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DOI: 10.5747/cs.2020.v4.n4.s113
ISSN on-line 2526-7035

Submetido: 15/10/2020 Revisado: 12/12/2020 Aceito: 09/02/2021

EXCESSIVA ONEROSIDADE SUPERVENIENTE: UMA ANÁLISE À LUZ DA


JURISPRUDÊNCIA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
Silas Silva Santos, Geovanna Carrijo dos Santos Dalefi Andrade, Thaiza Akemi Pereira, Fernando da Costa
Machado Filho, Leticia Rodrigues Biassoti

Universidade do Oeste Paulista – UNOESTE, Curso de Direito, Presidente Prudente, SP. E-mail: silas@unoeste.br

RESUMO
O presente artigo busca refletir sobre as teorias que fundamentam a aplicação da onerosidade excessiva
superveniente no ordenamento jurídico brasileiro à luz de casos decididos pelo Superior Tribunal de
Justiça, investigando a importância da jurisprudência na aplicação do tema. A metodologia empregada é a
qualitativa atrelada ao método dialético, com o uso do levantamento de dados por meio da pesquisa
bibliográfica e aplicação do raciocínio de silogismo. Observou-se que as partes devem considerar os riscos
existentes no negócio jurídico estabelecido, para que a teoria da imprevisão seja aplicada de maneira
subsidiária, prevalecendo-se a autonomia da vontade.
Palavras-chave: Onerosidade Excessiva Superveniente. Teoria da Imprevisão. Revisão Contratual.
Jurisprudência do STJ.

SUPERVENING EXCESSIVE ONEROSITY: AN ANALYSIS IN THE LIGHT OF THE JURISPRUDENCE OF THE


SUPERIOR COURT OF JUSTICE

ABSTRACT
This article seeks to reflect on the theories that justify the application of the supervening excessive
onerosity in the Brazilian legal system in the light of cases decided by the Superior Court of Justice,
investigating the importance of the jurisprudence in the application of the studied. The qualitative research
is applied with the use of the dialectical method and data collection through bibliographic research, also
using the syllogism reasoning. It was observed that the contracting parties should consider the existing risks
in the legal business, so that the theory of unpredictability is applied in a subsidiary manner, prevailing the
autonomy of will.
Keywords: Supervenient Excessive Onerosity. Theory of Unpredictability. Contractual revision. The Superior
Court of Justice (STJ) jurisprudence.

INTRODUÇÃO privada e travadas entre sujeitos em nível de


O Direito contemporâneo é concebido paridade.
como aquele decorrente das transformações Nesse contexto, destaca-se a autonomia
sociais, da evolução teórica, da reflexão e privada, consistente no poder de os sujeitos
sobretudo da construção jurisprudencial acerca livremente estabelecerem seus negócios
de temas relevantes e indispensáveis para a jurídicos, buscando a satisfação de seus mútuos
harmonia da sociedade. Nessa perspectiva interesses. Para garantir a segurança desses
também se encontra o Direito Civil, utilizado pactos incide a noção de força obrigatória dos
neste momento de forma genérica, como a área contratos, cujo conteúdo torna-se lei entre os
disciplinadora das relações jurídicas de natureza pactuantes e, por isso mesmo, fica imune à
intervenção estatal, ao menos como regra.

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Ocorre que nem sempre os legislação nacional etc.; ou seja, todo o material
desdobramentos da relação contratual são os produzido que se encontra para livre acesso do
almejados; questões incidentais podem surgir, pesquisador, sem prejuízo da investigação de
provocando desequilíbrio entre os contratantes e jurisprudência que revele as fundamentações
impedimentos quanto ao adimplemento correto adotadas nos casos reais julgados pelo Poder
do acordado. Não raras vezes sobrevém uma Judiciário (MARCONI; LAKATOS, 2019).
onerosidade excessiva capaz de gerar a extinção Para tanto, aplica-se o raciocínio de
anormal do negócio, situação que, de certa silogismo, que se constitui a partir de duas
forma, mitiga aquela noção de obrigatoriedade premissas (maior e menor) e de uma conclusão
dos contratos. (HENRIQUES; MEDEIROS, 2017). No presente
Essa possibilidade de extinção dos trabalho as normas e as teorias representam a
contratos em razão de causas supervenientes premissa maior; os fatos, a premissa menor; e a
convive, porém, com outro noção muito cara conclusão, pela legislação, demonstra-se com a
para o Direito Civil, que é a conservação dos aplicação prática do Direito, observada nas
negócios jurídicos. Daí que medidas fundamentações dos julgados.
equitativamente pensadas podem ser adotadas
para obstar a resolução, restaurando-se o DISCUSSÃO
equilíbrio contratual perturbado por causas Os fundamentos da onerosidade
supervenientes. Desse modo, o objetivo do excessiva: teoria da imprevisão
presente artigo é refletir sobre as teorias que A teoria da imprevisão tem como
fundamentam a aplicação da onerosidade desígnio relativizar o pacta sunt servanda, frente
excessiva superveniente no ordenamento jurídico às modificações objetivas do contrato, pela
brasileiro à luz de casos decididos pelo Superior superveniência de fato que o torne
Tribunal de Justiça, investigando a importância da excessivamente oneroso a uma das partes ou a
jurisprudência na aplicação do tema. ambas.
Adota-se essa postura investigativa O Código Civil de 1916, na esteira do
diante da percepção de que os casos anteriores, Código Civil francês de 1804, não contemplou a
julgados por uma Corte Superior, podem iluminar hipótese de modificação ou resolução do
os rumos de futuras decisões que versem sobre contrato pela excessiva onerosidade
os possíveis desequilíbrios surgidos em razão da superveniente, já que os diplomas foram forjados
pandemia de Covid-19, mesmo porque é missão sob a égide irredutível do princípio da força
dos tribunais manter a estabilidade, a integridade obrigatória dos contratos, em respeito à vontade
e a coerência de sua jurisprudência. das partes e à noção da mínima intervenção
estatal na autonomia privada. O retrato social
MÉTODO vigente era de um Estado Liberal Clássico, razão
Este artigo, do ponto de vista pela qual a liberdade absoluta de contratar
metodológico, vale-se da abordagem qualitativa, constituía ideal intocável de justiça, frente aos
uma vez que a compreensão do tema não se dá arroubos de um pretérito Estado Absolutista.
por meio da análise de números e dados Portanto, a propriedade privada e a liberdade de
quantificáveis; a pesquisa é descritiva e subjetiva, contratar eram pilares sagrados do Estado de
de modo que a inteligência dos fenômenos Direito vigente.
ocorre com base na aferição da relevância da De fato, o prestígio à segurança jurídica, a
bibliografia coletada. força obrigatória dos contratos e o próprio
Atrelado a tal abordagem, aplica-se o princípio da legalidade serviram de escudo aos
método dialético, mediante a síntese de que defendiam a impossibilidade de aplicação do
proposições díspares sobre o assunto abordado, instituto, rechaçando-se qualquer forma de
haja vista que “[...] sempre existirá uma luta intervenção do Estado no contrato. Nesse
entre os contrários, os quais se excluem, mas ao sentido, parcela da doutrina defendia que o
mesmo tempo estão unidos” (MEZZAROBA; Estado-Juiz não poderia criar novas condições
MONTEIRO, 2019, p. 97). contratuais ou mesmo impor a resolução do
Para realizar o levantamento de dados pacto antes do seu integral cumprimento, ainda
utiliza-se a pesquisa bibliográfica, buscando que se alegasse a excessiva onerosidade do
explicar e discutir o tema idealizado com base em ajuste para uma das partes (MIRANDA, 1962).
artigos científicos, doutrinas jurídicas relevantes,

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Outra parte da doutrina, contudo, já Embora o cenário fosse hostil à teoria da


defendia a possibilidade de utilização da imprevisão, os fatos supervenientes que
onerosidade excessiva superveniente como tornavam impossível ou excessivamente oneroso
fundamento para a intervenção no contrato, o contrato entabulado, tais como as guerras,
mesmo sem previsão legal, pela existência pestes e calamidades públicas, eram uma
implícita da cláusula rebus sic stantibus (SILVA, realidade incontornável, convidativa à aplicação
2014). da cláusula rebus sic stantibus, com uma
O mecanismo de revisão contratual com roupagem moderna e protetora da vontade como
base na superveniência de alteração substancial valor da autonomia privada.
da moldura fática original já era algo conhecido No direito comparado, a resposta ao
no Código de Hamurabi: “se alguém tem um problema da imprevisão excessivamente onerosa
débito a juros, e uma tempestade devasta o frente ao pacta sunt servanda rendeu ensejo a
campo ou destrói a colheita, ou por falta d’água três teorias distintas, as quais operavam sob o
não cresce o trigo no campo, ele não deverá mesmo signo de teorias da imprevisão, a saber:
nesse ano dar trigo ao credor, deverá modificar teoria da pressuposição, teoria da base subjetiva
sua tábua de contrato e não pagar juros por esse do negócio e teoria da base objetiva.
ano” (GONÇALVES, 2018, p. 99). Na Roma Antiga É certo que os dois grandes vetores das
também já se enunciara que a obrigação deveria partes que ocupam os polos da relação
se condicionar à permanência do estado em que contratual constituem-se em avaliar os riscos do
a promessa foi feita (MARQUES, 2007). negócio e a equivalência das suas respectivas
Na Idade Média, contudo, tal ideia foi prestações, operando-se de forma racional.
sistematizada e difundida, assumindo a feição Nesse sentido, para a teoria da
proposta no brocardo latino: Contractus qui pressuposição, desenvolvida por Windsheid em
habent tractum succesivum et dependentiam de 1900 na Alemanha, as partes pressupõem uma
futuro rebus sic stantibus intelliguntur1 (PEREIRA, condição implícita de que as cláusulas pactuadas
2014, p. 140). Nessa perspectiva, havia que se permanecem vinculativas se, no futuro, não se
perquirir a relação entre o negócio jurídico revelarem incompatíveis com o desejo de
entabulado e a realidade objetiva sobre a qual o contratá-las. Nesse sentido, leciona Paulo
ajuste fora firmado, a fim de se aquilatarem os Roberto Roque Antonio Khouri (2006, p. 16):
influxos dos fatos supervenientes diante da Anote-se que Windscheid
vontade expressada pelos contratantes com base teria desenvolvido a teoria
na primeira moldura fática, já que o da pressuposição por
cumprimento do pacto poderia se tornar inviável ocasião da elaboração do
Código Civil Alemão de
por fatos supervenientes que alterassem de
1900, portanto antes da
forma substancial a base objetiva do negócio. Primeira Guerra Mundial.
Vê-se, portanto, que a construção teórica Ao desenvolvê-la, vai dizer
da cláusula rebus sic stantibus não estava que em todo contrato, ao
atrelada a uma investigação subjetiva acerca da lado das condições
capacidade de prever e prevenir os riscos do pactuadas, há a
contrato por parte dos negociantes. Bastava a pressuposição de que elas
modificação substancial do contexto fático perderiam a força
motivador do negócio para se cogitar da sua vinculativa se
desvinculação ou modificação. posteriormente se
revelassem incompatíveis
Foi na modernidade que a valorização da
com aquilo que fora
vontade das partes como elemento fundamental querido pelos
e intangível do negócio se apresentou como pilar contratantes.
rígido de interpretação dos contratos, inclusive
da cláusula rebus sic stantibus, conforme previu o Portanto, em toda a contratação haveria
art. 85 do Código Civil de 1916: nas declarações um pacto pressuposto, aceito por uma ou ambas
de vontade se atenderá mais à intenção das as partes, de que o limite da vontade de
vontades que à sua literalidade. contratar era a própria manutenção do status
1
objetivo quo ante. Em outras palavras,
Nos dizeres de Caio Mário da Silva Pereira: [o]s contratos que têm
trato sucessivo e dependência futura devem ser entendidos estando
independentemente do que o outro contratante
assim as coisas.

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externasse a título de consentimento em relação Assim, defendia-se na terceira corrente


à cláusula pressuposta, o negócio poderia deixar que o critério apto a justificar a alteração ou
de ser vinculativo se o quadro fático se alterasse resolução do contrato por uma imprevisão
de forma substancial, o que poderia constituir excessivamente onerosa deveria ser direcionado
verdadeira reserva mental (BESSONE, 1997). A para os fatos e circunstâncias da realidade que
teoria acabou sendo rejeitada pelo Código Civil fossem efetivamente determinantes no
alemão, dada a sua amplitude e possibilidade de momento da contratação original, os quais
perigo à segurança das operações jurídicas influenciavam de forma substancial, naquele
(KHOURI, 2006). momento, a decisão das partes quanto ao risco e
Ainda na esteira da pressuposição, a à equivalência das prestações.
teoria da base subjetiva do negócio, liderada por Dessa forma, a simples eleição das partes
Oertman, salienta que a cláusula de quanto à base subjetiva do negócio
desvinculação superveniente pressuposta, (pressuposição de que o contrato só vale diante
representada mentalmente por uma ou ambas as da mesma moldura fática até então conhecida)
partes, teria de ser aceita e conhecida, ainda que não torna, por si só, o fato superveniente
não expressa no contrato firmado. Com isso, tal relevante para fins de alteração contratual, já que
como o contexto fático do negócio não está o evento novo haveria de abalar de forma
inteiramente expresso no pacto, porém é objetiva as bases do contrato, sem espaços para a
conhecido pelos agentes, a “base subjetiva”, de interpretação subjetiva das partes. Segundo a
conhecimento mútuo, também estaria contida lição de Paulo Khouri (2006, p. 19), citando
nas dobras da relação e contava com a ciência e Larenz, a base objetiva é “um conjunto de
aceitação de ambas as partes. Uma vez alterados circunstâncias cuja existência ou pertinência
os parâmetros objetivos da avença, sua base pressupõe o contrato, supondo ou não os
subjetiva também estaria sujeita à ruptura, contratantes”.
desvinculando-se os negociantes pelo expresso De fato, a percepção da realidade por
desejo de não contratar fora da realidade parte dos contratantes não é infalível; dessa
subjacente original conhecida. Como leciona forma, a vontade sequer pode ser exercida
Paulo Khouri (2006, p. 17): “eram necessários um quanto à limitação de contratar frente a fatos
conhecimento e uma aceitação comum daquela estranhos e imprevisíveis ao homem de
representação e então se formaria o que o entendimento médio.
próprio Oertman denominou ‘base subjetiva do Nesse ângulo, a base objetiva constitui o
negócio’”. bloco da realidade que, enquanto vigente, faz o
Numa postura crítica às teorias até então contrato ser do modo como é e existir para os
desenvolvidas, Karl Larenz apresenta a terceira fins a que se presta, razão por que a sua
teoria da imprevisão, fincando suas ideias na alteração substancial é aquela que torna o
base objetiva do contrato e rejeitando a contrato excessivamente oneroso e realmente
investigação psicológica dos contratantes ao autoriza o acionamento do instituto. Com isso,
tempo do ajuste e a insegurança jurídica que não se condiciona a teoria da imprevisão ao
disso poderia defluir. Para aludido doutrinador, a talante da base subjetiva do negócio, formada
teoria da base subjetiva ficava não só adstrita ao com base na percepção das partes quanto ao
campo psicológico e íntimo das partes, de difícil contexto original e alteração posterior, mas sim
decifração, mas também presa àquilo que elas aos parâmetros fáticos essenciais que levaram os
eram capazes de conhecer como alteração da contratantes a definirem os termos ajustados2.
realidade objetiva apta a modificador a vontade Mantidos estes critérios fáticos, expressos ou não
do outro. Ora, se nenhuma das partes imaginasse no contrato, ainda que sobrevenham eventos
a ocorrência de uma peste em um espaço de 30 supervenientes de qualquer natureza, não há que
dias da contratação e tal fator não fosse se cogitar da excessiva onerosidade, porquanto a
considerado por ambas como base subjetiva, o equivalência das prestações e a finalidade do
contrato, em tese, não poderia ser alterado. Além negócio ainda se encontram no mesmo quadro
disso, a teoria criticada poderia dar margem ao objetivo original, vinculando plenamente os
açodado pedido de desvinculação, na medida em contratantes.
que qualquer desvio da realidade original poderia
2
resvalar na vontade inicial das partes. Nota explicativa: Caso venha a ocorrer uma falsa percepção da
realidade pré-existente ao negócio, a parte prejudicada poderá
invocar o erro como um vício de consentimento.

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Segundo disserta Paulo Khouri (2006, p. aceitado tais riscos de forma tácita, resignando-
20): se com a prestação dada num juízo de
Larenz vinculava o ponderação da possível realidade futura
desaparecimento da base (KHOURI, 2006).
objetiva do negócio as Evidente que o risco manifestamente
duas situações. Primeiro, passível de prevenção constitui desafio complexo
quando a relação de
à consolidação da teoria da base objetiva como
equivalência entre a
prestação e a
critério para aplicação da onerosidade excessiva
contraprestação tinha sido superveniente, porquanto prescinde de
atingida de tal forma pelo parâmetros objetivos para sua definição, o que
fato superveniente que deixa o julgador próximo do juízo de equidade no
não se possa falar caso concreto.
racionalmente em No ordenamento jurídico brasileiro, a
contraprestação. Segundo, onerosidade excessiva superveniente foi
quando o fim objetivo do positivada somente em 1990, com o advento do
contrato não possa mais Código de Defesa do Consumidor, cujo artigo 6º,
ser alcançado, mesmo
inciso V, dispõe: “a modificação das cláusulas
quando a prestação do
devedor seja possível. Em
contratuais que estabeleçam prestações
síntese, a base objetiva desproporcionais ou sua revisão em razão de
resumia-se à destruição da fatos supervenientes que as tornem
relação de equivalência excessivamente onerosas” (BRASIL, 1990, não
entre a prestação e a paginado). Posteriormente, a Lei 8.666/1993
contraprestação e à também positivou o instituto no âmbito dos
frustração do fim objetivo contratos públicos, em seu art. 65, alínea “d”. Por
do contrato. fim, o Código Civil de 2002 passou a disciplinar a
matéria também, de modo que todas as regras
Embora a definição da base objetiva positivadas incorporaram, em alguma medida, os
tenha contribuído para uma aplicação mais fundamentos doutrinários expostos (TEPEDINO,
segura do instituto, algumas imprecisões ainda 2001)3.
atormentariam seu implemento, já que não se Apesar da positivação legal da
pode conhecer em abstrato o que é efetivamente onerosidade excessiva superveniente, o fato é
uma destruição da equivalência das prestações que os conceitos jurídicos empregados são
ou a frustração do fim objetivo do contrato, dotados de imprecisão e vazados em cláusulas
considerando que a sua finalidade pode ser abertas, razão por que o papel do julgador
interpretada de forma subjetiva. Nesse sentido, assume especial relevância.
Larenz sustentou que a teoria da imprevisão não Nesse panorama, o julgador se vê forçado
poderia ser aplicada se a alteração estivesse à utilização da equidade como forma de corrigir
dentro da esfera de influência da parte as distorções provocadas pela excessiva
prejudicada, se o prejudicado estivesse em mora onerosidade superveniente na tela dos contratos,
no momento da ocorrência ou se o risco fosse porquanto a análise desemboca, em alguma
expressamente assumido no contrato (KHOURI, medida, nos aspectos subjetivos da contratação.
2006). Tal mecanismo, contudo, não pode significar uma
Embora crítica à base subjetiva, um ponto íntima convicção.
complexo e de difícil solução fez com que a teoria É nessa ordem de ideias que a
estudada cedesse à investigação subjetiva das jurisprudência assume papel de relevo no desafio
partes no momento da contratação. Trata-se do proposto, já que interpreta o ordenamento
problema relativo ao risco conhecido e não jurídico e contribui com a formulação de vetores
prevenido em contrato pelas partes, cuja para a aplicação do instituto da excessiva
ocorrência futura tem o condão de alterar a base onerosidade, notadamente em tempos de
objetiva do pacto. Para resolver a questão Larenz pandemia global, geradora de eventos
imputa àquele que sabia do risco e nada fez a
respeito no momento da contratação o dever de
absorver os danos supervenientes
3
experimentados, justamente porque teria Nesse sentido, Fabiana Rodrigues Barletta assevera que o CDC
adotou expressamente a teoria da base objetiva do negócio.

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imprevisíveis e acentuação de todos os riscos até Para facilitar a compreensão do tema,


então conhecidos pelas partes contratantes. divide-se a revisão judicial dos contratos em duas
A Lei 13.874/2019, denominada Lei da espécies, sendo a primeira denominada comum
Liberdade Econômica, trouxe palpáveis (onerosidade excessiva superveniente) e a
alterações na possibilidade de intervenção do segunda especial (KHOURI, 2006). Naquela, o
Estado nos contratos e atividades econômicas em instituto pode ser aplicado em uma gama
geral. Exemplo disso é o art. 2º, inciso IV, que generalizada de contratos, mesmo que diante de
prevê: a intervenção subsidiária e excepcional do regimes jurídicos distintos (CC, CDC ou Lei de
Estado sobre o exercício de atividades Licitações), enquanto a segunda modalidade
econômicas (BRASIL, 2019). revela-se aplicável a algumas espécies restritas de
Nessa perspectiva, tem-se clara a contratos nominados, cuja previsão vem
necessidade de que os parâmetros para regulamentada de maneira específica e se mostra
intervenção judicial nos contratos em que ocorra aplicável única e exclusivamente à modalidade de
a onerosidade excessiva superveniente tenham ajuste tipificada em lei.
um formato objetivo, previsível e longe da No campo das onerosidades excessivas
insegurança jurídica. Tanto é assim que a Lei comuns, destacam-se as hipóteses disciplinadas
14.010/2020, com a finalidade de regulamentar no Código Civil, em seus artigos 317, 478, 479 e
as relações privadas em tempos de pandemia 480, no Código de Defesa do Consumidor e na Lei
(Covid-19), foi expressa em conter o instituto da 8.666/93 (Lei das Licitações).
onerosidade excessiva superveniente em seus Tal como já exposto, o Código Civil de
artigos 6º e 7º, ao excluir a sua aplicabilidade 2002 trouxe consigo dispositivos de tratamento
diante da variação da moeda (inflação) e expresso à teoria da imprevisão:
condicionar seus efeitos no tempo, dando-lhe Art. 317. Quando, por
apenas a eficácia ex nunc. motivos imprevisíveis,
Conforme acentua Paulo Khouri (2006, p. sobrevier desproporção
79): manifesta entre o valor da
O que coloca a doutrina te prestação devida e o do
desafio é a busca de momento de sua
critérios objetivos que execução, poderá o juiz
possam englobar todas as corrigi-lo, a pedido da
situações e levar a quebra parte, de modo que
da base do negócio assegure, quanto possível,
jurídico sem que se o valor real da prestação.
procurem deficiências na (BRASIL, 2002, não
vontade das partes. paginado).
Repetindo, aqui, a Art. 478. Nos contratos de
afirmação de Menezes execução continuada ou
Cordeiro, não se pode diferida, se a prestação de
imputar à vontade aquilo uma das partes se tornar
que vi por excessivamente onerosa,
desconhecimento, ela com extrema vantagem
nunca poderia ter querido. para a outra, em virtude
de acontecimentos
extraordinários e
Daí a necessidade de estudo do tema em imprevisíveis, poderá o
tempos de acentuada volatilidade econômica e devedor pedir a resolução
social, a fim de aperfeiçoar o papel do direito na do contrato. Os efeitos da
pacificação dos conflitos. sentença que a decretar
Natureza, espécies e regimes jurídicos da retroagirão à data da
onerosidade excessiva citação. (BRASIL, 2002,
A onerosidade excessiva superveniente não paginado).
constitui forma de resolução ou modificação Art. 479. A resolução
contratual, desde que preenchidos os poderá ser evitada,
oferecendo-se o réu a
pressupostos legais para o seu acionamento, o
modificar equitativamente
que pode ocorrer tanto por parte do devedor as condições do contrato.
como do credor.

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(BRASIL, 2002, não teria adotado o legislador


paginado). brasileiro se tivesse como
Art. 480. Se no contrato as o legislador português,
obrigações couberem a que, em vez de “devedor”,
apenas uma das partes, empregou, no art. 437 de
poderá ela pleitear que a seu Código Civil, a
sua prestação seja expressão parte lesada [...]
reduzida, ou alterado o Referida situação
modo de executá-la, a fim representaria um
de evitar a onerosidade injustificado privilégio
excessiva. (BRASIL, 2002, para o devedor, ao passo
não paginado) que não só ele mas
também o credor estão
O regime jurídico presente nos artigos sujeitos a riscos
acima expressos tem por traço comum uma consideráveis próprios ou
ocorrência de onerosidade excessiva posterior ao extraordinários na
execução do contrato.
contrato e não coberta pelos riscos deste, capaz
de desiquilibrar a equação econômica do pacto,
Saliente-se que a disciplina do art. 478 é a
tudo em função de um fato extraordinário e
mais abrangente do CC, porquanto não se refere
imprevisível. De outro ângulo, o regime jurídico
apenas e tão somente à calibragem da cláusula
do CDC dispensa o pressuposto relativo ao fato
do preço como mecanismo de reequilíbrio
extraordinário e imprevisível, razão pela qual será
contratual, o que permitiria a incursão em outros
analisado a posteriori.
aspectos contratuais afetados pela onerosidade
Ao que se extrai do art. 478 do CC,
excessiva superveniente, tais como tempo e
protege-se o equilíbrio contratual pelo instituto
modo de pagamento.
da onerosidade excessiva superveniente nos
De outro lado, o art. 317 do CC, apesar de
contratos de duração, nos quais as obrigações se
carregar expressões equivalentes aos
protraem no tempo. Trata-se da matriz do
pressupostos do art. 478, traz diferenças
instituto, por se tratar do dispositivo legal mais
sensíveis em relação ao seu paradigma. Com
completo acerca dos pressupostos necessários à
efeito, a norma em tela restringe-se à cláusula de
excessiva onerosidade superveniente.
preço e traz consigo a possibilidade de
Para o acionamento do instituto com
continuação do contrato por meio da simples
base no dispositivo ora analisado exige-se que (i)
modificação do ajuste original, enquanto o art.
o contrato seja de duração; (ii) haja um fato
478 se autolimita à resolução da avença.
extraordinário e imprevisível no curso do
A leitura conjugada dos dispositivos é
cumprimento das obrigações; (iii) ocorra uma
essencial para a aplicação do instituto estudado,
excessiva onerosidade em virtude do evento
já que se complementam e alargam a
extraordinário e imprevisível; e (iv) em virtude
possibilidade de reequilíbrio da relação
desta excessiva onerosidade, uma das partes
contratual. Nas hipóteses mais abrangentes do
venha auferir extrema vantagem.
art. 478, a resolução do contrato nem sempre
Embora conste do dispositivo a expressa
pode se mostrar a melhor solução para a crise
menção à palavra devedor, não é este o único
instaurada, porquanto é antiga a noção de que os
autorizado a requerer a aplicação da onerosidade
contratos devem ser ao máximo preservados, em
excessiva superveniente, já que o credor da
respeito à autonomia da vontade das partes.
prestação também pode ser afetado pelo
Tanto é assim que o art. 479 dispõe que “[a]
desequilíbrio contratual, pilar de toda construção
resolução poderá ser evitada, oferecendo-se o
do instituto, de sorte que se afigura plenamente
réu a modificar equitativamente as condições do
válida a legitimidade daquele que ocupa o polo
contrato” (BRASIL, 2002, não paginado).
ativo da relação contratual de reclamar a
Nessa perspectiva, se a continuidade do
aplicação da norma ao seu favor.
contrato depende da modificação de uma
Tal posicionamento é defendido por
cláusula não relacionada ao preço, a fim de
Paulo Khouri (2006, p. 30):
[é] que o citato dispositivo
reequilibrar a relação frente à onerosidade
se refere apenas ao termo excessiva superveniente, revela-se razoável que
devedor. Melhor técnico se faça uma alteração pontual, no lugar da

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resolução contratual como primeiro recurso como o comodato ou a doação. Trata-se de


disponível ao julgador. questão de isonomia, já que a disciplina do tema
Nessa linha, Orlando Gomes (1990, p. 42) deve ter igual incidência nos contratos onerosos,
assevera que “ocorrendo anormalidade da alea gratuitos, bilaterais, unilaterais e sinalagmáticos
que todo contrato dependente de futuro encerra, ou não.
pode-se operar sua resolução ou a redução das Nos casos em que a obrigação a ser
prestações.” cumprida por uma das partes for instantânea e
Em outras palavras, é preferível que se de outro lado persistir o trato sucessivo para a
alterem os elementos do contrato para mantê-lo outra, também há plena aplicabilidade da
a que se determine sua resolução de plano, onerosidade excessiva superveniente, porquanto
quando ainda há meios para a sua preservação. a característica do ajuste de duração ainda
Portanto, a frustração do fim negocial como estaria presente em um dos polos do contrato.
efeito da onerosidade excessiva deve ser a última Há que se analisar, ainda, o regime
ratio, notadamente em função do princípio da jurídico da onerosidade excessiva previsto no art.
máxima preservação da autonomia da vontade, 6º, inciso V, do CDC, cuja parte final dispõe ser
ex vi do art. 2º, IV, da Lei 13.874/2019. direito básico do consumidor a revisão das
Nesse sentido, Carlos Roberto Gonçalves cláusulas contratuais “em razão de fatos
(2018, p. 33) defende que: supervenientes que as tornem excessivamente
Malgrado o retrotranscrito onerosas” (BRASIL, 1990, não paginado).
art. 478 do Código Civil, Tal como já exposto, a essência da
concernente aos contratos revisão contratual em virtude da superveniência
bilaterais, permita de excessiva onerosidade é a equivalência das
somente a resolução do
prestações e o equilíbrio contratual, evitando-se
contrato, e não a sua
revisão, esta pode,
o sacrifício de uma das partes diante de cenário
todavia, ser pleiteada com que torna o pacto inviável da maneira como
base no art. 317 do projetado, com base na moldura objetiva original.
mesmo diploma, que Dessa forma, apesar de haver remissão
estatui: “Quando, por expressa no Código Civil ao acionamento do
motivos imprevisíveis, instituto diante de fatos imprevisíveis ou
sobrevier desproporção extraordinários, o que realmente se deve
manifesta entre o valor da perquirir, em sede de direito do consumidor, é se
prestação devida e o do existe um evento superveniente que alterou a
momento de sua
base objetiva do negócio, porquanto a
execução, poderá o juiz
corrigi-lo, a pedido da
investigação acerca da capacidade das partes de
parte, de modo que prever um fato extraordinário constitui
assegure, quanto possível, subjetivação e imprecisão do tema a ponto de
o valor real da prestação”. gerar mais insegurança.
A própria definição do que seja um fato
Tem-se, ainda, o art. 480 do CC, que extraordinário ou imprevisível constitui, por si só,
estipula a aplicabilidade do tema estudado nos desafio conceitual de difícil resolução no caso
contratos unilaterais ou naqueles em que inexista concreto, o que reclama mais subjetivismo na
o sinalagma, já que a obrigação de trato revisão judicial do contrato atingido pela
continuado se concentra, na letra do dispositivo, onerosidade superveniente.
em relação a apenas uma das partes. Por tais razões, assentou-se de forma
O legislador deixou claro que no majoritária na doutrina que, em verdade, seja no
ambiente dos contratos despossuídos do regime jurídico do CC ou do CDC, a definição do
sinalagma a onerosidade excessiva superveniente que é um fato extraordinário ou imprevisível não
pode ser aplicada, porquanto, constitui vetor primordial e obstativo na
independentemente da investigação quanto a aplicação do instituto examinado, já que o
equivalência das prestações, uma das partes fundamento da revisão é a alteração substancial
pode se ver onerada de forma excessiva, a ponto da base objetiva do negócio, capaz de
de o cumprimento do negócio originalmente desequilibrar a relação contratual a ponto de
entabulado consistir num ato de sacrifício. reclamar intervenção judicial.
Exemplo disso são os contratos gratuitos, tais Nesse sentido:

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O atual fenômeno da excessiva, capaz de tornar a prestação


objetivação do contrato manifestamente desproporcional e (iv) que a
exige que não sejam mais alteração do panorama fático superveniente
super valorizadas as cause vantagem ao fornecedor.
intenções subjetivas das
O risco contratual genuinamente coberto
partes no momento da
contratação. (...)
pelo negócio, ajustado de maneira clara e precisa
É exatamente este o com o consumidor, evidentemente não pode
propósito do artigo 6º, fundamentar o pedido de revisão judicial do
inciso V, 2ª parte, do ajuste firmado, já que o consumidor diante de
Código de Defesa do qualquer alteração na moldura fática original
Consumidor: considerar os poderia requerer o acionamento do instituto,
elementos objetivos mesmo que sua prestação já estivesse
presentes naquele compatibilizada com o risco do evento futuro.
ambiente social, que Tanto é assim que o art. 51, inciso III, do
fizeram com que o
CDC, é expresso ao dispor que a onerosidade
contrato perdesse a sua
comutatividade ou sua
excessiva tem de ser enfrentada “considerando-
finalidade, e viabilizar sua se a natureza e conteúdo do contrato, o interesse
revisão a partir da das partes e outras circunstâncias peculiares ao
equalização das caso” (BRASIL, 1990, não paginado). Daí que o
prestações (TEPEDINO, risco absolutamente previsível e presente na
2001, p. 300). equação econômico-financeira do contrato não
pode render ensejo à aplicação do instituto, cuja
É nessa perspectiva que o CDC, em seu finalidade não pode ser a fraude ao princípio da
art. 6º, inciso V, suprime a exigência de que se força obrigatória dos contratos.
comprove um fato extraordinário ou imprevisível Por fim, ainda nas hipóteses comuns de
como requisito da revisão contratual com base na onerosidade excessiva, aplicáveis às mais
onerosidade excessiva, mesmo porque o variadas formas de contrato, tem-se o regime
consumidor, parte hipossuficiente na relação, jurídico do art. 65 da Lei 8.666/93, segundo o
provavelmente não reúne condições para avaliar qual o contrato pode ser alterado para:
de forma segura os riscos ordinários e todos os [...] restabelecer a relação
eventos previsíveis aptos a alterar a base objetiva que as partes pactuaram
do seu contrato. Nessa perspectiva, pode-se dizer inicialmente entre os
que o CDC adotou de maneira expressa a teoria encargos do contratado e
desenvolvida por Larenz: a retribuição da
Nesse sentido, este administração para a justa
dispositivo recebeu remuneração da obra,
influências da teoria da serviço ou fornecimento,
quebra da base objetiva objetivando a manutenção
de Larenz, avançando do equilíbrio econômico-
ainda mais por financeiro inicial do
desconsiderar por contrato, na hipótese de
completo a previsibilidade sobrevirem fatos
ou a imprevisibilidade das imprevisíveis, ou
transformações, firmando- previsíveis porém de
se, pois, no requisito conseqüências [sic]
objetivo da excessiva incalculáveis, retardadores
onerosidade ou impeditivos da
superveniente (TEPEDINO, execução do ajustado, ou,
2001, p. 300). ainda, em caso de força
maior, caso fortuito ou
fato do príncipe,
Portanto, os requisitos exigidos pelo CDC configurando álea
para fins de aplicação da onerosidade excessiva econômica extraordinária
são: (i) fato superveniente ao contrato e ligado à e extracontratual (BRASIL,
relação de consumo; (ii) evento não coberto 1993, não paginado).
pelos riscos do contrato; (iii) onerosidade

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A disciplina da onerosidade excessiva fato superveniente ou


superveniente em sede de contratos públicos extraordinário, também
está em consonância com a positivação do não prescinde desse
instituto no Código Civil. Registre-se que o critério de valoração.
dispositivo da Lei de Licitações e Contratos
Públicos é expresso no sentido de que o evento A expressa referência legal do art. 65 da
que torna o contrato substancialmente Lei 8.666/93 à possibilidade de acionamento da
atormentado pelo desequilíbrio não pode ser onerosidade excessiva mesmo em caso de fatos
coberto pelos próprios riscos do negócio, já que previsíveis, porém de consequências
se exige a configuração da álea econômica incalculáveis, também elucida muito a
extraordinária e extracontratual. compreensão do tema. Com efeito, a
Trata-se de importante remissão e que investigação acerca de ser o fato superveniente
constitui, em verdade, fator a ser analisado em previsível ou não, bem como a necessidade de se
todas as espécies de onerosidade excessiva definir se o evento que atormentou o equilíbrio
superveniente, porquanto funciona como um do contrato é extraordinário ou oriundo de caso
vetor fundamental para a avaliação, cabimento e fortuito/força maior, constitui retorno ao
efeitos do instituto no caso concreto. Com efeito, momento em que as partes contrataram, tudo
se os riscos ponderados pelas partes de forma apto a gerar imprecisões e subjetivismos, já que
prévia compuseram a prestação contratual e sua são temas altamente disputados e passíveis de
respectiva equivalência, fundamentando o decisões díspares, em contexto de insegurança
equilíbrio contratual, a aplicação da onerosidade jurídica.
excessiva teria efeito reverso e serviria, assim, de Por isso é que se defende a aplicação da
subterfúgio e fonte de enriquecimento indevido. onerosidade excessiva diante da alteração da
A propósito, Enzo Roppo (1988, p. 262) base objetiva do negócio, desvinculando-se o
leciona que: condicionamento do instituto à definição de um
A lógica, em suma, é fato extraordinário e imprevisível. Significa dizer
sempre esta: cada que, uma vez alterados os elementos objetivos
contrato comporta, para que fundamentaram a decisão de contratar e
quem o faz, riscos mais ou sobrevindo uma excessiva onerosidade, a
menos elevados; a lei intervenção judicial no contrato será autorizada,
tutela o contraente face sem que se discuta acerca da natureza jurídica do
aos riscos anormais, que evento, se imprevisível ou extraordinário.
nenhum cálculo racional Portanto, o necessário é neutralizar o
económico permitiria
desequilíbrio contratual, afastando-se a distorção
considerar; mas deixa a
cargo os riscos
e injustiça que o pacto pode causar na esfera de
tipicamente conexos com direitos do prejudicado.
a operação, que se Nessa linha, Gustavo Tepedino (2001, p.
inserem no andamento 300) salienta que: “[n]uma sociedade de massas,
médio daquele dado o contrato deverá estar mais sensível ‘ao que se
mercado. manifesta no ambiente social, nas condições
objetivas de mercado’”.
Paulo Khouri (2006, p. 61) também Por fim, necessário expor as modalidades
informa que: de revisão judicial das obrigações e contratos
Se o agravamento da especiais, cuja disciplina legal envolve requisitos
prestação estiver coberto próprios de cada relação obrigacional.
eu não pelos riscos Em linha de exposição simples, tem-se,
próprios do negócio, não
por primeiro, o art. 1.699 do CC: “[s]e, fixados os
haverá como o instituto
ser acionado, seja a
alimentos, sobrevier mudança na situação
relação contratual financeira de quem os supre, ou na de quem os
regulada pelo Código Civil, recebe, poderá o interessado reclamar ao juiz,
pelo direito administrativo conforme as circunstâncias, exoneração, redução
ou pelo Código de Defesa ou majoração do encargo” (BRASIL, 2002, não
do Consumidor, que, não paginado).
obstante não qualifique o

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No contrato de comodato, encontra-se Revisão contratual decorrente da mudança


previsão no art. 581, in fine, de revisão contratual inflacionária
específica para o comodante: O Superior Tribunal de Justiça, por meio
Art. 581. Se o comodato do REsp 744.446-DF (informativo n° 352, STJ), de
não tiver prazo Relatoria do Min. Humberto Martins, decidiu em
convencional, presumir- 2008 que, em um país como o Brasil, a inflação
se-lhe-á o necessário para não pode ser tomada como álea extraordinária,
o uso concedido; não
de forma a possibilitar desequilíbrio contratual.
podendo o comodante,
salvo necessidade
No caso em espécie, uma hidrelétrica
imprevista e urgente, firmou contrato com a administração pública em
reconhecida pelo juiz, 1986 e sustentou que, durante a execução das
suspender o uso e gozo da obrigações que lhe incumbia, foi surpreendida
coisa emprestada, antes com inflação galopante nas décadas seguintes, o
de findo o prazo que teria tornado o contrato excessivamente
convencional, ou o que se oneroso, a ponto de tornar-se o seu
determine pelo uso cumprimento um verdadeiro sacrifício.
outorgado. (BRASIL, 2002, Importante discussão se colocou no início
não paginado, grifo do
do acórdão analisado, já que se afirmou a
autor)
possibilidade de aplicação da teoria da
imprevisão mesmo nos contratos firmados antes
Quanto ao contrato de empreitada, o
do Código Civil de 2002 e da própria previsão do
Código Civil estabelece em seu art. 620 que: “[s]e
art. 65 da Lei 8.666/93, porquanto se trata de
ocorrer diminuição no preço do material ou da
tema construído pelos intérpretes do Direito
mão-de-obra superior a um décimo do preço
muito antes da sua positivação:
global convencionado, poderá este ser revisto, a
Teoria da Imprevisão.
pedido do dono da obra, para que se lhe assegure Alegada violação dos arts.
a diferença apurada” (BRASIL, 2002, não 478, 479 e 480 do novo
paginado). Código Civil. De início,
Da mesma forma, o art. 770 do Código cumpre asseverar ser
Civil estatui: “[s]alvo disposição em contrário, a irrelevante o fato de que o
diminuição do risco no curso do contrato não contrato foi firmado antes
acarreta a redução do prêmio estipulado; mas, se da vigência do novo
a redução do risco for considerável, o segurado Código Civil para a análise
poderá exigir a revisão do prêmio, ou a resolução da Teoria da Imprevisão.
Questões principiológicas
do contrato” (BRASIL, 2002, não paginado).
de que se valiam os
A Lei 8.245/91, em seu artigo 19, prevê intérpretes do próprio
disposição expressa quanto à possibilidade de Código Beviláqua (STJ-
alteração da cláusula de preço frente à variação REsp: 744.446-DF, Relator:
mercadológica do imóvel: “[n]ão havendo Ministro Humberto
acordo, o locador ou locatário, após três anos de Martins, Data de
vigência do contrato ou do acordo anteriormente julgamento:17/04/2008,
realizado, poderão pedir revisão judicial do DJe: 05/05/2008, p. 1).
aluguel, a fim de ajustá-lo ao preço de mercado” (BRASIL, 2008).
(BRASIL, 1991, não paginado).
Uma vez expostas as premissas teóricas Muito embora a inflação possa ser um
retiradas da doutrina e da legislação em vigor, fato superveniente que agrave a onerosidade do
propõe-se a análise de um bloco de julgados do contrato para uma das partes, a sua ocorrência,
Superior Tribunal de Justiça, o qual enfrenta a na realidade brasileira (base objetiva do negócio),
revisão judicial de contratos sob o prisma da constitui acontecimento previsível e, portanto,
excessiva onerosidade superveniente. um risco aceito pelas partes, levando em conta
A análise que se propõe segue uma linha de forma mútua na composição do preço.
cronológica, partindo-se dos casos mais antigos O relator do caso ainda salientou que:
para os mais recentes. Não se mostra razoável o
entendimento de que a
inflação possa ser tomada,

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no Brasil, como álea


extraordinária, de modo a Revisão contratual decorrente do aumento do
possibilitar algum preço da soja
desequilíbrio na equação Outro importante grupo de decisões do
econômica do contrato,
STJ diz respeito aos problemas advindos do fato
como há muito afirma a
jurisprudência do STJ (STJ-
conhecido como o caso das sojas verdes.
REsp: 744.446-DF, Relator: No curso do REsp nº 803.481-GO,
Ministro Humberto relatado pela Ministra Nancy Andrighi, os
Martins, Data de vendedores de soja alegaram que, obedecendo
julgamento:17/04/2008, aos hábitos e costumes do negócio, firmaram
DJe: 05/05/2008, p.2). contrato de venda a preço certo de safra futura
(BRASIL, 2008). de soja. Todavia, por fatos imprevisíveis, em
especial a eleição presidencial e a iminente
De fato, tal como exposto, o regime possibilidade de guerra no Oriente Médio, a
jurídico da onerosidade excessiva positivado no prestação tornou-se absolutamente onerosa.
art. 65, alínea “d” da Lei 8.666/91 traz importante Neste caso, na ânsia de equilibrar a relação,
ressalva quanto ao acionamento do instituto nas propuseram os agricultores a diminuição da
hipóteses em que ocorrem as áleas econômicas cláusula de preço das sacas.
ordinárias, entendidas como os riscos conhecidos Extrai-se do caso que a decisão de
e cobertos pelo próprio negócio. Com efeito, primeiro grau não vislumbrou a possibilidade de
compõe a base objetiva do negócio o mútuo revisão contratual, dada a característica de
conhecimento da inflação galopante ou a contrato aleatório firmado entre as partes. No
possibilidade desta em período vindouro do entanto, entendeu o Tribunal de Justiça de Goiás
contrato de duração, de modo que se embute na que a alteração substancial do contrato de
cláusula de preço o risco de variação dos execução diferida não poderia o vendedor
insumos, caso nenhum índice tenha sido suportar tamanho prejuízo sozinho.
contratado pelas partes, razão pela qual a Por sua vez, a Ministra relatora destacou
onerosidade excessiva superveniente não se que, após a fugaz alta do dólar em 1999, não se
verifica. poderia mais admitir que crises cambiais,
Outra importante decisão do STJ, forjada causadas por guerras e outros eventos que
no REsp 1.321.614-SP (informativo n° 556), impactam a economia global, constituíssem
refere-se à possibilidade de revisão de contrato eventos imprevisíveis e não cobertos pelo risco
atrelado ao dólar, frente à maxidesvalorização do do negócio no momento da contratação. Assim,
Real a partir de 1999, aplicando-se a teoria da concluiu que a volatilidade do dólar, além de
imprevisão. Considerando que o atrelamento ao evento previsível no momento do ajuste, ainda é
dólar da cláusula de preço é feito com a avaliação elemento abalizado pelas partes na formação do
objetiva das partes do risco da flutuação do preço, principalmente por se tratar de compra e
câmbio, o desequilíbrio contratual com venda de soja futura.
fundamento em um perigo assumido pelas partes Conforme entendimento exposto no
não pode servir de base para a onerosidade precedente analisado, no contrato de venda
excessiva superveniente. futura o vendedor garante o lucro mínimo e o
Desta forma, o Ministro Relator suporta ante as variações dos preços no
reconheceu que a intervenção do Poder momento da entrega e, por outro lado, o
Judiciário nos contratos cujas partes adquirente sujeita-se a pagar o preço entabulado,
manifestamente assumem os riscos de um mesmo que maior ao da cotação que antecede a
evento futuro constitui interferência indevida na colheita, sob o pálio da garantia do cumprimento
autonomia da vontade. Assim, a Corte decidiu da obrigação, a ser honrada nos moldes como foi
que, diante do cenário histórico de inflação e contratada.
seus sucessivos influxos no padrão monetário Nessa perspectiva, tem-se presente, mais
brasileiro, o fenômeno não pode ser tomado uma vez, o risco avaliado e conhecido pelas
como um fato superveniente fora do risco partes como vetor fundamental para a aplicação
contratual pactuado pelas partes, já que o ajuste do instituto, porquanto, a despeito da ocorrência
foi firmado com base na cotação norte-americana de um evento futuro que onere uma das partes, a
de forma consciente e voluntária.

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margem de perigo foi devidamente contratada e, Julgamento:11/04/2003,


portanto, deve ser absorvida pelos contratantes. DJe: 26/05/2003, p. 3).
No mesmo segmento, entendeu o
Ministro relator Luiz Felipe Salomão, no curso do Nos moldes do que já fora exposto acerca
REsp nº 849.228 - GO, que por se tratar de das premissas doutrinárias, não se pode
produto cotado na bolsa de valores, não se considerar as circunstâncias subjetivas dos
poderia admitir a alta do dólar e o decorrente contratantes para fins de acionamento do
aumento nos preços da soja como evento instituto, já que a teoria da base objetiva do
imprevisível. Ponderou, por fim, que as partes no negócio preconiza que a realidade subjacente
momento de entabular o contrato acordam e mais relevante para se avaliar o cabimento da
assumem a divisão equitativa dos riscos, não onerosidade excessiva é aquela que envolve o
sendo legítima, nesses termos, a alteração do contexto externo às partes no momento da
contrato de forma coativa. contratação. Alterado este, não importa a
Da mesma forma, no REsp 936.741/GO, o investigação das condições subjetivas
STJ reafirmou o entendimento de que em patrimoniais das partes, porquanto se avalia o
contratos de compra e venda futura de soja a desequilíbrio do contrato em si, bem como os
preço fixo, a sucessiva alta dos preços não riscos assumidos no momento da contratação,
caracteriza excessiva onerosidade, mas tão sem se imiscuir na condição patrimonial dos
somente lucratividade menor para a parte que, envolvidos.
devendo conhecer as tormentas e as áleas do
contrato, não se atentou. Revisão contratual decorrente da doença
Impertinência dos aspectos subjetivos da ferrugem asiática em plantações
contratação para fins de onerosidade excessiva Outro importante precedente a ser
Consolidando o posicionamento analisado é a possibilidade de a ferrugem asiática
doutrinário já exposto quanto a impertinência de ser tratada como evento imprevisível apto a gerar
se avaliarem as circunstâncias subjetivas do onerosidade excessiva sobre os contratos rurais.
negócio para fins de análise da onerosidade Neste sentido, destaque-se o Recurso Especial nº
excessiva, decidiu o Superior Tribunal de Justiça, 945.166 – GO (informativo n° 155 STJ), relatado
no âmbito do REsp nº 447.336-SP, de relatoria da pelo Ministro Luis Felipe Salomão.
Min. Nancy Andrighi, que: Em resumo, argumentava o agricultor
A onerosidade excessiva que a baixa produtividade da soja decorrente da
deriva exatamente de um ferrugem asiática e a seguida alta do dólar
fato objetivo, qual seja, a americano elevaram os preços de insumos. Nesse
existência ou não de sentido, o Ministro Relator assentou que a
desproporção econômica elevação do preço da soja é fato previsível no
entre a prestação da momento da ratificação contratual, sob a
arrendadora e
perspectiva de que a comercialização é realizada
contraprestação ofertada
pelo arrendatário. [...] Se o
na bolsa de valores, sujeita, portanto, às
desequilíbrio contratual – demandas internacionais e aos riscos delas
fato objetivo que é – é o decorrentes. Em acréscimo, o Ministro Relator
quanto basta para a salientou que a ferrugem asiática possui certa
intervenção judicial, não previsibilidade, pois é uma doença que atinge as
influi na hipótese a análise lavouras desde 2001. Não obstante, realçou que
de fatos subjetivos, tais a praga na safra de 2003/2004 sequer foi tão
como a capacidade gravosa como a experimentada em eventos
econômico-financeira do anteriores.
arrendatário ou a data
Logo, a Corte reiterou que nos contratos
específica em que foi
proposta a demanda, se 1
de compra e venda futura de soja as variações de
mês, 6 meses ou 2 anos preço, por si só, não motivam a resolução
após a ocorrência do fato contratual com base na teoria da imprevisão.
causador do desequilíbrio Ademais, a ferrugem asiática não constitui fato
(STJ, REsp 447.336-SP, superveniente imprevisível e extraordinário sem
Relator: Ministra Nancy cobertura pelos riscos contratuais pactuados
Andrighi, Data de originalmente.

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Revisão contratual decorrente de desemprego ou empregabilidade, crises internacionais e de saúde


redução de renda pública, ainda que assumam a roupagem de fatos
Conforme o julgamento do AREsp nº supervenientes, necessitam ser analisadas à luz
1340.589 do Superior Tribunal de Justiça, a perda da margem de equilíbrio econômico desenhada
de emprego constitui evento previsível e pelas partes, considerando os perigos advindos
ordinário, de modo que não enseja a quebra das transformações do cenário objetivo até então
contratual. conhecido. O risco contratual e sua importância
No caso referido, postulou-se a revisão na formação da equação econômica do contrato
contratual de financiamento imobiliário deve ser considerado como vetor de suma
conjugada com o alongamento do prazo de relevância para acionamento da onerosidade
liquidação das parcelas, com fulcro na excessiva.
onerosidade excessiva prevista no Código de Ainda que as crises econômicas
Defesa do Consumidor. O Tribunal de Justiça de provoquem efeitos imediatos na produção
origem não reconheceu a presença de fato legislativa, visando regular as situações
imprevisível ou extraordinário que tornasse emergenciais e transitórias, o julgador deve
excessivamente onerosa a liquidação contratual, prezar pela neutralização do desequilíbrio
não se justificando o eventual desemprego ou superveniente do contrato com base em critérios
redução de renda como circunstância chave. objetivos, acompanhando, quando pertinente, a
Em síntese, o Código de Defesa do jurisprudência já formada, evitando-se
Consumidor permite a modificação ou a revisão interferência na autonomia privada fora dos
das cláusulas contratuais que estabelecem limites juridicamente aceitáveis.
prestações desproporcionais ao consolidado no Desse modo, embora se reconheça que a
contrato. Todavia, conforme evidencia a pandemia de Covid-19 tenha causado um
jurisprudência dominante do STJ, a efetiva desmedido colapso econômico e que os cidadãos
caracterização da onerosidade excessiva brasileiros não pudessem prever ou evitar os seus
demanda a ocorrência de superveniente fato efeitos, há que se ter cautela na definição das
extraordinário, que afete a base objetiva do hipóteses mais sensíveis de onerosidade
contrato, desequilibrando a relação. Logo, por excessiva superveniente. Reconhecido isso,
não encontrar fundamento em si mesmo, o prioriza-se a segurança jurídica das relações
agravo em Recurso Especial foi negado. econômicas expressadas nos contratos e
prestigia-se a autonomia privada.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A onerosidade excessiva superveniente REFERÊNCIAS
constitui-se como causa de resolução ou BESSONE, Darcy. Do contrato: teoria geral. 4. ed.
modificação contratual, cujos requisitos são: (i) São Paulo: Saraiva, 1997.
contrato de duração; (ii) fato superveniente,
extraordinário ou imprevisível [na hipótese BRASIL. Presidência da República. Lei nº 10.406,
prevista no art. 478 do Código Civil] (iii) excessiva de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil.
onerosidade que cause desequilíbrio substancial Brasília: Casa Civil, 2002. Disponível em:
no contrato; (iii) ausência de pactuação explícita http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l
ou implícita do risco. 10406compilada.htm. Acesso em: 08 out. 2020.
Ao que se extrai dos casos selecionados
na jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, BRASIL. Presidência da República. Lei nº 8.666, de
os reclamos sustentados pelos contratantes 21 de junho de 1993. Institui normas para
afetados pela onerosidade superveniente, na licitações e contratos da Administração Pública e
maioria das vezes, fundavam-se no próprio risco dá outras providências. Brasília: Casa Civil, 1993.
contratual assumido ao tempo do ajuste, não se Disponível em:
admitindo a revisão contratual baseada em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8666c
onerosidade excessiva. ons.htm. Acesso em: 08 out. 2020.
O equilíbrio do contrato é projetado,
originariamente, na maior parte das vezes, com BRASIL. Presidência da República. Lei nº 8.245, de
base no risco potencial decorrente de alterações 18 de outubro de 1991.
no cenário econômico, social e político. De Dispõe sobre as locações dos imóveis urbanos e
conseguinte, as variações da moeda, os procedimentos a elas pertinentes. Brasília:

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98

Casa Civil, 1991. Disponível em: de Tarso Sanseverino. São Paulo, 16 de dezembro
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8245. de 2014. Disponível em:
htm. Acesso em: 08 out. 2020. https://ww2.stj.jus.br/processo/revista/documen
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proteção do consumidor e dá outras
providências. Brasília: Casa Civil, 1990. Disponível BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Litigância de
em: má-fé. Licitação. Contrato. Construção
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8078c Hidrelétrica. Prejuízos sofridos pelo licitante
ompilado.htm. Acesso em: 08 out. 2020. durante a execução do contrato. Inflação.
Proposta do licitante mal calculada. Álea
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Ação ordinária que não pode ser atribuída à
Revisional. Contrato de financiamento administração. Teoria da Imprevisão. Não-
Habitacional. SFH. Revisão de Parcelas. Redução aplicação. Doutrina e jurisprudência. Recurso
da renda. Agravo em Recurso Especial nº Especial nº 744.446 – DF. Recorrente: Mendes
1340.589/SE. Agravante: Allan da Rocha e Silva, Junior S/A e Outro. Recorrido: Centrais Elétricas
Defensoria Pública da União. Agravado: Caixa do Norte do Brasil S/A Eletronorte. Relator:
Econômica Federal. Relator: Ministro Raul Araujo. Ministro Humberto Martins. Brasília, 17 de abril
Sergipe, 23 de abril de 2019. Disponível em: de 2008. Disponível em:
https://ww2.stj.jus.br/processo/revista/documen https://ww2.stj.jus.br/processo/revista/documen
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230&num_registro=201801971460&data=20190 40&num_registro=200500662867&data=200805
527&formato=PDF. Acesso em: 14 out. 2020. 05&formato=PDF. Acesso em: 14 out. 2020.

BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Omissão. BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. São Paulo.
Inexistência. Contrato de Compra e venda de Ação de conhecimento sob o rito ordinário.
Safra futura de soja. Contrato que também traz Contrato de arrendamento mercantil. Cláusula de
benefício ao agricultor. Ferrugem asiática. indexação pela variação do dólar norte-
Doença que acomete as lavouras de soja no Brasil americano. Pacto de 24 parcelas. Incidência de
desde 2001, passível de controle pelo agricultor. excessiva desvalorização cambial da moeda
Resolução do contrato por onerosidade brasileira a partir da 10ª parcela. Propositura da
excessiva. Impossibilidade. Oscilação de preço da demanda após o pagamento da penúltima
“Commodity”. Previsibilidade no panorama parcela. Possibilidade. Circunstância que não
contratual. Recurso Especial nº 945.166 – GO. altera a excessiva onerosidade verificada.
Recorrente: ABC Indústria e Comércio S/A ABC Recurso Especial nº 447.336-SP. Recorrente:
INCO. Recorrido: Gilclésio Antônio Fernandes da Nacer Abdo Dalul. Recorrido: Sudameris
Silva. Relator: Ministro Luís Felipe Salomão. Arrendamento Mercantil S/A. Relator: Ministro
Goiás, 28 de fevereiro de 2012. Disponível em: Carlos Alberto Menezes Direito. São Paulo, 11 de
https://ww2.stj.jus.br/processo/revista/documen abril de 2003. Disponível em:
to/mediado/?componente=ITA&sequencial=1125 https://ww2.stj.jus.br/processo/revista/documen
109&num_registro=200700922864&data=20120 to/mediado/?componente=ATC&sequencial=604
312&formato=PDF. Acesso em: 14 out. 2020. 508&num_registro=200200839500&data=20030
526&tipo=3&formato=PDF. Acesso em: 14 out.
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Ação 2020.
Revisional de contrato de compra e venda. Dólar
Americano. Maxidesvalorização do real. BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Compra e
Aquisição de equipamentos para atividade venda de safra futura a preço certo. Alteração do
profissional. Ausência de relação de consumo. valor do produto no mercado. Circunstância
Teorias da imprevisão. Teoria da onerosidade previsível. Onerosidade excessiva. Violação aos
excessiva. Teoria da base objetiva. princípios da função social do contrato, boa-fé
Inaplicabilidade. Recurso Especial nº 1.321.614- objetiva e probidade. Inexistência. Recurso
SP. Recorrente: Javier Figols Costa. Recorrido: Especial nº 803.481-GO. Recorrente: Cargill
General Eletric Company. Relator: Ministro Paulo Agrícol S/A. Recorrido: Luiz Ferreira Lima.

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Relatora: Nancy Andrighi. Goiás. 28 de junho de


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