olhando no olho” da pessoa enquanto falamos simultaneamente
com ela. Esse detalhe é tão importante para passar confiança que políticos e
apresentadores de TV usam um teleprompter para eliminar a inconveniência e
manter a ilusão de encarar o interlocutor. Eu recomendo usar essa “falha” como
vantagem. Experimente usar a videoconferência de uma forma mais “olhe pelos
meus olhos”, em vez de “olhe nos meus olhos”. Eu já executei chamadas de
suporte técnico com parentes usando o Skype e a câmera do celular. Em vez de
passar horas ao telefone pedindo para a pessoa descrever mensagens de erro ou
configurações, falo “aponta a câmera para os fios atrás da TV que eu te digo o
que está acontecendo”. Funciona muito melhor116. Quando converso com minha
irmã para ter notícias do meu sobrinho, usamos o Facetime e, em vez de apontar
para a cara dela, ela usa a câmera traseira do iPad, mostrando o menino andando
pela casa. Ela me vê e eu vejo meu sobrinho crescendo e aprontando, observo
como ele já corre, fala e o interesse que ele tem por celulares de brinquedo. Eu e
minha mãe chamamos essas ligações de Big Brother Sol (Sol é o seu iluminado
nome). Da mesma forma, quando estou em uma viagem a trabalho, mostro a
vista do apartamento em que estou para minha namorada. É uma maneira mais
elaborada de dizer “queria que você estivesse aqui”.
O importante, penso, é usar a videoconferência com parcimônia, fazer com
que o encontro mediado por câmeras não vire obrigação e que tenha algo
especial. A obrigação de aparecer na tela é tão incômoda para algumas pessoas
que, atenta às reclamações, a Apple incluiu o “Facetime Audio”, em sua grande
atualização do sistema no fim de 2013: a melhoria apresentada para a
videochamada seria a possibilidade de colocar só o áudio. Faz sentido. Eu
conheço mais de um caso em que casais distantes mantiveram “encontros” pelo
Skype quase religiosamente, mas o artifício mais atrapalhou que ajudou a
relação. A explicação do fenômeno foi bem argumentada pelo escritor americano
Mickey Rapkin, que em um artigo para a revista GQ disse quão frustrante era
tentar conversar com seu namorado todos os dias pelo Skype. “Talvez os deuses
da internet estivessem tentando nos alertar. Porque o que esta tecnologia
realmente oferece é uma intimidade falsa: é a percepção de intimidade com a
ressaca adicional que vem com o sentimento de acordar em uma cama queen-
size ao lado de um laptop. Ver o outro toda noite – mas não ser capaz de tocá-lo
– é a própria forma de punição.”
O espaço sagrado
Nunca tivemos tantas oportunidades e ferramentas para estar em contato com
todo o mundo, multiplicar a nossa presença em vários espaços e simular um
contato mais direto com as pessoas queridas. Ao mesmo tempo, parece faltar ar e
espaço, físico até, onde possamos ficar efetivamente sozinhos.
Durante esses dois anos de pesquisas, conversei com muita gente
extremamente conectada, de blogueiros famosos a empreendedores do Vale do
Silício. Inevitavelmente, essas pessoas admitiam que estavam em um ritmo
“louco demais” e, quando lhes perguntava quando e onde elas tinham as grandes
ideias no meio de tanta coisa acontecendo, ouvia a mesma resposta seguidas
vezes: “no banho”. Não apenas os momentos “eureca”, mas soluções para
problemas no trabalho, questões de relacionamento conjugal ou mesmo o
momento em que alguém quis mudar de cidade: as questões que matutamos
aparecem entre o xampu e o condicionador. O conforto do chuveiro parecia ter
algum poder mágico e, pesquisando online, vi que isso é aparentemente bem
comum, a ponto de uma empresa chamada “Aqua Notes” criar com algum
sucesso um bloco de notas à prova d’água para que “as grandes ideias não se
esvaiam pelo ralo”.
Busquei alguma explicação científica para o fenômeno e de fato ela existe117:
há o barulho constante do chuveiro, que de certa forma anula os sons externos,
há a temperatura relaxante, a própria auto-massagem e o fato de que o banho,
normalmente matinal, é em si um ritual que substitui para muitos a meditação.
Mas o elemento mais importante – e óbvio – é que o banho é um momento em
que estamos normalmente sozinhos, sem interrupção de qualquer pessoa e sem
telas em volta. Muito se fala em como a tecnologia isola as pessoas umas das
outras, mas pouca atenção se dá ao fato de, ao usarmos “dispositivos de
interrupção constante”, escolhermos dar menos tempo para nós mesmos.
Ao pularmos de uma tarefa para outra, ao excluirmos o tédio, ao estarmos
sempre em algum outro lugar, junto da multidão que nos acompanha,
eliminamos o tempo para ficarmos com os nossos próprios pensamentos, em
tentar criar sentido para o que está na nossa cabeça e deixar as grandes ideias
fluírem, com ou sem ajuda da água quente. Procure descobrir qual é o gatilho
para o seu “tempo de qualidade” e dê a devida importância, trate como algo
sagrado. Para mim, além do banho, sempre tive outros dois momentos
ritualísticos de reflexão mais ou menos desconectada que me ajudaram, por
exemplo, a ter os insights necessários para formular este livro. Enquanto não
desenvolvo o hábito de meditar – uma eterna resolução de ano-novo que nunca
se concretiza –, as corridas na esteira e, acredite, longas viagens de avião me
ajudam neste momento.
Nos últimos anos, por causa do trabalho, eu viajei bastante e usei imensamente
o tempo a bordo do avião. Como foram muitos roteiros internacionais, pude
pensar longamente, naqueles intermináveis estados de consciência em que
queremos dormir mas não conseguimos, por causa da cadeira desconfortável ou
porque nosso relógio biológico diz que não. Mesmo com os gadgets ligados,
podia ler profundamente, jogar e me distrair no iPad, ouvir músicas apenas em
modo monotarefa, prestando atenção nas canções, e escrever bastante.
Pensamentos profundos e decisões importantes vieram também enquanto
corria na esteira. Eu honestamente prefiro correr ao ar livre, mas na esteira,
talvez por ficar no mesmo lugar, com a mesma paisagem e basicamente no
mesmo ritmo, entro em uma espécie de transe e minha mente vai longe.
Correndo também estou conectado aos meus aparelhos de sempre, mas de outra
forma: apenas ouvindo música e contabilizando a distância percorrida e as
calorias gastas.
O banho, as viagens e a corrida são os meus três momentos de solitude. Cada
pessoa tem momentos parecidos, ainda que em rituais diferentes. É importante
que eles sejam preservados. Se depender da indústria da tecnologia, haverá cada
vez menos desses lugares e situações em que você fica alheio à conexão. Os
meus dois rituais, por exemplo, estão “ameaçados”.
Uma tendência no extremamente competitivo mercado das companhias aéreas
é oferecer como diferencial a conexão wi-fi para os passageiros dos seus voos.
Por sorte, eu já tinha me habituado ao momento de descompressão internética e
o preço ainda era alto demais para eu sequer pensar na hipótese. E, como diz
William Powers, em O Blackberry de Hamlet, “se houver uma taxa pelo serviço,
economize seu dinheiro. Você terá uma atração bem mais valiosa – distância da
sua própria hiperconectividade – de graça”. Mas não se engane: a tentação será
cada vez maior.
E não pense que o ritual de correr será algo imune à tecnologia só porque você
não pode ver a tela do seu smartphone. Pouco antes do Smart Watch, da Sony, a
Motorola lançou o Motoactv, que, além de monitorar os exercícios, também
conversava com o telefone. Na coletiva de imprensa para o lançamento do
produto à qual eu fui, um vídeo mostrava um desses executivos bem apessoados
correndo próximo a um lago, ouvindo uma música quando era interrompido por
uma mensagem de uma nova postagem no Facebook. Depois, ele parava, olhava
para a telinha e via que tinha uma mensagem sobre um compromisso no
escritório, que poderia ser lida para ele (para que a corrida não fosse
interrompida). Como em todo comercial, ele parecia feliz por “nunca se
desconectar”. Eu olhava e me perguntava como isso poderia ser uma
“vantagem”.
Até o banho pode deixar de virar um momento sagrado de espaço inviolável.
No Mobile World Congress 2012, o grande evento sobre dispositivos móveis que
acontece todo ano em Barcelona, a japonesa Panasonic apresentou um
smartphone à prova d’água. No estande da fabricante, a simpática atendente
demonstrava para quem quisesse ver como o aparelho, dentro de um aquário,
recebia chamadas. No cada vez mais competitivo mercado de celulares, é o que a
japonesa tinha a oferecer de diferente. Seria de fato uma vantagem? No dia
seguinte ao lançamento, um colunista do jornal catalão La Vanguardia escreveu
um artigo revoltado, prevendo como as suas idas à praia seriam arruinadas.
Eu não dirijo todo dia, mas reconheço que para muitos o carro pode ser um
bom espaço isolado para pensar na vida, já que andamos normalmente por
caminhos conhecidos e lentamente, por causa do trânsito cada vez pior. O
isolamento que isso provocaria também está em xeque, se depender de recentes
avanços das redes sociais e da indústria automobilística. O aplicativo para
smartphones Waze, que pegou no Brasil por ser uma ferramenta que bêbados
poderiam consultar para não serem flagrados em blitzen, dá pontos e distintivos
para quem conversa no trânsito com motoristas próximos ou deixa dicas de
congestionamento – supomos – enquanto estão dirigindo. Quando o Google
comprou o Waze em 2013 por 1,3 bilhão de dólares, um dos motivos apontados
foi a “expertise em engajamento social”118. Usamos o Google para nos
comunicar com outras pessoas o tempo todo. Faltava fazê-lo enquanto dirigimos.
Depois de colocar botões para atender o celular na direção, as montadoras
estão indo um pouco além: o sistema Fiat Social Drive, lançado em 2012 para
alguns carros da empresa italiana, lê as atualizações dos seus principais amigos
no Facebook. Não está claro se isso será uma tendência, em primeiro lugar
porque leva-se muito mais tempo para ouvir algo do que ler. E porque os
consumidores não parecem tão interessados: três em cada quatro donos de carros
acham que a conectividade dentro dos automóveis distrai muito e 55% acham
que as montadoras levaram a tecnologia longe demais119. Ainda estamos em
busca do ponto de equilíbrio e a indústria que permite conexões ainda parece não
ter amadurecido a ponto de colocar um análogo ao “se beber, não dirija” no fim
dos seus comerciais. Como já discutimos, é difícil imaginar o governo exigindo
algo do tipo.
O meu ponto é que a indústria das tecnologias conectadas quer, obviamente,
que você não se desconecte. “Os vendedores de tecnologia não estão forçando
qualquer um a comprar as suas máquinas. Nós concordamos com a noção de que
os melhores dispositivos são aqueles que oferecem a maior conexão e nós
endossamos isso com nossas carteiras. Na realidade, nós estamos projetando
nosso futuro tecnológico, forçando para tornar nossa vida ainda mais ocupada e
difícil de navegar do que é hoje”, alerta Powers.
O autor de Blackberry de Hamlet não só criou rituais de desconexão (na sexta-
feira de noite e até segunda de manhã, ele tira o modem da banda larga da
tomada), como criou um espaço “offline”. Powers afirma que toda a arquitetura
doméstica tem que ser pensada com diferentes zonas de conexão familiar e
privacidade em mente. “Toda casa deveria ter ao menos uma “zona Walden”, um
aposento onde nenhuma tela de qualquer tipo fosse permitida”, descreve em seu
livro. Mas e o sinal wi-fi? “Assim como para Thoreau (que vivia bem próximo a
uma cidade), o sentido de uma zona é usar uma ideia como limitação de
comportamento. Para uma zona Walden funcionar, você primeiro precisa
acreditar que é uma boa ideia; uma vez que você consiga, é bem mais fácil
resistir à tentação. A mente coloca um muro invisível, que bloqueia um sinal
invisível. Talvez um empreendedor visionário com um olhar para o futuro
Thoreauviano pensará em um dispositivo que embaralhe sinais sem fio em um
espaço designado”.
O momento de privacidade, desconexão e relaxamento, costumava ser no
próprio lar. Agora, nossas casas estão aparentemente vazias, mas cheias de gente
virtual, e cada vez mais precisamos buscar os momentos de solitude em viagens,
spas e aulas de ioga. Não que elas façam mal, de forma alguma, mas vale a pena
pensar em um pequeno santuário de desconexão onde moramos e estabelecer os
rituais durante os quais ficamos sozinhos com nossos pensamentos. Fica como
dever de casa do capítulo.
87 Jornalista baiana que trabalha na BBC em “Uma apostila sobre leis naturais”, escrita em O Purgatório,
um blog de crônicas. Discuti com ela a tentativa de eliminar as distâncias em uma chamada de Skype. A
conversa pode ser ouvida no iTunes, no podcast “Boas Conexões”.
89 A própria expressão “em tempo real” se popularizou com a internet. Em vez de “ao vivo”, começamos a
ver coisas como “Notícias em tempo real” como substituto de “enquanto elas acontecem”. Eu não sei como
o tempo pode não ser real, mas essa é uma longa discussão.
90 Irving Fang em “A History of Mass Communications” (1997). Focal Press. p. 86.
http://home.lu.lv/s10178/sixrevolutions.pdf
91 Em 2012, a Apple passou, em valor de mercado na Bolsa de Valores de Nova York, a Exxon Mobil, que
mantinha o trono havia décadas. A primeira faz telefones, tablets e celulares conectados. A outra dá
combustível para o transporte “tradicional”. Ainda que as ações tenham recuado depois, a mudança é
emblemática: ela mostra que o deslocamento “virtual” poderá movimentar mais dinheiro e interesse que o
físico, especialmente para os mais jovens, a ponto de uma reportagem da Atlantic dizer que “as pessoas
mais jovens não compram carros porque elas estão comprando smartphone no lugar” - Atlantic Magazine.
http://m.theatlanticcities.com/technology/2012/08/young-people-arent-buying-cars-because-theyre-buying-
smart-phones-instead/2873/
92 Curiosidade: eu comecei a escrever sobre tecnologia em tempo integral com um blog na revista
Superinteressante, no início de 2007, como espécie de enviado especial para dentro daquele mundo.
93 Há um termo para designar essa separação clara – e antiquada – entre “real” e “virtual”: dualismo digital.
Quem o cunhou foi o sociólogo americano Nathan Jungerson, que diz que ela “se origina do viés
sistemático em ver o mundo digital e físico como separados; muitas vezes como um tradeoff de soma-zero,
onde energia e tempo gasto em um é subtraído do outro”. Obviamente, a realidade é mais complexa, como
tento explicar aqui. This is digital dualism par excellence. And it is a fallacy. Disponível em:
http://owni.eu/2011/02/28/digital-dualism-versus-augmented-reality/
94 Howard Rheingold, The Virtual Community: Homesteading on the Electronic Frontier (2000), MIT
Press.
96 No Brasil, netiqueta ficou consagrado como o comportamento correto “dentro da internet”, mas acho que
podemos expandir o uso do termo para falar dos gadgets que ficam online o tempo todo.
98 http://money.cnn.com/2012/08/16/technology/restaurant-cell-phone-discount/index.html
99 Curiosamente, o primeiro restaurante a estabelecer o banimento dos celulares, pelas minhas pesquisas,
largou a prática seis meses depois. O dono viu que os usuários de smartphones registravam seus pratos e
compartilhavam as maravilhas culinárias no Instagram, ajudando na divulgação do lugar.
100 Smartwatch, relógio inteligente da Sony, anunciado na Superinteressante: seção SuperRadar, Edição
número 305, maio 2012.
101 http://exame.abril.com.br/tecnologia/iphone/noticias/apple-recruta-profissionais-para-o-iwatch-
agressivamente
103 Sobre buscar um encontro mais interessante do que você está através do celular:
http://www.droider.com.br/opiniao/ignoram-mundo-ao-redor-exageram-uso-smartphone-diz-chato.html
104 Desguiator, aplicativo para celulares Nokia: http://store.ovi.com/content/40949
105 Susan Maushart, O Inverno da Nossa Desconexão, (2011). Ed. Paz e Terra.
106 Sobre isso, há algumas regras. Jogos de celular com muita ação e mesmo mensagens e e-mails mais
importantes fazem com que o esfíncter seja contraído. E aí, uma ida rápida ao banheiro pode durar bem
mais tempo.
107 Sherry Turkle, Alone Together: why we expect more from technology and less from each other. (2011),
Basic Books.
109 Falo do WhatsApp por ser mais popular, mas o princípio é o mesmo para outros serviços populares,
como o iMessage para iPhones, o BBM, da Blackberry, e o programa de troca de mensagens para celular do
Facebook.
110 http://allthingsd.com/20130612/whatsapp-hits-record-high-in-daily-message-volume/.
111 http://www.buzzfeed.com/mattbuchanan/i-can-see-you-texting.
112 João Pereira Coutinho, Redes e Aquários. Folha de S. Paulo, 24/4/12. Disponível em:
http://www1.folha.uol.com.br/fsp/ilustrada/38861-redes-e-aquarios.shtml.
113 Já temos a tecnologia para ver outra pessoa inteira em 3D, mas é algo caríssimo por enquanto, sendo
usado apenas por grandes canais de TV e shows de rock.
114 Pais com filhos distantes podem entender pouquíssimo de tecnologia, mas rapidamente aprendem a
usar algum destes serviços. Como não exige nenhuma configuração, o Facetime, disponível em aparelhos
da Apple, tem ficado cada vez mais popular para este público-alvo.
115 O Skype também é uma maneira bastante barata de fazer chamadas de voz, apenas. Mas neste serviço,
o Voice over IP (Voip), o Skype tem vários bons concorrentes. A sua expertise é a videochamada.
116 Uma solução ainda melhor, se o problema for estritamente de PC, do tipo “filho, meus arquivos
sumiram”, é instalar algum programa de acesso remoto. Não importa onde o parente-técnico estiver, é
possível mexer nas configurações da máquina. O Lifehacker tem uma boa lista de programas:
http://lifehacker.com/399227/give-tech-support-or-grab-files-remotely-on-any-system
117 Shelley Carson, autora de “The Creative Brain”, diz que a distração (provida pelo banho) pode fornecer
“a parada necessária para você desistir da solução ineficaz.” Disponível em:
http://www.bostonglobe.com/lifestyle/health-wellness/2012/02/27/when-being-distracted-good-
thing/1AYWPlDplqluMEPrWHe5sL/story.html.
Oversharing
“O que está acontecendo, Pedro?”, é a pergunta que o Facebook faz, de tempo
em tempo, na caixinha do topo da página, em uma tradução meio dramática.128
Sempre acho que a rede está preocupada comigo. A ideia de qualquer rede social
é que você a use incessantemente, para dizer onde está, o que ocupa sua cabeça,
o que viu de legal em outros lugares da rede, o que curtiu. A quem interessa tudo
isso? Se você tem tendências narcisísticas mais pronunciadas, uma mensagem
não correspondida ou curtida entristece, e a espera pela confirmação de
recebimento dos seus espelhos é agonizante. Mas se você se considera alguém
não tão obcecado pela autoimagem, por que não se expor online? Já falo da
questão da privacidade, o grande problema das redes nessa segunda década, mas
há uma problema mais trivial do chamado oversharing: a diminuição do valor
das interações reais.
Quando era mais obcecado por fotos, subia várias para as redes sociais,
escrevia sobre os lugares no blog e tuitava curiosidades e minha atual
localização em tempo real. Viajei bastante pelo mundo nos últimos anos e
contava minuciosamente algumas histórias em relatos online. Até que um dia fui
jantar com um dos meus grandes amigos que mora em outra cidade. Ia falar
sobre o Japão, lugar que tinha me fascinado, e comecei com uma curiosidade
sobre como as aeromoças se comportavam na Air Japan. Vi que ele não estava
tão interessado – e tenho alguma confiança na minha capacidade de contar
histórias. O problema é que ele já sabia de boa parte dos meus “causos” legais, a
ponto de interromper, avisando que aquilo não era inédito. Fiquei meio
desanimado. Ele comentou, rindo: “Cara, eu te sigo no Instagram, no Facebook,
eu leio seu blog. Já sei de tudo isso aí.”
Eu dei uma risada meio sem graça, mudamos de assunto e falamos da comida.
Mas na minha cabeça não fazia sentido aquela situação. Era como se, em um
show de comédia, alguém reclamasse que já tinha visto aquilo no DVD. Por
“saber o final da piada”, o público chateado estaria se privando dos pequenos
detalhes da história contada ao vivo, de todas as nuances – e poderia até achar o
comediante em questão menos engraçado.129 Foi um pouco como eu me senti ali
com o meu amigo.
Mas o pior talvez nem sejam as nuances: quando nos expomos demais online,
a ponto de deixar de aprofundar algumas histórias, perdemos a chance de manter
conversas paralelas enriquecedoras. Se continuássemos falando do Japão,
teríamos ganchos para falar de comida, câmeras, metrô ou qualquer história. As
experiências mais significativas da vida são as mais ricas e geram as conversas
paralelas mais interessantes.
Hoje, eu mudei de estratégia. Gosto quando as redes sociais cumprem o papel
de isca para outras interações. Em vez de um álbum com 60 fotos da sua viagem
de fim de semana, experimente um breve registro de Instagram com caras felizes
e uma paisagem ao fundo: ela pode iniciar uma conversa, que pode se encerrar
nas próprias redes sociais ou se alongar em uma visita presencial. Quando as
pessoas me visitam, deixo o protetor de tela da minha TV passando as fotos da
minha última viagem (normalmente “inéditas” para quem não foi à minha casa).
Se o assunto em questão “acabar,” temos um gancho visual ali. Isso, aliás, é uma
vantagem inerente às interações presenciais. Quando conversamos online,
costumamos nos ater a um tópico. Ao vivo, começamos fazendo comentários
sobre um par de sapatos e acabamos planejando viagens para a Europa.
Se melhorar as suas conversas offline não é motivo suficiente para você
desconsiderar o oversharing, pense em outro: ninguém gosta de ver detalhes da
sua vida demasiadamente. Vários levantamentos com usuários do Facebook em
todo o mundo apontam o oversharing como um dos comportamentos mais
irritantes dos amigos.130 E os que te seguem não vão simplesmente te excluir da
rede, mas podem também não te chamar mais para o boteco. “A nossa pesquisa
descobriu que aqueles que frequentemente postam fotos no Facebook, correm o
risco de diminuir suas relações na vida real”, afirmou David Houghton, que
liderou o estudo conjunto de quatro universidades britânicas que descobriram a
correlação entre o excesso de fotos de amigos e o afastamento entre eles a médio
prazo.131
Não há muito jeito. Se você reclama demais da chuva ou posta três fotos do
seu jantar, as pessoas vão “escondê-lo” da listagem de atualizações no Facebook.
As coisas efetivamente importantes que você teria a falar se perdem com o ruído.
Um dos grandes medidores de nível de amizade é o quanto de segredos,
histórias e planos conhecemos das pessoas. Quando começamos a compartilhar
demais, diminuímos o poder e o senso de exclusividade, especialmente em
relação a quem é mais próximo. “Você tem a expectativa de que o seu parceiro
só vai dizer a você algumas das informações importantes, mas, então, você vê
que ele fala para todo mundo. Então, você se sente menos especial e única”,
explica Juwon Lee, pesquisadora da Universidade de Kansas que realizou três
pesquisas que mostraram o descontentamento dos parceiros com o oversharing.
Compartilhar demais acaba não só desvalorizando você, mas todo o sentimento
de amizade.132
O limite, é claro, é o bom senso. Os problemas da minha amiga lá do início do
capítulo vieram, em grande parte, do oversharing: da mudança repentina de
“status de relacionamento” (é algo que eu não deixo público, mesmo estando
com a mesma pessoa há anos – só acho válido mudar quando há um casamento
ou divórcio de fato) às respostas honestas e ácidas demais à pergunta do
Facebook “o que está acontecendo?”: não há motivo para levar isso a público,
porque envolvemos não apenas os amigos próximos, mas a prima distante e o
estagiário que acaba de ser adicionado. Porque nós não queremos mostrar todas
as nossas faces, para todo mundo, sempre.
A boa esquizofrenia
Nós temos algumas versões de nós mesmos. Isso é normal e não configura
esquizofrenia em um nível moderado. Eu me apresento, gesticulo, me visto e
falo de maneiras razoavelmente diferentes no trabalho, com minha namorada, ou
no Natal com meus parentes. E se a vida online é uma extensão da offline, isso
não é muito diferente nas redes sociais. Temos apenas um controle maior para
definir qual é o personagem que queremos criar e podemos ser pessoas
diferentes em lugares diferentes da rede.
No Twitter e no Tumblr, por exemplo, eu sou o jornalista que compartilha
links e citações que eu acho interessantes e que ajudam a promover a ideia deste
livro. Como sou uma figura razoavelmente pública (talvez por vaidade, gosto de
pensar assim) e tenho alguns poucos milhares de seguidores, tenho um cuidado
ridículo com o que escrevo: checo a ortografia de um nome alemão antes de
postar algo e digito um punhado de versões da mensagem de 140 caracteres até
chegar à “perfeita”. Por causa disso, tuíto em média menos de duas vezes por dia
(contra os 30 a 50 tuítes da maior parte dos meus colegas jornalistas online). No
Facebook, sou mais observador e curtidor de coisas alheias legais. Uso o
Instagram para treinar meu olhar de fotógrafo e sou tão crítico em relação a ele
que saem dali duas fotos por mês, em temporadas movimentadas. Já em alguns
jogos online, eu sou uma pessoa muito mais competitiva do que eu poderia
admitir, ou demonstrar, apesar de manter uma bizarra mania de corrigir a
gramática de adolescentes que jogam comigo.
Eu não me mostro em todos os lugares da internet. E não tenho todos os
amigos em todos os lugares. Juntar todo mundo, sempre, pode ser problemático,
assim como é colocar em um jantar de família amigos do futebol e colegas de
trabalho de outro departamento. É interessante separar os ambientes, não só para
evitar a intimidade desnecessária do oversharing, mas também, e por que não?,
para expandir os nossos horizontes.
Por muito tempo na história, o grupo ao qual pertencíamos era definido por
limites físicos: era sua tribo (ou vizinhos da quadra/rua), seus pares da mesma
idade (colegas da escola), sua família. Não tínhamos a possibilidade de mudar de
grupo, e a raridade desse evento era mote de histórias nas quais nobres se
apaixonavam por plebeus, ou náufragos descobriam uma nova civilização. Em
boa parte da história humana, trabalhamos pelo coletivo, em todos os sentidos, e
a noção de individualidade, de cultivar uma personalidade própria, ficou em
segundo plano, sempre constrita pelos grupos físicos. Isso começou a mudar
muito recentemente e, desde os românticos do século 19, desafiar o destino pré-
traçado e os laços fáceis virou símbolo de rebeldia e um comportamento
desejável pela juventude. Hoje, ir atrás do sonho não é mais coisa de hippies ou
motoqueiros sem rumo. Mais do que nunca, somos instados a buscar, onde quer
que seja, o que nos realiza. A sociedade e os livros de autoajuda nos ensinam a
tentar vários relacionamentos, cidades, empregos, grupos de amigos, hobbies.
Até achar o que nos completa.
Nesse sentido, a internet é a realização de uma utopia. O cientista J.C.R.
Licklider previu a Internet em um artigo assinado com Robert W. Taylor em
1968 e intitulado “O computador como um dispositivo de comunicação”: ele
imaginou que a comunicação no futuro seria feita em uma rede de “comunidades
interativas online” mais ou menos ligadas umas as outras. Mas ele também
previu que “a vida será mais feliz para o indivíduo online, porque aquele com
quem alguém interage de maneira mais sistemática será selecionado mais pelos
interesses e objetivos em comum do que por acidentes de proximidade”. A
possibilidade de nos associarmos online com aqueles que achamos mais
interessantes resultaria em ligações mais fortes e sinceras que as relações do
“mundo real” determinadas por variáveis arbitrárias, como a proximidade física
e a classe social.133
Os “manuais” destinados aos pais hoje em dia reforçam a importância de dar
essa liberdade de experimentação, e eu me beneficiei dessa nova mentalidade.
Meus pais nunca me “vigiaram”, e quando meus amigos “naturais” não eram
suficientemente interessantes (não consegui fazer amigos no meu ensino médio e
a minha vizinhança era mais velha), encontrei abrigo no computador. Me
refugiei na música, nos videogames e no início da internet, com as salas de chat
pré-históricas e o mIRC.134
Não vou dizer que o o uso que fiz das tecnologias naquela época foi “ideal”,
mas, digamos, sobrevivi sem maiores traumas até chegar à faculdade de
jornalismo, onde encontrei minha turma definitiva. Hoje, 15 anos depois, vejo
que há bem mais possibilidades de se encontrar online, e consigo entender
melhor por que tantos jovens, especialmente, gastam tanto tempo nas redes
sociais. Não é simplesmente uma transferência do mundo de fofocas e status
para dentro da internet, mas também a experimentação de gostos, turmas e
personalidade. Uma criança que não gosta de jogar bola, uma menina que não se
interessa pela mesma boyband que as colegas de classe, um rapaz vivendo em
uma cidade pequena que tem preconceito contra a sua opção sexual, poderiam
sofrer bastante se ficassem circunscritos à sua realidade espacial, às interações
pré-escolhidas. A vida online pode ser um espaço de autodescoberta e
socialização com pessoas de interesses afins que não estão próximas em carne e
osso. E, ao contrário do que apregoam os mais pessimistas, isso é
inequivocavelmente bom.
Eu sugeri a mais de um psicólogo estudar o Fórum UOL Jogos, que era
originalmente dedicado apenas à discussão de videogames, quando apareceu no
fim dos anos 1990, e hoje é um dos dez maiores sites do gênero no mundo. O
modelo é o mesmo consagrado desde antes da internet: alguém cria um “tópico”
e os usuários comentam. Se antes a plataforma era usada apenas para criticar
jogos ou compartilhar dicas, hoje o Fórum UOL é bem mais que isso. Uma das
suas áreas mais acessadas é o “Vale-tudo”, onde dezenas de milhares de
usuários, especialmente adolescentes e jovens adultos, compartilham
experiências em semianonimato, quase sempre por trás de um pseudônimo e
uma imagem retirada de um jogo. Lá eles falam como foi a primeira vez,
reclamam de bullying, buscam apoio quando estão deprimidos, procuram como
resolver uma situação complicada com os pais, comemoram vitórias na escola e
todo tipo de coisa que você faria com uma turma comum de colégio.
Frequentemente, as pessoas do fórum se encontram offline ou em IRL (acrônimo
de in real life ou “na vida real”) e há vários casos de relacionamentos que
começaram a partir dessas interações. No Fórum UOL há até um certo
preconceito contra os rapazes mais bem apessoados, que saem pra balada e
conquistam todas as mulheres – estes são genericamente chamados de liferulers
e são barrados em muitas conversas.
Como o Fórum UOL há tantas outras comunidades que giram em torno de
interesses comuns, de videogames a maquiagem, e acabam criando um certo
grupo de apoio e amizades reais. É fácil olhar de fora apenas para o lado
negativo dos jovens, da juventude que passa tempo demais na rede, mas às vezes
é uma turma mais próxima intelectualmente – para eles, a verdadeira prisão está
muitas vezes em passar tempo com uma família que não os entende ou com
colegas com outros interesses. A vantagem desses ambientes online é que você
sabe de certa forma o que esperar e é possível medir o quanto você é um
membro interessante e efetivo daquele grupo. “World of Warcraft pode ser
melhor que muitas férias. Estas podem dar errado, o lugar pode ser ruim, etc. A
experiência do jogo online não é nova, mas familiar e segura, de certo modo. E
sempre vai satisfazer”, advoga Nick Harkaway, escritor britânico autor de Blind
Giant: Being Human in a digital World.
Harkaway está entre os otimistas e vê as amizades “online” como superiores,
de certa forma, já que você se relaciona apenas com o cérebro ou o coração do
outro. Ele só descobriu que uma pessoa com quem jogava frequentemente no
World of Warcraft era surda muito tempo depois, quando a conheceu
pessoalmente. “É claro, no contexto textual do jogo, a coisa simplesmente não
era relevante. Ali, as deficiências não são jogadas na cara”, diz em seu livro. E,
de fato, as tecnologias digitais são extremamente inclusivas nesse sentido.
Para experimentar com a construção da nossa personalidade é preciso estar
aberto e frequentar lugares diferentes na rede. E isso requer certo esforço, já que
hoje caminhamos para o fim do anonimato da internet e a padronização das
identidades – agora você não precisa criar um usuário, login e senha em vários
sites que entra, apenas conectar à conta do Facebook. Esse cenário se diferencia
bastante da internet nos seus primórdios (fóruns, listas de discussões e chats com
estranhos), como bem notou o jornalista americano Adrian Chen, que advoga
para que as pessoas “não se comportem como estranhos”: “Os espaços que
encorajam os estranhos a formar amizades duradouras estão morrendo. Fóruns e
e-mail estão sendo substituídos pelo Facebook, que é construído na premissa de
que as pessoas vão preferir povoar cuidadosamente as suas vidas online com
apenas um punhado de amigos ‘reais’ e fechar a porta para trolls, stalkers e
golpistas. Agora que a desconfiança pelos estranhos online está impregnada no
código da nossa rede social mais popular, está ficando cada vez mais improvável
que as pessoas interajam online com alguém que não seja conhecido”.
“Difícil” é longe de impossível. Quando me mudei de Brasília para São Paulo,
em 2006, conhecia, fisicamente, apenas uma pessoa. Tinha um emprego
garantido, um flat alugado e só. Pouco antes de sair da minha cidade natal,
disparei uma mensagem para uma lista de e-mails chamada BG-BR, que reúne
há anos os jogadores dos tais jogos de tabuleiro modernos – pense em War e
Banco Imobiliário, mas com temas mais interessantes e mecânicas complexas,
como em jogos de estratégia de computador. Já era membro ativo da lista havia
mais de um ano e meus esforços de socialização e dicas sobre jogos foram
recompensados: vários se candidataram a me receber. No primeiro fim de
semana estava lá, jogando com pessoas de idades e histórias totalmente
diferentes. Fiquei muito amigo de vários e até hoje sempre estou a um e-mail de
conseguir organizar uma noite de jogatina na minha casa ou com os amigos.
Há muitos equivalentes online do que costumamos fazer para expandir os
horizontes da nossa vida. Se “aqui fora” nos inscrevemos numa turma de ioga,
num grupo de corrida ou saímos para dançar com amigos, na rede podemos
experimentar com vários microgostos, como o meu amor pelas pecinhas de
tabuleiro. Mesmo que estes espaços públicos da rede estejam morrendo,135
experimente de vez em quando se aproximar de um estranho que pareça
interessante – e não precisa ser em termos de flerte. É mais fácil que seja um
amigo de amigo que você achou nos comentários de algo no Facebook ou um
seguidor no Twitter. Desbrave e exponha-se com moderação. Os bons frutos não
se encerrarão no computador.
Alguém pode argumentar que o melhor lugar para achar estranhos compatíveis
são os sites de namoro: a razão de ser destes lugares é justamente passar das
relações iniciadas online para as “consumadas” offline. Se antes eles eram
associados a gente solitária e sem traquejo social, hoje, à medida que deixamos a
noção de cyberespaço como terra estrangeira, os sites de relacionamento são
vistos como parte do jogo de conquista. “A internet tem um enorme potencial
para ajudar adultos a formarem relações românticas ricas e saudáveis, e essas
relações são um dos melhores indicativos de saúde psicológica e emocional”,
afirma Harry Reis, professor de psicologia da Universidade de Rochester, um
dos autores do estudo “Online Dating: A Critical Analysis From the Perspective
of Psychological Science”.136 Apesar de reconhecer a internet como uma “boa
opção” para iniciar relacionamentos amorosos, os pesquisadores criticam a
eficácia dos algoritmos usados por sites como Parperfeito ou Match. Esses sites
usam questionários extensos em conjunto com fórmulas matemáticas
proprietárias para indicar parceiros potenciais ao gosto do cliente. Mas eles não
parecem ter taxa de sucesso significativamente maior que outros sites com
menos tecnologias, que funcionam como casas noturnas para públicos
específicos. Aqui no Brasil há o Coroa Metade, Solteiros com Filhos e Namoro
Evangélico.
Honestamente nunca usei esses sites para além da pesquisa, mas uma coisa
que sempre me incomodou é que a foto da pessoa é sempre a informação mais
proeminente. O que é diferente da internet 1.0, das minhas salas de chat onde
primeiro você se encantava com o bom humor e inteligência de uma pessoa
antes de pedir fotos (das quais sempre desconfiávamos). Por sorte, há opção para
todos os gostos. “Nossos clientes pedem fotos toda hora, especialmente os caras,
e ficam bravos quando dizemos que não. Mas você não pode dizer nada muito
importante a partir de uma foto. Os dois elementos mais importantes de uma
relação são a química e a compatibilidade, e uma foto não vai ajudar você com
nenhuma delas. Você precisa cheirar e sentir a pessoa, viver, ou você não vai ter
uma ideia clara do que realmente importa. Além disso, as pessoas manipulam as
fotos. Pessoalmente, elas são completamente diferentes”, diz Irene LaCota,
presidente do It’s just lunch (“é só um almoço”), site de relacionamento que
esconde as fotos dos potenciais parceiros e tem como fim marcar um almoço. “O
almoço é o tempo certo. Jantar demora demais. Se ninguém tomar um drinque
depois do almoço, provavelmente tudo bem. Mas não no jantar, há muita
expectativa. É muito envolvimento para uma primeira vez”, defende.137
É possível ter amizades importantes que começam e se encerram online. Mas
elas normalmente estão circunscritas a um campo – o amigo companheiro de
jogo, o seguidor que se interessa pelas suas dicas culturais no Twitter.
Experimente andar por diversos lugares na internet e puxe algumas pessoas
“para fora” de quando em vez. Até porque é preciso guardar alguma coisa para
compartilhar cara a cara.
O preço da privacidade
Os grandes críticos da internet hoje reclamam da “falta de privacidade” como
um dos maiores, se não o maior, problema decorrente do uso indiscriminado da
rede. Mas o que é exatamente “privacidade”? A Wikipédia a define como a
“habilidade de uma pessoa em controlar a exposição e a disponibilidade de
informações acerca de si”. Se pensarmos bem, nunca tivemos esse controle. Ou
tivemos algum, por pouco tempo. O que mudou, fundamentalmente, foi o
alcance.
Há várias teorias que dizem que a privacidade como a conhecemos, nos
acostumamos e celebramos foi um acidente histórico, que durou um
relativamente breve período e beneficiou apenas os moradores das cidades
grandes. Em comunidades menores, todo mundo sabe da sua vida. Não se pula a
cerca, literalmente, sem alarmar vizinhos. Mesmo sem fotos comprometedoras
no Facebook, uma balada barulhenta promovida em uma cidadezinha é
conhecida por todos os amigos dos amigos.
Em uma cidade grande, onde mantemos relações superficiais com os vizinhos
e somos anônimos para a maior parte dos outros moradores, é possível separar os
filtros de privacidade pelos grupos de interesse, da família aos colegas de
trabalho, passando pelos amigos íntimos. Uma parcela relativamente pequena
dos nossos conhecidos já visitou a nossa casa, por exemplo, e, em um mundo
pré-internet e oversharing, as pessoas nem sabiam qual era a raça do nosso
cachorro. Quando dizemos que a privacidade é importante porque faz com que
tenhamos controle sobre o que as outras pessoas devem saber sobre nós, não
usamos isso necessariamente para esconder algo de ruim que fizemos, mas
porque as informações que produzimos sobre nós mesmos têm valores diferentes
em contextos diferentes. Então, é desejável termos privacidade no sentido de que
não queremos que o que acontece na nossa vida amorosa, por exemplo, afete as
chances de sermos contratados.
Mark Zuckerberg acha que as noções de privacidade das pessoas estão
mudando rapidamente138 e que em dez anos todos compartilharão muito mais
detalhes sobre suas vidas – preferencialmente por meio da sua rede. Ele
obviamente comemora essa tendência, mas também não é o único. Outras
pessoas de fora defendem que essa perda da privacidade não é necessariamente
ruim. O articulista Eduardo Pinheiro sugeriu que a falta de privacidade resgata
de certa forma a noção religiosa de que sempre há alguém julgando, então,
precisamos tomar cuidado com o que fazemos mesmo quando aparentemente
não há ninguém vendo. “Parece que a vida em público, o tempo todo, nos treina
exatamente para viver e refletir em público – e isso é bom exatamente para a
vida em público, onde quer que ocorra. Para falar (ou ao menos escrever) e ouvir
em público melhor, e para, de forma muito importante, refletir sobre nossas
ações, isso parece ser, falando darwinisticamente, uma ótima ‘pressão
adaptativa’. Nos nossos primeiros erros, o feedback é tão imediato, e às vezes
tão intenso, que necessariamente desenvolvemos mecanismos que depuram
nossos processos de relação e o que escolhemos divulgar em público.”139
Por essa lógica, é interessante, “darwinisticamente” falando, que pessoas
sejam presas quando pedem para entregar maconha no trabalho140 ou sejam
processadas quando fazem comentários racistas no Twitter.141 São bastante
comuns os casos em que alguém é demitido por uma besteira que falou nas redes
sociais. Ou, em situações menos extremas, brigas generalizadas com pessoas que
nem são tão próximas, como da minha amiga do início do capítulo. O Facebook
já é citado em um terço dos casos de divórcio nos EUA,142 mas na verdade tudo
isso acontece porque as pessoas deixam muitos indícios de seus comportamentos
comprometedores – de flertes a “curtidas” em fotos de ex-casos e pensamentos
inapropriados que outrora eram guardados para consumo interno. Esses
problemas decorrem do fato de que a maior parte das pessoas que interage nas
redes sociais, por ignorância ou descuido, não controla com mão firme com
quem cada informação é compartilhada. Nem todo mundo se acostumou com a
memória perfeita e ao mesmo tempo seletiva da rede, como falaremos depois.
Sabemos que não podemos fugir completamente dos olhos das agências de
espionagem internacionais. Mas como se esconder em um mundo tão conectado?
A resposta simples: compartilhando menos. A mais complexa: escolhendo
criteriosamente com quem você compartilha as informações. Da mesma forma
que você não grita com um megafone no meio do escritório o seu desprezo pelo
chefe, você pode fazer um comentário sobre as condições de trabalho por e-mail
a um amigo em vez de direcioná-los a 400 seguidores no Twitter.
Antes de entrarmos nos detalhes de como e por que controlar melhor sua
privacidade, vamos entender por que as empresas de internet querem que você
não faça isso.
Eric Schmidt, então presidente do Google, disse no Washington Ideas Forum
em outubro de 2010 que, “com a permissão do usuário”, ele sabia “um monte
sobre os seus amigos, sobre você, sobre o que você gosta” e que no futuro
“saberemos o que você está pensando”.143 Schmidt contou isso como um grande
trunfo da tecnologia e outros engenheiros da empresa costumam dizer que o
objetivo último do Google é responder às perguntas antes que você pense em
fazê-las. Como o Google consegue essa mágica? É simples: você clicou
“aceitar” em algum “termos de uso” que descrevia todo tipo de informação à
qual a empresa em questão teria acesso. Se você é um usuário comum de
internet, o Google sabe todos os sites que você visitou, as buscas que fez, os
vídeos que assistiu no Youtube, para quem mandou e-mails, as mensagens deles,
o conteúdo das conversas por chat, onde você tirou as fotos que subiu para o
Google+, quem estava com você nas fotos e onde você anda. A coisa não é
muito diferente – em alguns casos até pior – do que com o Facebook. Ele sabe
de detalhes que poderiam causar problemas a qualquer pessoa como, por
exemplo, quanto tempo você gastou vendo fotos da amiga da sua colega de
trabalho.
Obviamente nós não pensamos nos riscos inerentes ao publicar cada uma
dessas informações. Nós confiamos quase que cegamente que elas não cairão em
mãos erradas por dois motivos: o primeiro é que não há registro, até agora, de
que essas informações foram usadas para o mal por essas empresas. Ninguém
perdeu um emprego porque as correspondências do Yahoo! viraram públicas.
Quando falamos que “o Google” sabe disso, não falamos que as pessoas que
trabalham lá dentro ficam xeretando nossos e-mails e buscas, considerando o que
fazer com aquelas informações – praticamente não há possibilidade de elas
vazarem, e nem há contato delas com humanos, tudo é automatizado por
algoritmos. Na prática, parece que estamos guardando tudo em um cofre (o que é
um pouco problemático, mas isso é outra questão). O fato de o cofre estar fora
do Brasil coloca em discussão a questão da soberania nacional, que finalmente
começou a ser discutida.
O segundo motivo de assinarmos todos esses termos de uso que dão bastante
acesso aos nossos dados é a conveniência. Deixamos o Google saber onde
estamos porque quando procurarmos “farmácia” no smartphone, ele vai apontar
para a mais próxima. Ele sabe que, quando busco por “Rafinha” no Google, eu
quero saber do jogador do Bayern de Munique porque acabei de ver um vídeo de
um gol dele no Youtube, e por isso ele não vai oferecer o perfil de Rafinha
Bastos no topo da busca, poupando alguns microssegundos. Quanto mais
privacidade concedemos aos algoritmos do Google, do Facebook, da Microsoft e
da Apple, menos tempo a tecnologia gastará interpretando o que a gente quer
dela – ela nos conhece intimamente. O Google Now, talvez o mais brilhante
exemplo de “presciência” que temos no momento em que escrevo, transforma
um e-mail de confirmação de check-in de uma companhia aérea em um legítimo
cartão de embarque, que aparece na tela do smartphone na hora certa e pode ser
usado para embarcar em alguns aeroportos.
A verdade inconveniente é que toda essa privacidade que cedemos a essas
grandes empresas traz uma infinidade de coisas “legais”, de graça. Cerca de 96%
de todo o faturamento do Google144 vem da publicidade e, para crescer esse
valor, ele tem que vender mais publicidade específica – e ela usa produtos
gratuitos para ajudar no processo. Em 2004, seis anos depois de lançar seu
buscador (curiosamente no dia 1º de abril), o Google revolucionou o e-mail pela
internet ao lançar o Gmail. O Hotmail e o Yahoo, os dominantes, tinham 4 MB e
6 MB disponíveis para seus usuários, o que forçava faxinas e backups frequentes
de e-mail – lembro quando apaguei dezenas de e-mails que troquei com uma ex-
namorada não para começar uma nova vida, mas para poder receber novas
mensagens. Os concorrentes, pagos, chegavam a 50 ou 100 MB, no máximo. O
e-mail do Google estreou com 1 GB, buscas e outras facilidades. De graça. A
ideia era que você nunca mais precisasse apagar mensagens, já que a capacidade
de armazenamento subiria a cada segundo.
Havia, é claro, um desejo legítimo dos engenheiros da empresa em oferecer
um produto revolucionário, que avançasse a tecnologia. Mas ele tinha de se
pagar, e havia um plano de negócios: o Google, com o consentimento do usuário,
escaneia o conteúdo da mensagem e mostra pequenos anúncios contextualizados.
Repare que depois de algumas trocas de mensagens sobre uma viagem futura,
provavelmente aparecerão links para promoções de companhias aéreas, às vezes
para o seu destino. Isso faz com que os anúncios sejam mais valiosos para os
anunciantes, já que a chamada taxa de conversão (anúncios publicados versus
compras ou cliques a partir dele) é bem mais alta do que, digamos, um anúncio
em uma grande revista.145
A cada nova funcionalidade gratuita que ganhamos nas redes sociais, levamos
de brinde anúncios mais sofisticados. No Facebook, por exemplo, se um amigo
seu algum dia “curtiu” uma marca de calçados, você poderá ver na sua timeline
uma foto dele junto do anúncio de um novo produto. Tudo automatizado, como
se o seu amigo estivesse endossando aquilo – algo muito mais efetivo do que
uma celebridade qualquer. Cada clique que damos na internet, link que abrimos
em outra página, imagem que curtimos, é uma migalha digital para os
publicitários. O nível de engenhosidade é cada vez mais incrível: quando você
entra em um site como o de um grande jornal, em menos de um segundo seus
dados são enviados para pelo menos dez empresas de publicidade diferentes,146
que oferecerão anúncios cada vez mais eficazes (para eles), às vezes em outro
site, em outro dia.
Há muito dinheiro envolvido nisso. Jeff Hammerbacker, um dos primeiros
funcionários do Facebook, que saiu da empresa em 2008 por discordar da lógica
de direcionar tudo a anúncios, disse à Businessweek: “As melhores mentes da
minha geração estão pensando em como fazer as pessoas clicarem em
anúncios”.147 Uma enorme parte das startups do Vale do Silício funcionam
oferecendo produtos gratuitos, bancados por publicidade, e gênios precoces da
matemática e computação são contratados a todo momento para dar sentido
(econômico) aos nossos dados.
Não estou seguro de que este contrato que temos hoje, de prover informações
pessoais em troca de produtos gratuitos, seja um negócio justo. Eu achei
particularmente terrível o dia em que vi o meu amigo “endossando” no meu
Facebook um livro que falava de um assunto que ele detestava só porque algum
dia ele tinha curtido a editora em questão – que, por sua vez, pagou (a Mark
Zuckerberg, não ao meu amigo) para usar esses garotos-propaganda
involuntários. Sei que sou minoria, mas depois de entender como os algoritmos
funcionam, estudar a psicologia da publicidade e ler muito sobre o assunto,
ficaria feliz em mudar o contrato social e pagar um dinheiro justo para ter não só
um controle maior sobre o que as empresas sabem de mim, mas especialmente
para não ter publicidade tão direcionada. Qualquer coisa que provoque uma
compra por impulso não é, em última análise, benéfica para o consumidor já que,
como no caso dos joguinhos viciantes, explora as fraquezas do nosso
subconsciente. Gostaria muito de poder navegar por uma rede com bem menos
publicidade, da mesma forma que fico feliz em morar em uma cidade, São
Paulo, que decidiu não ter outdoors e grandes placas de anúncios. Isso é possível
online? Se quisermos redes mais neutras, que não coletem a informação do
usuário, teremos que nos acostumar à ideia de pagar por elas, a votar com a
carteira.148 Se não quisermos ver um anúncio de um carro antes do vídeo do
aniversário do amigo, ou a tia endossando um produto que sequer experimentou,
precisamos mudar de atitude.
Eu comecei a fazer isso recentemente. Por exemplo: em vez de usar o Youtube
para vídeos e o Facebook para fotos, eu pago cerca de 50 reais por ano para o
Vimeo e cerca de 2 dólares por mês para o Flickr. Além da qualidade do serviço
ser ligeiramente melhor (e o espaço ilimitado), não há publicidade e eu tenho um
controle maior sobre quem pode ver. Ainda há muito que se discutir sobre a
“commoditização” das amizades na era das redes sociais e a lógica de achar que
tudo tem de ser gratuito – volto a isso adiante –, mas o debate já começou. Em
um artigo para a revista Atlantic, Jathan Sadowski discutiu os contras de um
novo aplicativo do Facebook (ainda em fase de projeto enquanto escrevo) que
precisaria de informações mais detalhadas sobre a localização do usuário:149
“Você pode pensar que é uma boa ideia consensualmente liberar informação
em troca de cupons e promoções personalizadas, ou para avisar os amigos onde
está. Mas o consumo tradicional – de olhar vitrines e comprar coisas – e o tempo
solitário, quieto, são ambos peças importantes de como nos definimos a nós
mesmos. Se a maneira como fazemos isso começa a ficar sujeita a um
monitoramento sempre presente, isso pode, ainda que inconscientemente, mudar
nossos comportamentos e a percepção sobre nós mesmos. Nós temos que decidir
se realmente queremos viver em uma sociedade que trata cada ação como um
dado a ser analisado e negociado como moeda.”
A escritor inglesa Zadie Smith, por ocasião do lançamento do filme A Rede
Social, definiu o problema de maneira elegante: “Quando uma pessoa se
transforma numa série de dados num website como o Facebook, tudo nela fica
menor: a personalidade individual, as amizades, a linguagem, a sensibilidade. De
certo modo, não deixa de ser uma forma de transcendência: perdemos nosso
corpo, nossos sentimentos contraditórios, nossos desejos, nossos medos”.150
Será que sabemos o que estamos realmente dando em troca para termos
comodidades gratuitas? Será que realmente vale a pena? Não acho que temos
uma resposta definitiva para essa questão e espero aqui apenas dar mais gás ao
debate. Mas, independentemente da sua posição sobre ceder mais informações
para as empresas em troca de comodidades ou começar a pagar por elas, é
importante saber como controlar o que o mundo sabe – abertamente – sobre
você.
Controlando o fluxo
Online, o bom e velho e-mail continua sendo a maneira mais segura de
compartilhar com um número finito de pessoas as informações mais delicadas ou
mensagens mais pessoais. Não que as outras redes não garantam privacidade
semelhante ao e-mail: Twitter, Instagram, Google Plus, Facebook e WhatsApp
têm a possibilidade de esconder dos olhos do público em geral o que queremos
que chegue a um círculo restrito. Pela facilidade da interface, pode ser melhor
permitir o acesso a um álbum de fotos no Facebook a um grupo de “melhores
amigos” do que mandar tudo por e-mail, por exemplo. O problema é que definir
os grupos, controlar o que aparece para quem, é algo não muito trivial para o
usuário médio. Não faz muito sentido querer ensinar como melhorar esse
controle em um livro, já que a interface muda significativamente a cada poucos
meses. Mas vale tirar um dia para se educar sobre os controles de privacidade
das redes que você usa diariamente. Com algum treino, é possível usar bastante
as redes sociais e mesmo assim parecer razoavelmente invisível. Alguns perfis
dos meus amigos mais ativos no Facebook, por exemplo, parecem estáticos para
uma pessoa de fora, mas eles passam o dia todo interagindo em grupos privados,
em mensagens com outras pessoas ou compartilhando álbuns de acesso restrito.
A bem da verdade, o Facebook, como empresa, não curte os usuários que não
compartilham muitas informações, já que são alvos menos atraentes para os
anúncios. Por isso, em janeiro de 2012, a rede de Zuckerberg lançou o Open
Graph, uma maneira de ligar o resto da internet ao Facebook e tornar o
compartilhamento ainda mais automático. Pelas configurações-padrão, se você
leu um artigo em um site de notícias conectado, por exemplo, o título dele
aparece para os seus amigos, e se você ouviu uma música com o aplicativo
conectado ao seu perfil, idem.151 A nota dada a um filme em um site, uma nova
conquista em um joguinho ou a compra realizada em uma Amazon da vida
também são, por padrão, transmitidas pelo mundo – e uma informação a mais
para personalizar anúncios. Para que seus amigos vejam todas essas informações
automatizadas, você precisa autorizar o Facebook a “publicar em seu nome”.
Não há nenhum benefício em fazer isso, mas esta é a opção-padrão, aquela que a
rede quer.
Justiça seja feita: apesar de ser a entidade que mais lucra com as nossas
informações pessoais, o Google também criou no seu navegador Chrome um
modo de “navegação anônima” (depois copiado pela concorrência e chamado de
“modo pornô” por alguns), em que os sites visitados não aparecem no histórico.
E com o Google Plus, a rede social concorrente do Facebook lançada em 2011, o
Google simplificou o processo de publicação direcionada, permitindo a fácil
criação de “círculos” de amigos e fazendo com que as fotos que subimos para o
serviço, por definição, permaneçam ocultas até definirmos quem pode ver. Mas,
como disse, todas essas regras mudam o tempo todo e vale sempre se manter
informado sobre como controlar o que é público.
Mesmo que o que você coloca na rede pareça inofensivo, é lícito ser um pouco
paranoico sobre o que manter visível. “Eu não acredito que a sociedade entende
o que acontece quando tudo é disponível, procurável e gravável por todo mundo
o tempo todo”, afirmou Eric Schmidt 152 (sim, tenho certa implicância com ele).
Na mesma entrevista, ele disse que “quem devia, não temia” e que acharia
normal se os jovens adultos mudassem de nome para escapar do que está
publicado na rede. A afirmação de Schmidt mostra que o tão alardeado problema
da privacidade na rede é por um lado o fruto de algo controlável pelos usuários –
o fluxo e a publicidade das informações discutidos aqui – e por outro um efeito
colateral de algo que achamos bom: a memória perfeita do Google.
Presos no passado
Precisamos reaprender a esquecer, como fazemos todos os dias, o tempo todo.
O olho humano capta o equivalente a uma imagem de alta resolução, como a
produzida por uma câmera de 15 MP, algumas dezenas de vezes por segundo.
Multiplique isso pelos 50 mil segundos de vigília por dia e acrescente todos os
sentidos, e teríamos que ter umas centenas de HDs para armazenar tudo o que se
passa em uma manhã. Mas não enlouquecemos com esse tanto de informação:
estamos o tempo todo esquecendo o que não é importante, e isso é essencial para
uma vida sadia. As raras pessoas diagnosticadas com “memória perfeita” (a
chamada síndrome hipertiméstica), não vivem exatamente melhor que os outros,
pelo contrário. O caso mais famoso, o da americana Jill Price, mostra que saber
de todos os detalhes de todos os seus dias pode ser desesperador: “Imagine se
você conseguisse se lembrar de todos os erros que já cometeu!”159
Esquecer é bom não apenas para o cérebro ou para a nossa reputação. Mayer
argumenta que para o bom funcionamento da sociedade, é importante que
existam mecanismos de esquecimento coletivo. Decretar falência permite que
você crie um outro negócio. O divórcio, uma nova vida amorosa. Pessoas que
cometeram um crime e cumpriram a pena, começaram outra vida, sem
preconceitos, apenas mudando de cidade. Raros eram os casos em que a
informação não prescrevia de alguma forma. Isso só acontecia em regimes
autoritários. A KGB da União Soviética carimbava as fichas dos presos políticos
com um “a ser preservado para sempre”. Hoje, qualquer ação digna de nota pode
ser “preservada para sempre” na memória do Google.
E ela não precisa ser necessariamente “criminosa”. Em 2013, o ex-jogador
Ronaldo “Fenômeno” sentiu bem isso quando um vídeo editado a partir de uma
coletiva de imprensa que deu em 2011 registrou que o Brasil “não precisava de
hospitais, mas de estádios”. Naquele momento, no auge dos protestos contra a
gastança de dinheiro na Copa, a coisa pegou muito mal. Ele usou as próprias
redes sociais para se defender: “Um pessoal postou um vídeo editado com
declarações minhas sobre a Copa de dois anos atrás. Posso de fato não ter me
expressado tão bem e a edição que eu vi na internet é bastante tendenciosa. Era
outro contexto. Não é justo usar como se fosse dito essa semana”.160
Certa vez, quando ainda era editor do site de tecnologia, o dono de uma
relativamente grande empresa que vendia produtos eletrônicos na internet me
telefonou, pedindo para mudar o título de uma reportagem que havíamos
publicado dois anos antes. À época, muitos clientes reclamavam de atrasos na
entrega de mercadorias e a Receita Federal realizava uma investigação. Tudo foi
solucionado, a empresa voltou a operar normalmente, mas o maldito título
espantava potenciais compradores, que buscavam pelo nome da empresa no
Google e viam aquele resultado em destaque. Acabei mudando a matéria por
uma questão filosófica, mas outros jornais do mundo, como a Folha de S. Paulo
e o inglês The Guardian recentemente publicaram artigos explicando por que
não reescreveriam o passado ao serem confrontados com dilemas semelhantes.
“Por causa da tecnologia digital, a habilidade da sociedade de esquecer foi
suspensa, substituída pela memória perfeita”, diz Viktor Mayer. A consequência
disso é que “o futuro tem um assustador efeito no que fazemos no presente”. Em
How the Mind Forgets and Remembers (Como a mente esquece e se lembra, sem
tradução para o português), o psicólogo de Harvard Daniel Schacter diz que “as
influências presentes têm um papel muito mais importante em determinar o que
é lembrado do que os próprios fatos do passado”.
A nossa memória é imperfeita. Tendemos a lembrar mais de coisas felizes
quando estamos felizes, de coisas que confirmam o que acreditamos mais do que
as que negam. Não posso reforçar o suficiente o quanto o esquecimento tem um
papel importante nas decisões humanas. Ele nos permite generalizar e abstrair
experiências, e consolidar mudanças de pensamento depois de um longo tempo.
O fato de termos retratos perfeitos do passado sempre disponíveis – não apenas
em imagens, mas em discussões que tivemos ou opiniões que escrevemos – pode
prejudicar esse processo de reescrever a memória.
Em 2012, para dizer que eu estava me contradizendo em um artigo que
escrevi, um dos comentaristas do site apontou para um texto de 2007, no qual eu
tinha uma opinião radicalmente oposta. Eu tive que me “explicar”,
contextualizar tudo e travar um debate com os céticos porque os
conspiracionistas dos comentários (uma espécie comum da internet) achavam
que um fator externo, possivelmente o dinheiro de um anunciante, teria feito eu
mudar de ideia. Uma bobagem: amadurecer a argumentação e mudar de posição
sobre algum assunto deveria ser algo positivo, celebrado pela sociedade. Steve
Jobs costumava dizer isso – e vários produtos lançados pela Apple mostram
como o que ele achava que era o “correto” mudou com o tempo. Jeff Bezos,
CEO da Amazon, disse que “as pessoas que estavam certas boa parte do tempo
eram as pessoas que mudavam de opinião várias vezes”.161 Ele não acha que a
consistência do pensamento é algo particularmente positivo. Mas se
externalizamos a nossa opinião o tempo todo para a memória perfeita da web,
fica mais difícil de o pensamento evoluir, já que o que nos contradiz está sendo
jogado o tempo todo na nossa cara, e é mais fácil defender o que falamos do que
ter a humildade de admitir que provavelmente estávamos errados. Essa loucura
de tentar enquadrar todo mundo no passado é bastante visível nas campanhas
políticas, onde recortes e vídeos de 10, 20 anos atrás circulam para assustar o
presente. Ninguém parece ter o direito de evoluir.
Certo dia, ao procurar um inocente livro na casa da minha mãe, encontrei o
boletim de ocorrência de um grave acidente de carro no qual estive envolvido
em 1999. Fiquei dois dias mal. No dia a dia, relembro do fato pouquíssimas
vezes, já que me afastei dos gatilhos que desenterram esse e outros traumas
relativamente superados. Mas com a internet, se não tivermos cuidado, podemos
encontrá-los o tempo todo. Em outra ocasião, procurava o nome de um bar ao
qual tinha ido com a minha melhor amiga. Quando fiz a busca no meu e-mail,
dei de cara com uma gigantesca discussão que tivemos, registrada no chat (o
Gmail também armazena todos os chats do GTalk), na época que eu ainda tinha
longas discussões com as pessoas na internet. Foi como reviver com todos os
detalhes algo que eu já tinha apagado da minha cabeça. Obviamente, deletei essa
mensagem depois. Blogs pessoais que mantive em momentos difíceis também
foram sumariamente apagados, e eu espero que a minha amiga Márcia tenha
feito tudo isso a respeito do fim do seu relacionamento.
Não é necessário também uma queima de arquivo completa. Antigamente, era
comum guardar fotos e caixas de sapato com cartinhas no fundo de um armário
ou no sótão da casa. Viktor Mayer sugere que façamos algo do tipo: guarde fotos
antigas, e-mails trocados com a ex-namorada ou outros pedaços de memória
digital em um HD externo e deixe longe, para ficar levemente mais difícil de
você esbarrar em algo assim. Pode ser uma alternativa para alguns, mas de novo
a solução para o problema é simplesmente compartilhar e documentar menos,
deixar para ter as conversas importantes ao vivo, que o nosso cérebro fará um
bom trabalho em separar o que vale a pena ser lembrado e construir nosso
caráter – não precisamos sempre de todos os detalhes.
Toda essa discussão sobre as “tecnologias de esquecimento” deve ficar mais
recorrente à medida que a memória perfeita da internet fizer mais vítimas, ou
quando outros escândalos, como o do NSA, nos EUA, ou do vazamento de
dados do TRE no Serasa, no Brasil, se tornarem mais frequentes. Na Europa,
onde a preocupação com a privacidade é muito maior do que no Brasil ou nos
EUA, discute-se uma lei para aplicar uma “data de validade” nos dados que
colocamos na rede: depois de cinco anos que criarmos um álbum no Facebook,
por exemplo, receberíamos uma mensagem perguntando se ele deveria ser
apagado. A ideia é fazer as pessoas refletirem sobre o que estão guardando.
Em seu livro Code, Lawrence Lessig detalha um sistema onde o próprio
usuário poderia editar os metadados de um arquivo para dizer quem, quando e
por quanto tempo ele pode usar as suas informações pessoais. Tecnicamente, nós
temos essa possibilidade: quando alugamos um filme em uma “locadora virtual”,
o arquivo tem validade de um dia, não pode ser copiado, e depois some. O
mesmo acontece há décadas offline: alguns advogados especializados em
privacidade pregam que os dados têm de ser apagados uma vez que serviram ao
que se propunham. Da mesma forma, uma vez que a fatura do cartão ou telefone
foi cobrada e paga, por exemplo, não há motivo para manter os registros. A
esperança de que a mentalidade das pessoas comece a mudar surge com
aplicativos como o Snapchat, espécie de programa de chat em fotos para
celulares que propositadamente apaga todos os registros depois de dez segundos
de visualização. Evan Spiegel, fundador do serviço, diz que “as pessoas estão
vivendo com o peso maciço de ter de gerenciar uma versão deles mesmos. Isso
está tirando toda a diversão de se comunicar”.162
O mundo online nunca foi totalmente separado do offline, então precisamos
selecionar quem vai receber as nossas mensagens e tomar cuidado com o que
falamos publicamente – nunca saberemos o contexto em que a nossa memória
será reavivada. Criar tecnologias de esquecimento e mudar os nossos próprios
hábitos não resolvem todo o problema. Precisamos convencer as outras pessoas
a, digamos, cuidarem da própria vida.
Little Brothers
Já é difícil aprender todos os mecanismos para preservar a privacidade online e
controlar o excesso de compartilhamento nas redes sociais. Mas a tarefa fica
ainda mais difícil porque nem tudo está sob nosso controle. Os amigos, estranhos
ou desafetos podem fazer emergir coisas que não gostaríamos. Mesmo sem
querer.
A Universidade do Texas em Austin tem uma espécie de grupo de apoio para
jovens que não revelaram sua homossexualidade para o mundo. O grupo também
é um coral chamado “Queer Chorus” (algo como “coral bicha”) e como tantos
outros grupos, possui uma página no Facebook. Enquanto escrevo o livro, o
administrador de um desses grupos pode adicionar pessoas na rede social sem
que elas o autorizem previamente. E, como tanta coisa que acontece no
Facebook, se um colega de primeiro grau adicionar você ao grupo de “ex-alunos
do Perpétuo Socorro”, os seus seguidores receberão essa informação, quer você
queira ou não. Lembre-se, o Facebook quer saber e mostrar, por padrão, toda
microcoisa que acontece com você. No caso do grupo de colegas do colégio, isso
é ok. Mas para os membros do Queer Chorus, nem tanto: em um caso bastante
discutido nos EUA, a estudante Bobbi Duncan ainda não havia falado a respeito
da sua opção sexual para a família, ultraconservadora, quando o seu pai viu que
ela havia entrado no coral. Imediatamente ele ligou, deixou dezenas de
mensagens furiosas, pedindo explicações. A mesma coisa, no mesmo coral,
aconteceu com Taylor McCormick163 – ambos eram extremamente cautelosos
com as suas atualizações na rede, mas foram “saídos do armário” por uma
atualização automática do Facebook, que aconteceu por desinformação do
administrador do grupo. À época, o Facebook disse apenas que as pessoas
precisavam se informar melhor sobre as configurações.
No Brasil, um adolescente judeu virou motivo de piada quando a produtora do
seu vídeo de Bar Mitzvah publicou o clipe no Youtube, em 2012. O vídeo pode
ser considerado brega e até engraçado, da mesma forma que qualquer vídeo de
festa de 15 anos é brega quando o vemos depois de velhos, mas ele era destinado
apenas ao garoto, à família e aos amigos. O problema é que ele estava aberto em
uma rede aberta – a produtora não teve o cuidado de marcar o clipe como
privado. Um site de humor descobriu, fez piada com as montagens toscas, a
música e, pronto, o menino teve bem mais do que 15 minutos de fama. Ou,
melhor, de tiração de sarro. Que começou quase inofensiva, mas como acontece
em qualquer espaço de comentários do Youtube e dos sites que republicaram, as
pessoas que nunca haviam visto o garoto de 13 anos pareciam disputar para ver
quem fazia a piada mais ofensiva, com referências à religião. “Saudades,
Auschwitz”, “Judeu é tudo rico e tem mau gosto”, “Vai sofrer bullying o resto da
vida kkkkkkkkk”, “Cadê Hitler quando a gente precisa dele” e outras pérolas
ficaram linkadas ao vídeo que havia sido feito para celebrar um momento
importante da vida do garoto.
No dia seguinte, a produtora tirou o vídeo do Youtube, mas já havia várias
cópias, que continuaram sendo mandadas para o site. Semanas depois, a família
ganhou um processo na Justiça contra o Google (dono do Youtube), alegando
que o site seria responsável por permitir que novas versões aparecessem à revelia
do menino, que, obviamente, estava sofrendo constrangimento constante. Não
existe exatamente censura prévia, mas o Google tem tecnologia para identificar
cópias de um determinado vídeo – se eu tentar fazer o upload de um clipe que
tenha uma música protegida por direitos autorais, o Youtube consegue tirar do ar
imediatamente, ou ele mantém o vídeo sem o áudio. Mas essa tecnologia e “bom
comportamento” do Google só entraram em cena depois que o gigante levou
processos milionários das grandes gravadoras e estúdios. É preocupante que a
empresa não use com a mesma velocidade essa tecnologia para proteger pessoas
comuns, e por isso a família do menino processou o Google.
Mais preocupante ainda é ver como a maior parte do público que faz
comentários na internet ficou do lado do site que hospeda todos os vídeos
engraçados que assistimos diariamente. O argumento de defesa é o mesmo e
costuma se apoiar na analogia de que “você não pode processar a Tramontina
por alguém ter morrido esfaqueado”. Mas a coisa não é tão simples assim.
Primeiro, porque a Tramontina não lucra mais por causa dos assassinatos, e o
Youtube lucra com vídeos difamatórios e constrangedores, já que ele fornece
anúncios linkados aos clipes e ganha dinheiro em cima dos visitantes. A outra
questão é que, ainda que não possa (nem deva) fazer uma censura prévia, o
Youtube tem ferramentas para barrar esse tipo de conteúdo depois de um pedido
do usuário ou de uma decisão judicial. É claro que a responsabilidade original da
trapalhada é da produtora que deixou o vídeo público, mas é importante que
apoiemos o direito de esquecimento da pessoa atingida.
A internet ainda é vista como um faroeste e por algum motivo o direito da
“massa” sempre se sobrepõe ao individual. As pessoas querem ter o direito de
compartilhar arquivos de filmes mesmo que os estúdios não queiram, de assistir
vídeos mesmo que o personagem principal queira vê-los fora do ar, de ver fotos
íntimas encontradas em telefones de atrizes hackeadas, de fazer comentários em
sites à revelia de quem publicou o conteúdo. Qualquer movimento em contrário
é visto como “censura”.
Recentemente, aconteceu uma das maiores batalhas sobre o direito de esquecer
versus o direito de linchamento da massa nas redes sociais. O procurador-geral
do Reino Unido, Dominic Grieve, se reuniu no fim de fevereiro de 2013 com
representantes do Twitter, do Facebook e do Google para tentar achar uma
solução tecnológica que impedisse as pessoas de compartilharem fotos
identificando Jon Venables ou Robert Thompson. Eles mataram um menino de 2
anos quando tinham apenas 10 – foram os mais jovens condenados por
homicídio na história daquele país. Depois de 10 anos presos e outra década na
condicional, afastados do público, eles mudaram de nome – as suas informações
são protegidas. Mas vários britânicos continuam compartilhando fotos de sua
“real identidade” não confirmadas, que podem não só minar a capacidade de eles
recomeçarem a vida como afetar inocentes que possam ser identificados com
assassinos. Novamente, há “cyberlibertários” que dizem que isso é pura censura,
como se saber quem eles são trouxesse algo de positivo para a sociedade.
Esse tipo de comportamento, de direito ilimitado do grupo, que vira turba,
associado a um déficit de empatia dos nossos tempos, precisa ser repensado, e
cada um de nós pode ajudar com algumas pequenas ações. A rede é social, mas
alguns mandamentos ajudam (ou pelo menos me ajudaram) a manter a internet
mais pacífica: não adicione alguém a algum grupo sem consultá-lo, não marque
as fotos de outras pessoas sem o consentimento delas, não escreva relatos
envolvendo outras pessoas em ambientes públicos. Tudo pode parecer
inofensivo mas, vale repetir, o contexto define o valor da privacidade. E é
importante que a própria pessoa possa ter controle sobre sua imagem, na medida
do possível.
Ainda estamos aprendendo a lidar com todos esses dilemas e as redes sociais
são bastante novas. Posso ter soado um bocado negativo aqui na discussão da
privacidade, mas não me entendam mal: com os devidos cuidados, as redes
sociais são ótimas. Sei que dizer como cada um deve usar o Facebook ou o
Twitter é como dar dicas de como se comportar na cidade: há muitas opções,
muitos caminhos e cada pessoa encontra a felicidade de uma maneira diferente.
Mas acho que podemos concordar que estamos fazendo um uso “correto”
quando abrimos o Facebook para nos manter informados sobre as pessoas que
importam, para ter contato com coisas legais – de vídeos de gatinhos a artigos
que façam a gente mudar a nossa percepção sobre o assunto – ou para
compartilhar o que estamos fazendo, de maneira enriquecedora. Leves
massagens no ego fazem bem, mas se levarmos toda a nossa vida para dentro, de
amores a barracos de fim de relacionamento, fica mais difícil “sair” e começar
de novo. É um pouco romântico dizer isso a essa altura, mas é preciso deixar
claro: as redes sociais são realmente boas quando elas iniciam, retomam ou
reforçam as nossas vidas sociais fora das telas. Ver a foto do filho recém-nascido
de um amigo que não vemos há muito tempo é legal, mas usar as redes para
marcar uma visita a esse novo pai é certamente melhor.
120 Eu poderia ter usado o truque de Jack Cheng, que no romance These Days, lançado em 2013, não dava
nomes ao Facebook ou ao Twitter e dizia que seu personagem principal “ligava o telefone e checava a
stream” (corrente, no sentido de água, em inglês). Por mais que cada rede tenha suas particularidades, a
ideia de que sempre ligaremos e teremos uma correnteza cronológica de novidades dos amigos para ver o
que acontece parece ser uma constante.
121 http://mashable.com/2013/08/13/40-percent-americans-use-facebook-every-day/
122 Robin Dunbar, Grooming, Gossip, and the Evolution of Language (Harvard University Press, 1991)
123 Para quem não é tão versado nas redes sociais: “Timeline”, ou linha do tempo, é a listagem de
“atualizações de status”, em ordem cronológica, de seus “amigos” do Twitter. No Facebook o nome técnico
disso é “Newsfeed”, ou “Feed de Notícias” – a timeline é a linha do tempo pessoal no seu perfil. Mas como
o Twitter veio antes, é comum usar “Timeline” para as duas coisas.
124 http://online.wsj.com/article/SB10001424127887324900204578284511579301742.html
125 88% do uso do smartphone se dirige às redes sociais. Fonte: pesquisa Ipsos/Marplan/Motorola 2012
126 http://news.discovery.com/tech/dont-blame-facebook-narcissism-epidemic–110804.htm
127 Jonathan Franzen, parte da coletânea Como ficar sozinho - Companhia das Letras, 2012.
129 A bem da verdade, vários comediantes reclamam desse poder do Youtube de estragar o fim da piada.
http://www.youtube.com/watch?v=jP–9K9lXRnw
130 http://www.huffingtonpost.com/2012/09/05/oversharing_n_1857182.html
131 http://phys.org/news/2013–08-facebook-photos-relationships.html
132 “Polimentos intermináveis para alcançar o brilho social”. Em Vida Simples, setembro de 2012.
134 De certa forma, as salas do Internet relay chat podem ser consideradas as primeiras redes sociais fortes
no Brasil. Havia canais famosos, turminhas, hierarquia (os “administradores” ou OP) e os IRContros, em
que as pessoas se encontravam em carne e osso. Por não exigir conexão muito boa nem computadores
poderosos, o mIRC durou bastante tempo, e só foi ser substituído por programas de chat no início dos anos
2000.
135 Neste sentido, o Orkut tinha uma grande vantagem sobre o Facebook, já que ele permitia grupos mais
democráticos, abertos a todo mundo.
136 http://www.psychologicalscience.org/index.php/publications/journals/pspi/online-dating.html
137 Entrevista encontrada no livro Wait – the art and science of delay.
138 http://www.wired.com/business/2010/04/report-facebook-ceo-mark-zuckerberg-doesnt-believe-in-
privacy/
139 http://papodehomem.com.br/deus-esta-vivo-nas-fibras-oticas-wtf–23/
140 http://mashable.com/2013/08/15/man-fired-weed-twitter/
141 http://tecnologia.uol.com.br/noticias/redacao/2012/05/16/justica-condena-universitaria-por-preconceito-
contra-nordestinos-no-twitter.htm
142 http://blogs.smartmoney.com/advice/2012/05/21/does-facebook-wreck-marriages/
143 www.youtube.com/watch?v=CeQsPSaitL0
144 http://venturebeat.com/2012/01/29/google-advertising/
145 O Google é conhecido por ter revolucionado a maneira como buscamos a internet, mas o impacto dele
na publicidade é economicamente mais relevante até. Quando uma concessionária de carros compra um
espaço de 30 segundos no intervalo de um jornal local da TV, por exemplo, ela está gastando, digamos, R$
10 mil e a maior parte das pessoas assistindo não vai se interessar. Se ela anunciar no Google, a
concessionária consegue canalizar a atenção da pessoa exatamente no momento que o potencial comprador
está pesquisando por um modelo específico de carro – e ela só vai gastar dinheiro de publicidade quando
alguém clicar no anúncio, que tem uma produção muito mais barata que um filme para a TV, por exemplo.
146 http://www.theatlantic.com/technology/archive/2012/02/im-being-followed-how-google–151-and–104-
other-companies–151-are-tracking-me-on-the-web/253758/
147 http://www.businessweek.com/magazine/content/11_17/b4225060960537.htm
148 Há alguns programinhas para navegadores (plug-ins) que não mostram a publicidade de diversos sites.
Isso pode resolver o problema individualmente, mas não muda a lógica da rede e ainda tira o sustento mais
honesto de sites de notícias, por exemplo.
149 http://www.theatlantic.com/technology/archive/2013/02/why-does-privacy-matter-one-scholars-
answer/273521/
150 Zadie Smith, Quero ficar na Geração 1.0. Revista Piauí, fevereiro/2011.
http://revistapiaui.estadao.com.br/edicao–53/megabytes/quero-ficar-na-geracao–10
151 É interessante como a ficção que as pessoas criam sobre elas mesmas nas redes sociais (normalmente
mais cultas que efetivamente são) pode ser traída pelos mecanismos que registram nossa atividade no
computador. O last.fm, por exemplo, que marca quantas vezes ouvimos cada música, permite que você
apague do seu histórico canções desabonadoras. Vendo a lista de músicas mais apagadas - que pode ser
acessada em http://playground.last.fm/unwanted -, parece que ninguém quer ser conhecido como “o cara
que ouve Lady Gaga o dia todo”.
152 http://www.telegraph.co.uk/technology/google/7951269/Young-will-have-to-change-names-to-escape-
cyber-past-warns-Googles-Eric-Schmidt.html
153 Tive um (saudável, diga-se) debate com Eduardo Pinheiro quando ele publicou o artigo sobre o aspecto
positivo da falta de privacidade, na teoria de resgate da moral comum. Meu argumento contra a tese era
justamente que o julgamento de algum deus era mais “justo” porque ele saberia de todos os detalhes. O
julgamento da sociedade não, porque ela prefere recortes de realidade.
154 http://press.princeton.edu/titles/8981.html
155 http://www.nytimes.com/2013/08/04/us/other-agencies-clamor-for-data-nsa-compiles.html?hp&_r=1&
156 http://chronicle.com/article/Why-Privacy-Matters-Even-if/127461/
157 http://abcnews.go.com/Technology/AheadoftheCurve/woman-loses-insurance-benefits-facebook-
pics/story?id=9154741
158 Michael Fertik e David Thompson, Wild West 2.0: How to Protect and Restore Your Reputation on the
Untamed Social Frontier (2010) - AMACOM
159 http://super.abril.com.br/cotidiano/mulher-nao-consegue-esquecer–447640.shtml
160 http://www.lancenet.com.br/selecao/Ronaldo-defende-afirmacao-Copa-
hospital_0_940705941.html#ixzz2bX4NBM8f
161 http://37signals.com/svn/posts/3289-some-advice-from-jeff-bezos
162 http://www.forbes.com/sites/jjcolao/2012/11/27/snapchat-the-biggest-no-revenue-mobile-app-since-
instagram/
163 http://online.wsj.com/article/SB10000872396390444165804578008740578200224.html
4. Excesso de informações
Em 1550, o escritor italiano Anton Francesco Doni reclamava que, por causa
da invenção da imprensa, havia tantos livros que era impossível sequer ler os
títulos. Edgar Allan Poe comentou em 1845: “A enorme multiplicação de livros
em todos os ramos do conhecimento é um dos grandes perigos dessa era, já que
apresenta um dos mais sérios obstáculos para a aquisição de informação
correta”. Em 1967, Caetano olhava as bancas de revista e, em Alegria, Alegria,
perguntava: “Quem lê tanta notícia”?
Desde que aprendemos a escrever, se produz muito mais informação do que é
humanamente possível consumir. Mas lendo o noticiário sobre tecnologia,
parece que um problema quase tão grande quanto o nosso vício pelas telas é a
“síndrome do excesso de informação”, a nossa tradução para o information
overload, que estampou capas e mais capas das revistas semanais, especialmente
de negócios. Ao descrever o “problema”, as pessoas usam comumente a palavra
“bombardear”, como se um avião estivesse jogando cargas explosivas de
notícias, atualizações dos nossos amigos e e-mails. Como se não conseguíssemos
desviar.
É bem verdade que hoje temos mais oportunidades para sermos expostos a
informações. Apesar da crise da mídia impressa, as bancas ainda estão cheias de
títulos, há mais livros sendo publicados por ano, os grandes portais têm cada vez
mais sites afiliados, as TVs a cabo ganham mais canais, há jornais gratuitos onde
quer que você vá e, até no metrô e no ônibus, as TVs passam o resumo das
notícias e das novelas. Isso tudo sem contar a internet e as redes sociais.
Ainda assim, como várias moléstias deste início de século, a síndrome de
excesso de informação não existe. Não era um problema no século 16 e continua
não sendo hoje, a não ser que queiramos. Porque o consumo de informações
ainda é – ou deveria ser – um processo “ativo”. As pessoas mais velhas
costumam reclamar que ligam a TV e são “bombardeadas” com “sem-
vergonhices”, mas é preciso ligar a TV em um canal e horários específicos para
isso. Nós temos o controle. A espécie de “vício” por estar atualizado o tempo
todo é, na verdade, um sintoma de outros transtornos obsessivos, como tratamos
nos capítulos anteriores. Não quero livrar a cara da internet: lembre-se que ela
não é uma tecnologia neutra. De certa forma, ela ajuda a gerar a ânsia de querer
estar por dentro de todas as notícias do mundo e, ao dar um megafone para
qualquer pessoa, permite um excesso de ruído.
“Excesso de informação” não deveria ser considerado algo ruim, se você for
otimista: nunca tivemos acesso tão fácil a informações com capacidade de
melhorar nossas vidas. Fazendo um paralelo com a nutrição: também nunca
tivemos acesso a tanta comida nutritiva, de qualidade, e relativamente barata.
Mas estamos mais gordos, e revistas de dieta vendem mais a cada ano. O que
vou tratar neste capítulo é: por que o vício em informação do tipo fast-food,
gordurosa, é mais preocupante que o simples bombardeio? E, por mais que os
“sabáticos da tecnologia” ou as desconexões de e-mail sejam interessantes,
assim como qualquer nutricionista pode dizer, uma dieta de 15 dias não vai criar
muito mais que um bem-estar temporário. O importante é mudar os hábitos de
consumo.
Googlando o futuro
“Busquem e encontrarão” é um famoso versículo do livro de Mateus, na
Bíblia, e pode ser usado perfeitamente para descrever a nossa relação com a
informação na internet, para o bem e para o mal. Quase qualquer dúvida que
você tiver sobre o mundo, poderá ser respondida pelo Google ou outras
ferramentas de busca. O problema é que boa parte das pessoas não sabe como
perguntar e, mais preocupante, em que resposta confiar.
Como defendi antes, a “netiqueta”, a administração do tempo e o
gerenciamento da privacidade nas redes sociais são aspectos importantes da
alfabetização digital. Mas outro, que não vem recebendo a devida atenção, é a
necessidade de desenvolver um ceticismo sadio, o que os americanos chamam de
bullshit detector, ou detector de bobagens.
E isso é fundamental. Eu cansei (no sentido de ficar cansado e não fazer mais)
de responder e-mails ou observar atualizações no Facebook de parentes que me
encaminhavam grandes oportunidades, conspirações ou histórias maravilhosas
demais para serem verdadeiras. Eu fazia uma rápida busca e mostrava por que
exatamente aquilo não podia ser sério. Para poupar tempo de pessoas como eu,
há até alguns sites para desmascarar essas bobagens como o “e-farsas.com”, que
monitora as correntes de e-mail/Facebook do momento (normalmente recicladas)
e explica de maneira pormenorizada porque elas são falsas (ou apenas
parcialmente verdadeiras, falta contexto). Em 2013, havia explicações sobre as
seguintes correntes: “vinagre pode enganar o bafômetro”, “Nostradamus previu a
renúncia do Papa e o meteoro na Rússia” e “batom com chumbo causa câncer”.
Todas falsas, obviamente.
É preciso desenvolver uma série de ferramentas básicas para verificar a
veracidade das informações, já que o Google não faz a triagem por respostas
“mais confiáveis” ou “menos confiáveis”. Há um esforço recente para destacar
artigos fundamentais e confiáveis sobre determinados assuntos,179 mas a lógica
básica do PageRank, algoritmo que governa as buscas, é emular a medição de
influência de um artigo acadêmico, que ganha “pontos” quanto mais citações
tiver. Quanto mais sites fazem referência a determinado site ou resposta, mais
alto ele vai aparecer na busca. E muitas vezes sites como o Yahoo! Respostas,
que não atrai muitos profissionais (ou mesmo adultos) para as suas grandes
indagações, ficam lá em cima, por causa da popularidade. Por isso, vale fazer as
chamadas “buscas cruzadas” ou triangulações para verificar a veracidade da
informação. Fazer buscas pelo autor da página, ou uma busca com uma frase que
nega o resultado da anterior podem ser um caminho. Sites mal diagramados, com
fontes coloridas ou erros de português, também são um bom indicativo de que é
alguém amador produzindo informações não confiáveis.
O Google sabe que, justamente por estar tentando indexar toda a internet, ficou
cheio de lixo – separá-lo é um imenso e fundamental desafio. Alguns analistas
estimam que o total de buscas feitas diretamente no Google vem caindo desde
que ele chegou ao pico, em 2008.180 Muitas pessoas estão indo diretamente nos
sites mais confiáveis para fazer as suas buscas, como a Wikipédia, o TripAdvisor
(para informações de lugares turísticos), o Facebook ou o Twitter; no site de
Dráuzio Varela para fazer buscas médicas, no Buscapé para levantar preços, no
Reclame Aqui para verificar a reputação de uma empresa, etc. E se você busca
apenas dados – a “informação crua” –, esta é uma estratégia muitas vezes melhor
do que jogar no grande buscador.
Os dados errados encontrados na internet são inofensivos, na maior parte do
tempo, salvo algum embaraço de tias em correntes de e-mail. Mas em alguns
casos, a informação falsa pode ser bastante danosa, seja por um e-mail que na
verdade é um golpe (nenhuma instituição bancária brasileira manda e-mails com
links!) ou quando o assunto da corrente ou busca envolve nossa saúde. A internet
pode ser muito positiva para ajudar a se informar sobre doenças, a mudar a
relação com o médico para, por exemplo, buscar uma segunda opinião. Mas ela
dificilmente é um bom “ponto de partida” para um diagnóstico. “Sites
confiáveis, ligados a faculdades, ajudam a esclarecer. Já os alternativos podem
fornecer informações errôneas, e quem não conhece os termos técnicos pode
confundir uma doença com outra e transformá-la em preocupação excessiva”,
afirmou o supervisor do programa de ansiedade do Instituto de Psiquiatria da
USP Luiz Vicente de Mello à Folha de S. Paulo.181 A reportagem aponta casos
de pessoas que, depois de ficarem impressionadas e obcecadas por algum
diagnóstico errado na internet, começaram a sentir sintomas. “Há relação entre o
sistema de alergia e o de emoção. Quem é muito tenso, desenvolve sintomas
físicos, somáticos.”
O fenômeno da “cybercondria”, como foi batizada no início dos anos 2000 o
estado de hipocondria, ou falso diagnóstico, motivado por buscas na internet, foi
profundamente estudado pela Microsoft em 2008. Em uma pesquisa que
observou os hábitos de 250 mil pessoas na internet, percebeu-se que era tão
comum achar resultados de buscas ligando uma simples dor de cabeça a um
tumor no cérebro quanto à falta de cafeína, para quem é acostumado. A chance
de o caso mais grave ocorrer é infinitesimamente menor.182
Na minhas buscas por dor de cabeça no Google, em inglês ou português, um
dos primeiros resultados foi o caso de John Tonich, o menino que descobriu um
tumor no cérebro a partir de uma cefaleia. Eric Horvitz, o pesquisador
responsável pela pesquisa na Microsoft, disse que um terço das buscas sobre
doença (2% do volume total) passavam para diagnósticos mais sérios e
provavelmente errados. Ele próprio um médico, disse que a cybercondria o
lembrava da “síndrome do segundo ano”, em que estudantes de medicina
começam a ver em seus próprios organismos sinais de doenças que estão
aprendendo a diagnosticar.
O “detector de bobagens” na internet é menos ativo quanto maior é a idade da
pessoa. Na verdade, pessoas mais velhas são mais suscetíveis a golpes de
maneira geral, algo demonstrado recentemente pela neurociência. Ao se deparar
com figuras não confiáveis, o cérebro de jovens adultos apresenta uma grande
atividade na porção anterior da ínsula, que controla os instintos. Jovens sabem
que há algo errado quando batem o olho em alguma informação suspeita, e ficam
alertas. Idosos, não.183 Por isso, instituições bancárias ou o Serasa têm um
cuidado especial em monitorar golpes contra pessoas mais velhas.184
Mas não podemos jogar a culpa apenas naquele parente idoso que encaminha
correntes. Na verdade, todo mundo que navega na internet já caiu em algum tipo
de armadilha, o que pode levar a um outro problema: quando passamos de
crentes em tudo a excessivamente céticos em relação a quem não merece tanto
ceticismo. Diversas pesquisas mostram que o brasileiro está cada vez mais
desconfiado de todo tipo de informação que recebe. A porcentagem de pessoas
que acredita na imprensa, por exemplo, caiu de 71 pontos em 2009 para 60
pontos em dezembro de 2012.185 Segundo a mesma medição do Ibope,
acreditamos cada vez menos em políticos, na justiça e na igreja. Nos EUA, a
situação é semelhante: uma pesquisa realizada em 2006 apontou que apenas 32%
dos americanos afirmavam que acreditavam “na maioria das pessoas”. “Em um
mundo que sente falta de reais controladores de acesso e figuras de autoridade, e
onde a manipulação digital é tão fácil, deturpagens, teorias da conspiração, mitos
e mentiras deslavadas acabam ganhando a nossa atenção”, afirma o jornalista
Farhad Manjoo em seu livro True Enough, que investiga o sucesso das meias
verdades e completas mentiras na mídia atual, especialmente online.
Manjoo mostra que a internet permite não apenas o surgimento de opiniões
diferentes, mas de “fatos” novos. Não é difícil verificar isso: digite “o pouso na
lua foi uma farsa?” (ou variações disso) no Google e o primeiro resultado será
um site aparentemente sério, intitulado “A fraude do século”, onde uma pessoa
comum, não especialista, gasta mais de 12 mil palavras para “provar” uma
sandice há muito repetida: que a chegada do homem à lua em 1969 teria sido
uma montagem. O autor, um mineiro que trabalha com informática, diz ter
vasculhado 2.500 fotos e apresenta, com uma linguagem empolada mas sem
embasamento científico algum, dezenas de “provas” da farsa, das sombras às
pegadas dos astronautas. No Youtube, alguns dos primeiros resultados para
“pouso na lua” são versões ainda mais sofisticadas dessa teoria da conspiração.
Há centenas de exemplos de desinformação assim. Manjoo destaca as teorias
sobre o 11 de setembro, que descrevem o ataque terrorista como uma armação do
governo americano que teria envolvido a demolição das torres gêmeas, um
míssil e a encenação da queda dos outros aviões – alegações minuciosamente
desconstruídas por cientistas, engenheiros e comissões de investigação
independentes. Isso não impediu que o “documentário” Loose Change, que
também “prova” essas teorias, atingisse mais de 4 milhões de visualizações no
Youtube apenas nos primeiros meses. Como isso pode acontecer? Manjoo diz
que um dos problemas é justamente a abundância de informações. Por exemplo:
há dezenas de filmagens que mostram o segundo avião batendo na segunda torre
do World Trade Center. Em uma delas, por causa do reflexo da luz do sol, parece
haver um objeto na parte de baixo da fuselagem. É “claramente um míssil”,
segundo Phil Jayhan, que também fez um documentário apontando a “fraude” de
11 de setembro com o auxílio de outras fotos meticulosamente selecionadas, que
provariam também, por exemplo, os efeitos especiais empregados para dar a
impressão de um incêndio maior.
É claro que, se olharmos a mesma imagem por outros ângulos, é possível
refutar a tese do míssil – e nada que contradiz a teoria está nesses
documentários, obviamente –, mas o mais interessante aqui é que Jayhan e
outros conspiracionistas têm informações e imagens dúbias o suficiente para
provar basicamente qualquer absurdo. Compare essa situação com o assassinato
de John F. Kennedy em 1963, outro evento que também ganhou algumas
interpretações controversas. A diferença, para os teóricos da conspiração, é que
daquele evento só havia uma filmagem, de um único ângulo. Se ela não foi
suficiente para refutar as teorias que desafiavam a versão oficial, tampouco foi
adequada para provar qualquer outra. À época, nenhuma dessas teorias
conspiratórias chegou ao grande público, já que os controladores do fluxo de
informação (TVs e grandes jornais) não davam crédito. Para Manjoo, o erro de
Phil Jayhan e o “míssil do avião” mostram um problema: “Imagens em demasia
também podem ser usadas para provar quase tudo. A promessa de nosso mundo,
o mundo de Youtube e do Flickr, era que centenas de fotos e vídeos seriam
analisadas em conjunto para convergir para uma única verdade. O que estamos
descobrindo é que essa convergência não é limpa. Em milhares ou milhões de
imagens feitas em qualquer evento, uma fração será inevitavelmente tão vaga
que permitirá interpretações da realidade amplamente discordantes”.186
Digite “Dilma terrorista”, “farsa nas loterias”, “título comprado do
Corinthians” ou coisas mais amenas, como o “pacto do diabo com Xuxa”, e será
possível ver textos longos, fotos, vídeos e até artigos da Wikipédia que
comprovam as teorias. O paradoxo das versões conspiracionistas é que, ao
acreditarmos nelas, estamos aceitando a hipótese de que a maior parte da mídia
(e as outras pessoas) está nos enganando. É importante ter um detector de
bobagens, sim, mas ao mesmo tempo temos que desconfiar de quem desconfia
demais, especialmente quando as fontes são sérias. “Nada na sociedade funciona
sem confiança. Comunidades, comércio, democracia – tudo, na verdade, requer
que as pessoas confiem umas nas outras”, explica o especialista em segurança
americano Bruce Schneier.187
Na mesma linha, Ken Light, um premiado fotojornalista, diz que o real
problema em viver na era do Photoshop (o popular programa usado para
modificar imagens) não é a proliferação de fotos mentirosas. “Ao contrário, é
que as fotos verdadeiras serão ignoradas por serem manipuladas. Quando toda
foto é suspeita, todas são dispensáveis, e o poder de crítica único das imagens
perderá seu valor.”188
Na internet, há tanta informação, e de tantas fontes, que você pode ser cínico e
não acreditar em nada, ou escolher cuidadosamente a quem dar a sua confiança.
E isso pode ser tanto causa quanto consequência de um gigantesco problema.
A bolha assassina
A queda da audiência do Jornal Nacional, da Globo, de quase 80% das TVs
ligadas nos anos 1970 e início dos anos 1980 para 27% de audiência hoje, pode
ser atribuído a uma infinidade de fatores que são abordados neste livro. E é
difícil imaginar que em dez anos o Ibope do JN possa estar acima dos 15 pontos.
Isso, é bom dizer, é uma boa notícia: um quarto da audiência para um único
programa jornalístico já é bastante. Precisamos não só de visões mais
diversificadas, mas de outros assuntos que não cabem em um programa de 40
minutos. E hoje as temos em outras emissoras, na TV fechada, e em outras
mídias, especialmente a internet.
Mas o simples aumento da concorrência também não explica de maneira
satisfatória a queda atual e a projeção de menos relevância da Globo. Até porque
a qualidade do jornalismo melhorou, o leque de cobertura idem e até a
objetividade: hoje não é possível, como em outros tempos, ignorar grandes
movimentos populares como as Diretas Já, manipular descaradamente o
noticiário como foi no último debate da eleição presidencial de 1989 ou outras
tantas ofensas menores motivadas por uma “agenda secreta” da família Marinho.
Não cabe aqui continuar a análise, há farta bibliografia sobre os problemas
históricos do jornalismo da Globo. Mas é interessante notar que analistas menos
apaixonados concordam que a emissora melhorou significativamente de lá pra
cá, não porque subitamente o conglomerado de mídia ficou bonzinho, mas
porque chegou um momento em que a sociedade exigia um mínimo de
objetividade, e bordões como “o povo não é bobo, abaixo a Rede Globo” nunca
saem de moda.
Um rápido parênteses: o conceito de “imparcialidade”, de cobrir de maneira
isenta, não opinativa, mostrando os dois lados da questão, não nasceu com o
jornalismo. “Um monte de gente que trabalha em jornais trata [a imparcialidade]
como a única religião verdadeira, quando, na verdade, é um artefato de
circunstâncias históricas e econômicas”, explica Joshua Benton, do Nieman
Journalism Lab, de Harvard.189 Ele explica que até o século 19, era bem comum
que todos os jornais fossem panfletários. Mas a necessidade de crescer, de
aumentar o apelo a mais públicos e não ofender anunciantes e políticos, fez com
que o tom fosse mais ameno, e a voz dos jornalistas se perdesse. Trazendo para a
nossa realidade e usando o mesmo exemplo, é possível dizer que longe da
ditadura, a Globo não poderia se dar ao luxo, por exemplo, de ser abertamente
(ou agressivamente tendenciosa) contra Lula e Dilma, sob o risco de alijar uma
parte significativa do público e perder as grandes anunciantes estatais.
Mas o modelo de imparcialidade, de afastamento, está sendo posto em xeque
com a internet. Se tomarmos como base o que vem acontecendo em outros
países do mundo, a Globo corre o risco de perder a sua audiência, cada vez mais,
se continuar apostando no modelo moderadamente imparcial – ou ao menos não
abertamente partidário. Nos EUA, a emissora que mais cresceu em audiência foi
a Fox News, que tem uma cobertura histericamente antidemocratas. A CNBC
mudou há alguns anos a sua linha editorial e contra-atacou, usando os
republicanos como alvo. E há exemplos em todo o mundo: a Al Jazeera se
destacou no mundo árabe por ser agressivamente pró-reformas. No Brasil, os
blogs de política que mais crescem, como o de Reinaldo Azevedo ou Paulo
Henrique Amorim, estão cada vez mais radicais em suas visões. Mesmo as
revistas que já foram mais ou menos neutras estão buscando pender para um ou
outro lado: a Veja, para os conservadores, e a Carta Capital, para os de esquerda.
Tendo um cardápio quase infinito de opções, tendemos a buscar não apenas o
que confirma nossas visões, mas o que nega e faz troça das ideias do outro. A
direita inventou os “Petralhas” para ridicularizar tudo que vem do partido, e a
esquerda, o “PiG” (partido da imprensa golpista). Ambos fazem pregações junto
aos seus convertidos. Uma enquete feita no portal UOL no começo de julho de
2010, quando a campanha presidencial estava esquentando, perguntou a 2.880
pessoas: “Você acha que a campanha na internet pode mudar o seu voto?” Ao
todo, 76% deles responderam que não. Daniela Pinheiro, da revista Piauí,
concluiu que “o resultado corrobora a ideia de que a rede serve principalmente
para reforçar convicções já consolidadas”. Não seria outra a razão pela qual 40%
das pessoas, em levantamento do Vox Populi, consideram a credibilidade da
internet “muito alta”, só perdendo para o rádio. Quem repete o que acreditamos,
tende a contar com a nossa confiança.190
Raramente, a sociedade brasileira discutiu tanto essas questões jornalísticas
quanto o fez durante as manifestações de junho de 2013. Um início de cobertura
desastrosa, focada em “vândalos” e apoiando a repressão muitas vezes
indiscriminadamente violenta da polícia, aguçou a avaliação não apenas crítica,
mas cínica, de boa parte da população sobre os grandes veículos de imprensa.
Dali pra frente, os jornalistas acertaram o rumo em larga medida, fazendo uma
cobertura relativamente correta (considerando o caos da situação), mas se
alimentou uma narrativa de que a “mídia não mostrava a realidade”, o que é uma
das histórias favoritas contadas pelo brasileiro.191
Nesse vácuo surgiu a “Narrativas Independentes, Jornalismo e Ação”, ou
simplesmente Ninja. O coletivo transmitia ao vivo, pela internet e por meio de
smartphones com conexão 3G/4G todas as manifestações, por horas, de um
ponto de vista diferente da mídia tradicional – na rua. Adotando o discurso do
ativista, ficando do lado dos manifestantes (inclusive provocando policiais em
algumas transmissões que acompanhei), ganharam o público da rede e opiniões
entusiasmadíssimas. “Assim como o CD e o mp3 redefiniram o papel do disco
de vinil, a Mídia Ninja redefinirá o papel do jornal e do telejornal”, empolgou-se
o deputado Jean Wyllys, que já foi professor de comunicação.192
Atribuiu-se às “novas tecnologias” essa “revolução”, que foi coberta de
maneira totalmente acrítica em um primeiro momento. Os ninjas não mudaram o
jornalismo, ao menos enquanto escrevo o livro. Porque não é o fato de alguém
usar um smartphone e as redes sociais que faz o jornalismo ficar mais moderno,
ou “melhor”. “Quando se discute uma guerra entre a nova e a velha mídia, o
argumento está deslocado. Esta é uma discussão de todo irrelevante. Tenta trazer,
para o centro da conversa, a tecnologia na qual cada um se baseia. Para o
jornalismo, o que importa não é o meio utilizado para veicular informação, não é
a idade de quem o pratica, ou mesmo a origem profissional. O que importa é
apenas o jornalismo”, opinou Pedro Dória.193
Quem acompanhou a cobertura dos protestos, menores, em julho e agosto
apenas pela Mídia Ninja, poderia ter certeza que a polícia do Rio usava balas de
verdade e que os jovens que jogavam coquetel molotov na polícia eram “P2”,
policiais à paisana. A informação era repassada por qualquer fonte e não se
buscou confirmar ou ouvir o outro lado. Pouco ou nada se falou sobre as
agressões dos manifestantes a outros jornalistas. Fernando Gabeira, que
dificilmente pode ser acusado de “reacionário”, notou a incongruência. “Quando
alguém da Mídia Ninja é preso, a grande imprensa relata em detalhes e busca
explicações da polícia. Quando carros das emissoras de TV são queimados por
manifestantes, é de esperar que a Mídia Ninja também combata este tipo de
violência e todas as outras formas de agressão. Se o nome do jogo é informação,
a liberdade de imprensa é um bem comum”, argumentou Gabeira.194
A briga Ninjas x Globo é um exemplo da tese de Manjoo, segundo a qual a
batalha atual não se dá mais no campo das opiniões, mas nos “fatos”. O que é
realmente verdade? Não é necessário teorias conspiratórias como a de 11 de
setembro, do pouso do homem na Lua ou dos policiais infiltrados nas
manifestações, para comprovar isso. Na semana em que era anunciado que o
Brasil teve um crescimento pífio em 2012, por exemplo, o maior blog
“progressista” dava uma manchete sobre o aumento da indústria; com o mesmo
vídeo, a Globo conseguiu dizer que Serra havia sido atingido por um projétil nas
eleições e a oposição fez piada com a bolinha de papel; a morte de Chávez foi
lembrada pelas esquerdas como a saída de cena do líder que mais diminuiu a
desigualdade na América Latina, enquanto blogs liberais compararam os índices
com o de outros países produtores de petróleo e concluíram que Chávez fez
pouco diante do que podia ter feito.
Manjoo sentencia: “A discussão não é o que deveríamos fazer, mas o que está
acontecendo. O partidarismo está distorcendo a nossa própria percepção do que
é real e do que não é”. Com a profusão de dados, imagens e vozes, qualquer
realidade pode ser inventada. E, para ser justo com a mídia, ela só está
reproduzindo a maneira que agimos individualmente, as nossas opiniões e
interpretações da realidade. As pessoas de fato veem realidades diferentes, e isso
é demonstrado em experimentos de psicologia há décadas.
Em um estudo bastante citado de 1954, Albert Hastorf, um psicólogo de
Dartmouth, e Hadley Cantril, sociólogo de Princeton, colocaram os alunos para
analisar o filme de uma controvertida partida de futebol americano entre os times
das duas universidades. Depois, pediram para que os alunos anotassem os lances
nos quais eles viam faltas, da maneira mais objetiva possível. Obviamente – ao
menos para quem é apaixonado por qualquer esporte –, a contagem de faltas foi
totalmente diferente, e cada torcedor viu muito mais faltas não marcadas contra
o seu time que o outro. A conclusão dos estudiosos: “É impreciso e de certa
forma falso dizer que diferentes pessoas têm ‘opiniões’ diferentes sobre a mesma
‘coisa’, “já que a ‘coisa’ simplesmente não é a mesma para diferentes pessoas,
seja a ‘coisa’ um jogo de futebol, um candidato a presidência, o comunismo ou
um espinafre”. Ou, resumidamente, os olhos veem a mesma coisa, mas o cérebro
processa coisas diferentes.
Isso é chamado de “percepção seletiva”, um problema que todos nós temos em
diferente grau e e em relação a assuntos diversos, por mais que um fato pareça
neutro, como as estatísticas. “Torture os números e eles lhe dirão qualquer
coisa”, afirma o crítico americano Gregg Easterbook. Estamos o tempo todo
tentando domar essa tendência negativa, que se agrava quando a) temos a
possibilidade de acompanhar um veículo de mídia que privilegia somente um
dos lados e b) encontramos eco nessa percepção entre os pares. Assistir a um
jogo do Grêmio contra um time carioca, ouvindo a Rádio Gaúcha em um bar
com outros gremistas é uma experiência totalmente diferente, que influencia o
nosso julgamento. E a internet recria esse ambiente para todos os assuntos,
porque, além da “percepção seletiva” à qual já somos inclinados, ela torna mais
fácil a “exposição seletiva”. Se acompanhasse as manifestações de junho de
2013 apenas via Mídia Ninja, lendo um “segmento” dos meus amigos do
Facebook, eu teria uma visão incrivelmente incompleta e fantasiosa da realidade.
Voltamos, então, à dieta proposta por Clay Johnson: temos que consumir um
pouco de informação crua – direto da fonte ou de veículos razoavelmente
imparciais (os que ainda restam) e, em quantidades mais ou menos iguais,
análises que confirmam e que vão contra as nossas convicções. Mas quão difícil
é fazer isso no restaurante de fast-food que é a internet? E, mais importante,
quanto a população e as empresas de mídia estão interessadas nisso?
Eli Parisier, autor do livro O Filtro Invisível – O que a internet está
escondendo de você, teme que estejamos caminhando para uma internet
hiperpersonalizada que, como previu Eric Schmidt, sabe o que você quer antes
mesmo de você querer. Ele cita outros tecnólogos que veem esse caminho como
positivo: Nicholas Negroponte, professor do MIT e um dos mais famosos
futurólogos do mundo, disse em 1994 que “as TVs de hoje permitem que
controlemos o brilho, o volume e o canal. Amanhã, ela vai permitir que
controlemos o sexo, a violência e a orientação política”. Negroponte via isso
com um sorriso. E, antes de a internet ser tomada por notícias e redes sociais, ele
previa que os jornais teriam edições absolutamente individualizadas,
dependendo das nossas preferências. Seria o Daily Me.
Quando o bilionário americano Jeff Bezos comprou o prestigiado (e falido)
jornal Washington Post, começou-se a cogitar o que ele poderia fazer para
revitalizar o jornalismo. Uma das ideias seria implementar a tecnologia da
empresa que conhece muito bem as preferências do cliente. Boa parte do lucro
da Amazon vem de sugestões de compra baseadas no nosso histórico, como
consumidores. Bezos pode – ou pelo menos sabe como – criar o Daily Me,
apenas com notícias que nos interessam. O articulista português João Pereira
Coutinho disse o quanto isso parecia sedutor, mas perigoso no longo prazo: “Eis
a maior ameaça para o futuro do jornalismo: chegar a um ponto em que as
notícias que interessam são apenas as notícias que me interessam. E em que
todas as outras deixam de aparecer nesse radar. Haverá quem pense que isso é
um progresso intelectual: nós, fechados no nosso pequeno mundo, lendo apenas
o que corresponde às nossas preferências e ignorando o que existe fora da nossa
ilha de gostos e idiossincrasias”. 195
Não precisamos que Bezos realize essa profecia. Isso já acontece para muitas
pessoas. Como as redes sociais ocupam cada vez mais o tempo que passamos na
rede, elas acabam virando grandes portais de notícias e, é claro, cada vez mais
personalizados. Por um lado, isso é bom: para o nosso senso de comunidade, a
notícia de um filho de uma prima distante é efetivamente mais importante que a
eleição em um país asiático, e os jornais nunca conseguiriam chegar a esse nível
de personalização importante. Por outro, começamos a ler, ver e ouvir somente o
que nos interessa, o que concordamos e o que não nos agride.
Se o Facebook fosse mostrar todas as atualizações de todos os seus amigos em
tempo real, ninguém aguentaria o excesso de informação e acabaria largando a
rede. Mas os servidores de Zuckerberg contam com uma série de algoritmos que
ditam o que vai aparecer na sua timeline, ou o que ganha destaque na primeira
página. Os amigos com quem você interage mais ou a amiga que exibe as fotos
mais bonitas sempre aparecerão, enquanto aquela oração que sua tia mandou
para a novena, provavelmente não. O Facebook observa cada ação, cada curtida
que você dá, quanto tempo passa no perfil de cada amigo, quantos comentários
faz, para decidir quem vai ser o análogo do jornalista que traz as informações no
seu Daily Me. Se você não gosta das opiniões extremadas do colega de trabalho,
provavelmente nunca vai curtir, comentar ou compartilhar. O Facebook vai
entender que isso o incomoda (ou não te satisfaz) e aos poucos vai esconder
aquela pessoa que, bem, “não te faz feliz”. Você pode mudar manualmente quem
vai ou não aparecer com qual frequência e se sobrepor à máquina, mas a maior
parte das pessoas deixa as configurações no automático.
O Twitter é mais claro em relação ao seu funcionamento (e por isso, entre
outros motivos, é minha rede favorita, apesar de estar relativamente estagnada
no número de usuários): nós selecionamos manualmente quem seguir e
recebemos todas as mensagens de 140 caracteres daquela pessoa. Se ela falar
demais ou desagradar, deixamos de seguir ou, em casos extremos, bloqueamos o
contato de forma que nenhuma atualização dela, mesmo que via terceiros (que
podem “retuitar”, compartilhando a mensagem), apareça no nosso jornal
personalizado.196 Com isso, fica totalmente na nossa mão povoar o nosso feed de
notícias de maneira plural. É claro que o Twitter manda e-mails de tempos em
tempos sugerindo pessoas a seguir, baseado em quem você já segue. Mas mesmo
não (ou pouco) forçado, o comportamento se mantém: o que eu observo entre a
maior parte dos meus amigos é que as pessoas seguem seus ídolos, seus canais
de notícias favoritos e amigos que pensam parecido. Pessoas com opiniões
externas só chegam quando algum amigo da “bolha” compartilha, para em
seguida mostrar por que discorda.
O Google também tem uma série de filtros para deixar a nossa vida mais
“fácil” e mostrar resultados (e anúncios) mais “relevantes”. De acordo com o seu
histórico de buscas, vídeos e e-mail, a sua “googlada” pode gerar resultados
diferentes – ou pelo menos um ordenamento diferente – do que a mesma busca
que eu faço, com as mesmas palavras. Especialmente assuntos polarizadores
podem gerar resultados bem diferentes. Uma pessoa com um histórico de buscas
mais de esquerda, ao buscar por “José Dirceu”, vai ver no Google o blog do ex-
deputado como primeiro resultado. A mesma busca, para outra pessoa em outro
computador, pode mostrar primeiro notícias de suas condenações, o verbete na
Wikipédia e, bem depois, o seu blog.
Qual o interesse da criação desses filtros, que podem nos deixar afastados de
visões discordantes e assuntos estrangeiros? A história da ciência, da
criatividade, da arte, é a história da colaboração entre pessoas de origens,
bagagens e visões diferentes. A internet torna esse encontro tecnicamente mais
fácil, eliminando as distâncias, mas se ficarmos na zona de conforto, alternando
entre Google, Facebook e a meia dúzia de sites que acessamos sempre,
dificilmente vamos esgotar todo o potencial da rede.
Mas o Facebook quer que não sejamos incomodados, que passemos mais
tempo usando a ferramenta. O Google quer que avaliemos a sua busca como
sendo a mais eficaz, clicando logo nos primeiros links. Isso quer dizer que, na
prática, ambos querem que não deixemos de usar esses produtos e que tenhamos
um comportamento previsível, que sejamos um público-alvo superdefinido, para
oferecer anúncios cada vez mais personalizados. Um “Pedro Burgos, que gosta
de praia, se irrita com comunistas, lê bastante a Folha e ouve rap”, é bem mais
interessante, para essas redes que me tratam como um produto, do que um
“Pedro Burgos que gosta de praia mas que passou as férias em um deserto, se
irrita com comunistas, mas tem grandes amigos de esquerda, lê bastante a Folha,
mas passa metade do tempo xingando os articulistas e ouve um tipo específico
de rap.” Não acho que estamos ficando mais superficiais com a internet, mas
certamente interessa às ferramentas mais importantes de hoje (Facebook e
Google, especialmente) que sejamos mais previsíveis.
Da mesma forma que defendi experimentar com a personalidade na internet e
falar com estranhos, é interessante botar a cabeça para fora da bolha de vez em
quando. Sempre que falava do argumento de Eli Parisier, que deu palestras ao
redor do mundo explicando o tal “filtro invisível”, a resposta de quem não
concordava ia sempre na mesma linha de que nós sempre fizemos isso longe do
computador. E, de certa forma, há um sentido nessa linha: nós escolhemos
nossos grandes amigos de acordo com o que pensamos; dormimos em palestras
chatas; e em reuniões de família onde há pessoas falando algum absurdo,
pedimos licença e saímos.
O problema aqui é justamente a oportunidade desperdiçada. Confrontados com
uma infinidade de possibilidades, acabamos escolhendo o familiar – quando não
fazemos isso consciente, a tecnologia o faz por nós. E não é só o Facebook ou os
resultados do Google que se adaptam à nossa preferência. Se usarmos uma rádio
virtual como o Rdio ou o Spotify, a chance é que todas as músicas que tocarem
na rádio personalizada agrade aos nossos ouvidos. A lista de recomendações do
Netflix também é totalmente baseada no que assistimos – se eu usasse apenas os
gostos do passado para escolher o que consumir no futuro, poderia estar ouvindo
apenas Iron Maiden até hoje e jovens adultos ficariam presos às histórias
medievais fantásticas, segundo as recomendações da livraria.
Como lembrou João Pereira Coutinho, o perigo do “excesso de informação” é
terceirizarmos a decisão do que vamos escolher para algoritmos. E os filtros nos
quais nos enclausuramos reforçam uma visão muito estreita do mundo, criando
“câmaras de eco”. Eu quero acreditar que não sou uma pessoa com visões
políticas muito extremas para qualquer lado – faço o máximo para consumir
opiniões à esquerda e à direita e tentar reavaliar minhas posições sempre. Mas
tenho muitos amigos envolvidos em uma rede de pessoas que confirmam suas
visões, que linkam os mesmos sites ou pessoas, que passam longe ou
“bloqueiam” os dissonantes. E em um ambiente “limpo”, sem contaminação de
opiniões externas, ideias mais radicais acabam se alimentando.
Em Going to Extremes: How Like Minds Unite and Divide (Indo para
Extremos: Como mentes parecidas agregam e dividem), Cass R. Sunstein
explica que o confirmation bias (o nosso viés de preferir informações que
confirmem nossa visão) em um ambiente de filtro-bolha pode ser extremamente
perigoso. Um sentimento xenófobo ou racista que a pessoa guarda para si com
medo da reação da sociedade, por exemplo, pode aflorar e se intensificar ao
encontrar pessoas que pensam parecido, graças às “possibilidades” da internet.
Você começa lendo um blog diferente, com opiniões radicais que apetecem,
começa a ler comentários de pessoas que reforçam aquelas visões (os
dissonantes normalmente são apagados), depois entra em uma lista de discussão
ou grupo no Facebook que propala mais daquelas visões – ou “realidades” –, e
logo você pode estar com um olhar absolutamente enviesado. Em política, isso
comumente envolve a identificação clara (por meio de uma seleção criteriosa do
recorte) do “inimigo”. Sunstein dá um exemplo de um subproduto desse
estreitamento: o terrorismo em países islâmicos onde jovens ricos e bem-
educados decidem virar homens-bomba.
Reforçar nossas convicções e ter a sensação de que estamos sempre certos
parece sedutor. Mas não é saudável para o nosso cérebro ou para a sociedade no
longo prazo. A minha dica é passear pela internet com o método científico em
mente: se você tem uma hipótese, ou se lê uma explicação tentadoramente
simples para a realidade, é interessante ir primeiro atrás dos dados ou teorias que
a invalidam. Se você (por meio de um esforço de humildade) confirmar a sua
tese, estará mais preparado para a contra-argumentação. Se os fatos o provarem
errado, terá aprendido. De qualquer forma, é sempre bom ser exposto ao
contraditório.
Falando assim, parece fácil e bonito. Mas é claro que existe um problema. Ou
dois: quando nos embrenhamos na internet, precisamos lidar com trolls,
espantalhos e o desconforto de quem parece pensar “errado”.
166 http://www1.folha.uol.com.br/colunas/helioschwartsman/1193225-as-mas-noticias.shtml
167 http://www.youtube.com/watch?v=DW3_JhQksv4
168 http://www.theguardian.com/media/2013/apr/12/news-is-bad-rolf-dobelli
169 Entrevista a Matt Richtel, em “Wasting time is the new divide in the digital era”. New York Times,
29/mai/2012. http://www.nytimes.com/2012/05/30/us/new-digital-divide-seen-in-wasting-time-online.html?
pagewanted=all
170 Karl Frisch, “24/7 media…exposes us to all kinds of arguments, some of which don’t always rank that
high on the truth meter”, Media Matters, 9/mai/2010. Acessado em:
http://mediamatters.org/blog/2010/05/09/obama–247-mediaexposes-us-to-all-kinds-of-argum/164426
171 http://news.cnet.com/8301–19518_3–10438088–238.html
172 http://dsc.discovery.com/tv-shows/curiosity/topics/10-reasons-why-laughing-good-for-you.htm
173 http://youpix.com.br/top10/saiba-quais-sao-os–25-canais-mais-relevantes-do-youtube-brasileiro/
174 http://caosordenado.com/o-zahir-digital/
175 http://starwars.wikia.com/wiki/Galactic_Civil_War
176 Pela tese da “Cauda longa”, os custos de armazenamento e distribuição digitais permitem que se venda
um pouquinho de muitas coisas. Mas isso só tem sido verdade para gigantes como os exemplos dos quais
ele gosta: Amazon, iTunes e Google. Da mesma forma que bandas de um tipo muito específico de metal
tem público internacional graças à internet mas não enriquecem, os sites na ponta da cauda longa têm fãs,
mas não dão um grande lucro. De certa forma, são justamente os gigantes monopolistas que lucram mais
com a democratização do conhecimento.
177 Lá Vem Todo Mundo - o Poder de Organizar Sem Organizações (2012) - Zahar.
179 http://techcrunch.com/2013/08/06/google-search-starts-highlighting-in-depth-articles-in-new-
knowledge-graph-box/
180 http://www.searchenginejournal.com/will-google-be-around-in–2-years/37418/
181 http://www1.folha.uol.com.br/fsp/saude/sd1909201001.htm
182 http://www.nytimes.com/2008/11/25/technology/internet/25symptoms.html
183 http://www.huffingtonpost.com/2012/12/05/senior-scams_n_2244894.html
184 http://www.serasaexperian.com.br/guiaidoso/97.htm
185 http://www.ibope.com.br/pt-br/noticias/Paginas/Confianca-do-brasileiro-no-STF-e-maior-do-que-na-
Justica.aspx
186 Farhad Manjoo, True Enough: Learning to Live in a Post-Fact Society (2008) - Wiley.
187 Bruce Schneier, Liars and Outliers: Enabling the truth that society needs to thrive (2013) - Wiley.
189 http://www.economist.com/node/18904112
190 http://revistapiaui.estadao.com.br/edicao–47/anais-do-marketing-politico/pancadaria-na-rede
191 http://www.forbes.com/sites/andersonantunes/2013/08/01/why-brazilians-oddly-blame-the-globo-
media-empire-for-the-countrys-misfortunes/2/
192 https://www.facebook.com/jean.wyllys/posts/560735023974509
193 http://oglobo.globo.com/tecnologia/mentiras-sociais–9498265#ixzz2cFjHeM9F
194 http://www.estadao.com.br/noticias/impresso,midia-ninja-e-o–futuro-desfocado-,1064592,0.htm
195 http://www1.folha.uol.com.br/colunas/joaopereiracoutinho/2013/08/1325250-jornalismo-
amazonico.shtml
196 Eu uso um programinha para acompanhar o Twitter, chamado TweetBot. Em vez de deixar de seguir ou
bloquear uma pessoa, é possível “silenciá-la” (colocando-a no “mudo”) por um determinado tempo. Preciso
fazer isso em tempos de final de campeonato, quando analistas políticos razoáveis viram torcedores
fanáticos e verborrágicos.
197 Christopher Gonciarz, U Mad? The Internet’s Guide to Idiots, KG Tofu Media, 2012.
199 Richard Stallman, “Steve Jobs”, Political Notes, outubro de 2011. Acessado em:
http://stallman.org/archives/2011-jul-oct.html#06_October_2011_%28Steve_Jobs%29
200 No meu mundo de jogos de tabuleiro, é comum reclamar do design de um jogo dizendo que ele “induz
a Analysis Paralysis”, ou “AP”. Quando o jogo tem muitas opções, os jogadores mais analíticos podem
perder muitos minutos na sua vez de jogar, prejudicando a experiência dos outros à mesa.
202 “The Tiranny of Choice. http”, The Economist, 16 dez 2010; acessado em
http://www.economist.com/node/17723028
203 David Streitfeld, “The best reviews money can buy”, The New York Times, 25 ago 2012; Acessado em
http://www.nytimes.com/2012/08/26/business/book-reviewers-for-hire-meet-a-demand-for-online-
raves.html?src=xps
204 Rodrigo Levino, “Paulo Coelho, que lança seu 22º romance, diz que ”Ulysses“ fez mal à literatura”,
Folha de S. Paulo, 4/ago/2012; Acessado em: http://www1.folha.uol.com.br/ilustrada/1131545-paulo-
coelho-que-lanca-seu–22-romance-diz-que-ulysses-fez-mal-a-literatura.shtml
205 Evgeny Morozov, To save everything Click Here: The Folly of Technological Solutionism, 2013,
PublicAffairs
5. O preço do gratuito
“Ao fazer com que o fato de pagar pelo conteúdo fosse algo essencialmente opcional, a pirataria
jogou o preço dos bens digitais lá embaixo. O resultado é uma corrida para o fundo do poço e a
resposta inevitável das empresas de mídia tem sido fazer cortes – primeiro no pessoal, depois na
ambição e finalmente na qualidade.” – Robert Levine206
Um problema invisível
Este livro é em grande parte o resultado da minha jornada em busca da vida
digital saudável e da superação de hábitos ruins. Tento ao máximo dizer para
fazer o que falo, que muitas vezes é diferente do que eu “fazia”. Em relação ao
download “ilegal”, especificamente, posso dizer que “pequei” muito e por
muitos anos. Música e filmes sempre foram parte importante da minha vida. E,
consequentemente, do meu orçamento. Mas o acesso às tecnologias conectadas
mudou essa relação.
Outrora um adolescente que gastava mais da metade da mesada com música –
esperava até 45 dias para que um CD encomendado chegasse na importadora –,
passei em muito pouco tempo a gastar praticamente zero. E foi assim por mais
de uma década. Ainda era final dos anos 1990 quando descobri os sites que
tinham músicas em formato mp3 (compactas que podiam ser transmitidas
mesmo em conexões ruins). Fui um dos primeiros da turma a comprar um
gravador de CDs (“é importante para fazer backups dos nossos discos!”, foi a
desculpa que usei para convencer minha mãe) e desenvolvi o hábito de baixar
conteúdo compulsivamente. De repente, via um clipe na MTV e, no dia seguinte,
tinha a discografia completa da banda, que raramente ouvia inteira depois, mas
isso é outra questão.
Nos anos 2000, descobri os torrents e exatamente onde, como e quando
conseguir baixar seriados que nem passavam no Brasil. Comprei um gravador de
DVD e, além de abandonar o hábito de ir à locadora (era um dos maiores
clientes da Cult Vídeo em Brasília, disse o dono, certa vez), passei também a ir
muito pouco ao cinema. “Sobrevivi” os primeiros anos em São Paulo sem ter
sequer TV a cabo. Era só ligar o XBox (videogame igualmente desbloqueado
para jogos baixados) na TV e assistir à última coisa que achava na internet.
Talvez nunca tenha consumido “em tão grande número” produtos culturais como
nesse período. Não lembro de uma enorme parte deles, já que passava
consideravelmente menos tempo com cada disco ou jogo, por exemplo. Mas
qual foi o preço disso tudo? Zero, pra mim.
E para os artistas e produtores de cultura em geral? É difícil saber, se você
acompanha o que sai na imprensa brasileira. A nossa mídia, que tenta parecer
jovem e conectada, e não uma mãe reguladora, dá espaço de maneira
desproporcional para aqueles que defendem o relaxamento total dos direitos
autorais e a cultura de que tudo deve ser grátis com a internet. Celebra os cases
que se encaixam nessa hipótese e dá muito pouco espaço para quem a desaprova.
É verdade que é difícil quantificar as “perdas” da pirataria em termos de
empregos extintos ou o achatamento da renda média de artistas, por exemplo.
Também é verdade que essa não é uma conta impossível de se fazer – só que
ninguém na imprensa brasileira parece se interessar por essa pauta. Nossa mídia
e boa parte das autoridades que lidam com o tema esquivam-se da questão moral
que deveria ser razoavelmente clara e consiste em pensar como seria se todo
mundo adotasse o comportamento “pirata”. Baixar um arquivo ilegal não é a
mesma coisa que roubar uma bicicleta, como tentam transmitir aquelas
amedrontadoras propagandas da indústria do entretenimento. O dono continua
com o mesmo número de bens à disposição para venda. Mas isso não quer dizer
que não há prejuízo.
Se ninguém pagar para um músico quando ele lançar um álbum, por que ele
vai gastar tanto tempo preparando-o e para que se dar ao trabalho de colocá-lo à
venda? Se ninguém pagar para assistir a um filme, quem diabos vai se sentir
incentivado a produzir novos títulos? E as séries de TV? Estamos em uma era de
ouro, com obras como Lost, Breaking Bad, Game of Thrones e Homeland,
porque há um número recorde de gente pagando TV a cabo e deixando uma
verba considerável na mão dos produtores para que eles inovem. E se ninguém
pagar, e só baixar as séries; haverá publicidade que dê conta das despesas? A
verdade é que o comportamento “pirata” supõe que existam parasitas e pessoas
de boa fé, ou, no léxico de quem leva vantagem no Brasil, malandros e manés.
Mesmo assim, essa questão é raramente abordada na nossa imprensa. Em vez
disso, o que nos apresentam repetidas vezes é o que eu chamaria de “teoria da
inevitabilidade da pirataria”. Em linhas gerais, ela diz o seguinte: a atual
tecnologia, da internet de alta velocidade, o compartilhamento direto entre
pessoas (a tecnologia p2p) e a dificuldade de rastreamento permitem a pirataria,
e não há como voltar atrás. As empresas têm que se adequar aos novos tempos e
oferecer ao consumidor um produto pelo menor preço possível, de maneira
conveniente, sem atrasos e janelas de lançamento, sem proteção anticópia. Se
alguns artistas e produtores se derem mal no processo, isso faz parte da natureza
“disruptiva” da tecnologia, e eles precisam achar outras fontes de receita.
Músicos não devem esperar ganhar dinheiro com discos, mas, sim, com shows
ou vendendo suas produções para trilhas sonoras de programas de TV ou
publicidade. E em um futuro muito próximo, autores de livros devem se
contentar com o ciclo de palestras. No fundo, toda essa mudança é boa, segundo
essa teoria, porque as pessoas terão mais acesso à cultura e os intermediários
(estúdios, editoras e a TV Globo) perderão o poder de explorar artistas, que
teriam um contato mais próximo com o público.
Essa é a narrativa predileta dos nossos intelectuais e dos deterministas da
tecnologia, apesar de ela estar cheia de furos. Você encontra a tese de que a
pirataria triunfou e não há mais volta em qualquer veículo respeitável. A
Superinteressante,214 minha revista favorita, foi seguidas vezes ao tema, sempre
defendendo a pirataria na linha de que, afinal, é a regra mesmo. O artigo
intitulado “A pirataria venceu”, de 2009, concluía: “Essa é a tendência. O
entretenimento está deixando de ser um produto pago para se transformar em
serviço gratuito – cujo propósito é apenas estimular a venda e o uso de outros
produtos e serviços”.
Nos jornais, a coisa não é muito diferente. A Folha de S. Paulo, por exemplo,
dá chamadas cretinas como “Pirataria ajudou Breaking Bad, diz criador da
série”215 e coloca na terceira linha que a pirataria ajudou apenas “na consciência
da marca”. Lendo a nota, vê-se que Vince Gilliam, criador da espetacular série,
reconhece que teria ganho mais dinheiro se os downloads “tivessem sido feitos
de maneira legítima”. E, no fim, diz que “a pirataria continuará sendo um
problema porque ‘todo mundo precisa comer. E todos nós precisamos ser
pagos’”. Como diabos essa “pirataria ajudou Breaking Bad”? De que forma essa
é a mensagem principal? Esse é o viés da nossa mídia, sempre em busca de
histórias que sustentem a tese da cultura grátis – mesmo que para isso se tenha
que tirar uma frase do seu contexto.
Em outro grande jornal de São Paulo, o Estadão, tivemos por pelo menos três
anos uma defesa incansável da lógica da gratuidade de tudo na internet, no
caderno “Link” e no blog “P2P e cultura digital livre”. Um dos últimos artigos
do site, por exemplo, falava sobre projetos de lei que propõem instituir um
imposto sobre a banda larga ou a venda de HDs e celulares. Portugal e Canadá
estudam reverter essa nova fonte de receita para os artistas que, vejam só, não
estão ganhando mais tanto dinheiro. A jornalista diz o seguinte sobre a solução:
“Modelos de pagamento obrigatório podem ser uma solução porque não
alterariam a rotina do usuário. O problema é que o pagamento obrigatório
enquadra todos os usuários de internet como, piratas. Mas quem não é?”216 Na
lógica da jornalista – uma entre várias a pensar assim –, parece que ninguém vai
pagar por conta própria por conteúdo tendo a opção gratuita à disposição, então é
melhor inventar uma nova taxação.
Essa “lógica” de que todo mundo pirateia mesmo, então está tudo bem, acaba
sendo “defendida” com o argumento de que não há tanto prejuízo assim para o
produtor. A revista Info, por exemplo, colocou o seguinte título na capa de uma
edição de 2012: “Existe internet sem pirataria?”. A reportagem, ouvindo as
mesmas fontes pró-compartilhamento e antileis rígidas de direito autoral de
sempre, diz em determinado momento que “o primeiro passo é abandonar a ideia
de que a livre troca de conteúdo está acabando com o lucro dos produtores e dos
artistas. Isso não é verdade”.217
Isso não é verdade, de novo, apenas se nos concentrarmos nas histórias que se
encaixam na narrativa e descartarmos todos os indícios que dizem o contrário. E
eles são muitos. O faturamento das principais empresas brasileiras do setor de
música (do atacado ao varejo), por exemplo, caiu de R$ 1,1 bilhões, em 1997,
para aproximadamente R$ 360 milhões em 2009, segundo dados da Associação
Brasileira dos Produtores de Discos (ABPD).218
E isso é realidade em quase todos os países. A provavelmente mais profunda
revisão acadêmica sobre o assunto, publicada pela Universidade de Carnegie
Mellon em 2012, conclui: “Com uma exceção, todos os trabalhos acadêmicos
que conhecemos de grandes periódicos avaliados por pares encontram provas de
que as vendas de conteúdo recentemente lançado tiveram impacto negativo
estatisticamente significativo como resultado da troca de arquivos ilegal. Esses
papers usam uma variedade de métodos, períodos de tempo e contexto”. Este
estudo não mereceu nenhum destaque (ou sequer menção, pelo que pesquisei) na
imprensa brasileira.
Mas qualquer produção acadêmica que sugira o contrário, ganha espaço.
Como, por exemplo, um artigo elaborado pela London School of Economics em
outubro de 2013, que, apesar de grotescas falhas de metodologia e contabilidade
de dados219, ganhou as manchetes em sites brasileiros porque estava em
consonância com os apologistas de downloads não autorizados. Na Carta
Capital, por exemplo, o jornalista conclui a notícia dizendo: “Os estudos
parecem apontar em apenas uma direção: a incompetência da indústria de
entretenimento para encontrar um novo modelo de negócios capaz de suplantar a
queda de consumo de formatos físicos como CDs e DVDs”.220 Como se fosse
“obrigação” da indústria achar outros modelos, e não nossa, a responsabilidade
de pagar para que o que consumimos continue sendo produzido.
São conhecidas e sempre lembradas as histórias da indústria do Tecnobrega,
em Belém, onde, reza a lenda, os grupos lançam seus trabalhos diretamente por
meio dos camelôs e não “se incomodam” com a pirataria, já que ganham
dinheiro nas festas de “aparelhagem”. Uma reportagem da Folha de 2007 traz a
explicação de Ronaldo Lemos, ex-professor da FGV e fonte sempre ouvida para
esse assunto, e ele diz o seguinte: “No modelo tradicional, a ideia era a de que
quanto mais protegesse a criação intelectual, melhor seria do ponto de vista
econômico. Mas há dez anos surgiu uma alternativa. Os artistas, seja uma banda,
um escritor, disseminam os seus trabalhos livremente e ganham dinheiro
partilhando o conteúdo”.221
Lemos escreveu um livro sobre o assunto – onde reconhece, diga-se, que os
compositores são prejudicados com o novo modelo – e o exemplo do Pará é
referência até hoje para quem defende que o modelo de distribuir música
gratuitamente é o futuro para os artistas. O case foi parar, por exemplo, no livro
Free - Grátis, o futuro dos preços, de Chris Anderson – espécie de bíblia para
quem defende a lógica do conteúdo gratuito. O americano, ex-editor da influente
revista Wired, cita o exemplo da banda Calypso, que “não se importa de não
ganhar dinheiro com a venda de discos piratas”,222 e ilustra a tese dizendo que
eles ganham tanto dinheiro com shows que têm o seu próprio avião. Essa
historinha é repetida até hoje pela imprensa pró-gratuidade.
Mas em uma entrevista de 2010 (quatro anos depois do livro de Chris),
Joelma, a estrela da banda paraense, reclamava da pirataria: “Acho que terá que
inventar um novo método para vender CD, se é que vai existir CD daqui mais
um tempo. A tecnologia está tão avançada que não sei como a gente vai vender
música agora”.223 E Chimbinha, o principal compositor, reconheceu em uma
entrevista à revista Trip que as vendas que poderiam ser consideradas “ilegais” o
ajudaram no início, mas aquele era um outro momento. “No nosso começo não
existia essa pirataria de internet que tem hoje, de baixar música de graça. Na
época, a pirataria era só de CD. Isso ajudou bastante a gente. Mas hoje a gente
lança o disco, amanhã tão baixando. Atrapalha as vendas. As pessoas não sabem
o quanto a gente investe, mesmo sendo independente.” E sobre a estratégia
revolucionária da cena paraense, Chimbinha relata que foi pura necessidade. “A
maioria dos artistas daqui faz isso. Hoje não existe gravadora no Norte e no
Nordeste, só no Rio e em São Paulo. Então, tivemos que fazer isso aqui para
viver de música, porque as gravadoras foram embora daqui. E, se continuar
desse jeito, elas vão embora do Brasil.”224
Fico nos exemplos da música por serem mais numerosos e porque ela foi a
primeira grande indústria do entretenimento a ser afetada pelo compartilhamento
de arquivos digitais, na virada do milênio. Os experimentos com distribuição
gratuita são sempre alardeados na imprensa quando acontecem, mas raramente
são revisitados para que se verifique a viabilidade no longo prazo. O catarinense
radicado em Maceió, Wado, um dos meus artistas favoritos da geração mais
jovem da música brasileira, foi celebrado por lançar o seu sexto disco apenas na
web, para download.225 Meses depois, deu uma “polêmica” entrevista, na qual
afirmava estar cogitando fazer concurso público. “Vivo mal e estou procurando
emprego. Já tenho uma obra, agora é hora de tentar ser feliz, e felicidade exige
contas pagas.”226 Um prêmio de melhor canção do ano da MTV em 2012 e
shows lotados não foram suficientes para mudar muito a sua condição financeira.
O nova-iorquino Kyp Malone, líder do TV on the Radio, das queridinhas da
crítica internacional e atração principal de diversos festivais pelo mundo, fica
impressionado e acha até engraçado quando as pessoas não acreditam que até
hoje, depois de mais de dez anos na estrada e discos incluídos no top 20 dos
EUA, ele viva de aluguel. “Eu me sinto razoavelmente sortudo. Eu tive a sorte
de prover a mim mesmo e à minha família, mas eu não vou conseguir comprar
uma droga de uma casa com dinheiro da música. Eu não sei de que forma o
paradigma terá que mudar para isso virar algo real, mas hoje parece um
sonho.”227
O fato de Kyp e tantos outros astros da música atual não enriquecerem não
quer dizer que a arte deles não nos enriqueça intelectualmente. A música não
deixou de ser importante para as pessoas. Pelo contrário: por estarmos sempre
com o smartphone, uma conexão de internet e fones de ouvido no bolso, é
possível dizer que a música está “mais” presente no cotidiano das pessoas, e
embala lembranças importantes. Deveríamos estar dando mais valor a isso
abrindo nossa carteira e as pessoas responsáveis por deixar a nossa vida mais
colorida e interessante deveriam estar ganhando bastante dinheiro. Eu pago hoje
em uma lata de refrigerante o triplo que pagava no ano 2000, mas posso comprar
livros, DVDs e CDs pagando basicamente o mesmo tanto.
Por que os bens culturais perderam tanto o valor percebido e por que tanta
gente se sente no “direito” de ter o fruto de anos de dedicação ou momentos
sublimes de inspiração de graça?
É preciso investigar melhor essas questões. E quem sabe usar um outro termo
para descrever a prática de copiar a produção intelectual do outro sem nada dar
em troca ajude a lançar alguma luz sobre o problema? Por um lado, o termo
“pirataria” joga no mesmo saco os corsários somalianos que sequestram
tripulantes de navio e os adolescentes sem dinheiro que baixam um jogo sem
pagar – ele é muito amplo. Mas ele também pode ser levemente positivo. Há
certo romantismo em torno da figura do pirata: ele é um bon vivant e contra as
corporações e os governos e, por isso, um símbolo da rebeldia – vide a
popularidade do personagem Jack Sparrow, da série Piratas do Caribe. Da
mesma forma, o eufemismo “compartilhamento de conteúdo” também não
descreve o aspecto egoísta da ação: normalmente, as pessoas não estão trocando
arquivos entre si, mas baixando da internet que usa um mecanismo tecnológico
de troca entre pares (peer-to-peer).
O autor americano Chris Ruen propõe o termo freeloader, um neologismo que
faz total sentido em inglês. Ele junta free, “gratuito”, loader, de downloader,
aquele que baixa. E freeloading, o verbo, refere-se ao carona, no sentido do
problema econômico do carona, aquele que usufrui de um benefício ou da
generosidade de outros sem dar nada em troca. “A generosidade, no caso, dos
criadores, editores e investidores que tiveram um risco financeiro para produzir
um conteúdo para o seu benefício”.228 Se ninguém – ou pouca gente – se propõe
a pagar, quem está assumindo o risco financeiro?
Os novos intermediários
Não há milagres. Se uma parcela importante não paga pela produção cultural
que consome – mesmo tendo dinheiro para isso –, “alguém” está pagando para
que os artistas continuem produzindo. A revista Galileu fez em 2013 uma grande
reportagem de capa falando dos “operários da música livre”, citando artistas que
estavam “reinventando este negócio e dando música de graça”.229 A cantora
Tulipa Ruiz, personagem da matéria, afirma que esse comportamento é de certa
forma uma necessidade dos novos tempos. “Minha prima de 13 anos nunca
comprou um CD e acho que nunca vai comprar música no iTunes. Só ouve em
streaming, no YouTube, em baixíssima resolução, e não paga.” E como a conta
fecha? A produção não foi gratuita e os discos raramente são pagos com dinheiro
acumulado de turnês anteriores, o orçamento das gravadoras para bancar novos
talentos é reduzido. Mas quem já teve de comprar um instrumento, contratar
músicos ou pagar aluguel de um estúdio, sabe que “música grátis” é um conceito
absurdo.
Wado só gravou o seu último disco por meio de um edital da Oi Música, selo
criado pela empresa de telefonia. “Preciso dos editais para viabilizar meus
discos. Posso fazer por minha conta, mas aí eu forçaria uma barra fudida, sem
pagar meus músicos, fazendo coisas que eu não quero nunca fazer”, desabafou o
músico em 2013.230 O caso de Wado é cada vez mais comum. No Brasil, muitos
artistas que já não creem na hipótese de que irão vender discos o suficiente para
gerar renda (antes de 2004, o disco de ouro era dado apenas a quem vendia mais
de 100 mil cópias – desde 2010, a honraria é concedida a quem ultrapassa as 40
mil), recorrem ao patrocínio de grandes empresas. Quase todos os ouvidos pela
reportagem da Galileu, de “música livre”, tinham alguém com bolsos fundos
pagando a conta. Se a estratégia de fazer shows fosse tão boa e rentável, eles
precisariam disso?
Em 2013, Marcelo Janeci gravou seu disco com patrocínio da Natura, empresa
que também bancou a produção dos últimos trabalhos de Tulipa Ruiz e Arnaldo
Antunes e a turnê de Milton Nascimento – sim, antes de ganhar dinheiro com
shows, é preciso investir na contratação de músicos e no transporte. A Oi
patrocinou, além de Wado, o disco de Herbert Vianna e Pedro Morais, e mais de
uma dezena de outros talentos. E não são só as empresas: há também editais
temáticos dos governos estaduais. Só o governo de São Paulo distribuiu, em
2013, R$ 165 milhões por meio do Programa de Ação Cultural,231 financiando
desde filmes de curta-metragem até espetáculos de dança. Um primo meu de
Brasília, exímio violonista que toca em uma banda de forró, diz que os shows em
casas noturnas não garantem seu sustento, mas, sim, os “projetos para o FAC” (o
Fundo de Apoio à Cultura do governo do Distrito Federal). Aprender os
caminhos do FAC é uma habilidade tão natural para os meus conterrâneos
músicos quanto afinar um instrumento.
O meu ponto, ao levantar esses dados, é que todo o papo de “ser
independente” precisa ser colocado em perspectiva. De fato, especialmente no
caso da música, para um sucesso estourar, há menos necessidade de grandes
gravadoras, assim como os jabás para tocar em rádio não são mais condição
fundamental. Há tantos espaços para se divulgar um trabalho que se conectar
com o público se tornou muito mais fácil. Por outro lado, a classe artística
brasileira é cada vez “mais” dependente, financeiramente, de outros que não
sejam a sua audiência.
Se a indústria cultural não começou a entrar em colapso, é porque os governos
vêm criando diversos mecanismos de socorro, ou “estímulo”. Isso não é restrito
à música, é claro. O livro de Ronaldo Lemos, por exemplo, foi financiado com
dinheiro da Petrobras, assim como boa parte daqueles livros-de-mesa-de-centro,
com fotografias belíssimas e que documentam aspectos importantes da nossa
vida, mas que raramente acham compradores em número suficiente.
Se dependesse simplesmente do mercado, da vontade dos brasileiros pagarem
ingressos de cinema ou aluguel de vídeos, teríamos uma indústria
cinematográfica significativamente menor, mas as leis de incentivo à cultura
permitem novas películas e festivais. Grupos de dança e teatro são uma carreira
viável – ainda que notadamente difícil – em grande parte porque há SESCs e
Centros Culturais de instituições bancárias dispostos a pagar cachês decentes e
vender ingressos a preços subsidiados. E há agora o vale-cultura: o governo não
só subsidia a produção cultural como, na outra ponta, dá um cheque para a
pessoa pagar.
Eu não sou contra nada disso, fundamentalmente. Há aspectos a serem
melhorados em todas essas leis, é evidente, mas a lógica de que é preciso
fomentar a indústria cultural de um país me parece um sucesso provado, não
apenas no Brasil. O que discuto aqui é que mesmo que as novas tecnologias
digitais barateiem a produção cultural, estamos muito longe de viver uma
“cultura grátis”. Vivemos, sim, em uma época na qual, cada vez mais, a cultura é
bancada por outros agentes, e não o consumidor diretamente. Pode-se
argumentar que as renúncias fiscais que financiam muitos desses projetos é só o
nosso dinheiro sendo realocado, mas mesmo assim é um cenário longe do ideal:
na prática, estamos nós perdendo o poder de decidir quem deve ser financiado
para seguir a carreira artística.
Além do mais, este contrato social de empresas e governos financiando a
cultura é frágil. Em uma recessão, o primeiro departamento a sofrer o baque é o
marketing, que cuida de patrocínios culturais. Como ficarão os discos dos
“operários da música livre”? E se as leis mudarem ou os governos perderem a
capacidade de bancar esses projetos? A crise que assola a Europa fez com que o
auxílio estatal à cultura diminuísse em 70%, na Espanha, em quatro anos, e que
o governo português simplesmente fechasse o ministério da Cultura232 em 2011.
As orquestras filarmônicas de várias cidades dos EUA, que dependem de
dinheiro estatal e doações, foram fechando em ritmo acelerado após a crise de
2008.233
No universo digital, onde editais e ajuda do governo muitas vezes não estão no
horizonte, os gurus da internet insistem que as possibilidades da tecnologia
facilitam a vida dos artistas, sugerindo que eles faturarão mais com a erradicação
dos intermediários ou por meio de publicidade.
A primeira receita parece fazer sentido, no papel: em vez de ganhar 10 ou 15%
de royalties na venda de um livro por intermédio de uma editora, por exemplo, o
escritor pode publicar diretamente o seu e-book na Amazon e ficar com 70% do
preço de capa. Para cada história de sucesso de alguém que ganhou fortunas
publicando de maneira independente, como E.L. James, a autora de 50 Tons de
Cinza (que depois ganhou significativamente mais ao assinar contratos com
editoras), há dezenas de milhares de histórias de gente que não ganhou o
suficiente para cobrir as horas de esforço. Mais da metade dos autores
independentes não chega a ganhar US$ 500 em um ano234 de vendas.
Eu vejo o meu próprio caso com este livro: eu recebi um adiantamento, um
bom prazo, artistas para trabalhar a capa. O trabalho foi revisado, o texto
preparado, uma estratégia de divulgação planejada com meses de antecedência.
Este livro seria um produto significativamente pior e chegaria a potencialmente
menos gente se não fosse o fato de eu ter a LeYa me apoiando.
Mas é raro para pessoas “de fora” da indústria entenderem o valor do
intermediário. Há bastante gente letrada, especialmente com background
tecnológico, que defende que nem seria necessário cobrar por livros. O jornalista
Ken Auletta, que escreveu Googled, uma das principais obras sobre o gigante de
buscas, afirma que a empresa de Mountain View tem uma atitude ingênua e
desinformada sobre o processo de publicação. Em uma conversa que teve com
Sergey Brin, um dos fundadores do Google, Auletta disse que o executivo
recomendou ao autor distribuir o seu livro de graça online, com pagamento
opcional, já que as pessoas “não compravam mais livros”. Então, Auletta
começa a descrever o processo dele. Já que não há publicidade no livro, como
ele deveria subsidiar as despesas? Foram treze viagens para apuração, carros
alugados, hotéis e jantares com entrevistados. Quem daria o adiantamento para
tornar isso possível? Sem uma editora, quem checaria os dados e revisaria o
livro? Quem contrataria assessores de imprensa e um pessoal de marketing para
fazer o livro chegar a mais gente? “Brin, normalmente tagarela e expansivo,
ficou quieto. Pronto para mudar de assunto”, descreveu Auletta.235
Se acabar com o intermediário fosse uma saída tão boa, não haveria tanto
artista assinando com grandes gravadoras na primeira oportunidade, ou bandas
como Nince inch Nails e Radiohead, que no meio dos anos 2000 saíram de suas
gravadoras, mas voltaram a assinar contratos milionários anos depois.236
Também não haveria tantos humoristas independentes no Youtube aceitando
trabalhar como roteiristas de programas da TV aberta. É bom ter controle total
sobre a criação intelectual, e as novas ferramentas de distribuição aumentaram o
poder do artista e criaram um ambiente para contratos mais justos. Mas daí a
acreditar que o trabalho de lapidadores e divulgadores de talento não é mais
necessário vai uma grande distância, e este argumento ainda é alardeado por
grande parte dos defensores da gratuidade da internet.
A alternativa propalada como salvadora, a de viver com o apoio da
publicidade, é ingênua e, novamente, se apoia em exemplos improváveis. O hit
“Gangnam Style” rendeu pelo menos US$ 8 milhões ao sul-coreano Psy a partir
da publicidade que aparecia em seu vídeo no YouTube, visualizado mais de um
bilhão de vezes.237 Mas a verdade é que o valor pago pela publicidade online está
caindo a cada ano, e a concorrência só aumentando.238 No YouTube, por
exemplo, um anúncio do tipo “pre-roll”, o “nobre”, que passa obrigatoriamente
antes do vídeo, pagava cerca de R$ 20 para cada mil visualizações em junho de
2012. Menos de um ano depois, a mesma quantidade de views pagava R$ 14,50
ao criador. Como há cada vez mais gente competindo e a verba dos anunciantes
é finita, a tendência é a publicidade pagar cada vez “menos”, e não mais.
Para piorar, as tecnologias antipublicidade, como o “adblock”, extensão de
navegadores que simplesmente somem com a propaganda nos sites que
navegamos, é cada vez mais popular. Uma pesquisa recente da PageFair mostrou
que 22,7% dos visitantes de sites americanos usavam algum tipo de tecnologia
antipublicidade.239 Quem irá pagar por uma mensagem que não será vista?
Para chamar a atenção, os anunciantes ainda estão avaliando as ferramentas
online e não sabemos qual a eficiência dos anúncios. Por isso, é muito difícil
prever o quanto essa estratégia poderá sustentar o conteúdo gratuito. Um
usuário-padrão de internet vê 1.700 banners de publicidade por mês.240 Você se
lembra de algum? Existe um fenômeno razoavelmente bem documentado
chamado banner-blindness, que é a tendência de simplesmente não notar mais os
espaços de publicidade nos sites que visitamos frequentemente.
Apesar das dificuldades, o investimento em publicidade na internet está
aumentando a cada ano. O que é natural, já que as pessoas estão migrando das
outras mídias onde as marcas tradicionalmente apresentam seus anúncios. O
problema é que o Google e o Facebook recebem uma parcela desproporcional
dessa verba. Uma estatística alarmante para os meus colegas jornalistas surgiu
em novembro de 2013: o faturamento do Google em publicidade já é maior que
o dinheiro ganho em anúncios de “todos” os jornais dos EUA somados. E isso
faz sentido, do ponto de vista da marca. É impossível prever as circunstâncias
que alguém verá um anúncio em uma página de jornal e o público-alvo é só um
grande chute. Por outro lado, ao anunciar no Google, a empresa está pagando
pelo direito de pular na frente do leitor no momento que ele está buscando algo
para comprar. Para cada vez mais anunciantes, este parece ser a decisão mais
racional.
Essa concentração de dinheiro em publicidade e ferramentas de publicação
(como Facebook e YouTube) desmantelam o discurso da vitória dos
“independentes”, tão propalada pelos utópicos da internet. O que acontece hoje é
o oposto da democracia coletiva. Há uma centralização da habilidade de ter lucro
com conteúdo, onde hubs como a Amazon, Google e Apple levam uma
porcentagem de milhões em vendas. A internet favorece os gigantes – assim
como a era pré-digital: só mudaram os atores. Os intermediários antes eram as
gravadoras, as editoras e jornais, que podiam estabelecer contratos exploratórios
mas de alguma forma “agregavam valor” ao produto cultural. Hoje, as empresas
de tecnologia dão uma porcentagem maior, sim, mas a que preço? O Facebook é
de longe o maior “jornal” do mundo, com milhões de repórteres provendo
informações relevantes para os leitores. Mas nenhum deles recebe um centavo. É
possível competir?
Já está claro para uma enorme parte dos jornalistas que a publicidade não
banca sozinha a informação de qualidade. As melhores, mais bem apuradas e
mais impactantes reportagens, críticas ou artigos não são necessariamente (ou
são raramente) as mais lidas – e certamente não são as mais baratas de serem
produzidas. Mas, especialmente na internet, elas custam praticamente o mesmo
para o anunciante, que está interessado principalmente nas estatísticas de
visualizações de página – ele quer aparecer para o maior número de espectadores
possível. Então, para satisfazer a demanda por cliques e mais “impressões” de
anúncios, os donos de portais de notícias da internet colocam mais informação
gordurosa, sensacionalista, como discutimos no capítulo anterior. E isso, por fim,
desvaloriza o produto. Enquanto houver alternativas gratuitas de alta qualidade,
será difícil convencer o leitor a pagar pela informação.
Mas pagar pelo produto criativo, intelectual – seja ele um livro, uma notícia,
uma música ou uma foto – é nada menos que necessário para garantir o nosso
futuro. A alternativa é reformar muito profundamente o sistema capitalista e
ninguém parece muito disposto a isso.
Novos princípios
No fim de 2013, discutia-se acaloradamente o marco civil da internet, uma
espécie de lei fundamental que definiria os direitos dos brasileiros quando usam
a rede. O texto não havia sido finalizado enquanto terminava o livro, mas um dos
pontos em contenda era sobre a remoção de conteúdo que violava direitos
autorais. Nos outros países, caminha-se para uma legislação mais estrita, onde
sites que se beneficiam da pirataria digital devem tirar o conteúdo assim que
receberem notificação extrajudicial (mecanismo conhecido como notice and take
down) e provedores de acesso à rede podem cortar a internet de quem é pego
seguidas vezes pirateando conteúdo. Regras assim passaram em países como
Alemanha, França e Espanha. Na Inglaterra, a alta corte ordenou que os
principais provedores de internet bloqueassem o acesso ao Pirate Bay, o
principal site de arquivos de música e vídeo piratas. Os legisladores de países em
crise entenderam que era melhor proteger alguns empregos da economia criativa
e garantir uma receita maior sobre produtos intelectuais, mesmo que para isso
fosse necessário mexer um pouco com a privacidade e a “liberdade” percebida
do usuário.
Não se chegou nem de perto a cogitar algo assim no Brasil. A maior parte da
mídia, pró-liberdade irrestrita da internet, abraçou o discurso dos ativistas da
internet livre, que consideravam a ameaça à chamada “neutralidade da rede” ou a
possibilidade de retirada de conteúdo sem decisão judicial prévia uma traição ao
princípio aberto da internet. Pintando cenários apocalípticos, diziam que se os
“inimigos do povo” (as operadoras de telecomunicações e a TV Globo, no
caso245) ganhassem a disputa no Congresso, a internet não seria como era antes.
“A liberdade de expressão está ameaçada”, avisavam, convocando manifestações
em favor da lei como estava.
Acontece que a liberdade de expressão, apesar de importante, não é algo
absoluto – ela tem limitações e pode ser regrada, como, por exemplo, nos casos
de crimes contra a honra. Não há por que criar uma hierarquia e exigir que todos
os direitos sejam submissos à liberdade de se fazer o que se quer na internet. A
Declaração Universal dos Direitos Humanos diz, por exemplo, que “todos têm
direito à proteção dos interesses morais e materiais ligados a qualquer produção
científica, literária ou artística da sua autoria”. A ideia de que o controle de cópia
é um mecanismo criado pelas elites e grandes corporações para limitar o acesso
da população – um discurso corriqueiro dos ativistas – esquece que quem produz
arte e cultura são “pessoas”. E assim como elas têm direito de falar o que
quiserem na rede (sofrendo as consequências em casos de ofensas), também têm
o direito de explorar comercialmente o seu trabalho, e o resto da sociedade deve
respeitar este direito.
“A lógica do copyright não demanda pagamento a artistas nem para seus
parceiros legais; apenas respeito aos desejos implícitos do artista. O copyright
protege igualmente a escolha individual de um artista de ofertar o seu trabalho
de graça ou optar por cobrar uma taxa por isso. O ponto é que essa é uma
escolha dele, não do consumidor ou de um distribuidor não licenciado, não
importa quão fácil a internet faça com que isso possa ser ignorado ou
racionalizado. A questão é: estamos preparados para respeitar essa escolha?”,
escreve Chris Ruen em Freeloading. Ele teve a ideia de publicar o livro depois
de perceber que muitos dos seus artistas favoritos, mesmo os que ele considerava
famosos, não ganhavam muito dinheiro com música e não viviam uma vida
muito melhor que a dele, um barista do Brooklyn, nos EUA.
“Ativistas de internet apresentam o nosso futuro online como sendo uma
escolha entre o controle ou a criatividade, mas na verdade é uma opção entre o
comércio e o caos. Um sistema completamente fechado de fato derrotaria o
propósito da internet; limitaria tanto o comércio quanto a criatividade. Mas isso
também aconteceria em um ambiente totalmente aberto, onde vender mídia
digital – ou qualquer coisa que puder ser reduzida a um código binário – se
tornasse praticamente impossível no longo prazo. Nós teríamos uma
infraestrutura de comunicação do século 21 dando suporte a uma economia do
século 17, onde artistas precisam de mecenas e apenas bens físicos têm valor.
Isso não parece com o progresso”, alerta o jornalista Robert Levine em Free
Ride, possivelmente o melhor livro sobre a fragilidade dos direitos autorais com
as novas tecnologias.246 “Você não consegue ter uma economia funcional sem
um mercado, e não pode ter um mercado sem alguma forma de direitos de
propriedade, e esses direitos não significam nada se não puderem ser garantidos
por lei e polícia. Nós realmente queremos arriscar destruir um mercado
centenário de produtos culturais apenas para que a internet continue a funcionar
como em 1995?”
Não há dúvidas que as leis devem mudar para se adaptar à nova realidade. Mas
acima de tudo elas têm de respeitar o desejo do autor, que tem o direito de ter
vantagens econômicas sobre o seu trabalho, e isso não é um problema. É claro
que eu escrevo este livro movido por uma vontade de levar uma mensagem ao
mundo. Mas a minha disposição em escrever outro ou seguir explorando ensaios
na internet dependerá largamente da disposição do público em financiar este
trabalho de maneira direta, com dinheiro. Se eu acredito que a minha pesquisa e
meus textos geram algum impacto na percepção que as pessoas têm do mundo,
nada mais natural que esperar que elas me compensem por isso, e todos vamos
ganhar no processo: eu melhorarei minha técnica, meus leitores ganharão mais
“comida para o cérebro”. E uma economia de geradores de valor à personalidade
ganha corpo.
Posso ter até aqui pintado um cenário sombrio, mas, apesar de tudo, eu sou
otimista. Não acredito que as pessoas consumam material pirata por “maldade”.
E nem sempre ela foi uma questão econômica. Em 2012, primeiro ano do iTunes
no Brasil, as vendas em formato digital cresceram 83%, o que diminuiu o ritmo
da retração da indústria fonográfica. É possível achar qualquer música para
comprar de graça, mas já foram vendidas mais de 30 bilhões de faixas pelo
serviço da Apple. Hoje, serviços como Rdio e Deezer dão acesso ilimitado a um
catálogo de dezenas de milhões de músicas a R$ 15 mensais. O Netflix já é
responsável por um terço de toda a banda larga usada nos EUA. O que é incrível,
considerando que no meio da década passada os aplicativos de
compartilhamento de arquivos, largamente ilegais, chegaram a responder por
metade do tráfego de dados. Há cinco anos só se encontravam jogos de
videogame piratas nas feirinhas populares, mas hoje não só há a predominância
do produto oficial, como plataformas para o consumo digital se popularizam
rapidamente: o Steam, no qual se compram jogos a preço de banana, tem 54
milhões de usuários ativos. Tudo isso mostra que um componente importante da
pirataria sempre foi o fato de que era mais fácil consumir alguns produtos
culturais em sua variedade ilegal/gratuita. Hoje isso é verdade apenas em
raríssimos casos. Não há mais motivos para racionalizar a pirataria. E há dezenas
de ótimos motivos para pagar pela produção intelectual de outras pessoas.
Quando pagamos por algum conteúdo na internet, valorizamos o trabalho,
sinalizamos que queremos mais daquilo e sustentamos profissionais que
contribuem para que sejamos pessoas mais interessantes ou entretidas. Considere
tudo isso antes de baixar algo de graça ou reclamar que agora o jornal X cobra
pelo acesso às notícias. Valorize a função daquela pessoa, e contribua para que
ela não dependa do mecenato de outros. Permita-se pequenos luxos, como a
versão em alta definição comprada no serviço sob demanda da TV a cabo ou no
iTunes, em vez do disquinho comprado no camelô, filmado no cinema. Compre
bons fones de ouvido e experimente ouvir de fato uma música, prestando
atenção a seus detalhes. Valorize a arte, conectando-se de maneira mais profunda
ao que importa.
O artista britânico Roy Ascott disse: “Pare de pensar em trabalhos artísticos
como objetos e comece a pensar neles como gatilhos para experiências”. O
compositor Brian Eno partiu dessa frase e concluiu: “O que faz um trabalho
artístico ser ‘bom’ para você não é algo que já está dentro dele, mas o que
acontece dentro de você – de forma que o valor do trabalho mora no grau em que
ele pode ter o tipo de experiência que você chama de arte”.247
206 Robert Levine, Free Ride: How Digital Parasites are Destroying the Culture Business, and how the
culture business can fight back, 2011, EUA, Doubleday.
207 http://www.businessinsider.com/these-charts-explain-the-real-death-of-the-music-industry–2011–2
208 http://computerworld.uol.com.br/negocios/2013/05/03/eua-pedem-que-brasil-adote-medidas-duras-
contra-pirataria/
209 “Brasil é 5º país em download ilegal de músicas; conheça os mais pirateados”, BBC Brasil, 18 set 2012.
Disponível em: http://www.bbc.co.uk/portuguese/noticias/2012/09/120918_pirataria_musica_cc.shtml
210 http://www.filmeb.com.br/portal/html/materia10.php
211 Lula viu pirata de “2 Filhos de Francisco” um mês antes de o filme chegar ao cinema. A prática foi
abandonada porque “pegava mal”. http://www1.folha.uol.com.br/fsp/brasil/fc1512200513.htm
212 http://tj-rs.jusbrasil.com.br/noticias/3041527/venda-de-dvd-pirata-nao-e-considerado-crime-de-
violacao-autoral
213 http://terramagazine.terra.com.br/interna/0,,OI3605440-EI6581,00-
Gil+O+mundo+me+tirou+a+regua+e+o+compasso.html
214 Apenas da Superinteressante, entre as matérias claramente inclinadas em favor da “pirataria”, estão a
de Bruno Garattoni, “O Deputado Pirata” (dezembro de 2006), de Tarso Araújo, “Pirataria para salvar o
capitalismo” (novembro de 2008), de Bruno Garattoni, “A pirataria venceu” (junho de 2009); de Enrique
Tordesilhas, “A pirataria venceu. E a gente prova em 10 pontos” (setembro de 2009); de Aurélio Amaral,
Bruno Garattoni e Raphael Galassi, “Como ganhar uma discussão sobre downloads piratas” (julho de
2012).
215 http://www1.folha.uol.com.br/ilustrada/2013/10/1358555-pirataria-ajudou-breaking-bad-diz-criador-
da-serie.shtml
216 “Se todo mundo é pirata, pagar pode ser obrigação”. Site de O Estado de S. Paulo, 30 de janeiro de
2012. Acessado em http://blogs.estadao.com.br/tatiana-dias/se-todo-mundo-e-pirata-pagar-pode-ser-
obrigacao/
217 http://info.abril.com.br/noticias/internet/existe-internet-sem-pirataria–18042012–32.shl
218 Antônio Paulo, “Câmara e Senado unidos contra pirataria”, A Crítica, 9 jun 2011. Acessado em:
http://acritica.uol.com.br/noticias/Camara-Senado-unidos-pirataria_0_496150399.html
219 Julia Jenks, “Debunking some major flaws in the LSE media brief on the impact of piracy”, MPAA, 7
out 2013. Disponível em: http://blog.mpaa.org/BlogOS/post/2013/10/07/Debunking-some-major-flaws-in-
the-LSE-media-brief-on-the-impact-of-piracy.aspx
220 http://www.cartacapital.com.br/revista/770/apesar-dos-downloads–7293.html
221 http://www1.folha.uol.com.br/fsp/ilustrad/fq2703200707.htm
222 Chris Anderson, Free - Grátis, o futuro dos preços, Editora Campus, 2009.
223 http://www.arenapolisnews.com.br/noticia/297123/Joelma-da-banda-Calypso-revela-em-Diamantino-
que-n%E3o-est%E1-com-AIDS-
224 http://revistatrip.uol.com.br/print.php?cont_id=27349
225 http://oglobo.globo.com/cultura/wado-desapega-do-cd-fisico-lanca-sexto-disco-somente-na-web–
3196186
226 http://www.folhape.com.br/robertajungmann/?p=3191
228 Chris Ruen, “Freeloading - How our insatiable hunger for free content starves creativity”, OR Books,
2012.
229 http://revistagalileu.globo.com/Revista/Common/0,,EMI331605–17773,00.html.
230 http://screamyell.com.br/site/2013/08/08/wado-e-o-vazio-tropical/
231 http://brasileconomico.ig.com.br/noticias/governo-paulista-destina-r–165-milhoes-a-projetos-
culturais_128918.html
232 http://www.estadao.com.br/noticias/impresso,crise-leva-instituicoes-culturais-europeias-a-fazerem-
cortes,943461,0.htm
233 http://www1.folha.uol.com.br/fsp/ilustrada/21300-crise-atinge-as-orquestras-americanas.shtml
234 http://www.theguardian.com/books/2012/may/24/self-published-author-earnings.
235 Ken Auleta, Googled: The end of the world as we know it, The Penguim Press, EUA, 2009.
236 http://www.theverge.com/2013/3/4/4054634/musics-pay-what-you-want-pioneers-sour-on-giving-
away-songs
237 http://exame.abril.com.br/marketing/noticias/gangnam-style-gerou-us-8-milhoes-ao-youtube-em-
publicidade
238 http://www.businessweek.com/articles/2013–04–22/its-getting-harder-to-make-money-on-youtube
239 http://bits.blogs.nytimes.com/2013/08/29/troubles-ahead-for-internet-advertising/?_r=0
240 http://digiday.com/publishers/15-alarming-stats-about-banner-ads/
241
http://olhardigital.uol.com.br/noticia/computador_watson_podera_substituir_vendedores_e_atendentes_de_telemarketing/193
242 https://conteudoclippingmp.planejamento.gov.br/cadastros/noticias/2013/8/1/lucro-recorde-e-demissoes
243 http://epoca.globo.com/vida/vida-util/carreira/noticia/2013/10/como-achar-o-btrabalho-da-sua-
vidab.html
244 http://www.buzzfeed.com/charliewarzel/thank-you-for-using-the-internet-we-regret-to-inform-you-tha
245 http://convergenciadigital.uol.com.br/cgi/cgilua.exe/sys/start.htm?
infoid=35269&sid=4#.UoSBLWSxNvk
246 Robert Levine, Free Ride: How Digital Parasites are Destroying the Culture Business, and how the
culture business can fight back, 2011, EUA, Doubleday.
247 http://www.brainpickings.org/index.php/2013/05/15/happy-birthday-brian-eno-the-father-of-ambient-
music-on-art/
6. Precisamos discutir
isso mais vezes
“A realidade é chata, mas é o único lugar onde se pode comer um bom bife.” – Woody Allen
Um livro que se concentre em falar das relações das pessoas com a tecnologia
é algo perigosamente perecível. Quando comecei a esboçar essas ideias, em
2011, fazia sentido falar de Orkut ou Blackberry; as TVs 3D eram uma grande
promessa e apetrechos como o Google Glass eram pura ficção científica. Então,
tive que reavaliar e reescrever os meus exemplos o tempo todo, e entre entregar
os originais e o livro aparecer nas livrarias, eu sabia que ele corria o risco de
ficar velho novamente, de certa forma. Cheguei a imaginar que o esforço seria
pouco útil.
Mas independentemente do nome das redes ou aparelhos que usamos, a
discussão sobre a maneira como usamos as tecnologias conectadas é
fundamental para a nossa vida moderna. Porque, justamente, não há mais uma
separação clara entre esses mundos. Discutir como viver na rede é como discutir
a melhor maneira de viver na cidade – que é algo, aliás, que precisamos debater
melhor: só agora falamos seriamente em mobilidade urbana, ainda não
entendemos completamente as causas da violência e desejamos saber como
participar melhor da vida do nosso bairro. Há bem mais gente vivendo sozinha,
há condomínios fechados, menos organizações como times de esportes
amadores, cineclubes e sindicatos. Onde estão as pessoas? O tempo gasto com as
telas é causa ou consequência dessa nossa organização em sociedade?
Então, o que quero aqui, a partir da nossa relação com a tecnologia, é começar
a reflexão sobre coisas importantes, dentro ou fora das telas. Discutir a
multitarefa é falar da dificuldade de separar a vida pessoal e o trabalho;
questionar as redes sociais e a privacidade é pensar sobre o narcisismo, o
excesso de publicidade e os limites de discutir grandes ideias online; conhecer os
circuitos neurais ativados pelo vício em joguinhos ajuda a entender outros
comportamentos obsessivos; falar da pirataria é pensar sobre qual tipo de
mercado de trabalho vamos valorizar no futuro. No fundo, a discussão sobre uma
vida digital saudável é uma conversa sobre a vida, ponto. A ideia é parar e
entender o que estamos ganhando e o que estamos perdendo enquanto gastamos
a bateria dos smartphones.
Como quase qualquer pessoa que trabalha por longas horas na frente do
computador, desenvolvi problemas na coluna cervical nos últimos anos, e meu
ortopedista receitou reeducação postural global. Há alguma dose de tortura ali,
mas o mais importante que aprendi nessas sessões foi a habilidade de prestar
atenção, de tempos em tempos e ao longo do dia, em como estava sentado. Você
só melhora a sua postura se conseguir “sair” do corpo e ter essa visão de fora. O
que precisamos praticar é o que em inglês chamamos de mindfullness, o pensar
sobre o que estamos fazendo no piloto automático e refletir. Se estamos
respirando direito ao checar e-mail, se ficamos irritados demais com discussões
irrelevantes, se precisamos registrar tudo em fotos.
Sempre, em todas as épocas, temos a impressão de que o mundo está indo
rápido demais. Mas o que me preocupa hoje é a “cultura da interrupção”. Nos
anos 1990 apenas médicos e policiais tinham pagers: as pessoas só se davam o
direito de serem interrompidas em qualquer lugar se alguém, literalmente,
estivesse morrendo. Hoje, uma curtida na última foto acende a tela com
notificações, software nos carros leem mensagens no Facebook e, para
completar, o Google quer colocar esses alertas de últimas mensagens
diretamente na nossa cara, via Google Glass.
Em 2012, quando os óculos com telinha conectada foram apresentados ao
mundo, escrevi um longo artigo pedindo que o Google desistisse da ideia.248 Há
uma utilidade para esse aparato para engenheiros, médicos, militares e outros
profissionais que consigam usá-lo em situações profissionais, muito específicas e
temporárias. Mas o Google o projetou para ser o computador de mais rápido
acesso: basta dar uma olhadinha para cima e ditar alguns comandos. O problema
de algo assim não é simplesmente uma questão de privacidade (ele tem uma
microcâmera), mas é a mudança do comportamento humano. Ninguém se
comporta de maneira natural quando sabe que o interlocutor pode estar filmando
tudo, para início de conversa. É difícil acreditar que parar uma conversa, olhar
para cima e falar alguma coisa a um computador “não” vai nos desconectar
ainda mais do presente, das pessoas ao redor.
Quando pedi para as pessoas pensarem se esse é realmente o futuro que
queremos, fui acusado de ludita, de “ir contra o progresso”. E vejo com
preocupação quem abraça as novas tecnologias sem crítica alguma: os que
acreditam que o fim da privacidade não tem volta, que no futuro poderemos
“visitar o mundo sem sair de casa”, apenas com óculos e simulações cada vez
mais ricas (e isso é necessariamente bom), que a produção artística e intelectual
será sempre abundante e gratuita, bancada pela publicidade. “Este é o caminho,
adapte-se ou morra”, repetem com um certo triunfalismo. Podemos –
precisamos, na verdade – parar para pensar nessas questões que são dadas como
resolvidas e começar a avaliar as alternativas, antes que seja tarde demais. Do
privilégio ao transporte individual e ao uso das armas de fogo por civis, há
vários exemplos de tecnologias que parecem boas, que privilegiamos por muito
tempo e só começamos a questionar com firmeza décadas depois. Se
anteciparmos o debate, teremos um futuro mais “sadio”.
A esperança de que uma resistência não ao progresso, mas ao progresso sem
discussão, começa a ganhar força é que livros como este aqui e artigos que
jogam luz sobre essas questões estão ficando mais populares. Em 2013, escrevi
em meu pequeno site um texto sugerindo que poderíamos considerar Candy
Crush um problema de saúde pública:249 ele saiu mais ou menos ao mesmo
tempo que o UOL deu um completo guia de dicas de como se dar melhor no
game viciante da vez. O meu artigo não só teve dez vezes mais curtidas que o do
portal, mas recebi, por meses depois, mensagens de pessoas agradecendo a
“luz”, porque conseguiram ficar quatro dias sem tocar no negócio que lhes
sugava o tempo livre.
Essa resistência não se dá apenas no campo das ideias. A popularidade
crescente da ioga, da meditação ou das técnicas de mindfullness do budismo
mostram que as pessoas querem um tempo de solitude com mais qualidade. Há
também os movimentos slow. Pegue o slow food, que surgiu na Itália
defendendo uma apreciação dos ingredientes, o processo, o prazer e a
experiência comunal das refeições. Ele fez sentido para muita gente e se
materializou em restaurantes e programas de culinária diferentes. Há o slow
parenting, que tenta amenizar a “busca pela eficiência” na criação dos filhos.
Carl Honoré, seu porta-voz, diz que o slow “não significa fazer tudo no ritmo de
uma lesma. Significa fazer tudo na velocidade certa. Implica qualidade sobre
quantidade; conexões humanas reais e significativas; estar presente naquele
momento.250”
A vagarosidade, de se aprofundar e apreciar a vista, não se confina ao mundo
offline. Jack Cheng foi o primeiro a identificar uma certa slow web, sites e
aplicativos que mandam novidades uma vez por dia ou por semana. “Os sites da
fast web são como namoradas possessivas que querem estar com você,
recebendo a sua atenção e validação 24 horas por dia, enquanto os serviços que
se identificam com a filosofia slow web são como amigos com quem você sai de
vez em quando, tem um papo agradável, aprende algo sobre você mesmo e
depois volta para casa dizendo ‘precisamos fazer isso mais vezes’.251”
São movimentos que questionam aspectos dados como inexoráveis da vida
moderna, da globalização, do excesso de notícias, e pesam o quanto eles
contribuem de fato para a nossa felicidade e o quanto criam mais ansiedade.
As próprias pessoas do Vale do Silício, que basicamente inventaram as
maneiras de passarmos o tempo diante das telas, começam a criar um senso
maior de autocrítica. “Nós já terminamos essa fase de lua de mel e estamos mais
na fase ‘uau, o que a gente fez?’”, explica Soren Gordhamer, que organiza uma
conferência chamada Wisdom 2.0, que reúne alguns dos principais executivos do
Twitter, do Google, da Apple, do Facebook e da Cisco, entre outros.252 O Google
criou um programa para funcionários da empresa chamado “Search inside
yourself” (busque em você mesmo), que ensina técnicas de meditação, foco e
prega mais momentos de desconexão.253
Em outro exemplo de autorresponsabilização, as operadoras de telefonia
americanas, capitaneadas pela AT&T, lançaram uma campanha chamada It can
wait (Dá pra esperar). Elas querem conscientizar as pessoas que há uma hora
certa para mandar uma mensagem de texto e definitivamente não é quando
estamos ao volante: cerca de cem mil acidentes automobilísticos acontecem por
ano, nos EUA, por causa de distrações desse tipo.254 Um documentário
emocionante para a campanha, assinado por Werner Herzog, mostra histórias
trágicas motivadas por quem escolheu a pior hora para usar a tecnologia.
249 Pedro Burgos, “Podemos considerar Candy Crush um problema de saúde pública?”, Oene, 27/abr/2013;
acessado em: http://www.oene.com.br/podemos-considerar-candy-crush-um-problema-de-saude-publica/
250 Lisa Belkin, “What is Slow-Parenting?”, The New York Times, 8/ago/2009; acessado em
http://parenting.blogs.nytimes.com/2009/04/08/what-is-slow-parenting/?_r=0
251 http://papodehomem.com.br/movimento-slow-web-a-diferenca-entre-uma-namorada-possessiva-e-um-
bom-amigo/
252 Matt Richtel, “Silicon Valley Says Step Away From the Device”, New York Times, 23/jul/2012;
acessado em: http://www.nytimes.com/2012/07/24/technology/silicon-valley-worries-about-addiction-to-
devices.html?src=xps
253 Caitlin Kelly, “O.K., Google, Take a Deep Breath”, The New York Times, 28/abr/2012; acessado em:
http://www.nytimes.com/2012/04/29/technology/google-course-asks-employees-to-take-a-deep-
breath.html?pagewanted=all
254 http://www.theverge.com/2013/8/9/4604962/werner-herzog-from-one-second-to-the-next-texting-and-
driving-documentary
255 André Barcinski, “Tributo à Legião: pede pra sair!”, Folha de S. Paulo, 1/jun/2012; acessado em:
http://andrebarcinski.blogfolha.uol.com.br/2012/06/01/pede-pra-sair/
257 http://m.folha.uol.com.br/ciencia/1155058-internet-pode-diminuir-a-inteligencia-e-a-empatia-diz-
pesquisadora.html
Nietzsche disse que “um bom escritor possui não apenas o seu próprio espírito,
mas o espírito de seus amigos”. Não sei ainda se sou um bom escritor, mas
certamente me alimentei do espírito de todos à minha volta para conseguir
chegar a essas páginas. E queria agradecer a muita gente por isso. A começar
pela minha família: Nina, que ouviu (e leu) quase todas as ideias antes de
qualquer pessoa; meu pai e minha mãe, que além de conversar sobre o assunto
foram fundamentais em dar o empurrão final para o livro sair; Paty, Dudu e Bia,
meus irmãos, por toda a confiança e palavras de incentivo, sempre.
Este livro não seria possível sem meus colegas de trabalho e queridos amigos
Leo Martins, Manu Barem e Renato Bueno, com quem discuti muitas teses e
absolutamente todo tipo de assunto em almoços inesquecíveis (aquela foi uma
grande temporada!). Três casais queridos me ouviram falar um monte do assunto
por dois longos anos, e agradeço toda a paciência e o carinho: Kátia e Alexandre,
Giselle e Mamoru, Camilla e Daniel. Vamos ter que usar a tecnologia agora para
encurtar as distâncias.
Eu realmente gostaria de agradecer a todos os meus amigos porque, bem, este
livro é resultado direto do que observo e absorvo deles. Mas para não cometer
nenhuma grande injustiça (elas sempre acontecem), quero me lembrar das
pessoas com quem eu em algum momento sentei e discuti mais longamente este
assunto e algumas de suas ramificações: Albert Steinberger, Bernardo Silveira,
Cadija Tissiani, Carol Ramalhete, Edney Souza, Érica Briones, Fabio Bracht,
Fabio Sabba, Gisela Blanco, Gustavo Igreja, Igor Marx, Jorge Paulo Jr., José
Roberto Gomes, Leopoldo Godoy, Leandro Beguoci, Letícia Bortolon, Livia
Holanda, Lucas Cerro, Lu Yonekawa, Malu Braga, Mauricio Torselli, Renata
Reps, Rodrigo Bortolon, Rodrigo Ghedin, Tiago Luchini, Thomas Leifert, Vitor
Hildebrand. Precisamos fazer isso mais vezes, e prometo agora falar de outros
assuntos!
Muito obrigado a todos os editores que tive na minha carreira de jornalista, em
especial às pessoas da Superinteressante. Gente boa como Sergio Gwercman e
Denis Russo ajudaram a moldar o tipo de texto que escrevo hoje e me fizeram
criar o costume de desafiar as hipóteses que já tinha na cabeça. Não poderia
deixar de agradecer especialmente a Alexandre Versignassi, que além de editar
as minhas melhores reportagens disse à editora que eu poderia escrever um livro
interessante. Espero que você esteja certo, Versi.
Este livro não seria um livro sem a Tainã. Obrigado pela paciência com
seguidas deadlines mortas e por acreditar que seria mais interessante um texto
filosófico que um simples guia prático. Queria agradecer também à Marleine,
pela revisão meticulosa, à Pamela, por preparar o livro de fato e a todo o pessoal
da LeYa que se esforça em fazer esta mensagem chegar ao maior número
possível de pessoas.
Não vou parar de falar ou escrever sobre o assunto, é claro. E se consigo hoje
debater melhor essas ideias em público devo agradecer à Bia Granja e Alexandre
Inagaki, por me inserirem no mundo dos grandes eventos e me dar a
oportunidade de interagir com muitos “internautas” em carne-e-osso. Hoje
também sei discutir melhor on-line porque enquanto fui editor de um blog de
tecnologia aprendi a pensar publicamente, testar minhas teorias e conversar com
os leitores. Todas as pessoas que ofereceram opiniões sobre os meus textos
publicados na internet me ajudaram a ser um escritor melhor, e devo
agradecimentos a milhares de comentaristas (mesmo aos menos educados). Juan
Lourenço, Vagner Abreu e João Paes, grandes representantes dessa categoria,
merecem um obrigado em especial.
Nunca li tanto na minha vida como nos últimos dois anos – o iPad e o Kindle
foram ferramentas essenciais para conseguir atravessar tantas páginas, fazer
marcações e ter acesso a ideias tão rapidamente. Muitas das teses aqui foram
desenvolvidas antes por gente excepcional como Alexis Madrigal, Brian Lam,
Clive Thompson, David Foster Wallace, Douglas Rushkoff, Evgeny Morozov,
Farhad Manjoo, Jonathan Franzen, Matt Buchanan, Howard Rheingold, Jack
Cheng, Jaron Lanier, John Gruber, Nassim Nicholas Taleb, Nicholas Carr, Pierre
Lévy, Robert Levine, Sherry Turkle, William Powers. Obrigado pela inspiração.
E, por último e não menos importante, queria agradecer a Steve Jobs, Jonathan
Ive, Jeff Bezos, Larry Page, Sergey Brin e Jimmy Wales. Sem a visão do uso da
tecnologia aplicada a humanos dessas pessoas seria mais trabalhoso e menos
prazeroso conseguir produzir tudo isso. A tecnologia é só um meio, e este é um
dos fins.
Índice
CAPA
Ficha Técnica
Dedicatória
Apresentação
Introdução
Código.doc
Reinventando a roda
Você quis dizer... ?
1. Meu nome é Pedro e faz 3 minutos que não olho para o celular
O primeiro trago
Não é vício, mas é viciante
iDoentes
O que a tecnologia faz para você?
Recuperando o controle
Próxima fase
Só mais uma vida…
O problema do fumante passivo
2. Virtualmente real
O espaço
Netiqueta
Estar no lugar
Estar em todos os lugares
Videoconferência
O espaço sagrado
3. Caindo na rede
Somos seres sociais
Narciso acha feio o que não é Facebook
Oversharing
A boa esquizofrenia
O preço da privacidade
Controlando o fluxo
Precisamos aprender a esquecer
Presos no passado
Little Brothers
4. Excesso de informações
Quem precisa de tanta notícia?
Ser inteligente, hoje, é saber ser seletivamente ignorante
Infobesidade e cauda longa
Googlando o futuro
A bolha assassina
De trolls e outros demônios
Não seja o ruído
5. O preço do gratuito
Um problema invisível
Os novos intermediários
A criatividade da nova economia
Novos princípios
6. Precisamos discutir isso mais vezes
O que estamos perdendo?
Agradecimentos
A bruxa não vai para a fogueira neste livro
Lovelace, Amanda
9788544107027
208 páginas
Escrito pelo autor laico brasileiro que mais vende livros de temática religiosa no
Brasil, Jesus – O homem mais amado da História: a biografia daquele que
ensinou a humanidade a amar e dividiu a História em antes e depois é o livro
mais atual sobre a vida do homem cuja história mantém seu vigor e interesse há
mais de dois mil anos. O escritor e jornalista Rodrigo Alvarez tomou como base
as fontes arqueológicas e bibliográficas mais recentes, além das mais antigas
(entre eles diversos manuscritos originais), e viajou pelos mesmos lugares
percorridos por Jesus em seu tempo para reconstituir os passos do pregador que,
ao mesmo tempo Deus e homem, ensinou a amar, mudou o curso da humanidade
e dividiu a História em antes e depois. Com uma narrativa elegante, acessível e
guiada pelos fatos, além de ricamente ilustrado, Jesus – O homem mais amado
da História é um livro sobre um Jesus de antes do cristianismo e de todas as suas
divisões futuras – e que mostra a todos os leitores, cristãos ou não, a relevância e
a permanência de sua trajetória e de seus ensinamentos.