Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
N
este primeiro capítulo, vamos tratar de um conceito cen-
tral para esta obra, as mudanças nos escritos e impressos,
sobretudo as mudanças recentes que, a partir dos anos
1990, vêm transformando o texto escrito e impresso em digital devido
às mudanças das mídias, permitindo assim que todas as linguagens (ima-
gens estáticas e em movimento, sons e música, vídeos de performances
e danças, texto escrito e oral) se misturem em um mesmo artefato, que
continuamos a chamar de texto, agora adjetivado como multissemiótico
ou multimodal. Esse conceito flexível, capaz de acompanhar tantas mu-
danças, é o conceito de letramentos.
No trato com os textos — escritos, impressos ou digitais —, não
temos mais apenas signos escritos. Todas as modalidades de linguagem
ou semioses os invadem e com eles se mesclam sem a menor cerimônia.
E isso é propiciado pela mídia digital, assunto do próximo capítulo.
Por ora, vamos ver como os letramentos se ampliam e modificam,
tornando-se multiletramentos e novos multiletramentos ou letramentos
LETRAMEN TOS
1
Paulo Freire (1921-1997), pernambucano nascido em Recife em família de classe média, foi um edu-
cador, pedagogo e filósofo brasileiro que construiu renome internacional e que até hoje é mundialmente
citado quando se trata da pedagogia crítica. Foi preso e exilado pelo Golpe Militar entre 1964 e 1980.
Sua proposta se baseava em uma visão marxista da pedagogia, em contraposição à pedagogia tecnicista
LETRAMEN TOS
por ele denominada de “educação bancária”. Uma pedagogia crítica se constrói com base na cultura
local do educando, da qual se parte para abordar o objeto de estudo. A convicção de Freire é que, de
maneira dialética e com base em seu conhecimento de mundo, o educando, por caminhos próprios e
diversificados, construirá os saberes visados. Entre suas obras mais importantes estão A pedagogia do
11
tismo ou letramento.
Se a alfabetização, por si só, promovesse “o estabelecimento de
novos tipos de trocas simbólicas com outros indivíduos, acesso a bens
culturais e a facilidades oferecidas pelas instituições sociais” e fosse, por
si mesma, “um fator propulsor do exercício consciente da cidadania e do
desenvolvimento da sociedade como um todo”, estaríamos “bem na fita”.
O verbete prossegue justamente definindo letramento:
oprimido (1974) e Educação como prática da liberdade (2000). Voltado para a educação das camadas
marginalizadas da população (educação popular), em especial para a educação de adultos, seu trabalho
se estendeu a toda a América Latina e África. Criou o MOVA - Movimento de Alfabetização de Jovens e
Adultos, que “surgiu em 1989 em São Paulo durante a gestão de Paulo Freire na Secretaria Municipal
de Educação de São Paulo, com uma proposta que reunia Estado e Organizações da Sociedade Civil,
para combater o analfabetismo entre jovens e adultos” (Disponível em: <https://bit.ly/2GOtzka>. Acesso
em: 19 jul. 2019).
2
Dados retirados de <https://glo.bo/1gpT3Dx> (acesso em: 19 jul. 2019) e resultantes da Pesquisa Nacio-
nal por Amostra de Domicílios (Pnad), feita pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) em
2012 e divulgada em setembro de 2013, segundo a qual a taxa de analfabetismo de pessoas de 15 anos ou
mais foi estimada em 8,7% no país, o que corresponde a 13,2 milhões de analfabetos.
LETRAMEN TOS
3
A taxa de analfabetismo mais atual no Brasil foi divulgada pelo IBGE em maio de 2018, na última Pes-
quisa por Amostra de Domicílios (Pnad 2017). O Brasil tem pelo menos 11,5 milhões de pessoas com
mais de 15 anos analfabetas (7% de analfabetismo). No mundo, mais de 750 milhões permanecem nessa
situação. Disponível em: <https://bit.ly/2xnM0r6>. Acesso em: 19 jul. 2019.
13
15
17
2. MULTILETRAMENTOS
No final do século passado, em 1996, um grupo de pesquisadores
ingleses, americanos e australianos reuniu-se, na cidade de Nova Lon-
dres (EUA), para discutir as mudanças, então recentes, que estavam
sofrendo os textos e, decorrentemente, os letramentos. Por isso, foi al-
cunhado como Grupo de Nova Londres (GNL - New London Group). Fa-
ziam parte do Grupo pesquisadores — como Bill Cope, Mary Kalantzis,
LETRAMEN TOS
19
4
Propiciação (affordance, em inglês) é a qualidade ou a propriedade de um objeto que define seus usos
possíveis ou deixa claro como ele pode ou deve ser usado. Disponível em: <https://bit.ly/2H1KTCL>.
Acesso em: 22 jul. 2019.
21
23
3. NOVOS (MULTI)LETRAMENTOS
Não por acaso, cerca de uma década depois de cunhado o termo
“multiletramentos” pelo Grupo de Nova Londres, outros pesquisadores
voltam a sentir a necessidade de adjetivar os letramentos, desta vez, como
“novos letramentos” (Knobel; Lankshear, 2007).
O que estava nesse momento em questão para que se convocasse
o adjetivo “novo” como qualificativo de um conjunto de letramentos?
Obviamente, o universo aberto pelas novas tecnologias digitais da in-
formação e comunicação (TDIC). Em artigo relativamente recente, Leu,
Coiro et al. (2017) observam que a internet mudou a natureza dos letra-
mentos e que muitos pesquisadores nos últimos tempos foram levados a
estudar o assunto e a descrever as mudanças recentes nas práticas. Entre
tais mudanças, os autores elencam as seguintes, comuns aos achados dos
diferentes autores no campo de pesquisa:
(1) A internet foi a tecnologia que essa geração definiu para letra-
mento e aprendizagem na nossa comunidade global.
(2) A internet e as tecnologias a ela relacionadas requerem novos
letramentos adicionais para se poder ter pleno acesso a seu
potencial.
termo indica, de maneira geral, os traços característicos de um grupo, do ponto de vista social e cultu-
ral, que o diferencia de outros. Seria assim, um valor de identidade social. Ethos que significa o modo
de ser, o caráter. Isso indica o comportamento do homem dando origem a palavra ética” (disponível
em: <http://pt.wikipedia.org/wiki/Ethos>. Acesso em: 22 jul. 2019).
25
7
Aaron Hillel Swartz (Chicago, 8 de novembro de 1986 – Nova York, 11 de janeiro de 2013) foi um
programador estadunidense, escritor, ativista político e hackativista. Um dos criadores do feed RSS e
cofundador do Reddit e da organização ativista online Demand Progress. Swartz foi um dos arquitetos
das licenças Creative Commons. Sua contribuição não se resume ao plano técnico. Ele foi membro do
Centro Experimental de Ética da Universidade Harvard e também se tornou um notório ativista pela
democratização da informação na web, manifestando-se contra projetos de lei, tais como o Stop On-
line Piracy Act (SOPA). (Wikipédia. Disponível em: <https://pt.wikipedia.org/wiki/Aaron_Swartz>.
Acesso em: 22 jul. 2019).
LETRAMEN TOS
27
N
este segundo capítulo, vamos tratar de outro conceito cen-
tral para a discussão neste livro que é o conceito de mídia.
Mídia, do latim media, plural de medium (meio) chega até
nós por meio do inglês media (que pronunciamos mídia). Costumamos
dividir as mídias em mídia impressa (jornais, revistas), mídia eletrônica
(rádio, TV) e mídia digital (internet), embora a distinção possa hoje estar
ultrapassada pelo fato de que, hoje, tudo foi digitalizado (o impresso, o
rádio, a TV etc.).
Designa, de maneira geral, o conjunto de meios de comunicação
social. Rodrigues (s.d.) nos conta uma historieta interessante, relatada
por Conan Doyle, sobre a origem da palavra:
29
dias” que vinha construindo desde 1992, no livro Cultura das mídias,
31
mas que vai ganhar clareza com sua leitura de García-Canclini (1989) em
Letramentos, mídias, ling uasgens
Aparelho fonador/
Cultura oral Línguas orais
ondas sonoras
Paredes/
Diversos instrumentos de Línguas escritas/
MÍDIAS
33
Línguas orais e
Gramofone/rádio/
Rádio escrita/música/
Cultura de rádio-vitrola/
Cinema imagens
massas projetores-telas-filmadoras/
TV estáticas e em
televisores analógicos
movimento
Fotocopiadoras/
Línguas orais e
Videogames/ Videocassetes/
escrita/música/
Cultura das Videoclipes/ Videogravadores/
Imagens
mídias Filmes em vídeo/ Gravadores de áudio/
estáticas e em
TV a cabo Walkman/Walktalk/
movimento
Fitas K-7 e VHS
Línguas orais e
Computadores/ Programas/softwares/ apps
escrita/música/
laptops/tablets/ de edição e reprodução
Cultura digital imagens
celulares/TV de texto, áudio, imagem e
estáticas e em
digital vídeo
movimento
35
2. MÍDIA E MODO
Nesta seção, vamos estabelecer um diálogo entre dois autores de
duas áreas diferentes (mídia e educação para a mídia1, de um lado, semi-
ótica e educação, de outro), nomeadamente, Buckingham — no campo
da mídia — e Kress (e o GNL) — no campo de semiótica e educação.
1
Cumpre esclarecer que Kress foi Professor Emérito de Semiótica e Educação no Departamento de Cul-
tura, Comunicação e Mídia do Instituto de Educação da University College London. Buckingham, por
sua vez, foi Professor Emérito de Mídia e Comunicações na Universidade de Loughborough e Professor
Visitante no King’s College London.
em movimento.
37
parece que tudo passou a ser visto como “texto” que pode ser explicado
e analisado em termos linguísticos: da cultura popular à moda e à comi-
da e da política às estruturas do inconsciente, tudo é linguagem. E essas
linguagens podem todas ser compreendidas como sistemas lógicos, com
seus próprios códigos, convenções e formas da gramática e da sintaxe. [...]
Como uma forma de semiótica2, a teoria da multimodalidade representa a
última manifestação deste projeto de longa duração” (p. 98).
2
Baseada na gramática sistêmico-funcional de Halliday (1979).
39
41
sim ser tratadas como “objetos” inteiros. Mesmo assim, como objetos
Letramentos, mídias, ling uasgens
5
A primeira geração da internet (web 1.0) principalmente dava informação unidirecional (de um para
muitos), como na cultura impressa ou de massa. Com o aparecimento de sites de rede social, como Orkut e
Facebook, a web tornou-se cada vez mais interativa. Na chamada web 2.0 (segunda geração da rede mundial
de computadores), são principalmente os usuários que produzem conteúdos em postagens e publicações,
em redes sociais interativas como Facebook, Twitter, Tumblr, Google+, na Wikipédia, em redes de mídia
como YouTube, Flickr, Instagram etc. À medida que as pessoas se familiarizaram com a web 2.0, foi
possível a marcação e a etiquetagem semântica de conteúdos dos usuários, o que abre caminho para a web
3.0, a dita internet “inteligente”. Por um processo de “aprendizagem” contínua por meio da etiquetagem,
a web 3.0 pretende antecipar o que o usuário gosta ou detesta, suas necessidades e seus interesses, de
maneira a oferecer em tempo real conteúdos e mercadorias customizados e mapear seus interesses. Os
efeitos dessa “inteligência” já começam a se fazer sentir em diferentes sites, inclusive ou principalmente
nas redes sociais. Hoje, cogita-se a web 4.0, que, segundo alguns estudiosos, será como um gigantesco
sistema operacional inteligente e dinâmico, incluindo a “internet das coisas”, que irá suportar as interações
dos indivíduos e das coisas, utilizando os dados disponíveis, instantâneos ou históricos, para propor ou
Embora isso ainda esteja no futuro, não será um futuro tão distante
assim. Muitos pesquisadores, inclusive o próprio GNL (Cope; Kalantzis),
MÍDIAS
suportar a tomada de decisão, com base num complexo sistema de inteligência artificial, que operará com
base em tecnologias móveis e ubíquas, como smartphones, relógios, óculos e mesmo chips implantados.
43
4. UM MUNDO TRANSMÍDIA
Bem-vindo à cultura da convergência, onde as velhas e as novas mídias
colidem, onde mídia corporativa e mídia alternativa se cruzam, onde o
poder do produtor de mídia e o poder do consumidor interagem de ma-
neiras imprevisíveis (Jenkins, 2006: 29).
6
CGScholar é uma tecnologia de ponta de “conhecimento social”. Em seu aplicativo comunitário, o CGS-
cholar, as pessoas se conectam e interagem com pares e administradores em diálogo livre para o conheci-
mento. No aplicativo Creator, os participantes dão feedback mútuo, usando especialmente filtros desenhados
pelo conhecimento. O aplicativo CGScholar’s Analytics oferece as mais atualizadas tecnologias de big data
para orientar o desenvolvimento do conhecimento e o progresso do aprendiz. Sua livraria contém dezenas
de milhares de publicações revistas por pares, incluindo módulos de aprendizagem que alimentam uma
“pedagogia reflexiva” (disponível em: <http://newlearningonline.com/scholar>. Acesso em: 23 jul. 2019).
7
Franquia, franchising ou franchise é uma estratégia utilizada em administração que tem como propósito
um sistema de venda de licença na qual o franqueador (o detentor da marca) cede ao franqueado (o autorizado
45
ser necessário ver o filme para gostar do game, e vice-versa. Cada produto
Letramentos, mídias, ling uasgens
MÍDIAS
47