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Dominique Barthélemy

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A CAVALARIA
"§íilf;illã'riH'*" oe cEnvrÂNrA ANTrce À
FRANÇA po sÉcur,o xrr

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Néri de Barros Almeida
Carolina Gual da Silva

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Coordenador Geral da Universidade


Epcen Selveooru ns Decce

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EtEEl,
Conselho Editorial
Prcsidentc
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Ar,crn PÉcone - Anr,Bv Reuos MonrNo
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Saor Hrnelo - Ylno BumeNJuNron
re
À Cavalaria

Quanto à Cavalaria medieval, tal como definida mais acima com


rigor
ranro quanto possível
- e também, inevitayelmente, com um pouco
de flexibilidade náo se apresenta para nós como a anrírese de uma
-,
barbárie primordial. Ela será muiro mais uma yersáo sofisdcada dos acor-
dos entre guerreiros, o aprofundamento de cerros rraços já presentes nas
sociedades de guerreiros nobres como o esforço que frequentemente fazem
para entrar em acordo em vez de se exporem a ser dizimados e o uso que
fazem das armas, em ritos e cerimônias, para dar crédito sem desferir
muitos golpes
-
personagem social de herói. É possível que aCava-
a seu
-
laria medieval não tenha o que acrescenrar a esse esforço ou a esses usos a
náo ser o desenvolvimento de seus próprios meios guerreiros, em período
2

de crescimento econômico (sensível após 600) e de reforço (ligado aos


O ELITISMO CAROT,ÍNCTO
carolíngios) dos poderes reais, condais e senhoriais para melhor exor-
cizar uma yiolência potencial maior.
-
Náo temos, portanro, a relarar neste liyro, uma evolução decisiva,
toda unívoca e toda moral, da barbárie franca
à Cavalaria francesa, como
fez um autor como Guizor em 1830, e com frequência, com ele, rodo o
século XIX. Isso nos permite, ao menos, dar a Carlos À{agno um lugar mais
importante e mais específico. Aparentemente, a época carolíngia permite à aristocracia franca
dar um grande salto à frente, em direçáo à Cavalaria clássica. De fato, os
indícios do desenvolvimento da cavalaria e de sua identificaçáo com a
nobreza, nos séculos VIII e IX, abundam (apesar de nuanças passageiras).
Os progressos técnicos do armamento, especialmente das espadas e cou-
râças, parecemorientados, por umaverdadeira lógica social do temPo, Para
o reforço e a proteção do cavaleiro nobre. Ao mesmo temPo, utna moral
mais insistente torna odioso o homicídio entre cristáos, mais veemente-
mente do que ant€s, e sugere à classe dominante que dê preferência à re-
putaçáo de justiça àquela de ferocidade, oll ao menos que, sem renunciar
ao orgulho guerreiro franco, descubra uma vocaçáo na defesa das igrejas
e dos fracos. Além disso, a moral do casamento cristáo tende a reforçar o
papel da mulher nobre e a atençáo que lhe é devida. Como náo revelar
desde já minhas incençóes? Efecivamente, a longo e a médio prazo, é a
F rança p tí s - car o língi.a que verá e clodir a " Cav alarii' clássica.
No entanto, não acabemos com o suspense deste ensaio' Em
certos aspectos, contrariando o quadro que acabamos de apresentar, o
regime e a ideologia dos carolíngios poderiam ter impedido, e podem ter

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A Cavalaria O elitismo carolíngio

retardado, um desenvolvimento Cavaleiresco que parecia muito próximo depois de Í3g,acompanhado de ruídos na periferia do mundo francor,
em algumas páginas de Gregório de Tours e de "Fredegário" sobre as náo afeta seu núcleo. Os mordomos do palácio crescem em poder no
guerras civis e codificadas. Pois os carolíngios e a moral de sua Igreja século YII e regulam a aristocracia. De um deles, Pepino, o Veiho (morto
querem também atacar a liberdade ariscocrática,espécie de individualismo em 640),sairá um século depois a dinastia de Carlos Magno'
do guerreiro nobre. Inicialmente ,fazendo criticas frequentes à frivolidade, Desde 674, a"disciplina cristí' é invocada como um cimento
ao jogo; depois, pregando e tentando abolir as guerras civis. De forma necessário ao reino franco, a uma sociedade na qual o cristianismo se en-
que o modelo oferecido ao guerreiro nobre é mais de submissáo ao rei e raíza cadavez mais2. É o *om"nro no qual se estabelece uma penitência
aos condes, ou mesmo de serviço público, do que de exaltaçáo sem nuen- nova, reiterável e tarifada, que confirma ao mesmo tempo o esforço em
ças de sua virtude propriame nte dita. As palavras latinas, muito romanas, moralizar a sociedade e aaceítaçáo de numerosos compromissos. A tona-
rniles e militia afloram repentinamente no século IX, nesse que chama- lidade essencial do crisdanismo medieval é dada assim, e podemos Perce-
mos, no reino dos historiadores, de "renascimento carolíngio". Elas ber que, a partir de entáo, a Igreja propóe, ao mesmo temPo, um grande
competem com apalavravulgar, ladnizada,uassus,vassalo, e com o termo ideal moral às elites, e aceita, na prática, muitas disrorçóes desse ideal.
técnico eques, cavaleiro. Elas aparecem nas manifestaçóes que dizem Desde o reinado de Dagoberto (ezl-e»),o rei e mesmo seus condes devem

respeito fidelidade e ao serviço, na defesa e na ilustraçáo da vassalidade, supostamente defender as igrejas e os pobres eles transformam isso em
à
-
ou seja, de uma instituiçáo que mantém o estatuto, mas limita a liberdade mais um elemento de sua legitimidade embora essa "defesa" sempre
-,
dos nobres. fraca transforme-se, às vezes, em opressáo.
Por volta do ano 1000, como veremos, as palavras rniles e ruili- É por volta de 600 também que tende a desaparecer o uso, mais
ti.a váo se tornar as mais correntes no latim das cartas e das crônicas profano do que pagío, de enterrar os mortos nobres com suas armas.
para designar o Cavaleiro e a Cavalaria. De forma que, retrospectiva- Isso nos priva de informaçóes arqueológicas sobre essas armas, e será
mente, somos tentados a crer que sua difusão assinala direramente o necessário aguardar até os manuscritos ilustrados do século IX para
surgimento da Cavalaria. Mas isso é uma armadilha para os historia- "vermos" guerreiros nobres e apreciarmos os Progressos da e quitaçáo
-
dores' as coisas sáo mais complexas. Pelo concrário neste ensaio, esta- e das espadas.
remos mais atentos às verdadeiras tensóes morais e sociais que aparecem Mas, por outro lado, temos as cartas de doaçóes aos mosteiros,
a partir do sécuio IX. Trata-se de um período de expansáo, situado sob encarregados de rezar pelos morcos e assim de apagar seus erros, e essas
um regime mais fácil de caracterízar como claramente aristocrático e cartas fornecem algumas indicaçóes sobre o senhorio rural. Apartir delas,
cristão do que o século VI. entrevemos que, ao menos na Francia, a tendência ao declínio econômico
As guerras civis e a fragilidade dos merovíngios depois de 585 e demográfico foi invertida3. Um longo crescimento medieval começa
podiarn alarmar Gregório de Tours, fazê-lo duvidar do futuro dos francos. bastante lento, mas muito firme, uma vez que durará sete séculos, quase
Suas Histórias trazem, eferivamente, uma imagem crepuscular do século até 1300. Desde a época de Carlos Magno, esse crescimento faz nascer e
VI na Gáiia, muitas vezes marcado pela peste, pelos falsos reis e falsos crescer pequenos burgos onde acontecem os mercados e, sobretudo, ele
profeas. No entanto, olhando mais de perto; aprópria época de Gregório
é o início de um mundo novo, e Carlos Magno já está sendo preparado.
A monarquia franca tem instituiçóes regulares, palácios, assembleias e
Ver Karl Ferdinand §7erne! "Les Principautés périphériques'l
hostes (algumas que renovam as de Roma, outras as da Germânia). Uma
Boredus, ne 9.
verdadeira interaçáo, com normas implícitas (em parte explicitadas em Nas regiôes meridionais, a inversáo da tendência pârece um pouco mais tardia, por
Paris em 613), reúne reis, leudes e bispos. Mesmo o ofuscamento dos reis, volta do século IX.

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I
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O elitismo crolíngio
A Cavalaria

Isso cria um campo com prados e forragens próp-rias para alimentar bois
susrenra a empreitada guerreira e política que no ano 800 é coroada por
e cavalos de todas as categorias, com bosques nos quais os camPoneses
um dtuio imPerial.
praricem cortese limpam terreno enquanto os cavaleiros caçam. Até por

volta do ano 1000 ou 1100, eles náo se incomodam muito uns com os
oucros. Os polípcicos e os capirulários mostram bem: lavragem e Pastagem
Os 'tavaleiros" da Francia
sío, jâ por volta do ano 800, os dois "celeiros" da Francia e alimentam
monges, guerreiros e camponeses de escatutos bem diferenciados. Têr a
. RecentementeJean-Pierre Devroey fez um balanço dos conheci- sua disposiçáo um cavalo, mesmo que seja aPenas para se locomover, clas-
mentos a respeito do assunto de que estamos tratandoa. Em Francia, ou sifica um homem como pertencente à elite.
melhor, ao Norte do Loire, uma estiagem demográfica ocorreu por volta Tudo isso náo obviamente, sem contraparddas, e há li-
se passa,
de meados do século YL A natureza, nesses locais, voltou com toda a força,
mites e estreitamentos nessa civilizaçío amplamente rural. Cartas como a
as florestas se espalharam, assim como os animais de caça, a madeira para
do abade Lupo de Ferriàres mostram que os cavaleiros, com frequência,
aquecimento ou conscruçáo, o terreno para pastagem de porcos e as áreas
penam para alimentar sua montaria, de onde vem, sem dúvida, uma habi-
disponiveis para desmatamento. Âpesar dos vícios denunciados por Gre-
tualpropensáo àpilhagem. Mas, de qualquer forma, os especialistas fizeram
gório de Tours, os reis e as elites náo se limitam entáo a devastar e um noyo
seus cálculos' por volta de 800, Carlos Magno pode mobilizar, na Francia,
impulso se desenha a partir do século VII, dando lugar a üma nova econo-
35 mil cavaleiros e os 100 mil infantes que sáo necessários para acompanhá-
mia rural. Anteriormente, a Gáiia do Norte cultivava o trigo e a cevada,
los. A proporçáo, parece, permanecerá a mesma quando da primeira cru-
com a força de um arado conduzido por uma parelha leve. A mutação desse
zada. No século IX, notaJean-Pierre Devroey' para cada 12 homens do
sistema começa a partir do século VII, e, entre outras, a culrura da aveia,
cârnpo, um privilegiado pode ser cavaleiro ou monge graças ao trabalho
útil à alimentaçáo dos cavalos, progride. A força do cavalo deve atender às
dos outros. Num capitulário de 792, servir a cavalo e com couraça é repu-
exigências dos senhores e de seusvassalos cavaleirost, umavez que o animal
tado como possível ao possuidor de 12 mansos, enquanto quatro mansos
náo é utilizado parapuxar a "charrua". quatro mansos é a exploraçáo camPonesa
podem prover um infante
Esse mundo rural, já tipicamente "medievai", é iluminado pelos -
ideal, a que se imagina necessária para sustentar um padre de paróquia. O
grandes polípticos compostos entre 800 e 880 e também pelos editos reais propriedrio de 12 mansos é um Pequeno senhor que recebe censos; é
(capitulários) e todas as demais fontes do "renascimento carolíngio". Po- também um pequeno notável, um vassalo de abade ou de grande iaico, que
demos nos dar conra de que o desenvolvimento de uma técnica de cavala-
ele escolta, entre outros motivos, a fim de honrá-lo e lhe prestar apoio, em
ria náo tem nada de contraditório com o desenvoivimento da charrua rroce, sem dúvida, de dons de armas e equipamentos pâra compiementar
puxada por pares de bois e capaz de atacar solos mais pesados que antes, aquilo que sua propriedade lhe permite adquirir. Uma situaçáo semeihante
pois munida de uma relha de ferro. Nos dois casos, é necessário ter o apoio
parece desdnada a se Perpetuar na França pós-carolíngia. Os 12 mansos
de uma siderurgia que os ferreiros das florestas gârantenr efetivamente.
sáo encontrados novamente mais ou menos da mesma forma em certos
"feudos de cota de malhas"n do século XII, e, ainda que os castelos impor-

Jean-Pierre Devroey,Économie et société dans l'Europefanque (YI-ry tiêcle),t.l.PeÍis,


Belin, zool.
6 O autor descreve no Capítulo 4 a transformação do armamento que dá lugar ao apa-
Essas exigências apareceráo, em todo caso, muito claramenre, na época Êudal com as recimento da cota de malhas, propriamente dita, cuja evoluçáo fundamental será à
taxas deproteçáo,dkassaluamentl,pegàs em aveia. (N. daR.) O termo "salvamento" vestimenta longa confeccionada por meio do enrrelaçamenro de anéis de ferro, inde-
(sah'etet) indica eferivamenre uma zona de imunidade. pendenre da brunia (proteçáo de couro sobre a qual a cota de malhas passa a ser co-

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Á Cavalaria
O elitismo carolíngio

tantes sejam naquele momenro os principais cenrros de agrupamento e


Germânia por meio do contato com os povos da esrepe, que os traziam
sociabilidade vassálica, a homenagem aos abades náo é rara e os laços com
da china, onde eies sáo atestados no século v. Mas por que focalizar o
os mosteiros permanecem muito marcantes. debate dos historiadores sobre a "revoluçáo do estribo", quando se obser-
Entre uma muraçáo da cavalaria próxima do ano 700 e amuraçáo vam embém, no período carolíngio, progressos significativos da armadura
da esgrima e do combate em rorno de 1100, parece que o equipamenro e da espada?
evolui basrante lentamente. É exagero, com certeza, falar de uma "revoluçáo
Náo estamos ainda diante da unidade total (ofensiva) da blinda-
do esuibo'i como fazlynn Whire, ou atribuir roda a expansáo carolíngia, gem complera da cavalaria e da esgrima com a lança. Mas a lança é urn
a parrir da batalha de Poitiers (7zz), à cavalaria pesada. Bernard Bachrach elemenro normal do combate a cavalo, às vezes lançada como urn dardo,
fez oma crítica dura a essa ideiaT, e devemos a Philippe conramine uma mas principalmente empunhadapor cima ou por baixo de forma aperfu-
elaboraçáo mais moderada e convincentes. Mas, no seu conjunro, o lugar
rar o inimigo, como mosrram os sakérios iluminados. Ela é aarma mais
da cavalaria nas guerras e navida social é claramente mais imporranre que
carregada pelos infantes também, junro com o escudo que é de madeira e
na época dos merovíngios: isso salta aos olhos se passarmos direramente
coberto de couro dos dois lados. Ele é redondo e convexo, podendo ser
da ieirura de Gregório de Tours à leitura de Ermoldo, o Negro. E rem-se
preso ao pescoço; capaz de deter um dardo, pode servir ao ataque graças
razáo em citar frequentemenre os Ánais reais quando eles assinalam que
a sua Ponta.
muitas vezes, a partir de 751, a assembleia geral na qual o rei jusdfica a
As inovaçóes do armamento carolíngio aprofundam a distância
guerra e reúne sua hoste é postergada de março para maio, devido à neces-
entre combatenres elas náo são socialmenre inocentes, não sáo fato do
sidade de forragem para os cavalos. Estes últimos sáo cada vez mais nume- -
acaso. O capacere (elmo) náo é provavelmenre feito de uma única peça;
rosos; vejo um ourro marcci disso no faro de que o livro daHisttjria dos mas e]e se reforça. Everardo fala de elmo e de cota de malhas (hakbergen
fancos, redigido por volta de 7zl, adiciona à história de cróvis um episó- etimoiogicamente signifi ca' proteçáo do pescoço") (g6z); Ecardo distingue
dio sobre seu cavalo, mencionando seu capacete, sua couraça e seu escudoe.
a bruniall da cora de malhas. Roberto, o Forte, morre em Brissarthe em
E pouco depois, por volta de 800, a documentaçáo nos revela a importân-
866, no fim do dia, segundo Regino de Prüm, pois havia retirado seu ca-
cia dos haras reaislo.
pacere e sua couraça por causa do calor e não os colocou de voltar2.
Chegamos enfim, eprincipalmente, às admiráveis miniaturas do
Os vassalos ricos de 12 mansos têm uma brunia feita de couro,
século IX, como as do sakério de ouro de sankr Gallen. Heróis do Andgo
tendendo a se rransformar em couraça devido às placas de ferro que são
Gstamento sáo represenrados nele à maneira dos cavaleiros cristãos d.a
forçadas sobre o couro recobrindo-o. o tipo comum é a armadura com
época, com uma grande aurenricidade como mosrrou simon coupland
escamas de ferro, que rende a cobrir também as pernas (prolongando-se
apesar das dúvidas da hipercrítica. Tâmbém se yeem no saltério estribos,
em perneiras) e os braços (em braçadeiras) com uma frequência que os
que estavam ausentes nas sepulturas merovíngias de guerreiros (século
historiadores têm di6culdade em apreciarl3.
vI) e que apareceram somenre no curso do século vII nas sepukuras da
Philippe Contamine norou que Rábano Mauro evocayâ uma
verdadeira cota de malhast4, ou seja, uma rrama de círcuios de meral que
locada) e a extensáo da proteção ao pescoço. E-bo* a co* d. malhas ainda
esteja em
formaçáo, no momento ao qual o presenre capítulo é dedicado, o aoto.1"rrç"
máo do
rermo. (N. da R.) Ir
7 Em "Charles Marrel..." e "Charlemagnet Cavalry...,l
Proteçáo militar confeccionada em couro sobre a qual sáo aplicadas tachas de metal
8 Philippe Contamine, La Guerre au Mo1,en (N. da R.)
e Liuro da história dos-francos, 17, p. Z7l. Áge..., pp. 215-20. 12 Regino
de Prüm, pp. 92-3 (datado erroneamenre como g67).
13 Ver o
r0 belo estudo de Simon Coupland, "Carolingian Arms and Armours...,,.
Jean-Pierre Devroey, Econonzie et société..., p. 97. ia Philippe Contamine, La Guerre...,
p. 324.

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II
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A Cavalaria O elitismo carolíngio
li
lt
Ii
se usava, brunia. Há também uma página
em sua origem, somente sobre a podemos ler sobre a sua lâmina o nome do ourives que a fez. No século
i.
sugestiva de Notker, o Gago, sobre um Carlos Magno diante de uma IX, o nome Ulfiberto definia a espada de alto padrão16.
Cidade lombarda aterrorizando os habitantes, coberto de ferro15. Mas É a espada que se enrrega aos filhos de reis para simbolizar sua
nem a cota de malhas nem o homem de ferro são representados nem idade adulta e dar crédito a sua aspiraçáo ao reino. É ela que desempenha
cirados em mais do que um texto... É, entretanto, insignificante que a o papel de arma de cerimônia, que o guerreiro nobre representado nos
ideia passe pela cabeça e pela pena dos monge s de alto escaláo, próximos muros da igreja de Mals, em Grisons, antes de 881, rem à mão; é ela que
dos imperadores ? os testamentos dos condes Everardo do Frioul e Ecardo de Aurun descre-
Com um coraçáo de ferro, pode-se ter a corâgem aumentada vem com predileçáo entÍe os elementos de ornamenração pera os quais
quando coberto de proteçáo. É significativo que duas narrarivas
se está eles preveem um destinolT.
de mortes em grandes batalhas, a de Roberto, o Forte, em866, e a de seu Sem dúvida, os cavaleiros comuns náo possuem um armarnento
filho, em 923, relarcm, ou inventem, o fato de que eles náo tiveram rempo completo, com tudo que ele tem de mais efedvo. Mas o equipamento do
de se armar. A superficie da couraça é um obstáculo. Para morrer em cavaleiro, ou seja, do "vassalo" como diz claramenre o capitulário de79Z-
combate, a menos que aconteça um acidente, é preciso realmente ser 793,éum símbolo de superioridade social símbolo mais do que um
impaciente ou temerário, ou ser tomado de surpresa, pelo efeito de um meio absolutamente direto de superioridade social.
ódio mortal personalizado. Os cavaieiros ofuscam os infanres nas narrativas de guerra,
As brunias sáo, em todo caso, percebidas pelos francos como mesmo precisando se apoiar neles e mesmo a efrcácia desses infanres
um recurso importante, uma vez que Carlos Magno em Thionville e permanecendo importante. A supremacia total do cavaleiro em qualquer
Carlos, o Caivo, em Pitreó, através de capitulários, se esforçam em momenro da história medieval é um miro energicamenre combatido por
interdicar ou parar sua exportaçáo (sua cessão aos viquingues)
- que
o John Francels.
prova que ela ocorre. No entanto, por mais prestigiosos que sejam, os cavaleiros francos
Eles têm a mesma preocupaçáo a respeito de suas espadas, que dos séculos VIII e IX são limitados por uma autoridade mais forte que os
conhecem entáo um claro aperfeiçoamento e sáo possuídas apenas por "guerreiros bárbaros" da Germânia andga, e por uma moral do dever. A
cavaleiros e nem todos os cavaleiros. O gládio curto (ou "meia-espada") qualidade de seu armamento náo tem precedenres, e seu preço rampouco.
-
dos capitulários servia aré entáo para o combate ieve, rápido (tinha de 65 Para manterem-se, eles dependem de sua relaçáo com o rei ou com os
a 80 centímetros com um único lado cortante), ao passo que a espadalonga magnatas que controlam melhor uma ecoíomia e um sistema de institui-
(com duplo corre, de 90 a 100 centímetros, com lâmina entreT5 e 80 cen- já um pouco complexas.
çóes
tímerros) servia, sobretudo, para metar, em caso de necessidade, o inimigo. A homenagem yassálica e o feudo ocuparam espaço demais nos
Ora, o progresso das técnicas de forja, exigido.ao mesmo rempo por armas, Iivros da "velha escola" histórica (até i950), e, acima de rudo, essas obras
ferramentas e tesouros, melhora a qualidade das lâminas. Antes disso, os deram a eles uma imagem muiro inocente e estereotipada. Por outro lado,
dois lados cortantes só se aproximavam no final; a parcir daí, as lâminas eles ocupam espaço suficiente nos livros mais recentes? Em um ensaio
sáo contínuas do punho à ponta da espàda. Dessa forma, o cenrro de sobre a Cavalaria, é necessário, de qualquer forma, dar um lugar a esses
gravidade pode aproximar-se do cabo e a espada rorna-se mais manuseá- i

vel. Assim o gládio se reforça no combate corpo a corpo. Algumas vezes

16
Ibidem.
t7
Ver meu estudo sobre Z a Mutation..., p. 197 .
I' Notker. o Gago, I), l(,. pp.83-4. l8
John France, "La guerre", p. 196, passim.

100 101
A Cavalaria O elitismo carolíngio

elementos. O laço entre cavalaria e vassalidade é muito claro. A própria brado na medida em que há obrigaçóes recíprocas, o senhor mantendo e

palavra uassus, mais tarde uassal err. francês antigo, é com frequência protegendo quando necessário seu vassalo. Como aprópria servidáo, cujos
empregada em senddo absoluto, sozinha, sem indicaçáo de senhor: alguém ritos e normas tendem também a se precisar no século IX, a vassalidade
é vassalo, isso em si é um estatuto honorável que eYoca a Yalenda guerreira tem um código implícito, algo bastance yago e nem sempre coerente, e os
e que traz honra. Ao mesmo tempo, alguém é vassalo de outro, e os ritos, dois lados podem pleitear urn contra o outro na justiça e em diferentes
a promessa de 6delidade e mesmo a homenagem das mãos têm a pro- ambientes davida social se acusando mutuemente de náo agir "como um
priedade sociológica de classificar na elite aquele que se submete, através vassalo deve fazer para com seu senhor" ou vice-versa.
desses atos, a um senhor: eles contrastam com os ritos de servidáo. É s.^- Na verdade, a vassalidad.e é sem dúvida, antes de tudo (como a
pre um cavaleiro que presta a homenagem das máos, alguém que náo deve própria servidáo se torna pouco a pouco), uma forma de pleitear, de tratar
serviço em forma de trabaiho, mesmo se, Por sua própria conta, ele às e de disputar pubiicamente os limites da obrigaçáo, de decidir acordos, de
vezes trabalhe a terra. elaborar ritos e formulas. Náo é a uniáo moral forte, a comunidade de vida
Mas o laço entre vassalidade e "Cavalaria'i por mais fundamental que descrevia ingenuamente a velha escola. Náo é uma instituição pura-
que seja, é complicado, ambivalente. De um lado, o clima das relaçóes mente guerreira, mas sobretudo sociai e política. Ela náo define, por outro
enrre senhor e vassalo comporta esforços de moderaçáo e de justificação lado, todo o personagem social do vassalo; pelo contrário, ela implica
que sáo um claro prelúdio da sociabilidade Cavaleiresca: um vassalo, como sempre várias pessoas, toda uma pequena colecividade. Suas formas e suas
Cavaleiro, tem direito a honrarias. Por outro lado, o serviço do vassalo é implicações variam segundo os casos e as situaçóes. Enfim, a vassalidade
para ele uma obrigaçáo e as faltas sáo objeto, aprincípio, de sançóes graves: certamente não define sozinha nem a totalidade de um regime político
morte ou exílio se o senhor é darealeza",frequentemente mudlaçáo, pesa- nem um sistema social complero. Falar de "feudalidade" é usar um rótulo
das multas, desonra pública pela barrniscarale. O comporramento dos cômodo, com certa dose de desenvoltura.
vassalos nobres náo está, portanto, sob o controle de uma simples opiniáo Existe, no entanto, verdadeiramente, ume insistência firme do
pública, como no caso do guerreiro germânico segundo Tácito. O ideal poder carolíngio e da Igreja sobre af.delidade devida por cada um em
-
de devoção ao senhor na guerra retoma o ideal das corporaçóes germâni- primeiro lugar pela cavalaria
- a Deus, ao rei, aos pais e ao senhor. Tudo
cas, sem dúvida, mas a norma de respeito e lealdade firme aos superiores isso preenche o pequeno ntanual, na realidade muito teórico e escolar,
se estende a toda vida social, ela é sacralizada pela moral cristá, e tudo isso quase ingênuo, que a nobre Duoda redige, por volta de 840, para um de
faltava nas florestas e nos pântanos da Germânia antiga... Tudo isso, so- seus filhos que vai para a corte imperial. Ela náo se esquece de ordenar-lhe
bretudo, limita a exaicaçáo do livre-arbítrio "Cavaleiresco". Náo se exige que seja agradável com seus "companheiros navassalidade" (cornrnilitones),
tanto do cavaleiro que ele se disdnga na guerra, e sim que ele sirva. e que tenha umasociabilidade que já é quase "Cavaleiresca" com seus pares.

A vassalidade é, de fato, uma instituição impormnte da sociedade Infelizmente eia náo lhe diz aquilo que mais gostaríamos de saber: como
e do Estado carolíngio. Â homenagem, ou mesmo apenas a promessa de arbitrar entre os confiitos de deveres, como dosar a lealdade ea duplicidade,
fidelidade, passa por um dom de si e de seus bens. A seu senhor ou rei, os e até a desobediência...
vassalos dos tempos carolíngios reconhecem'o direiro de exaçáo e de jusriça Há falm de clareza nos juramentos que Carlos Magno pede a todos
sobre suas terras, como se eles as tivessem recebido deles em "beneficio" os homens, certos anos (ZAl, nz)" tomando por base "aquiio que um
(diremos "feudo" no século XI). Entretanto a relaçáo tem algo de equili- vassalo deve ser para seu senhor". Mas o fato é que os reis não hesitam em
pedir, em grandes ocasiÕes, lealdade de forma vassálica. A vassalagem tem
o mérito de criar uma liga de dependência e de honra. Vimos isso na pró-
re Humilhação do cavaleiro, que se faz de cavalo carregando uma sela sobre pria história da expansáo franca.
as cosras.

t02 103
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i;l A Cavalaria O elitismo crolíngio


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As guerras de Carlos Magno Têmos muitos autores entre eles Eginardo, dos Ánais reais
- -
para examinar jusrificar essa empreitada, em especial apartir do advento
e

A vassalidade pode ser rito de uma sociedade de vingança: a época de Pepino à rcaleza (ZSt). Naturalmente, náo podemos atingir.toda a
verdade na narrativa das conquistas de Carlos Magno. Ele surge estilizado
posterior mostrará isso bem; há vassalos que vingam seu senhor pelo
nos documentos e, tendo em vista sua clemência, seria um verdadeiro rei
sangue, e, acima de udo, há uma pressáo dos senhores para resolver os
confliros enlre seus vassalos. Mas sob o reinado de Carlos Magno, o que Cavaleiresco se também exibisse bravura pessoal ou realizasse algumas
proezas. Mas essas proezas não acontecem e CarloS apresenta em espetáculo
aparece é muito mais o apelo aos senhores para que levem seus vassalos
apenas seus paramentos e armas de cerimônia.
à justiça ou ao exército (à hoste). É principalmente em nome da moral
cristá, que alguns capirulários (Zsl, sof) execrem o homicídio entre Por outro lado, os homens sob o comando da monarquia franca
cristáos e tendem (firmemente, mas de forma incompleca) a extirpar a vin- náo sáo citados por suas conquistas vitoriosas nem têm oportunidade
gança do reino e depois do "império" dos francos'o. Os mesmos princípios de brilhar por iniciarivas propriamente "Cavaleirescas". Os anais carolín-
jusdficam também a recusa à guerra privada e a ordem (mal executada) gios citam mais os condes que infelizmente fitorreram e cujos nomes
contra a manutençáo de séquito armado para serviço próprio no interior seráo por vezes retomados (como o de Rolando) nas cançóes de gesta do

do país. É a hora de praticar "vinganças" coletivas e públicas contra século XIL


males causados ao povo franco por seus vizinhos. Essa é, pelo menos, a A expansáo franca do século'WII consiste inicialmente em resta-
ideologia carolíngia. belecer a hegemonia sobre as regióes anteriormente dependentes dos
Esse guadro cria guerras que náo são implacáveis, uma vez que merovíngios, como a Aquitânia, que Carlos Martel tenca submeter' ao
num sistema faidal a composição e o pacto se encontram sempre lado a mesmo tempo em que a defende dos sarracenos (ZZz) em uma batalha
iado com a vingança. De sorte que a jusdficativa vingativa deixa sempre a pouco conhecida na quai o papei da cavalaria não pode ser ignorado2r, e a
Carlos Magno a possibilidade de firmar tratados e compromissos, por Baviera do duque Tassilon, que será necessário defender dos ávaros (792)'
yezes até aiianças, com seus adversários. Raramente ele tem os meios para Mas a empreitada se estende também a noYos espaços, como a Septimânia
"exterminá-los" como certos versícuios da Bíblia permitiriam ao povo e a Espanha, antigamente dos godos e naquele momento (desde 7l l) nas

franco, enquanto "novo Israel", ao menos em se tratando de não criscáos. máos dos sarracenos, e também a Frísia e a Saxônia, ambas pagás e germâ-
Dessa forma, dá-se preferência a referências bíblicas mais misericordiosas. nicas, ao Norte da França, onde se trata de converter e intcgrar a um im-
A vassalidade não obriga o vassalo a entrar em um exército permanente. E pério cristáo, e, finaimente, a Itália lombarda, que o paPa convoca os reis
a cavalaria náo é um recurso decisivo em si mesmo. Ela náo representapara francos a conter e ânexar.
Carlos Magno exatamente aquilo que a falange foi para Alexandre. O método é sempre o mesmo. Uma hoste franca enrra em um país
A guerra náo tem o mesmo caráter na monarquia interativa de Carlos adversário, no veráo, provoca devastação, faz cerco a Cidades (ao sul, Es-
Magno bastante "germânica" nesse sentido tem em um império panha e ltália, Barcelona ou Pávia) ou a castelos (forcalezas de países ger-
- -,que
mânicos e eslavos). O inimigo nobre em geral escapa, foge, e no fim se
digno desse nome, isto é, mais esratal, e que conquista um outro impé-
rio marcado por Cidades. Ela é apenas umâ operaçáo sazonal que se mis- submete ou se rende, prometendo ributo e lealdade, antes de trair seus
tura a muitos acordos entre guerreiros nobres à cusca dos camponeses. compromissos ao final de um ou vários anos e retomar as hosdlidades' O
tipo perfeito, neste caso, é o duque dos Bávaros, Tassilon, várias vezes

zo Boretius, nq22e44 2t Mas também não deve ser superestimado: ver Bernard S.Bachrach,Merouingian...

104 105
j
I

A Cavalaria O elitismo carolíngio

ffaidor de Pepino, o Breve, e de Carlos Magno. A cada vez, ele expóe suas sasdo século XII seu núcleo cristalizador de ficção, como a Canç,ío de
terras e seus homens da Baviera à vingança indireta dos francos, enquanto Rolando, que celebra um conde morto em778 nos Pirineus, diante dos
ele mesmo entrega as armas em todas as batalhas, foge ou se submete. sarracenos, e a Canç,ío de Guilherrnr, que celebra um conde que e.scapou
Podemos achar quase surpreendente a mansidáo de Carlos Magno em da batalha de Orbieu (ZgZ).Tais epopeias dáo a essas batalhas um aspecto
relaçáo a ele. Em 788 Tassilon é condenado à morte por lesa-majestade, muito sangrento (sáo vinganças e disputas de valor enrre aristocracias).
mas é por fim perdoado e forçado à penitência até o final de seus dias em Gm-se a impressáo de que náo há pilhagem, apenas luta até a morte entre
um mosteiroz2. É evidente que a aristocracia bávara manrém laços com aristocracias inimigas.
a "corte" (o palácio) de Carlos Magno onde existem francos para inter- A confrontação ao islá25 é mais dura que a guerra empreendida
vir em fayor de Tassilon. A anexaçáo da Itália do Norte, em 774, ap6s contra os lombardos, mas náo mais do que a empreendida contra os saxóes,
um longo cerco a Pávia pelos francos e a rendiçáo do rei Didier, repousa contendo os mesmos ingredientes. Aqui também há passagens de
igualmente sobre a adesáo de uma facçáo notável dos lombardos a Car- um campo para outro e divisáo das aristocracias gótica e basca em facçóes
los Magno23. opostas, favoráveis umas aos sarrâcenos e outras âos francos. Assim, em
As campanhas conduzidas na Saxônia sáo mais duras: há massa- 777, o muçulmano (recém-convertido) Ibn Arabi une-se a Carlos Magno,
cres, por parte dos dois adversários, e verdadeiras batalhas. Mas o modelo antes de ajudá-lo em778 na expediçáo à Espanha, durante a qual o rei
estratégico, milirar e social náo é de forma alguma diferçnre. Após devas- franco pressiona Saragoça, e obtém sua lealdade formal; em seguida destrói
tações, ainda é tempo de firmar tratados com os chefes nobres, de obrer a os muros de Pamplona, que pertence aos bascos pró-sarracenos, e depois
conversáo e alealdade de alguns dentre eles. Mesmo o notório \ff/idukind, disso volra para a Gália através das gargantas dos Pirineus:
que prefere se refugiar entre os dinamarques es em 777 a se render em Pa-
derborn, retoma a guerra diversas vezes, e termina bem, como fiel e afilhado Ora, os gascóes [bascos] tinham colocado emboscadas nas montanhas e atacam
de Carlos Magno... llma narradva de milagre, escrica no século IX, aribui a re coloca em grande desordem. Em coragem e armas,
taguarda do exército que se

invocaçáo de Sáo Vandrilo a salvaçáo de um vassalo franco, Sigenando,


à os francos eram superiores. Mas a di6culdade do local e de um combate ao qual

prisioneiro dos saxóes, que perece cer conquistado para sua causa um não estavam acostumados os colocou em desvantagem. Muitos homens da corte,
a quem o rei havia dado uopas para comandar, foram mortos nesse combate. Os
destes úldmos2a. Enfim, o mesmo aconrece com os sarracenos. Há coni-
carregamentos foram pilhados, e o inimigo, conhecendo o local, renunciou ra-
vências duranre toda a campanha de 778. Enrre guerreiros nobres há
pidamente a qualquer perseguiçáo. À lembrança desse fracasso obscureceu muito
sempre um rempo para o afrontamento e um tempo para o acordo. O
o coraçáo de Carlos Magno26.
método da expansáo franca é a fusáo progressiva de "povos", ou pelhor,
de ariscocracias ela irá longe entre os francos e os saxóes.
- Em ourras palavras, ele rem dificuldade em lidar com o luto de
Sáo, no enranro, essas guerras francas do século VIII (depois as mesrno que a morte
seus palatinos; pelo menos ele deve mostrar tristeza
dos séculos IX e X) que fornecem, a longo prazo,para as epopeias france- -
de combatentes, coisa rotineira, passe despercebida, aqui como em quase
todas as ourras ocasióes.
Os bascos quiseram dissuadir os francos de voltar. E, efe$vamente,
?2.
Ánnales regni Francorum, pp.80-2.
segundo sers Árun a le s, nao há r eaçáo possível à vin gan ça dessa e{n bo scada
21
Idem, pp. 38-40. I
24
Milagra de S,ão Vandrilo,t,4-5 (p.282): Sigenando é um vassalo da abadia de Fonte-
nelle, onde repousa o corpo de Sáo Vandrilo; o saxão se chama Abbon, e é enviado
mais tarde como refém a carlos Mag,o; ele é bem rrarado e voka a Fonrenelle para 25 Ver Philippe Sénac, Les Carolingiens et al-Ándalus...
contar o milagre.
" ,4nais diros de Eginardo. p.51.

106 1,07
A Cavaluia
O elitismo carolíngio

âssassine em Roncesvales. osÁnnales se limiam à afirmaçáo peremprória constanres nas hostes medievais, aí comprêendida a hoste de carlos
da superioridade franca'pela coragem e pelas armas':
Magno, quando o orgulho pessoal é considerado a despeito das pondera-
Mas a revanche francanáo se enconua na canção de gesta, ou nas
çóes pertinenres ao enconrro das facçóes. Rolando, na verdade, se recusâ
uadiçóes às quais ela se junta no século xII? L/ma compensaçáo imaginá- a rocar a rrompa para não parecer que está pedindo ajuda e dessa forma
ria a esse revés amargo e às perdas da boa sociedade é necessária. E a cançáo
lançar vergonha sobre sua parentela
- o que equivale mais uma vez a
a
elogia a coragem de fato dos francos, ela rransforma em sarracenos
querer manter a vitória, a pÍoeza, apenas para ele e seus l2 pares. Ora, os
os inimigos bascos pró-sarracenos, ela introduz um raidor franco, ..Ga-
Ánais reais do sécuio vIIi relatam uma derrota que aconreceu pelo mesmo
nêlon" (cujo nome é o de um bispo que, no decurso de uma guerra
civir, motivo. Em782, o conde Têodorico, parenre de Carlos Magno, orquesrra
em 858, mudou do lado de carlos, o calvo, para o de seu irmáo
Luís, a campanha na saxônia. Eie conta o seu plano a três palatin os (rrtinistri
o Germânico). A pressáo sobre saragoça, anrerior a Roncesvales,
rrans- regis):"Esses discutem entre si e remem que, se atacassem junto com Teo-
forma-se em romada da cidade após Roncesvales, ond.e ocorre
uma vin- dorico,
honra da vitória ficaria apenas com ele. Resolveram enráo atacar
a
gança estrondosa.
e conduzir o combate sem ele. Eles se armaram e atacaram nâo como se
Sáo frequentemente morres não vingadas, heroicas, estivessem diante de um fronre inimigo mas como se ele já se €nconüasse
quase com-
paráveis aos martírios dos santos, que deixam üaços, nomes em fuga'l combatem a cavalo o que era uma má escolha diante do terreno
retomados
pelas canções de gesta. vivien é um conde de Tours, morro
peios bretões e das circunstâncias.
em 8 5 I , invejado ele mrnbém27, anres de se rornar, na imaginaçáo
épica do
século XiI, o sobrinho de Guilherme, um grande herói
dã grr.rr* o.rr". o 6nal do combate foi funesro: os francos foram cercados pelos saxões [a pé ?] e
comentários náo nos obrigam de forma alguma a yokar
Esses quase todos foram mortos. Os que puderem escapar náo voltaram prr, ,.rrs
à
tese "tradicionalisra" a respeiro das cançóes de gesta acampamenros e sim foram em direçáo ao de Teodorico, do outro lado do monre.
que, no século XIX,
as apresenrava
como verdadeiras tradiçóes orais transmitidas, intactas, Aperda dos francos foi ainda maiorpelaposiçáo dos mortos do que peio número
dos
tempos carolíngios até o século XII. De faro, o equipamento, deles' Dois dos palarinos, Adalgiso e Geiláo, quatro condes e qurr. uirr. ho-.rr.
as reiaçóes
dentre os mais nobres e mais "distintos" foram mortos, ,.- .o.rr", seguidores,
sociais que essas cançóes refletem ou imaginam correspondem
m.lhor ro que preferiram perecer a sobreviver a eles28.
ano 1100, e a oralidade apârece nelas como artificio. No entanto,
a aris_
tocracia do século XII é em grande parte herdeira da arisrocracia
do mundo
c_arolíngio, ainda que as mutaçóes feudal (lOO) Têmos aqui uma honra de tipo "germânico,, digna das antigas
e Cavaleiresca (a pardr
de 1050) diferenciem um pouco uma da ourra. A apresentaçáo
companhias. Têmos também com o que esrabelecer o núcleo de uma can-
d. g,r..r",
francas como vinganças justas e a ocurraçáo de erementos ção de gesta. o espírito não é épico? Mas a vitória de7g4,com a cavararia
náo nobrcs de Cados, oJovem, vingará o ultraje e faciiirará seu esquecimenro.
sáo pontos comuns enrre as fontes caroríngias
e as fontes dos tempos feu-
dais que são, entreranro, epopeias de condes mais do qo. d. É a derrota, ou pelo menos o perigo exrremo do guerreiro nobre,
- ,.ir.
que alimenta normalmenre a epopeia. Talvezos carolíngios tenham feito
Mais ainda, ao colocar em cena um Rolando cujo orgulho
com_ as suas' em língua germânica ou, mais precisamente, nas línguas de seus
promere a batalha na retaguarda, a cançáô posrerior
faz eco a-probr.mrs
ancestrais2e, uma vez que os tempos heroicos raramente sãcj atuais. No

Zi-
JanetNelson, charleslecbauue...,pp.igg-9:"comoenteriormenreemRoncesvales. z8
os pântanos do vale do vilaine foram um Ánais ditos de Eginardo, pp. 6I-3.
dos cemitérios da va.lenria rr.".r; 29
menos do conde, mas náo do rei que fugiu). 1p.i" Eginardo assinala que carlos Magno, depois de mandar rrânscrever e íazer emendas
na lei dos francos, "rranscreveu também, para que pudessem ser seguidos, os poemas

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109
A Cavalria O elitismo carolíngio

entanto, o que conservarno§ da poesia sobre suas guerras, seus triunfos e o condena ao "exílio"3o. O acontecimento de Barcelona recebe apenas dois
aqueles de seus condes está em latim e num registro um pouco diferente' pequenos parágrafos nos Ánais, enquanto E-rmoldo, o Negro, lhe dedica
trata-se de cantos de vitórias, sempre um pouco coÍtesãos, e em certo uma longa passagem. Seria uma total fabulaçáo ? Seu Poerna se parece com
sentido mais próximos da literatura propriamente Cavaleiresca. Exisrem, uma epopeia sem engrandecimento épico, com ênfase muito mais no as-
no século IX, epitáfios, elogios de reis e de condes bravos ejustos (Everardo pecto cortesâo. Ele deixa entrever a realidade da guerra carolíngia, mesmo
do Frioul) que fazem eco aos versos de Venâncio Fortunaro, de mais ou criando sobre ela ou colocando em relevo certos aspectos. Ele estiliza, mas
menos 300 anos antes, sobre o rei Sigeberto e o duque Lupo. Existem, náo inventa o episódio. Ele permanece preso, nessa história contemporâ-
sobretudo, poemas épicos composros por alunos d" .r.ol" carolingia, nea, por uma trame rígida ele náo pode tecer a intriga nem inventar o
-
emulando Virgílio, Ovídio ou Lucano, tais como Ermoldo, o Negro, e drama que seria necessário para chegar ao heroísmo extremo ou aos gran-
Abbon de Saint- Germain-des-Pré.s. des conflitos de valores. De qualquer maneira, cria.uma imagem que parece
Carlos Magno queria ter as escolas (scole) mais eficazes; ele agradar à corte de Luís, o Pio, e ela ilustra bem certas ori€ntaçóes socioló-
exercia pressáo tanto sobre os jovens aprendendo sobre a guerra quanro gicas. Ermoldo, o Negro, náo menciona o adubamento de Luís, pelaespada,
sobre aqueles que estudavam as lerras e o canro. Mas é necessária uma sem dúvida por seu pai, em794, assinalado pelo único biógrafo de Luís, o
geraçáo pâra que o esforço escolar traga seus frutos, e o primeiro broto, Pio (aquele que nós chamamos de 'hstrônomo"). O rei Luís comparriiha
com o Poema de Ermoldo, vem celebrar, entre 826 e 828, o imperador as arençóes com o duque Guilherme que será um dos grandes nomes
-
Luís, o Pio, fiiho de Carlos Magno. Esse poema é composto de quarro da epopeia feudal, do Charroi de Nírnes ao Moniage Guilhernte em Gellone,
cantos, dos quais o primeiro conta essencialmenre a tomada de Barcelona a ponto de ofuscar totalmente um rei inativo e ingraro.
em 801 por uma hoste franco-âquirana sob a autoridade de Luís, enráo rei A guerra é jusdficada no Pa erua deBrmoldo da mesma forma que
da Aquitânia. Náo deve ele ser exibido pârâ uma juvenrude guerreira nos Ánais reais.Ltís vê a terra franca submetida aos etaques dos mouros e
como capaz de competir com seu irmáo Carlos, o Jovem, vencedor na pede conselho aos grandes de seu reino. Ele náo pode impor-lhes nada,
Saxônia em784? é necessário que eles consintam em ajudá-io. Ei-lo novamente, portanto,
um pouco mais germânico, persuadindo e ao mesmo tempo combatendo
pessoalmente. Sua relaçáo com os condes, para dízer a verdade, reflete
também os anos 820, invadidos por um modelo de consentimento auro-
O Poema de Ermoldo, o Negro
mático a rudo que o imperador faz.
Os duques, no Poerna de Ermoldo, não estão todos de acordo. Ao
É verdade que os Ánais reais, dessa vez, náo dizem uma palavra
gascão Lupo Sanches, que fala em paz, opõe-se a bela determinaçáo guer-
sobre o episódio. Eies mencionâm apenas o chefe sarraceno Zate, ouZa-
reira de Guilherme, que diz ao rei aquilo que ele queria ouvir e se oferece
don, que presra lealdade a Cados Magno, no veráo de797, em Aix-la-
Chapelle. Mas ele rapidamenre muda de posiçáo, visto que, em 801, Bar- para guiar a expediçáo3l. Ele já é o vassalo de coraçáo fiei que rirará disso

celona é tomada depois de um cerco de dois anos. Zadoné, entáo, condu- recompensas. Mas o debate náo se transformâ em invectivas, porque esta-

zido a Ai-x, dessa vez como carivo, e Carlos Magno, em sua bondade, não
mos diante de um poema discreto, longe das estrofes veementes e das
aposiçóes violentas das cançóes de gesta. Lupo Sanches não trai e o debate
náo se degenera em Yendeta.
antigos da língua bárbara na qual se canravam as açóes e as guerras dosvelhos reis" (vida
de carlos Magno,z9, p.Bz).'lemos apenas duas epopeias em língua germânica do sécu-
lo IX, compostas um pouco mais tarde: em Fulda, por volta de slo,-Hlldrbrandsried, )o Ánnales regni Francorurn..., pp. 100-2.
e,
sobre o eêmero carolíngio, Luís III (S79-88 z), Ludwigslied. }t Poema,v-,,. Á4-210 (pp. 16-20).

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A Cavalria O elitismo carolíngio

A campanha de 801 não tem batalha organizada: segundo um ao cerco. O inimigo fica estupefato, pois ele Sabe3t que o cavalo é o recurso
cenário clássico, os mouros se fecham atrás dos muros da cidade, aguar- máximo para um franco e quanto valor simbólico e de uso tem para ele.
dando um exército de socorro de Córdoba que náo virá. Eles conram Eis as palavras que, acredita Ermoldo, desmoralizam o adversário. Elas
também com a fraqueza logística daqueles que os atacam, uma vez que semeiam o desacordo em suas fiieiras. Zadon mobiliza os mouros e anun-
exringuiram todas as reservas atrás de si. Náo se combate pela espada, corpo cia que vai tentar, ele próprio, atravessar as linhas francas para buscar re-
a corpo, mas lanças sáo arremessadas sobre o inimigo para perfurá-lo; é forço em Córdoba.
aqui, certamente, que começa a esdlizaçáo de Ermoldo. Os adversários Ele fracassa e acaba prisioneiro. Luís manda que ele seja arrastado
rêm tempo de se verem e de se falarem, e todos os olhares parecem vokados
por Guilherme, diante dos muros de Barcelona, a fim de que convençâ os
para algumas pessoas: o autor de um golpe admirável, grave ou mortal, é seus a se renderem, sendo que a recusa em fazê-lo, percebemos bem, cau-
claramente identificado, assim como sua vítima. Haveria, entáo, enrre os
saria sua morte. Mas Zadon se desmente através de signos combinados
francos e os mouros um interconhecimento entre inimigos. Diante de anteriormente. Isso náo escapa a Guilherme, que lhe dá um soco com toda
Barcelona desenvolvem-se diálogos, altercaçóes (em qual língua?): os aforça, se m poder de cidir-se por matá-lo: na verdade, "ele admira o mouro,
desafios e conquistas dos francos respondem âos sarcasmos dos mouros.
e especialmente sua astúcia"36. Em outras palavras, apesâr dessa ressalva
No entanto, náo há provo caçáo ao duelo, como a de Bertoaldo em Landry sobre a astúcia, ele lhe rende sua admiração. E, apesar do golpe que deixa
ou, como veremos, nas cruzadas. Enquanto Zadonfala aos seus sobre sua
Zadon com a face coberca de sangue, ele poupa a vida desse inimigo que
esEima e seu tellror aos francos, um de seus compatriotas,Dtrzaz, os ridi-
ele evidentemente estima mesmo combatendo-o.
culariza do alto das muralhas: "Povo invencível, você acredita derrubar de
Depois disso, cabe ao filho de Carlos Magno desferir o golpe
um único golpe essas construçóes que o esforço romano levou mil anos
decisivo com a força prodigiosa de seu braço que arremessa a lança-dardo.
para edificar? Fuja, franco furioso, vá, saia da nossa visra!"32. Aisso náo se
Barcelona se rende. Luís envia o fiel Bigon para contar isso a seu pai, em
concebe outra réplicapossível do que o arremesso de uma lança que desuói
AixJa-Chapelle, junto com belos rofeus para apoiar seus dizeresr "escudos
a garganta zombadora. "0 homem cai do alto da muralha e, enquanro
e couraças, vestimentas e capecetes, um cavalo caparazonado com freio de
morre, seu sangue respinga sobre os francos"33. Felicidade do sangue dos
ouro"37 eZadon prisioneiro (nós o perdemos de vista depois disso). Mas
mouros! Os francos ainda abatem ourros deles: "Guiiherme mata Habi-
o relato de Bigon é mesmo assim ligeiramente foreado: Luís "os conquis-
rudar, e Liutardo mata Uris"34, sem, no enranro, chegarem a um verdadeiro
tolr com nobre luta sobre os mouros, em pessoa, espada e escudo em pu-
combate geral e próximo: os mouros náo se arriscam a isso. Apostemos
nho"38. Admitamos que ele tenha sido visto assim paramenrado diante dos
que os francos tarnpouco. Assim, o cerco se eterniza.
muros de Barcelona, mas o próprio Ermoldo, o Negro, assinala a ausência
Então o rei discursa às suas rropas, "segundo o cosrume". Ele pro-
de combate próximo; o chefe, o cavaleiro mais bem nascido, capitaliza um
nuncia um dpo de promessa, o voro de não leyanrar o cerco até que Bar-
mérito coietivo...
celona capitule. Do ourro lado do muro, um mouro que o escura rerruca
Náo há fanatismo exagerado nessa guerra contra o Infiel. Ne-
que ele nunca entrará. Os siciados rêm muito mais víveresdo que os sirian-
nhuma intervenção de homens da lgreja, de Deus, de santos vem impedir
rcs. Guilherme, entâo, inrervem: Luís comerá seu cavalo antes de renunciar
que os francos mostrem seu valor intrínseco. Poderíamos crer qpase esrar-

35
32 Idem, Cf. a história de Datus, evocada neste volume, p.
lv. 390-a (p.3a). 36
33 Idem, w.4oz4 (p.3a). Poema,v.5Z7 (p. aZ).
3a Idem, v.407 (p.34).
37
rdem, w. ) '4-) (p. 461.
38
Idem, v. s86 (p. a6).

113
A Cavalria O elitismo carolíngio

mos lendo Tácito, ao ver Ermoldo, o Negro, falar da aptidáo nativa dos com cavalo, cascelo e resgate, já tomaum ar intensamente (ou pragmad-
francos para as armas: os sarracenos substituem em grande vantagem as camente) feudal uma Aquitânia em que no século V a elite per-
mulheres germânicas como espectadores... Sáo mesmo melhores: verda- manecia romana na aparência. Condiçao que reivindicará subsequente-
deiros parceiros com os quais, se fossem cristáos (ou apenas pagáos mente. No entanto, desde entáo a Aquitânia já se encontra exposta aos
suscetíyeis à conversáo fácil), uma amizade futura teria tido grandes bascos, sarÍacenos e francos: tudo o que é necessário pararefxzer a germa-
chances de acontecer. nidade que havia desaparecido depois de Luern, Bituit e Vercingetorix.
Vimos no cerco de Barcelona os sarracenos impressionados pelo Naquele momento e até o século XII inclusive, ela é mais rude e rúsrica
voto de Luís: comer seu cavalo, ou seja, aquilo que eie tinha de mais caro! do que a Francia.
Eles invejam as montarias francas e os cristáos sabem disso. A história de Em Barcelona, tomada em 801, tudo permanece bastante compli-
Datus mencionada també m no Poema de Ermoldo, o Negro, é testemunho cado. Os Ánais reais indicam que, em 820, o conde Bero, um godo, é
disso. Em 793, os mouros 'passam em turbilháo sobre a província de Rouer- acusado por muitos de rair Luís, o Pio. Em combate singular contra seu
gue e a devastam", ou, mais precisamenre,a pilham: eles romam da casa de acusador, ele é vencido, condenado por lesa-majestade e, por fim, per-
Datus o mobiliário e até mesmo sua máe. Ele, entáo, "arria seu cavalo, se doadoao. Thata-se de um costume de raízes merovíngias, mas dessa vez é
arma e se prepara, com seus companheiros, para a perseguição". Chega bem ressaltado que se dá um ccsmbate a caualo, e que ocorre de fato, mesmo
assim diante de uma fortificaçáo, feita de muros e paliçadas; ele ataca sendo interrompido bruscamente. Ermoldo, o Negro, pode bern de-
os mouros aí entrincheirados com seu burim e seus carivos. Um deles lhe senvolver a narrativa desse acontecimento. O acusador é godo como ele,
fala com sarcasmo: "Sábio Darus, o que craz às nossas rincheiras, e ti e a seu nome é Sanilon, e os francos julgam, "segundo o costurne antigo']
teus companheiros? Diga-me, eu te peço". O mouro, que evidentemenre que o combate deve acontecer. Mas é um combate de um novo tipo para
sabe o motivo, continua com uma proposiçáo: "Se você aceitar a rroca, se eies, pois é conduzido à moda dos godos. Gostaríamos que Ermoldo,
você me der o cavalo que está montando e sobre o qual desfila, eu the o Negro, fosse mais preciso sobre o que é novo para eles: o fato mesmo
devolyerei sua máe e todos os seus bens. Senáo, sua máe morrerá dianre de lutarem a cavalo ou de lançar dardos, antes de se esgrimirem com a
dos seus olhos"3e. Ora, Datus se recusa a se separar de seu cavalo. O mouro espada? Em todo caso, o cavalo permite que Bero fuja, sendo necessário
mata a mãe de Datus diante de seus olhos: corca seus seios e depois sua ao outro persegui-lo, atingindo-o com um golpe de espada, fazendo com
cabeça. Datus treme de raiva diante da muraiha e se desespera com a im- que ele se confesse culpado. Homens (ou "jovens") enviados pelo impera-
possibilidade de vingar a máe. Disso deriva sua conversáo: eie renuncia a dor Luís correm para parar o combate, salvar Bero da morte e colocá-lo
tudo, "toma armas melhores" espirituais e se torna eremita na regiáo à mercê (diante da clemência) de Luís. Ele consegue até mesmo menter
- -
de Conques onde um eremirério prepâra "a futura formleza dos monges":
o desenvolvimenro de um mosreiro em 800.
seus bens, sem desonra aparente
- é necessário dizer que permaneceu,
apesar de sua fuga, à altura de seu estaruto de conde ? Eis um in-rpério no
Sabendo do valor de um cavalo e de sua importância para o esra- quai a decadência social náo parece de forma alguma mais frequente
tuto sociai, talvez devamos desculpar Datus. Quanto aos mouros, antes de do que a promoçáo!
cometerem essa atrocidade, eram apenas deniandantes de resgate. Deyemos Os guerreiros nobres formam um clube extremamente fechado.
notar seu inreresse pela montaria (e armas francas). Em 869, eles pedem Nada arraía o olhar de Ermoldo, o Negro, mais longe do que os condes
cem belas espadas em troca de Rolando, arcebispo deÁries. E esse episódio, presentes nesse episódio. O yaioroso Choslus e o rude Datus, que parecem

3e Idêm, w.270-5 (p.24). ao Ánnale regni Francorurn, p.152 (ed. F Kurze, Hanovre, 1895).

115
O e)itismo carolingio
A Caralaria

vir de famílias mais medíocres (mas náo "plebeias"), só se destacam pela compreende o verdadeiro rrecho de bravura do Poerna de Ermoldo, seu

valentia e determinaçáo extremas, para, em seguida, respectiyamente, ponto alto, o canto IV. Por pouco não podemos dizer que os francos nada
morrer e se torner ermitáo. A promoçáo de um combatente de origem têm de ferozes, nem na aparência, nem nos atos, além da etimologia!
"humilde", ou seja, que não pertence à alta nobreza, nío esrá na ordem do Esse cristianismo permite exaltar, bem.como legitimar, acordos

dia. Náo há nada de comparável ao que mostrava a Histtiria augusta, sobre enrre guerreiros que provêm de um veio uadicional mas até entáo pouco
Maximino no exército romano do século IIIal. Notker, o Gago, relara a considerados pela epopeia. O Poema de Ermoldo, começado com o he-
recusa de Carlos Magno em deixar ir ao combate dois irmáos manchados roísmo, pode acabar com um elogio ao luxo, em um cristianismo de con-
pela servidão (pois basmrdos)a'. No máximo, podemos ler na História ôrro palatino muito mais do q.r. d. esforço guerreiro. O heroísmo esrá
dosLornbardos, de Paulo Diácono, amigo de Carlos Magno, os feitos de apenas nas pinturas do palácio e de sua capela, que tratam da história e dos
um seryo em um combate singular decisivo, recompensados com a liber- ancestrais. Náo há nem as justas guerreiras nem os torneios que caracteri-

dadea3 . Como se, na elite carolíngia, a promoção de alguns esrivesse sujeire zaráo mais tarde os tempos propriarnente Cavaleirescos. Nada além de
a debate. Mas normalmence, como na Vida de Santo Errnelanclo, redigida veraneios esportivos e festivos, onde o sangue que corre é aquele dos cervos
por volta de 800, o nascimento nobre e o engajamenro no serviço de armas e corças caçados pelos francos e dinamarqueses.Juntos, de fato, eles fazem
(rnilitia) andam lado a ladoe. uma alegre carnificina de animais, cervos e javalis especialmence. O mais
O Poerna de Ermoldo, o Negro, permite aos guerreiros nobres jovem dos fiihos de Luís ainda não tem quatro anos: é o futuro Carlos, o
viver sem dificuldade sobre a reputaçáo de bravura proverbial de seus an- Calvo. Ele é criado como se deve: tem um pequeno cavalo e armas de
cestrais francos. De fato, uma vez realizados os primeiros combates, nos brinquedo. Ele também quer caçar como seu pai e seu irmáo mais velho.
limires do lmpério, eles não precisam arriscar a vida todos os dias. Um Sua máe o impede, mas ele é consolado um pouco mais tarde quando levam
programa oficial de paz e de concórdia enrre crisrãos, do qual Ermoldo se para ele um gâmo e "entáo ele toma suas pequenas armas e aringe o animal
faz o poeta, permite a rigor guerrear conrra os bretóes, uma vez que sáo trêmulo. Todo o encanto da infância circula ao re dor dele"at. Efetivamenre,
maus cristáos, mas sugere muito mais abreviar o combate. Ele obriga opor- a cena é muito tocante. O pequeno Carlos é da semente de rei cristáo e

tunamente Luís, o Pio, a interromper o duelo entre Bero e Sanilon, dois guerreiro, ele entende aquilo que esperam dele!
nobres godos, antes que ocorresse a morte de um dos dois. EIe se concentra,
principalmente, nos dinamarqueses que a anexação da Saxônia transfor-
mara, desde 800, em vizinhos setentrionais do Império. Procura-se fazer O imperador e as duas milícias
pactos e retardar confitos muito mais do que combater. Náo podem eles
ser atraídos ao cristianismo de preferência através de presenres, de auxílio
Náo falta esplendor na corte dos imperadores carolíngios quando
e de boas maneiras, muito mais do que pela guerra? É assim que a visita ela come, ca.ça e Íeza nos palácios entre o Sena e o Reno, no coraçáo de um
de um dos reis dinamarqueses, Haroldo, ao palácio de Ingelheim em 826,
mundo rústico. Sob Carlos Magno, ela é o ponto alto de um poder real-
marcada por seu barismo, por uma caçada, um fesrim e uma homenagem,
mente forte que se impóe à aristocracia e que esmbelece em todos os pe-
qu€nos países Çtagi) condes providos de instruçóes precisas e supervisio-
nados por bispos e abades, ou ainda vassalos diretos (poss{idores de
ar História augusta, pp. 651-5.
a2 Notker, o
Gago, I1, 4, p. 52.
centenâs de mansos). l

a3 Paulo Diácono, Histtiria


d.os Lornbardos, I, 12. Essa obra contém outras narrativas de

feitos, qualificando os reis (t, ts; t, zl).


a Vida de Santo Ermelando,l (p.684). Ver K. F. §7erner, "Formation...".
45 Poerua,*,. 2.410-1 (p. lSa)

t16 111
A Cavalaria O eiitismo carolíngio

No enranro, a Vida de Carlos Magno escrira por Eginardo, no Podemos dizer que os reis, os imperadores carolíngios, sáo adu:
mesmo momento em que Ermoldo, o Negro, celebra em yerso seu filho, bados como os outros grandes? Isso pode provocar debate no reino dos
não descreve nele um esplendor imperial à maneira anriga ou bizandna. historiadores. Com certeza, a espada de cerimônia é um signo, um símbolo
Eginardo se inspira em parre em Suetônio contando sobre Augusto, de poder social que caracteriza ao mesmo cempo os reis e os grandes, e
sobretudo para dar a Carlos Magno a preocupaçáo de respeitar os cos- ambos encontram quem louve sua valentiae jusriça em versos latinos. Na
rumes de seu povo. Ele lhe dá o crédito de rer aumentado o império dos tradiçáo de um Venâncio Fortunaro, temos no século IX, entre ourros,
fancos, e de náo te r incorrido em censura. Ele o justifica ao mesmo rempo "Sedulio Escoto" e seus belos elogios aos carolíngios e ao conde Everardo
em que o exalta. do Frioulas. Mas náo temos nenhum testemunho sobre um rito de primeira
Modestamente e orgulhosamenre ao mesmo rempo, Carlos Mag- entrega da espada a esses condes. É apenas poro os reis que enconffamos
no carrega por toda a sua vida, fora de Roma, o costume franco. Eginar- algum traço disso!
do nos assegura isso, ele rcm o imperium discretot "Ele se dedicava à A espada é várias vezes entregue a seus 6ihos, para significar sua
equitaçáo e à caça. Era um gosro que tinha de nascença, pois náo há, ascensáo à idade adulta e sua apddão à realeza. Mas a importância e o ca-
talvez,um povo no mundo que, ne sses exercícios, possa igualar os francos". ráter mesmo desse rito sáo dificeis de compreender bem. Um único cro-
E, ele acrescenta um pouco mais para frente, "ele levava a vestimenta nista, aquele a que chamamos de "o Astrônomo" por causa de suas
nacional dos francos": a camisa e o calçáo, a túnica, as ligaduras em rorno frequenres alusóes às estrelas, portânro devido a sua inclinaçáo asuológica,
das pernas, o colete de pele. Enfim, "ele se envolvia com um manto azul, menciona esse rito ao relatar a vida de Luís, o Pio. Já em782, com cinco
ednha sempre suspenso a seu lado um gládio cuja empunhadura e boldrié anos de idade, seu herói foi "coroado com um diadema, cingido de armas
eram de ouro ou prata. Às vezes ele colocava uma espada ornada de pe- que convinham a sua idade e colocado sobre um cavalo"ae, exatamente
drarias fporranto, uma espada de cerimônia, que o distinguia dos francos como seu 6lho Carlos em lngelheim (3z6). Depois, aos 14 anos, no mo-
comuns], mas, ourros dias, seu cosrrurre se diferenciava pouco daquele mento em que começa a agir como rei, "cingem-no com uma espada, como
dos demais". Ele jamais adotava os costrunes de oucras naçóes, mesmo que deve ser feito no período da adolescência"50
- mas seria essa uma cerimô-
fossem mais belos, fazendo exceçáo some nre a Roma, a pedido dos papasa6. nia digna desse nome? Ele mesmo, em 838, "cingiu seu filho Carlos [o
Notker, o Gago, fornece uma descriçáo do mesmo estilo, adicionando um úldmo nascido, com I7 anos de idade] com armas de adulto, ou seja, com
toque gaulês, como que para melhor exorcizar o especrro de uma majes- a espada, e colocou sobre sua cabeça uma coroa real"5l. O adubamento é
tade à romanaaT. dessa vez, portanto, apenas um prelúdio à coroaçáo, como será frequente-
Exisrem cerimônias e insígnias reais bem conhecidas, cujos usos mente o caso dos reis daqui para frente. Ainda que atestada duas vezes na
o século IX desenvolve pouco a pouco, e que si,gularizam os reis em reia- família carolíngia, no fim do século IX, essa enrrega de uma espada tem
çáo à aristocracia. Mas, no conjunro, os ornamentos de Carlos Magno e bem a característica dos adubamentos, que é habilirar um jovem nobre a
os feitos de Luís permanecem sendo aqueles de guerreiros nobres. Esses receber sua herança.
reis sáo de alguma forma os "Cavaleiros" de referência, um modelo para Entretanto, o essencial parece ser portar uma espada em púbico,
os ourros, dando o rom, mas, por isso mesmo, obrigados , pr.r,r, *uiro na vida social e judiciária, participando, cerramenre, de cavaigadas, sem
mais atençáo àquilo que se espera deles: que sejam submissos às mesmas
normas sociais e morais que o resro da elite.
48
SedúIio Escoto, nq 12,25,28, 30, 38, 39,53,59.
49 "O Astrônomo", Vida de Luís, o Piedoso,4. Ver Régine leJan, 'Remises d'armes...".
46
Eginardo, Vida de Carlos Magno...,n (pp.6S-70). 50
Idem,6.
47
Notke1 o Gago, I,3a (pp.46-z). Ver Robe rtMorissey, L'Erupereur..., pp. 42-65. 51
Idem, 59. VerJanet Nelson, Charles cle Chauue..., pp. 116-21, parâ o conrexro.

118 tt9
t;
A Cava.laria
O e)itismo carolíngio

realizar proezas organizadas como será o caso dos príncipes


dos séculos Isso cria, ao lado da empreirada guerreira de carros Magno,
XI e XiI. É ..rco mesmo que a enrrega iniciar da espada é uma verdadeira
uma
empreitada legislativa e religiosa náo negligenciável. Amba, ,J
cerimônia? Nada na documentaçáo caroríngia aparece no
sentido de ver-
dá,, .r.,
associação com a Igreja e a arisrocracia (preparando assim o
dadeiramente lhe dar valor. Se carregar rrrr".rp"d", por período se-
ourro lado, é ráo guinre), e não em ruprura com elas, uma vez que tais empreiradas reforçam
importanre parâ os grandes quanro para os reis, por que
sua enrrega tam- seu poder local.
bém náo o seria? será que, no caso deres, um rito "vassálico,,
acorrL..ria,
uma promessa de fidelidade, uma homenagem É muitas vezes em nome da vontade de Deus que carros
garantind.o seu esraruro e Magno
süa iegidmidade de adulto nobre? Isso tambéà quis estabelecer algumas reformas, principarmenre conrra a vingança
náo é evidenre. o riro eo
homicídio, em período de fomes interpretadas como avisos de I*
comum aos reis e aos grandes é muito mais a renúncia
à cabeleira e à espada,
D.,r,
por ocasiáo de penitências ou de enrrada para a vida vingadvo (ou seja, justiceiro). Nisso dnha o apoio de bispos
religiosa. - sobre os
quais, por outro lado, exercia um verdadeiro magisrério. Mas, no
O governo caroiíngio se apoia em geral sobre uma forte ..aristo- conjunto,
o alto clero' recrutado em grande parte na aristocracia53, não
cracia de império"i2, que ele acomoda e q.r. ro
mesme rempo o limita. Tâl
srrgá.
imperadores uma reforma social radical. o alto crero entend" "o,
é ao menos o balanço que pode ser feito
a parrir d* imrg"á que Eginardo
po, "d.f.r"
dos pobres'l antes de rudo, a defesa das propriedades da Igreja (das
oferece de Carlos Magno. quais
uma das justificarivas, um dos usos efetivos , é a ajudaaos indrg"rrtes).
Mas ele náo procura mmbém por intermirência sob
-
mudar os costumes francos e desenyolver uma
ou, gradualmenre, o rómlo de "jusriça" ou de "concórdia,l de ,,paz', social,o .1.- efetua
um
adminisraçãã e um* j,rstiça uabalho de regulação bastante conformista, como yemos nos casos da
mais fortes, em seu beneffcio
? Isso pode ser norado nos
editos (.aprtiários) servidáo e do casamento. Existe um casamento cristáo, exogâmico,
que limitam a vingança ou denunciam a opressão .pobres,,p.lo, .po_ indis-
dos solúvel, no qual se constitui uma verdadeira a
derosos"' Desde o 6m do reino de carlos M"g.,o
lsoo-s ia; ,.i,.àd*-..rr. obediência da esposa5a. Há uma servidáo
a .#[iff:::T'i"irTH
se ordena aos condes e seus agentes que combatam
os abusos da aristocra- de escravidáo, na qual o servo possui verdadeiros ãir.iro, sociais (pater-
cia' Mas como os condes são eres próprios nobres,
assim como os rr-tissi nidade, propriedade) e seria quase como um "vassalo de nível inferior,l
dorninici que os supervisiona-, ord.* náo
produz efeitos. seria neces- segundo as palavras de Benjamin Guérard (te«)
" mas bem inferior, de
sário, para melhor aplicá-la, aquilo que Max §/eber chama d. ,r_ .p.rro"l - (ou
qualquer forma, pelo rabalho. Mulheres e servos camponeses em
burocrárico", fortemente dependente do soberano,
composto de genre que geral) terão, portanro, uma necessidade natural de possuir^proretores
devessç a ele sua ascensão social e cuja
fortuna depend.rse v..d"diramenre ("Cavaleirescos") e vocaçáo a obedecer-lhes.
dele' ora, esse perfii de agente real foi esboçado
por grandes rr-tinisteriais
de origem servil, mas ele não é táo difundiio. valorizados como goverrlantes cristãos, os reis carolíngios colocam
O gorr.rro carolíngio não no topo de seu programa de comunicação polírica a defesa dos fracos:Jean
rem tanro pessoal especializado, ranros servos
livres como grandJs assis-
tenres e intendentes poderosos, náo tem "bárbaros" Flori estudou bem essafunçrío "Caualeiresca', d.o rei55.M"r, *t..uo_*.
incorp"orados como
profissionais em um exército. Ere se rimita dizer, realizam governo cristáo "à moda germânica'l da mesma maneira"
esse
essencialmenr. n d". impursos
ao poder local dos condes e a arbirrar que os reis germânicos faziam a guerra: dando o exemplo aos ourros
conflitos e^tre facçóes e crienteras aris-
de aristocratas, a repartir os encargos ,.honras,, rocraras, e persuadindo-os a agir da mesma forma. Em outras
e as palavras,
entre eles.
esses reis carolingios dividem sua carga com seus 6eis de alra posiçáo,

52 I)a qual podemos medir.merhor o poder e


a permanôncia a parrir dos rrabalhos
Karl Ferdinand Werner, Naissarr, à, h de 53
A excecáo famosa do arcebispo Ebbon de Reims.
,oblrrrr..., . lgr"l.n..rr. a. n.gr". iJ"r, 54
La Royauté et les elite.r... "a. Ver Régine leJan, Fantille et pauuoir..., e Femmes, pouuoir et société...
t5
J ean Flori, L'I déo logie du glaiu e..., pp. 7 9 -BZ.

),20
121
A Cavalaria O elitismo carolíngio

bispos e abades, condes e vassalos reais. O que quer dizer que eles abando- Aparrirdo Baixo-Império, com Diocleciano, observamos de fato
nam de fato uma boa parte do poder efetivo, com o risco de se enfraque- o aparecimento de duas milícias paralelas. Uma civil, outra militar, ambas
cerem na defesa dos fracos. caracterizadas pelo mesmo dpo de insígnias e disciplina. Naprática, foram
Sob Luís, o Pio, o governo se convence, ou finge crer, que os con- os bárbaros francos ou godos que povoaram a milícia em armas. Estes
des, os vassalos reâis, os bispos, os abades têm de fato uma vocaçáo namral levam sua germanidade fara a milícia ao mesmo rempo em que absorvem
à defesa dos pobres. Nesse senrido, temos a bela "prescriçáo" (capirulário) apenas parcialmente o caráter romano desta. Tratava-se de um sistema do
de 823-82556 que reafirma a funçáo "ministerial" da realeza, segundo a século IV à sua maneira ainda estatal, ao qual, por volta de 390, no impé-
visâo do papa Gregório, o Grande: os reis sáo os minisrros de Deus, o que rio de Teodósio, vem se juntar a ideia de que o clero, privilegiado no plano
os legirima ranro quanro a sagração, colocando-os sob um controle maior judiciário e fiscal, forma uma rerceira milícia. Além disso, o próprio texto
da Igreja. Em seguida, Luís, o Pio, ordena a seus fiéis das duas ordens, das epístolas de Paulo desenvolve a ideia do combare cristáo, do serviço
eclesiástica e laica, que o ajudem a exercer esse "ministério'] a defender as combatente de Deus (Deo rnilitare), do esforço e da glória que é ser um
igrejas e os pobres, e romar, assim, sua parte de responsabilidade, mas "adeta do Cristo'l até o martírio. A suas observaçóes sobre a quescáo, Paulo
rambém de força e de prestígio, ao mesmo rempo em que não prevê ava- acrescenta "[...] q". nenhum daqueles qu€ servem fassim] a Deus se en-
liar seus aros. Isso náo seria mais do que um voto piedoso de Luís, o pio? volva em assuncos do século"58.
Náo seria uma renúncia a enfrentar os poderosos
e seus abusos ? Mas mesmo No entanto, no rempo da virtude dos sanros morros (em face do
assim, esses poderosos, como os reis, realizam um verdadeiro trabalho de
número menor de lutadores vivos, salvo asceras aracados pelo demônio) e
regulaçáo social57. observamos aqui a ambivalência durável tanto do
(mesmo que seus chefes, como Childerico,
das guerras de povos de hostes
"senhorio", como da monarquia e da "cavalaria" justiceira.
tivessem insígnias do exército romano), a partir do século I a insrituiçáo
A Igreja
esrá, ao mesmo rempo, denrro do Esrado carolíngio e das duas milícias romanas e a meráfora cristá da milícia do terceiro tipo
associada a ele. Juntos, Igreja e Esrado regem a sociedade tendo em yisra sofrem um ofuscamento. Procuramo-las em váo na obra de Gregório de
sua salvaçáo. Nesse
sentido, o alto clero faz com que suas reformas discipli- Tours, e elas aparecem pouco em Venâncio Fortunato. Nos anos 810, no
nares sejam promulgadas pelos imperadores: regras de cônegos e de mon- entanto, assiste-se a um verdadeiro renascimento carolíngio da ideia ro-
ges,interdiçáo ao porre de armas por todo o clero (a t r-s t s). Daí termos mana das milícias.
sob o reino de Luís, o Pio, o desenvolvimento de uma reflexáo do clero
Ou melhor, remos a sua reciclagem. No espíriro dos autores do sé-
sobre as duas milícias. Impossível náo nos derermos um pouco aqui, mesmo
culo IX, a fusáo das milícias civil e militar permanece escabelecida como
que o impacto dessa noção, de origem romana, sobre as guerras. nobres
ela é no Imperio bizantino, desde a reforma dos thertatase no sécuio
-
VIL
pareça limitado. É muito mais seu impacro sobre as fo.rt", (eclesiásticas)
As duas milícias sáo, portanto, enráo,a do século e a do clero. As reorias e
e, a parrir disso, sobre certas hisrórias recentes que exige uma explicaçáo.
polêmicas da cultura e do regime carolíngio, enrre 800 e 880, comporram
Por vezes se crê que os caroiíngios quiseram resraurâr a milícia romana, tal muitas variaçóes sobre esse rema. (Jma vez qve o remâ das duas milícias é
a frequência com que as fontes de então evocam com regularidade o "cin-
metafórico, permite pensar ao mesmo rempo a coordenaçáo e a disrinçáo
turáo'l o "boldrié" (cingulurn); ainda que as duas milícias não represenrem
exiscentes enrre a elite eclesiástica e a elite laica, de Carlos Magno
uma reforma do Estado carolíngio, mas uma reoria da Igreja r que,
.o- ,o", por meio de Alcuíno, escreye ao papa Leáo III para que retire àrlpr...,
lacunas, seus hiatos, suas contradiçóes, mas também ,.u, oro,- efetiyos.
se
I

56
58
2-límóteo,1I,4.
Boretius, ne 1 50. 59
TÍtemata, plurai de tlterna, rermo que designa a unidade, simultaneamente militar e
57
Régine le Jan, 'Justice royale et pratiques sociaies...,l
territorial, administrada por um esüarego. (N. da R.)

122
r23
A Cavalria O elitismo carolíngio

e deixe que realize seu serviço (ruilltia) de proteçáo à Igreja contra os quentemente a entrada na vida monástica: vemo'lo em Cluny no século
e monges que exigem um clero desarmado e náo
infiéis60
-, aos bisposcobrados impostos, uma vez X e em Redon no XI.
aceiram que lhes sejam que rezam. O esquema Mas a ideia das duas milícias, desde o início, comPorta um dese-
das duas milicias delxa na sombra a relaçáo exata da ordem eclesiástica com quilíbrio. As verdadeiras armas e averdadeira disciplina náo estáo; de fato,
o rei: ele é o senhor da milícia terrestre e tem com algreja uma relação do mesmo lado. O combate esPiritual dos cristãos, e especialmente dos
ambígua, ao mesmo tempo de patrocínio e de fidelidade. É melhor náo monges, conüa o mal e o demônio é apenas uma metáfora. Não §e trata
esclarecer demais certos pontos, em uma sociedade ou em um sisrema polí- de pregaçáo arriscada, nem mesmo da ascese ermirã' mas, aPesar de tudo,
rico... Náo convém submeter muito fortemente o clero ao rei, nem reduzir de certo conforto. O apego de clérigos e monges, pelo menos até o século
esse ao papel de chefe da segunda milícia. Retomado frequentemente até XII, à ficçáo de suas armas espirituais dissimula alvez um complexo de
o século XII, o tema das duas milícias permite eyocar a rivalidade dos dois inferioridade, diante dos verdadeiros Cavaleiros que zombam de sua co-
braços da classe dominante, vindos das mesmas famílias, mas também a vardia ou efeminaçáo. Eles náo emitem seu Proresto viril apenas pela
sua simetria, a sua articulaçáo e às vezes até mesmo a sua colusão. criaçáo de uma metáfora, mas a6rmando sua utilidade social: eles recebem
O florescimento desse tema no século IX leva os clérigos a falar suas rendas e seus privilégios para a' realizaçáo de um combate, de um
de "ordem laica" (Jonas de Orleans, 829) ou mesmo de "ordem miliar" serviço. Para eles, * i*pli"*ç- prática é o dever de obediência a seus
(Agobardo de Lyon, 833)6r, dando-lhe um papel de justiça tanto quanto chefes. Para Valafrido Estrabáo, por volta de 840, os abades sáo como tri-
de guerra. Mas isso náo conduz nem a difundir a insígnia através de um bunos6a para seus monges65.
adubamento cristáo solene, nem a elaborar um código disciplinar do A "ordem laica'] por outro lado, tem armas verdadeiras e uma
exército, da funçáo pública, ou mesmo da vassalidade. Podemos apenas disciplina rnenos evidente. Tâl como o emPrega o renascimento carolíngio,
ligar, talvez, a essa interprecaçáo de vassalidade em milícia a apariçáo da o rema das duas milícias corrobora o papel das armas como símbolo de
harntiscara, â partir de 830, rito de desonra que consisre em urn vassalo esraruto de uma elite única e mmbém a sua legidmidade. Nos séculos X e
cavaleiro marchar carregando sua sela sobre as costas, ou seja, se fazendo XI, com frequência sefalara, nos dipiomas reais, de uma milícia do reino
de cavalo e invertendo sua posiçáo social dominante6'. Mas como ele (ntilitia regni) que é encabeçada pelo rei e que o escolta nas cerimônias
próprio aceita essa penitência, ela não é urna destituiçáo durável e, no (especialmente sacras e funerárias). Mas o que se sobressai é antes a ideia
-
limite, o fatcj mesmo de passar por essâ humiihaçáo prova que alguém é de comunidade de reino, de compardlhamento do ministério real com os
estaturariamente um homem de serviço honorável: um servo náo seria grandes fiéis do rei (na linha do capitulário de 823-82566). E a própria re-
sujeito a isso! ferência à milícia torna-se muito limitada, reportando-se a senhores e
Se existe uma questáo no século IX sobre o boldrié da milícia vassalos que sáo os herdeiros de seus estatutos e bens e cujo "serviço" guer-
(cingulurn ruilitie), é para que seja deixado voluntariamente ou sob a pres- reiro e judiciário deriva de seu nascimento nobre. Eles detêm as honras,
sáo social e a prescriçáo religiosa. Para a penitência, o melhor exemplo éo obrigaçóes e prerrogativas de condes, vassalos reais e beneffcios (feudos
do próprio Luís, o Pio, em ln de outubro de 83363. O adeus às armas e à no sentido amplo), pelos quais uma forte competiçáo os opóe e nessa
cabeleira acompanha. de forma mais ou menos rirual, cada vez majs fre-
-
ocasiáo, especialmente apartir de 830, eles se agrupam em facçóes em torno
1-
I
60
Jean Flori, Z'Id.éologie du glaiue..., p. 45. O autor se refere aos tribunos militares, oficiáis que comandam as legióes romanas
61 Idem, p.
59. (N. da R.)
62 VerJean-Marie Moeglin, "Pénirence
publique et amende honorable...".
JeanElori, L'Idéologie du glaiue..., p. 50.
65
63 Boretius, ne 197. \'er Karl
Leyser, "Earlv Medieval Canon Law...". 66
Boretius, nn 150.

124 t25
de reis e filhos de reis rivais sem que as decisóes de cima
possam se impor e o sobrinho de Haroldo aprendem a manejar armas
por si mesmas. e a adotar o compor-
tamento franco. Mas rudo isso tem somente uma consequência importante
As duas milícias são, porranro, antes de tudo,
uma ideia de clérigos a curto prazoi a de que os normandos mais bem armados, informados
e monge§. o sucesso caroríngio e pós-caroríngio
desse tema náo deve, em sobre as riquezas e fraquezas do mundo franco, vortarão a efetuar
nenhum caso, fazer crer nas "origens ,o-rrr"ri da "cavalaria araques.
há nos escriros e carras dos clérigos um dpo de jogo
-.di.u"l". só será bastanre para isso que os laços de amizadee apadrinhamenro
enrre
de palavras romanas dois homens em parcicular
sobre, de um lado, os cosrumes francos.,ào o,rrro,
uma disciplina cristá. - Lorário e o firho de Harordo - sejam ati-
vados durante as guerras civis francas. o afilhado dinamarquês
Ainda que, nesses usos ou nessa disciplina, haja autênticos virá pilhar
,..rrrpr"go, d. a terra dos irmáos inirnigos de Lotário ao seu chamado
elementos romanos * promessas d. vassalos, " ou com r.,,
direito a" ig."j" i.. implícito... ".ordo
Em 817, um édiro (chama.do ordinatio imperii) dnha criado uma
assimetria incomum enEre os uês filhos de Luís, o pio: Lotário, pepino
e
A guerra entre irmãos Luís68. Rompendo com os cosrumes francos, apoiado
pera ideia de império
cristão, o edito deixava a Lotário o rículo de imperador
e roda a Francia,
os carolíngio s arvez rivessem pre cisado de uma verdadeira confiando aos dois filhos mais novos as periferias (Aquirânia
mirí- e Germânia)
cia para fundar um império durável digno e, em suma, tornando-os vassalos. Mas o nascimento
desse nome. Com a reoria das de um quarEo irmáo,
duas milícias, homens como Carlos, em 823, leva Luís, o pio, a separar algo para seu novo fiiho
Jonas de Orleans e Agobardo de Lyon náo d" p*.r.
tazem nadapara reforçar verdadeiramenre de Lotário, apoiado vivamente por uma facçáo e uma parre
o Esrado ãro[ngio. Na í.rd"d., dos clérigos
eles se dessolidarizam dele, em favor do "imperialistas". Assim, acendem-se pouco
privirégio eciesiásiico. a pouco as guerras civis que,
O aho clero dessa época é parre ativa nas lutas apenas em parte, lembram as dos merovíngios.
faccionais que, com
c_eÍteza, a inrerrupçáo da expansáo franca Os dez primeiros anos de lutas colocam em cena um pai lurando
revive pouco , po,r.o p"rtir
do ano 800' o alto clero rraz para essa ruta " conrra parte de seus filhos. Náo se rrata imediatamenre de hàstes
sua coop
eraçáode mirícia 'pero que se
verbo'] pregando e polem izando. o reinado enfrentam, mas de debates aquecidos nas assembieias. As palavras
de Luís, o pio, conrrasra com d. ord...,
o reinado de seu pai, Carlos Magno, no sáo, desde Carlos Magno, a paz civil pela justiça, a renúncia
que diz respeiro à, à vingança e
que se multiplicam (várias por ano) enquanro "rr.*bl.i"r, a devoção ao bem comum (da milícia). cada ano da década
",
horr., rareiam ou dimi- d. g:o o.,
nuem' Eias sáo mobirizadas apena§ na proximidade quase é ricmado pelas assembleias gerais da Francia. Luís, o pio,
das fronreirr, r.r"- vive no
defendidas ou libertadas. Na verdade, mobiriza-se " cenrro de seu império que é a Francia, indo de um palácio, de
menos. A visira de uma caça,
Haroldo a Ingelheim (aze), transfigurada por de uma assembleia a ourra, enquanro Lotário e seus dois irmãos
Ermoldo, o Negro, em mais velhos,
triunfo de Luís, o pio, é positiva? O àin"maryoês Luís, o Germânico, Pepino daAquirânia, junram fiéis que cavalgam com
recebeu o baciáo. as
e
armas, colocou suas máos enrre as do eles e os apoiam nas assembleias quando entram na Francia,
imperador Ermordo nos forneceu Isso causa
assim um dos mais n",lgo, casos de homenagem - uma aiternância entre cavalgadas com "rapinas" contra os camponeses.e,
de máos67. Mas o que
Haroido dá em roca? Ele náo tem poder
p".". ,. impor ,." e negociaçóes sobre rerras e obrigaçôes. Evitam-se
as batalhas . o .rrfr".r-
impingir a conyersáo f "rr1 ffr"
essa demorará dàt ,é.,rlor. No" .rrt"l,rto, tamento direto com choques próximos que podem fazer nobres
-
facção dinamarquesa firmou raços
.rrr" vírimas7o.
com o palácio caroríngio onde o firho
68 Boretius,
no 136.
67 6e
Ermoldo, o Negro, poema..., v. 2.4g6, Milagres de São Bento...,I,27.
70
Ánais de Saint-Bertin,p, fi ($4)
126
127
A Cavalaria O elitismo cmolíngio

Lura-se rambém com ecuseçóes redigidas pelos clérigos: rrara-se de ganhar concubinato oficial. Ele apoia e jusdfica Carlos, o Calvo, fazendo-nos
a assembleia desqualificando um pouco o(os) vencido(s); oficialmente, seguir com predileçáo suas assembleias e cavalgadas.
a resrabelecida por formulas e cerirnônias (aí aparece a harrnis-
paz cíyil é Entre irmáos carolíngios, dá-se sempre a mesma história.monó-
cara). Acusam-se mutuamente de perjúrio, porranro, de deslealdade, de tona, de guerras, escârarnuças, assembleias e tratados. Os filhos de Luís, o
ganância, de conduta desonrosa, e se obriga o vencido à penitência cristã Pio, se distinguem dos filhos de Clotário pelo fato de terem aparência
e à reparação honorável. Esse "vencido" (em muitas ocasióes é o pai) guarda menos furiosa e serem mais fraseadores (por seus próprios meios ou por
uma boa chance de reverrer a situaçáo no final de alguns meses dissociando meio de clérigos postos a intervir nas querelas). Nas açóes, eles não são
a coalizáo de seus oponenres. Esse tipo de reviravolta destinada a manrer necessariamenre menos duros é um pouco diferente.
os equilíbrios, essa injunção feira ao vencedor de uma assembleiapara que
- mas seu pecado
Eles náo reúnem matadores para se exterminarem entre si, e náo cortam o
se mostre, como nós diríamos, "Cavaieiresco'i sob o risco de atrair quase pescoço de seus sobrinhos crianças. Nesse sentido, entáo, a rejeiçáo aos
todos contra si, sáo certamente elementos característicos de uma sociedade homicídios entre cristáos (todos sendo irmáos e irmás) é mais forte. Eles
"faidal". O tom muda rapidamente: lançam-se reprimendas ofensivas antes se esforçaráo mais em deslegitimar casaÍnentos embaraçosos, com a ajuda
de se reconciliarem, mas a inimizade permanece larente, pronra para res- do direito cristáo do casamento (como, um pouco mais tarde, o de Lotário
surgir. Por exemplo, em 833, o papa Gregório Vvem em pessoa ao Norte II e §Taldrade). Mas existem armadilhas assassinas e, sobretudo, apelos aos
dos Alpes pa ra, díz ele, "reconciliar" o pai com seus filhos, mas na verdade piratas normandos aos quais apátriapaga"o preço, e para os quais a época
ele fundamentalmente apoia estes úitimos. Ele reroma uma formula de merovíngia náo oferece nenhum verdadeiro precedente!
Agostinho em favor da jusriça e do perdáo: não se deye vingar-se a náo ser Nitardo crê que os filhos de Luís, o Pio, se enfrentam lamentando
pelo bem do EstadoTr. De forma que é preciso se argumencar em nome do rer de fazê-lo. Entre si, jogam uns para os outros a responsabilidade
bem do Esado para que a vingança se torne aceirávei... Com isso, o desejo da discórdia. Em maio de 841, Luís, o Germânico, e Carlos, o Calvo, reú-
de evitar toda batalha sangrenta é parenre. EmZ4 de junho, em Lügenfeld nem rropas e querem manrê-las, talvez mesmo aumenrá-las. convocam
(Alsácia), a hosre de Luís, o Pio, para diante da hosre de seus filhos. Dis- uma assembleia de bispos e de grandes, enviam uma delegação para implo-
cute-se durante yários dias e, ao final, o pai consrara que uma grande parte rar que Lotário se lembre do Deus Todo-Poderoso, da paz entre irmáos
de suas tropas rrocou de lado... Nada lhe resra a náo ser se entregar à mi- cristáos. Os delegados devem "oferecer tudo o que está sob poder da hoste,
sericórdia (obrigada) de Lotário, e afazer uma penitência crisrã em saint- excetuando os cavalos e as armas"73. Pode-se ceder rudo, menos o essencial.
Médard de Soissons. Lá, ele se vê acusado, em in de ourubro, de ter desviado No encanto,.Lotário faz as coisas se arrastarem. Ele espera o reforço de
a religiáo para 6.ns de vingança e de ter levado seu povo a marar-se enrre Pepino II da Aquitânia. Seus dois irmáos sabem disso, mas aparentemente
si. Depois disso, é entáo privado de seu l'boldrié de milicia"72. Seis meses calculam gue é necessário assumir o risco, pois tomar a iniciativa de um
depois, ele retoma sua realeza graças às dissensóes enrre seus filhos vence- verdadeiro combate seria malvisto. De qualquer forma, o enfrentamento
dores mas ela fica irremediavelmenre enfraquecida e ele morre em g40 aconrece em 25 de junho de 841, em Fontenoy-en-Puisaye. É de f"to rr*"
-
sem que sua sucessão esteja realmente regulamenrada. bataiha re duzida: uma fraçáo da hoste faz a. sua parte com ousadia, outra
O período que se segue
objeto de uma narrariva muito insrrutiva
é entrega as armâs e, um pouco mais distante, Bernardo da Septimânia e os
de Nitardo, neto de Carlos Magno por iado de máe e fruto de um tipo de seus permanecem neutros. Em piena vitória, Luís e Carlos dêcide"m in-
terromper a perseguiçáo, ter pena dos vencidos: é suficientd para eies

Louis Halphen , Charleznagne..., p.243.


Boretius, ne 197. 73 Nitardo, IÍ, p. 69.

128 129
A Cavalaria
O elitismo carolingio

permanecer mestres do campo de baralhaTa onde se enconrra um grande


com Carlos no famoso reenconrro de Esuasburgo em 14 de fevereiro de
número de morcos e onde já existe pilhagem. Eles permanecem no local
842.Enqaanro seu irmáo mais veiho "incendeia, pilha e massacra", como
no domingo e enterram piedosamente tanto os amigos quanto os inimi- escreve Nitardo com suaparcialidade contra ele75, os dois só têm nos lábios
gos. Eles dáo seu perdáo aos fugitivos declarando-lhes a paz e reúnem
o amor a Deus e a salvaçáo comum.
um conselho que proclama que rudo foi um julgamenro de Deus. tata-
Eis, portanto, Luís, o Germânico, e Carios, o Calvo, bem de
se de absolver os padres que luraram e também os outros combatentes,
acordo: neles reluzem abeleza, a valentia e a sabedoria. Eles náo podem
exceto aqueles que confessaram, em confissáo secreta, rer sido moyidos
organizar uma simples pardda de caça para suas hostes, como fazem os
por "cólera, ódio e glória va'i Para o remédio da alma dos morros, um
grandes em suas reservas. É necessário ocupar e entreter as tropas
jejum de rrês dias é decretado.
com grandes manobras. Temos assim um dpo de "esperáculo" de batalha,
É necessário dizer que esses homens sáo mais cristãos que os me- sem ferimento nem insulto, sem captura nem resgate. Os infantes de
rovíngios do século VI? De faco, em matéria de penirência, vivem um novo
carlos e de Luís se ârâcam sucessivamenre anres de fugir como num balé
cristianismo em reiaçáo àquele da Antiguidade Târdia. Desde o ano 600 ordenado. A cada vez se projeram em araque aos fugitivos, um dos reis e
se estabelece claramente um sisrema de penitências e de expiaçóes taxadas
seus cavaleirosT6. Embora isso náo deixe de parecer um pouco com os fu-
e reiteráveis. A lgreja, para moralizar
a sociedade cristã, define uma clas- turos torneios do século XII, as diferenças os afastam: náo se trara de um
sificaçáo da gravidade das faltas, com resgares e absolviçóes ad hoc.Assim,
espetáculo, mas sim de diverdmento à margem de uma verdadeira guerra,
ela pode intervir de maneira mais sudl
e circunsranciada para civilizar os e náo vemos nem a honra nem o dinheiro recompensar os campeóes a
modos... menos que consideremos que ela auxilie na conservação de sua
a

dureza, uma vez que, com um preço certo, tudo é absolvido! Na noite da
cavalo
- náo é a instituiçáo dos torneios. seu aparecimenro precisa ser
colocado em um contexro histórico específico. seria um cosrume carolín-
batalha de Fontenoy, podemos nos emocionar com sentimentos muito
gio expandido ? Esse jogo poderia rer sido imaginado segundo circunstân-
cristáos, e podemos também nos dar conra de que eles teriam sido ainda
cias precisas, e não ter absolutamente nenhum futuro por falta de cir-
melhores se, manifesros pela manhá, tivessem impedido a baralha e os
cunstâncias análogas. Mas sabemos ráo pouco sobre as práticas propria-
-
mortos. De repente, a suspeita surge de que o cristianismo medieval prega
mente guerreiras da época carolíngia que é preciso deixar a questáo pen-
o Evangelho â rempo, mais do que a conrrarempo, de forma que ele ten-
dente, como no caso do "adubamento" do século Dí7..
deria a moldar sua morai sobre os modos dos guerreiros nobres (sobre as
No ano seguinre (A+Z), o tratado de Verdun reconcilia de forma
demandas racionais necessárias a seus interesses de classe) mais do que com
durável os três irmáos e estabelece urna partilha iguaiitária do mundo ca-
a intençáo de mudar esses modos. E essa suspeita nunca abandona por
rolíngio entre eles. Cada um recebe uma parre da Francia e de regióes
muiro tempo um historiador da cavalaria; ela o empurra inclusive a bus-
anexas. No meio século que se segue (45 anos), há poucas guerras ver-
car ourros farores históricos pare as evoluçóes que descreve, além da
dadeiras entre irmáos. O araque de Luís, o Germânico, passando pela
"pressão cristá" mais ou menos forre...
Lorena, reino de Carlos em 858, é apenas uma cavalgada poiítica, à qual
Entre os irmáos carolíngios, a batalha de Fontenày nada resoive.
o apoio de "Ganelon" de Sens (§Tenilon) náo garanre o sucesso. É
Talvez, em caso de vitória, tivesse feito Lotário ganhar a guerra. Mas, "ntre
vencido, ele tenta naruralmente dividir a frente dos vencedores e faz pro-
postas para Luís, o Germânico. Este último, no entanro, exibe sua aliança
Nitardo, III, 5, p. 101. Nitardo aumenra rudo o que pleiteia em favor de Carlos ou
contra Lotário, que cerramente também fazia gestos de apaziguamento.
7a Idem,
76
Idem, III, 6. VerJanet Nelson, "Ninrh-century Knighthood...'i
III, 1-2, pp. 81-3 77
Ver, neste volume, p. 119.

130
13I
A Cavalaria O elitismo carolíngio

Carlos e seu filho Luís que uma verdadeira batalha se desenvolve em festas de Ingelheim, uma relaçáo forte e talvez perigosa. Na mesma linha,
Andernach em87678. seus filhos rêm, nos anos 830 e 840, amigos e "homens" entre os chefes
Mas para Carlos, o Calvo, em 843, é hora de tomar posse de sua viquingues que percorrem o Império. Em 841, Lotário tem como vassalo
parre e enfrentar as dissidências nas regióes anexas de sua Francia ociden- um certo Haroldosl, e o envia contra as terras de seus irmáos inimigos,
ml: a Âquitânia de Pepino II seu sobrinho "esquecido" em Verdun Luís, o Germânico, e Carlos, o Calvo. Pepino II da Àquitânia, seu sobrinho
- -, e aliado, foi sacrificado na partilha de Verdun em 843. Seus rios pratica-
apoiada à Gasconha, e a Bretanha. Ao mesmo tempo, seu reino é aquele
que se encontra mais exposto aos ataques normandos. mente o deserdaram, e podemos compreender seu ressentimento. Eie
chama bandos normandos effr seu auxílio contra Carlos, o Calvo. Esre
úldmo certamente não 6cava atrás. Foi Janer Nelson que se deu conta de
que, aquele que pilhou a regiáo parisiense em 845, chamado de Ragnar,
Em face dos normandos
era um "homem" de Carlos que fazia pressáo para ser retribuído82. Diante
disso, o rei Carlos se diz pronto, como um anrigo chefe germânico, a mor-
Os normandos par€cem grassar com a permissão de Deus. Eles
rer para defender apátria. É isso qu. ele diz em sua comunicaçáo poiítica
sobem os rios com seus dracares, e logo suas esquadras se deslocam apé e a
enquanto na prática tem a sabedoria de nada fazer alémde reunir rributo
cavalo,em pequenos grupos que, pouco a pouco, se reúnem e se dispersam
para comprar a retirada do bando de Ragnar.
pilhando o país e se fazendo preceder por uma "visáo sangui nária"7e.
Em outras palavras, mesmo se recusamos a interpretação da vin-
Particularmente célebre é a lamentação do monge Ermentário,
gança de Deus, as guerras civis dos filhos de Luís, o Pio e através deles
enumerando uma série de Cidades tomadas e pilhadasr "Quase nenhum -
lugar, nem o mosteiro, foi poupado. Todas as pessoas fogem e raros sáo
de facçóes de grandes
-, sáo certamente uma das causas decisivas das
incursóes normandas. Ao mesmo tempo elas sustentam laços com essas
aqueles que ousam dizer: 'Fiquem, fiquem, 6quem, lutem pelo seu país,
incursóes que nos obrigam arelativizar o choqae de ciuilizaçoes (ou de so-
pelos seus filhos, pela sua família1 Em sua letargia, em meio a suas querelas ciedades). Podemos ver que, rapidamente, se formam alianças cruzadas
intestinas, eles pagam o preço de tributos por aquilo que deveriam defen-
entre facçóes ou bandos francose normandoss3. A partir disso, remos todo
der com armas nas máos e deixam ofuscado o reino dos cristãos"8o.
dpo de manobras, de tracados, de convençóes mais ou menos respeitadas
A história moderna da França usa Ermentário como pano de de um lado e outro, no sentido clássico dos acordos entre guerreiros.
fundo e dramatizao impacto dos normandos sobre o mundo carolíngio,
Muito râpidamente, os normandos se convertem para entrar para
desacreditando suas elites. No enranro, esses adversários náo sáo nem co-
o serviço do rei, como Wielando, que Carlos, o Calvo, faz passar o inverno
talmente desconhecidos, nem impossíveis de influenciar até certo ponro.
em862 no campo de Saint-Maur-des-Fossés esperando para lançá-lo con-
A pesquisa recente colocou o dedo em feridas que anres passayam desper-
cebidas. Nós vimos Luís, o Pio, Êrmar em 826 com o'lrei" Haroldo, nas
31 O jovem homem, seu a6lhado, que em 826 estavâ em estágio de iniciaçáo às armas e
à civilizaçáo.
82
Luís, o Moço, no entanto, havia conferenciado a Carlos, o Calvo, em nome de Jesus Janet Nelson , Charles le Chauue, pp. 774-5.
Cristo, sobre seu parenresco, o direito e seus juramenros. A hoste de Carlos foi posta 83 Os "soldados de fortuna" sáo buscados nas fileiras normandas. Como escreve
Janet
em fuga (um conde foi morto) e náo há riro cristáo como em Fonrenoy: somenre um Nelson, "nào existe, na realidade, um único'fator normando' intervindô como força
Carlos que, tendo fugido para salvar sua vida, abre os olhos para suâs faltas: Regino exterior nos negócios do reino"; de fato, "diversos bandos guerreiros tinham infiltra-
de Prüm, pp. 1.t 1-2. do o tecido da política franca, colaborando e rivalizando pouco â pouco, ou se
/-9
Abbon, 1,v. 197. Mais marginalmenre, sarracenos e húngaros. vendendo em algumas ocasióes como mercenários aos chefes de guerra da Francia"
80
Milagres cle S,ío Í'ilisberto..., p. 6A. (idem, p. 216).

r32 133
A Cavalaria O elitismo carolíngio

rra Meaux, onde o bispo e seu próprio filho (o futuro Luís, o Gago) o sáo taxas de proteçáo, pode lhe oferecer perspectivas interessantes. E o
desa6am. Depois disso, 'tuas atividade predatórias nesse local náo devem esquema das uês ordens, imaginado por volta de 875,legitima o desarma-
tê-lo desagradado demais"Ea, jâque ele mesmo, por maior seguança, pro- mento dos camponeses reunidos em guildas de autodefesa. Érico, de Au-
rege com fossos o mosteiro de Saint-Denis do qual ele é o abade laico e xerre, no mais tardar em 87 5, termina sua compilaç ao dos Milagres de S,ío
onde sua justíça ajuda a manter ou a reduzir à servidáo os camponeses. Gerrnano com um trecho sobre bravurapara o uso do clero de alta cultura,
Isso mostra que, na defesa do país contra os normandos, é im- sobre o qual Dominique logna-Prat nos chamou a atençáo:
pensável armar os camponeses, todos tidos como mais ou menos'tervos",
tampouco deixar com que defendam os seus. Em 859, os camponeses Existem aqueles que fazem a guerra, ourros que cultivam a terra e vocês, vocês
do Loire médio hayiam formado guildas de autodefesa. O rei Carlos, o sáo a terceira ordem. Deus os instalou em Seu domínio próprio. Vocês estáo

Calvo, emSíZ,defende a bacia do Sena apartir do campo de Piues (perto assim desobrigados das tarefas físicas e podem se dedicar mais a Seu serviço;
outras pessoas estáo sujeitas, por sua conta, às duras exigências do combate
da atual Ponte do Arco, a monrante de Rouen), onde estabelece como
barragem uma ponte forrificada. Ele reúne também os grandes e os iivres lrnilltia] ou do trabalho, mas em retorno vocês os servem garantindo suas
preces e o ofício sagradoss.
em assembleia segundo a maneira carolíngia para lembrá-los de suas prer-
rogativas, especialmente seu monopólio de fortificaçóes públicas: as
interrogar longamente sobre as eventuais "origens indo-
Inúril se
"fortalezas" estabelecidas esponraneamente, feiras de terra ou de galhos,
europeias" desse esquema: ele procede, naturalmente, da ideologia caro-
deyem ser abatidas. Náo seria possível que seus súditos lhe fizessem frente
língia, combinando a dualidade da elite com a dualidade dos nobres e dos
ao mesmo tempo que os pagáos,
servos. É um discurso parajusdficar o privilégio dos religiosos e ordenar-
Se poucas pessoas resisrem é talvez porque os normandos possuem
lhes um esforço de disciplina e de liurgia. Ele se situa na linha direta do
um estilo furioso do qual náo se rinha rnais nenhuma ideia. Mas é também
discurso sobre as duas milícias que vimos aflorar sob Luís, o Pio. Os cléri-
porque dominante dissuade a resistência. No entanto, Ermentário
a classe
gos e monges, certamente, têm "armas melhores", ainda que elas náo possam
erra ao dizer que ninguém resiste. Há condes que morrem bravamenre,
ser vistas; eles podem se isenrar de atacar os normandos, pois lutam contra
como Vivien de Nantes (8 5 t ). O rei e os condes fazem certa defesa do país,
os demônios. No final do século IX, os Milagres de S,ío Bertin evocam uma
com conotaçáo social: eles levantam forrificaçoes e ao mesmo rempo
partilha do butim obtido junto aos normandos em 891 em Saint-Omer,
proíbem as fortificaçóes "privadas", preferem lidar com os normandos
na qual uma parte é dada aos náo combarentes, homens de prece e pobres
comprando suapardda graças a tributos estabelecidos sobre o país a con-
desarmados que rezarâm a Deus pelo sucesso dos cristáos armados. Mas
duzir uma guerra mortal.
esse texto distingue claramente também combatentes de duas categorias,
A elire do mundo carolíngio persiste, por.anro, em seu hábito "mais nobres" e "mais humildes"86.
caracterísrico: no final das contas, eia prefere se abrir para o nobre, para o
Mas entre esses "mais humildes", existem promoçóes ? As carreiras
chefe adversário, em yez de deixar seu próprio servo se emancipar e náo
do "medíocre" Ingon e do floresml Terúlio, relatadas respec.ivamente por
mais se distinguir dele. E porque ela tem dificuldade em marirer a pressáo
apenas pelo argumento do esraruto servil uma vez que precisa iurar
-
contra servos coligados que reclamam sua liberdade, porranro um serviço
menos pesado o esrabelecimento de tributos ou de 'talvamentos", que
-, 8t
Citado por Dominique Iogna-Prat, "Le baptêdre...'l p. 106.
86
Milagra de S,ío Bertin, pp. 512-3. Ver Georgei Duby, Les trois ordres..., pp. 123-4.
Ediçáo em português, Ás três ordens ou o imagiruírio da feudalisrno. Lisboa, Estampa,
8{ Idem, p. 229. t982.

t34 13s
A Cavalaria O,elitismo carolÍngio

Richer de ReimssT e pela História dos Condes de Ánjou\8, poderiam nos Saint-Germain-des-Pràs, sobre a defesa de Paris pelo abade Ebles e pelo
fazer pensar que sim, mas elas sáo fabulaçóes do ano 1000 e do século XtrI. conde Eudes e também pelo auxílio dos santos morros, Maria ou Ger-
E, além do mais, no caso de Ingon, fucher náo fala cerramenre da parte -
mano. Esse abade marcial náo se serve da reoria das duas milícias.ou das
baixa da sociedade, mas da nobreza média; e, quanro a Grtúlio, ele yem três ordens, mas procura façanhas, como um cavaleiro. O monge Abbon,
de uma nobreza antiga, mais decadente, cuja fortuna se refaz com ele... por sua vez, tem o mérito de ser menos convencional que um cortesáo
Sáo épocas mais modernas que forjaram o miro dos'toldados de forruna'i como Ermoldo, o Negro: náo esconde deslizes de seu herói Eudes, conde
que partiram do nada para defender os francos conrra os normandos (ou e depois rei em 888e0, e revela a coragem, as conquistas guerreiras que não
parafazer a cruzada). sáo de condes mas de um nível social impre ciso, que não creio ser muiro
Roberco, o Forre, pelo conrrário,
-
é um conde combatence (como inferior ao dos vassalos de 12 mansos que porram brunia e usam a lança.
outros de sua geraçáo e do século X, com sobrenomes que evocam a valen- A repercussáo que a defesa de Paris rem é atesrada por inúmeras
tia, como Braço de Ferro e Guilherme Braço Forre, mas que talvez tenham fontes. Como dizem de forma um pouco desajeitada os Ánais de Sairut-
recebido esses nomes posteriormente na formação das lendas). Ele é um Vaast,diante dos normandos em 885, "nada resiste; no entanto, os francos
herdeiro da aristocracia do Império, investido e depois repudiado e em se preparam, mas náo para batalha: eles constroem fordficaçóes"er. llma
seguida noyamenre reaproximado pelo rei Carlos, o Calvo. Tem a infeli- delas, Pontoise, é "rendida pela sede": ela se enrrega, o que quer dizer que
cidade de ser morto em 866 em cornbare em Brissarthe, o que lhe rende a refêns sáo trocados e os defensores se afastam. Os normandos poupam,
boa reputaçáo de proretor do país, de que sua família se beneficia. Regino portanto, guerreiros; eles os deixam provavelmente ser recuperados
esses
de Prüm, por volta de 900, o menciona encabe
çando a lista de morros iius- pelo pagamento de um resgare. Mas os reis e condes podem permitir-se
tres, "homens de família nobreigenerose stirpzs] que defendiam as fronteiras nunca mais combater e apenas Êrmar rratados ? Paris se orgulha de resisrir
da pátria"se. Depois deie, seu filho Eudes consegue, em idade adulta, re- melhor. Â cena inicial é uma negociaçáo. O "rei" dinamarquês Sigefredo
cuperar seus condados e rornar-se ilustre no inverno de 885-886, na defesa pede passagem ao bispo Gozlino e ao conde Eudes; ele thes garanre que
de Paris, ponro esrrarégico, conrra uma florilha e uma imporranre hoste respeirará a Cidade assim como os senhorios ("honras") de ambos. Mas o
de normandos. Protegeu Paris e se tornou duque, pensa Regino. Enquanto imperador Carlos ordena que náo aceitem a proposra. Sigefredo com-
o último imperador carolíngio, Carlos, o Gordo, paga tributos. preende bem que, se aceitassem, receberiam morte e desonra.
É o momento da ascensáo dos condes, cujo aumento do poder o Sigefredo e os normandos a princípio procuram apenas romper â
esforço legislativo dos carolíngios favorecia. os ataques normandos per- ponte fortificada entre a Cidade ea margem direita. No fim de novembro,
mitiam que se indtulassem prorerores do país, náo apenas pelo exercício atacam por dois dias seguidos a rorre que guarda a ponre, no seror do
da justiça, como se enrendia sob Luís, o Pio, mas também pelas armas. As "Châtelet" ulterior. Lançam flechas e areiam fogo, em váo. Nos dois meses
incursóes normandas, como mais tarde as cruzadas, sáo uma boa ocasião que se seguem, pacrulham ao Norre do rio, na Francia, pilhando-a para
para reforçar o per6l heroico de uma nobreza que, ao que parece, precisa arranjar provisoes para seu acampamenro situado em Sainr-Germain-
disso com frequência. lAuxerrois (chamado na época "O R.edondo"). Mas náo fazem o bloqueio.
Olhando mais de perto, no enranro; o heroísmo de Eudes se ringe Eles submerem a cidade a um araque mais direto e mais cruei de 31 de
rambém de certo pragmarismo. Vemos isso no Poemade Abbon, monge de I
l
I

87 Richer de Reims,
9-l l. e0 Náo espera dele a carreira nem o retorno à graça, como Ermoldo,
o Negro, esperava
88 Histdria
dos Condu de Ánjou, pp. 26-7 .
de LuÍs, o Pio, como preço de seu poema.
8e Regino de Prüm, er Ánais
p. 105 (alusáo: 873). d.e Saint-l/aast, p.322.

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janeiro a2 de fevereiro de 886, com auxílio de máquinas de cerco, e matam entre eles pelo efeito do trarado: casas, páo, bebida, cercos, rotas, leiros,
catiyos para impressionar os habicantes (tinham-nos manddo vivos até pardlhavam tudo. Cada um dos dois povos se maravilhava de se ver mis-
entáo). Noyo fracasso, seguido de um novo ataque a Francia, no curso do turado ao outro"e4. Se o ressentimenro é superado, é porque o cerco náo
qual os dinamarqueses surpreendem e, entre outros, matam um conde, foi muito atroz. Em favor dessa mistura, não ocorreria a alguns dos bons
Roberto Portecarquois. Mas, principalmente, cruzam o Sena e tomam yassalos de Paris, táo bravos, a ideia de irem com seus novos amigos per-
posse, contra todas as expectativas, de Saint-Germain-des-Pràs, que lhes correr as rotas da pilhagem dos campos ? É verdade que em seguida corre
serve a partir de então de acampamento. Imaginava-se, no entanto, que o boato, náo sem fundamento, de que estes últimos, traindo o acordo,
não ousariam âtâcer esse senhorio santo! No mesmo momenro, o rio der- atacaram o vale do Marne. Griros na cidade; procuram-se refens dinamar-
ruba a ponre enrre a cidade e a margem esquerda, isolando a torre que queses e os carregam junto com eles, e "nessa ocasiáo brilha particularmente
guardava a sua entrada, próxima à atual fonte Saint-Michel. Os 12 defen- o abade Ebles'i preferindo combarer com a vantagem do número e da
sores se rendem, crendo estar salvando avida em troca de um resgate, mas posição. Entretanto, o bispo Ansero (sucessor de Gozlino) "deixa pardr,
sáo mortos. O canto primeiro do poema de Abbon termina com apartida em yeze5 de massacrar, como deveria ter feito, aqueles que ele proregia".
de muitos normandos em direçáo à Nêustria, pelo Sul, que eles maltraram Belo gesto, mas talvez também belo cálculo, pois seu próprio irmáo, bispo
sem, no entanto, entrar nem em Chartres nem na regiáo de Mans. de Meaux, encontra-se, pouco depois, cativo dos normandos.
O canto segundo relata o que se seguiu de maneira um pouco Quanto a Carios, o Gordo, sua deposição em 888 só consagra
desconrínua. Em março, o conde Henrique o mesmo que matou Go- uma impocência inicial. O reino perde força muito rápido depois de877;
* -
tefredo eparece sobre a margem direita com urna hosre, mas náo há em 884, o acidente de Carlomano marca o fracasso de roda auroridade
bataiha. Ele apenas rouba, durante a noite, os cavalos dos normandose2, central, de todo o controle de um palácio sobre os condes cujo poder se
no mesmo momento em que o conde Eudes negociava com Sigefredo. desenvolve no plano regional. Como nos ourros reinos oriundos do lm-
Imediatamente, Eudes é aracado pelos dinamarqueses. Eudes os enfrenra pério, a Francia ocidental dra "de suas próprias enrranhas" um rei, Eudes,
bravamente sendo logo socorrido por seus homens: "
[...] sua nobre conduta em fevereiro de 888.
causa admiraçáo a todos"e3. Náo neguemos sua coragem, mas observemos
que ele estava simplesmente comprando apartida de Sigefredo por.60libras
de prata: seu comporcamenro náo difere, porranro, nem um pouco do
Os primórdios da guerra feudal
comportamento dos carolíngios, tanto dos heroicos como o falecido Luís
II, vencedor em Saucourt, quenro de políricos como Carlos, o Goqdo, que
aqui, para terminar o conflito, compra a rerirada dos normandos da regiáo
Êudes é apenas um dos condes que conseguiram acumular, aparrir
de uma ou duas geraçóes, poder e domínio sobre uma regiáo inreira, e que
parisiense por 700 iibras e pela promessa de "enrregando os refens não
desde 877 ofuscavam o poder real. Sua ascensáo não restabelece o poder
tocar em outras mar€íens a não ser as do Sena".
real ao nível dos tempos de Carlos, o Calvo. Seu advenro náo resraura o
Ora, continua Abbon em uma passagem pouco notada pelo século
poder cenual. Pelo contrário, eie reinicia as guerras civis porque ume parre
XIX, "os nossos rejeiuram fortemenre essagaranria
lsecururnfpor pensar dos grandes condes (vamos chamá-ios.de príncipes feudais) conresra seu
que poderia ser violada pelos dinamarqueses. Logo tudo se rorna comum
poder. Sobre ele, de fato, pesa uma verdadçira hipoteca, por meio de Carlos,

ea ldem,
"e3 Q.," haviam volado da Nêusuia. IÍ,4t6-9 (p.96).
Abbon de Saint-Germain, II, v. 30. et Idem, 11,v.440 (p.36).

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1!l-'
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I A Cavalaria O elitismo carolíngio

o Simples, filho póstumo de Luís II e, de Luís III e de Car-


portanto, irmão cipes ou grandes senhores, náo se trata tanto de ensanguentar o país quanto
lomano, que terá 15 anos em 893, idade de receber as armas yiris. de fazer razias e mantê-lo sob pressáo.
Assim se explica o contorno estranho que toma o reino de Eudes. Nos 30 anos que se seguem à ascensáo de Eudes, essas açóes de
Ele se ilustraainda em junho de 888 com umaverdadeira baralha, vitoriosa, gue(ra feudal, relativamente breves e ordenadas, se alternam com a reto-
contraumahoste normanda que faihou em surpreendê-io em Montfaucon mada das incursóes dos normandos apoiados em campos fortificados e
em Argonne. Abbon pode assim novarnente mencionar sua coragem, sua castelos provisórios edificados em vista de cercos. As duas formas de guerra
força ao soar a corneta náo apresentam o mesmo grau de violência, segundo a apreciação de Ab-
- mas também para rapidamente salvar a vida,
sem o temerário e belo orgulho do Rolando da epopeiae6. Ele derrota dez bon de Saint-Germain-de-Pràs e depois dos Ánais de Saint'l/aast.
mil cavaleiros e noye mil infantes; os pagáos são mortos ou fogem: "E o Em 893, Carlos, o Simples, tem 15 anos e uma c oalizáo de poderes
príncipe conquista o troÍéu davitôrii'e7. Em outras épocas, isso teria au- territoriais se agrupa em torno dele . Ele não tem condados nem domínios
mentado espetacularmente sua autoridade 'germânica" de vencedor, mas importantes, sendo menos destacado do que qualquer um dos príncipes
"essa vitória, infelizmenre, náo serviu para lhe garandr descanso, pois ele
regionais ("grandes feudais", como se dizia outrora) que fazem contrapeso
aprende rapidamente que os aquitanos o abandonaram e desprezaram sua ao rei Eudes. Mâs, como neto de Carios, o Calvo, ele dispóe de legirimidade
autoridade. Em seu furor, ele se lança sobre eles, devasrando e aracando e constitui um anteparo útil e pouco incômodo para aqueles que desejavam
suas teüas, mas somente as 'regióes planas'rs"». Se Montfaucon não lhe parar a ascensáo de Eudes e de seu irmáo Roberto (aos quais os condados
raz adesóes massivas é porque a vitória só traz beneffcios à bacia parisiense paternos foram entregues em 888). O arcebispo Fulque de Reims e vários
e porque a "mutação feudal" se dá nos anos 880. Ele reage praricando a grandes da Francia e da Lorena apoiam, entáo, o adolescente. Eudes, no
guerra civil, podemos até mesmo dizer guerrafeudal, socialmente com- entanto, "entra nos castelos e triunfa sobre os rebeldes. Apenas com sua
promedda, adaptada a uma "defesa do país" que desapareceu. Os casrelos presença póe em fuga Carlos e seus partidários"l01. A campanha acaba de
(ou as Cidades que sáo grandes casrelos) proregem a elire enquanto a maior forma cristã: "Ele concede graça a esses homens antes orguihosos que agora
parte dos "crabalhadores", da terceira ordem funcional, é vírima das hosri- se humilham»r02. De repente, parece que voltamos à cultura polídca caro-
lidades enffe seus protetores. Para aringir seus senhores, eles sáo atacados língia, desta feita acrescida de castelos. Essa guerra enrre cristáos é menos
e quase que consrituem os únicos prejudicados. Entre os membros da elite, dura, menos sangrenta do que aquela feita aos normandos e por eles. Em
o homicídio não é algo excepcional: a morte de Raul de Cambrai em uma todo caso, ela força Eudes a se desinteressar em 896 pelos ataques norman-
faida que ensanguenta os anos 890, por falta de vingança, deixará cerros dos que recomeçavam. Abbon de Saint-Germain nota isso brevemente:
traços em cançáo de gestar0o. Mas a condenaçáo carolíngia ao homicídio eis de voita os "cruéis pagáos. Eles devastam o país, massacram seus habi-
náo esquecida, e a experiência das incursóes pagás fez progredir a ideia
é tantes; em seu percurso rondam as vilas e as residências do rei. Eles sur-
de resgate e de pressáo por e sobre os carivos, uma yez que as inimizades preendem os camponeses, prendem-nos, enviam-nos para o além-mar.
frequentemente ievam a capruras e detençóes. Nessas guerras enrre prin- Eudes, o rei, ouve falar de tudo isso. Ele náo se importa: eis a sua respostd'lo3.
Ele decepciona cruelmente Abbon, que o insuita e ameaça com goipes de
e6 Ver a Canç,ío de
Rolando, nas pp.468-70. versos latinos; "Certamente o demônio te emprestou sua boca. Têu espírito
e7 Âbbon de Saint-Germain,II,
v. 526. I

e8 O autor i'
?lat pals, regiáo geográfica que náo se resrringe à Bélgica atual,
se refere eo
designada modernemenre de Plat Pays. (N. da R.)
ee Abbon de
Saint-Germain, II, w. 529-33. r0I Abbon de Saint-Germ ain, II, r'v. 57 3 -4.
lm Regino de Prüm,
p.567 (896). N{as a cançáo de gesta pode também ser aproximada ro2
Idem, II,v.576.
da morte de Raul, 6lho de Raul de Gouy, em 943 (Flodoardo , Ánnales..., p. g7). ro3
Idem, lI,vv. 584-7.

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il' A Cavalaria O elitismo carolingio

não preocupa com o rebanho que Crisro lhe confioul0a, mas é possíyel
se Em 895, afacçao de Carlos devasta "duramente" o país burgúndio
que Ele próprio náo se importe com sua alma a pardr de agora"r05. E o que é mantido por Eudes... Mas trata-se apenas de um combate de honra:
poema rermina porque acabam os "feitos do nobre Eudes"106. essa facçáo, que não tem os ventos a seu favor, se desintegra. Os parddários
Até892,osÁnais (deArras) mencionam ano após
de Saint-Yaast de Carlos se voltam para o rei da Lorena Zwendboldo; outros negociam
ano as incursóes dos normandos. Por exemplo, em 885: "Nesse momenro sua submissáo a Eudes (SgZ). Este sabe perdoar, e todos têm conhecimen-
eles volcam a atacar. Retomam os incêndios e os assassinatos, matam e to disso. Em 895, ele se apresentou diante do castelo de Saint-Vaast de
capturam o povo cristáo, destroem igrejas, nada resiste a eles. Novamente Arras, ou seja, diante da abadia fortificada, no principado do marquês de
os francos se dispóem a resisrir a eles, mas náo peio combare: consrroem Flandres, Balduíno, protegido por vassalos. Mas esse castelo, "ele náo
fortificaçóes"r07. Há, portanto, nobres que sáo mortos e outros que matam queria tomar por um combate, pois dnha piedade pela cristandade. Quan-
normandos. to aos homens de Balduíno, vendo que não podiam resistir, pedem a paz,
Em 892, os normandos váo para a Inglaterra, pois a Francia náo dáo refens ao rei e váo até seus senhores buscar inscruçóes"r10. Aguardando
thes oferece mais nada a pilhar, faminra por causa da destruiçáo das relí- seu retorno, Eudes faz com que abram a igreja para que ele reze; na volta
quias de sainr-vaastl.8. A atençáo se voha enráo para o conde Balduíno II dos vassalos de Balduíno, ele lhes entrega o casrelo e é marcada a data para
de Flandres e para seu desacordo com o rei, esse Eudes que vem de uma uma assembleia.
familia igual, náo superior à sua, e aré mesmo inferior visto que Balduíno A guerra feudal aconrece por meio do confronto judiciário. Ela é
descende de Carlos Magno por sua antepassada (sua máe?) Dessa
Judite. entrecortada por inúmeras 'ãssembleias" (Sl6), por sucessivas depredaçóes
vez eles se contentam em trocar mensagens. Em 893, o conde forma com seguidas por cercos a castelos (raramente a Cidades). Ao longo das páginas
outros uma facçáo que demônsrra seu ódio e sua inimizade por Eudes dessesÁnais de Saint-Vaast,que terminam em 900, e, em seguida , dos Áruais
tomando o partido do jovem Carlos, o Simples, sem, no enranro, querer de Flo doardo, que váo de 9 19 a 966, podemos seguir no coraçáo da Francia
realmenre a restauração real. os dois campos mobilizam suas rropas, mas o conflito de argumentacóes, com ataques de piihagem, cercos curtos,
se esforçam (sl4) por buscar o arbítrio exrerior de Ârnaldo da caríntia. perdóes e reconciliaçóes que acontecem náo sem a trocâ de reféns nem
Depois ficam face a face, discutem nada se decide, nem assembleia nem
e segundas intençóes. Rediglda na Âquitânia nos anos 930, a Vida de S,io
guerra, e cada um volta para seu canto. Geraldo de Áurillac fornece indícios sobre uma guerra feudal do mesmo
Um pouco mais rarde, Carlos, o Simples, é perseguido por Eudes, tipo. Náo trata de uma explosáo bárbara, mas de uma prática oriunda
se
"que queria decidir o fim da disputa arravés de um combare. Mas Deus, diretamente do elitismo carolíngio. O que a diferencia, de fato, da guerra
em Suapiedade, náo permite que isso se resolvapelo sangue"10e. Deus, que civil da época de Gregório de Tours é o acúmulo de meios de salvaguarda
protegia as hosres e as cidades conrra os normandos, náo quer guerra civil. para os combatentes nobres: mais cavalos para fugir, uma reprovaçáo crisrá
Entendamos isso como a sociedade impondo um freio aos contendores. mais viva ao homicídio, couraças mais duras de transpassar e castelos em
que se refugiar.
O elidsmo carolíngio reforçou muito o estatuto dos guerreiros no-
r.a
observemos aqui o mesmo vocabulário aplicado tanro à realeza minisrerial quanto bres e influenciou seu comportamento. A cavalaria propriamente dita náo
aos prelados da Igre;a. seria concebível nem sem o Império carolíngio nem sem o ,e, brr.rstó Ê..r.
r05
Âbbon de Saint-Germain, II, w. 585,91. I

r06
Idem,II, r,v. 6t5-6.
107
Ánais tle Saint-Vaast, p.3ZZ.
j08
ldenr, pp. i43-+.
loe
Idem, p. 348. r10
idem, p. 351

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