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no Publicação (CIP)

do Livro, SP. Brasil)


WERNER GEORG K Ü M M E L
Kllmmol. VVnnuii ( •••<>K), n o .
1

KNl Introdução ao Novo Testamento / Werner Georg Kümmel; [tradução de


i /* «d, inteiramente retundida e aumentada da Introdução ao Novo
Tattamento por Paulo Feme e Johannes Behm por Isabel Fontes Leal
Parreira a João Paixão Neto). — São Paulo : Paulus, 1982.

pp. 798 (Nova Coleção Bíblica)

llil.l" ..,...(,..
1. Bíblia. N. T. — Critica e interpretação 2. Bíblia N. T. — Introduções
i i " l u a . Paul, 1859-1933. Introdução ao Novo Testamento. II. Título.
INTRODUÇÃO
II! n.M CDD-225.6

jQdoaa para catálogo sistemático: A O N O V O TESTAMENTO


y Novo Testamento: Interpretação e crítica 225.6
2. Novo Testamento: Introdução 225.6

NOVA COLEÇÃO BÍBLICA

• A$ parábolas de Jesus. J. Jeremias


• História do Israel, J. Bright
• Intnxluç.U) nos livros apócrifos o pseudepígrafos do AT o aos manuscritos do
• L. Rost
• Introdução ao Novo Testamento, W. G. Kümmel
• Jniw..\lnm no tempo do Jesus. J . J e r e m i a s
• A i Oroi/mi/.n/odo discípulo amado. R. Brown
' AjUÊÜÇâ social nos profetas, José L. Sicre
• ti iti,li I^.IO ao Antigo Testamento - perspectiva feminista, Alice L. Laffey
• llr.ton.i ilo fiv/i/n),/,) Novo Testamento, Bo Reicke
• 0a»vr'',>">( " i M divino uma introdução à apocalíptica judaica. D. S. Russell PAULUS
94. APOCALIPSE DE JOÃO

Ncwman, "The Fallacy of lhe Domitian Hipothesis: Critique of the


SKUS Source as a Witness for the Contemporary-historical Approach
the Interpretation of the Apocalypse", N T S 70, 1963/64, 133ss; A .
-fcel, "Abfassung und Geschichstheologie der Apokalypse nach Kap.
•12., N T S 10, 1963/64, 433ss; P. Prigent, Apocalypse et l i t u r g i e " ,
iers théologiques, 52, 1964; M . H o p k i n s , " T h e Histórica! Perspective
Apc 1-11", C B Q 27, 1965, 42ss; M . Rissi, Was ist und was danach
ichchen soll. Die Zeil und Geschichlsauffassung der Otfenbarung des
nnes, A T h A N T 46, 2' ed., 1965; J. Kallas, " T h e Apocalypse — an
alyptic B o o k ? " J B L 86, 1967 , 69ss; B. W . Jones, " M o r e about the
alypse as Apocalyptic", J B L 87, 1968, 325ss; E. Fiorenza, " T h e
tology and Composition of the Apocalypse", C B Q 30, 1968, 537ss
, G A N T 330ss; J. L i n d b l o m , "Geschichtc und Offenbarungen
orstellungen von gòttlichen Weisungen u n d übernaturlichen Erschein
_en im âltesten C h r i s t e n t u m " , Acla Reg. Socielatis Humaniorum Lil
túrum Lundensis 65, 1968, 206ss; J. Becker, "Pseudonimitát der Johan
-apokalypse und Verfasserfrage", BZ, N F 13, 1968, l O l s ; J. L i p i n s k i
L'Apocalypse et le martyre de Jean à Jírusalem", NovTest 11, 1969
"5ss; L . Thompson, " C u l t and Eschatology in the Apocalypse of J o h n "
49, 1969, 330ss; K.-P. Jórns, "Das hymnische Ev. Untersuchungen
Aufbau, Funktion und H c r k u n f l der Stück i n der Johannesoffen-
n g " , S t N T 5, 1971. G . Mussies, The Morphology of Koine Greek
Used in lhe Apocalypse.

1 . Conteúdo

Depois da introdução no cap. 1 , o Apocalipse é d i -


vidido em duas partes principais formalmente distintas: os
caps. 2 e 3 são palavras de exortação dirigidas à igreja na
época do escritor (as chamadas sete cartas); os caps. 4 a
22 revelam o futuro. É esta a segunda parte principal que
abrange quase três quartos do livro inteiro e que possui
um sentido estritamente apocalíptico.
N o entanto, o relato introdutório da visão de Cristo
— do Cristo que aparece ao vidente João em Patmos —
(1,9-20) é precedido de um prefácio indicando o conteú-
do do livro como revelação divina (1,1-3) e de uma in-
trodução epistolar ( 1 , 4 - 8 ) , e associa as comunicações epis-
tolares com as idéias-mestras apocalípticas do livro como
um todo; o livro termina como se fosse uma epístola
(22,21).
Segundo 1,4.11, o livro dirige-se às sete igrejas da
Ásia, situadas nas cidades de Éfeso, Esmirna, Pérgamo,
Tiatira, Sardes, Filadélfia e Laodicéia.
| 34. A P O C A L I P S E DE JOÃO
600 C. O LIVRO DO APOCALIPSE

mão, e dá-lhe instruções mostrando-lhe que ele ( o vidente)


As comunicações (caps. 2-3) são cartas simetricamen-
|deve comê-lo. O livro primeiro parece doce, mas logo de-
te elaboradas, de conteúdo exortativo, confortador e puni-
pois se mostra amargo (cap. 1 0 ) . Então o vidente tem de
tivo, que João f o i autorizado pelo Cristo celeste a escrever
medir o templo, e ouve a profecia transmitida pelas duas
para as igrejas. Cada comunidade recebe elogios e censu-
testemunhas que aparecem como pregadores do arrependi-
ras conforme as condições em que se ache. Cada carta ter-
mento, e que são mortas pela Besta que sobe do A b i s m o ;
mina com uma promessa ao "vencedor" e, antes ou depois
Dias as testemunhas ressuscitarão e serão arrebatadas para
disto, com uma palavra de advertência: " Q u e m tem ouvi-
0 céu ( 1 1 , 1 - 1 4 ) . A sétima trombeta (11,15-19) proclama
dos para ouvir ouça o que o Espírito diz às Igrejas".
M cânticos celestes de louvor, o aparecimento da arca da
O Apocalipse propriamente d i t o (caps. 4 a 2 2 ) revela
•Anca do templo celeste, mas também a desgraça cósmica,
e interpreta as coisas que estão para v i r , numa longa série
lun seguida, nos caps. 12 a 14 vem uma longa interrup-
de visões que se apresentam predominantemente em gru-
Rto das séries dos sete: o Dragão e o Cordeiro, luta e
pos de sete.
vitória.
A visão dos sete selos (6,1-8,1) é precedida por um
A mulher celeste com uma criança é ameaçada pelo
prelúdio no céu ( 4 , 1 - 5 , 1 4 ) : arrebatado ao céu, J o ã o vê
Hragão. A criança é arrebatada por Deus ( 1 2 , 1 - 6 ) , triun-
Deus em seu trono, cercado por vinte e quatro anciãos e
fe de Miguel sobre o dragão ( 1 2 , 7 - 1 2 ) , que inutilmente
quatro animais (cap. 4 ) , vê o l i v r o selado que ninguém
fentinua a perseguir a mulher na terra ( 1 2 , 1 3 - 1 7 ) . Emer-
pode abrir ( 5 , 1 - 5 ) , e o Cordeiro que pode abrir o selo
fcm dois animais ( 1 2 , 1 8 - 1 3 , 1 8 ) ; o primeiro emerge do
( 5 , 6 - 1 4 ) . A abertura dos seis primeiros selos permite ao
m»r e é ferido fatalmente na cabeça, mas, depois de cura-
vidente contemplar os quatro cavaleiros apocalípticos ( 6 ,
l o , persegue os cristãos ( 1 2 , 1 8 - 1 3 , 1 0 ) . O segundo, que
1-8), as almas dos mártires ao pé do altar ( 6 , 9 - 1 1 ) , e o
lobt- da terra, é o agressivo companheiro propagandista do
abalo da estrutura do mundo ( 6 , 1 2 - 1 7 ) . Neste ponto, exis-
I f i m e i r o animal ( 1 3 , 1 1 - 1 7 ) . O número do primeiro ani-
te um interlúdio: o selo que marcou os 144.000 vindos
in.il. que é o número de um homem, é 666 ( 1 3 , 1 8 ) .
das tribos de Israel ( 7 , 1 - 8 ) , e a grande multidão de már-
tires diante do trono de Deus ( 7 , 9 - 1 7 ) . Com a abertura Contrastando com isso, surge a visão d o Cordeiro e
do sétimo selo fez-se silêncio no céu ( 8 , 1 ) . Mas imediata- l o s 144.000 que foram assinalados ( 1 4 , 1 - 5 ) , e aparecem
mente depois começa um segundo grupo de sete: as sete 1 anúncio e o processo do julgamento ( 1 4 , 6 - 2 0 ) .
visões das trombetas ( 8 , 2 - 1 1 , 1 9 ) . Após uma introdução Nem o terceiro grupo de sete, a visão das sete taças
(8,2-6: orações dos santos no altar celeste; o fogo lançado Kaps. 1 5 - 1 6 ) , com as horríveis pragas espalhadas sobre a
sobre a t e r r a ) , as quatro primeiras trombetas (8,7-12) fcrra, uma após a outra, pelas taças da cólera de Deus,
provocam catástrofes terríveis sobre os mares e rios da B e fim a tudo aquilo. Somente com a queda de Babilônia
terra, para o sol, a lua e as estrelas. A conseqüência é pre- •17,1-19,10) começa o julgamento divino, que leva ao
parada pelo tríplice lamento de uma águia. Depois da B u n f o final do Senhor eterno da história: o julgamento
quinta e da sexta trombetas (9,1-12;9,13-21), seguem-se •H Prostituta de Babilônia e da Besta (cap. 1 7 ) , com as
os gafanhotos satânicos e um exército de cavalos selvagens. •mentações sobre a queda de Babilônia (cap. 18) e a ale-
N u m intervalo, o vidente apocalíptico — que está nova- B f l no céu ( 1 9 , 1 - 1 0 ) .
mente na terra — tem mais duas visões ( 1 0 , 1 - 1 1 . 1 4 ) : A parte final inclui a vinda de Cristo e a consuma-
desce do céu um anjo e promete que nos dias da sétima M o (19,11-22,5) e retrata a vitória de Cristo, que apare-
trombeta o mistério de Deus será realizado; o mesmo anjo • montado num cavalo branco e cujos nomes são ho lógos,
entrega ao vidente o pequeno l i v r o aberto que traz na lou theoã, " R e i dos reis" e "Senhor dos senhores"; ele

FATHEL
602 C. O LIVRO DO APOCALI
ALIPSE DE JOÃO 603

vence o Anticristo e seus sequazes ( 1 9 , 1 1 . 2 1 ) . I n c l u i aí 1 A maneira da apocalíptica judaica '. Presumivelmente,


da: o reino de m i l anos do qual participarão aqueles cuj l ) i de tato um visionário , mas, quando retrata o que
2

piedade houver sido provada pela morte, e o julgamení J i n c n t o u , não escreve uma sabedoria secreta, suposta-
de Satanás que, entretanto, novamente depois dos m i l aa • r oriunda dos tempos primitivos; ao invés disto, ele
vai ser deixado solto ( 2 0 , 1 - 1 0 ) , o julgamento do mund •Cr uma clara profecia escatológica e uma exortação re-
( 2 0 , 1 1 - 1 5 ) , e a Jerusalém celeste ( 2 1 , 1 - 2 2 , 5 ) . pada com o presente ( 2 2 , 1 0 ) .
A conclusão (22,6-21) contém a confirmação do A I O livro tem como meta u m amplo círculo: as sete
calipse como um testemunho profético da verdade d i v i B como sendo a Igreja na perspectiva de João. A es-
e como uma promessa repetida da parusia de Cristo. O I fera literária em que se situa o Apocalipse, inclusive
vro termina de forma epistolar com uma bênção. um prefácio (14ss) e a conclusão ( 2 2 , 2 1 ) , constitui
rrminiscência da forma literária em que a literatura
I primitiva aparece inicialmente e com maior freqüên-
B e r § 1 1 ) . Tudo isso permite-nos constatar que A p
2. O Apocalipse de J o ã o
•BCTIIO com a idéia de ser lido alto nas reuniões de
c o m o u m l i v r o apocalítico e profético
Io. de modo que, também aqui, as práticas da existên-
B i i t ã primitiva moldaram decisivamente a forma lite-
O Apocalipse está intimamente associado à literatuB I..
apocalíptica do judaísmo contemporâneo (ver § 3 3 ) . í • Em sua visão da história, o livro apocalíptico do N T
material mítico, os números secretos, as visões e os fert" « s t a ainda mais fortemente com o tipo judaico.
menos do céu como meios a serviço da revelação de coí Na história do seu tempo, João vê um poderoso drama
sas do mundo do além, a representação das visões atravéá Mtá sendo representado. O palco é a terra, mais exa-
de imagens fantásticas e ricamente embelezadas, bem como] IHc o mundo dominado pelo Império Romano e prin-
a freqüente dependência do A T caracterizam o Apocalipse] Jbncnte a parte onde João vive, a província da Ásia.
como uma obra pertencente ao mesmo gênero literário d o i lomunidade cristã e o poder civil pagão defrontam-se
apocalipses judaicos. thocante oposição. O Estado romano fornece as cores
Numa trilha de imagens visionárias representam-se:| a Besta, o cruel inimigo da igreja ( 1 3 , l s s ) ; a Roma
"as coisas que devem acontecer muito em breve" ( 1 , 1 ; ! é a Prostituta que está sentada sobre a Besta ( 1 7 , l s s ) .
2 2 , 6 ) , "as coisas presentes como as que deverão aconte- a quer tomar a ofensiva contra o cristianismo: as igre-
cer depois destas" ( 1 , 1 9 ) ; a fase final na história das re- da Ásia Menor têm de sofrer sob seus ataques (2,3.
lações de Deus com o homem e com o universo. B , 8 ) , o sangue dos mártires já correu em Pérgamo ( 2 ,
Contudo, em mais de uma ocasião, o vidente do Apo- ) . Já nas visões dos selos aparece, diante dos olhos do
calipse liberta-se — de maneira bem característica — do lente, uma multidão de mártires cristãos sob o altar no
esquema da literatura apocalíptica, e esboça uma imagem 1(6,9).
histórica de estilo bastante diferente do apocalíptico ju-
daico. I Concluir, por causa d o caráter apocalíptico da revelação de João,
• lambem o nome de J o ã o é pseudônimo (Becker) é arbitrário.
O A p não é um livro pseudônimo: João escreve usan- > ' Assim pensam, por exemplo, Rissi. 26; L i n d b l o m , 220ss. O úl-
do o seu próprio nome ( 1 , 1 . 4 . 9 ; 2 2 , 8 ) . Ele não se esconde D pensa distinguir, entre os casos particulares, o quadro d o que é
|o extática pura daquilo que é construção literária. Dificilmente con-
por trás da máscara de alguma pessoa importante do pas- i" porém.

JHHTÁ-i
C. O LIVRO DO APOCALI ALIPSE DE JOÃO 605
604

Entretanto, estes acontecimentos do passado e do p (dócio imperial nas províncias ( o u algum indivíduo
sente constituem apenas uma espécie de prelúdio da g r •fite do meio delas) com a promoção fanática do
de batalha decisiva que o futuro próximo trará, "a h Imperial \ O Dragão, que fica à espreita da criança
de tentação que virá sobre o mundo inteiro, para col I no céu * e que tenta provocar um cataclisma nos
3

à prova os habitantes da terra" ( 3 , 1 0 ) , em que o num ( 1 2 , 4 . 7 ) é a força oculta que dirige a perseguição dos
de mártires divinamente predeterminado ficará compl |os ( 1 2 , 1 7 ) que se recusam a participar da adoração
( 6 , 1 1 ) , a hora em que os cristãos que permanecerem fi lesta.
até a morte receberão a coroa da vitória (2,10;3,11;1JL I N ã o obstante, a resistente comunidade de cristãos pos-
10, entre o u t r o s ) . O vidente já observa o número i n f i n i t a • m senhor que se mostra cada vez mais forte: Cristo,
de mártires que vêm do tempo da grande tentação, vestfl •Jho do H o m e m ( 1 , 1 3 ; 14,14), o Cordeiro com a fe-
dos com roupas brancas e trazendo ramos de palmeirasj mortal que está curada ( 5 , 6 ) , aquele que, como p r i -
com o sinal da vitória em suas mãos, de pé diante dai ito ressuscitou dos mortos para subir ao céu, e que,
trono de Deus à beira do mar de vidro (7,9ss; 15,2). Ela ndo à direta de Deus, é o Senhor que está acima
ouve o hino de louvor que os mártires cantam, o hino] os os reis da terra ( 1 , 5 ) . Ele é o conquistador, o
dos anjos (12,10ss); vê-os como participantes do governa or ( 5 , 5 ; 3 , 2 1 ) , o Senhor da nova era.
e da alegria do reino de m i l anos ( 2 0 , 4 . 6 ) . Por isso, João] O Deus onipotente, até agora, reduziu a zero os ata-
conclama-os apaixonadamente para o combate e para a vM is de Satanás. Salvou das mãos deste a criança celeste
tória nesse tempo de tentação: "Felizes os mortos, os que 2,5), e o próprio Satanás, juntamente com seus anjos,
desde agora morrem no Senhor. Sim, diz o Espírito, que expulso do céu ( 1 2 , 9 ) .
descansem de suas fadigas, pois suas obras os acompa- A vitória de Deus no céu garante a vitória que deve
nham" (14,13). r alcançada sobre a terra. A vontade de Deus vai deli-
Este drama, porém, desenvolve-se, por assim dizer, ndo deste modo o curso da história. E ele o faz de tal
apenas na frente do pano-de-boca do palco, porque com ele ncira que os guerreiros, que combateram a seu lado,
e por detrás dele existe uma operação de muito maior berão o prêmio dos vencedores. Trata-se daqueles "que
peso, da qual o céu e o inferno participam: a luta entre o unham adorado a Besta, nem sua imagem, e nem rece-
Deus e Satanás (ver principalmente o cap. 12ss). O ani- ido a marca sobre a fronte ou na m ã o " ( 2 0 , 4 ) .
mal com sete cabeças e com dez chifres, que emerge do
fundo do mar — um símbolo apocalíptico do Imperiunt A inalterável vontade de Deus em relação ao último
Romanum — , recebe o poder do Dragão, da antiga ser- to do drama do mundo já se acha escrita no livro secreto
pente, a sedutora do mundo. Ele é o servo do Diabo e Com sete selos, que o vidente apocalíptico vê à direita da
executa a vontade deste sobre a terra ( 1 3 , 2 ) . O Império
Romano representa o poder satânico do mundo porque ' Ver B e c k w i t h , Bousset, Brütsch, Lohse sobre A p 13,1 lss.
promove e exige o culto ao imperador (13,4ss). A ativi- »* A interpretação — amplamente considerada como evidente — ,
dade blasfema do império é mostrada ainda mais grossei- jundo a qual o nascimento da criança (12,5) refere-se ao nascimento
de Jesus em Belém (cf. recentemente Brütsch e Lohse, ad loc.) é posta
ramente pela figura secundária do segundo animal, que se cm questão por diversos motivos. A interpretação cujo ponto de vista
ergue da terra e seduz os habitantes do mundo, desviando- vê uma referência à "irrupção do tempo e do juízo da salvação mes-
os e incitando-os a adorarem a imagem do primeiro ani- siânicos" ( H . Collinger, Das 'Grosse Zeichen' von Apk 12, StBM 11,
1971, 151ss, espec. 167) é mais convincente no conjunto, embora a
mal (13,12ss). Com boas razões, este segundo animal f o i ênfase sobre " u m f i l h o d o sexo masculino" não seja inteiramente e x p l i -
identificado como " o falso profeta" ( 1 6 , 1 3 ; 1 9 , 2 0 ; 2 0 , 1 0 ) , cada com essa interpretação abstrata.
*. APOCALIPSE DE JOÃO
606 C. O LIVRO DO APOCALIPSE 607

Majestade divina no trono celeste ( 5 , 1 ) . Diante dos olhos bor sua morte redentora ( 1 , 5 ; 7 , 1 4 ; 12,11) e sua exalta-
do vidente, Cristo recebe este livro, o testamento de Deus, U i > triunfante ( 3 , 2 1 ;5,5;7,14; cf. 1,7) — constitui o pon-
a f i m de executar o que aí está contido o mais rápido pos- | d decisivo da virada escatológica da história, o penhor da
sível, traço por traço, ponto por ponto (5,7.9; caps. 6ss). lonsumação divina da história.
Apesar dos horrores temíveis que aí se encontram, seu A idéia de Heilsgeschichte (história redentora, histó-
conteúdo básico é o evangelho: a consumação da redenção l i * sagrada), em que Jesus Cristo ocupa o centro, repousa
( 1 4 , 6 ; 1 0 , 7 ) . O poder do império será interceptado por fcbre a visão da história apresentada no A p , e enriquece a
Cristo, o qual conquista e há de destruir os dois oposito- •rópria noção de história com a ênfase que dá à certeza
res dos fiéis, a Besta e o falso profeta ( 1 9 , l l s s ) . Segue- •a redenção: ganhou-se a batalha no céu, Satanás f o i ven-
-se o triunfo dos mártires no reino de m i l anos, durante cido ( 12,7ss): " A g o r a atuou a salvação, o poder e a reaie-
o qual os guerreiros que passaram pela provação ressur- m do nosso Deus, e a autoridade do seu C r i s t o " ( 1 2 , 1 0 ) *.
gem e começam a governar com Cristo, ao passo que Sa-
O vidente profético que fala no A p escreve um livro
tanás fica acorrentado no abismo ( 2 0 , l s s ) . Depois, por um
conforto para a igreja que se acha na iminência de trans-
lapso breve de tempo, Satanás é libertado para que possa
rmar-se numa igreja mártir. Tendo isso em vista, ele i n -
expandir sua terrível fúria final sobre a terra; vem, então,
preta os acontecimentos do presente e do passado re-
a última destruição do arquiinimigo de Deus (20,7ss). E ,
nte, e prediz a evolução dos fatos num curto espaço de
depois do julgamento do mundo ( 2 0 , l l s s ) , abre-se o lu-
tipo, até o f i m do mundo, quando o reino de Deus há
minoso espetáculo de u m novo mundo maravilhoso, com
ser estabelecido.
uma nova Jerusalém e com a bem-aventurada participação
dos combatentes vencedores na amizade eterna de Deus Uma base segura para a interpretação que o próprio
(21,1-22,5). to do Apocalipse exige encontra-se na situação especí-
das comunidades cristãs primitivas, que certamente se-
O que há de novo no A p é uma total recriação da
m levadas, dentro de muito pouco tempo, a uma per-
visão apocalíptica da história, fora dos modelos judaicos
guição sangrenta que atingiria toda a Igreja. Encontra-se
e segundo o modelo cristão. A visão apocalíptica da his-
mbém na confiança em face da vitória, a qual propicia
tória recebeu uma nova infra-estrutura mediante o apare-
rspectivas que ultrapassam o tempo de sofrimento já bem
cimento histórico de Jesus. Sobre este repousa todo o peso
óximo, e que fazem a atenção voltar-se para a parusia
da estrutura.
Cristo e para a destruição de todos os poderes e forças
Diversamente do que acontece com a apocalíptica ju- üe se opõem a Deus.
daica, aqui não existe nenhum olhar voltado para o pas-
sado, nem nenhuma visão supostamente antecipada, oriun- O Apocalipse é um livro do seu tempo, que nasceu
da de um passado fictício para ser apresentada ao presente. mo fruto desse tempo e que foi escrito para esse tempo,
Para João, o ponto de partida de sua esperança escatoló- fio para gerações posteriores do f u t u r o , nem mesmo para
gica consiste antes na crença alicerçada no ato salvífico de ''o fim dos tempos. Ele é u m texto ocasional, da mesma
Deus em Jesus, e na sua obra redentora, que significa v i - Jorma que o são as epístolas d o N T . Ele tem de ser com-
tória. Neste evento, que os primeiros cristãos experimen- preendido e encarado basicamente em seu contexto histó-
taram diretamente, está o fulcro da confiança de João em wico específico e peculiar.
Deus, que delineia a história.
Embora o A p dedique pouca atenção à vida terrena 4
Relativamente á visão da história no A p cf. Wendland, H o r t z , .
de Jesus, seu aparecimento — caracteii^ado principalmente 5*s. 212ss, Rissi, 60ss.
608 C. O LIVRO DO APOCALI 34. APOCALIPSE DE JOÃO 609
A o dizer isso, queremos mostrar a necessidade de dam entre si de maneira alguma. E, com isso, outras d i -
combinar a atenção dispensada às tradições já existentes visões vieram a ser cogitadas por motivos igualmente jul-
estilo apocalíptico, de um lado, com a nova visão cris gados justificáveis . 9

profética que caracteriza o livro, do outro. Por outro lado, quando olhamos para o Apocalipse
pomo um todo, mais depressa conseguimos afirmar que " o
livro não apresenta nenhuma estrutura discernível" . Além 1 0

3 . Fontes, f o r m a literária e e s t r u t u r a do mais, é preciso dizer que o A p oferece números dubletes:


da revelação d o Apocalipse M sete trombetas e as sete taças, o julgamento do mundo
em 14,14ss e em 20,1 lss, a descrição da Jerusalém celeste
Esta mensagem é apresentada em uma forma que tem em 21,lss e em 21,9ss; as visões em 7,1-17 e 10,1-11,14
suscitado inúmeras questões e problemas. De um lado, o Interrompem a seqüência dos sete selos e das sete trombe-
Apocalipse dá a impressão de possuir uma estrutura orde- tas. A sétima trombeta em 11,15-19 reúne hinos celestiais,
nada e cuidadosa Nas cartas, nos selos, nas trombetas, e Uma visão da redenção e as catástrofes cósmicas. Não se
nas taças, o número sete recebe uma ênfase explícita. No pode demonstrar nenhuma seqüência cronológica das coisas
entanto, o número sete também desempenha um papel en- Vistas, a não ser com grande dificuldade: 11,lss parece si-
fático em outros lugares do Apocalipse: sete espíritos ( 3 , tuar-se antes da destruição do templo de Jerusalém, e 17,
1 ) ; sete candelabros ( 1 , 1 2 ) ; sete estrelas ( 1 , 1 6 ) ; sete ca- Jss pertence ao período mais antigo do tempo de Ves-
beças ( 5 , 6 ; 1 2 , 3 ; 1 7 , 3 ) ; sete anjos ( 8 , 2 ) , etc. pasiano.
Várias tentativas foram feitas, e de diversas maneiras, Desde a época de H . Grotius ( 1 6 4 1 ) , muitos estu-
no sentido de explicar a estrutura do Apocalipse como um diosos, levados por essas numerosas contradições, têm ten-
todo e em seus mínimos detalhes, tomando-se como ponto tado descobrir algo sobre a origem de A p , baseando-se em
de partida o princípio do número sete . 6
conjecturas literárias. Alguns propuseram a reunião de d i -
N o trecho que fica entre as sete trombetas e as sete versas fontes judaicas ou cristãs por um editor, ao passo
taças ( 1 2 - 1 4 ) , podem-se facilmente destacar sete cenas ; 7
que outros sugeriram uma longa série de alterações de um
contudo, mesmo aí não há evidência perceptível de que esta BÓ texto básico feitas pelos vários e d i t o r e s " .
divisão seja intencional e, por isso, apresentada em sete Nenhuma dessas hipóteses, porém, mostrou-se convin-
partes. Uma comparação feita entre as estruturas propos- cente. E, assim, em décadas mais recentes, surgiram estu-
tas demonstra que as diferentes suposições não concor-
8
diosos que procuraram resolver as dificuldades adotando a
hipótese de fontes ou interpolações e, principalmente, su-
12

' A suposição, freqüentes vezes avançada, segundo a qual as ins- pondo que o A p , na forma transmitida pela tradição, re-
truções dadas ao vidente: "Escreve, pois, o que viste: tanto as coisas
presentes como as que deverão acontecer depois destas" ( 1 , 1 9 ) , seriam sultou da junção de dois textos diferentes, escritos pelo
expostas em ordem l,10-18;2,3;4,l-22,5 (assim, por exemplo, pensam
Bousset, H a r r i n g t o n , Lohse, ad loc, e na sua Inlr., 12' ed.) muito d i -
ficilmente é exata uma vez que a indicação do conteúdo refere-se, antes, 9 Ver entre os recentes, H o p k i n s ( 2 secções, 4-11 e 12-20 com 3
ao l i v r o como u m todo (ver B e c k w i t h , Caird, ad loc., Fiorenza, CBQ, subsecções), e Fiorenza (4 secções: l-3;4-16;17-20;21,22).
540, nota 2 2 ) .
10 Piper. , ,
Cf., entre os mais recentes, por exemplo, Charles, Lohmeyer,
4
" Ver o relatório em B e c k w i t h , 224ss, Bousset, 108ss; Lohmeyer,
Lohse, Rist; Albertz, de Zwaan; Bowman, Coppelt e os nomeados em ThR 1935, 35s.
Feuillet, Apocalypse, 24s. 12 Charles; McNeile-Williams; W i n d i s c h ; G i e t , 182ss consideram 19,
' Cf. Bowman: 12.1-18; 13.1-10; 13,11-18; 14,1-5; 14,6-13;14,14-20; 15,2-4. 9-22,21 como u m acréscimo posterior; segundo Rissi, 83ss, teria havido
Cf. a tábua em Bowman, 444.
8
interpolação de 13,18b; 15,2; 179b-17 numa segunda edição do livro.
610 C O LIVRO DO APOCALIPSI I . APOCALIPSE DE JOÃO 611

mesmo autor em épocas diversas . Mas nenhuma destai


1}
t A linguagem de A p é impregnada de numerosos ecos
hipóteses esclarece por que teria um autor inserido num* ••is tio A T , embora não haja uma única citação literal,
texto posterior um escrito de sua própria autoria, sem cor^ • t l i alusões freqüentemente mostram ligações com a
rigi-lo. Sendo assim, por este caminho também não chegai K e com traduções posteriores do A T , embora na maio-
mos a nenhuma solução a respeito do problema literária Hba casos elas revelem um conhecimento idiomático dos
do Apocalipse . M
l i o s do A T em hebraico e aramaico . Como resultado l 6

Temos, então, de distinguir dois fatos: 1) a forma i l o . o autor não só escreve num estilo hierático forte-
literária de A p não pode ser atribuída unicamente às m- fliii i mitizante — a tal ponto que seu modo de expri-
tenções estilísticas do seu autor, e 2 ) nem fontes conjul •le a respeito do A T pode ser utilizado como um au-
gadas nem interpolações secundárias podem ser demonstr B para a crítica do texto — , mas ainda "ao longo de
17

das de maneira convincente. jf) o livro encontram-se dificuldades gramaticais e esti-


Tais fatos levam-nos simplesmente à conclusão de q u f H | de tipo especial e em tão grande quantidade, que
o autor usou vários tipos de material, e de modo indep lom.i evidente só poder traiar-se de uma Revelação, o u
dente " . Diante do material variado, a questão a que i H t f , da Revelação: sobretudo incongruências gramati-
conseguimos fugir, à qual não podemos responder cem a qui emprestam ao caráter lingüístico do Apocalipse
gurança, mas que é inevitável para a exposição de text pbrma peculiar" . Esta forma da língua grega, carac-
l 8

isolados, consiste em saber se este complexo particular ( JC* do A p , certamente não resulta de uma "cuidado-
tradição ou esta concepção provêm de uma origem pa B r a d u ç ã o do aramaico , nem parece provir de algum
19

judaica ou cristã. Para a nossa compreensão da origem á. V e i o literário do vidente apocalíptico; deve antes ser
A p como um todo, porém, esta pesquisa da história dal] fiulhl.i t o m base no fato cie que " o autor pensava em
religiões possui amplo significado, porque, em quali|iieí ^ B c o , mas escrevia em g r e g o " . 20

dos casos, João já encontrou seu material dentro de um » Além desta qualidade especial da linguagem no sen-
modelo judaico, se não até mesmo cristão, e dele usou d l ^fcais estrito, o A p mostra, nos seus hinos e cânticos de
maneira completamente livre. fer, uma grande abundância de material poeticamente
M u i t o importantes são as formas lingüística e esti mo: I , 5 s ; 4 , 8 . 1 1 ; 5 , 9 s . l 2 s ; 7 , 1 0 . 1 2 ; l l , 15.17s;12,10-12;
tica segundo as quais o autor reelaborou, o material q B|;16,5s;19,ls.5-8;22,13. Freqüentemente se supôs que
ele extraiu de sua experiência visionária pessoal e da sit" ^•stivesse citando elementos litúrgicos do culto cristão
ção em que vivia a igreja de seu tempo.
B Provas cm Charles I , L X V s s .
• O . Lohse, Z N W 1961.
1 3
de Zwaan: visões do ano 70 e 79-96; E. Hirsch, Studiem zuM P Bousset, 159. Quanto à linguagem do apocalipse, ver Bousset,
Ev., B H T h 11, 1936, 156ss: os caps. l,l-3,7;4,2-22,10.18s o r i g i n a m - Charles I , C X V I I s s ( " A Short Grammar of the Apocalypse");
nos anos 68/69 e 1.4-6;l,18-3,22;22,ll-17.20s são d o f i m do reinado I J. Schmid, Studies zur Geschichle des griech. Apk-Texles, II,
Domiciano. M . Goguel, La naissance du Chrislianisme, 1946, 57ls: 1 . v o l . supl., 1955. 173ss.
-3,22 são dos anos 80/85; 4,lss, d o final do reinado de Domiciano. Concorda Torrey.
m a r d : dois textos paralelos foram fundidos, u m dos quais começa J. Schmid. T h R v 62, 1966, 306. Cf. sobretudo as provas de
10,2 e foi composto sob o reinado de Nero, o outro, que começa , K g u n d o o qual a escolha inconsciente das categorias verbais
4,1, foi escrito no começo do reinado de Domiciano; por f i m , os pelo autor do A p deve ser explicada com base na sua língua
1-3 ainda mais tarde. • U icmftica ( p p . 349,353). Isto, porém, não exclui que u autoi
M Cf. também Michaelis, Einl., 307s. H p use expressões típicas gregas (assim, por exemplo, admite W .
" Assim pensam, ultimamente, Feuillet, Apocalipse, 27, Piper; Vai K U n n i k , " M I A r N Í Í M H , Apocalypse of John X V I I 13,17", Slu- .
lhauser (ver $ 33), 439. B John. Festschr. }. N. Sevens/er, supl. NovTest 24, 1970, 209ss).
612 C. O LIVRO DO APOCALIPSE H APOCALIPSE DE JOÃO 613

de sua é p o c a , ou que em seus textos hínicos ele seguisse;


21
p os trechos de 6,1-8,1 ;8,2-14,12 e 15,1-22,6 se sucedem
a liturgia da Ásia M e n o r ou uma liturgia pascal . Mas,
2 2 23
%ja relação de abertura, de preparação, e de evento f i -
contra esta suposição, existe a evidência de que os elemen- [ embora mesmo esta explicação não resolva todos os
tos litúrgicos são amplamente constituídos de trechos do I g m a s da seqüência das predições (observe-se, por exem-
A T e usados pelo autor na interpretação de suas visões. ), o rápido retorno ao passado em 12,lss; e a antecipa-
Deste modo, eles constituem "respostas à obra de Deus ou do julgamento do mundo em 14,14ss).
de C r i s t o " e provêm do próprio autor do A p . 2 4
Como resultado dessa discussão sobre a correta ex-
Não é o modelo de um serviço de culto terreno oUj lição do A p , discussão que se vem prolongando desde
supostamente celeste que determina a estrutura de A p .
24a antigüidade e atravessando alterações c o n t í n u a s , po-
28

É antes a seqüência dos eventos escatológicos esperados, e *"os concluir que João procura descrever, por meio do
provavelmente também as experiências visionárias do autor (erial conceptual que a tradição lhe oferece, o tempo
que constituem elementos determinantes da estrutura do h Fim, que começou na sua época e que deverá consu-
texto como um todo. Não obstante, este modelo de even- -se em breve.
tos escatológicos esperados parece ser interrompido por Neste caso, entretanto, é preciso dizer também que a
meio de rápidos retornos e repetições (ver p. 6 0 9 ) . Não I.I real da apresentação apocalíptica profética não con-
se percebe a presença de uma linha única de seqüência te no curso dos eventos escatológicos, mas em seu signi-
lógica de eventos escatológicos, de modo que dificilmente ado para o sofrimento da igreja de seu tempo. Assim
se pode falar do Apocalipse como sendo " f r u t o de um tron- do, o conhecimento das circunstâncias externas das o r i -
co ú n i c o " . Mais plausível é a suposição que remonta à
2 5

s do A p apresenta-se particularmente essencial para a


época de Victorino de Pettau ( f 3 0 4 ) , e que acha que preensão de sua mensagem.
as repetições devem ser explicadas com base no dado de
que os mesmos eventos escatológicos futuros foram descri-
tos várias vezes, um após o outro (teoria da recapitula-
ção) . Na realidade, porém, o texto não possui nenhu-
26 4 . É p o c a d o Apocalipse
ma espécie de indicação de uma repetição intencional; pelo
contrário, as visões das taças representam claramente um Segundo a tradição mais a n t i g a , o A p f o i escrito mais
29

movimento que ultrapassa as visões das trombetas. Prova- menos no f i m do reinado de Domiciano ( 8 1 - 9 6 ) .
velmente a hipótese de Bornkamm está certa quando diz
2 7
O próprio testemunho do livro indica que ele surgiu
a província da Ásia numa época de severa opressão dos
21 Por exemplo, Lohse. excurso sobre 7,17; O . Cullmann, Urchri-
ristãos, dado que mais prontamente se concebe sob o do-
stentum und Gotlesdienst, A T h A N T 3, 1962, 4 ' ed., 1 1 ; contra Jòrns, ínio de Domiciano. Através das cartas incluídas no A p ,
180ss.
22 Lãuchli.
21 Prigent, 77. lização". Fiorenza, CBQ, espec. 553, 565, 567, sublinha que a seqüên-
2* Ver Delling, Jòrns (espec. 167, 178). cia dos ciclos setenários não é determinada cronologicamente, e sim te-
A tese segundo a qual o vidente tomou parte nalguma ação Ü-
2 4 a
maticamente.
túrgica celeste não suporta provas (contra Feuillet, Apocalypse, 71, 28 Ver o exame geral em Beckwith, 318ss, Bousset, 49ss. Entre os
Prigent, 10; Staufer, Die Theologie des N T , 1948, 4 ' ed., 181). mais recentes, sobretudo Piper, Fiorenza. A contestação do caráter apo-
2 ' Goppelt, E K L I I , 366. calíptico d o A p (Fiorenza, G Á N T , 331, mais amplamente ainda Kallas)
26 De modo semelhante, Rissi, 19s. é tão infundada quanto a afirmação de que a finalidade do A p é anti-
27 É o que pensa Vielhauer (ver § 3 3 ) , 438. Jõrns, 177s, o qual gnósiica ( N e w m a n , Prigent, 11).
propõe uma divisão diversa, e fala de uma "prolepse" e de uma "rea- 29 E m Ireneu, Haer., V,- 30, 3.
614 C. O LIVRO DO APOCALI APOCALIPSE DE JOÃO 615

percebe-se que são esperadas perseguições por parte ibeu um novo templo i m p e r i a l . E assim é que, exa-
32

poderes oficiais ( 2 , 1 0 ) , que o sangue dos mártires já cor- cnte na província da Ásia, a terra clássica do culto i m -
reu ( 2 , 1 3 ; 6 , 9 ) , que todo o cristianismo se acha ameaçado jdal, na época de Domiciano estavam presentes todos os
por um perigo tremendo ( 3 , 1 0 ) : a perspectiva imediata ' requisitos para um sério conflito entre o cristianismo e
é a da irrupção de uma perseguição geral aos cristãos em V u l t o do Estado, que constitui o dado que o A p tem em
todo o Império Romano. |» (cf. também l P d ) . O vidente, em parte alguma, re-
E m 17,6, João vê a Prostituta, que é Babilônia-Roma, -se diretamente a Domiciano como o imperador então
embriagada com o sangue dos santos e com o sangue das ante, e o Anticristo, a "Besta" ( 1 3 , l s s , e t c ) , não de-
testemunhas de Jesus (cf. 6,10; 16,6; 18,24; 1 9 , 2 ) . E m 20,4, pstra possuir os traços de nenhum governante histórico
a participação no reino de m i l anos é prometida aos már- vi fico, mas antes revela feições semelhantes às da for-
tires que foram decapitados por causa de seu testemunho diabólica de Nero redivivus, que ainda continuava sen-
a favor de Jesus e da palavra de Deus, que não adoraram uma expectativa popular naquela época. Mas as cenas
a Besta e sua imagem, e que não aceitaram seu sinal em borais que o A p esboça não se aplicam a nenhum perío-
sua testa e em suas mãos, ou seja, aqueles que recusaram d o cristianismo p r i m i t i v o , senão o do tempo das per-
prestar honras divinas ao imperador (13,4.12ss;14,9.11; ições de Domiciano.
16,2; 1 9 , 2 0 ) . O cristianismo colidiu com o Estado e com Infelizmente, com base nos caps. 13 e 17, é impossí-
a religião do Estado; o culto a Cristo colidiu com o culto calcular que imperador romano reinava na época em
imperial. N o interesse da fé, o A p ergue viva oposição a t o A p foi escrito.
Roma e ao culto imperial. Isso corresponde à situação v i - Segundo 17,9s, as sete cabeças dos animais ( 1 3 , 1 ) re-
gente sob o governo de Domiciano. bentam sete imperadores: "cinco já caíram, u m [ o sexto]
Antes de Domiciano, a religião do Estado não inves- sie e o outro [ o sétimo] ainda não veio, mas quando
tiu diretamente contra os cristãos. Os atos loucos de Nero r deverá permanecer por pouco tempo" ( 1 7 , 1 0 ) . E m
em Roma, ao agredir os cristãos e sacrificá-los, nada têm hum capítulo, porém, o interesse se concentra no últi-
a ver com o culto imperial. Sob Domiciano, que segundo p> da série: a atenção dirige-se, especialmente em 13,3,
os padrões orientais reclamou honras divinas para si como Mra uma das cabeças da Besta, que parece ter sido fatal-
imperador durante toda a sua v i d a , desencadeou-se pela
x lente ferida, mas cuja ferida é curada. 17,11 ultrapassa
primeira vez a perseguição aos cristãos, promovida pelo Es- I número sete e propõe o enigma: " A Besta que existia
tado e com bases religiosas. E m 96, em Roma, membros «• não existe mais é, ela própria, o oitavo e também um
da corte imperial foram chamados à ordem sob acusação B s sete". A q u i , como anteriormente, a idéia é de que a
de atheótes, isto é, de violação da religião do Estado. E, Igura diabólica de Nero volta novamente depois da mor-
na tradição cristã, Domiciano é unanimemente considerado p : o Anticristo encarna-se no poder demoníaco da ima-
3 >

o primeiro perseguidor de cristãos depois de N e r o . 3 1 gem de Nero, que retorna do reino dos mortos, como um
K u r o imperador que não tem o direito de existir, por-
N a província da Ásia, o culto imperial era promovido
com zelo especial. Durante o governo de Domiciano, Éfeso
Schütz, 18ss. A afirmação de que Vespasiano deu ênfase especial
, 2

3 0
O título Dominus ac deus nosler, em Suetônio, Domiciano 13, e gO culto do César ( G i e t ) , contradiz tudo o que conhecemos a respeito
L.^Cerfaux e J. T o n d r i a u , Le culle des souverains dans la civilisation ffCcrfaux-Tondriau [ver nota 3 0 ] , 354).
gréco-romaine, 1957, 355ss. Sobre a lenda de Nero, ver B e c k w i t h , Bousset; Charles sobre o .
, J

3 1
Melitão, em Eus, H E I V , 26, 9 entre outros. Mp 17.
616 C. O LIVRO DO APOCALIPSE
§ 34. A P O C A L I P S E DE JOÃO 617

que viola a lei do número sete cósmico, mas que, não obs- gula sua lista dos imperadores inimigos de Deus, exata-
tante, já esteve uma vez na seqüência dos sete. mente como o fez o autor de 4Esd, que usa uma nume-
O interesse do autor, contudo, não se dirige para o ração especial para os três Flavianos por causa da hosti-
último da série, mas para um que ainda está sendo espe- lidade deles contra os j u d e u s . Se tal suposição estiver
37

rado (sétimo) e oitavo imperador. Apesar disto, de acor- certa, então Domiciano seria o sexto imperador depois de
do com 17,9a, o autor acha importante que o leitor obser- Calígula, e a numeração dos imperadores romanos feita
ve quem deve ser considerado o sexto imperador. Mas, pelo autor confirmaria a origem do A p sob o governo de
para nós, persiste a dificuldade, porque não sabemos com Domiciano. Provavelmente, porém, — ao que parece — ,
que imperador devemos começar o elenco. Se começarmos tal suposição permanece apenas como uma hipótese e não
a contar a partir de Augusto, como pareceria óbvio, Ves- possibilita uma designação certa para a data do A p sob
pasiano terá de ser aceito como o sexto imperador ( A u - Domiciano.
gusto — Tibério — Calígula — Cláudio — Nero — Ves- O número secreto 666 ( 1 3 , 1 8 ) não pode ser apro-
pasiano; os "imperadores militares", Galba — O t o — V i - veitado para objetivos relacionados com a fixação de da-
télio, em 68/69, deixam de ser considerados). Outros pre- tas; já que sua solução é completamente incerta e, com
ferem começar a contar de Júlio C é s a r , e consideram
34
bons fundamentos, vários nomes imperiais poderiam ser
Vespasiano o sétimo ou o décimo imperador. Esta posição, propostos.
porém, despreza o fato de que, segundo 17,12, os "dez
Para reforçar o f i m do século I como época provável
reis" ainda são totalmente futuros.
da origem do A p existe o fato de que, segundo 2,8-11, a
Seguindo a prática mais comum de contar desde A u - igreja de Esmirna já vinha perseverando há muito tempo,
gusto, é preciso supor ou que o A p tenha sido escrito no ao passo que, de acordo com Policarpo ( F l 1 1 , 3 ) , na épo-
tempo de Vespasiano (embora contra esta hipótese exista ca de Paulo tal igreja ainda não existia; e 3,17 descreve
o fato de que Vespasiano não foi o promotor do culto i m - a comunidade de Laodicéia como rica, quando esta cidade
perial nem o perseguidor dos cristãos), ou que o autor te- havia ficado quase totalmente destruída por um terremoto
nha incorporado ao texto um fragmento proveniente do em 60761 d.C.
tempo de Vespasiano, sem adaptar a numeração ao presen- Com toda probabilidade, portanto, o A p f o i de fato es-
te (isto, porém, é contrariado pelo fato de que 17,7ss crito em fins do reinado de Domiciano, isto é, mais ou
constitui indubitavelmente a interpretação do próprio a u t o r ) . menos em 90-95, na Ásia Menor , a f i m de encorajar as
37a

Uma suposição meramente arbitrária é a de que um comunidades cristãs ameaçadas por uma perseguição des-
autor, que escreveu no tempo de Domiciano, ficticiamente truidora, de incentivá-las à paciência e à perseverança e de
datou sua obra como se houvesse sido escrita na época de torná-las confiantes na iminente vitória de Cristo sobre as
Vespasiano . Restam apenas duas possibilidades: ou o au-
35 torças e o poder do Anticristo.
tor não se importou absolutamente com estabelecer uma
correspondência entre a numeração dogmaticamente fixada
e a realidade histórica e, neste caso, dificilmente ele po-
3 6
>

deria ter escrito 17,9a, ou então João começou com Calí- 37 Assim pensam B r u n , Strobel ( o qual sublinha que são enume-
rados os imperadores que subiram ao poder depois de Cristo: Calígula,
Giet, Lipinski.
5 4
Cláudio, Nero, Vespasiano, T i t o , Domiciano, para os quais, todos, en-
quanto já mortos, o termo épson [ 1 7 , 1 0 ] = morte violenta, convém
W Feuillet, Apocalypse, 78. Contra Fiorenza, C B Q , 547s.
perfeitamente).
' Por exemplo, Bousset, Lohse.
y

" a
Becker pretende datar o A p do tempo de Trajano.
| 34. A P O C A L I P S E DE JOÃO
618 C. O LIVRO DO APOCALIPSE 619

ü apostólou. J á com Papias o A p é apresentado como f i -


5. A u t o r fcdcdigno , e Melitão de Sardes escreveu sobre ele. Assim,
41 4 2

O vidente do Apocalipse, que é o autor do livro, de- ||do século I I em diante, o A p já era considerado apostólico
clara seu nome em quatro lugares ( 1 , 1 . 4 . 9 ; 2 2 , 8 ) : ele diz te canônico, sem exceção, no Oriente e no Ocidente, de
ser João. «uma extremidade à outra, e conservou tal conceito até a
Como ele teve sua primeira visão na ilha de Patmos, metade do século I I I .
situada no lado oposto a Mileto na costa da Ásia Menor Mas, para dizer a verdade, tal opinião não era incon-
( 1 , 9 ) , e como o livro se apresenta sob a forma de uma teste. Praticamente nada significa haver Marcião rejeitado o
carta circular às sete igrejas da Ásia (1,4, cf. 1,11) cujas A p como sendo j u d a i c o . Mas o fato de os opositores
43

condições ele conhece com exatidão como o demonstram os antimontanistas de João na Ásia Menor, os chamados Alo-
caps. 2 e 3, sem sombra de dúvida ele próprio também goi (ver § 1 0 . 6 ) , e de o. antimontanista romano Gaio (c.
pertence a esta província. O autor não acrescenta nenhum 210) haverem atribuído ao gnóstico Cerinto o Apocalipse,
título para indicar sua posição aos leitores. Como "servo" tão valorizado pelos montanistas, mostra que, no início do
de Deus (ou de Jesus Cristo, 1,1) e como "irmão e com- século I I I , a autoria do A p pelo apóstolo João constituía
panheiro" dos cristãos a quem se dirige e que se acham um dado que não gozava de forma alguma do reconheci-
"na tribulação, na realeza e na perseverança em Jesus" mento geral.
( 1 , 9 ) , ele pede para ser ouvido. Baseando-nos nesta relativa incerteza, podemos com-
O simples nome de João indica uma personalidade preender que, por volta da metade do século I I I , o bispo
comumente conhecida, e a maneira auto-evidente com que Dionísio de Alexandria, conjuntamente com sua polêmica
ele coolca seus apelos no sentido de ser ouvido mostra contra a falsa doutrina apocalíptica do Quiliasmo, negou
dever tratar-se de um homem que goza de grande autori- que o A p tivesse sido escrito pelo apóstolo João e o atribuiu
dade. O único dado que ele oferece a respeito de sua vida a outro homem inspirado também chamado João. Ele pro-
é o de que se encontra na ilha de Patmos " p o r causa da curou justificar esta posição apontando as grandes diferen-
palavra de Deus e do testemunho de Jesus" ( 1 , 9 ) , o que ças lingüísticas e estilísticas entre o A p de um lado, e o Evan-
significa que ele era um pregador do Evangelho e, como gelho e as Epístolas de João do o u t r o . A partir daí, a
4 4

tal, evidentemente sobressaía. Isto se a velha interpreta- origem apostólica do A p foi amplamente contestada no
ção de sua permanência em Patmos como exilado estiver Oriente. Eusébio oscilava, considerando-o ora "reconheci-
correta .3 8
d o " ora "espúrio" (ver § 3 6 . 1 ) . Assim, o A p falta em di-
Ja no século I I , o apóstolo João, filho de Zebedeu, versas listas canônicas da Ásia Menor e da Palestina, e na
era citado como autor, pela primeira vez antes de 160 maioria dos manuscritos gregos do N T até o século I X / X ' . 4

por Justino : anér tis o ónoma loânnes,


3 9
eis tôn apostólon Só foi incluído no N T sírio pela revisão de Filoxeno (ver
toú Christoü, en apokalypsei genoméne auto. . . proepbé- § 38.4a).
teus, e logo depois, por Clemente de Alexandria : loânnou 4 0

41 Assim, de acordo com a informação no comentário de André


* Tertuliano, praescr. haer., 36; Clemente de Alexandria, Quis dives de Cesaréia, como é apresentado em J. Schmid (ver nota 18), I Texto,
salvelur, 42. Para Feuillet, Apocalypse, 81s, e H e l m b o l d o "Apocryphon 10.
de J o ã o ' , gnóstico, o qual deve ser datado deste período, é também u m 42 E m Eus., H E , I V , 26,2.

testemunho para a origem apostólica do Apocalipse. 4 ' Segundo Tertuliano, adv. Marc., 4,5.
44 E m Eus., H E V I I , 25, lss; W G K , N T , 6s.
39 Justino, Dial., 8 1 , 4 (em relação com A p 20,4).
4 ' Cf. j . Schmid (ver nota 18), I I , 31ss.
40 Clemente de Alexandria, ver nota 38.
620 C. O LIVRO DO APOCALIPSB mt. APOCALIPSE DE JOÃO 621

N o entanto, depois que o A p foi aceito nas listas cano- I principalmente os pontos de semelhança na linguagem
nicas por Atanásio em sua trigésima nona carta festiva de na visão do mundo. Mas é evidente que, em todos esses
Páscoa, e pela Igreja latina sob a influência de Agostinho • D t o s , o apocalíptico João não pode ser idêntico ao autor
em fins do século I V , não mais se discutiu oficialmente m Evangelho e das Epístolas de João. A linguagem é com-
se o Apocalipse pertencia ou não ao N T . Como Jerônimo Wetumente diferente 5 0
( p o r exemplo, no A p arnion, Ierou-
não menciona, em seu catálogo de escritores, o fato de mém, éthnos, éthen = as nações pagas; em Jo: amnós,
que o valor canônico do A p já fora discutido, a Idade Mé- mrosólyma, éthno = os judeus). Mais importante é o fato
dia também não se preocupou com isto. •ir que a escatologia do A p é formada, o mais fortemente
Foi Erasmo quem novamente veio retomar as consi- •Oasível, de conceitos apocalípticos futuristas, ao passo que
derações que contrariam a idéia de que o A p tenha sido es- • de Jo não possui absolutamente nada disso. Paralela-
crito pelo evangelista João. Lutero, que julgou o A p ques- •ente, existe o fato de que Jo se mostra interessado na
tionável por causa de seu conteúdo, explicou, em seu "Pre- Hda terrena de Jesus, ao passo que o Apocalipse traz ape-
fácio ao Apocalipse de são J o ã o " ( 1 5 2 2 ) , que ele não m» diversas referências à sua morte. A p e Jo falam e pen-
considerava o livro " n e m apostólico nem p r o f é t i c o " , e,' 46 lim, de modos tão fundamentalmente diversos, que a an-
em seu prefácio mais positivo, o de 1530, manteve igual- 11>• -1 tradição (que não é de forma alguma inconteste), ao
mente a mesma posição a respeito do autor. Embora Z w i n - irmar que os autores de Jo e de A p são idênticos, não
glio e Calvino encarassem o Apocalipse com alguma reser- ie apoiar-se numa informação digna de total confiança,
va, J. S. Semler foi o primeiro a negar uma vez mais, as precisa ser creditada a uma primitiva conclusão que se
com fundamentos teológicos e da história das religiões, fchava ligada à canonização dos dois textos.
que o A p houvesse sido escrito pelo apóstolo J o ã o . Desde 4 7
Desta maneira, a propósito do autor do A p nada sa-
então, a idéia de que o Apocalipse e o Evangelho de João bemos a não ser que ele era um profeta judeu-cristão cha-
não poderiam ter vindo do mesmo autor ficou firmemente mado João. Ele não pode ser identificado com João, filho
estabelecida , embora agora, como antes, haja muitos de-
48
de Zebedeu, já que em 18,20;21,14 o autor do A p fala
fensores da hipótese de que o apóstolo João é o autor do dos apóstolos como de outros homens, entre os quais ele
Evangelho e das Epístolas, bem como do A p o c a l i p s e . 49
não estaria incluído.
Para justificar a identificação do autor do A p com o O "presbítero" João mencionado por Pápias absolu-
autor de Jo e com o apóstolo J o ã o , têm-se usado como tamente não pertence com plena certeza à Ásia Menor, e
argumentos não só a tradição que já vem de longa data, é mais provável que se identifique com o presbítero de 2
e 3jo (e, assim, talvez também com o Evangelho de João
" Ver W G K , N T , 19s. e com l j o ) .
5 1

« Ver W G K , N T , 74s, 79. A autoridade de João como autor do Apocalipse de-


4 8
Entre outros, concordam, Bousset, Brütsch, Caird, Lohse, Rist; ve-se, não a ligações com a comunidade palestina p r i m i t i -
Fuller, Grant, Harrington, Heard, Henshaw, Jülicher-Fascher; K l i j n ; Mc-
-Neile-Williarns; Feuillet, Mussies, 351s (onde se encontram referências va, mas ao fato de ser ele a primeira testemunha de Jesus
as diferentes morfologias da língua grega); O . Bocher, Der joh. Dualis- em meio às igrejas da Ásia Menor ( 1 , 9 ) , e uma testemu-
mus in Zusammenhang des nachbiblischen Judentums, 1965. 14.
nha contemporânea de Jesus no que diz respeito ao que
49 Por exemplo. A l i o , Beckwith, H a d o r n ; Albertz, Feine-Behm,
M U t ?- r t e ' , ' Hõpfl-Gut. Mariani. Michaelis, de Zwaan, E. Stauffer,
H a r r , s o n ele v i u e quer mostrar aos servos de Deus ( l , l s ) .
Nt Theology, 1955, 40ss. Segundo Lohmeyer e Farrer o autor é o mes-
mo, mas não é o apóstolo. O problema da autoria permanece aberto M Cf. espec. Charles, I , X X I X s s e Mussies.
para Schelkle, Wikenhauser; Boismard, M i c h l , Piper; L van Hartings- '1 Sanders (83s) quer identificar o autor do A p . com o presbítero
veld, Die Eschalologie des Joh, 1962, 184s.
João e também com João Marcos.
622 C. O LIVRO DO APOCALII 4 APOCALIPSE DE JOÃO 623

I Enquanto alguns encontram no A p uma "genuína re-


6. Problema teológico I |»h-x-niaçào apostólica relativa ao titn d l história" para
^Butros ele constitui apenas " u m valioso monumento de
Embora na discussão sobre a crítica histórica e a au*| H i m a crise histórica na história de nossa f é " . e seu cris-
toridade canônica de T g , o problema teológico relativo • • li.inismo consiste num "judaísmo fragilmente cristianiza-
mensagem desta epístola nunca tenha sido suscitado amei]
da época de Lutero, logo desde o princípio f o i o conteúdo Hoje em dia já existe uma unidade básica em face
do A p que provocou a discussão a respeito dele. Dionísio) I o método adequado para a interpretação do A p , pelo
de Alexandria levantou questões sobre o autor do A p por bicnos sempre que tal interpretação se fundamente em pres-
causa de representantes de uma esperança voltada para supostos escolásticos. O A p só pode ser entendido com base
uma época escatológica terrena ( " quiliastas"), aos quais Bas intenções do autor e em nossa transposição histórica
ele se opunha recorrendo ao A p 20. A f i m de promover bar a o tempo dele. Se as pesquisas forem feitas primor-
um caso contra os falsos mestres, pondo em jogo a auto- dialmente voltadas para o sentido tradicional das imagens
ridade escriturística da doutrina deles, Dionísio negou a
b conceitos (método da história da tradição), depois pre-
origem apostólica d o A p com base em argumentos histó-
UN.uemos tentar determinar que expectativas relativas ao
ricos, e acrescentou que o livro ia além do que ele pode-
[ r i m eram proclamadas pelo autor (método escalotógico).
ria aceitar.
'Finalmente, pela referência ao passado imediato ou à his-
tória presente, teremos de observar que o Fim dos tempos
M u i t o semelhante foi a explanação de Lutero no prin- é visto como algo que já se está realizando no presente
cípio do período da Reforma, na qual ele dizia que "seu (método da história dos tempos). Ainda que, ligando es-
espírito não podia suportar esse l i v r o " , porque o A p estava tes métodos referentes ao sentido intencional das numero-
por demais envolvido com contos e imagens, e nele Cris- sas imagens e conceitos, possamos atingir uma perspectiva
to não era nem ensinado nem tornado conhecido. Apelan- relativamente certa, o problema teológico persistirá no sen-
do para a discussão surgida na igreja antiga, ele determi- tido de se saber até que ponto a visão escatológica da
nou que o livro não deveria ser encarado nem como apos- história proclamada no A p está em harmonia com o resto
tólico nem como profético. da mensagem do N T e saber, outrossim, que significado
Quando começou o enfoque conscientemente histórico existencial possui para nós hoje a imagem apocalíptica do
do N T mais uma vez, Semler declarou que achava " o tom f u t u r o , que se nos apresenta tão estranha.
do Apocalipse desagradável e sujeito a objeções", e a tal Em face das repetições e das contradições encontradas
ponto que ele não considerava o livro como inspirado, e no A p , e da inserção do aparecimento de Cristo no pas-
se sentia obrigado a negar que o mesmo houvesse sido sado e da experiência da Igreja no presente dentro da his-
escrito pelo autor de Jo (ver item 5, no f i m ) . Por con- tória do f i m dos tempos, não resta dúvida de que o A p não
seguinte, o A p tem sido teologicamente discutido em todas pode oferecer nenhuma "cronologia de datas escatológi-
as épocas da história da Igreja, por causa do seu conteúdo cas" " . Apesar disto, porém, sentimos que o autor desejou
que, dentro do esquema do N T , é, sem precedentes, visio-
nário e figurado, como também porque apresenta dificul- '2 G o p p e l t , 369; cf. A Võgtlc, Das NT und dir neuere kalholische
dades à sua compreensão. Isto conservou-se verdadeiro até lixegese, I , 1966, 164 ( " u m l i v r o minuciosamente c r i s t ã o " ) .
os dias de hoje. " Rist.
** R. Bultmann, Theologie des NT, 1958, 3' ed., 525
, 5
Assim pensa, com razão. Michaelis, Einl., 311.
624 C. O LIVRO DO APOCALIPSE

levar-nos a compreender as suas profecias de maneira rea-


lista. Trata-se, antes, de uma "figura da essência da tota-
lidade dos acontecimentos" , que só é acessível à fé. A
56

figura da realidade não é, de forma alguma, a de um ju-


daísmo superficialmente cristianizado, como o demonstra
o significado central do Cristo, presente e f u t u r o , para a
visão global da história divina e para a situação atual da
comunidade c r i s t ã . Mas, em grau raramente elevado, os
57

conceitos e as imagens que constituem tal figura da reali-


dade pressupõem não só a antiga visão do cosmo, como
também idéias do judaísmo e do helenismo que represen-
tam tensão ou contradição quando confrontadas com a men-
sagem central do N T ( p o r exemplo, o pedido de vingança
em 6,10, ou a realização terrena da esperança futura do
reino de m i l anos em 20,2ss).
J á que tais conceitos e imagens se acham em irrever-
sível contradição com o cerne da mensagem do Novo Tes-
tamento, a tarefa teológica da interpretação do Apocalipse
só poderá ser desempenhada quando a tensão entre essas
imagens e figuras for realçada e teologicamente avaliada.
Não há fundamento para excluir o A p , como um todo,
do N T , embora seja necessária uma crítica teológica mi-
nuciosa deste texto. Apesar de algumas objeções, como as
de Lutero, por exemplo, poderem ser resolvidas com base
num conhecimento mais adequado do mundo conceptual
contemporâneo, mesmo assim, sem dúvida alguma, o apo-
calíptico corre o perigo de projetar o objetivo de Deus na
história do mundo de maneira demasiado clara e unificada,
e, de fato, bem que ele gostaria de tê-lo à sua disposição.
Assim, uma crítica sobre a relação existente entre o
cânone como um todo e o Apocalipse torna-se particular-
mente necessária e até indispensável para determinar a ver-
dadeira mensagem do livro. Como acontece em T g , o A p só
pode exprimir o valor pleno de sua mensagem dentro do
contexto e dos limites do N T .

56 Goppelt, 369.
" Cf. H o l t z , 212ss.

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