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VIÚVA

NEGRA
VINGANÇA VERMELHA
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editoraexcelsior.com.br
VIÚVA
NEGRA
VINGANÇA VERMELHA
MARGARET STOHL
Black Widow: Red Vengeance
© 2020 MARVEL. All rights reserved.

Tradução © 2020 by Book One


Todos os direitos de tradução reservados e protegidos pela Lei
9.610 de 19/02/1998. Nenhuma parte desta publicação, sem
autorização prévia por escrito da editora, poderá ser reproduzida ou
transmitida sejam quais forem os meios empregados: eletrônicos,
mecânicos, fotográficos, gravação ou quaisquer outros.
Primeira edição Marvel Press: outubro de 2015

EXCELSIOR – BOOK ONE


Cristina Tognelli
Sylvia Skallák
Tássia Carvalho e Tainá Fabrin
, Francine C. Silva

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)


Angélica Ilacqua CRB-8/7057

S882v Stohl, Margaret


Viúva Negra: vingança vermelha / Margaret
Stohl; tradução de Cristina Tognelli. – São Paulo:
Excelsior, 2020.
384 p.
eISBN 978-65-80448-55-5
Título original: Black Widow: Red Vengeance
1. Viúva negra (Personagens fictícios) 2. Super-
heróis 3. Ficção norte-americana I. Título II.
Tognelli, Cristina
20-2452 CDD 813.6
Este livro é dedicado a Sara Margaret Stohl,
uma companheira zero por cento e uma
futura heroína cem por cento excepcional.
PRÓLOGO: NATASHA
ÁREA ALVO DE ALTA DENSIDADE, MIDTOWN
MANHATTAN ZONA DE RADIAÇÃO ZERO, HORA ZERO

Nada como a árvore de Natal do Rockefeller Center, pensou


Natasha Romanoff. Para terroristas, malucos e babacas criminosos
primários. Como sempre, não havia nada de imagens de ameixas
açucaradas dançando na cabeça fria e ruiva da Viúva Negra. A
agente da . . . . . . ergueu o olhar para o monólito de agulhas
verdes – salpicado por flocos de neve, cintilando com luzinhas e
cristais Swarovski, a peça central da festa natalina anual de
Manhattan – e pensou em duas palavras.
Feliz Natal? Tente: pacote alvo.
Natasha sabia que a famosa árvore de Natal do Rockefeller
Center era maior do que tudo na escala de meios perigosamente
práticos. Significado simbólico? Confere. Cobertura da mídia?
Confere, confere. Destruição em massa? Confere, confere, confere.
Suspirou e tocou no aparelho auricular.
– Viúva para base. Nenhum sinal do Alfa.
– Entendido, mas não estacione o seu trenó ainda, Negra. – A voz
de Coulson crepitou em seu ouvido conforme ela se movia em meio
à multidão. – E verifique a Vermelha. Perdemos o sinal dela.
– Entendido, Base. Desligando. – E continuou se movimentando.
Um mar de braços erguidos, todos segurando a câmera do
celular, agora saudava por todos os lados o abeto norueguês de
trinta metros, como se a monstruosidade natalina tivesse aterrissado
na Terra vinda de um venerável planeta alienígena e tivesse
assumido o posto de líder supremo. Isso mesmo, um planeta de
sardinhas, mais de um milhão por dia, todos se espremendo num
quarteirão de uma cidade sob a neve, Natasha pensou.
E para quê? Para ver uma maldita planta.
Era uma tempestuosa tarde de sábado em dezembro, um
momento ruim tanto para multidões como para o clima, o que
significava que essas pessoas eram duras de matar – Natasha só
esperava que não literalmente.
Turistas com terroristas? Isso sempre acaba bem.
O potencial para um desastre era aterrador. Olhos erguidos,
defesas abaixadas – nenhum dos adoradores hipnotizados
contemplava qualquer outra parte que não a enorme árvore – ainda
que houvesse um desfile festivo descendo pela 5ª Avenida na
extremidade oposta do quarteirão.
Desde que a multidão natalina começara a subir e se apoiar nas
barreiras metálicas cercadas de neve suja no perímetro da praça
Rockefeller Center – na esquina da rua 49 com a 5ª Avenida –, a
, Polícia de Nova York, desistira. Agora eles apenas
amaldiçoavam a tarde fria, aguardando o fim do turno do lado mais
seguro das barreiras, a respiração subindo em lufadas
esfarrapadas. E eles são só a patrulha da rosquinha, não do alto
comando. Isso também deve ter sido um fator na decisão
estratégica deste alvo, ela pensou. Congestionamento humano com
apenas Paul Blart no encalço…1
Natasha voltou a tocar na orelha.
– Escarlate, o que está acontecendo? Ava? Está perdida?
Só recebeu estática.
Isso é um mau sinal…
– Oi, boas festas – disse uma mulher de aspecto cansado num
pulôver vermelho-cereja, empurrando um carrinho de bebê com
plástico de proteção fechado a zíper na calçada perto de Natasha. –
Linda roupa para neve…
Natasha assentiu, fitando a criança enquanto o borrão vermelho
desaparecia na multidão coberta por flocos de neve. Não se distraia,
Romanoff. Faça o seu trabalho e, quem sabe, desta vez ninguém
saia ferido. Ajustou a mochila mais para cima, seguindo na direção
da 5ª Avenida.
Aham.
A probabilidade de que a operação terminasse com fatalidades
era alta – com isso, em pouco tempo, o vermelho em contraste com
a neve não seria dos pulôveres. A “roupa de neve” com capuz de
Natasha era um macacão (químico biológico radiológico
nuclear) de ponta que só se parecia com um traje usado na neve.
Na verdade, era forrado com filtro de carvão e entremeado com
papel de detecção de -9 para que ela pudesse aferir o que fosse
atirado nela em qualquer zona de perigo. E os óculos de neve ao
redor do pescoço não serviam para esquiar, mas para sobreviver –
uma proteção de boca baixava de dentro dele, como uma máscara
de gás desmontável. (Desconsiderando as extremas funções
biológicas, o traje completo também diminuía as chances de que
algum dos muitos superfãs da Viúva Negra reconhecesse seus
famosos cabelos ruivos. Ah, o preço do estrelato das super-
heroínas…)
Mas era o conteúdo da mochila que realmente a distinguia. Sua
necessária mochila da . . . . . . continha uma carga de demolição
183 com -4 suficiente (dezesseis cargas no total) para demolir
um quarteirão inteiro, caso necessário.
Ao contrário do restante de Manhattan, Natasha não fora ao
Rockfeller Center por causa da árvore, mas, sim, para abater um
número incerto de elementos hostis que vinham planejando usar o
ponto turístico como isca natalina para baixas de civis. Sua
prioridade número 1 era o líder do grupo, que ameaçara promover o
maior e mais sofisticado ataque com armas químicas na história da
nação.
Quando fosse lançado, a megalópole do nordeste, o corredor
Boston-Washington, lar de mais de 50 milhões de pessoas, seria
varrida por partículas químicas aerossolizadas. Os micróbios
invisíveis e inodoros assumiriam o comando dos neurônios
humanos e, no fim, os destruiria – a menos que Natasha destruísse
o ainda não identificado dispositivo de dispersão antes que Alfa o
disparasse, em algum lugar naquela rua, em alguma hora naquele
dia, em algum momento durante aquele desfile.
Mas sem pressão.
Aquela não era a primeira vez que a agente carregava uma
mochila com explosivos em ruas de uma zona povoada; assim, de
cabeça, antes houve Pristina, Grózni, Sanaa, Djibouti e até Bogotá.
Infiltrara-se entre revolucionários sérvios e guerrilhas chechenas,
piratas do Iêmen, forças armadas somalis e mercenários
colombianos – mas, pensando bem, eles já sabiam que estavam em
guerra. Isso não tornava as operações menos devastadoras, apenas
menos surpreendentes; aqueles prédios há tempos tinham sido
perfurados por balas; as ruas, devastadas por artefatos explosivos
improvisados; as paredes, esburacadas pelos inimigos a cada
esquina. Essas cidades se tornaram palcos operacionais muito
antes de ela ter sido chamada; e todos que podiam ter saído já
tinham ido embora.
Pelo menos foi assim que Natasha racionalizara a situação.
Isto, por outro lado, era o centro de Manhattan. Era um ataque às
festas executado em solo americano, em plena luz do dia, durante o
horário de pico e em meio à população urbana de maior densidade
do país. O tipo de negócio que só mesmo uma coalizão de
psicopatas poderia intentar buscando a atenção global – porque
funcionava. Cada movimento letal que a oposição fazia os
aproximava mais do resultado desejado, de produzir as manchetes
– ! ! O! – que poderiam moldar
ou ditar uma época e forçar o país a se ajoelhar.
Não se alguém os detiver antes.
Verificou o relógio.
Vamos lá, Ava. Onde você está?
Elas não tinham tempo a perder. Nas duas horas seguintes, o
desfile ainda estaria acontecendo, e o Rockfeller Center continuaria
apinhado de gente. A hora escolhida não foi um acaso. Pearl Harbor
foi atingido às 7h53; a primeira das Torres Gêmeas às 8h45. Se o
atentado fosse bem-sucedido, seria o pior numa escala de
magnitude.
De onde estava, Natasha sabia que poderia sacudir uma lata de
Coca-Cola e espalhar um jato em cinquenta pessoas sem nem se
esforçar. Se tivesse de usá-lo, o efeito de um único c-4 num lugar
como aquele, num dia como aquele, num momento como aquele,
seria inimaginável. Se não o usasse, o número de pessoas afetadas
por um ataque químico provavelmente seria maior. Não existia uma
resposta fácil, e jamais existira.
Vinte e oito anos de paz. Havia lido em um dos trabalhos de Ava
para a Academia da . . . . . ., citando um jornalista chamado
Chris Hedges.
Foi o máximo de paz que o planeta experimentou, desde o início
da História registrada. Como alguém poderia mudar isso?
Mesmo se, por acaso, a pessoa em questão fosse a Viúva Negra.
Mas não é só você; existem duas de você agora, ela se
repreendeu. Não sei por que insiste em se esquecer disso.
Escarlate e Negra, lembra? Você não precisa estar sempre tão
sozinha, Natashkaya…
– Natashkaya! – Ainda de costas, ela ouviu a voz de Ava. –
Encontrei a Alfa. Bem na esquina. Só um detalhe…
Natasha percebeu na voz de Ava antes mesmo de ver. A dureza
insensível, o toque de adrenalina flexionando cada sílaba.
A traição.
A mão foi de imediato à parte de trás da cintura.
Não está aqui…
E a voz ficou mais alta, mais dura.
– Toque num fio de cabelo da Alfa, e eu atiro – Ava disse. – Estou
falando sério.
– Sei disso – Natasha respondeu, erguendo as mãos em sinal de
rendição. E, ao se voltar lentamente para ficar de frente a tudo que
lhe restava da família, também se viu encarando o cano da sua
própria Glock.
Paul Blart é personagem atuado por Kevin James no filme
Segurança de Shopping. (N.T.)
REBOBINANDO:
SEMANAS ANTES, NA AMEÉICA DO SUL
CAPÍTULO 1: NATASHA
RIO DE JANEIRO, BRASIL CRISTO REDENTOR,
CORCOVADO

Você é um cara de pedra bem grandão. Sabe, você meio que me


lembra um amigo meu grandão e verde…
Parada diante do imenso Cristo de pedra, sobranceiro ao Rio de
Janeiro, Natasha mordeu uma goiaba fresca, colhida diretamente do
pé. Admirou a estátua, mordendo a fruta madura e rosada, e o sumo
escorreu por seu queixo. Os braços de pedra--sabão polidos e
cinzentos se estendiam, como se o Messias gigante de quarenta
metros no alto do morro, pairando sobre ela, acreditasse de verdade
que poderia abarcar a cidade inteira num abraço grupal. Ah,
pessoal, vem cá…
– Por que é mesmo que estamos aqui? – Ava Orlova, a novata da
Academia da . . . . . ., no momento sob a supervisão imediata de
Natasha, fitou a goiaba na mão da agente. – Hum… Puxa, você não
parece ser o tipo de pessoa que come frutas.
– Como, sim. Claro que como frutas. – Natasha engoliu. – O que
quer dizer com isso?
– Vejamos… – Ava começou a se deslocar por entre a multidão
de turistas que se aglomerava no deque de observação junto delas,
bem acima da cidade do Rio de Janeiro. – Casca dura. Doce e
molenga demais em algumas partes, imagino – disse, bem séria. –
Com um pouco de sementes bem no meio, um pouco estragada…
– Engraçadinha – Natasha fez cara feia. – O que você achava que
eu comia? Pedras?
Ava se moveu ao longo da grade, olhando por sobre o ombro ao
se afastar.
– Sei lá. Munição, talvez? Engolidas com combustível de aviões?
Natasha tentou não sorrir ao se virar de frente para a vista. A
relação delas suavizara para uma familiaridade tranquila desde que
haviam saído de Nova York. E isso deixava Natasha nervosa. Não
me conheça bem o bastante para ter opiniões a meu respeito,
garota. Todos os que fazem isso acabam mortos.
A Viúva observou o tênue contorno da cidade que se
esparramava lá embaixo, a imensidão azul do oceano para além
dela, e atirou longe a casca da goiaba, que formou um arco e caiu,
rolando morro abaixo. Limpou os lábios grudentos com o dorso da
mão grudenta, ainda assimilando o cenário. Ela sempre subia o
morro pelo menos uma vez a cada duas visitas; vinha fazendo isso
há anos. Não importava quantas vezes o trabalho a trouxera ali,
jamais se cansava da paisagem do Rio – ainda mais do Cristo
Redentor no alto do Corcovado. Sempre significara algo para ela,
por mais tolo que fosse, e ela quis que Ava também visse.
Como o mundo pode ser tão bagunçado e ainda parecer tão
mágico? Era verdade; o litoral parecia um daqueles mapas surreais
desenhados à mão que encontramos nas páginas frontais dos
antigos livros de fantasia. Tudo o que ela enxergava era afiado
demais, profundo demais ou colorido demais para ser real.
A realidade não era tão bela assim sempre.
E, no entanto, ali era. O paredão vertical do Pão de Açúcar se
erguia diante dela, pedra pura e bondinhos; Ipanema (como na
canção) e Copacabana (como na outra canção) ocupavam a longa
faixa de areia diretamente ao sul disso – e depois a faixa de terra
curva e de água que se quebrava num punhado abrupto de
minúsculos morros pontiagudos erguendo-se das águas mais rasas,
muito além da fileira dos grandiosos hotéis à beira-mar.
Se forçasse a visão, conseguiria avistar o hotel Copacabana
Palace, no qual, nos idos de 1950, Howard Stark se apaixonara pela
vista do mar (ou, mais provavelmente, pelas mulheres que nele
nadavam) e comprara a cobertura do sexto andar, a qual Natasha e
Ava vinham usando como base de operações havia semanas.
Natasha dissera a Coulson que estava tirando Ava da Academia
da . . . . . . para combinarem trabalho de campo com um pouco
de férias, mas a verdade estava clara: vieram à América do Sul por
um motivo.
Vingar Alexei.
Ivan Somodorov estava morto, mas sua rede de terror ainda
existia. As Viúvas estavam ali para seguir um rastro de informações
– que Ava agora chamava de “história factual” desde seu
treinamento na Academia – que poderia levar os assassinos de
Alexei à justiça e dizimar a rede de Ivan, e com isso sua abjeta Sala
Vermelha – a escola de espiões que destruíra a vida de ambas. A
perda do irmão mais novo de Natasha e do primeiro amor de Ava as
moveu de maneiras diferentes.
E também de maneiras semelhantes…
Depois de nada além de atrasos e de becos sem saída em suas
investigações – perguntas sem respostas –, hoje Natasha resolvera
tirar algumas horas de folga. Arrastara Ava morro acima na garupa
de sua Harley, desconsiderando a tarde muito quente, incapaz de
explicar o motivo.
Uma sensação.
Natasha só sabia que já sentira isso antes – uma vez durante
uma operação rotineira de V&V (vigilância e verificação), enquanto
subia nas telhas na periferia de Havana durante um pôr do sol.
Em outra ocasião, sentira isso também pilotando um Apache a
caminho de um encontro, sobrevoando um arrozal verdejante em
Mianmar, baixo o bastante para interromper uma família de
elefantes durante a hora do banho no rio Mali.
E, de novo, deitada sobre um telhado em meio a uma missão de
reconhecimento em Alepo, observando o sol nascer sobre um
minarete parcialmente destruído da Grande Mesquita enquanto a
cidade síria ecoava com o chamado para a oração da aurora.
Depois, sentira isso numa brisa repentina carregando o aroma de
canela e café de uma padaria de vatrushka nas proximidades,
enquanto descia de rapel a ponte Zhivopisny numa gélida Moscou,
durante a extração de um Recurso de Apoio comprometido da hostil
e invernal Rodina, a terra-mãe.
Por mais que cada um desses momentos tivesse acontecido
durante uma Operação em Área Negada, Natasha tinha de admitir
que também encontrara algo incontestável. Os resquícios de um
sonho, ou, talvez, de uma esperança. Se o mundo ainda pode trazer
sensações assim – mesmo agora, depois de tudo – então, quem é
que sabe?
Talvez a fria carapaça que a envolvia, como que forjada em
níquel, ferro e silício – a rocha gasta e limitada pela gravidade que
sobrevivera a tudo que já fora importante para ela –, pudesse um
dia ser algo mais. Não apenas morte, perda, traição e sofrimento.
Não apenas solidão e isolamento…
Natasha olhou para o mundo diante de si, tentando enxergar isso
agora. Ambas tiveram um ano difícil, de muitas maneiras, desde que
Alexei morrera. A família dela se fora, e seus amigos se dividiram.
Se Ava de fato pretendia se chamar Viúva Escarlate – para usar
seus poderes recém-descobertos para o bem maior, ou mesmo
apenas para o que quer que Maria Hill ou Coulson tivessem
planejado para ela –, a garota tinha de encontrar esperança em
algum lugar.
Talvez esse fosse o objetivo daquela tarde.
Natasha inspirou fundo, concentrando-se no céu brilhante diante
de si. Dê um tempo, Romanoff. O que há com você? Está mesmo se
tornando o tipo de pessoa que gosta de frutas…
Natasha desviou o olhar. Em dado lugar no meio da multidão, um
rádio bradava o hino não oficial da cidade, uma canção de bossa-
nova sentimental e melancólica de Tom Jobim. Era impossível pegar
um táxi ou atravessar qualquer saguão de hotel na cidade sem ouvi-
la; a melodia estava afixada em sua mente há semanas. Moça do
corpo dourado do sol de Ipanema, o seu balançado é mais que um
poema…
– Desculpe… – A multidão de turistas se moveu, e uma moça de
olhos e cabelos escuros, num vestido verde e justo, estilo retrô, viu-
se empurrada na direção da grade, inclinando-se perigosamente
para a beirada da colina inclinada e batendo no ombro de Natasha
com o cotovelo nesse movimento. Desequilibrada, a moça se
balançou para o lado, por cima da grade… até que a Viúva se
esticou e a segurou pelo braço. Natasha sentiu os dedos da moça
ao redor do seu pulso enquanto esta se firmava de pé.
– Cuidado – Natasha disse. – A vista é menos bela quando se
está em uma ambulância. – A moça não devia ser muito mais velha
do que Ava.
– Desculpe! Desculpe… – A moça passou a falar num inglês
carregado de sotaque. – Desculpar. Ela fez um acidente – disse,
recuando. – Ela é distraída pelos anjos.
– O que disse? – Natasha olhou para ela. – Anjos?
– Ela querer dizer o céu. Inglês não ser a língua dela. – Os olhos
da moça se arregalaram; evidentemente, parecia em pânico. –
Desculpando você. – Virou-se e correu em meio ao bando de
turistas.
Natasha a viu ir embora, automaticamente registrando seu rosto.
Bastaram três segundos para ela captar e registrar tudo: estrutura
óssea bem definida, globos oculares afastados, olhos e boca
grandes, perfil afilado, o sotaque. Falava português, mas era mais
provável que fosse russa, ou pelo menos do Leste Europeu, sem
dúvida, salvo os olhos e cabelos escuros. Definitivamente, havia um
vestígio dos Urais ali, uma parte do Cáucaso. Mas tinha algo mais,
algo de errado com ela, que não combinava com uma garota…
adolescente? Ou, talvez, com pouco mais de vinte anos? Talvez o
modo de falar? Por não ser o seu idioma natal…?
Franzindo o cenho, Natasha estendeu o braço e tateou o ombro.
Aquilo foi apenas um esbarrão? Será que colocou um transmissor
em mim? Uma escuta ou um microfone?
Aquilo fora um encontro com uma inteligência estrangeira ou com
uma estabanada?
Deixou a mão pender novamente. Não parecia haver nada ali.
Balançou a cabeça. Talvez essa operação sul-americana afinal
começasse a pesar sobre ela: Coulson vinha lhe dizendo que
andava paranoica desde que deixara Istambul, mais de um ano
antes.
Mas, pensando bem, não se pode chamar de paranoia quando
existem de fato tantas pessoas tentando matar você. E eu poderia
jurar que a garota esbarrou em mim de propósito. Sem falar que não
existem tantos turistas russos assim no Brasil…
– Natasha! Olha isto! – Ava acenava freneticamente para ela do
outro lado da plataforma; um dos muitos macacos silvestres do Rio
subira no muro próximo à adolescente e agora estava invadindo sua
selfie, guinchando para ela com a boca grande e elástica
escancarada. – Um macaco!
– Parabéns. – Natasha meneou a cabeça. – Para os dois micos. –
Ava se encontrava num estado de espírito diferente nesse dia;
Natasha não via a garota sorrir tanto assim desde Istambul. Mas
selfies com macacos? Eu era assim no começo? Fora há muito
tempo; ela já nem se lembrava. Só espero que ela pare de falar que
quer ir atrás de capivaras.
Natasha olhou ao redor, mas a garota de vestido verde
desaparecera.
Estranho. Começou a examinar a multidão com mais atenção…
No entanto, seu pulso começou a vibrar, e ela se virou para verificar
o Bracelete de Viúva aparecendo pelo punho da jaqueta militar que
vestia por cima do macacão de fibra leve e absorvente de umidade
– a despeito do calor – porque o calor era preferível aos mosquitos.
E muito melhor do que malária, chikungunya, dengue ou zika. (Tão
ao sul assim do Panamá, até mesmo a Viúva Negra não tinha
escolha a não ser abandonar seu couro preto.)
Sete da noite? Droga…
Quase perdera a hora do check-in. De novo.
Natasha baixou os óculos escuros para cobrir os olhos e se
concentrou de novo no Bracelete, tocando numa minúscula tela para
iniciar sua conexão Sametime com a . . . . . . – comunicação
militar segura e em tempo real, utilizando tecnologia partilhada
originalmente emprestada da . O governo dos Estados Unidos
tinha algumas versões de internet privada, e nenhuma era mais
privada do que a Sametime – mesmo que Tony Stark a chamasse
de lame-time.3 Ele não confiava em nada que o governo (ou
qualquer outra pessoa) fazia sem a participação dele.
Observou a multidão imediata ao seu redor, depois se inclinou
sobre a grade para ter um pouco de privacidade, fingindo verificar o
celular. Deixou que a minúscula câmera do Bracelete escaneasse
sua retina direita com milhares de lasers microscópicos. Um toque
baixo soou, e ela pressionou o polegar esquerdo no sensor na parte
interna do pulso, usando a mão direita para deslizar o fone da
. . . . . . num ouvido.
– Tony Stark é o maior e melhor amigo que já tive na vida – uma
versão sintetizada da voz de Natasha disse isso num tom calmo e
monótono, ressoando em seu ouvido interno. Era a sua Synth, uma
sósia digital que ela chamava de Natasha Falsa, designada para
assegurar a segurança do seu link de comunicação. Maria Hill
permitira que Tony acrescentasse os protocolos rigorosos de
segurança das Indústrias Stark em todas as formas de comunicação
seguras da . . . . . . que ele utilizava. Se não permitisse, ele se
recusaria a usá-las. Como resultado, Tony tinha acesso a tudo,
motivo pelo qual Natasha sempre deparava com frases de
verificação de voz idiotas como aquela.
A Verdadeira Natasha suspirou, pressionando o fone.
– Tony Stark é um megalomaníaco de primeira que não saberia o
que é uma amiga mesmo se ela lhe mordesse no…
– Lamento, Natasha, está incorreto – a Synth a interrompeu com
superioridade. Uma buzina tocou, e a Verdadeira Natasha se
sobressaltou assustada. Foi como se alguém tivesse martelado um
prego minúsculo em seu tímpano. Resposta errada.
– Ok. Tanto faz. Tony Stark é o maior e melhor amigo que já tive
na vida – Natasha repetiu mal-humorada, pronunciando todas as
vogais e consoantes de modo a que sua voz fosse reconhecida.
Soube que dera certo quando uma salva de palmas ecoou dentro do
seu ouvido. – Muito engraçado. – Revirou os olhos. – E vou chutar o
seu maior e melhor traseiro se ele não parar de se meter no meu
protocolo de segurança do Sametime.
O protocolo prosseguiu.
– Combinação cem por cento. A linha está segura. Check-in diário
do lame-time iniciado, Natasha.
– Como esperado, assim como a piada diária sem graça do Tony.
– Natasha então tocou na lateral dos óculos e a interface da
. . . . . . se abriu num holograma, ocupando boa parte do seu
campo de visão. – O que tem para mim? – Bateu duas vezes no
Bracelete, passando pela interface ao fazê-lo. Colunas de
transmissões numeradas apareceram, agora pairando no cenário da
cidade.
– Recuperando. Cento e quarenta e um arquivos de dados não
lidos, Natasha.
– Que tédio. – Natasha desceu por uma pilha de memorandos
enquanto olhava para o horizonte. – Preciso ler algum deles?
– Sete ultraconfidenciais. Trinta e oito confidenciais. Noventa e
cinco ultrassecretos – Synth respondeu jovial. – Catorze na caixa de
Operações Atuais marcadas com De Phil, com amor. Sete na caixa
marcadas com De Tony, sem amor.
– Envie os arquivos de Phil para o meu Bracelete. Fora isso,
podemos acelerar? Só vou conseguir ler a maior parte disso mais
tarde.
– Maria Hill?
– Arquive em Operação Secreta.
– Bruce Banner?
– Arquive em Pessoal.
– Capitão América?
– Em Estressante.
– Capitã Marvel?
– Arquive em Operação NPG. – Danvers administrava a
Operação Altamente Confidencial chamada “Noite de Pôquer só das
Garotas”, e metade das mensagens que ela enviava para a caixa de
Natasha tratava sobre quem era a anfitriã do mês (Maria) ou qual
era a junk food que a Mulher-Hulk estava com vontade de comer.
(Alguma coisa com sal e vinagre? Ou era algo da Quake? Natasha
já se perdera.) Era um grupo pequeno e selecionado, mas nas
noites em que Natasha estava na cidade e Carol podia ser
persuadida a descer do seu posto de comando na estação Tropa
Alfa, de onde ela lidera em órbita a primeira linha de defesa da
Terra…
Bem, em alerta…
Não se pode esperar que as super-heroínas mais poderosas do
planeta tivessem condições de lidar com todas as questões difíceis
decorrentes de sua posição sem ao menos um lugar seguro para
trocarem ideias. Para as poucas sortudas participantes da Noite da
Saída, que era como elas próprias a chamavam, tal espaço era uma
antiga mesa de pôquer/reuniões no porão do Triskelion, em Nova
York. Convenientemente localizado no mesmo complexo da
Academia da . . . . . . (para Natasha, que se tornara uma
bisbilhoteira, praticamente como todo pai ou mãe vigilante, graças a
Ava) e debaixo do que todas chamavam de Wonkavator da Carol,
tirando sarro do transporte dela entre a Tropa Alfa e o Triskelion, a
Noite da Saída era algo inegociável.
Natasha sorriu. Ava ainda era muito novata para a Noite da Saída,
não importava o quanto ela desejasse tomar parte no jogo desde
que ouvira falar dele. Justamente por isso, a primeira regra da Noite
da Saída é que não existe nenhuma Noite da Saída. Danvers nunca
deveria ter lhe contado nada a respeito, aquela coração mole…
Natasha hesitou.
– Isso é tudo?
Synth zumbiu enquanto vasculhava o servidor.
– Mais um, Natasha. ?
– Pode repetir? – Natasha cobriu a outra orelha, tentando ouvir.
– Isso mesmo, Natasha. Uma transmissão de dados originada
como – Synth repetiu. – está on-line agora.
– Mas espere… ? No sentido de indivíduo desconhecido
no nosso Sametime? Isso não é possível. – Todos dentro da
. . . . . . recebiam um perfil digital único, e todos os perfis eram
rastreados. Não existiam desconhecidos numa linha segura. Nunca.
Qual seria o sentido disso, não é mesmo? O que conseguiria passar
pelo Sametime e pelo Stark-time?
– Carregue – Natasha comandou, subitamente se virando para
procurar Ava entre a multidão, localizando-a ocupada em tirar fotos
panorâmicas, girando a si mesma e o celular na extremidade da
plataforma.
– Autorizando mensagem de Sametime da . . . . . . agora –
Synth confirmou.
Uma segunda caixa de texto apareceu no horizonte no meio da
tela, e Natasha a abriu.

INDESCON: QUANDO VOCÊ ESPERA MAIS DO FIREWALL


DO
SAMETIME DA S.H.I.E.L.D.…
INDESCON: OU DA VIÚVA NEGRA DOS VINGADORES…

Muito bem…
Natasha se concentrou na linha de texto diante de si. Enquanto
respondia com cuidado no microfone, as palavras correspondentes
iam aparecendo no seu campo holográfico de visão.

N_ROMANOFF: LAMENTO DESAPONTAR. QUEM É?


COMO NÃO HOUVE RESPOSTA, ELA TENTOU DE NOVO.
N_ROMANOFF: O QUE VOCÊ QUER? COMO ENTROU
AQUI?

Nada ainda.
Mas o status do usuário aparecia como on-line. Alguém espionava
sua conta de Sametime. Como um fantasma. O nome na conta era
falso; era um termo militar para uma pessoa
desconhecida, ou pessoas, durante uma operação. Mas, quem quer
que fosse, poderia muito bem estar simplesmente lançando uma
ameaça.
As três mensagens seguintes não a fizeram se sentir melhor.

INDESCON: #TODOSHEROISCAEM
INDESCON: #COMOOMURO
INDESCON: #PRESTEATENCAO

Preste atenção? Natasha franziu o cenho. Eu sempre presto


atenção. Quem é você?
Olhou através dos óculos enquanto as palavras projetadas
brilhavam no holograma tridimensional diante do céu que escurecia
rapidamente. Ela já não via mais o cenário.
O que está procurando?
Como essas palavras – essa pessoa – conseguiram passar por
firewall após firewall, transmissão após transmissão, na sua única
conta verdadeiramente segura, Natasha não fazia a menor ideia. Só
o que sabia era que o indivíduo desconhecido estava ali naquele
momento, o que significava que tinha acesso a tudo…
De repente, uma terceira caixa de diálogo apareceu – dessa vez
num vermelho vivo.
Uma nova mensagem do .
Ela viu as letras aparecerem rapidamente, uma a uma – e
praticamente não se surpreendeu quando elas já não se agrupavam
em inglês.

INDESCON: ZHIVOYE OTOMSTIT’ ZA MERTVYKH,


NATASHKAYA
INDESCON: OS VIVOS VINGAM OS MORTOS, NATASHKAYA
INDESCON: TENHA UM POUCO DE FÉ, PTNETS…
INDESCON: SENTIMOS SAUDADES SUAS.

Ptnets…
Só uma pessoa na vida a chamara assim. Sentiu o corpo começar
a tremer, o oxigênio saindo dos pulmões, a cabeça…
Mas eu meti uma bala na cabeça dele. Eu o vi morrer diante dos
meus olhos.
Pelas minhas próprias mãos.
Natasha não fazia a mínima ideia de que vinha prendendo o ar
até que a voz da sua Synth a sobressaltou, trazendo-a de volta à
realidade.
– Os protocolos de segurança foram violados, Natasha.
A Verdadeira Natasha mal a ouviu – sua mente já corria à frente.
– Ative o Protocolo X, segurança.
– Afirmativo, Natasha. Protocolo X ativado. Realizando Ação X
agora. – Mas Synth pareceu hesitar, o que Natasha sabia ser
impossível. – Atualização: copiou e apagou 84% dos seus
arquivos pessoais seguros, Natasha.
Natasha empalideceu, mas, por fora, permaneceu calma.
Toda ação é uma mensagem. Assim como todo ataque.
Você não pode ser Ivan Somodorov, portanto, o que está me
dizendo?
Estou escutando.
– Arquivos comprometidos chegando a 94%, Natasha.
Ela franziu o cenho.
– O que aconteceu com o protocolo? Feche-o, segurança.
Jogue a sua melhor carta. Vamos lá.
Não importa o que tente, você não continuará por muito
tempo…
– Protocolo X desativado, Natasha.
– Não é possível.
Instintivamente, Natasha começou a avançar pela multidão na
direção de Ava, que ainda mantinha os olhos grudados no celular. A
pulsação da agente veterana continuava duas vezes mais rápida, e
ela sabia que isso era pânico, embora não lhe fosse uma sensação
frequente. A única outra coisa que ela sentia era uma frustração
crescente encabeçada por fúria – e essa sensação ela conhecia
muito bem.
É isso, ? Você consegue me alcançar, mas eu não?
Melhor você repensar isso, meu amigo.
No instante em que alcançou Ava, Natasha a segurou pelo braço.
– O tempo acabou. Vamos embora.
Ava tentou se soltar.
– Espere. Você sabia que, se observar o pôr do sol no segundo
certo, ele brilha verde em vez de laranja? Tipo um limo radioativo
verde e brilhante. Verde alienígena. Por que será?
Synth falou no fone de Natasha:
– Arquivos pessoais foram cem por cento apagados, Natasha.
Assim como arquivos confidenciais, registros médicos, de trabalho,
arquivos mencionando Natasha Romanoff, arquivos com referência
cruzada a Natasha Romanoff…
Por mais desalentadora que a notícia fosse, Natasha não se
importava com os arquivos. Ela tinha uma cópia – três, na verdade –
de tudo que fosse importante em um ou outro dos três drives
externos guardados em três cofres de segurança fora de Nova York:
em Zurique, em Londres e em Hong Kong. Também havia
passaportes e fotografias antigas, além de envelopes de dinheiro
presos com elásticos para emergências – dez mil euros, dez mil
libras esterlinas e vinte e cinco mil dólares americanos,
especificamente falando. Não o bastante para levantar suspeitas,
mas o suficiente, numa emergência, para alugar uma masseria, na
Apúlia, no calcanhar sudeste da bota italiana, por um ano inteiro.
Caso tivesse de fazer isso.
Mais importante do que a invasão na segurança era a revelação –
o fato do que isso dizia sobre o crime cometido contra ela e a
pessoa que o cometia. O lado de agente treinada de Natasha estava
fascinado, mesmo que todo o restante dela desejasse gritar.
Interessante. Quer dizer que o nosso só quer a mim –
ou quer determinada informação dos meus arquivos – ou fazer
desaparecer tal informação?
Ou, quem sabe, só queira confundir a minha cabeça?
Qualquer modo de considerar a questão era útil. Natasha
pressionou o fone de ouvido.
– Como estamos indo com o protocolo?
– Isolei seu conjunto de dados agora, Natasha. Os firewalls
restantes parecem seguros.
– Entendido. – Natasha suspirou. – Melhor informar a . . . . . .
– Quando ela começou a tirar os óculos da cabeça, uma luz branca
a cegou temporariamente. E ela cambaleou.
Ava a segurou pelo braço.
– Ei… Tudo bem?
O holograma tremulou, e um desenho pixelado de uma caveira
alada surgiu diante de Natasha.

INDESCON: NÃO SE PREOCUPE, PTNETS


INDESCON: KRASNYY ANZHEL PRIKHODIT DLYA VAS
INDESCON: O ANJO VERMELHO VEM ATRÁS DE VOCÊ
INDESCON: DOCH’ SVETA
INDESCON: FILHA DA LUZ
INDESCON: REBENOK SMERTI
INDESCON: FILHA DA MORTE
INDESCON: APRECIANDO A VISTA?

Lame significa “fraco, defeituoso, capenga”, e rima com same,


“mesmo”, sendo Sametime um aplicativo para comunicação em
tempo real, mas Tony o desconsidera, por isso faz a troca das
palavras. (N.T.)
CAPÍTULO 2: AVA
RIO DE JANEIRO, BRASIL CRISTO REDENTOR,
CORCOVADO

Ava observou chocada quando Natasha arrancou os óculos e a


empurrou na direção da escadaria do monumento num movimento
quase fluido.
– O que há de errado com você? – Ava perguntou quando o
celular saiu voando de suas mãos.
– Corra, agora! – Natasha ladrou.
Ava parecia surpresa, mas, assim que vislumbrou o rosto de
Natasha, pôs-se a correr atrás dela. Conhecia muito bem aquela
expressão para não fazer perguntas nem assumir risco algum. As
agentes desceram rápido a escada, quase derrapando, de dois em
dois degraus – as sandálias baratas de Ava açoitando ruidosamente
as pedras –, encaminhando-se para o estacionamento junto ao
quiosque da bilheteria e ao galpão dos banheiros onde a Harley de
Natasha as aguardava.
A poucos passos dela, Natasha parou de súbito, esticando o
braço para agarrar Ava.
– Espere. – Retirou do bolso a chave por controle remoto e
apertou um botão.
Ava prendeu a respiração, apesar de não saber bem por quê. O
que está esperando, que a coisa exploda? Só pode estar brincando.
Mas a motocicleta deu a partida, a ignição foi acionada e o motor
rugiu como de costume. Ambas as Viúvas pareceram aliviadas em
ouvi-lo.
Natasha passou uma perna por cima da moto.
– Suba.
E, mais uma vez, é ela quem vai pilotar. Ava subiu na moto, logo
atrás de Natasha.
– Quer me contar o que…
– Não. – Natasha apertou a embreagem e partiu do
estacionamento em retirada. Ava mal havia se segurado nos ombros
dela; ficou bem surpresa com a repentina aceleração.
O que aconteceu?
Natasha inclinou a Harley de um lado para o outro conforme
conduzia velozmente pela estrada sinuosa do morro, esquivando-se
por pouco de um caminhão carregado de jacas – que despencavam
do veículo a cada solavanco e rolavam pela via. Um sagui selvagem
guinchou de cima de uma lata de lixo abandonada onde estava
empoleirado quando tanto o caminhão como a moto passaram,
saltando por sobre a Harley em busca da fruta atropelada na rua. Só
o que Ava sabia, enquanto se agarrava como se sua vida
dependesse disso e desviava de frutas verdes do tamanho de
melancias, era que Natasha devia estar dirigindo como louca por um
bom motivo.
Algo chamou sua atenção. A missão. Algo importante.
Ava se protegeu atrás das costas de Natasha enquanto a Harley
avançava a toda, ignorando a curva em S da estrada ao ultrapassá-
la numa linha reta pelo eixo central. Krasnaya Komnata? A Sala
Vermelha? Será que é isso? Quando outra curva se apresentou
diante delas, Ava pensou no grupo obscuro que estivera financiando
a ascensão de Ivan ao poder, suas pesquisas e tecnologia, todo o
seu exército. Em outras palavras, a organização que elas haviam
jurado destruir…
Algo ligado a Ivan Somodorov? A Alexei?
Ava sentiu o estômago gelar e se contrair, e o vento açoitou seu
rosto à medida que voavam na direção da grande sombra do morro,
levantando o cascalho em seu rastro. Ergueu o queixo acima do
ombro de Natasha a fim de ver o caminho à frente da moto.
Só então notou que o Bracelete da Viúva faiscava e soltava
fumaça. Apontou, gritando:
– Veja, o seu Bracelete… está pegando fogo!
– O quê? – Natasha olhou para o pulso. O Bracelete começou a
se incendiar, a fumaça escapando contra a pele debaixo dele, onde
entrara em contato com a manopla do acelerador. Praguejou,
afastando a mão esquerda do guidão, continuando a imprecar ao
manter o dispositivo distante do corpo. No entanto, não parou a
Harley; dirigiu mais rápido, guiando a moto apenas com o braço
direito.
– Natasha! – Ava berrou. – Você tem que tirar essa coisa…
– Está presa. – Natasha dobrou o braço para trás. – Tente você.
A moto oscilou quando Ava esticou o braço desajeitadamente na
tentativa de soltar a presilha emperrada do Bracelete de Natasha.
Ele queimou as pontas dos seus dedos, e ela fez uma careta de dor.
Como é que ela não está berrando? Qual é o grau de tolerância de
Romanoff à dor?
Quando tentou segurar de novo, o pneu traseiro da Harley
encontrou um trecho fundo de cascalho e derrapou. Por um
momento, Ava pensou que Natasha acabaria deixando a moto cair
no chão sem querer.
Fechou os olhos. Pazhalsta… Por favor…
– Ava! – Natasha gritou.
A energia que fluía em Ava – que passara a fluir dentro dela
desde a explosão do O.P.U.S. em Istambul – avolumou-se de
repente, pulsante e convulsionante, do centro de seu peito,
irradiando ao longo dos braços e das pernas, envolvendo seus
tentáculos do pescoço até os pulsos e tornozelos dela. Embora a luz
normalmente encontrasse sua válvula de escape por meio de seus
sabres, que funcionavam mais ou menos como condutores básicos,
agora ela a deixava escapar pelos dedos.
Quando reabriu os olhos, suas pupilas brilhavam na luz azul
iridescente, que agora lhe era familiar. Até mesmo os lábios e as
pontas dos dedos ardiam com o fogo azul e frio.
Natasha relanceou por sobre o ombro.
– Ava, o que você está…
A garota estendeu de novo o braço para o Bracelete de Natasha,
desta vez mal o tocando. Ele começou a liberar uma fumaça preta
por todos os lados…
Abriu-se numa explosão, voando para longe do pulso de Natasha,
saltando no ar por cima da cabeça de ambas.
Ava se abaixou para a frente com um grito.
– Cuidado!
Natasha fez uma careta de dor e sacudiu o pulso. Uma fração de
segundo depois, o Bracelete explodiu numa nuvem de fuligem e
chamas.
Ah, não, de novo, não, pensou. Ela o havia sobrecarregado.
Rápido. Desligue-o antes que piore a situação…
– Der’mo… – Natasha praguejou, e Ava viu que a manopla
esquerda também começara a se incendiar. As chamas estavam se
espalhando, e Natasha mais uma vez teve de controlar a moto
apenas com a mão direita. – Ah, me poupe… – ela gritou para a
moto, aborrecida.
Você botou fogo numa moto inteira desta vez? Maravilha. Com a
sua sorte, deveria ficar feliz por não tê-la simplesmente explodido de
vez…
Ava gritou contra o vento:
– Encoste!
Se esta coisa de fato explodir, não quero ser lembrada como a
pessoa que matou uma Vingadora.
Natasha sacudiu a cabeça.
– Não posso. Eles estão aqui, e temos que nos afastar ao máximo
de quem quer nos tornar uma estatística de morte nas estradas –
explicou enquanto acelerava a moto.
Morte nas estradas, Ava pensou. Quem é que quer isso?
A Harley em chamas acelerou em meio à fumaça, vergando
perigosamente para um dos lados. Os cabelos de Natasha se
agitaram ao vento quando ela pendeu o peso para a esquerda. Ava
a acompanhou, até voltarem a equilibrar a moto em seu eixo
vertical.
A moto sacolejava, fumegando e lançando cascalho, mas
conseguiu permanecer na estrada. Os olhos de Ava marejaram por
conta do vento, e era difícil enxergar. Conseguia sentir o corpo
inteiro tenso, um punho cerrado de membros contraídos.
Há alguém atrás de nós?
Olhou por cima do ombro. Havia uma cratera no asfalto atrás
delas – e, acima do buraco, uma serpente negra de fumaça e
cinzas. Virou-se para a frente de novo e viu o fogo se alastrando
pela parte frontal da moto.
Não posso ter sido a responsável. Não por tudo aquilo.
Alguém mexeu no Bracelete dela, e eu desencadeei o fogo.
A garganta e os pulmões queimavam; os olhos ardiam. O ar ao
redor delas cheirava a chamuscado – ou talvez fosse seu cabelo – e
conseguia ouvir (ou sentir) Natasha tossindo diante dela devido à
fumaça.
– Você está bem?
– Perfeita? Não – Natasha gritou de volta. Maravilha.
Claro. Tão russo isso. Tentou de novo:
– O que foi aquilo? – Presumo que tenha sido um ataque direto e
direcionado, não que você vá admitir. Não enquanto estivermos
sentadas numa Harley em chamas a metros do local do ataque…
Natasha acelerou de novo.
– Meu Bracelete. Alguém mexeu nele.
– Não me diga! – Ava respondeu gritando. – Mas o que foi aquilo?
– Magnésio.
– O quê? – Ava berrou. – Quero dizer, como?
Não houve resposta até chegarem à curva seguinte. Então,
Natasha se inclinou parcialmente até Ava.
– Concentração dos traços de magnésio. Você foi apenas o
isqueiro. Podemos falar sobre isso depois?
Então, eles mexeram no seu Bracelete…? Você, a grande
Natasha Romanoff? Ava meneou a cabeça. E eles sabiam que eu
riscaria o fósforo? Quem quer que seja, sabe sobre mim?
Natasha fez outra curva, inclinando a moto, desta vez saindo da
estrada principal e entrando no que parecia uma longa entrada
particular para carros. As labaredas na parte esquerda do guidão se
espalhavam para o chassi da moto. As botas pretas e grossas de
Natasha a protegeriam apenas até certo ponto; mas as pernas de
Ava estavam nuas, e ela as recolheu para o alto o máximo que
pôde, apoiando os pés na proteção da roda. Não vamos conseguir
continuar assim por muito mais tempo…
A moto prosseguiu aos trancos e barrancos, passando por uma
casa ao estilo rancho, seguida pela colina repleta de arbustos.
Cascalho, raízes e poeira se erguiam. A cada volta da roda, as
chamas se espalhavam cada vez mais do guidão para o corpo da
moto. Ava se inclinou para a frente e gritou no ouvido de Natasha:
– Foi aquela garota, não foi? Lá na estátua? Aquela do vestido
verde? Que esbarrou em você?
– O quê? – Natasha espiou por sobre o ombro, surpresa. Ava se
sentiu orgulhosa por um instante; e, então, humilhada. Ela não
achava que eu tinha percebido. Ela não acredita que eu seja capaz
de nada.
– O empurrão – Ava gritou.
– É. – Natasha voltou a atenção para a colina rochosa. – Acho
que sim. – Movimento clássico da Sala Vermelha; tirado direto do
manual de Ivan. Mas Ava também sabia que Natasha entendia o
manual melhor do que ninguém, portanto sabia o que deve ter
acontecido em seguida. Inclinou-se para a frente mais uma vez.
– Você também colocou um rastreador nela? Me diga que fez
isso! – Ava gritou.
Natasha inclinou a cabeça levemente para o lado e sorriu.
– Está mesmo questionando isso?
Claro que colocou, Ava pensou. Conhecendo Natasha, ela
grudara seu rastreador adesivo padrão na garota antes que ela
conseguisse se afastar. Com sorte, em vinte e quatro horas – ou no
tempo que a . . . . . . precisasse para encontrar a frequência
correta –, seriam capazes de determinar a localização dela.
Identificação por radiofrequência era o clássico preferido em
vigilância de envio de dados, e Natasha sempre tinha um dispositivo
desses à mão. Eram do tamanho de um grão de arroz,
armazenados num segmento na base do minúsculo anel de prata
em sua mão esquerda. Ela o usava do jeito que outras pessoas
usavam uma aliança de casamento.
Felizmente para nós duas, ela é casada com o trabalho.
Ava relembrou a tentativa de plantar o dispositivo; pelo menos, o
pouco que vira. O cotovelo da garota de cabelos escuros
esbarrando no ombro de Natasha. Imaginou que o empurrão tivesse
sido um disfarce, ou o que Natasha lhe ensinara como sendo a
jogada do tolo. Você tinha de ficar de olho na outra mão, naquela
que bateu a tira de magnésio na parte de baixo do Bracelete da
Viúva. Esse era o movimento que importava.
É sempre a segunda jogada que conta, não foi o que você me
disse, Natasha? A segunda tentativa, a segunda abordagem, o
segundo ataque? Viu, eu estava prestando atenção…
Percorreram apressadas uma fileira de jacarandás e voltaram à
estrada outra vez, bem quando se curvavam na base das colinas do
Corcovado. A Harley sacolejava intermitentemente – e Ava se
chocava contra o corpo de Natasha em razão do impacto.
– Smotret eto sestra! – Cuidado aí, irmã! Você pode acabar nos
matando antes que alguém da Sala Vermelha consig…
– Ah, olha quem fala, zhivchik… – Natasha gritou de volta. Bela
resposta.
O rosto de Ava ardeu de constrangimento.
Natasha acelerou sem dizer nada ao deixar a estrada,
aumentando a velocidade em direção ao tráfego noturno do Rio. Os
pneus fumegavam; o chassi estava completamente tomado pelo
fogo.
Ava se virou de novo para verificar a via, e depois gritou para
Natasha:
– Não há ninguém atrás de nós. Estamos bem. Você tem que
parar… Esta coisa vai explodir, man’yak! – Louca. Suspeitava que
as botas de Natasha estivessem pegando fogo, perto até de
derreterem. Estavam ficando sem opções.
Mas não somos as únicas, pensou.
Agora as Viúvas ziguezagueavam em meio aos carros diante
delas. Ninguém conseguia deter Natasha Romanoff quando ela
estava com aquele humor.
Quem quer que você seja, garota de verde, espero que saiba o
que fez, Ava pensou. Uma sirene começou a soar ao longe. Porque
isso significa guerra…
Natasha apertou a única manopla que funcionava e fez a moto
subir num Fiat desavisado.
Ava gritou quando a Harley voou pelo ar.
Fechou os olhos com força quando bateram numa cerca de
arame, arrancando-a, e aterrissaram com as rodas na parte mais
profunda da velha piscina do Casarão do Parque Lage…
Silvando e fumegando, o metal atingiu a água. As duas Viúvas
submergiram, mal tocando no concreto sob a aterrissagem que
provocou um tsunami de três metros.
Ava abriu os olhos na água escura e vislumbrou a Glock de
Natasha mergulhando lentamente até o fundo da piscina.
… e guerra é o que ela quer.
CAPÍTULO 3: NATASHA
PRAIA DE COPACABANA, RIO DE JANEIRO
COBERTURA DOS STARK, HOTEL COPACABANA
PALACE

– Não, Tony, não acho que você seja o meu cara do . . – Natasha
disse irritada, envolvendo a queimadura elétrica do pulso com gaze
tirada de uma das várias caixas metálicas de kits de primeiros
socorros de Howard Stark. – Eu sou o meu cara do . .
– Isso é maravilhoso porque, como já lhe disse, estou meio que
ocupado com um negócio aqui. – O olhar de Tony baixou da tela de
projeção, cujo tamanho era o de uma parede, atrás de Natasha;
atrás dele, onde quer que estivesse, ela conseguia ver uma imensa
parede de concreto, talvez de um porão? A voz dele ecoava no que
parecia ser o espaço de uma caverna. – Seis milhões de volts de
energia de elétrons, para ser mais exato, e provavelmente minha
melhor chance de receber um prêmio Nobel em física, ou algo do
tipo. Sabe, a ?5 O Grande Colisor de Hádrons? Mas não tem
importância, acho que isso pode esperar porque você precisa que
consertem o seu e-mail…
? O que Tony está fazendo na Suíça? Considerando que o
elo de emaranhamento quântico entre Natasha e Ava fora uma das
investigações em física quântica em aberto mais demoradas já
conduzidas por ele, ela ficou desconfiada – mas também conhecia
aquele olhar de Tony. Ele estava escondendo algo.
No momento, Natasha estava impaciente demais para se importar
com isso. Olhou para ele.
– Já acabou?
Tony deu de ombros.
– Acho que sim.
– O seu servidor já terminou de rastrear o caminho dos dados?
Ele consultou um painel em seu tablet digital.
– Quase – Tony respondeu. – Aguenta firme aí.
Natasha balançou a cabeça, frustrada.
– Não consigo só ficar sentada. Algo está acontecendo outra vez.
Sinto isso, mesmo sem conseguir entender como tudo se encaixa.
No ano anterior, já fora difícil o bastante localizar as sinapses
escondidas entre a empresa de transporte ucraniana e o complexo
industrial-militar secreto em Moscou – sem mencionar entre um
laboratório subterrâneo futurístico turco e a lendária escola de
espiões de Ivan Somodorov. Era desgastante conjecturar como tudo
isso estava conectado ao que acontecera hoje.
Como está conectado? Quem você acha que está enganando,
Natashkaya? Tudo na sua vida se conecta a um lugar e a um
período.
A Sala Vermelha.
Deduzira que a Krasnaya Komnata iria atrás dela no momento em
que matasse Ivan Somodorov, não é mesmo? Até onde sabia, a
garota russa no Cristo também podia ser alguém da Sala Vermelha.
Além disso, Natasha só tinha uma fração de informação verdadeira
para seguir, a mesma pista que a levara e levara Ava ao Brasil seis
meses antes. Algumas poucas palavras retiradas de um despacho
traduzido de um dialeto ucraniano pouco difundido.
KRASNAYA KOMNATA POTREBNOSTI YUZHNOY AMERIKI DEN’GI…
- .

A Estação de Moscou despejara o assunto na . . . . . ., e Maria


Hill o jogara para Natasha. Não viera de nenhuma fonte confiável ou
confirmada, e ainda não haviam determinado se era ou não
verdadeira. Tudo isso, somado ao hackeamento e à garota, poderia,
ainda assim, resultar em nada. Mas…
Também podia ser um primeiro sinal, um único fio solto, ou uma
trinca muito fina que talvez, no fim, fizesse com que um muro inteiro
desmoronasse.
E a única coisa que Natasha Romanoff sabia a respeito de muros
é que eles tendiam a desmoronar, ainda mais quando os Vingadores
estavam por perto.
Isto poderia ser exatamente o que estávamos esperando…
– Acha que são eles? – Ava perguntou. Ela não precisava dizer o
nome. Não havia ninguém mais.
– É o que precisamos descobrir. – Natasha olhou para ela. – O
que temos: um rosto, caso possamos identificá-lo? Um documento
digital, se conseguirmos rastreá-lo?
– E as imagens de segurança municipal do Rio? O Cristo
Redentor é um monumento público, certo? Eles podem ter algo –
Tony sugeriu.
– Já coloquei Maria Hill nisso. Ela pediu um dia. – Embora eu não
tenha certeza sobre ter esse tempo. – Vamos nos concentrar na
garota. – Havia algo na Garota do Vestido Verde que a incomodava.
Uma sensação incômoda, uma leve impressão de déjà-vu, mesmo
sem conseguir determinar um lugar ou de que maneira ela sentia
isso… ou ainda, mais precisamente, o que ela sentia.
– Acha que ela é o último modelo da Sala Vermelha? Ou uma
intermediária? – Ava opinou. – E, sim, eu sei o que é um
intermediário – disse, tentando não parecer metida demais por se
referir a um vocabulário da Academia.
– Certo – Natasha disse. – O que significa que ela é uma zé-
ninguém e não sabe de nada, exceto que deve seguir ordens e ficar
de bico fechado. É assim que a SVR opera.
SVR, Sluzhba Vneshney Razvedki. O Serviço de Inteligência
Estrangeiro da Federação Russa. Ela sentiu um arrepio lhe
percorrer a espinha ao pronunciar o acrônimo; mesmo depois de
tantos anos, ainda sentia o tranco do pavor frio e colossal toda vez
que ouvia essas três letras.
A não fora diferente antes disso, muito menos a de
agora. Os membros detinham um significado malhado a ferro e
neve; representavam palavras inexprimíveis e a dor que teria de ser
suportada para sempre. É assim que funciona, Natasha pensou. O
alfabeto do medo.
Ava parecia ansiosa.
– Acha mesmo que a Garota do Vestido Verde é do ?
–O seria estúpido o bastante para tentar algo assim contra
você? – Tony a fitou, cético.
– Quem você acha que me ensinou esse tipo de coisa? Alguém
do Diretório X do , a Divisão de Ciência e Tecnologia, e do
Diretório S deles, a Divisão de Inteligência Ilegal – Natasha explicou.
– Pare – Ava pediu, sacudindo a cabeça.
Mas Natasha prosseguiu, as palavras jorrando:
– Ivan Somodorov era vice-diretor de ambas as divisões, em um
ou outro período. Nasceu para isso; o pai era da , e a mãe era
uma funcionária do gabinete de Stalin. Uma espiã dos espiões. Ele
chegou a dizer uma vez que seu irmão era Spetsnaz. – As Forças
Especiais Russas. – Que outro tipo de pessoa poderia administrar a
Sala Vermelha?
– Não sei, mas isso me faz pensar numa pergunta ainda pior.
Quem é o encarregado agora? – Ava parecia infeliz.
– Essa – Tony interveio – é uma pergunta para a qual você não
quer mesmo uma resposta.
– Então talvez seja esse o motivo por trás desse pequeno
encontro: o anúncio de um novo regime. – Natasha olhou para a
tela. – E, respondendo à sua pergunta, esse tipo de gente faria
qualquer coisa a qualquer um.
– Mas não é a qualquer um – Ava disse de repente. – É a você, e
eles sabem disso. Portanto, teriam previsto que você anteciparia a
próxima jogada deles, certo?
Tony assentiu.
– Com certeza.
– E, se fizeram isso, então o objetivo foi a primeira jogada deles
ou o seu contra-ataque? As investidas foram realizadas para
assustar ou atrair você? – Ava franziu o cenho.
Ela está aprendendo. Que bom.
– Eles me treinaram como espiã. Portanto, se tivesse que arriscar
um palpite, eu diria que eles desejam que eu investigue algo –
Natasha replicou.
– Então o objetivo era o seu contra-ataque. – Ava assentiu. –
Atrair você oferecendo uma investigação. Porque é sempre a
segunda jogada…
– … a segunda jogada que conta. Exato. – Natasha assentiu. Ava
sorriu.
– Portanto, a garota do Cristo era treinada – Tony concluiu. – Por
alguém que conhece você ou que teve tempo suficiente para montar
um perfil seu. Alguém que sabia que você visitaria o monumento.
Que você estaria usando o seu Bracelete. E que a srta. Faísca
aqui… bem, que ela emitiria uma faísca.
Nenhuma das Viúvas respondeu. Era um raciocínio coerente.
– Muito bem – retomou Tony. – A Vestido Verde tinha treinamento.
A Vestido Verde tinha informações. A Vestido Verde tinha acesso,
certo? Uma rede de fornecedores. Quero dizer, não se vende
magnésio ali na esquina.
– Não mesmo. Mas em breve vamos saber mais. Plantei um
rastreador nela. Logo ela vai ter que aparecer – Natasha disse.
Ele balançou a cabeça.
– Esses dispositivos são tão ultrapassados que temos que
rastrear por radiofrequência, não é nem por satélite. Mesmo assim,
só com sorte a encontraríamos. Pode levar dias.
– Informação sempre é informação – Natasha replicou. – E
“ultrapassado” significa que é tão velho que eles não conseguirão
rastreá-lo de volta a mim.
– Falando em informação… – Tony ergueu o tablet. – Os
servidores da Stark acabaram de concluir o rastreamento do pacote
de dados. – Olhou para Ava. – São as mensagens que N-Ro
recebeu no Sametime…
– Sei o que é um pacote de dados – Ava retrucou, irritada. – Corta
esse tonzinho professoral pra cima de mim.
– Ok, ok. Não tenho o programa do curso da escola de espiões –
Tony disse. – Nervosinha.
– Então você terminou o rastreamento? E aí? – Natasha
perguntou impaciente.
– E aí que a minha rede rastreou o pacote de dados desde o fim
até o começo, através da primeira série de transmissões, dado que
ele se conecta repetidamente ao longo de quase todos os
continentes – Tony prosseguiu, descendo a tela pelo código
infindável. – O caminho parece não acabar nunca.
Natasha assentiu.
– Quer dizer que eles são bons.
– Muito bons. Este é um código limpo, belo trabalho – Tony disse.
– É quase um crime que seja um crime. Eu os contrataria num
segundo. Bem, talvez em cinco segundos, falando de maneira
realista. Um segundo de fato não é…
– Trem da digressão deixando a estação agora… – Ava disse. Ele
foi direto ao ponto.
– Tá. No fim, os dados chegam a uma série de contas-fantasma
de outras contas-fantasma, o que não é uma surpresa.
– Fantasma? – Ava olhou para ele com estranheza.
– A surpresa é que é contínuo – Tony prosseguiu. – Está
programado para se reescrever de novo e de novo, assim previne
que se encontre a origem. É tipo o ovo e a galinha dos dados.
– Quer dizer que estamos ferrados – Ava concluiu.
Natasha, sem dizer nada, sentou-se na cadeira.
– Eu diria atracados. – Tony arqueou uma sobrancelha. – Só que,
convenhamos, eu estou aqui.Tenha um pouco de fé. Acho que
consigo desatracar os dados e tentar sair desse loop. Só um
segundo…
Natasha ergueu o olhar.
– Prossiga.
– Solicitei à minha rede uma comparação dos fluxos de dados.
Não aquilo que estamos obtendo dos sites-fantasma do hacker, mas
o que esses sites estão obtendo do restante da web. – Tony tocou
na tela. – Não consigo ir além das contas-fantasma, mas me parece
que um site spam específico consegue.
– Como é? – Ava perguntou.
Ele estudou a tela.
– Nosso hacker deve ter clicado nele uma vez. De um jeito ou de
outro, é o único endereço IP enviando alguma coisa que os hosts
falsos têm em comum. – Tony balançou a cabeça.
– E então? O que é? – Natasha questionou.
Ele ergueu o olhar com um sorriso.
– Miaus de Moscou. E, lamentavelmente, não é uma piada.
Ava parecia incrédula.
– Do que você está falando?
– De um pop-up. Só preciso disso. Nosso hacker abriu um pop-
up, talvez por ser desleixado, mas provavelmente por gostar de
piadas de gatos. – Tony apertou algumas teclas. – Agora pedi à
minha rede que compare esse site com todo o resto que ele visitou
no percurso dos dados.
– E? – Natasha olhou para ele.
– E… parece que… existe um… dois? Não, apenas um endereço
de não identificado.
– Que é…? – Ava se posicionou diante da tela de projeção.
Tony analisou o tablet.
– Parece que boa parte do trabalho pesado tem origem no IP de
uma conta chamada HoraZero, que por acaso é… Vou deixar vocês
adivinharem…
– Não, nada de adivinhação – Natasha o cortou.
– Hum, que pena. Se você tivesse dito “perito em vulnerabilidades
do Dia-Zero e outros truques bacanas de vigilância”, teria ganhado o
prêmio – disse Tony. – Em vez disso, só o que vai receber é o perfil
da web maneiro dele. – Ele ergueu o tablet para o monitor, e uma
foto de tabloide de um cara russo com olheiras fundas, pele pálida e
cabelo moicano ainda mais claro do que a pele apareceu em seu
lugar. – E eu lhes pergunto, quem é que acha tatuagens no pescoço
uma boa ideia?
– Uau – Ava disse. – Esse é o nosso hacker?
– Maks Milosovich? – Natasha leu na tela. – Conheço esse nome.
O festeiro de Moscou?
– Mosc-miau – Tony a corrigiu. – Mas já fui acusado de me apegar
a uma piada por tempo demais.
– Isso mesmo – Ava disse.
– Não. Não pode ser ele. – Natasha estava convencida disso. –
Só o que esse Maks faz é dançar em cima da mesa e sair com
barbiezinhas.
– Você fala isso como se fosse algo ruim – Tony comentou com
secura.
Natasha observou a legenda sob a foto.
– Perito em Dia-Zero? Acho que esse aí é só um zero mesmo.
– Dia-Zero? O que isso quer dizer mesmo? – Ava perguntou.
– Segurança particular tecnológica – Natasha explicou. – Maks
encabeça uma empresa de segurança digital fundada pelo pai,
Vladimir Milosovich, também conhecido como um oligarca indecente
da nova ordem mundial russa. Dizem que até Putin inveja as
empresas petrolíferas dele.
– Arrasou, Papai Vlad. – Tony assobiou.
– O clã Milosovich é de Moscou, certo? Isso implica uma possível
conexão com a Sala Vermelha. – Ava olhou para Natasha.
– Sabe-se que Vladimir Milosovich fez sua fortuna com ações em
tecnologia depois de ter trabalhado para o Diretório X. Você
conhece o esquema: venda segredos para o governo, depois dê as
costas e revenda ao governo os segredos deles próprios – Natasha
disse.
– Espere. – Tony olhou para ela. – Você não acabou de dizer que
Ivan Somodorov era vice-presidente ou sei lá o que do Diretório X?
Por um momento, ninguém se pronunciou. Em seguida, Natasha
sacudiu a cabeça.
– Está fácil demais, não? Um hacker russo rico vem atrás de nós
porque Ivan conhece o pai dele?
– Você acha que os dois se conhecem? – Ava estava surpresa.
– Fácil? O que foi fácil nisso? Minha habilidade de sintetizar
informações? Olha só, acho que você está confundindo fácil com
genialidade comprovada – Tony disse. – Como muitas vezes é o
caso.
– Nunca disse que você não era comprovadamente maluco. –
Natasha o encarou.
– Bem, meu voto é que esse é o nosso cara – Tony falou. – Então
faça a . . . . . . investigá-lo. Confirme as informações. Ouça as
conversas, ou vai saber o que os caras do décimo andar fazem. –
Deu de ombros. – Acho que eles ficam mesmo é de conversinha.
– Não me fale de conversa. Só o que fizemos aqui foi conversar –
Natasha rebateu, frustrada. – Precisamos de pistas de verdade para
seguir. Quero saber tudo sobre o nosso hacker e sobre a nossa
garota de vestido verde; e o que um tem a ver com o outro.
– Sintetize isso – Ava disse, encarando o Tony digital.
– Vamos descobrir – Tony respondeu. – Sempre descobrimos.
Temos que descobrir, Natasha pensou. Outra vez, a dor familiar
se apossou do lugar vazio em seu peito. Alexei se foi, e eles têm
que pagar. Todos eles…
Ela queria um ajuste de contas pelo seu irmão, uma noite para
acertar pendências. Mais do que isso, ela queria vingança – por
Alexei, por Ava e por si própria. Vingança pelo coração partido que
compartilhamos. E justiça. É o que ela queria agora.
Mas desde quando, ela se perguntou, você conseguiu uma única
coisa que tenha desejado?
, em francês, é a sigla para “Organização Europeia para
Pesquisa Nuclear”. (N.T.)
CAPÍTULO 4: AVA
PRAIA DE COPACABANA, RIO DE JANEIRO
COBERTURA DOS STARK, HOTEL COPACABANA
PALACE

Este lugar é uma prisão de segurança máxima de luxo máximo, Ava


pensou ao ir para fora, passando pelas janelas de acrílico da sala de
estar à prova de som rumo à sombra úmida e quente do terraço
naquela tarde em Copacabana. Tony e Natasha ainda estavam on-
line, à procura de uma maneira de rastrear o hacker. Mas, quando
ficaram estagnados em uma discussão sobre a superioridade dos
worms Doomjuice em comparação com os vírus - , Ava teve de
pedir licença e se retirar.
Ela desdobrou uma toalha com monograma – , de Anthony
Edward Stark, ainda que Natasha gostasse de fingir que deveria ser
, de bundão, como se a piada nunca ficasse velha – e se
acomodou numa espreguiçadeira de lona, cuja vista dava para a
praia lá embaixo. Ava pegou sua e iniciou sua playlist (aquela
que sua melhor e única amiga, Oksana, criara para ela) e tentou
silenciar seu cérebro.
Não tinha do que reclamar sobre as atuais instalações. À exceção
dos sofás duros como pedra e da mobília retrô de Howard Stark, a
cobertura era incrível. E, tirando os monstruosos monitores de
plasma instalados em cada cômodo, Tony deixara intactas as
características já impressionantes do refúgio de seu pai, no sexto
andar do Copacabana Palace. A suíte com dois dormitórios tinha a
própria piscina no último andar, uma sauna, mordomo e, o mais
conveniente, um heliponto, onde o helicóptero Sikorsky registrado (e
altamente armado) da . . . . . . jazia estacionado à espera de ser
usado. Howard, além de grande fã das praias cariocas de tirar o
fôlego, evidentemente tinha bom gosto. Aquilo estava bem distante
do porão de Clube de Jovens Fort Greene, Ava pensou.
Não que estivesse aproveitando plenamente a estada, ainda que
não pudesse determinar o motivo com precisão, além do seu humor
de modo geral desde a morte de Alexei.
Pare. Agora não. Não siga por aí.
Ao colocar os fones intra-auriculares, Ava baixou o olhar para o
constrangedor conjunto floral de cores vivas de shorts de nadar
combinando com a regata. Olhe só para você. Que agente
operacional intimidante você é. Ela enfrentara um pouco mais de
dificuldade do que Natasha ao saírem de Nova York. Natasha já
conhecia o bafo de calor e umidade infernais do Rio; exceto os
equipamentos fornecidos pela . . . . . ., ela insistira que não
deveriam levar bagagem e comprar as roupas nas lojinhas baratas e
barraquinhas no Bazar do Saara no centro da cidade – até mesmo
os calçados, ainda que raramente ficasse sem os coturnos de
motociclista. Natasha lidava bem com isso, e sempre estava com
cara de descolada. Ava, com sua camisetinha neon, shorts de
surfista de caimento esquisito com velcro e sandalinhas fuleiras de
couro prestes a desmontar se tentasse lutar e rolar, não ficava.
– Isto é trabalho de campo. Você está se misturando aos outros.
Lide com isso – Natasha replicara aos protestos de Ava. – Contanto
que tenha bolsos o suficiente para guardar seus equipamentos e
uma blusa folgada o bastante para esconder suas facas, para que
se importar com o que está vestindo?
Mas não eram só os shorts. Ava abaixou a HQ e encarou o
gracioso céu brasileiro, permeado por faixas azuis e brancas.
Depois dos eventos de hoje, ela já não conseguia mais fingir. A
verdade era óbvia.
Nós duas queremos a mesma coisa, mas não sou capaz de
ajudá-la. Só estou a atrasando – quando não estou tacando fogo
nela.
A realidade era que Natasha se tornara um alvo e fora atacada
hoje. Havia sido cobaia de alguma operação de inteligência
estrangeira, enquanto Ava estava distraída com o quê? Tirar fotos
do crepúsculo? De um macaco? E, quando fugiram do local, qual
tinha sido sua única grande contribuição? Botar fogo na Harley?
Ajudar Natasha a abrir o fecho da sua bijuteria de espiã? Ava nem
mesmo observara com atenção a garota de verde. Nem sequer
percebera o hackeamento até ele ter terminado.
O que o agente Coulson ou Maria Hill teriam dito a respeito?
Onde estava o seu treinamento da Academia hoje, quando precisou
dele? O seu cérebro de . . . . . . parou de funcionar?
Ava especulava. Teria percebido um envenenamento planejado
com polônio-210, como no caso do espião russo Litvinenko, abatido
em Londres? Ou um guarda-chuva que disparava dioxina, como
aquele que atingiu o político Yushchenko, na Ucrânia? Ou uma arma
disfarçada de batom, com uma única bala, ou uma caneta
envenenada, como nos estudos de caso sobre a , que lera no
seminário de contrainteligência da Guerra Fria? E que tal um ataque
com drone de precisão em todo o Cristo Redentor? Será que ela
teria ouvido? Teria antecipado o acontecimento?
Não sei por que Natasha ainda não me mandou de volta para a
Academia. Provavelmente é o que ela quer.
Por um segundo, Ava refletiu acerca da possibilidade de tirar
vantagem do elo quântico entre ambas e descobrir exatamente o
que Natasha pensava sobre ela…
– Você sabe que é mais complicado do que isso – disse uma voz.
Ava encarou a espreguiçadeira vazia ao lado. Alexei Romanoff –
ou melhor, o fantasma, a lembrança, a alma de Alexei Romanoff, ela
já não sabia mais como chamá-lo – estava sentado na beirada da
almofada, usando uma das mãos para proteger os olhos do sol.
Continuava lindo de tirar o fôlego, e agora parecia bronzeado, em
forma e satisfeito consigo – ou, pelo menos, satisfeito por ter
conseguido simplesmente aparecer no telhado daquele jeito. Alexei
ainda adorava piadas.
– É mesmo? – Ava revirou os olhos, mas, enquanto ele lhe sorria,
a tristeza costumeira se desenrolou dentro dela. Acostumara-se às
visitas de Alexei, embora, quando começaram, na noite após o
enterro dele, quando ele se deitou enroscado ao seu lado,
sussurrando-lhe palavras tranquilizadoras no ouvido até o
amanhecer, tivesse cogitado estar enlouquecendo. Estou aqui.
Ainda estou aqui. Você não está sozinha, Mysh. Nunca estará.
Estou aqui…
Agora havia aceitado que era apenas superficialmente,
secretamente insana. Ele dava as caras com mais frequência à
noite, nos instantes logo antes de Ava adormecer. Também tinha o
hábito de aparecer quando ela estava superestressada, ou muito
triste. Assustada. Cansada por não ter dormido.
Ou aterrissando em piscinas com motos em chamas, ela pensou.
Aparentemente.
– Sou uma desvantagem. Admita – Ava disse para o que sabia,
bem no fundo, ser apenas um espaço vazio em uma cadeira vazia.
Ainda assim, era melhor do que um coração vazio, que era o que
ela tinha até Alexei ter ressurgido.
– Só faz um ano – Alexei disse. – Você tem que se lembrar de
que, quando deixei minha irmã em Istambul, eu a deixei com mais
do que apenas um coração razrushennoy. – Um coração
estilhaçado, sim. Pior do que partido.
– Exato – Ava respondeu. – Você a deixou comigo, e agora ela
está presa a uma irmã caçula que nunca desejou ter. Eu a deixo
maluca, porque sou uma novata idiota que nem recebeu o
treinamento completo, e mal sei o que estou fazendo. Mal consigo
controlar meus próprios poderes. Então, sim, eu sou uma
desvantagem.
– Ela não está presa a você. E você não é uma novata idiota.
Você é a Viúva Escarlate, lembra? Ela só está cuidando de você,
como pedi que fizesse.
Os olhos de Ava tremularam na direção dele. Não quero falar
sobre esse assunto. Não com você. Queria se lançar sobre ele –
esconder-se nos braços compactamente musculosos e beijar seu
rosto bronzeado –, mas aprendera por experiência que fazê-lo só
aumentava sua solidão. Quando tento tocar no seu calor, só sinto o
ar…
Então, em vez disso, Ava tentou manter os olhos fixos no céu.
– Será que um dia você vai voltar pra mim, moya lyubov? – Meu
amor. As palavras mais carinhosas entre eles sempre pareciam se
ater ao russo, como se ainda precisassem falar em código, mesmo
agora.
No mesmo instante, Alexei foi para perto dela, sentando-se bem
ao seu lado. Ava sentia o cheiro dele, um misto de doçura e suor,
quando ele segurou seu rosto a poucos centímetros do dele.
– Me diga você, lisichka. Cheguei a ficar afastado algum dia,
raposinha? – Ele sorriu.
Ava ficou intrigada com a claridade do olhar de Alexei; embora
mais claro, até o céu tinha mais nuvens. Quando se voltou para ele,
foi difícil não desviar o olhar, e ela se viu dedilhando distraidamente
a barra da toalha.
– Pervaya lyubov. Você foi meu primeiro amor. Meu primeiro
coração partido.
– Da, pervaya lyubov – Alexei concordou. – Você ainda é.
– Talvez isso baste. Ter amado, mesmo que uma vez. – Avaliou,
com cuidado dessa vez, o rosto dele, que pareceu se suavizar
quando ela falou: – Nunca terei isso com outra pessoa.
Ele sorriu com tristeza.
– Isso não é verdade. Você tem Natasha e todos na Academia.
Pelo menos três dos seus colegas de turma perguntam sobre você
todos os dias. E, claro, Dante e Sana. – Dante fora o melhor amigo
dele, assim como Sana fora a dela. – Eles te amam demais, e
conhecem a nós dois. – Ele estendeu a mão e resvalou seu rosto.
Conheciam, Ava corrigiu silenciosamente, e, com uma única
palavra, a raiva que ela se esforçava tanto para manter sob controle
reemergiu.
– Ava.
Ela o fitou nos olhos dessa vez.
– Eu juro, Alexei. Vou matar todo mundo que teve alguma relação
com o fato de terem tirado você de mim. A Sala Vermelha, os
militares… O país inteiro, se for preciso.
– Não. – Ele soou saudoso.
Ela franziu o cenho.
– Por que eu não faria isso?
– Ivan já era. Acabou – ele respondeu com suavidade. – Eu
também já fui.
– Se acabou, então por que está aqui, moy prizrak? – Meu
fantasma.
Alexei se sentou sobre os calcanhares.
– Ava Anatalya. Vesti sebya. – Comporte-se.
Ela levou as mãos aos olhos, afastando a claridade do sol.
– Você sabe que isso não acabou pra sua irmã. Nem pra mim. –
Vingança e ódio, Alexei, essa é a natureza do nosso elo de Viúvas.
Aceitei isso, por que você não aceita?
A cabeça dela doía com o peso de tudo isso.
Alexei meneou a cabeça.
– Nyet. Mas isso não é verdade. Você sabe que não é só a dor da
perda que a une à minha irmã, Mysh. – Não, Ratinha. – E muito
menos sou eu quem une vocês.
Ava rolou para o outro lado. Não queria pensar sobre o
emaranhamento quântico, embora isso não estivesse muito distante
da sua mente. As duas Viúvas estavam interligadas no mundo “fora
do tempo” de Ivan Somodorov, e isso desde o dia em que suas
psiques foram conectadas pela primeira vez. As mentes conscientes
e inconscientes de Ava e de Natasha ainda estavam conectadas de
maneiras que as duas só conseguiam compreender parcialmente. E
isso graças ao que Tony gostava de chamar de “ciência maluca da
mãe de Ava”, a dra. Orlova – sem falar nas maquinações doentias
do próprio Ivan.
Maneiras quânticas.
Às vezes, uma conseguia sentir o que a outra sentia ou sonhar o
que a outra sonhava. Outras vezes, elas simplesmente se
lembravam. As duas Viúvas haviam tentado romper as psiques
ligadas uma vez, mas desde sua chegada à América do Sul, meses
antes, a ligação entre ambas só se fortaleceu – fato que nenhuma
delas havia abordado abertamente com a outra, por enquanto.
Fosse pela proximidade ou por outro motivo, Ava sabia, por
exemplo, que Natasha ainda revivia a noite da morte de Alexei em
seus pesadelos – vendo, repetidamente, o rosto pálido dele
emoldurado por uma poça escarlate que se espalhava…
– Mas você também, Ava Anatalya – Alexei a interrompeu.
– Claro que sim – Ava disse, olhando para ele. – E provavelmente
sempre lembrarei. Você se foi. Ivan Somodorov e seu exército de
assassinos tiraram você de mim. A minha vida também terminou
nesse dia.
– Não quero isso – ele disse com tristeza. – Não para você.
– Não consigo evitar. Não tenho escolha. Não consigo controlar
os meus pesadelos, e não consigo impedir os da sua irmã. Pelo
menos, as lembranças só vêm durante o dia. – Ela não queria
admitir o custo (trauma, exaustão, tristeza inexorável) exigido pelo
desfile lúgubre de imagens, nem mesmo para si. Imaginava que não
devia ser melhor para Natasha. Sabia que não era, na verdade, pelo
que vira na psique de sua mentora.
O preço da Viúva.
Na maioria das vezes, elas sonhavam com a morte de Alexei. Às
vezes era a de Ivan, ou, para Natasha, a explosão da bomba que
acabou com o lar da família Romanoff. Outras vezes, elas viam os
rostos das garotas que morreram na Sala Vermelha, em decorrência
das surras violentas, da hipotermia ou da inanição – ou pelo papel
desempenhado como porquinhos-da-índia para o complexo
militar/científico/industrial fornecido por Ivan e seus laboratórios.
Por que tanta escuridão? Por que somente os pesadelos
perduram? Por que não conseguimos esquecê-los?
Ela olhou para cima, para o céu azul-royal agora limpo.
– Porque você acha que eles a tornam poderosa, mas eles não
fazem isso. Só fazem você sofrer, e você já sofreu o bastante –
Alexei disse com relutância. – Você não tem que lembrar. Eu
gostaria que não lembrasse.
– Como eu poderia esquecer? Como eu iria querer isso? – Ava
evitou fitá-lo. Em vez disso, ficou observando os dedos dos próprios
pés. Qualquer coisa para fugir dos olhos dele.
Onde está o treinamento da . . . . . . para esquecermos os
olhos dos mortos?
Deixando os treinos de lado, Ava sabia que a . . . . . . ainda
era um problema, como sempre. Uma psique compartilhada era
inconveniente e, por vezes, constrangedora, mas na vida
ultrassecreta, compartimentada e confidencial de um espião, ainda
mais com o envolvimento da Iniciativa Vingadores e da segurança
mundial, também envolvia uma situação potencialmente letal.
– Nada disso é culpa sua – Alexei disse, reaparecendo naquele
lado da espreguiçadeira e assustando-a. – Você não precisa ficar
tão preocupada.
– Como sabe do que preciso? – Ava perguntou. Mas estava
preocupada; na verdade, quanto mais tempo ficavam em campo,
quanto mais iminente era a possibilidade indistinta de voltarem para
casa, mais ansiosa Ava se sentia acerca disso.
– Como eu não saberia? Sei tudo sobre você, Ava Anatalya. – Ele
sorriu.
Ela pensou a respeito. Qual era o problema em voltar a Nova
York? Não queria desapontar Alexei ao permitir que a Sala
Vermelha continuasse operando – e sabia que Natasha se sentia do
mesmo modo. Mas Ava também não queria voltar para a Academia
se a possibilidade envolvesse reassumir uma vida fingindo não estar
mil vezes mais quebrada do que os demais ao seu redor. Além
disso, não queria pensar sobre o que Tony Stark – que tomara para
si a tarefa de monitorar alterações do emaranhado quântico delas –
teria a dizer sobre a conexão quântica agora.
Nada de bom.
Ela olhou através do acrílico transparente das portas para deparar
com o rosto de Tony na tela, enquanto Natasha, de braços
cruzados, ficava diante dele. Provavelmente estão batendo a
cabeça na parede…
– Sim, Tony provavelmente vai ligar as duas a um monitor no
instante que vocês aterrissarem no Triskelion do East River – Alexei
concordou. A base Triskelion, que se estendia por uma grande
porção bem profunda sob o rio East, de Nova York, também era o lar
da Academia da . . . . . ., onde Ava passara parte do ano anterior
treinando. – Não o deixe destruir o lugar com um incêndio. Sabe que
ele é capaz de fazer isso.
– Como se alguém pudesse impedir – Ava replicou. Tony, de fato,
incendiara seu laboratório da última vez em que estiveram juntos.
Alexei voltou a sorrir.
– De qualquer maneira, ele pode tentar o que quiser. Não vai
adiantar. Nada adianta. – Ava sentia vontade de se render. – Mesmo
que ele não desista.
– Não diga isso.
– A sua irmã e eu provavelmente estaremos conectadas para
sempre; e sempre serei um desastre. – Porque sou a novata. Sou
aquela que ateia fogo e centelha como um fio de eletricidade caído.
Era verdade.
– Pare – Alexei disse. – Você está fazendo o melhor que
consegue. Como poderia fazer melhor? Você é a número um da sua
sala. Está treinando em campo. Está numa missão.
– Isto aqui não é Academia, Alexei, e não sei o que estou
fazendo. – Na verdade, a própria Academia precisou de tempo para
se acostumar; o peito de Ava ainda pulsava com aparente fluidez de
uma descarga elétrica, como sempre desde Istambul. A corrente de
iluminação azul que percorria seu corpo trazia consigo uma
descarga passível de explicação e poderes recém-descobertos cuja
investigação ela acabara de começar. Quando Ava a tinha sob
controle – quando não era alvo de um ataque, estava hiperemotiva
ou de outro modo quimicamente surtada –, aparentava ser uma
garota normal, se você não prestasse muita atenção.
Ou assim ela esperava.
Era só quando você via fagulhas de eletricidade reluzindo em
seus olhos – ou as mínimas ondas faiscantes de luz azul-marinho se
chocando contra sua pele – ou, beleza, quando o cenário ao seu
redor subitamente pegava fogo – que você percebia o que ela era.
Ou o que não era…
– Normal – ela falou em voz alta. – Nunca serei normal. Nem
mesmo para uma Viúva.
– Comparada a quê? E quem se importa? – Alexei deu de
ombros. – Não conheço nenhuma pessoa normal. Nem mesmo
uma.
– Mas você está morto. No seu caso, parece lógico.
– No meu caso, sou um fantasma falante. Essa é a sua noção de
lógica? – Alexei sorriu.
Ava suspirou.
– Bem, e no meu caso? Eu só sou esquisita. – Não houve
resposta. Ela virou de lado. Até mesmo meu inconsciente sabe que
é verdade.
Quando olhou de novo, Alexei havia desaparecido na luz do sol.
CAPÍTULO 5: NATASHA
PRAIA DE COPACABANA, RIO DE JANEIRO
COBERTURA DOS STARK, HOTEL COPACABANA
PALACE

Natasha tinha de admitir uma coisa sobre Maks Mohawk. Mesmo


que ele fosse o provável hacker, não era um cara fácil de se
localizar. De acordo com a última pesquisa por uma imagem dele, o
rapaz desaparecera por completo do mundo on-line cerca de doze
meses antes.
Não havia fotos dele com modelos em boates nem posando ao
volante de carros de corrida de meio milhão de dólares, tampouco
exibindo ostensivamente pratos de sushi organizados por cor em
seu jato particular. Não desde o ano anterior e em lugar algum –
fosse em bancos de imagens ou na internet.
Papai Vlad também não revelava muita coisa. De acordo com o
Credit Suisse, os consultores da sua fortuna – para quem Natasha
telefonara depois que Ava viu seus nomes num documentário do
Percentual Divertido de Moscou –, o sr. e a sra. Vladimir Milosovich
estavam em um “retiro de saúde corporativa” prolongado num riad
particular no elegante La Mamounia, em Marraquexe, já há alguns
meses. O fato de Marraquexe ter um profícuo acordo de não
extradição com os Estados Unidos provavelmente também não foi
coincidência alguma. E, aparentemente, Papai Vlad era fã da sopa
de pombo.
Natasha estremeceu.
O que faz um oligarca se refugiar no deserto? Ou incentivar no
filho fracote a coragem de desaparecer? Ela não fazia a mínima
ideia.
Depois de uma busca digital de dados por quinze horas, as
Viúvas resolveram se reagrupar. No momento estavam sentadas à
mesa da cozinha, uma diante da outra, comendo o cereal matinal
oferecido no serviço de quarto em tigelas delicadas de porcelana
chinesa, com jarros de prata com leite integral.
– Cereal? Agora você é uma pessoa que come cereal? – Ava
perguntara e Natasha a encarara.
– É o café da manhã dos campeões. Você tem algum problema
com isso?
– Portanto, algo deve ter acontecido – Ava disse. – Algo
importante.
A voz de Tony estalou pelo alto-falante sobre a mesa ao lado dela.
– E nosso menino rico russo do Instagramsky desapareceu.
– Talvez Maks tenha mexido com a Russkaya Mafiya? – Ava
opinou.
– Talvez. A Bratva tem boa memória – Natasha comentou.
– Ou a , a ? Um interrogatoriozinho num porão em
Yasanevo? – Ava estremeceu. O desprestigiado antigo quartel--
general da era um lugar que ninguém queria visitar. – Foi o que
fizeram com minha mãe. Isso me faria fugir.
E fez, Natasha pensou. E tem fugido desde então. Sei, porque
conheço a sensação. E aquele porão…
– Esse tipo de grande problema é, sabe, bem grande. – Tony
raciocinava. – Tão grande que o garoto não soube lidar com ele.
Tão grande que ele apagou a si mesmo.
– Seja lá o que for, e, infelizmente para nós, fez com que ele
percebesse que precisava ser menos burro – Natasha disse. – Não
burro o bastante para usar um Amex ou manter um cartão no
seu celular. Nada que poderia nos ajudar a obter informações do
seu ou de qualquer outra assinatura digital. – Mexeu no cereal
na sua tigela.
Ava olhou para ela.
– Então, como vamos encontrá-lo?
– Não pergunte pra mim – Tony respondeu. – Vocês é que estão
comendo cereal. Na última vez que tomei café da manhã, foi um
uísque envelhecido por trinta anos.
– Credo – Ava disse. – Que nojo.
– Com licença, mas você está se referindo a um Single Malte das
Terras Altas de 1977 pelo qual eu teria dispensado Helena de Troia.
– Como se Helena de Troia não fosse dispensar você primeiro –
Natasha brincou.
– Em minha defesa, eu teria sido um tremendo Cavalo de Troia –
ele disse. Ninguém teria como rebater o argumento, e não o fizeram.
A conversa teve uma pausa…
– É isso. Claro! – Natasha deixou a colher bater na mesa. –
Saquei. Não vamos encontrar Maks Milosovich. Maks Milosovich é
quem vai nos encontrar.
– Como? – Ava perguntou.
– A Garota do Vestido Verde é o nosso cavalo. – Natasha se
inclinou, aproximando-se do alto-falante.
Quando o fez, o perfeitamente redondo tampo da mesa de
mármore Carrara refletiu o brilho do sol nascente que atravessava a
janela da cozinha, e ela se perguntou pela primeira vez se o curso
dos eventos começaria a se encaixar. Porque quando foi mesmo
que isso aconteceu?
– Pensei que não estávamos conseguindo encontrá-la. – Ava
olhou para Natasha.
– Estamos tentando, e vamos acabar encontrando. Mas não
precisamos localizá-la para usar o servidor dela e enviar uma
mensagem ao nosso hacker. Basta nos escondermos na assinatura
digital dela – Natasha sugeriu. – Certo?
– Hum – Tony refletiu.
– Hum? – Ava perguntou.
O cérebro de Natasha estava a mil.
– Quero dizer, é uma tentativa ambiciosa, mas funcionou para os
espartanos, não?
– Espere um instante. Os espartanos tinham assinaturas digitais?
E a Garota do Vestido Verde seria a mensageira? – Ava pareceu
confusa. – Como é que ela vai concordar com isso?
– Se acontecer como espero que aconteça, ela nem vai ficar
sabendo. – Natasha tamborilou na mesa. A adrenalina estava
surtindo efeito. – Não vamos pedir a ela, seremos ela. Pelo menos,
até onde nosso amigo hacker sabe.
– Claro. É tão óbvio, agora que você expõe dessa maneira. –
Tony não tinha problema algum em acompanhar o departamento de
cálculos operacionais de Natasha, mas, até aí, ele gostava de
passar o tempo com o Grande Colisor de Hádrons. Ela sorriu.
– Óbvio como? – Ava questionou.
– Obviamente, se interceptarmos o sinal do rastreador que N-Ro
implantou na Garota do Vestido Verde, ele deveria captar o sinal
dela mesmo se não conseguirmos localizá-lo. É a nossa porta dos
fundos seja qual for o mecanismo de criptografia da comunicação
dela com o hacker; isto é, caso estejam se comunicando – Tony
disse. – Sensacional.
Natasha ainda estava articulando o plano à medida que falava, o
que significava que o tamborilar na mesa prosseguia.
– Existe uma possibilidade de ela não perceber se entrarmos e
sairmos rápido o bastante. Vamos de garupa na rede dela,
enviamos uma mensagem ao hacker através dessa rede, depois
rastreamos a localização dele quando houver resposta.
– Se eles estiverem em contato, o hacker a receberá. Você é uma
espécie de gênia do mal – Tony disse com aprovação.
– Se não der certo, não deu – Natasha falou. – Mas vale a pena
tentar. Se a Vestido Verde não for a pessoa que contratou
diretamente Maks Milosovich…
– Você quer dizer, se ela for uma intermediária – Ava a
interrompeu.
De novo com o jargão.
– Isso. – Natasha sorriu. – Mesmo assim, ainda existe a
possibilidade de ela se reportar à pessoa que firmou o acordo.
– Ainda mais se for Krasnaya Komnata – Ava disse. – Mas não
temos como ter certeza. Além disso, ela também pode
simplesmente estar atrás de nós; ela pode ter encontrado o
rastreador e jogado fora. Pelo que sabemos, ela pode estar nos
manipulando em direção a uma armadilha.
– De qualquer jeito, vale a pena tentar – Tony se pronunciou. –
Visto que, como vocês bem sabem, não temos alternativa. Os
brasileiros não estão exatamente ansiosos em dividir as imagens
captadas por suas câmeras de segurança na rua, apesar do meu
excelente relacionamento com a força policial local.
Ava olhou para Natasha.
– Ele tem razão. Não temos mais nada.
Natasha empurrou a cadeira para trás e se levantou.
– Então está combinado. Vamos hackear o hacker.

***

Horas mais tarde, a tela de projeção da cobertura estava


estampada com linhas de código ilegível, todas culminando em uma
única caixa de texto vazia:

INDESCON:

Agora só faltava compor uma mensagem falsa para o hacker


desconhecido de uma garota que também não conheciam.
Tony trabalhava remotamente de Genebra por meio da tela.
Natasha estava sentada na mesa branca e esquisita na lateral do
cômodo, aquela cuja base tinha o formato de um vaso. Ava se
sentara no sofá retangular de couro duro.
– A mensagem precisa ser simples, quase genérica. Não
queremos duplicar uma mensagem antiga – Natasha disse,
encarando a tela.
– E não queremos nos expor errando algum detalhe óbvio – Tony
concordou, a voz se projetando sobre o texto visível.
– Como se estivéssemos dando um golpe. – Natasha concordou
com a cabeça. – Quando a gente se passa por outra pessoa na
internet, menos é mais.
Tony ponderou sobre o assunto.
– Então, que tipo de coisa nosso hacker não consegue averiguar?
– Algo de que ele tenha medo? – Natasha arriscou.
– Uma notícia bombástica? – Ava indagou.
– Nada que seja grande demais. Nada que provoque uma reação
digna de nota – Tony explicou.
Ava pensou a respeito.
– Uma piada? Um meme? Um emoji?
Natasha bufou.
– Sério?
– Vamos lá, N-Ro, está me dizendo que não pode dar três
trofeuzinhos e um gato com olhos de coração pra essa ideia? – Tony
mandou um joinha para ela pelo monitor.
– E você acha mesmo que vai fazer o nosso hacker aparecer e
talvez a Sala Vermelha também ao lhes mandar um emoji de
homem e um de ferro? – Natasha retrucou, irritada.
– E um grande punho verde? – Tony retrucou. – Bem que eu
queria.
– O emoji teria que ser amarelo – Ava o corrigiu. – Ou marrom.
Não existe punho verde.
– Tente dizer isso às pessoas que o viram – Tony disse com um
sorriso maldoso.
– Esqueçam os emojis. Também não vou tuitar para o hacker. –
Natasha se sentou de novo na cadeira de tulipa branca. – Hashtag:
Típica Viúva Negra.
– Hashtag: Pantera Negra é Maneiro. – Tony sorriu.
– Hashtag: Quando Velhos Fazem Piadas com Hashtag. – Ava
suspirou.
Natasha franziu o cenho.
– Não sei bem por quê, mas acho que nada disso vai servir. –
Fitou a imensa tela. – O que mais?
– Ok, espere. Já sei. Perfeito. – Tony digitou; apenas duas letras e
uma exclamação:

INDESCON: RÁ!

– Rá? – Natasha o encarou. – Essa é a sua grande ideia?


– Não é “rá?”, porque não é uma pergunta. É mais impactante. É
uma declaração. “ !” – Tony repetiu.
– Não entendi. – Ava parecia intrigada.
– Confiem em mim. Eu uso ! o tempo todo. – Tony parecia
confiante.
– Por quê? – Natasha perguntou. – Pra quê?
– Quando a Pepper quer uma resposta minha e não tenho tempo
de ler um memorando chato de noventa páginas sobre sabe-se lá o
que a equipe júnior de analistas pensa que é a nova crise
insignificante das Indústrias Stark? Eu respondo com “ !” – Tony
piscou para Ava. – Questão de foco, lembra?
– E isso dá certo? – Ava pareceu interessada.
– Claro. Alguém quer que eu tire recursos do laboratório de ideias
do meu departamento de ? ! Que eu compre uma ilha? !
Que o Homem de Ferro derrube um governo estrangeiro? ! É
perfeito.
– É mesmo? – Ava perguntou.
– Ninguém nunca sabe o que isso quer dizer. Mas eles acham
que você acha que eles sabem e não querem admitir não saber,
pois isso acaba me fazendo ganhar uma semana, no mínimo. –
Tony deu um amplo sorriso. – Aposto como eles não ensinam isso
na Faculdade de Administração de Stanford.
Ava olhou para Natasha.
– É você quem decide. Ele me perdeu na parte da crise
insignificante.
– Rá! – Tony respondeu. – Viu?
Ava refreou um sorriso.
– Acho que podemos tentar. Afinal, não importa qual será a
resposta de Maks, mas sim o local de origem da resposta – Natasha
disse por fim. – Não parece que temos muito a perder.
– Isso é um sim? – Ava perguntou.
Natasha encarou o letreiro piscante.

ENVIAR MENSAGEM: S/N

– Tudo bem. Vá em frente – Natasha respondeu.


– Tem certeza? – Ava perguntou.
– Não – Natasha respondeu, virando-se para a frente. – Mas faça
assim mesmo.
Ouviram as rodinhas da cadeira de Tony rangerem e, quando o
cursor na tela piscou no S, a caixa de texto desapareceu.
A tela ficou preta.
De repente, pareceu um pouco anticlimático.
– Acho que agora só temos que esperar – Natasha disse.
Ava manteve os olhos na tela.
– Só estou tentando me lembrar de como esse papo de Cavalo de
Troia terminou para Troia.
– Na época, tenho quase certeza de que tudo dependia de qual
deus estava do seu lado. – A voz de Tony ecoou, vinda da tela. –
Portanto, você está com sorte. Os troianos tinham Netuno. E vocês,
meninas, têm a mim na retaguarda.
– Que sorte a nossa – Natasha comentou. Daí a tela se acendeu
inesperadamente de novo…
KOS _16: RÁ?

Natasha congelou. Ava deu um pulo e se aproximou da tela.


– Tony? – Natasha o chamou, erguendo a voz. – Está vendo isso?
A voz de Tony soou baixa.
– Ah, estou, sim. Ele mordeu a isca. Bem rápido.
– Quer dizer que esse é o nosso cara? – Ava perguntou.
– Parece que sim. E isso quer dizer que o nosso amigo Maks
estava sentado esperando uma mensagem dela – Natasha concluiu.
– Pode ser, ou ele vive colado em mídias sociais – Tony
comentou. – É um vício difícil de largar.
– Alguns de nós conseguem – Natasha disse.
Tony sorriu na parte de baixo do monitor da cobertura.
– De um jeito ou de outro, tá na mão. Estou rastreando o sinal de
volta para a Terra agora mesmo.
Natasha ouvia o som dos dedos de Tony voando pelo teclado, lá
do outro lado do planeta.
– Muito bem. Consegui – anunciou ele, por fim. – Estamos
olhando para a América do Sul… Brasil… Pernambuco… e a cidade
vencedora é… Recife. Uma torre de celular perto da praia, para ser
mais exato. Estou com o endereço… bem… aqui. – Tony estava
simplesmente radiante. – De nada.
Ava olhou para ele, chocada.
– Está querendo dizer que funcionou?
– Assim que terminar de parabenizar a si mesmo… – Natasha
começou.
Tony a interrompeu.
– Apagando a nossa mensagem falsa do servidor da Vestido
Verde agora. – Ele apertou uma última tecla. – E… Rá!
Natasha se levantou e começou a andar de um lado a outro.
– Não temos muito tempo. Maks provavelmente muda de lugar a
cada poucos dias. Sei que eu faria isso.
– Maks Mohawk não é agente de campo – Tony observou. – Ele é
um hacker. O que significa que sua prioridade número um é seu
rastro on-line, não sua localização na vida real. Até onde sabemos,
o cara pode frequentar o mesmo Starbucks e tomar o mesmo café
com leite todo dia.
– Mesmo assim, temos que chegar lá antes de ele descobrir o que
acabou de acontecer – Natasha disse.
– Estou mandando pra vocês o endereço – Tony disse, apertando
outra tecla.
– Não. Vamos manter isso off-line. Vou pegar uma caneta para
anotar – Natasha rebateu rapidamente.
– Por quê? – Ava pareceu espantada. – Acha que eles ainda
estão na nossa rede de dados?
Natasha deu de ombros.
– Estamos na deles, não é?
Ava estremeceu.
– Você está analisando demais isso – a voz de Tony estalou de
volta para ela. – Apenas vá lá pegar o nosso chapa Maks Mo. A
gente aperta os parafusos dele quando vocês chegarem em casa.
Então terão as suas respostas.
– Pode deixar – Natasha disse. Só esperava que chegassem lá a
tempo. E que Maks Milosovich tenha algo a nos contar.
Agora as palavras haviam desaparecido da tela, dando lugar a
três troféus e um gato com olhos de coração. E a voz de Tony:
– Acaba com eles, Esparta.
Natasha já estava na metade da sala.
– Obrigada, Helena.
Ninguém estava rindo mais.
CAPÍTULO 6: AVA
RECIFE, PERNAMBUCO, BRASIL HOTEL CONFORTO
UZI MAR RECIFE

Não há nada mais eficaz na apresentação de alguém ao doloroso


mundo da vigilância do que permanecer na surdina, ou foi isso que
Ava aprendeu. Fique escondido por tempo o suficiente e aprenderá
certos truques com bastante rapidez. Tijolos desiguais são capazes
de cortar tal qual uma faca; gesso liso pode desmoronar sobre você.
A madeira deixa lascas na pele; estuque machuca através da roupa.
Blocos de concreto lavado cinzento eram o tipo mais comum na
América do Sul, mas, naquele beco em particular, ninguém se dera
ao trabalho com a parte da lavagem.
– Sim, porque ninguém nunca vê este lugar – pronunciou-se
Alexei, que aparecera tão logo elas aterrissaram, e não parecia ter
pressa de ir embora. – Exatamente o motivo pelo qual minha irmã o
escolheu, certo?
Ava soprou os cabelos para tirá-los da frente dos olhos. Sabia que
não deveria responder quando Natasha estava tão próxima assim.
Na mesma hora, Natasha ergueu uma mão acima do ombro e
cerrou o punho. “Espere.” Ela assumira por completo o modo de
operações desde que haviam aterrissado na pista de pouso
empoeirada, situada nas cercanias da cidade.
– Estou esperando, estou esperando – Ava resmungou atrás dela.
Aguardaram quando uma motocicleta engasgada passou por elas,
depois retomaram seu caminho, sempre coladas de costas no que
agora parecia ser a garagem de um hotel malcuidado. O local da
missão atual delas.
Natasha avançou com um coturno de cada vez, mantendo os
olhos no prédio à sua frente. . O
letreiro aceso em neon estava torto na lateral da estrutura de
concreto.
– Olha só o nome – Alexei gargalhou.
– Sério? – Ava sussurrou. – Quero dizer, sei que a parte do
“conforto” só pode ser piada, mas Uzi?
– Silêncio – Natasha retrucou, olhando por cima do ombro.
Ava respondeu com um sussurro:
– O nosso cara está fugindo e acaba se hospedando num
pardieiro com o nome de uma metralhadora?
Natasha deu de ombros.
– Não foi ele quem escolheu o nome do hotel.
Ava ergueu uma sobrancelha.
– Ah, é? E o que vem depois disso, o Marriott Kalashnikov?
– Não, não, eu sei. – Alexei sorriu, cutucando-a nas costelas. –
Motel 6?
A garota tentou não olhar para ele.
– O que vem depois é que temos trabalho a fazer – Natasha
respondeu, ainda de olho nas janelas iluminadas do prédio. Um gato
vadio as observava preguiçosamente de seu poleiro, no cimo do
muro da garagem, indolente demais para se mexer por causa do
calor. Ava não o culpava; passava da meia-noite e o tempo ainda
estava insuportável. Naquela época do ano, era só depois do pôr do
sol que o dia brasileiro começava.
– Pode culpá-los? Estou com tanto calor que quero morrer, e eu
estou morto. – Alexei suspirou.
Ava o ignorou de novo.
O trânsito aumentara consideravelmente desde que haviam
começado a vigilância no beco; ela ouvia os carros lotando a
avenida que separava a faixada do hotel, um caixote de concreto,
do areal potentemente alumiado de Boa Viagem, que compunha a
porção da célebre praia, do lado oposto. De vez em quando, gritos
ecoavam da rua, seguidos de aclamações. Uma partida de futebol
de areia, ela deduziu. Muitas praias brasileiras se transformavam
em campos de futebol à noite.
Ah, Alexei. Você teria adorado isto.
– Adorei. Ainda adoro. – Alexei lhe sorriu.
Ava percebeu sua mente vagando – uma percepção que
invariavelmente era seguida por autodesprezo. Mordeu o interior da
bochecha e fixou os olhos numa sacada qualquer de seu campo de
visão. Concentre-se. Estavam ali para um trabalho ágil de
reconhecimento e para coletar informações, configurando uma
passagem rápida sem vítimas e sem ir longe. Nada fora do comum.
Mesmo Alexei sendo totalmente incomum, ela pensou.
– Não seja besta. – Alexei fez uma careta para ela. – Você não
precisa fazer isto por mim. Não precisa fazer nada por mim. Eu
prefiro você em segurança.
Você precisa ir embora. Não consigo fazer isto com você na
minha cabeça.
Cravou a unha na pele macia entre o polegar e o indicador até
que latejasse de dor.
Tenho que me concentrar. Agora…
Alexei desapareceu.
Focou a atenção na operação presente. Testemunhara o cuidado
com que Natasha a planejara, como sempre; a Viúva Negra era
mais do que um olhar firme e um tiro certeiro. As pessoas raramente
reparavam que havia muito mais nessa vida de integrante da
. . . . . . que jamais era abordada – necessidades monótonas,
principalmente em quesitos como pesquisa, matemática, Google
Maps. Cálculos de campo de visão e de mira. Provavelmente
algoritmos e relatórios de casos. Suprimentos e planos táticos.
Paredes abraçadas e espera por ordens, aguardando em becos
num clima tropical…
As coisas divertidas. Os bons tempos.
Ava relaxou as pernas rígidas de câimbras, alongando-se até ficar
ereta. Estava com calor, suava através do tecido fino do seu traje de
campo – mais leve do que o habitual traje de combate. Para Ava, o
traje era mais indicado para um safári do que para uma praia, mas,
como sempre, Natasha não deu a mínima. Agora a agente mantinha
o olhar fixo numa janela iluminada na parede, dois andares acima.
Preparada para tudo, Ava pensou. Natasha estava assim nos
últimos tempos – desde o Rio. Se sairmos de mãos vazias de novo,
ela vai surtar.
Natasha espiou por cima do ombro na sua direção, abaixando a
voz.
– Muito bem. Fique de olho no prêmio enquanto vou atrás do
nosso novo amigo.
Ava assentiu, olhando para a sacada além dela.
Retirando-a de seu cinto de utilidades, Natasha pegou uma
caixinha preta, na qual pressionou um botão, como se fosse um
controle remoto de televisão. Ergueu o olhar para o prédio à sua
frente… E, quando o fez, o letreiro iluminado do hotel se apagou. E
também as janelas do hotel, as sacadas de concreto meio tortas, até
mesmo os postes de luz dos dois lados da rua.
Tudo exceto a Lua, Ava pensou ao contemplá-la.
Estava surpresa.O botão de apagão,um dispositivo da . . . . . .,
fez jus ao nome; ele basicamente desligava o mundo ao redor.
Um avanço neste lixo de bairro.
– O que você acha? Trinta mangos a diária neste lugar? É minha
aposta. – Ava avaliava a agora fileira de sacadas apagadas. –
Vamos nessa?
– Trinta? Acha mesmo? – Natasha ergueu uma sobrancelha. –
Porque, tenho que dizer, isto aqui está mais para um beco de vinte
mangos. Vinte e cinco no máximo. – Na praia alguém deve ter
marcado outro gol porque, enquanto ela falava, a comemoração
chegou flanando na brisa até o beco.
– Trinta pela vista da praia – Ava rebateu, com a voz ainda baixa.
– Vista para o beco, eu diria vinte e cinco.
Natasha fez um movimento de corte na altura da garganta. Chega
de conversa. Ava assentiu. Havia entendido. Agora. Natasha baixou
a mão com dois dedos esticados apontando para a frente e depois
para cima. Hora de colocar o esquema tático em ação.
Ava inspirou fundo.
Natasha tirou da cintura um gancho de alpinismo, desenrolando
uma extensão da corda feita de náilon negro. Lançou-a no ar, e ela
formou um arco na direção da sacada no segundo andar,
prendendo-se no parapeito de concreto. O som produzido quando
ele se enganchou foi tão baixo que poderia ter sido o de uma
palmeira se chocando contra a telha por causa do vento.
Ava ficou impressionada. Acabara de aprender o mesmo
arremesso na Academia, logo depois de aprender a subir com uma
corda e antes da parede de escalada. Ainda devia ter os calos como
prova.
Natasha apertou a corda, prendendo a extremidade inferior num
cano de esgoto que saía do asfalto e do cascalho sob os pés delas.
O alvo estava ao alcance, diretamente acima delas. A agente
apontou novamente com dois dedos para o alto, na direção da
sacada agora às escuras, e Ava concordou com a cabeça.
Lá vamos nós, ela pensou, segurando a corda.
Diante de si, Natasha já havia galgado a lateral da construção
decadente e imersa nas sombras antes de Ava ao menos ter
conseguido segurar a corda direito.
Não era tão fácil quanto parecia. Ava agarrou-se com força,
firmou os pés abaixo e foi se içando lentamente, metro após cada
sofrido e doloroso metro.
Ainda não aprendi isto aqui…
No momento em que passou pela varanda do primeiro andar, os
braços queimavam. No segundo, sentia como se eles fossem se
soltar das juntas.
Quando a subida de Ava cessou por um momento, logo abaixo do
piso de concreto em que Natasha estava, a agente veterana esticou
uma das mãos para baixo e a puxou por sobre o parapeito da
varanda. Ava rolou em silêncio sobre o piso ladrilhado, arfando em
busca de ar.
Pelo menos essa parte consegui fazer.
Natasha levou um dedo aos lábios, e Ava assentiu. Ela ergueu a
Glock, e Ava ficou em pé, movendo as mãos para segurar os cabos
das duas adagas. Posição de prontidão.
Natasha foi tão rápida que mesmo um agente treinado teria tido
dificuldades para vê-la puxando o gatilho de fato.
Dois tiros rápidos…
.
O vidro se estilhaçou como fogos de artifício diante delas.

***

O alvo era alguém muito ligado em dispositivos de espionagem,


muito mesmo, ainda mais para um civil. Metade do quarto do hotel
estava tomada pelo equipamento de comunicação secreta do cara –
sem falar na quantidade de apetrechos de vigilância, maior do que
qualquer pessoa conseguiria usar sozinha. Alguns itens
estampavam a bandeira dos Estados Unidos; outras, escritos em
kanji. Havia caixas metálicas amassadas com inscrições gastas de
uma foice e martelo vermelhos. Tudo oriundo do circuito conhecido
dos mercados clandestinos, Ava suspeitou.
Considerando-se a Rússia, a China e os Estados Unidos, nós
fornecemos armamento pesado para todo o mercado mundial.
Aprendera isso na disciplina “Acessos e Eixos Criminais I”.
Quando Ava percebeu que Natasha mirava a Glock na direção
oposta do quarto, apressou-se em erguer as adagas.
– Mas que… – Maks Milosovich, também conhecido como Maks
Mohawk, . . . HoraZero e Amante dos Miados de Moscou,
acovardou-se no canto do banheiro, o mais longe possível da
sacada. Quando por fim ousou espiar, acabou se enfiando sob a
bancada da pia. Não havia mesmo onde se esconder.
Do outro lado do quarto, ainda parcialmente escondida nas
sombras, Natasha pegou uma caixa metálica preta com a mão livre.
– Stingray. Classificação militar. É uma bela caixa. Você é bem
curioso para um moleque riquinho, não é?
– Se eu fosse rico, acha mesmo que estaria neste buraco? Seja lá
quem você acha que eu sou, está errada – ele disparou em inglês,
cobrindo a cabeça com as mãos. Agora de barba desgrenhada e
cabeça coberta de cabelos, deixando para trás a fase do moicano, e
tingidos de preto, o hacker vestia uma camiseta preta amassada e
jeans escuros, e não mais se parecia com o playboy da edição
russa da revista Hello!.
– Poupe-me. – Natasha jogou a Stingray no chão. – Esse seu
sotaque é de Moscou, e o seu relógio é um Hublot de cinco milhões.
Consigo ver daqui. Só de olhar pra você, sinto como se tivesse
batido uma Ferrari na sala VIP do Garage.
Quase na mesma hora, o hacker começou a se recompor.
– Ninguém mais vai ao Garage. – Deu de ombros. – E o relógio
poderia ser falsificado.
– Mas não é – Natasha retrucou, pegando uma embalagenzinha
de xampu com tampa preta, que estava ao lado da cama. – Porque
essa porcaria é um Russian Amber Imperial, e custou no mínimo
uns cem dólares. Provavelmente mais. É bem elegante para este
pulgueiro de quinta categoria.
– Eu poderia ter encontrado isso. Poderia ter roubado também –
alegou o hacker.
– Poderia, mas não foi o caso. Eu vi você usando esse relógio no
Krysha Mira, no verão passado, quando saiu correndo sem pagar a
sua conta do bar – Natasha disse, virando a cabeça. – Você estava
com Vin Diesel, se bem me lembro.
– Você estava numa boate russa no verão passado? – Ava
perguntou. Os olhos de Natasha se desviaram para ela, um aviso de
“cale a boca”.
– Eles deixaram você entrar no Krysha Mira? – o hacker
perguntou.
– Você conhece Vin Diesel? – Ava perguntou ao hacker.
Natasha encarou ambos.
– Ah, sim… E agora estou com vontade de atirar em vocês dois,
então… – Ergueu a Glock e atirou no espelho do banheiro, afixado
no lado oposto do quarto. O hacker cobriu a cabeça de novo quando
estilhaços do espelho se espalharam pelo ar.
Ele praguejou.
– Esperem aí. Podemos voltar para o lance do relógio? Você
disse cinco milhões? – Ava estava incrédula. – De dólares?
– Eu não disse rublos – Natasha respondeu.
– Mas por um relógio?
– Fabricam esse negócio só com diamantes, até mesmo as partes
móveis. É como uma bandeira especial para caras babacas
acenarem para outros babacas. Tipo uma Lamborghini – explicou
Natasha.
– Mas não dá nem para dirigir isso – Ava replicou, embasbacada.
– Americanos. – O hacker revirou os olhos. – Esse tipo de perícia
é uma arte.
– Ah, é? É isso o que acha que você é, Maks? Um artista? –
Natasha começou a se mover para a frente, saindo das sombras a
passos largos rumo ao hacker. Ava fez uma careta; sabia o que viria
a seguir.
– Chto ty ot menya khochesh’? – O que quer de mim?
A resposta veio voando num gancho de direita.
CAPÍTULO 7: NATASHA
RECIFE, PERNAMBUCO, BRASIL QUARTO 217, HOTEL
CONFORTO UZI MAR RECIFE

– Kat ty menya nashel? – Como me encontrou?


O hacker esfregou o maxilar enquanto falava, deitado de costas
sobre os fragmentos de gesso e de espelho. Natasha notou que ele
passara a falar somente russo, interpretando a atitude como um
sinal de que desistira de fingir que não era Maks Milosovich.
– Encontrar você? Rá! – ela respondeu, endireitando-se. Um
facho pálido de luz perpassou o rosto dela. Apenas o bastante para
que o hacker jogado ao chão conseguisse enxergá-la.
– Você? – Tentou se afastar dela, chegando a rolar e ficar de
quatro a fim de se arrastar para fora do banheiro.
Natasha sabia que ele a reconhecera. Por isso a expressão no
rosto e xingamentos.
– Vot der’mo. Lisus Khristos – ele retrucou. – Romanova.
Ela deu de ombros.
Ava parou diante dele na entrada do banheiro. Depois de uma
onda de adaga eletrizada, o hacker caiu novamente no chão,
acovardando-se, com as mãos sobre a cabeça. Ava tentou não
parecer orgulhosa demais, mas Natasha sabia que ela estava.
– Muito bem, valentão. Vamos bater um papo – disse Natasha.
Depois disso, Maks não perdeu tempo. Apontou com a cabeça na
direção do quarto.
– Meu dinheiro está ali, envolto em fita isolante. Dentro de uma
almofada da poltrona, euros e dólares, vocês vão ver. Me digam,
qualquer que seja o contrato de vocês, eu triplico. Ya bogatyy
chelovek. – Sou um homem rico.
Natasha se inclinou sobre ele, seus cachos ruivos deslizando pelo
traje de combate.
– Confie em mim, neudachnik. – Fracassado. – Você não pode
bancar o custo disto. – Mostre que não está para brincadeira. Ela
ergueu uma bota e a enfiou na lateral da caixa torácica de Maks.
– Oy! Bozhe moi? Ficou louca? – Meu Deus. O hacker parecia
surpreso, até mesmo ultrajado.
– Sim. Agora, tire as roupas. – Natasha gesticulou com a Glock. –
Idi k chertu. – Ele meneou a cabeça. Vá ao diabo.
– Me deixe contar uma coisa sobre gente louca, Maks – Natasha
rebateu, pegando um silenciador do cinto de utilidades. Fez uma
bela demonstração ao atarraxá-lo no cano da pistola. – Nós não
gostamos de microfones escondidos, transmissores de bolso,
escutas… e de sermos chamadas de loucas. Portanto, tire a camisa.
Maks se recolheu.
– Isto é um erro. Um grande erro, estou dizendo. – Fitou Ava,
atrás de Natasha nesse momento.
– Ah, mas ela já cometeu erros bem maiores – Ava disse. –
Confie em mim.
O hacker segurou a barra da camiseta preta, parecia ceder.
– Com quem você está? A Tríade? ? ? – Com raiva,
arrancou a peça pela cabeça. – Não importa o que tenham
prometido. Eles não vão cumprir. Primeiro, eles vão matar vocês.
O peitoral nu e pálido brilhava de suor e, ao observar, Natasha
notou a tatuagem sobre o coração, um pequeno tridente desenhado
de modo a parecer tridimensional. Não era a famigerada tatuagem
dos s da Marinha dos Estados Unidos, mas algo semelhante.
Fez uma anotação mental sobre ela; era o tipo de informação que
desejava ter acerca da Garota do Vestido Verde, um detalhe
incriminador que faria o banco de dados do Triskelion se organizar
para identificar.
– As calças – foi tudo o que ela disse. – Mais rápido.
– Eto bystro! – Isto é rápido. Maks tirou as meias sociais pretas;
ficou só de jeans. – Se acha que pode confiar em alguém do norte
de Moscou, você perdeu…
Como resposta, Natasha ergueu a Glock e atirou na porta do box
atrás dele. Maks rolou de lado no chão, protegendo a cabeça da
explosão de vidro.
– Pare, pare…
Ava se abaixou, cobrindo os ouvidos.
– Psikh? Perder a cabeça? Eu? – Natasha olhou para Maks. –
Você foi o idiota que achou que podia hackear a . . . . . . – Ela
sacudiu a pistola diante do rosto dele. – Mas, pensando melhor,
você também é o idiota que contou cartas num cassino administrado
pela Tríade em Macau.
Maks rolou até ficar de costas como um besouro virado, agora se
contorcendo para retirar os jeans. Natasha posicionou o braço de
modo a não deparar com as pernas finas e brancas ou as cuecas
com estampa de leopardo. Ava desviou o olhar.
– Macau? Isso não passa de boato. Aquilo não foi por causa das
cartas – Maks zombou.
Ava franziu o rosto.
– Estava passando férias lá?
– Eu tinha um trabalho, e depois fiquei por lá para assistir ao
circuito dos profissionais. Johnny Chan, já o viu jogando pôquer? Foi
dez vezes campeão do Campeonato Mundial. – Ele assobiou.
Natasha bufou com desprezo.
– O que é que os russos têm com esse papo de campeões?
– Existem duas coisas que Moscou ama: o melhor e o maior –
Maks respondeu. – Campeões mundiais poderiam muito bem ser
caviar humano.
Natasha o cutucou com o pé de novo.
– Por que, então, se meter com a Tríade? Não é como se você
precisasse do dinheiro. – Mantenha-o falando.
– Moy golubushka – Maks disse. Minha cara. Como se não
tivesse uma bota sobre o peito dele, e uma pistola na cara. –
Existem motivos melhores para aceitar um trabalho, além do
dinheiro.
– Como o quê? – Ava perguntou. – Por que tem medo?
– Medo de quê? – ele escarneceu. – Levar um tiro na parte de
trás da cabeça e ser enterrado como indigente? Por quem? Stalin?
Jason Bourne? Você anda assistindo a filmes demais.
– Os filmes de que ela gosta são aqueles em que quem atira é ela
– Ava disse.
Natasha deu de ombros.
– Por que aceitou o trabalho? Conte para nós, russki.
Os olhos do hacker se concentraram no teto do banheiro,
manchado de umidade.
– Digamos que eu tinha um cliente que precisava de algo. Uma
coisa difícil de conseguir, que demandava bastante da minha
habilidade.
– Então você teve que roubar uma coisa? Não poderia
simplesmente recusar? – Natasha indagou.
Ele a contemplou.
– Digamos que haveria… consequências.
– Ah – ela disse. – Isso.
– Digamos que a Tríade tinha em mãos um servidor que continha
a localização dos itens necessários. Digamos que acessar o
servidor exigia certa… proximidade. Nesse caso, uma viagem a
Macau para assistir a Johnny Chan jogando pôquer poderia ser algo
útil, não?
– Então você invadiu o servidor da Tríade enquanto contava
cartas no cassino deles? – Natasha assobiou. – Que ousado,
Mohawk. Eu ficaria impressionada, mas… Bem, aqui está você.
Então, o que deu errado?
– Suas mãos – Ava disse de repente. – Mostre-as…
Quando Maks ergueu os dez dedos, Natasha viu que cada uma
das articulações estava mais clara e apresentava leves
protuberâncias.
– Aperto de mãos da Tríade? Quebraram um de cada vez? –
Quase se sentiu mal pelo cara.
– Tentaram. – Ele abaixou as mãos. – Àquela altura, eu já tinha o
que precisava.
– E a contagem das cartas? – Ava olhou para ele.
– É uma história inventada pela Tríade. Melhor do que admitir que
foram hackeados. – Ele fez um gesto de dispensa.
Natasha o avaliou.
– E agora? Vai passar o resto da vida num quarto de quinta
categoria em Recife com um alvo colado às costas?
– Eu estava pensando em ir para Orlando – Maks comentou com
um sorriso.
– É mesmo? Pense de novo, a menos que me conte por que
hackeou a minha conta no Sametime – Natasha ameaçou.
– Não tive nada a ver com aquilo. – Maks ergueu as mãos. –
Tol’ko poslannik. – Só fui o mensageiro.
– Esse tipo de argumento não vai levar você nem mesmo até
Tampa – Natasha disse. Apontou a Glock para a privada dessa vez,
virando-se para ele com um olhar questionador. – Tente mais uma
vez.
– Não estou mentindo!
BUM!
Natasha atirou – e a porcelana explodiu, transformando-se em pó.
– Ty chto blya? – O que está fazendo? Maks protegeu o rosto com
as mãos; a barba desgrenhada agora estava coberta com a poeira
fina dos fragmentos do vaso sanitário. – Não sei! Já disse, eu tinha
um cliente, não foi ideia minha!
– Aquele que enviou você a Macau para roubar um servidor? –
Natasha pareceu interessada.
– É, um verdadeiro cyka. – Não era um elogio. – Alguém que me
encontrou por meio do meu pai, é só isso o que sei.
– Alguém de quem você teve tanto medo a ponto de preferir
hackear a Tríade em vez de desapontá-lo? Muito bom isso –
Natasha comentou.
– Exato – ele respondeu. – Não pedi o trabalho, e não o queria.
Mas, como já disse, eu não tinha como recusar.
– O que era? O trabalho? – Ava perguntou.
Ele não olhou para nenhuma delas.
– Apagar uma identidade. Servidor militar confidencial. Era para
ter sido totalmente seguro.
– Então está se referindo a mim – Natasha concluiu. – Eu era o
serviço. Você era o .
– Era. – Ele assentiu. – No entanto, não fui eu quem escreveu as
mensagens cyka. Nem mesmo entendi o que tinha lá. Só as
transmiti.
– Isso não é bom o bastante – ela disse, aproximando a pistola da
cabeça dele.
Maks virou a cabeça para longe dela.
– Olha só, eu tenho o número da conta bancária em São Paulo,
da agência responsável pelo meu pagamento. Só isso. Só tenho
isso. Pode pegar tudo. Não mate o mensageiro. Por favor…
– Não atire no mensageiro – Ava o corrigiu.
– Ah, você pode atirar nele; com isso ele consegue viver, ele é
russo. Apenas não o mate – Maks disse cabisbaixo, encarando o
cano da Glock de Natasha.
– Quero tudo o que você tem, cada registro desse serviço.
Números de contas. Quaisquer registros do seu cliente ou do seu
pai – Natasha avisou. – A operação completa.
– Olha só. Você não está entendendo. Você me parece uma
pessoa legal… – Maks começou.
Isto está tomando tempo demais. Natasha recuou e atirou três
vezes em rápida sucessão. Uma ao lado de cada flanco da cabeça
e uma logo acima dela. O piso de linóleo ficou sobressalente por
causa do impacto.
– Legal? Sério mesmo? – Ava questionou Maks. Ele estava
tremendo.
O cara começou a balbuciar.
– Aceite meu conselho e esqueça tudo isso. Vá para sua casa em
Orlando.Tome seu café no Starbucks. Seja americano. Você não vai
querer nada disto. Confie em mim, estou lhe oferecendo uma saída.
– Ele estava muito assustado. – Isto não tem a ver com dinheiro.
Não consigo suborná-los e vocês não conseguirão detê-los.
– Detê-los? – Ava repetiu. – Deter o quê?
– Isto! O que vai acontecer em seguida! O que você acha? Vão
embora agora, ou vão acabar assim como eu. Talvez pior – disse
ele. – Vão acabar mortas. Vocês duas, todo mundo.
– Você parece bem certo disso – Natasha comentou.
O hacker desviou o olhar.
– Que tal se falarmos de alguma outra coisa? Qualquer coisa.
Moscou? Segredos militares? Do e do ou da ? Você
escolhe. Dois pelo preço de um?
– O que é isso? Liquidação para fechar a lojinha? – Ava
perguntou.
– Não estamos interessadas – Natasha respondeu.
Ele deu de ombros.
– A cova é sua.
– Falando em covas, mais uma coisa – Ava disse, desta vez em
russo. – Você sabe o nome da agente que tentou nos explodir? Uma
garota? E que tal o nome Somodorov? Isso refresca a sua
memória?
Natasha sabia que todo prisioneiro tem um ponto de ruptura, e
naquele instante Maks Milosovich chegara ao dele. Ele saltou diante
delas. Os olhos se arregalaram quando disparou para a porta,
agarrando a maçaneta num frenesi…
!
Ele caiu no primeiro tiro. Natasha ouviu o osso se fraturando e se
dobrando logo abaixo, no joelho direito.
Maks gritou. E, com um olhar, rolou por cima do parapeito da
varanda.
– Maks! – Ava exclamou. Mas era tarde demais.
Pelo visto, havia coisas mais assustadoras do que elas. Só
precisamos descobrir o que – ou quem.
Ava, em pânico, olhou para Natasha.
– Ele só… só… simplesmente…
Natasha suspirou.
– Venha. – Mas até ela estava mexida, porque agora acreditava
em Maks Milosovich.
O que ele disse? Não posso suborná-los e vocês não podem
detê-los?
O que isso quer dizer? O que ele queria subornar? O que nós
precisamos deter?
E o que torna uma pessoa tão desesperada?
Ou… quem?
Encontraram Maks inconsciente, mas ainda respirando, entalado
num canto entre o hotel e o beco. Depois de o terem arrastado de
volta à garagem, levaram-no de volta à dele – um carro
esportivo no valor de duzentos mil dólares em perfeitas condições,
escondido sob uma cobertura apropriada.
Isso porque não queria dar bandeira.
Ele se encaixaria muito bem em Orlando, se chegasse lá. A
despeito de tudo, Natasha se percebeu desejando que ele
conseguisse.
A chave estava escondida debaixo do tapete.

***

Duas horas mais tarde, Maks Milosovich estava sedado e a bordo


de um avião de carga das Indústrias Stark, que partia de Recife.
Rumo a Coulson, onde ficaria sob custódia de proteção temporária,
à espera de uma acusação. Mãos presas com amarras de cabos e
fita isolante, só como garantia.
No pulgueiro que era o quarto de hotel de Maks, as Viúvas não
tinham pressa alguma. Natasha encontrou duas luminárias de alta
intensidade em meio a todo o equipamento militar e inundou os
ambientes com uma luz desconfortável.
– Agora começa o trabalho de verdade – ela disse, empurrando
um laptop para Ava e abrindo outro.
Ava analisou a tela do computador.
– E o que estamos procurando? Algo sobre a Garota do Vestido
Verde?
– Nada tão específico. Procure arquivos criptografados. Verifique
todas as imagens anexadas; dá pra esconder texto criptografado
acima, abaixo ou até mesmo dentro da maioria dos jpegs.
– Beleza – Ava respondeu. Apertou algumas teclas. – Pelo menos
este não fritou.
– E depois procure palavras-chave. Somodorov. Sala Vermelha.
Qualquer um dos endereços de IP com que deparamos. O antigo
depósito no porto de Odessa. O laboratório em Istambul. O projeto
. . . … – Natasha disse, absorta no que via na própria tela. – Ou o
que Maks mencionou. O pai, o hackeamento na Tríade. Ou algo a
respeito do chefe cyka dele.
– Não é para isso que serve o décimo andar? – Ava perguntou. O
décimo andar era a sala dos pesquisadores no Triskelion, em Nova
York. – Ou o rebanho de nerds do Stark?
– Primeiro damos uma olhada no que temos aqui – Natasha
respondeu enquanto trabalhava. – Senão nem saberemos o que
levar conosco.
Ava continuou pesquisando.
– Bem, não há nada criptografado neste . São só imagens
escaneadas de uns papéis arquivados em pastas aleatórias;
parecem pertencer a algum tipo de holding. Não sei o que estas
coisas podem nos dizer.
Natasha ergueu o olhar.
– Uma empresa de holding? Que tipo de empresa?
– Não sei – Ava respondeu, estreitando o olhar para a tela.
– Maks é dono de algumas holdings. Provavelmente seus clientes
também – Natasha disse.
Ava franziu o cenho.
– Se isto fosse importante, ele não teria escondido melhor?
– Não sei. Este está completamente criptografado. Talvez o
que procuramos, seja lá o que for, esteja aqui.
– Espero que sim, porque só consegui as imagens escaneadas de
uns documentos tipo recibo. É tudo parecido. – Ava rolou mais a
tela. – Parecem manifestos de uma espécie de grupo mundial de
despacho. Veraport.
– Veraport? – Natasha ergueu o olhar. – Luxport era um grupo de
contêineres para embarque, lembra? A fachada de Ivan Somodorov
para a Sala Vermelha na Ucrânia. Talvez tenham a ver um com o
outro?
Ava leu a tela.
– Como disse, isto aqui nem está escondido.
Natasha deu de ombros.
– Somodorov. Faça uma busca dessa palavra. Não custa tentar,
nunca se sabe. – Ela não desviou os olhos da própria tela.
– Muito bem. Procurando arquivos agora. – Ava digitou o nome,
depois apertou algumas teclas e se recostou, surpresa. – Olha só
pra isso. Não pode ser verdade… – Seu olhar cruzou o cômodo. – É
melhor você vir dar uma olhada.
Natasha já engatinhava em meio às caixas e encontrou um
espaço vazio ao lado do computador.
– O que você encontrou?
Ava balançou a cabeça.
– Você não vai acreditar. – Ela deu um zoom na palavra ao pé da
página. Ali estava.
O nome.
Na assinatura de um carregamento da Veraport, originário do que
foi descrito como uma “fábrica de borracha” no Amazonas, no Brasil.
. .
– O irmão de Ivan. Da Spetsnaz – Natasha disse devagar. – Aí
está. Essa é a nossa ligação.
Yuri Somodorov. O irmão pouco conhecido de Ivan, aquele que
quase não era visto.
O nome estava assinado em uma linha quase indecifrável de um
documento escaneado quase ilegível. Era só isso – e ainda assim
era mais do que tinham antes.
É o máximo que conseguimos dar a Alexei desde a sua morte.
Mas ele merece isso, e mais.
– Isso é sequer possível? – Ava sussurrou.
– Tem que ser – Natasha respondeu. – Está bem na nossa frente.
Ava estudou a imagem. Não havia o endereço do depósito,
apenas a região de origem.
– Amazonas, Manaus, Parque Nacional do Jaú. Sabemos onde
fica isso?
– O Amazonas fica na floresta tropical brasileira, ao norte. E
Manaus é a maior cidade de lá – Natasha explicou. – Pesquise.
Foi o que ela fez.
– O Parque Nacional do Jaú é um parque nacional próximo a
Manaus – respondeu. – Junto ao rio Negro.
– Ser uma área protegida agora não quer dizer que sempre tenha
sido, ainda mais se considerarmos a floresta tropical – Natasha
disse. – É bem possível que exista uma velha “fábrica de borracha”
em algum lugar por ali.
– Ela é imensa – Ava disse, apontando para o mapa na tela. –
Vinte mil quilômetros, a maior floresta protegida no Brasil.
– E a entrada parece estar a que distância? Uns duzentos
quilômetros de Manaus, talvez? – Natasha encarou o mapa. – É
onde deve estar.
– Como entramos lá? – Ava perguntou. – Parece não ter estradas.
– Ela olhou o perfil da reserva. – Oito horas de Manaus indo de
lancha, e só se pode viajar por barco pelo parque. Vai ser bem lento.
Os guardas-florestais vivem em casas-barco.
– Então vamos de helicóptero – Natasha disse. – Sei que a
. . . . . . tinha uma base satélite em Manaus. Um posto de
comando, disfarçado de algum tipo de projeto de moradia com
estrutura condenada, junto às margens do rio. Deve haver um ponto
para pousar; depois, quando estivermos lá, encontraremos um local
de pouso na reserva.
– Condenado de verdade? – Ava perguntou.
– Poderia ser pior. – Natasha suspirou. – O escritório do satélite
na Malásia costumava ser um trailer, e nem era daqueles grandes.
Passei três semanas naquela coisa com o Gavião Arqueiro certa
vez. E isso foi antes de ele descobrir que sambal petai significa
“cozido fedido”.
– Hum, eu não precisava saber disso – Ava comentou.
Natasha olhou de novo para a tela.
– Podemos chegar lá amanhã.
– Por que esperar? – Ava perguntou. – Estou pronta agora.
– Quando você diz pronta, sabe que vai estar mais quente do que
o inferno lá, e que os mosquitos são maiores do que a sua velha
gata, não é?
– Sasha não era tão grande assim – Ava disse, pondo-se de pé.
Natasha fechou o laptop.
– Você não precisa ir comigo. Posso ir até Manaus e fazer um
rápido reconhecimento sem você.
– Eu sei – Ava retrucou. – Mas não vai sem mim.
Natasha se levantou devagar do chão. Já de frente para Ava,
estando as duas Viúvas uma com os olhos pregados nos da outra,
ambos pálidos como fantasmas e tão afiados quanto as adagas que
Ava carregava.
– Ele era toda a família que eu tinha, Ava. Sei que você sente
como se tivesse perdido toda a sua vida quando perdeu Alexei, mas
você é jovem.
– Sestra – Ava alertou. – Não.
Natasha ergueu uma mão.
– Não estamos lutando a mesma briga, mladshaya sestra. –
Irmãzinha. – Só por que eu tenho que ir nesse barco não significa
que você também tenha. Alexei não iria querer isso para você.
– Você não sabe o que Alexei quer – Ava disse. – Ou iria querer –
corrigiu-se. – E você não tem o direito de afirmar sobre o que estou
lutando.
– Isto é parte do problema. Não sei de nada com certeza –
Natasha disse. – Não como antes. Não estou… bem. – Inspirou
fundo.
Não estou bem da cabeça, porque ainda estou presa em
Istambul. Estou perdida nas cisternas e começando a pensar que
sempre estarei.
Toda vez que vejo você, tenho que me lembrar daquilo de novo.
Tenho que me lembrar dele de novo…
– Não importa. Isso não tem nada a ver com a gente – Ava
afirmou, determinada. – Não vou para casa até encontrarmos o que
viemos procurar. E acabar com isso, com a Sala Vermelha, com os
Somodorov. – Inspirou fundo. – E não dou a mínima para o que
Alexei queria, porque é isto o que Alexei merece.
Natasha ficou em silêncio até a compostura de aço dos Romanoff
voltar ao seu lugar.
– Muito bem. Não diga que não a avisei.
Ava não disse absolutamente nada.
Natasha enfiou os dois laptops num caixote de transporte. Em
seguida, olhou para o restante do quarto desgastado, para o que
sobrava dele. Todas as superfícies estavam cobertas por uma
camada de poeira branca de gesso, como se uma embalagem de
talco tivesse explodido ali dentro.
– Levaremos o máximo que pudermos, depois ateamos fogo no
resto.
Ava assentiu.
Foi só quando se afastavam do prédio em chamas – quando
sentiu o calor na nuca – que a garota se deu conta. Tinham uma
pista de verdade. Um nome e um lugar onde procurar. Está
acontecendo. Está acontecendo de verdade.
Finalmente.
Natasha passou um braço por cima dos ombros de Ava.
– Bem-vinda à verdadeira . . . . . ., garota. A sua primeira
operação na selva. Vamos criar algumas lembranças, como Coulson
diria.
Lembranças à base de adrenalina. Do tipo que dura para
sempre…
À medida que desapareciam nas sombras do beco, a Viúva Negra
inspirou fundo, inalando a escuridão.
CAPÍTULO 8: AVA
ESCRITÓRIO DO SATÉLITE DA S.H.I.E.L.D., MANAUS,
AMAZONAS, BRASIL

Ava olhava pela janela enquanto Natasha pilotava o Sikorsky por


baixo das nuvens em direção a degraus e camadas desiguais de
telhados industriais. Vinham voando pelo que parecia uma
eternidade e, quanto mais permaneciam no ar, mais o sol baixava e
sumia no horizonte.
– Ali – Natasha berrou em seu assento de piloto, apontando para
baixo, para um mar de telhados de construções agrupados. O som
das pás girando do helicóptero era tão alto que era preciso gritar
para ser ouvida, mesmo por quem estava sentado ao seu lado. Os
fones de ouvido cinza-esverdeados padronizados pela aviação só
ajudavam em parte. – O topo daquele hospital antigo, está vendo?
– Aquele com todas as janelas quebradas?
– O próprio. – Ela circundou a construção, abaixando o
helicóptero. Ava se segurou na lateral da aeronave quando seu
estômago deu uma cambalhota. Natasha, porém, estava certa; à
medida que a altitude diminuía, o ar úmido clareava, e Ava
conseguiu ver um branco pintado num quadrado acinzentado no
topo do prédio decrépito. Uma pista de pouso. Ou quase.
– E se o prédio cair com o nosso peso? – Ava berrou.
– Não seria a primeira vez. – Natasha sorriu.
Ela ficou olhando para baixo.
– Estou preocupada que esta possa ser a última…
O helicóptero abaixou o nariz, avançando em direção ao teto
pintado.
Lá vamos nós…

***

Elas nem sequer quebraram a portinhola do teto. Como por


milagre, o lacre metálico de segurança ainda seguia os protocolos
atualizados da . . . . . .; estava até calibrado para se abrir com as
digitais de Natasha.
Por que se dar ao trabalho? Quem é que se importa com o interior
de uma construção em colapso?
No instante em que entraram, contudo, Ava percebeu que a
fachada alquebrada do prédio era um engodo elaborado. Embora
não fosse nenhum Triskelion, o espaço interno era limpo, moderno,
bem iluminado. Ventilação e eletricidade foram acionadas no
momento em que as Viúvas abriram a portinhola.
A estação consistia primariamente em um espaço aberto
retangular e amplo, e ocupava os três andares mais altos do velho
hospital. Havia uma cozinha estocada com comida desidratada e
café, e um dormitório com lençóis limpos, embora puídos; um
vestiário repleto de roupas de combate camufladas e armaduras; um
depósito com prateleiras do teto ao chão com armas e munição –
tendo até as mochilas e bolsas ao estilo atirador de elite, a fim de
carregar o que fosse necessário.
Sentadas nos leitos estreitos no dormitório, sobre mantas ásperas
como lã de vidro, as Viúvas comeram pequenas porções
combinadas de alimento. Ava apontou com o garfo para a fila de
janelas à frente das camas.
– Como é que as janelas estão quebradas do lado de fora, mas
parecem inteiras por dentro? É um holograma? Uma projeção?
Algum tipo de distorção tridimensional…
Natasha colocou sua tigela no piso de concreto polido adjacente à
cama.
– Imagino que seja vidro pintado, um clássico da velha guarda da
. . . . . . Mas não sei quando esta estação foi construída nem se
foi usada recentemente.
– O que houve? Por que este lugar virou uma cidade-fantasma? –
Ava perguntou.
– As prioridades mudam. As ameaças se deslocam. A Segunda
Guerra Mundial começa e Moscou se torna seu aliado na luta contra
Berlim; daí a Guerra Fria começa e, de repente, Berlim Ocidental
está do seu lado contra Moscou. – Natasha deu de ombros.
– Parece loucura quando você explica assim – Ava comentou.
– Daí, quando o Muro cai e vocês concordam em não mandar
uma bomba nuclear um para o outro, Moscou se volta contra a
Ucrânia, e a China está querendo avançar pelos mares chineses do
sul e a Primavera Árabe se transforma no Inverno Árabe… E agora
o quê? Você descobre que vem lutando em Guerras Frias demais
para poder lutar em qualquer uma delas – Natasha concluiu.
– E isso tudo antes de você acrescentar a corrida alienígena, as
máquinas sencientes e os exércitos emaranhados – Ava comentou,
melancólica.
– Sem falar no Tony e no Capitão – Natasha acrescentou.
– Como é que podemos salvar a humanidade do restante do
Universo quando gastamos tanto tempo salvando-a de si mesma? –
Ava se perguntou.
– É uma boa pergunta. – Natasha se recostou no travesseiro e
encarou o cômodo vazio à frente. – E, depois de tudo isso,
acabamos com espaços vazios como este, construídos para quê?
Um escritório antigo da guerra contra o tráfico? Quem é que se
lembra? Mas também não as destruímos, porque sabemos que o
palco da guerra muda sempre, e podemos todos acabar voltando
para cá.
Ava estava incrédula.
– Quantas outras construções como esta existem por aí?
– Mais do que você é capaz de acreditar. Então elas só ficam
quietinhas esperando… e só o que você pode fazer é esperar que
permaneçam desocupadas pelo máximo de tempo possível.
Enquanto Natasha falava, Ava notou que ela usava seu novo
Bracelete de Viúva, um que estava aguardando no cofre da
instalação, cortesia de um portador militar que passara por ali mais
cedo naquele dia.
E ela simplesmente volta a usá-lo e segue em frente. Continua
lutando. Alguém tem que fazer isso. Todos nós temos.
– É melhor dormirmos. Começamos cedo amanhã. – Natasha de
repente virou de lado e apagou as luzes, embora ambas ainda
estivessem completamente vestidas.
Ava se encolheu, formando uma bola consigo mesma, e ficou
ouvindo o zunido que saía do ar-condicionado, acima da sua
cabeça. Não sabia o que o amanhã traria, e não sabia o que pensar
a respeito disso. De qualquer maneira, não parecia que o sono
chegaria logo.
Ava olhou para o lado e encontrou Alexei deitado junto a ela, com
os cabelos espalhados pelo travesseiro.
– Isto está ficando estranho – Alexei disse.
Ela levou um dedo aos lábios.
Acha isso estranho? Você é o namorado morto. Imagine como eu
me sinto, Ava pensou. Porque quase já nem consigo mais.
– Entendi – ele respondeu. E depois sorriu. – O estranho nunca
nos deteve antes, Mysh.
Ava tentou não pensar em quanto estava perto, naquele
momento, dos únicos dois Romanoffs remanescentes – mesmo que
apenas um deles soubesse disso.
O que Natasha diria se eu contasse a ela? Será que ia achar que
estou sonhando? Ou que fiquei louca?
Em seguida, Ava foi acometida por um pensamento mais
aterrorizante:
E se ela já souber? E se o elo quântico também a conecta ao
modo como eu o vejo? E se ela vem ouvindo tudo o que dissemos
um para o outro?
Virou para o outro lado, deitando-se de costas para Alexei.
Mas, quando deu uma espiada em Natasha, parecia que ela
dormia, e Ava se sentiu aliviada por um momento. É impossível. O
elo corre nas duas direções.
Eu saberia, não?
– Claro que sim – Alexei murmurou no seu ouvido direito. – Você
saberia. – Ele sorriu. – Você a conhece tão bem quanto eu, quase
tão bem quanto conhece a si mesma.
Então ela fechou os olhos e fingiu dormir enquanto permanecia
deitada ao lado do namorado falecido, imaginando como seria sua
primeira missão na Amazônia.
Como qualquer outra garota faria…
CAPÍTULO 9: NATASHA
NAS PROFUNDEZAS DA AMAZÔNIA LEGAL, BRASIL
CEM QUILÔMETROS AO SUDOESTE DE MANAUS

Você ouvirá trovões e se lembrará de mim, e pensará: ela queria


tempestades.
Assim dizia o verso de um poema russo. Quem o escrevera?
Natasha não conseguia se lembrar agora – não ali, não tão distante
de Moscou. Anna Akhmatova? Enquanto as bombas caíam em
Stalingrado?
Ela achava que sim, mas só o que Natasha sabia com certeza era
que considerava céus azuis perturbadores, mesmo aquele ali. O céu
que ela mirava ao erguer a cabeça agora, do seu atual posto na
lama, escondida sob um dossel de tecas nascidas no meio da bacia
florestal; com apenas o tecido interligado de raízes, musgo e pedras
áridas espalhados debaixo de si. A colcha de retalhos desconhecida
da floresta tropical verde demais se fechava no alto, e sobrepondo-
se a ela havia aquele ridículo céu azul.
Todos que cresciam em Moscou sabiam que cinza era a cor do
céu. A cor do céu e a cor da verdade, Natasha confabulou consigo.
Até mesmo a cor do meu coração. Agora, enquanto segurava o rifle
na lama sob o limpo céu amazonense, ela reconhecia mais do que
nunca sua antiga verdade cinzenta.
Azul é a cor da esperança, e a esperança é apenas o som de
pessoas mentindo para si mesmas. Você não pode salvar o mundo.
Não pode sequer salvar uma pessoa, não aquela pessoa que você
quer salvar. Porque Alexei está morto.
Proshli i Mertvykh. Morto e enterrado.
Natasha verificou a trava de segurança do rifle de alto calibre. Fez
uma careta, apertando mais a tira de velcro da cintura da proteção
corporal, debaixo do colete à prova de balas. Você está perdendo a
cabeça. Quanto mais se aproximar da Sala Vermelha, mais difícil
será. Pare com isso. Rolou, ficando de barriga para baixo.
Dostatochno! Já chega.
Durante a manhã toda, Natasha vinha se arrastando para abrir
caminho em meio à lama sob o dossel de tecas, seringueiras,
castanheiras-do-pará, mognos, bananeiras e açaizeiros (pelo menos
de acordo com o software de reconhecimento ambiental do Tony).
As duas Viúvas dividiram o mapa em setores, trocando e mudando
de posições ao cobrirem o perímetro, mas por enquanto não havia
qualquer sinal de alguém ou de alguma coisa.
Era a segunda missão de Ava, e ela acontecia na Amazônia – um
terreno árduo. As balas não eram de borracha, e os inimigos não
eram uma divisão rival da Academia da . . . . . .
Você vai levar uma bronca do Coulson por conta disso.
Natasha tentou não pensar sobre o quão pouco havia para seguir
naquela missão: uma assinatura em um documento de despacho.
Um depósito Veraport no meio da Amazônia e uma chance de
conectar isso às operações Luxport de Somodorov na Ucrânia e na
Turquia.
Até Yuri Somodorov. Até a Sala Vermelha. Até Alexei.
Só o que Natasha sabia era que, se isso tivesse ligação com a
morte de Alexei, tudo iria desmoronar. As armas. As operações. O
financiamento. A infraestrutura. Os funcionários. Tudo.
Matarei tudo o que você deixou para trás, tudo que sempre lhe foi
caro, do mesmo modo como matei você, seu velhote fantasma.
Assim como você matou meu irmão.
Natasha posicionou o rosto para cima, num ângulo em que a
sensação de ardência cegante provocada pelo sol a forçaria a cerrar
as pálpebras. Tentou não pensar mais. Não pensar em Ivan. Em vez
disso, esperou e escutou. Mais dez minutos e sairia dali.
Está tranquilo… Quase tranquilo demais.
Mesmo para uma floresta tropical no meio do nada.
Reabriu os olhos, apoiando-se nos cotovelos enquanto erguia as
lentes duplas do monóculo militar e perscrutou o horizonte.
Este campo de visão é insignificante. Não tem nada para ver nem
para rastrear. O único falatório acontecendo por aqui é dos micos,
nas árvores. Natasha suspirou. Está tão surpresa assim? Aquele
Maks durak? Aquele hacker teria dito qualquer coisa para se safar
da Tríade, sem falar de duas Viúvas.
Ainda assim, o nome de Yuri Somodorov constava nos arquivos
dele. E a Garota do Vestido Verde havia adulterado o seu Bracelete.
E Maks tinha invadido a sua conta, enviando-lhe uma mensagem de
alguém que provocava tanto medo nele que ele nem podia citar o
nome. E a mensagem a trouxera até ali, não?
, …
Seus pensamentos foram interrompidos pelo ruído de uma queda
ao longe, e ela reagiu de imediato, com todas as células do corpo se
contraindo ao agarrar o rifle…
Depois, ficou imóvel… e ouvindo com atenção…
!
Mas o quê…?
Silêncio.
Pode ter sido o deslizamento de uma pedra. Talvez uma atividade
ilegal de mineração? Ou, quem sabe… Ela apertou a pegada no rifle
e baixou o olhar para o saco de armas junto a si. Se houvesse de
fato algo por ali, ela precisaria de um pouco mais de poder de fogo
do que tinha. Começou a catalogar mentalmente suas opções
enquanto esperava…
Mas não houve mais nenhum barulho vindo de nenhuma direção.
Você está sendo paranoica. Verificou o monóculo de novo. Não
conseguia ver nada, mas, quando inspirou, pensou ter sentido o
vestígio tênue de pólvora disparada. Ou pode ser uma tribo indígena
acendendo uma fogueira. Quem é que estava naquela área, os
desanos? Poderiam ser eles. Natasha guardou o monóculo e rolou
de novo, tocando na escuta distribuída pela . . . . . .
Ou é só a sua imaginação.
A voz de Natasha foi apenas um sussurro no intercomunicador:
– Negra para Escarlate, está na escuta? Está vendo algo rio
abaixo? Amigos ou inimigos? Apareceu alguém?
Esperou. Mais cedo, havia enviado Ava na frente a fim de abrir
caminho até a margem do rio, na esperança de conseguir uma visão
melhor do tráfego acima e rio abaixo.
Talvez eu não devesse ter mandado que fosse sozinha. Por que
ela não está respondendo?
A água era o único caminho através da floresta mais densa, a
menos que a distância fosse percorrida de helicóptero, no entanto,
helicópteros são barulhentos. Se Ivan Somodorov enviou Yuri para
estabelecer um satélite da Sala Vermelha num lugar tão distante
quanto a Amazônia… Eles não iriam querer ser localizados, e não
receberiam calorosamente nenhuma visita.
Natasha tentou de novo:
– Negra para Escarlate, está na escuta?
Dessa vez, a resposta veio com uma rajada de estática quase tão
alta quanto a voz que a acompanhou, agora também um sussurro.
– Escarlate para Negra, negativo. Tenho um punhado de macacos
surtando por aqui, mas só isso. Depois de uma hora abrindo trilha
neste calor. O que está acontecendo por aí, shishka? – Chefona.
Ava estava bem.
Natasha soltou a respiração. Graças a Deus.
– Mantenha sua posição, Escarlate – orientou ela, abrindo um
bolso fechado a velcro à procura de um quadrado termoplástico
transparente, um mapa de combate reagente ao ambiente, com
atualizações automáticas e movido a calor, que era produzido pelas
Indústrias Stark (“Estou pensando em chamá-lo de ComPlex”, Tony
havia comentado. “Ou isso ou Metacrilato Metil Polimerizado Digital,
o que você acha? É um nome fácil de lembrar?”).
O ComPlex era apenas uma das milhares de patentes que Tony
pedira que Pepper Potts solicitasse para ele. O ano anterior fora
bastante agitado; ele havia montado um laboratório de ideias
chamado “Mentes Símiles”, incluindo estudantes promissores de
todo o mundo. Dera início a um departamento inteiro dedicado a
ferramentas operacionais e brinquedos – qualquer apetrecho capaz
de proteger agentes da lei ou minimizar mortes em situações de
combate. Algumas ideias eram estúpidas – e muitas outras
adquiriam o hábito da autoexplosão ainda na fase de protótipo –,
mas o ComPlex havia se provado útil em mais de uma ocasião, e
ela começara a confiar nele.
Natasha fitou o dispositivo antes de voltar a tocar no fone de
ouvido. A tarde na floresta estava tão úmida que ela quase não
conseguia enxergar o mapa holográfico projetado na superfície de
plástico, pois o ar brumoso passava por cima dele tal qual sua
própria respiração. O mapa tremeluzia, ligando e desligando; o calor
devia ter danificado a tela.
Ela xingou baixinho, sacudindo o plástico.
– Negra para Escarlate, tem certeza? Por um segundo pensei ter
ouvido uma detonação, talvez tenha havido uma granada teleguiada
disparando por aí? Algum tipo de defesa aérea portátil, como uma
bazuca ou um Stinger? – Podia ter sido qualquer coisa. Qualquer
coisa maior do que uma espingarda e menor do que um tanque…
A voz de Ava zuniu em seu ouvido.
– Negativo para fogos de artifício, Negra. Estou dizendo, não
tenho nada no meu visual. Embora seja difícil ouvir qualquer coisa
além dos gritos dos macacos. Você sabia que os macacos sabem
gritar?
Natasha franziu o cenho, cutucando o plástico transparente para
aumentar o zoom. O quadrado estremeceu e se reiniciou – e agora
uma rede fina de linhas iridescentes azuis se desdobrava bem à sua
frente.
Ali…
– Afirmativo, Escarlate. Na verdade, já fui ao Zoológico do Bronx.
E o ComPlex voltou a funcionar. Agora estou identificando um sinal
térmico. Parece que no quadrante… D-9. – Natasha aguardou, e
outra rajada de estática a atingiu, acompanhada da voz de Ava.
– Entendido. Confirmo, D-9 está aceso para mim também,
kapitan. Temos companhia – Ava disse.
Natasha não despregou os olhos do ponto vermelho pulsante no
mapa, logo acima do que parecia ser a montanha seguinte, na outra
margem do rio Amazonas.
– Afirmativo. Esse mesmo, Escarlate. Vejo múltiplos deles, mas
não dá pra determinar ao certo quantos são. – Então havia mesmo
algo acontecendo por ali, quer estivesse relacionado aos
Somodorovs ou não. De todo modo, não tinham ido até ali para não
averiguar do que se tratava.
– Entendido, Negra. Encontro você no quadrante D-9 para
reconhecimento? – Ava parecia entusiasmada.
– Afirmativo, Escarlate. Mas sem abordagem. Espere ordens
minhas. Estou a poucas centenas de metros de lá. Desligo –
Natasha disse, retirando o fone do ouvido antes que Ava pudesse
responder.
Quando Natasha pegou a mochila, ouviu o que pensou serem
micos, mexendo-se no dossel de árvores antes de se afastarem.
No entanto, algo dentro dela deve ter pensado de maneira
diferente, porque sua memória muscular se ativou, e ela se lançou
atrás da seringueira mais próxima sem nem saber o motivo…


A lama onde estivera deitada explodiu com a saraivada de
balas… Cascalho e musgo voaram pelos ares.
Dragunovs. O que significa que são russos. O que significava que
ouvi mesmo um míssil teleguiado portátil.
O que também significa que eles nos viram.
Natasha se virou e correu, mergulhando para uma cobertura bem
quando uma granada RPG bateu, e a árvore que a abrigava
estourou, derretendo-se num buraco negro flamejante. E onde havia
uma granada com propulsão a jato, sempre havia mais.
– Ava – ela gritou, mas não conseguia ouvir nada.
Der’mo…
Você queria tempestades, Natashkaya?
Agora você as tem.
CAPÍTULO 10: AVA
NAS PROFUNDEZAS DA AMAZÔNIA LEGAL, BRASIL
CEM QUILÔMETROS AO SUDOESTE DE MANAUS

Ava notou quando uma coluna de fumaça cinzenta ascendeu até o


céu azul que pairava sobre o dossel da floresta. As árvores eram tão
altas que ela poderia nem ter notado de imediato, a não ser pelo
cheiro repentino e acre de borracha queimada – e a rajada de
estática que agora atravessava seu intercomunicador auricular.
Der’mo…
Ela o arrancou da orelha, mas não antes de ouvir Natasha
gritando seu nome. Uma granada de propulsão a jato. Uma -7.
Talvez a trezentos metros de distância, não mais do que quinhentos.
Não fora à toa que havia conseguido a melhor nota da turma a
respeito do caso Mogadíscio, de 1993. Ava tocou repetidamente no
fone.
– Negra! Responda, Negra! – Pressionou o aparelho com mais
força, mas não houve resposta. Tentou de novo: – Natasha! Nada.
Concentrou-se e tentou alcançar a Viúva usando a conexão
quântica entre elas, mas sua cabeça estava tão acelerada quanto o
coração, e ela não conseguia encontrar um meio de se controlar.
A eletricidade azulada fagulhou das pontas de seus dedos para a
terra ao redor. Se não fizesse algo, acabaria explodindo.
Vamos. Pense, Ava…
O intercomunicador não captava sequer o ruído do ambiente
agora. Não havia sinal, o que não fazia sentido. O satélite da
. . . . . . não estava fora do ar, a menos…
É uma zona morta. A torre de celulares foi derrubada. Não há
repetidor. Nem amplificador. Nenhum transponder.
Tem alguma coisa aqui. Uma coisa grande. E alguém se deu a um
trabalho imenso para que não descobríssemos o que é.
Ela sentia a adrenalina percorrendo suas veias. O coração batia
forte. E o suor escorria do rosto para as orelhas. Tentou não pensar
que…
Não! Não diga isso! Ela está bem. Só deve estar em movimento.
Ela é a maldita Natasha Romanoff, a Viúva Negra. Seria preciso
mais do que uma para fazê-la diminuir a velocidade…
Não é?
Ainda assim…
Ava ouvira o da saraivada automática sendo
disparada de novo. O dossel da selva, lá no alto, remexeu-se de
leve na direção do barulho, que ainda expelia colunas retorcidas de
fumaça cinzenta.
Não fique aí parada, sua idiota.
Mexa-se…
Ava sentiu as botas começarem a se mover rio acima ao passo
que sua mente acelerava cada vez mais. Agora pense…
Ela buscou cobertura atrás da formação rochosa mais próxima e
tentou avaliar a situação. Vá encontrá-la no helicóptero. Esse era o
plano, caso perdêssemos contato. Saia do local às 14h. É isso que
ela quer que você faça.
Ava se sobressaltou ao ouvir o que parecia o eco em repetição de
uma Dragunov…
Você conhece a Natasha. Ela vai te matar se você não seguir o
protocolo…
Em seguida, houve a detonação retumbante de outra -7.
Mas e se a matarem antes?
Enquanto Ava se agachava sob a sombra das rochas, a luz se
espalhou vinda do logotipo de ampulheta dupla em seu peito, e as
mãos se moveram inconscientemente rumo às adagas fixadas junto
às coxas. O traje de combate camuflado substituíra a antiga jaqueta
de esgrima kevlar de Alexei, aquela que ela usara como material
para fazer seu primeiro equipamento de combate, mas as adagas
duplas – uma curta, uma longa, ambas retráteis, ambas eletrificadas
– nunca saíam de perto dela. Ela costumava se sentir segura
apenas quando as trazia consigo, quando sabia que as chamas
azuis emanando de dentro dela encontrariam uma via de escape
através do aço das lâminas.
Sem falar que tinham sido as adagas de Alexei. Quando as
carregava, sentia como se parte dele a acompanhasse, que era
exatamente como queria se sentir. Mesmo agora.
O que você gostaria que eu fizesse, Alexei? Devo simplesmente
deixar que ela enfrente esse tipo de artilharia sozinha? Me diga, ela
é a sua irmã…
A resposta veio no mesmo instante. Ava se pôs de pé, afastando
os braços do corpo e puxando as adagas para a posição de
prontidão. Uma luz azul-clara irradiou dela para todos os lados.
De repente lá estava ele, agachado atrás de Ava sob a sombra da
rocha.
– Vá – ele sussurrou. – Mas tome cuidado. Eu mato você se levar
um tiro.
Ela aquiesceu. Estou indo. Em seguida, inspirou fundo e se
lançou em meio à mata fechada da floresta tropical que se elevava
até quase chegar à margem do rio – agindo exatamente do jeito que
Natasha não desejaria de modo algum que ela fizesse. Desculpe,
sestra. Você pode me deixar de castigo mais tarde.
Ava tropeçou no terreno desigual da floresta, cortando a
vegetação rasteira ao se locomover, avançando e atacando num
movimento quase fluido – mesmo que os únicos alvos que tivesse
para atacar no momento fossem plantas. Isso não significa que eu
não esteja pronta para combate.
À medida que avançava rumo ao som dos morteiros, tentou
impedir que isso a abalasse. De repente, a operação inteira lhe
pareceu uma péssima ideia, embora Ava não tivesse a mínima ideia
do porquê a popularmente destemida Viúva Negra parecera sentir
isso também. Às vezes, ela ponderava que o yin e yang era apenas
o ritmo natural do relacionamento delas, que estavam fadadas a
estar em completo e perpétuo desacordo a respeito de tudo.
Tudo, exceto Alexei. Era verdade; quando o assunto era esse, as
duas Viúvas pareciam totalmente em concordância. Qualquer
pessoa que tivesse um dedo de envolvimento na morte de Alexei
teria de pagar.
Todos e qualquer um.
Ava se encolheu ao ouvir o eco irregular e intermitente, desta vez
mais alto do que nunca. …

Seguiu em frente até chegar à clareira onde vira Natasha pela
última vez. Um BUM repentino, emitido por um rifle de precisão de
longo alcance a obrigou a mergulhar atrás de um arvoredo de
seringueiras. Ava percebeu que estava prendendo a respiração, e a
soltou somente quando o som recomeçou – o que significava que
ainda não havia atingido seu alvo.
.
Lá estava ele. Natasha ainda estava viva, e Ava, exultante. Vá em
frente, atire o quanto quiser. Não vai atingir seu alvo. Não a menos
que ela queira isso.
Outra bala passou zunindo por cima da cabeça de Ava, e ela se
deu conta de que Natasha não era o único alvo. Precisava sair da
linha de fogo. Saiu correndo, saltando por cima das raízes de uma
enorme teca, passando por cima delas e do tronco caído por meio
de um rolamento digno de uma expert.
Ava se forçou a fazer cálculos matemáticos de batalha, assim
como Natasha faria. O que você sabe? Múltiplos combatentes com
armamento pesado. Desativaram a linha de comunicação. Portanto,
estão em grupo. Pelas minhas contas, pelo menos quatro. Um no
manuseio das granadas. Outro com a Dragunov. Um com o rifle de
precisão. Um no intercomunicador…
Ava avançou apressada por sobre uma cratera fumacenta na
lama. A vegetação verdejante das imediações continuava em
chamas.
Respire. Agora. Natasha tem que estar aqui em algum lugar. Olhe
de novo. Você sabe o que tem que fazer. Precisa ao menos tentar…
Mergulhou fundo na própria psique, acalmando-se. Fechou os
olhos e desacelerou a respiração, adotando uma inspiração de cada
vez até sentir que quebrara os grilhões de sua própria mente. Ava
ainda sentia Natasha Romanoff nos limites do seu pensamento
consciente; tal era o elo entre elas. Naquela hora, Ava não tentou
combatê-lo. Em vez disso, empenhou-se para chegar até ele,
sabendo que era o modo mais rápido de se assegurar do bem-estar
de Natasha. O que está enxergando, Ava Anatalya?
Ela vislumbrou uma faixa de céu azul – um dossel verde – e
depois a manga de uma blusa. Do atirador. Ele estava escondido
nas árvores. Distinguiu o cano alongado de um rifle de precisão
Dragunov. As forças armadas russas amavam as Dragunovs;
Natasha já lhe ensinara isso. Duas Dragunovs, ela acrescentou ao
avistar um segundo cano, ligado a outro braço camuflado. E outro…
Atiradores nas posições de duas, quatro e onze horas, enfiados
nas árvores como macacos. Garotos de Moscou. Praticamente
consigo enxergar as estrelas do Exército Vermelho daqui. Aquele
timbre da foice e do martelo, tal qual no equipamento de Maks. Eles
podiam muito bem estar usando suas plaquetas de identificação do
partido nacionalista Rodina. Estremeceu, pensando no Recife.
Veraport, então? Yuri Somodorov? A Sala Vermelha contratou essas
armas para você?
Ava se concentrou mais, tentando enxergar melhor, mas não era
fácil. Natasha parecia mais ocupada recarregando o dispositivo de
armazenamento do próprio rifle de precisão. Em seguida, analisou o
ambiente à sua volta, e Ava teve um vislumbre da cratera em
chamas pela qual acabara de passar.
Ali. Ela está bem ali. Agora conseguia calcular o esconderijo de
Natasha. Daqui eu tenho três e oito horas – algum lugar baixo –, ela
está olhando para as árvores da perspectiva do chão…
Ava guardou as adagas novamente. Elas não a ajudariam a
atravessar a clareira e não havia motivo para se acender como um
alvo de prática para os russos. Fixou os olhos no lado oposto, num
torrão baixo que parecia constituído de moitas. Aguente firme,
Negra. Estou chegando. Tenho a sua retaguarda, sestra.
– Vá – Alexei disse em seu ouvido. – Agora.
Inspirou fundo e se lançou à frente, atravessando a clareira mais
uma vez.

O chão explodiu por onde ela havia passado. Pega desprevenida,
Ava gritou, irrompendo numa guirlanda de labaredas azuis que
assustaram até mesmo a ela, chamuscando as raízes e árvores que
a cercavam.
Controle-se…
Dando uma cambalhota para a frente, desviou-se da saraivada
seguinte, disparando pelo restante do caminho rumo ao aglomerado
de moitas – e saiu voando no ar…
Der’mo…
Uma mão enlameada agarrou seu coturno enquanto ela passava
correndo, fazendo-a tropeçar e lançando-a para a frente…
E então para baixo, na lama.
Ava cambaleou, rolando e deslizando para uma caverna,
aparentemente, pequena e escura. Quando limpou a lama do rosto,
notou que estava dentro do tronco parcialmente oco de uma teca
imensa e apodrecida, alojada atrás das moitas de samambaias. Não
foi seu momento mais furtivo digno de um ninja. E olha que isso era
para ser o regate da Negra.
Ava se arrastou com os cotovelos a fim de adentrar mais no
buraco. Natasha também se enfiara mais no enorme tronco,
deixando tanto espaço quanto possível para Ava.
– Você é burra? – Natasha parecia brava. Furiosa, na verdade. Se
não estivesse tentando manter o tom baixo, Ava sabia que ela
estaria berrando. – Você desobedeceu a uma ordem direta.
– Mas… ouvi o ataque, então… então eu vim salvar você. –
Quando Ava tentou sussurrar as palavras, sentiu o quanto elas
soavam infantis. Também descobriu que ainda sentia o gosto da
lama. Tem como você parecer mais idiota?
As mãos de Ava começaram a tremer e, por um segundo,
ponderou que iria vomitar ali mesmo, dentro da árvore, o que ela
imaginava que seria a pior coisa para uma pessoa – qualquer
pessoa – fazer diante de Natasha Romanoff, membro dos
Vingadores, agente da . . . . . ., heroína do povo, mulher feita de
aço e de rocha. E não Ava Anatalya Orlova, palhaça do povo,
amante de fantasmas, órfã da . . . . . .…
Às vezes, para ser bem sincera, Ava se pegava desejando que
Ivan Somodorov tivesse conectado seu cérebro a uma dupla mais
fácil de conviver ou, quem sabe, até menos confiável – como Tony
Stark ou Phil Coulson, talvez uma pedra. Alguém que perdesse a
calma, contasse piadas imbecis, ou… ah, sim… talvez vomitasse o
almoço em horas inoportunas de vez em quando. Diferentemente da
ilustre agente Romanoff, que provavelmente trocara sozinha as
fraldas desde que nascera.
– Me salvar? – Natasha tentou não gargalhar ao recarregar o rifle.
– Isso é até engraçado. A menos que esteja usando um traje de
ferro ou girando um martelo dos deuses, ou talvez seja grande e
verde com o punho do tamanho de um Prius, você não vai me salvar
num futuro próximo, menina.
– Não me chame assim. – Ava engoliu e forçou sua voz para que
saísse o mais natural possível, apesar do sussurro, à medida que
avançava mais no interior do tronco, até estar a um braço de
distância de Natasha.
Os mosquitos zuniam vorazes ao redor da sua boca, e ela se
abaixou em busca de esconder o rosto na lamacenta e estreita parte
interna do tronco. Só a Natasha mesmo para encontrar um lugar
ainda mais quente e mais úmido… no lugar mais quente e úmido do
mundo…
– Eu avisei que teria mosquitos – Natasha disse.
– E estou ficando cansada da frequência com que as pessoas
tentam matar você – Ava retaliou. Ergueu o olhar e deparou com
Natasha deslizando o cano do rifle pelo buraco de um nó do tronco.
Quando ela o fez, Ava sentiu uma picada na bochecha, sob a
camada de preto camuflado que aplicara no rosto pela manhã.
– Ai… – Ava desferiu um tapa no próprio rosto, esmagando o
inseto do tamanho de um amendoim entre os agora dedos pretos.
– Silêncio – Natasha sibilou.
Maravilha. Ava inspirou fundo.
Natasha não desviou os olhos da mira do rifle.
– Atirador na posição das 2h – murmurou. O corpo inteiro estava
rígido enquanto ela mirava no dossel lá no alto.

Fez uma pausa para recarregar, fazendo com que a cápsula da
bala voasse além do rosto de Ava.

Os rifles russos responderam.
Ava notou que estava se retraindo e se abaixando instintivamente,
embora as balas só batessem na casca velha da teca fossilizada
que as protegia. Estava começando a entrar em pânico. Fique
calma, ela pensou. Você consegue. Finja que é um treinamento.
Faça de conta que não é de verdade. Imagine que não está aqui.
… – retrucaram os rifles russos.
Você não está aqui e esses atiradores também não… e esses
negócios aqui não são mosquitos… e não está 37ºC ali fora e mais
de 40ºC aqui dentro.
Ava estava tão perdida em seus pensamentos que nem notou
Natasha disparando o próximo tiro até a cápsula da bala sair
voando.
– Eles estão nas árvores, entre nós e o helicóptero. Três inimigos,
talvez mais – Natasha anunciou, mantendo a voz baixa. Desceu a
vista para a mira acoplada ao rifle. – Tangos nas árvores. Até parece
um musical.8
– Quatro – Ava disse baixo. – Eu contei.
Natasha ergueu o olhar, surpresa, mas Ava sabia que não era
necessário explicar. Um fato básico sobre entrar no cérebro de
Natasha de tempos em tempos é que Ava sabia que Natasha
também sentia aquilo.
– E agora? – Ava perguntou devagar, tentando não aparentar o
quanto estava próxima do pânico.
– Agora? – Natasha rolou de costas, largando o rifle. Suspirou. –
Hora de formular um plano novo.
“Tango”, no alfabeto fonético costumeiramente usado por tropas
militares, refere-se à letra T, de target, ou alvo, inimigo. (N.T.)
CAPÍTULO 11: NATASHA
NAS PROFUNDEZAS DA AMAZÔNIA LEGAL, BRASIL
CEM QUILÔMETROS AO SUDOESTE DE MANAUS

– Precisamos é de uma distração – Natasha sussurrou as palavras


ao puxar a sacola para junto de si, à procura de fuçar ali dentro.
Pegou uma carga PropX da . . . . . . – com patente das
Indústrias Stark ainda a ser registrada –, que significa carga
explosiva proprietária, a favorita da casa em operações secretas,
sendo leve e rápida no trajeto, sem espaço para cargas tradicionais.
Era pequena e lisa como um ovo, pesada na mão. Tony lhe
prometera que aquilo seria forte o suficiente para lhe conceder um
pouco de tempo num combate próximo, caso ela de fato precisasse.
– Isto é o que estou achando que é? – Ava perguntou baixinho,
erguendo uma sobrancelha.
– Um dos explosivos robôs PropX do Tony? Sim, ele entrou
mesmo numa onda de patentear invenções no ano passado. Isto
deve dar conta do trabalho. – Natasha o entregou a Ava com
instruções sussurradas: – Lance esta coisa o mais longe que
conseguir à sua direita. Mire naquele cume logo ali.
Ava assentiu e segurou a carga ovalada, que não parecia mais
perigosa do que um caroço de abacate. Guardou-a com cuidado, no
bolso frontal da jaqueta.
– Nunca vi um explosivo assim de perto.
– Não? Em nenhum dos jogos da Academia? Nem mesmo numa
simulação estratégica? – Natasha pegou uma segunda carga.
Ava meneou a cabeça.
– Nunca consigo participar delas. – Ela não ofereceu maiores
explicações.
Natasha deu de ombros, mas era tudo encenação; ela não estava
surpresa.
Sei porque li os relatórios. Todos os instrutores que você teve, de
Coulson até o último, fizeram questão de tirar você de qualquer tipo
de simulação de combate. Provavelmente não deixam você nem
mesmo perto de um videogame. Não querem mexer com a garota
com , não querem bagunçar a sua cabeça já bagunçada. Sei
porque fui eu que dei a ordem para que não deixassem isso
acontecer…
Natasha ficou imaginando se fora a decisão correta. Não quis
assumir riscos – ela mesma já vinha tendo bastante dificuldade,
depois da perda do irmão –, mas nunca sabia o que era o certo no
que referia à garota.
Vejam só aonde isso a levou – a um campo de batalha sem nunca
ter tirado o pino de qualquer explosivo básico – e com poderes que
ela nem sequer é capaz de imaginar. Ela é perigosa, e não só para
um inimigo. Uma novata assim acaba sendo o alvo mais fácil de si
mesma…
É quase como se Ava mantivesse o rosto dela na própria mira…
Natasha tentou não pensar em como toda a conjuntura lhe era
familiar. Como essas mesmas palavras provavelmente haviam sido
usadas para descrever a Viúva Negra nos seus primeiros anos em
campo. O que Yelena disse todos aqueles anos atrás? O seu único
verdadeiro inimigo é você mesma.
Ah, sim, claro. Desconsiderando Yelena, claro.
Yelena também passara pela Sala Vermelha e se tornara uma
Viúva Negra, por um tempo personificando a própria Natasha.
Uma verdadeira inimiga e minha velha animiga – do outro lado do
oceano e numa outra vida.
Olhou de relance para Ava.
E, naquela época, quando foi que você deu ouvidos a Yelena
Belova? E por que está pensando nela agora, numa hora como
esta?
– Sabe de uma coisa? – Natasha disse, tirando essas ideias da
cabeça. – Pensando bem, não quero que você exploda sua mão.
Que tal se você só se preocupar em voltar para o helicóptero, como
deveria ter feito? Eu cuido disto.
– Mas eu posso ajudar – teimou Ava.
Natasha bufou de exasperação.
– Já pensou que talvez eu não queira isso?
– Do que está falando? – Ava retrucou. – Você sabia o que
significava aquela leitura de calor, não é? Você quis desviar o fogo
de mim e se tornou o alvo de propósito. Se fingiu de idiota para se
livrar de mim. – A voz dela foi se elevando à medida que a raiva
aumentava.
– E daí se fiz isso? Você deve achar que consegue enfrentar o
mundo inteiro com os seus sabres de luz engraçadinhos? – Natasha
disse, revirando os olhos. – Isto aqui não é a Academia, Ava. É o
meio de uma floresta tropical.
– E daí? Por que isso assusta tanto você?
– E daí que, se alguma coisa acontecer aqui, estamos por conta
própria. Sabe o que isso quer dizer? Nenhum Coulson à espreita
para nos extrair da situação. Nenhum Triskelion super-seguro para a
gente se esconder. Nenhuma retaguarda. Nada.
– Retaguarda? Que tal: eu sou a retaguarda? – Ava franziu o
cenho.
– E que tal: existe um motivo para os nossos amiguinhos estarem
aqui, o que significa que estamos perto – Natasha rebateu.
Ava assentiu.
– O que só prova que os arquivos de Maks estavam certos.
Veraport tem que ser a fachada de Yuri Somodorov para a Sala
Vermelha. Tudo isto só pode nos levar de volta a Ivan.
– Talvez. Mas não podemos presumir nada. Ainda não.
– Mais motivos para trazermos poder de fogo para a briga – Ava
disse.
– Mesmo se eles forem da Sala Vermelha, não sabemos quantos
colegas esses caras têm nas redondezas. Melhor não chamar
atenção antes de precisarmos. Certo? Contravigilância I. Que
também presumo que você ainda não tenha estudado.
– Ei, foi você quem me chamou para esta viagem. Foi você quem
sugeriu ter aulas da . . . . . . em casa.
Natasha ergueu uma sobrancelha.
– Bom, agora estou convidando você a ir para casa.
Ava olhou para ela.
Natasha hesitou. Por fim, concordou, sacando sua Glock
predileta.
– Tudo bem. Você lança uma, eu lanço a outra. E dou cobertura
para você.
– E nós duas saímos correndo daqui – Ava concordou. Verificou
os limites da clareira. – Tudo certo, então.
Natasha estendeu a mão livre a fim de segurar a manga da roupa
camuflada de Ava.
– Estou na sua retaguarda, garota – avisou. – Sabe disso, né? –
Soou brusca ao dizê-lo. Não conseguia exprimir seus sentimentos
de uma maneira melhor do que essa.
Se alguma coisa acontecesse com você– acontecer com você–
de novo…
Se eu perder Alexei e você…
Ava interceptou o olhar dela por um segundo.
– Eu sei. – Em seguida, inspirou fundo…
Esticou a cabeça para fora do abrigo, como um coelho se
aventurando para fora da toca…
Perscrutou a clareira…
E ficou inerte.
A expressão de Ava mudou, e ela voltou a olhar para Natasha,
mexendo a cabeça na direção do espaço aberto além delas.
– Hora de ir.
– Você é quem disse. – Natasha ergueu a Glock.
– Não a gente, eles. Olha ali. – Ava recuou para fora do
esconderijo, e Natasha colocou a cabeça no ar quente florestal,
erguendo o monóculo.
E depois o abaixou.
Natasha não precisava dele para enxergar as cabeças escuras
deslizando pelas palmeiras ao longo do cume. Os russos estavam
indo embora.
– Talvez acreditem que já nos abateram – Natasha sugeriu
lentamente.
– Problema resolvido. – Ava abriu um sorriso.
– Não. – Natasha franziu a testa. – É um novo problema. Eles vão
querer confirmar as mortes. Descobrir quem estava de olho neles.
Eu diria que temos três minutos.
– Então o que estamos esperando? – Ava perguntou, impaciente.
– Vamos sair logo daqui. Depois a gente rastreia eles de volta até o
buraco de onde rastejaram, seja lá qual for.
– Tire a jaqueta – Natasha disse de repente. Já estava tirando a
sua própria.
– O quê? – Ava pareceu confusa.
– Só obedeça.
Ava se retorceu para fora da jaqueta, abandonando-a na lama ao
seu lado. Natasha jogou a dela no buraco e depois a de Ava.
– Espere. Esqueci o PropX. Ainda está no meu bolso.
– Deixe aí – Natasha falou. Pegou a faca de combate Ka-Bar,
enfiada em seu cinto de utilidades. A lâmina reluziu quando ela se
virou para Ava. – Agora me dê a sua bota.
– A minha o quê? – Ava franziu o cenho, mas começou a
desamarrar o coturno. – Por quê?
– Supostamente estamos mortas. E os mortos costumam sangrar
um pouco – Natasha explicou, deslizando a lâmina ao longo da
palma. Quando o sangue se empoçou na mão, ela se esticou e
agarrou a bota de Ava, esfregando-a na lateral interna.
Galhos começaram a estalar e quebrar nas imediações. Ava
ergueu o olhar, assustada.
– Ouviu isso? Estão abrindo um caminho. Estão se aproximando.
– Pelas minhas contas, ainda temos uns trinta segundos –
Natasha disse enquanto media o que pareceram ser dez passos a
partir do tronco. – Tempo de sobra.
– Que ótimo – Ava comentou.
Natasha pegou um punhado de lama e se ajoelhou para enterrar
a bota debaixo dela. Depois ergueu o olhar para o dossel de folhas
e gesticulou.
– Não fique aí parada. Corte um pouco daqueles galhos para
mim. Precisamos que eles encontrem nossos restos mortais.
– Está se referindo à minha bota?
– Prefere deixar o pé?
Ava desembainhou as adagas um instante antes de Natasha
terminar a frase. Uma pilha de imensas folhas de bananeira, cascas
secas e até mesmo alguns frutos despencaram sobre a bota
enterrada na lama.
– É isso…?
– Psiu – Natasha disse, olhando para cima.
Já conseguiam ouvir vozes – chamando uns aos outros em seus
respectivos caminhos em meio à mata fechada.
– Trista kilometrov… – Trezentos quilômetros.
– Oni gde-to zdes’… – Estão aqui em algum lugar.
Vozes russas. Sons ásperos. Caras durões.
Natasha suspirou.
– Agora seria um bom momento para começar a correr – disse
ela, pegando o explosivo remanescente de dentro do colete.
Segurou-o no alto, pressionando os dedos ao longo da base até que
uma minúscula fileira de luzes surgisse, uma depois da outra.
Olhou por cima do ombro para Ava.
– Armas à frente. E aperte os cotovelos junto ao corpo ao sair.
Você não vai querer estilhaços nas suas artérias quando isto aqui
explodir.
Ava falseou.
– Mas e você?
– Sei cuidar de mim. Vá… – Natasha sibilou. Já conseguia
vislumbrar as silhuetas escuras se movendo rumo à frente da
clareira. – Slyshal chto? – Ouviu isso?
– Do svidaniya… – Ava respondeu, encarando Natasha. Adeus.
E disparou a correr.

Não olhou para trás, e Natasha não queria que ela o fizesse.
Nem mesmo quando Natasha assumiu sua posição de explosão –
mergulhando numa amálgama verde, formando com destreza um
ângulo com as botas de modo a absorver o poder de fogo enquanto
aterrissava; nem quando o calor, a fumaça e os estilhaços cobriram
ambas, tampouco quando os russos, surpresos e gritando,
tornaram-se mais audíveis…
Nem quando o primeiro bum acendeu o segundo…
- !
CAPÍTULO 12: AVA
NAS PROFUNDEZAS DA AMAZÔNIA LEGAL, BRASIL
CEM QUILÔMETROS AO SUDOESTE DE MANAUS

Ava mancava pela tortuosa trilha da floresta. Ela estava uma zona –
com apenas uma bota, vestindo uma camiseta suja e sem jaqueta.
Não percebia nem se importava se estava ou não sendo comida
viva pelos mosquitos. PropX I: Experiência de Campo; Nota A+.
Adoraria ver qualquer outro aluno de sua turma se dar bem nesse
tipo de jogo.
Ou não.
Depois que notou estar em segurança, do outro lado do
espinhaço distante do local da explosão, Ava apertou os olhos com
força, abrindo caminho através do elo quântico que partilhava com
Natasha até o lugar em que as suas mentes se ligavam.
Mostre-me. Onde você está, sestra?
Sua mente estava repleta de estática – ainda rodava. Conseguiu
apenas uma breve imagem de Natasha, arrastando-se de barriga
pela lama, mas foi o bastante.
Ali. Graças a Deus. Você está viva.
Ava voltou a se concentrar, dessa vez percebendo a sensação da
terra úmida depositada entre os dedos de Natasha, escorrendo por
baixo da segunda pele enquanto ela se arrastava para a frente.
Significa que ela está em movimento.
Captou um último vislumbre de Natasha bem quando o terreno
desigual sob a agente chegou a uma crista, fazendo-a descer
rolando uma colina escorregadia.
Ava conseguia sentir que Natasha estava desistindo, permitindo-
se cair, chocando-se contra raízes retorcidas e pedras, e quando
Ava reabriu os olhos…
Lá estava Natasha, bem à vista da trilha preparada por Ava
naquela mesma manhã, na mata rasteira a caminho da margem do
rio.
Sestra…
Ava estava ao lado de Natasha antes mesmo de ela abrir os
olhos, antes de ela emitir qualquer som. Agora que os russos
desnorteados já não podiam mais as ouvir, e a artilharia
ensurdecedora começava a se dissipar nos seus tímpanos, a
adrenalina começou a recuar. De repente, restou somente o pânico.
Natasha estava ferida, e Ava tinha que tomar as rédeas da situação,
estivesse pronta ou não, sabendo ou não o que estava fazendo…
Primeiros socorros básicos. Isso eu sei. Pronto atendimento de
campo. Lembro dessa lição.
– Venha. – Ava se inclinou sobre Natasha, arrastando-a até a
parte adjacente da trilha em que ambas poderiam descansar
escondidas sob a proteção de uma bananeira. – Ufa. Sabe, não
parece, mas você é bem pesada para uma Vingadora. Pensei que
vocês precisavam estar em forma para lutar ou coisa do tipo.
– Bruce é mais pesado – Natasha retrucou, com os olhos ainda
fechados.
– E Tony, no seu traje de robô – Ava continuou. – Eu não gostaria
de estar arrastando aquele treco por aí agora.
– Provavelmente, Tony e o traje robótico dele teriam sido úteis lá
atrás. – Natasha tossiu, abrindo os olhos. Sua boca estava
machucada e sangrava.
– Agora é que você admite isso?
– Está tudo bem – Natasha grunhiu, mas para Ava parecia que
ela se esforçava para falar. – Eu não sabia o que Tony havia
colocado naquela coisa e subestimei o poder de fogo. Acontece.
Mas vou ficar bem.
– É melhor mesmo – Ava disse, determinada.
– Vou, sim. – Natasha se recostou numa rocha e tirou o excesso
de lama da camiseta preta imunda. Não fez diferença alguma. –
Estou ótima. – Tateou a testa e esboçou uma careta. Quando
abaixou os dedos, encontrou sangue neles.
– O que foi? Você está ferrada mesmo – Ava comentou,
sentando-se ao seu lado.
– Ei, não vou dizer que aquilo foi perfeito, mas deu conta do
serviço. – Natasha limpou a mão suja de sangue nas calças. – Na
verdade, eu diria que isso foi seu treinamento de “aprendendo
maneiras de desferrar uma situação ferrada – módulo I”.
– Acha mesmo? – Ava a encarou e depois desviou o olhar. – Se
essa foi uma das suas melhores experiências em campo, lembre-me
de sempre levar um saco mortuário para você nas missões.
Natasha riu, cerrando os olhos.
– Estou me sentindo um lixo.
– Você parece um lixo – Ava concordou. Depois inspirou. – E está
fedendo a churrasquinho.
– Este cheiro é da minha pele. Talvez do meu cabelo. Levei uma
bela defumada – Natasha admitiu.
– Excelente. Acho que vou ficar enjoada.
– Já vi coisa pior – Natasha disse. – E também já me senti pior.
– Por que isso não me surpreende? – Ava suspirou.
Natasha deu de ombros.
– Um banho talvez caísse bem agora.
– Acha mesmo? Este cheiro está me matando.
– Tão ruim assim, é? Não consigo sentir. Acho que queimei a
parte do nariz que cuida de sentir cheiros, seja lá qual for ela –
Natasha comentou.
– Eu queria muito que você não precisasse bancar o tempo todo
essa droga de super-heroína – Ava confessou, retirando a camiseta
encharcada por cima da cabeça. Largou-a no chão ao lado,
desembainhando uma das adagas brilhando em azul e cortando o
tecido ao meio.
– É um hábito. – Natasha se apoiou na rocha atrás de si.
– Estou começando a entender isso. – Ava passou o curativo
improvisado ao redor da cabeça de Natasha, cobrindo o corte na
têmpora. – Vamos só levá-la de volta ao helicóptero – disse,
levantando-se. Estendeu a mão para amparar o braço de Natasha. –
Consegue chegar lá?
– Claro. Estou bem. É sério – Natasha replicou, pegando a mão
de Ava para se erguer. Vacilou em alguns passos trôpegos, só para
provar o que dizia. – Viu? E você?
– Eu? Estou ótima – Ava respondeu, amarrando o que restava da
camiseta na cintura. Sua regata estava toda encharcada de lama e
suor. – Eu só queria ter conseguido ir atrás deles. Provavelmente
nos teriam levado de volta à base deles. – Sentou-se numa rocha ao
lado de Natasha.
Natasha olhou para ela com uma expressão furtiva.
– É mesmo? Dá uma olhada nisto. – Pegou o ComPlex e deu dois
toques nele. A rede de pontinhos brilhantes azul-claros ressurgiu no
quadrado translúcido. Ela arrastou um dedo pela lateral, e um grupo
de luzinhas verdes surgiu. Então uniu os dedos em pinça, e a
imagem se reduziu até que o rio e os cumes ao redor da bacia se
tornaram visíveis.
– Você os está rastreando? Os russos? Mas como? – Ava se
agachou na lama ao lado de Natasha para conseguir ver melhor.
– Um bônus do PropX, o Tango Rastreador. Bem, pelo menos é
assim que Tony o chama. – Natasha sacudiu a cabeça. – É um treco
genial. Na verdade, é um truque antigo da inteligência russa, de uns
cinquenta anos atrás, poeira espiã.9 Agora, virou o modo
aerossolizado de Stark de identificar qualquer um que apareça num
local de explosão após o ocorrido. Afinal, em geral não são os
mocinhos que vão dar uma volta no local onde houve um crime.
– Incrível. – Ava encarou o acrílico em total descrença.
– Pois é, só não conte ao Tony. Estou bem cansada de ouvir
sobre aquele laboratório de ideias, e ele já é arrogante o bastante.
– Jura? – Ava brincou.
– Mas agora, como bônus… – Natasha desferiu um toque duplo
em um dos pontos verdes, fazendo uma janela se abrir. Dentro dela,
uma sequência ininteligível de números começou a rolar. – Ali.
Bingo.
– O que são todos esses números?
– Sou eu. Bem, é o meu . Agora sabemos que esses homens
verdinhos estão com a sua bota. – Natasha contemplou o desfile de
formas cintilantes. – Com sorte, eles acreditarão que acabamos nos
explodindo enquanto tentávamos explodi-los. O que, infelizmente,
acontece toda hora.
– Eu sei.
– Por causa do seu treinamento de munições?
Ava meneou a cabeça.
– Das noites de filmes. Guerra ao terror.
Natasha tentou não rir.
– Talvez eu devesse ter conferido o seu relatório com um pouco
mais de cuidado antes de trazê-la a campo.
Os olhos de Ava permaneceram fixos nos pontinhos verdes.
– Quanto tempo isso dura? A… poeira espiã.
– Espero que tempo suficiente para voltarmos ao Rio,
interceptarmos o sinal e passarmos para a tática aérea. Vigilância
por satélite e drones. Equipamentos que podemos monitorar de
Nova York.
– Maravilha. – Ava depositou a mão livre sobre o ombro de
Natasha. – Agora vamos voltar para o helicóptero. Acha que vai
conseguir pilotar, toda machucada assim?
– Claro. – Natasha se segurou no braço de Ava e se endireitou. –
E não se preocupe. Teremos os Cinco Olhos nisso.
– Cinco Olhos? – Ava se inclinou para pegar a mochila de
Natasha e a colocou sobre o ombro, junto da sua.
– Ainda não ensinaram isso para você? Cinco Olhos: Estados
Unidos, Reino Unido, Canadá, Austrália e Nova Zelândia. Passamos
para olhos eletrônicos, saímos e depois aplicamos a nesta
mala preta quando chegarmos em casa. – Natasha se apoiou em
Ava, e começaram a andar na direção do helicóptero.
Ava franziu o cenho.
– ? Como uma equipe da ?
– Tá brincando que você não sabe. – Natasha fingiu surpresa. – É
uma sigla em inglês para Forças, Fraquezas, Oportunidades e
Ameaças. Avaliação de Ameaças I. Você devia ter visto isso no seu
primeiro dia de aula. Junto à redação sobre “Quem eu embosquei
nas férias de verão”.
– Puxa, essa doeu – Ava comentou. Enquanto caminhavam, ela
observava o ComPlex em sua mão. – Não sei, não. Tudo isso me
parece tão deprimente.
– Por quê? – Natasha perguntou, parecendo cansada.
Ava balançou a cabeça.
– Não tem importância agora.
– Por que não?
– Porque não. Você está ferida, e é melhor irmos embora.
Natasha revirou os olhos.
– Ah, faça-me o favor. Já comi cachorros-quentes que me fizeram
mais mal do que isto.
– Devem ter sido uns tremendos cachorros-quentes.
– Pastores-alemães quentes – Natasha brincou.
– Ah, entendi. Só é preciso explodi-la pelos ares, e daí é que ela
faz piadas. – Ava sorriu, mas sem parar de andar. – Vamos. Vamos
deixar isso com os cinco caras ou os cinco olhos, tanto faz. Só me
diz uma coisa.
– Manda – Natasha disse, fazendo uma pausa no percurso. – O
que quer saber?
– Eu só estava aqui pensando… – Ava hesitou. Depois entregou o
ComPlex a ela. – Qual é a sua opinião sobre a chuva roxa.
– O álbum do Prince?
Ava apontou.
– No mapa. O que essa chuva roxa significa?
– Radiação. Por quê? – Natasha baixou o olhar para o ComPlex e
lentamente respondeu à própria pergunta. – Porque nossos amigos
verdes brilhantes estão se dirigindo para uma zona roxa enorme.
– E está ficando mais brilhante. O que isso quer dizer?
– Der’mo… – Natasha estudou o mapa. – Quer dizer que temos
que voltar. – Quando, por fim, ergueu o olhar, sua expressão estava
séria. – Por cinco minutos. Encontramos o acampamento deles.
Entramos, damos uma olhada e saímos.
– Tem certeza? – Ava perguntou.
– O suficiente. – Natasha pegou a sua mochila, a que Ava
carregava. – Não podemos ir embora. Não agora. Não quando
encontramos esse tanto de radiação. Tenho que me aproximar o
bastante para avaliar o quão ruim é a situação.
– Tudo bem. Cinco minutos – Ava concordou ao seguirem a
direção dos pontos verdes e da mancha roxa pulsante.
Quanta radiação é isso?
Não importava.
Iriam encontrar o acampamento, e talvez algumas respostas.
Ava disse a si mesma que deveria se sentir aliviada. Disse a si
mesma que deveria se sentir empolgada. No mínimo, pronta para a
ação.
No entanto, só o que conseguia sentir era medo.
Composto químico contendo luminol e nitrofenil pentadieno, a
chamada “poeira espiã” foi usada pela durante a Guerra Fria.
Seu objetivo era rastrear norte-americanos residentes em território
russo por meio da propagação da substância ao tocá-la (em
maçanetas) ou pisando em cima (de tapetes automobilísticos), por
exemplo. (N.E.)
CAPÍTULO 13: NATASHA
NAS PROFUNDEZAS DA AMAZÔNIA LEGAL, BRASIL
CEM QUILÔMETROS AO SUDOESTE DE MANAUS

Cinquenta e cinco minutos mais tarde, as duas Viúvas permaneciam


escondidas na vegetação densa da floresta tropical, a cem metros
de onde os pontos verdes agora se reuniam, encarando o que
parecia um galpão militar da época da Segunda Guerra Mundial –
dois andares de aço enferrujado, já meio sobrepujado pela floresta.
Veraport. Só pode ser isso. Pelo menos, a versão local.
A cabeça latejava, e o ombro devia estar deslocado, mas, em
algum lugar além da dor, ocorreu a Natasha que estava
impressionada. Mesmo com o monóculo, teve de verificar duas
vezes antes de notar os sacos de areia empilhados junto às portas e
aos cantos da construção, onde as armas automáticas foram
montadas. Os atiradores contratados de vigia, escondidos nas
ribanceiras ao alto. O perímetro de terra recém-cavada ao redor da
estrutura, provavelmente com minas explosivas. Trepadeiras finas
subiam por cada centímetro do telhado de metal corrugado. Se
Natasha e Ava não tivessem visto com os próprios olhos quando
uma patrulha de atiradores russos camuflados passou por uma
espécie de portão de carga camuflado, talvez nem a tivessem
notado.
Natasha sabia que não se tratava de uma operação conduzida
por amadores.
E esse era o problema.
Você não pode levar a garota para lá. Nem deveria deixá-la aqui
fora. Ela não faz ideia de onde está se metendo, mas você, sim.
Não importa o que ela acha que tem ali – e o que você sabe que
tem ali –, trazê-la aqui foi um erro.
E sabe o que mais? Coulson vai te matar.
Natasha afastou tais pensamentos. De nada adiantavam. Não
podia sair correndo agora – ainda mais porque mal conseguia andar
sem mancar.
– Aquilo é uma pista de pouso? Tem o reflexo de uma luz ali, na
próxima clareira. – Ava apontou, e Natasha virou o monóculo.
– Parece um hangar antigo da , provavelmente de
salvamento militar. Faz sentido. Tem que haver uma maneira de
entrar e sair daqui, provavelmente pelo ar, e eles devem estar
escondendo essas aeronaves em algum lugar. – Natasha entregou
o monóculo a Ava.
– Não dá pra acreditar em como eles conseguiram esconder isso
tão bem – Ava comentou, observando através das lentes duplas. –
Ninguém imaginaria que está aí.
Mas o rastro digital do lugar era uma história completamente
diferente. Quando Natasha pegou o ComPlex, o círculo roxo
pulsante que abarcava as figuras verdes na tela do instrumento de
precisão não poderia estar mais intenso.
Quanto mais se aproximavam do depósito, mais brilhante a aura
violeta se tornava. Agora a coisa toda ali está mais acesa do que
Nova York na época do Natal, como o Rockefeller Center, Natasha
pensou. Só que não de um modo bom…
– Tem que ser isso – Ava disse, observando a tela transparente
por sobre o ombro. – A fonte da chuva roxa.
– Estou recebendo leituras intermitentes de raios gama e nêutrons
agora. É radiação demais para não ser nada.
E nada a respeito disso é bom.
– O que isso significa? – Ava parecia preocupada. – Gama o quê?
O que tem ali, exatamente?
– Não temos como saber com certeza até estarmos mais perto –
Natasha respondeu. – Dá pra medir plutônio e urânio a uma
distância maior, mas vai saber o quanto essa estrutura está
reforçada, que tipo de proteção tem? Para avaliar melhor a situação,
precisamos nos aproximar mais.
Você nem devia estar contando isso a ela.
Você sabe o que tudo isso significa, e é loucura.
– O quanto devemos nos aproximar? – Ava perguntou.
– Dez metros. Em suma, fora, mas do lado do galpão. Ou, melhor
ainda, dentro.
– Bem perto, então. – Ava olhou de novo na direção do galpão.
Natasha dispensou um mapa na tela quando o deslizou para o
lado, e outro apareceu em seu lugar.
– Deixe de lado a radiação por um momento. Vamos verificar o
mapa térmico.
Seria bom sabermos quais são as nossas chances.
Antes de entrar nisso com uma criança.
– Muito bem. Quantos elementos conseguimos ver aí? – Ava
perguntou, na tentativa de não parecer muito nervosa.
Elementos. Parecia estranho ouvir essa palavra saindo da boca
de uma adolescente.
– Dez, talvez quinze. Todos agrupados em uma área, bem aqui. –
Natasha tocou na tela. – O que você acha, será que é um tipo de
quartel?
Ava pensou a respeito.
– Um refeitório, talvez?
– É, hora de comer. Provavelmente. Nesse caso, esperamos que
mastiguem bem devagar enquanto eu investigo as premissas –
Natasha disse.
– Nós – Ava a corrigiu.
Natasha a encarou.
– Acha mesmo que está pronta?
Porque sei que você não está.
– Não importa. Pode ter relação com Yuri Somodorov, lembra? –
Ava já se movia rumo à clareira.
Natasha a segurou com o braço bom.
– Vamos entrar e sair, só para reconhecimento. E nada mais. É
apenas para encontrar fatos. Nada além de uma operação de
turismo amazonense. Está me entendendo?
Ava libertou o braço com um puxão.
– Estou. Somente mapa e câmera. Entrar e sair, como você disse.
– Só reconhecimento mesmo? – Natasha analisou a garota, que
já empunhava as duas adagas.
– Só reconhecimento mesmo – Ava concordou.
– Muito bem. – Natasha se agachou, movendo-se até o limite da
vegetação usada como cobertura. Ava a seguiu.
Se vamos fazer isto, vamos fazer rápido, Natasha pensou.
Precisão é tudo.
Ela perscrutou o prédio ao longe.
– Não há cobertura suficiente para tentarmos parar e
conseguirmos uma leitura da radiação do lado externo. Temos que
subir e entrar. Parece que a maior mancha roxa está no segundo
andar. Em duas salas adjacentes. Odeio escadas, mas acho que
não temos escolha.
– Você detesta escadas? Por quê?
Ah, criança, as coisas que você não sabe…
Natasha olhou para ela.
– Porque dá pra atirar granadas de cima de uma escada –
explicou. – Se ainda não aprendeu isso, vai aprender.
Honestamente, Natasha não aprendera isso na . . . . . ., de
jeito nenhum. Na verdade, ainda conseguia enxergar o papel
amarelado do velho manual de treinamento britantsy – escrito pela
5 à procura de combater os nazistas –, que mais tarde Ivan
Somodorov roubou para lutar contra os britânicos.
Fique longe das ruas quando puder acessar jardins, quintais e
vielas. Nunca use escadas quando houver a possibilidade de
alguém rolar uma granada por elas. Sempre atire duas vezes; uma
para matar, outra para desacelerar o sistema nervoso mais
rapidamente, a fim de ser furtivo. Informe apenas endereços falsos
ao entrar num táxi de passagem. O melhor modo de passar por
arame farpado é fazer com que alguém deite sobre ele primeiro e
tire as farpas por você…
– Entendi. – Receosa, Ava contemplou a escada.
– Fique perto de mim – Natasha disse, empurrando os fantasmas
para trás. – É sério.
– Vá – Ava disse, brava. – Consigo fazer isso, vovó. Você é pior
do que o Coulson.
– Três. Dois. Um… – Natasha disparou, mantendo a cabeça
abaixada e o corpo meio agachado. Posição compacta. Passos
leves.
Ignorou a dor, concentrando-se, em vez disso, no que conseguia
ver e ouvir. Sombras e botas.
Continuou atenta, certificando-se de que Ava a seguia.
Ativeram-se às sombras periféricas pelo máximo de tempo que
conseguiram, só disparando pela clareira ao redor do galpão no
último momento possível.
Natasha conseguia sentir Ava observando-a enquanto corriam.
Em seu favor, a garota nunca desacelerou nem titubeou. Quando se
aproximaram da construção, conseguiram ouvir um zunido baixo de
vozes indistintas do outro lado, mas era difícil entender mais do que
uma palavra ou outra.
– Glupvy… – Estúpido. Sempre.
– Glok… – Eles tinham ouvido o som da Glock de Natasha.
– Amerikantsy… – Americana. Provavelmente falando sobre a
bota.
Agora a escada raquítica. Natasha subiu dois degraus por vez, e
só parou na plataforma do segundo andar com o intuito de
pressionar o ouvido contra a porta de alumínio. Barra limpa.
Ava a seguiu de perto, permanecendo à sua sombra. Um pé com
bota, o outro só de meia. Os respectivos passos soavam desiguais –
pesado, suave; pesado, suave; pesado, suave.
– Mexa-se – Natasha sussurrou, recuando até a beirada da
plataforma. Seria preciso acelerar um pouco se queria abrir aquela
coisa.
– O que está fazendo? – Ava sibilou em resposta.
– Metendo um chute na porta.
Ava desembainhou a mais curta das duas armas eletrizadas de
que dispunha – de fato, aquela se aproximava mais a uma adaga ou
a um facão de caça – e rompeu a trava com a energia da luz azul,
em uma fração de segundo. Desligou a lâmina e a guardou de novo
no cinto de utilidades, antes que Natasha proferisse uma palavra
sequer.
Bem, isso não é algo que ensinam na Academia.
Natasha olhou para Ava. Ava deu de ombros. A porta se abriu, e
as Viúvas entraram.
No interior do cômodo, havia algo parecido com um depósito
industrial, abarrotado até o teto com filas organizadas de caixas de
madeira para expedição. Pareciam pré-fabricados, embora fosse
difícil determinar com exatidão, por causa das juntas enferrujadas.
Mas isso é definitivamente militar. Da época da Segunda Guerra
Mundial, como pensei.
Lâmpadas pendiam da armação do teto em extensão única de
fiação em cabos emborrachados; mas, com a luz apagada, o pé-
direito só era parcialmente visível. As paredes exibiam faixas
metálicas, como se tivessem removido prateleiras a fim de abrir
espaço para a mercadoria que ocupava o lugar, qualquer que fosse
ela.
Natasha registrou todas essas informações em dois segundos,
logo que entrou na sala; o que ela viu em seguida foi ligeiramente
mais problemático. Uma cadeira dobrável vazia junto à porta. Sobre
o assento plástico havia uma lata de refrigerante cortada ao meio,
criando um cinzeiro improvisado. A fumaça ainda subia da lata para
o ar.
– Veja. – Ava segurou Natasha pelo braço, apontando.
– Eu sei – Natasha respondeu, mantendo o tom baixo. – Estou
vendo. O cara do Marlboro não deve ter saído há muito tempo,
precisamos ser rápidas.
– Não sei bem se eu fumaria numa sala radioativa – Ava
sussurrou.
– Escolhas de vida.
Os olhos de Ava se arregalaram quando ela esquadrinhou a sala.
– Então, seja lá o que for que tem nessas caixas, imagino que
explique os manifestos de despacho – sussurrou.
– Isso mesmo. Veraport. Está listado bem aqui nas etiquetas de
embarque. É como a manhã de Natal para todos os garotinhos e
garotinhas malvados. – Enquanto falava, Natasha sacou sua faca e,
rápida e silenciosamente, cortou a beirada selada da caixa mais
próxima. Começou a forçar a tampa. – Vamos dar uma olhada
nesse carvão.
– Carvão? – Ava olhou para ela.
Natasha puxou a caixa de madeira com mais força.
– Bem, considerando que há algumas horas a gente cruzou a
linha divisória da Lista das Crianças Malcomportadas… – Puxou
com mais força, e a tampa se partiu.
Natasha espiou dentro. Assobiou.
– Puta merda.
– O que foi? – Ava se aproximou a fim de enxergar melhor. –
Armas?
Natasha balançou a cabeça.
– Perdoa-lhes, Pai, porque eles pecaram.
Dentro da caixa, havia filas e filas de réplicas do Cristo Redentor –
estátuas em miniatura da imagem do ícone religioso mais renomado
do mundo, o Messias de pedra-sabão erigido no cume de um dos
morros mais famosos do Rio – e haviam sido organizadas com
esmero. Natasha ergueu uma delas.
– Souvenires.
– Tudo isso? E só? – Ava perguntou num sussurro.
– Pelo visto, nossos amigos russos são incrivelmente devotos –
Natasha disse baixinho, manuseando a estátua. – Não é uma
característica da Sala Vermelha que eu já tenha visto.
– Bem, aqui está a prova. Pelo visto, não se pode julgar um livro
pela…
– Espere – Natasha interrompeu-a. Envolveu a estátua na
camiseta suja, para abafar o som, e a quebrou na lateral da caixa. A
escultura de cerâmica se partiu, revelando um frasco do tamanho de
um tubo de pasta de dente, enrolado em plástico e contendo um pó
negro e cintilante. – Ah, veja só, pode-se julgar, sim – Natasha
retrucou, sorrindo ao sacudir a camiseta. – Julgue o quanto quiser.
Ava pareceu surpresa.
– O que é isto?
– Mercadoria – Natasha respondeu. – O que equivale a dinheiro.
O que explica as armas, os explosivos e as botas no chão para
carregá-las. – Tentou manter a voz baixa, mas a emoção estava se
revelando nela.
– Mercadoria?
– É o que os canalhas inventaram há milhares de anos para
ganhar dinheiro sujo a fim de pagar pelos seus hábitos
problemáticos. Drogas. Petróleo. Contrabando. Você precisa de
mercadoria se quiser começar uma guerra. De qualquer maneira,
não importa muito qual seja ela, não para o nosso objetivo.
– Quer dizer que você acha que este negócio preto é algum tipo
de droga? – Ava pegou o frasco da mão de Natasha, examinando-o
com mais atenção. – Por que Veraport a manteria num galpão
radioativo?
Natasha vasculhou o restante da caixa.
– Talvez por ser o último lugar a que qualquer pessoa sã iria?
– Ou talvez este treco seja radioativo? Será que é ele que está
disparando os escâneres de radiação?
– Não sei – Natasha respondeu, pesando o frasco de pó negro
com a mão. – Sem dúvida, não é algo que eu tenha visto com os
nossos amigos do Departamento de Narcóticos antes. Mas, sim:
seja lá o que for, é uma novidade do mal usada para pagar armas
do mal, que darão manchetes ainda piores. – Fechou a tampa da
caixa e abriu a próxima.
Estava cheia de dinheiro, fechado em sacos plásticos próprios
para congeladores e presos com fita isolante.
– Euros. Dólares. Olhe para todo este dinheiro… – Ela pegou um
saco com rublos. Dinheiro russo. – Não é muito inteligente guardar
tanto dinheiro num só lugar.
– Por quê?
– Porque alguém como nós pode passar as coordenadas, e
alguém como Tony pode lançar uma bomba aqui – Natasha
respondeu.
A voz dela não demonstrava emoção alguma, o que demandava
um imenso gasto de energia – porque o que ela queria mesmo era
berrar. Testemunhara aquilo milhares de vezes, a infraestrutura da
violência – a oficina meticulosa de um fabricante de bombas, a casa
alugada suja de um grupo terrorista, o rifle de precisão abandonado
por um atirador de elite, ainda apoiado no parapeito de uma janela.
Sabia que nunca conseguiria fugir disso; era o seu trabalho e a
sua vida.
Mas tampouco conseguia se lembrar de alguma vez em que
estivesse absolutamente farta – física e emocionalmente cansada –
de lutar.
E aqui estou eu no armazém de drogas de Yuri Somodorov, com
indícios de luta ainda para acontecer, não importa o quanto eu
queira fugir disto.
Natasha empurrou o saco de dinheiro de volta na caixa. Ava
encarou o frasco de pó negro em sua mão.
– Quer dizer que nosso informante de Moscou estava certo. O
dinheiro da Sala Vermelha tem origem na América do Sul. Veraport,
provavelmente administrada por Yuri Somodorov, de alguma
maneira está ligada à atuação europeia da Sala Vermelha.
– Você está se referindo à operação de Ivan – Natasha disse. –
Foi assim que ele financiou Istambul. – O nome da cidade pairou
sobre elas como um fantasma, e ambas o sentiram.
Este lugar matou o meu irmão. Estas drogas. O dinheiro de
Somodorov.
Ava assentiu, lentamente conectando os pontos.
– Esta é a ligação seguinte. Este lugar. Nós vamos conseguir.
Vamos desmascarar a operação inteira.
– Não se precipite. – Natasha mexeu no Bracelete e começou a
escanear e tirar fotos das caixas. – Há muito mais por trás desta
história em algum lugar. De onde eles conseguem isto, e o que é
isto? Para onde vai? Como podemos usá-lo para derrubar o restante
da cadeia alimentar da Sala Vermelha? Não saberemos com certeza
até os laboratórios da . . . . . . o analisarem. Talvez nunca
saibamos. – Desligou o Bracelete e pegou o saquinho plástico da
mão de Ava, guardando-o no bolso. – Vamos continuar. A gente faz
as leituras e sai daqui.
– Yest’ yemnogo vera – Ava disse de repente. Tenha um pouco de
fé.
– O que disse? – Natasha lhe lançou um olhar estranho.
Ava apontou.
–Veja. Ali no canto da madeira…
Um slogan estava carimbado com uma espécie de tinta industrial.
Uma palavra, , era mais grossa do que as outras, e não era
parte do nome Veraport.
Era uma palavra em russo, e as duas a conheciam muito bem.
.
CAPÍTULO 14: AVA
NAS PROFUNDEZAS DA AMAZÔNIA LEGAL, BRASIL
CEM QUILÔMETROS AO SUDOESTE DE MANAUS

– Fé – Ava repetiu. – Veraport de repente virou uma organização


baseada em fé?
– Também está impresso nos sacos. Veja… – Natasha levantou o
saco de pó negro. Lá estava uma etiqueta: . – Então Fé pode
ser o nome que eles usam para vender a droga.
– Está se referindo às ruas? – Alexei estava atrás dela. –
Vendendo para as pessoas? Isso é muito maluco.
– Muito maluco – Ava disse, de repente.
Natasha fechou a última caixa contendo as estatuetas.
– É assustador, motivo pelo qual não vamos continuar aqui para
descobrir mais. Vamos fazer a leitura e ir embora antes que o cara
do Marlboro retorne do seu turno de fumar.
– Certo – Ava concordou. – A leitura. Cuido disso. – Puxou o
velcro do bolso e retirou o ComPlex do cinto de utilidades. Depois o
largou em cima da tampa da caixa de madeira, e o mapa de
iluminação azul apareceu.
– Mais rápido – Natasha a apressou, indo para perto da janela. –
Os russos estão levantando. Temos que concluir isto.
– Ela tem razão – disse Alexei. – É arriscado demais.
Ava tocou na tela, acionando o mapa de radiação.
– Não sei o que estes números significam, mas eles triplicaram…
não, quadruplicaram… o que vimos do lado externo.
– Então conseguiu a leitura? Podemos ir?
– Espere. Não está vindo das caixas. – Ava levantou os olhos. –
Os números dobram de novo do outro lado deste cômodo.
– O que significam, então? – Alexei perguntou. – Os números?
– Tem algo ali – Ava disse. Começou a se mover enquanto
avaliava o lugar, finalmente parando na porta oposta às escadas por
onde entraram. Um alvo roxo pulsante e claro agora estava aceso
na tela transparente. – Definitivamente está atrás daquela porta.
– O que é? – Alexei deu um passo em direção à porta.
– Maravilha. Temos os números agora – Natasha disse,
colocando uma caixa de volta no lugar. – Assim que nos afastarmos
o bastante para enviar um sinal, chamarei reforço aéreo. Temos
aviões que conseguem farejar radiação no ar sem ter que voar
abaixo de dez mil pés de altitude.
– O que quer que seja, são cinco coisas. – Ava ergueu o olhar,
aflita. Remexeu os dedos sobre a porta de aço. – A maçaneta está
quente.
– Você tem que fazer isso? – Alexei olhou de novo para ela.
Natasha sacudiu a cabeça.
– Não me obrigue a pegar e carregar você para fora daqui, porque
eu faço isso.
Alexei desapareceu através da porta.
– Mais dois minutos – Ava disse. Escancarou a porta e passou
por ela. Sem dizer mais nada.

***

Ava não sabia para o que estava olhando, só que se tratava de


algo vil. Aquelas coisas eram malignas.
– Bombas. São bombas – Alexei disse, parado junto dela.
As bombas que jaziam na sala escura podiam muito bem ser
cinco tubarões movendo-se pela água com cinco conjuntos de
dentes reluzentes.
– Puxa… – A voz se interrompeu.
A voz de Natasha veio de trás, ainda no outro cômodo.
– Deixe-me adivinhar – disse ela. – Cinco mísseis roubados, de
pelo menos três metros de comprimento, a julgar pelos números.
– Parece preciso – Alexei comentou.
– Invólucro de aço. Vou arriscar que têm menos de um metro de
diâmetro. E, baseada na radiação, ogivas ativas, portanto estou
pensando em mísseis balísticos táticos.
Alexei balançou a cabeça.
– Ativas como?
– Também estou presumindo que não há nada de curto alcance
nesses bichos. Sim, estou pensando que você está encarando uma
sala cheia de B-61.
Alexei olhou para trás, através da soleira da porta, para a irmã.
Ava continuou imóvel, apesar de desejar correr.
– Pois é. – Natasha ficou atrás dela. – Acertei em cheio.
– Não consigo acreditar – Ava disse.
– O que achou que seria? – Natasha balançou a cabeça. –
Plutônio é uma pista bem clara.
– É só que eu nunca pensei… Não sei.
O rosto de Ava empalideceu ainda mais, e ela não conseguia
despregar os olhos das cinco bombas cilíndricas.
– Acha que é disso que Maks tinha tanto medo? Armas
nucleares?
– Ele deveria – Alexei comentou.
Natasha deu de ombros.
– Ou, pelo menos, algo relacionado a isso.
– Você sabia? – Ava perguntou baixo. – Antes?
– Sim – Alexei disse. – Ela sempre sabe.
O rosto de Natasha estava inescrutável.
– Eu só tinha esperanças de estar errada. – Dito isso, a Viúva
Negra assumiu a liderança: aproximou-se, segurando seu Bracelete
diante do rosto, pressionou com precisão o sensor de três
milímetros que apareceu na borda. Um pequeno facho de luz se
projetou do seu pulso enquanto ela escaneava a sala, gravando
digitalmente seu conteúdo.
Ava franziu o cenho.
– Então, de onde elas vieram?
– É melhor descobrirmos – Natasha disse.
Ava voltou a erguer o ComPlex. O contador de radiação ionizada
começou a estalar intensamente, e ela o ergueu para Natasha.
– Veja só estes números. Isso faz você se lembrar de alguma
coisa?
– Sim – Alexei respondeu.
Natasha ergueu o olhar.
– Istambul? Sim, mas eu não ia dizer nada.
– Ela não quer assustar você – Alexei disse.
Ava sacudiu a cabeça.
– Não vou passar por aquilo de novo. Pelo que aconteceu em
Istambul.
Natasha pareceu se solidarizar.
– Não é a mesma coisa. Não será. Ivan se foi.
Alexei se foi.
– Não. Estou bem aqui. Não faça isso – Alexei interveio.
Ava balançou a cabeça.
– Não. Temos que fazer algo. – Olhou para Natasha. – Vamos
incendiá-las. Explodir com tudo e sair daqui.
– O quê? – Natasha pareceu surpresa.
– Você me ouviu. Vamos usar o PropX do Tony e explodir tudo
neste lugar.
Alexei olhou para ela com tristeza.
– Não é assim que funciona, Ava.
– Ouça o que está dizendo, Ava. – Natasha pegou o ComPlex das
mãos dela e o guardou.
– Estou cansada de ouvir. – As mãos de Ava se moveram para as
adagas. – Talvez nem precisemos do explosivo. Sabe o que são
estas coisas? Não são apenas aço. São energia pura. Se eu
aproximar só uma destas lâminas dos mísseis, provavelmente
conseguiremos derrubar o lugar todo.
– E depois o quê? O que acontece depois disso? – Até Alexei
estava em pânico.
– Você está dizendo loucuras e não temos tempo para loucuras –
Natasha concluiu, já empurrando Ava porta afora.
Ava se afastou, num safanão.
– Pense nisso. As drogas e as armas. Por que não tirar um dos
bandidos do mapa com uma explosão?
Natasha meneou a cabeça.
– Não é tão simples assim.
Alexei balançou a cabeça.
– Não mesmo.
– Você sempre diz isso.
– Não digo, não – Natasha rebateu.
– Eu não – Alexei negou.
Natasha voltou a segurar o braço de Ava.
– Olha só, o jogo é mais demorado do que isso. É uma grande
enganação, como diz Tony.
– Ninguém está jogando nada. Não quando os riscos são tão altos
assim – Ava disse, voltando a olhar para a sala dos mísseis.
– Quer explodir o armazém? Tudo bem. Mas só o que vai
conseguir é uma cratera no chão e um punhado de corpos em sacos
mortuários; com uma nuvem de radiação que se espalhará daqui até
a Índia.
– Agora você é que está sendo dramática – Ava retrucou.
– Devemos falar sobre as partículas radioativas? Lembra-se de
Fukushima? Existe tanta radiação nos Estados Unidos agora como
havia há cinco anos no Japão quando os reatores explodiram. Em
cinco anos, a nuvem tóxica atravessou o Oceano Atlântico inteiro.
Ava ficou em silêncio.
– Nisso ela tem razão – Alexei comentou.
Natasha balançou a cabeça.
– Quer pôr abaixo uma rede inteira do mercado clandestino?
Deter de fato um dos Bandidos Poderosos? Você usa o que tem,
bem na sua frente.
Ava a fitou. Ficou surpresa dessa vez.
– As bombas?
Natasha pegou um disco liso e da cor de ardósia de dentro da
mochila.
– O que é essa coisa? – Alexei encarou.
Parecia uma espécie de , só que, quando segurado contra a
mão, as digitais dela apareciam iluminadas por um instante na
superfície – e o objeto ganhou vida, tremeluzindo com uma série de
cinco pontos verdes pulsantes.
– Isto é um rastreador – Natasha explicou. – O meu rastreador.
Feito com a mesma tecnologia que as maiores empresas de aviação
usam em suas caixas-pretas.
– Isso é outra das patentes de Tony? Não me lembro de ter visto
isso em aula.
Natasha escarneceu.
– Acha que vocês recebem tudo o que é mais legal? – Ela o bateu
na lateral do míssil. – No segundo em que alguém tentar lançar esta
coisa, saberemos de onde ela veio, para onde vai, e a abateremos
antes de aterrissar. Não queremos apenas os mísseis. Queremos os
caras que os compraram, os caras que os venderam, os caras que
os lançaram.
– Sim, mas não se importa com as pessoas que eles matam, na
outra ponta? E quanto a esses caras?
– O Departamento de Defesa vem interceptando esse tipo de
porcaria desde antes você ter nascido. Na nossa atmosfera ou além
dela – Natasha explicou. – É por isso que temos um sistema de
defesa contra mísseis. Assim como a Rússia, a China, Israel, Índia,
França… O que quero dizer é que isso é uma operação padrão.
– Bombas? Padrão? – Alexei assobiou.
– Aquele que encara o outro lado disso, lá no fim dele, pode não
se sentir do mesmo modo. Ou é isso o que a . . . . . .
consideraria uma perda aceitável? – Era uma ideia incompreensível
para Ava.
Natasha afixou outro rastreador.
– Só quero saber quem é que está comandando por aqui. São os
peixes grandes que queremos fritar. Se estes mísseis roubados
estiverem ligados à rede de Ivan, eu quero provas.
– Provas bem grandes, bem fritas – Alexei comentou, examinando
o rastreador.
Ava não pareceu convencida.
– A única coisa que vai acabar frita é o pobre coitado na ponta de
recebimento destas coisas quando você as deixa soltas por aí.
Mas era tarde demais. Não havia motivos para discutir. Natasha
parecia decidida; de fato, ela já havia inserido rastreadores da
. . . . . . em cada um dos mísseis.
– Podemos debater a questão no Rio – Natasha espiou para fora
da janela. – Vamos.
– Estão vindo. Escada. Agora – Alexei disso.
Ava suspirou, mas deixou Natasha puxá-la pela primeira soleira,
depois pela seguinte – deixando os mísseis, as drogas, saindo pela
porta e chegando à luz decrescente do céu da floresta. Por fim,
chegaram à sacada raquítica no topo dos degraus externos ainda
mais raquíticos que terminaram nela. Só o que tinham a fazer agora
era descer a escada e atravessar a clareira, voltando para o abrigo
da selva.
Facinho, Ava pensou, embora ciente de que mentia para si
mesma.
À medida que se puseram a descer os degraus, uma voz chegou
até lá vinda da clareira, e elas pararam de se mover.
Uma voz russa.
De um homem.
– Não – Alexei disse.
– Não sou um homem sentimental, mas meu irmão era. Soldados.
São assim também. São todos iguais. Eles têm que tornar
significativo até a vida e a morte de um porco. Aos porcos – a voz
grunhiu.
Ela é familiar.
– Não, não, não – Alexei repetiu.
O som de copos se chocando seguiu as palavras do homem.
Um brinde. Eles estavam bebendo.
Comemorando.
– Ah, mas você é o porco, Yuri – uma segunda voz rugiu.
Ava ficou congelada.
Yuri.
O manifesto no apartamento de Maks estava certo. Devia ser por
isso que a voz era tão familiar.
O irmão de Ivan está aqui.
– Ava, não. – Alexei balançou a cabeça. – Continue andando.
A primeira voz caçoou.
– Meu irmão pode ter sido um maldito bastardo, mas era um
glorioso filho bastardo da Terra Mãe. O que fazemos agora, fazemos
em honra a ele.
Mais copos se tocando, mais grunhidos.
– Verdade…
– Isso…
– Ao Ivan…
– Ao velho cão…
Meia dúzia deles, pelo menos. Então há uma multidão ali
embaixo.
Yuri e seus homens.
A segunda voz disse:
– Teremos mil cabeças por cada alma, por cada soldado que
perdemos. Teremos nossa vingança. E o nome Somodorov será
temido em todo o mundo.
– Temos que ir – Natasha sibilou para Ava, empurrando-a para
baixo nas escadas diante dela. Ava se mexeu em silêncio, com os
olhos arregalados. – Corra! Agora!
– Obedeça a ela. Saia daqui. Vá! – Alexei berrou.
Natasha empurrou Ava o mais forte que pôde, e as escadas
tremeram debaixo delas.

***

– Não vou a lugar nenhum – Ava retrucou no instante em que se


encontraram em segurança, após a travessia da clareira rumo à
folhagem da floresta circunvizinha. – Aquele é Yuri Somodorov.
– Não importa – Alexei disse, das sombras. – Você tem que sair
daqui.
– Achamos que é – Natasha replicou. – Vamos observar e
escutar. Temos que ter certeza. – Girou um braço enquanto falava,
tentando recolocá-lo no lugar. Ela não parecia bem.
Ava circulava de um lado a outro, escolhendo os passos por entre
as raízes retorcidas das imensas árvores que as rodeavam.
– Não, nós sabemos que é ele. Você sabe que nós duas
reconhecemos aquela voz. Ele poderia muito bem ser o gêmeo de
Ivan.
Natasha suspirou.
– Vou ter que deixá-la inconsciente e arrastá-la de volta ao
helicóptero nas costas? Porque eu faço isso. Você sabe que sim.
– Você sabe que ela está falando sério. E sabe que ela tem razão
– Alexei disse. – Mesmo toda arrebentada, se ela tiver que carregar
você para longe daqui, ela vai fazer isso.
– O que sei é que ambas ouvimos o nome – Ava insistiu. – O
nome dele. Yuri.
– Sim. – Natasha encarou Ava de maneira significativa. – Então
esta é a parte em que confirmamos o que ouvimos. Formulamos um
plano tático. Apoio. Retaguarda. Eletrônicos. Poder de fogo. É assim
que as coisas acontecem.
– Ou podemos ir até lá agora e acabar com ele de uma vez… –
As mãos de Ava já pairavam sobre o cabo das adagas.
– Não é uma opção – Alexei respondeu.
Natasha se pôs na frente dela.
– Não. Não vamos sozinhas atrás dele, do seu arsenal de
balística radioativa e do exército de mercenários. Não vamos você e
eu, não assim. Não dou conta deles sozinha, não estando
machucada; e você não sabe o que está fazendo.
Ava ainda andava de um lado a outro.
– Não podemos deixá-lo aqui. Temos que detê-lo. Todas aquelas
armas. As drogas. Olhe para ele…
– Ou não olhe – Alexei sugeriu.
Natasha olhou.
Nas sombras ao longe, ao pé da escada, onde os soldados
continuavam a passar o tempo em mesas de metal, um homem se
afastou um pouco dos demais e acendeu um cigarro.
O cheiro era inconfundível, e não era que nem o do cara do
Marlboro do galpão. Era o cheiro específico de uma marca
determinada, muito popular na Ucrânia. Ava descobriu que estava
prendendo a respiração. Jamais esqueceria aquele cheiro e sabia
que tampouco Natasha o esqueceria.
Belmorkanals. O cigarro preferido de Ivan.
O cachorro aos pés de Yuri começou a grunhir. Sua cabeça virou
na direção delas. Agora latia, arreganhando os dentes.
Não me importo. Não tenho medo de você.
Uma luz brilhou na clareira quando Ava girou as lâminas…
Agora as adagas de Ava estavam completamente estendidas,
tanto a curta quanto a longa. A luz iridescente azul se espalhava em
todas as direções.
Eu odeio você, assim como odiava seu irmão.
Natasha balançou a cabeça, estendo as mãos na direção dela.
– Não. Você não quer fazer isso, Ava.
– Ouça a minha irmã – Alexei disse.
– Tenho certeza de que quero – Ava replicou, sem nem olhar para
ela.
Natasha deu um passo para perto dela.
– Não tem, não. Você não está pronta para carregar nas costas o
peso dessa culpa.
– Você sabe que ela tem razão – Alexei reforçou.
– Culpa? Você não sabe o que eu sinto. Você não sabe o que
pesa nas minhas costas – Ava respondeu, recuando de Natasha.
Você não sabe que passo todos os dias com fantasmas.
O nome Somodorov significa morte para mim.
Uma morte que eu ainda vivo.
– Entendo que esteja frustrada, mas você não entende. Você
ainda é uma criança. – Natasha se esticou para segurá-la pelo
braço, mas Ava balançou as adagas diante de si com um lampejo. A
eletricidade azul flamejou e oscilou em volta dela.
Recue…
Natasha deu um passo para trás.
– Criança? – Ava escarneceu.
Sempre fora boa de briga, sempre se fiara nisso, ainda mais
depois que assumira seus poderes, embora sempre tivesse sabido
como manter as pessoas à distância.
– Criança? – Ava se afastou mais um passo de Natasha. – Sabe o
que é, sestra? Não sou, não. E, quanto antes você descobrir isso,
mais fácil será para nós duas.
– ! – Alexei berrou.
Antes que Natasha pudesse responder, Ava se pôs a correr de
volta para a clareira.
– Ava… Ava, espere… – Natasha praguejou e a seguiu.
Mas ela não esperou. Não parou. Não havia nada que ela
pudesse fazer para mudar o que estava prestes a acontecer. Ava
sabia disso, e Natasha também.
Yuri Somodorov pode ter ouvido a comoção vinda da beirada da
clareira, mas não levantou o olhar a tempo de ver a garota se
aproximando.
– . …! – Alexei ainda gritava.
Ava se lançou à frente quando ainda estava a metros de
distância. O grito foi pavoroso; o ataque, cruel. As lâminas estavam
erguidas acima da cabeça, e ela hesitou, apenas por um segundo…
, …
Duas manchas vermelhas perfeitas floresceram no peito do
homem, uma depois da outra, numa linha firme e precisa.
O tiro duplo padrão do treinamento de Natasha Romanoff.
– Der’mo – Alexei xingou.
Ava parou cambaleante enquanto o homem que ela mais odiava
no mundo despencava na terra, sem vida, e a pessoa mais próxima
que ela tinha de uma irmã largava o rifle na sequência.
Ela ficou imóvel e continuou sem se mexer até que ouviu o som
distante de vozes russas começando a gritar.
A voz de Alexei estava em seu ouvido:
– Mexa-se. Agora.
Ela sentiu Natasha puxando-a de volta para as sombras da
vegetação rasteira, e as duas Viúvas correram e tropeçaram em
meio ao chão da floresta, desigual e cheio de raízes,
incessantemente, até que alcançassem o helicóptero de novo.
Mesmo depois disso, enquanto o helicóptero se erguia no céu, e a
floresta verde-escura diminuía distante dela, Ava só conseguia
pensar numa coisa.
Meu Deus, o que fizemos?
CAPÍTULO 15: NATASHA
TRISKELION S.H.I.E.L.D., EAST RIVER, GRANDE
CIDADE DE NOVA YORK

A cinco mil quilômetros ao norte de Manaus e quase uma dúzia de


horas de privação de sono mais tarde, Natasha fitava seus pés
descalços e enlameados. Nunca contam para você o quanto a vida
de um espião é suja…
Examinou o azulejo cinzento genérico do chuveiro comum
debaixo dos dedos dos pés, permitindo que a água escorresse na
cabeça ensanguentada e no ombro machucado.
É isso o que eu sou? Uma espiã ou uma heroína?
Natasha soubera o que era antes do surgimento da Iniciativa
Vingadores. Uma russa. Uma órfã. Uma Viúva. Uma espiã. Uma
assassina. Uma bagunça. Uma cínica. Uma desertora. Uma
americana. Uma pedra. Uma arma.
Mas, desde os Vingadores, esse papo todo de salvar o mundo
confundira tudo. À medida que se tornaram nomes conhecidos em
todo o mundo, Natasha se tornara algo mais, pelo menos para parte
da população; com mais frequência do que o contrário, ela até fora
aclamada como heroína. E, ao passo que em outras vezes fora
chamada de vilã ou de vigilante (dependendo do clima político do
momento), isso nunca fora importante para ela, não a nível pessoal.
As pessoas podiam chamá-la do que bem entendessem, e ela não
estava nem aí. Natasha Romanoff era uma garota bem crescida. Ter
sido criada na Sala Vermelha providenciara isso.
Mas, nos últimos tempos, Natasha se pegou conjecturando que
queria algo nem melhor nem pior – apenas menos. Ou, no mínimo,
menos público. É difícil participar de uma operação secreta quando
o seu rosto está estampado em outdoors…
Quando encontrara Alexei, mais uma vez Natasha se tornara algo
diferente, uma irmã, e ela soube que uma pequena parte sua havia
se lembrado e compreendia. Ela reencontrara seu caminho ao
mostrá-lo ao irmão caçula, assim como fizera quando o
acompanhava à escolinha junto ao rio Moscou, ambos vestindo
casacos remendados de lã a fim de se aquecerem, com butterbrots
para se alimentarem e livros dos Heróis do Povo para estudarem.
Mas, quando a Sala Vermelha engoliu seu irmão, deixando
somente Ava para acompanhar Natasha em sua jornada, o mundo e
o lugar a que pertencia nele mudaram de novo.
O que Ava significa para mim?
E qual Natasha Romanoff se responsabilizará por isso?
Debaixo do chuveiro da base, Natasha não se sentia como
nenhuma de suas antigas versões achadas ou perdidas. Não sentia
que havia sido particularmente heroica, estratégica ou fraternal.
Sentia-se cansada, impaciente, impotente, ainda mais em
comparação com aquele galpão de armas da Veraport.
Tudo o que fiz, cada mínimo detalhe do que fiz na América do Sul,
foi errado.
A água se chocava contra ela, e a terra, a fuligem e até uma folha
ou galhinho perdido giravam ao longo dos tornozelos,
transformando-se em lama – tanta lama que ela ponderou se
deveria mudar de chuveiro, como se o sistema de saneamento
básico da . . . . . . não fosse páreo para as consequências de
uma operação fracassada na Bacia Amazônica.
E Ava deve estar entupindo o encanamento da minha casa agora.
Eu devia ter providenciado que ela tomasse banho aqui antes de a
mandar de volta a Little Odessa.
Mas, no fim, as camadas de fuligem, cansaço, suor e pintura
facial se dissolveram. Pelo menos a água quente da base era de
fato quente, ao contrário do que acontecia em muitas outras
instalações da . . . . . . Quando saiu, Natasha começava a se
sentir melhor. Seus dedos dos pés estavam rosados novamente e
quase já não havia tinidos em seus ouvidos. Quando finalmente
vestiu calças de moletom pretas da . . . . . . sobre as pernas
doloridas, e uma camiseta e um blusão cinza, também da
. . . . . ., em cima do ombro dolorido, era uma nova pessoa.
Quase.
Só as botas enlameadas a denunciavam, assim como o corte
desigual na lateral da cabeça – e a profunda escuridão em seu
interior. Quando Natasha deixou o cubículo e caminhou pelos
corredores e escadas dos quais Alexei e Ava escaparam, não fazia
muito tempo, seu humor só ficou mais sombrio. Conte a sua versão.
Eles vão querer ouvir sobre outras coisas além da vista do Cristo…
Natasha não esperava que Coulson facilitasse a situação para
ela. Phil era um cara justo e, se havia algo sobre o qual ele fora
categórico desde o início, era Ava. Por mais que a vontade dele
fosse de que a garota ficasse com Natasha, suas ordens de conduta
para Ava haviam sido claras: ela tinha as adagas para treinos, mas
nada de pistolas ou outras armas. Ela só poderia agir em legítima
defesa, e qualquer treino com alvo exigia que a munição fosse de
mentira.
Então como é que você vai contar para ele o que aconteceu
naquele galpão de armas?
Talvez nem precisasse; Coulson andava ocupado com o que quer
que estivesse acontecendo com o seu Projeto Inumanos. Ele não
era muito inclinado a ficar falando, e Natasha não era de ficar
fazendo perguntas. Então, a relação entre os dois permitia que se
dessem bem, com foco em sobreviver e o mínimo possível de
confidências. Coulson, porém, confiava em Natasha, assim como
ela confiava nele. Portanto, o que deveria lhe contar agora?
Ava teria matado Yuri Somodorov. Com certeza teria tentado – e
só esse fato já poderia tê-la matado. No mínimo, teria mudado Ava
por toda a vida. Talvez o fato de ter chegado tão perto assim disso
já a tenha mudado…
Natasha fez uma curva na direção dos elevadores e esperou,
apoiando as costas na parede. Você queria que eu a ajudasse?
Então olha só… eu a ajudei a se tornar o mesmo tipo de monstro
que eu sou.
Como se a vida dela já não fosse ruim o bastante.
O som de uma campainha ecoou, e as portas do elevador se
abriram. Natasha inspirou fundo e entrou.
Quem mais estará nesse interrogatório? Tentou especular.
Provavelmente Maria Hill, uma boa agente e amiga – mesmo fora
das partidas de pôquer –, mas que tampouco defenderia o fato de
Ava ter sido mandada a campo. Não depois de receber o relatório
acerca de Manaus.
Tony, provavelmente. Antes de mais nada, ele pediria o relatório
tático completo sobre a performance de seus equipamentos. Mas as
ogivas roubadas o deixariam doido. Ele sabia tão bem quanto
Natasha como, nos últimos tempos, o futuro do mundo vinha se
equilibrando precariamente no fio da navalha de sempre. A última
coisa sobre a qual ele iria querer ouvir era a existência de armas
nucleares à solta.
Espere até que ele as veja…
As imagens que o Bracelete gravara dos mísseis eram
aterrorizantes, mesmo para os padrões da . . . . . . Assim como
as drogas.
No que se referia à . . . . . ., em quem Natasha podia confiar, e
o que poderia lhes contar?
Minha lealdade deve se voltar para Ava, que amava a minha
família, ou para Tony, Maria e Phil, que sinto como minha família?
Natasha assistiu enquanto os números dos andares se acendiam
num ritmo determinado, um de cada vez. Ao passo que os números
se iluminavam, um após o outro, ela considerou a sequência lógica
e reconfortante.
O sete leva ao oito, que leva ao nove e depois ao dez…
Era disso que ela precisava agora, seguir um caminho lógico.
O Rio leva ao Recife, que leva a Manaus e depois a Nova York…
Isso a levaria adiante, durante todo o trajeto até o fim, não? Ela só
precisava manter o curso até chegar ao fim de tudo.
Do Rio ao Recife, então a Manaus e a Nova York.
Um, dois, três, quatro.
Fazia sentido. Ela só precisava seguir em frente.
Cinco, os mísseis vão entrar em movimento.
Seis, nós descobriremos quem está por trás deles.
Sete, a conexão de tudo isso com a Sala Vermelha.
Oito, a conexão da Sala Vermelha aos Somodorov que
sobreviveram.
Nove, Ava voltará para a Academia.
E sobra apenas o dez, a Garota do Vestido Verde.
Dez está tentando me matar…
Cada uma dessas constatações já era bastante ruim – mas,
analisadas em conjunto, preocupavam Natasha exponencialmente
mais.
Qual é o padrão que não consigo enxergar?
Só o que Natasha sabia, quando as portas metálicas reflexivas do
elevador se abriram, era que se lembrava da primeira vida que tirara
com a mesma clareza que teria caso tivesse acontecido no dia
anterior. E isso ela não desejava a ninguém.
Ainda estava perdida em pensamentos quando uma risada
conhecida a interrompeu.
– Também está aqui para o grande baile dos meninos e meninas
crescidos? Vim lá da Tropa Alfa para isso, então é melhor que seja
algo bom.
– O quê? – Natasha se virou e deparou com Carol Danvers
segurando a porta aberta. Uma onda de alívio percorreu a Viúva.
Graças a Deus. Carol Danvers, também conhecida como Capitã
Marvel, era não só uma das pessoas mais fortes que Natasha já
conhecera, mesmo entre heróis, mas muito mais do que isso.
Carol era também um parâmetro da integridade, da verdade e da
bondade, por mais piegas que soasse. Flanando pelo ar em seu
traje vermelho, azul e dourado, ela era o símbolo de algo maior do
que apenas uma pessoa ou missão – embora hoje estivesse
vestindo jaqueta de aviação e calças de sarja, com um boné
cobrindo boa parte dos cabelos loiros que eram sua marca
registrada.
Não importavam seus trajes, Carol era uma heroína das antigas,
dos pés à cabeça. De certo modo, ela fazia Natasha se lembrar do
Capitão dos tempos áureos – seus melhores dias, de fato. Natasha
não conseguia pensar numa aliada melhor para um momento do
tipo numa sala como aquela – e se descobriu sorrindo pela primeira
vez desde que chegara à base.
– Este baile? – Natasha deu de ombros. – Tanto faz. Só estou
aqui para batizar a tigela de ponche e bater nos garotos no
estacionamento.
– Você é das minhas. – Carol abriu um sorriso largo. – Vamos
começar esta festa. – Deu um tapa nas suas costas, e Natasha
tentou não fazer uma careta de dor em razão do ombro contundido.

***

Na história da . . . . . ., Phil Coulson e Maria Hill eram dois dos


agentes mais respeitados da organização. Não havia muito que não
soubessem individualmente e, somando-os, Natasha imaginava que
não restasse nada.
Agora estavam sentados do mesmo lado da mesa; Tony, Carol e
Natasha se sentaram do outro. Estavam à mesa de uma sala de
reuniões a que todos se referiam como Confiança Intelectual, o
cômodo preferido de Natasha no Triskelion. Não era tão espaçoso
e, naquela manhã, abrigava somente os cinco aliados – alguns dos
melhores do Triskelion de Nova York –, mas que, juntos,
compunham, mesmo considerando-se os padrões da . . . . . .,
uma equipe admirável.
– Você está péssima, N-Ro. Quer comer alguma coisa? Uma
banana, talvez? – Tony a olhou de cima a baixo. – Seu rosto está
meio esverdeado, como se seus pensamentos provocassem náusea
em você. É nesses momentos que Pepper me faz comer uma
banana.
– Não, obrigada – Natasha recusou, erguendo uma sobrancelha
enquanto se servia de café junto à cafeteira elétrica no centro da
mesa. – Nada de bananas.
– É, você não tem mesmo cara de alguém que gosta de frutas –
Coulson comentou.
O que é que há com essa gente?
– Também é muito bom ver vocês dois. – Natasha bateu o bule ao
colocá-lo de volta à base aquecida. – Só para que fique registrado,
não sou alguém que não gosta de frutas. Na verdade, sou capaz de
comer um jantar à base de frutas depois disto.
– Você quer dizer café da manhã, certo? – Carol disse, dando um
tapinha no braço de Natasha. – Sei que é difícil identificar com
precisão quando se está a um quilômetro e meio abaixo do rio East,
mas são nove da manhã.
– A única coisa que sei identificar com precisão são aqueles cinco
mísseis – Natasha disse. – O motivo de eu ter voltado correndo para
cá.
– O mesmo motivo que me fez vir correndo até aqui – Carol disse.
– Que bom. Não sabemos quando aqueles cinco mísseis serão
lançados. Por isso, temos que ser espertos e agir com rapidez –
anunciou Maria Hill. Ela tocou no tablet digital à sua frente, e as
paredes da sala começaram a se preencher com um fluxo de
informações. A mensagem era clara: a hora da conversa
descontraída havia acabado.
Natasha deu tempo para que seu organismo absorvesse o café
preto. Todos na sala – heróis e agentes – fitaram em silêncio o
centro do teto flutuante da sala Confiança Intelectual, no qual
imagens holográficas tomavam forma, compostas de filas e mais
filas de lasers de luz, finas como fios. Então, imagens escaneadas
dos mísseis roubados se projetaram no ar, num diagrama
tridimensional geométrico e rotativo. Leituras radiológicas giravam
dos dois lados das imagens; os bancos de dados da sala Confiança
Intelectual incorporaram automaticamente as leituras do ComPlex e
do Bracelete de Natasha.
– Uau – Coulson disse, sério. – Você não estava de brincadeira.
São mesmo B-61.
– Nossa – Carol exclamou, olhando para cima. – Sabe, quando
você disse que Somodorov tinha armas potentes, não pensei que
estivesse sendo tão literal. Onde foi mesmo que você disse que as
encontrou?
– No Brasil – Natasha respondeu. – Numa fábrica de borracha
abandonada na reserva florestal da Bacia Amazônica, para ser mais
exata.
Tony mordia a ponta da tampa da caneta enquanto avaliava o
holograma.
– Phil está errado. Esses não são os nossos -61. Durante todo o
verão, meu laboratório de ideias Mentes Símiles redesenhou os
nossos. E eles não são assim.
Carol fitou Maria.
– Vamos mesmo falar sobre isso? É um programa confidencial.
Maria assentiu, largando cinco pastas verde-militar na mesa
diante deles, que estampavam os dizeres .
– Considerem-se entendidos nisso, a partir de agora. –
Entendidos em jargão militar significava que tinham autorização
para saber; algo que não acontecia com muita frequência por ali.
O que nunca é um bom sinal, Natasha pensou.
Maria se recostou na cadeira.
– É por isso que chamei Carol; ela vem prestando consultoria à
, na tentativa de manter os subprodutos tóxicos fora da
atmosfera terrestre.
– Não é uma consultoria, estou discutindo com eles. Não construo
bombas, e não quero que elas poluam a nossa atmosfera. Primeiro
poluímos nosso planeta, depois passamos para todo o Sistema
Solar? Não, não, nada disso. – Carol meneou a cabeça. – Agora
vocês estão mexendo no meu terreno.
– Ouvi dizer que o aquecimento solar é apenas ficção. – Tony deu
de ombros.
– Tente dizer isso ao Sol – Carol se queixou.
– Os mísseis – Coulson interveio.
Carol prosseguiu.
– O programa dos mísseis -61 está em curso há anos. O
Departamento de Defesa basicamente vem remodelando antigos
mísseis nucleares para uma guerra moderna; é um programa
confidencial de atualização de armas do qual se incumbiram junto à
.
– Tá, tá. Mira precisa, detonação mais controlada – Tony disse. –
Construção de uma bomba melhor, como se isso não fosse um
oximoro.
– Exato – Carol concordou. – O programa sempre foi bastante
controverso.
– Porque a criação de bombas melhores só aumenta a
probabilidade de elas serem usadas – Coulson disse.
– Exato. Mas, vendo esse holograma, cogito que mais alguém
vem atualizando o nosso programa de atualização das -61.
– Como assim? – Natasha pareceu surpresa.
– Atualizando como? – Tony franziu o cenho.
– Para mim parece que alguém retomou o trabalho de onde o
parou – Carol explicou, apontando para a ponta de um dos mísseis
holográficos. – Veem essas asas traseiras, o modo como elas
afilam? A descartou esse layout no ano passado porque era
instável demais. O bico é diferente, o diâmetro está errado e, até
onde posso avaliar, o míssil se segmenta de modo diferente, o que
equivale a um procedimento de detonação absolutamente
imprevisível.
Tony encarou a imagem.
– Está me dizendo que um grupo desconhecido está fazendo
testes com as armas nucleares experimentais da ?
– Basicamente. Mas, você sabe, antes soou melhor – Carol
cutucou. – Do jeito que eu expliquei.
– A gente sabe, a gente sabe. Você escreveu um livro – Tony
disse, revirando os olhos. – Você é demais, Capitã Marvel. – Eles se
provocavam mutuamente como se fossem gêmeos terríveis; às
vezes, Natasha achava que era porque Danvers parecia a única
entre eles que era forte o bastante para aguentá-lo sem se
transformar num imenso terremoto verde.
Carol deu de ombros.
– E já mencionei que moro no espaço?
– Podemos nos ater à reunião? – Tony perguntou em um tom alto.
– Também sei voar – ela sussurrou alto.
– Os mísseis. – Natasha encarou os dois heróis. – Quem tem
esse tipo de infraestrutura? Teria que ser um governo estrangeiro,
certo? Ou, pelo menos, uma organização bem relevante. Os caras
em Manaus não tinham exatamente cara de peritos em física
nuclear. Não havia laboratório algum ali, nem nada do tipo –
informou.
– Absolutamente – Carol disse. – Seriam necessários uma
instalação segura, peças e muita expertise.
– É tipo o conhecimento do Tony Stark. E dinheiro, no nível do
Tony Stark – Tony disse. – É uma cacetada de dinheiro.
– O que nos leva de volta ao nosso conjunto atual de problemas.
Quem produziu os mísseis, quem os vendeu, quem os comprou…?
– Coulson largou seu arquivo secreto sobre a mesa.
– E como esses caras de Manaus puseram as mãos nelas…? –
Carol acrescentou.
Maria suspirou.
– E, claro, onde pretendem usá-las?
– Armas nucleares – Tony disse, balançando a cabeça. – Quem é
que guarda armas nucleares na Amazônia?
Um, dois, três, quatro.
Do Rio ao Recife, então a Manaus e a Nova York.
Devia existir um padrão por ali – uma sequência e uma ordem,
assim como nos números do elevador. Natasha sabia que sempre
havia.
Só preciso encontrar um modo de enxergá-lo.
CAPÍTULO 16: AVA
CAFETERIA RUDE BREWS FORT GREENE, BROOKLYN

Enquanto Natasha estava no Triskelion, Ava supostamente ficaria


esperando no apartamento dela. Em vez disso, a garota se lançou
em uma missão particular – deixando para trás a selva da Bacia
Amazônica em troca da selvagem avenida Flatbush, onde sua mais
antiga amiga, Oksana, trabalhava. Ava dera um jeito de percorrer o
mesmo trajeto na última sexta-feira de cada mês desde que passara
a frequentar a Academia.
Pegou o metrô, ainda usando as calças de camuflagem imundas.
Não estava pensando; havia entrado no modo de sobrevivência
automático. Roubara um blusão e chinelos de borracha de um dos
vestiários na chegada ao Triskelion.
Nenhum dos dois serviu.
– Sua aparência está horrível, seu cheiro, pior ainda, e você ainda
assim é a garota mais bonita do vagão – Alexei disse, pendurado na
barra à sua frente.
– Sempre posso parar em alguma sede do Clube de Jovens e
tomar banho – ela disse, sorrindo.
– Aposto que sim. – Ele gargalhou.
– É a parte boa de ter sobrevivido morando por conta própria num
porão.
Alexei ergueu uma das sobrancelhas.
– Sabe onde encontrar todos os chuveiros gratuitos de
Manhattan?
– Ficam principalmente no Brooklyn. Mas também sei encontrar
todos os lugares que dão comida de graça. – Ela sorriu, encostando
o cabelo sujo no banco de plástico.
Um senhor, sentado a um banco de distância dela, levantou--se e
foi para o fundo do vagão, encarando-a.
Alexei explodiu numa gargalhada.
– Viu aquilo? Foi hilário.
– Estou muito feliz em estar aqui para entreter você – Ava
replicou, porque era assim mesmo que se sentia.
Só me deixe sentir isso. Estou tão cansada de me preocupar o
tempo inteiro, sobre como me sinto, como ela se sente e quem
saberá o que sentimos…
Caso se permitisse, sabia que era capaz de acabar pegando no
sono ali mesmo, portanto, se obrigou a se sentar ereta e passou o
restante do trajeto contando a Alexei sobre a vez em que, assim que
encontrara Sasha, tentara dar um banho nela nas instalações do
Clube de Jovens, e como a pobre gatinha parecera tão maltrapilha
quanto ela mesma estava agora.
Era tão bom conversar com ele de novo que ela quase perdeu a
estação em que ia descer.
Quando Ava chegou à avenida Flatbush, de imediato seguiu
caminho para a Rude Brews. Não era nenhuma Starbucks. Era um
estabelecimento simples, uma cafeteria indie sem frescuras – nem
estilosa, muito menos confortável demais, portanto ninguém se
sentia inclinado a ficar ali por tempo suficiente para se apossar de
uma mesa e pedir a senha do Wi-Fi. E, caso o fizessem, bem, era aí
que o conceito de “rude” se aplicava; os baristas insultariam a
pessoa até ela ir embora. “Não tem nenhum lugar para ir, não? Ou
sua intenção é se mudar pra cá?”. “Ah, falou, você está
‘escrevendo’”. “Sabe que consigo ouvir a Adele através dos seus
fones, não sabe, meu chapa?”.
Sana havia sido contratada como barista rude havia seis meses,
motivo pelo qual Ava se encontrava do lado de fora da vitrine agora.
Certificar-se de que Sana ainda estava bem era sempre a prioridade
mais importante de Ava. Sana, e depois a gata Sasha, que ela havia
deixado sob os cuidados da amiga…
Ava fitou Alexei.
– Você precisa ir – ela avisou, parando intencionalmente à porta.
Alexei se colou ao vidro diante dela.
– E se eu não quiser? Porque eu não quero…
– Não podemos causar problemas para ela. Aqui é o trabalho dela
– Ava explicou, empurrando-o a fim de puxar a porta do
estabelecimento.
– Olha só – Alexei disse, apontando para o slogan rabiscado no
vidro com uma caneta vermelho-sangue. “Para você é só café. Para
nós… também é só café”. – Ele gargalhou. – Deve ser obra da
Sana, não acha?
Ava olhou para ele com afeto.
– Digo que você mandou um oi.
– Não vai dizer, não. – Ele suspirou.
– Não vou – ela respondeu, desaparecendo no interior da loja.
Sana – com sua face corada, pele morena, a tradicional faixa
segurando os cachos – estava atrás do balcão da cafeteria, que
parecia lotada. A fila para pedir estava comprida, e Ava teve tempo
de compilar todos os detalhes à vista: rosto mais cheio, cabelos
limpos e uma camiseta que parecia relativamente nova debaixo do
avental do Rude Brews. Ela está bem. Mais do que bem.
Ela está feliz.
Depois que Alexei morreu, as garotas tentaram manter contato,
mas Ava não foi capaz de conversar com ninguém na época.
Quando enfim encontrou força suficiente para se obrigar a
responder os e-mails, mensagens de texto e ligações ocasionais de
Sana, Ava sentiu como se tivesse se tornado uma pessoa diferente.
Não vinha sendo amiga de basicamente ninguém desde então;
imaginou que Sana havia sofrido essa perda enquanto ela própria
sofrera a sua.
E depois também havia a questão da nova vida de Ava. Embora
Sana tivesse conhecido Alexei, ela não conhecia toda a verdade a
respeito dele – ou o fato de ele ter sido assassinado. A única coisa
que Sana sabia a respeito de Ava e da Academia da . . . . . . era
que, quando Alexei morreu, a irmã dele usara todas as suas
conexões para que Ava ganhasse uma rara bolsa de estudos numa
escola militar. De certo modo era verdade e, de um jeito ou de outro,
Ava não podia corrigi-la.
Mas as coisas pareciam ir bem para Sana. Desde que Ava
começara na Academia da . . . . . ., Sana parecia um pouco mais
assentada. Ava sabia que ela havia se mudado de volta para a casa
do pai, que era motorista de táxi, e da nova família dele, e passava
a maior parte dos dias trabalhando, e maior parte das noites
praticando esgrima ou estudando, para conseguir passar no exame
de equivalência do ensino médio. Ava imaginava que o objetivo era
a faculdade, quer Sana admitisse isso ou não.
Que bom para você, Sana. Você merece uma vida normal. Pelo
menos uma de nós deveria ter isso.
Ava se aproximou do balcão.
– Posso ajudar? – Oksana falou, sorrindo apesar da promessa
mútua de não exporem o disfarce uma da outra. Isto é, Sana não
deveria receber amigos durante seu turno de trabalho, e Ava
tecnicamente não teria permissão para sair da Academia durante
seu primeiro ano lá. Mas ser o caso de particular da Viúva
Negra tinha seus benefícios. Assim como ter poucos amigos; havia
menos pessoas para fazer perguntas.
– Um café forte – Ava pediu, fingindo ler o cardápio na parede
atrás de Sana. – Faça o mais forte que puder.
– Isso quer dizer quatro doses de expresso. – Sana ergueu uma
das sobrancelhas. – Tem certeza de que aguenta tudo isso?
– Sou mais forte do que pareço. – Ava deu de ombros. – E os
últimos dias foram longos.
Sana a avaliou, observando cada arranhão no rosto de Ava, cada
pedaço queimado de sol e, claro, o cheiro dela.
– Ah, tudo bem. Qual tamanho? Nervoso, Agitado ou Muito
Agitado?
– Muito Agitado. Como eu disse, foi uma semana difícil.
Sana ergueu uma das sobrancelhas.
– Todo mundo diz isso. – A gerente emburrada, India, que
preparava espuma de leite ao seu lado, ergueu o olhar, incomodada
com tanta conversa. India não acreditava em contratar garotas que
já haviam morado em porões de centros comunitários.
India ladrou:
– Mexa-se, Sana. Olha a fila… – Depois olhou para Ava. – Você
está fedendo.
Ava apressou-se em depositar uma nota de um dólar no pote de
gorjetas e saiu do caminho. Sana não pegaria o dinheiro até mais
tarde, quando tivesse tempo para encontrar a mensagem rabiscada
por Ava em um dos lados, como de costume. Esse vinha sendo o
código entre elas no último ano.
Dessa vez se tratava do desenho de um peixe, sublinhado uma
única vez – em código, um palito –, e o número sete. Um
empanadinho de peixe. Em outras palavras, um encontro. Naquela
noite. No antigo local de encontro delas, a Cozinha Comunitária
Stark, onde haviam passado tantas noites comendo nuggets de
peixe em formato de palito e confabulando acerca de um futuro que
ambas duvidavam ser capaz de acontecer.
Ava mal podia esperar para colocar a conversa em dia. Não era
fácil sair escondida quando Natasha estava em casa, mas,
conhecendo Romanoff, a agente ficaria no Triskelion até tarde da
noite. Ava teria tempo mais do que suficiente para voltar para casa e
tomar banho antes de ela voltar.
Ou, pelo menos, era o que esperava.

***

O cabelo de Ava ainda estava úmido quando ela entrou na


Cozinha Comunitária Stark vestindo roupas emprestadas do
apartamento de Natasha. Não tivera tempo de lavar a roupa, e seus
trajes da América do Sul estavam tão imundos que agora
provavelmente teriam de ser jogados numa fornalha.
Que bom que conheço uns porões…
A jaqueta de couro emprestada era de uma marca italiana
chamada Balenciaga, os jeans escuros japoneses pareciam vintage,
e a camiseta de corte simples, justa e branca, era de uma bu-tique
francesa cujo nome ela não era capaz de pronunciar. Uma vez
desconsiderado o guarda-roupa de trabalho de Natasha – uma
combinação de fardas de combate, coletes à prova de balas, roupas
de mergulho e o que Ava passara a considerar a roupa de Viúva
fornecida pela . . . . . . –, só restava uma dúzia de outras peças
de roupa no closet de Natasha. Ava agora vestia boa parte das que
não eram usadas para infiltração de um cassino em Monte Carlo.
Parada diante da Cozinha Comunitária, ela lembrou quantas
vezes atravessara as mesmas portas no passado. Na neve, na
chuva. Quando não havia comido nada o dia inteiro. Quando se
sentira absolutamente sozinha no mundo. E depois, em dias
melhores, mais alegres, já na companhia de Sana.
Havia percorrido uma longa estrada até ali.
Ava pensou que Tony merecia essa consideração: o lugar agora
não se parecia em nada com a cozinha básica que ela e Sana
conheceram. Era limpa, moderna e nova – repleta de legumes,
frutas e verduras frescos e de alimentos saudáveis – e até doava
comida para animais, para os vira-latas não humanos. O lugar agora
era tão popular que oferecia refeições pagas, além das gratuitas
para quem não podia pagar. A C. C. Stark se tornara um ponto de
encontro da comunidade num lugar muito carente disso, e Ava se
sentia grata por Tony ter cumprido a promessa de marcar a memória
de Alexei de um modo significativo, mesmo que apenas para ela.
Tony providenciara para que pintassem algumas palavras em
alfabeto cirílico sob o batente da porta. A tradução fonética do russo
se aproximava de Ne Teryayetsya, Ne Zabyli…
Não Perdido, Não Esquecido.
Jamais.
Mesmo agora, Ava evitava contemplar tais palavras, apesar de
ser reconfortante o fato de elas permanecerem ali.
Foi essa sensação que a fez se virar, à procura de Alexei; meio
que esperava vê-lo esperando por ela quando entrasse. Não havia
como distinguir por que e como ele ia e vinha: podia ser questão de
horas ou dias. Ele não estava presente no momento, mas isso não
significava nada. Ele sempre voltava para ela.
Sempre estarei aqui quando você voltar.
Ava entrou e se sentou junto à janela. Enquanto esperava por
Sana, pegou o iPod e desceu pela última playlist de músicas que
sua amiga disponibilizara para ela. Letras de música eram o modo
mais frequente de se comunicarem agora, ainda mais visto que Ava
não podia de fato contar a Sana nada do que vinha acontecendo em
sua vida – e elas não se viam há meses.
Por exemplo, quando Oksana lhe enviara “Parents Just Don’t
Understand”, do DJ Jazzy Jeff com o Fresh Prince, Ava ficou
sabendo que Sana devia estar brigando de novo com o pai. Quando
Ava respondera com a canção “Two Sisters”, do Kinks, ela sabia
que Sana entenderia que a sua vida com Natasha também não era
muito fácil. Esta era a primeira playlist que Ava recebia desde que
lhe enviara “Rio”, do Duran Duran. Mas eu voltei, Sana. Para Nova
York, para você, como prometi.
Pelo menos, por enquanto.
Ava desceu até uma música, assentindo enquanto clicava nela.
“Run the World (Girls)”, do ídolo de Sana, a Queen Bey. Isso queria
dizer que a amiga de fato estava se sentindo bem. Graças a Deus.
Sana não mencionaria Beyoncé à toa. Talvez tivesse recebido uma
promoção ou conhecido alguém. Ava fez uma anotação mental para
falar com ela sobre esse assunto naquela noite.
– Este lugar está ocupado? – A voz de um rapaz chegou por trás.
Claro. Aí está você…
– Seu bobo. Só porque falei que você não podia entrar na
cafeteria – Ava sorriu, pegando a bolsa e colocando-a aos seus pés
–, não quis dizer que era pra você desaparecer a tarde inteira.
– Oi? O que disse?
Ela ficou imóvel. Aquele não era Alexei…
Ava girou no banco, surpresa. Olhou para o Garoto Que Não Era
Alexei.
– Ai, desculpe… Pensei que você fosse… Meu amigo está…
Em vez de Alexei, ela deparou com um rapaz de pele bronzeada
com um sorriso contido e cabelos que caíam sobre os calorosos
olhos castanhos. Ele usava um blusão com capuz da Academia de
Esgrima Montclair, e equilibrava uma bandeja de batatas fritas numa
mão e a bolsa de esgrima no ombro.
Você.
É você.
Ava continuou gaguejando:
– Isto é, a minha batata está…
– Frita? – Dante Cruz perguntou com um sorriso. – Você sempre
fala sozinha?
O coração dela despencou. Dante fora o melhor amigo de Alexei.
Ela o conhecia, mas estava surpresa em vê-lo.
Não só surpresa. Perturbada. Aterrorizada. Superestressada.
Diga alguma coisa…
– Dante Cruz? É você mesmo? O que está fazendo aqui? – Ava
perguntou. Sentia o rosto arder, o que era ainda mais
constrangedor.
– O que ele está fazendo aqui? – Alexei sussurrou ao ouvido dela,
subitamente se sentando ao seu lado. – Você tinha planos de
encontrá-lo aqui?
Ela olhou de relance para Alexei e balançou a cabeça. Não.
– Olha só, estou interrompendo alguma coisa? – Dante lhe lançou
um olhar estranho. – Talvez, hum… Um ou um colapso
nervoso? Espasmos faciais?
Alexei gargalhou alto.
Ava corou mais ainda. Contenha-se.
– Não. Quero dizer… Não, você não está interrompendo.
– Que constrangedor – Alexei comentou.
Ava tentou não o encarar. Em vez disso, tentou sorrir para Dante
– mas Alexei tinha razão; essa interação era sempre
constrangedora. Ela não sabia o que falar, não sabia como
conversar cara a cara com o melhor e mais antigo amigo de Alexei,
uma vez que tinham se encontrado. E isso tudo enquanto o
Fantasma Alexei fica me encarando…
– Desculpe – ela disse. – Sei que estou meio esquisita. É só
que… eu estava esperando outra pessoa.
– Outra pessoa morta. – Alexei sorriu.
Ava o ignorou, concentrando-se em Dante:
– E você me assustou. Pra falar a verdade, eu nem sabia que
você conhecia este lugar.
– Meu memorial em forma de cozinha comunitária, e você acha
que o meu melhor amigo não conheceria o lugar? Quanta frieza –
Alexei disse.
Dante deu de ombros, mas pelo menos pareceu acreditar.
– Acho que recebi a mesma carta que você. Aquela carta com
papel timbrado, das Indústrias Stark, sobre a cozinha comunitária
em homenagem ao Alex ou algo assim? Como se eles o
conhecessem.
– De novo, quanta frieza – Alexei repetiu. – Cara, fala sério.
Ava inspirou fundo.
Está se referindo à carta enviada somente a você e a mim? Pela
Pepper e pelo Tony? Que, de fato, conheciam e gostavam do
Alexei?
– É – ela disse. Não queria provocar Dante; ele descarregou em
cima dela no dia do enterro de Alexei, e desde então ela soube que
ele sempre a culparia pela morte do amigo. Ela também se culpava,
então não via como poderia fazer com que ele mudasse de ideia.
Como resultado, nem sequer tentara.
Dante deu de ombros.
– Venho aqui de vez em quando para passar o tempo. Quero
dizer, o cara era o meu melhor amigo.
– Cara – Alexei disse –, eu sei. É uma droga.
– Mesmo que ele soubesse ser um verdadeiro babaca quando
queria. – Dante sorriu.
Alexei tossiu.
Ava riu.
Dante a fitou com estranheza.
– E meio que gosto da inscrição em russo na entrada, apesar de
não entender. Sabe por que está ali? – Ele se sentou diante da
garota, deslizando a bandeja pela mesa.
Alexei olhou para o amigo com desconfiança.
Sim. Claro.
– O que você acha? – Ava perguntou, escolhendo as palavras
com cuidado.
– Acho que deve ter havido uma família inteira russa escondida
por aí, sobre a qual ele nem sabia nada a respeito. Quero dizer,
nunca notei isso nele. E você? – Por um minuto, Dante parecia
mesmo querer saber, como se só de ter alguém com quem falar
sobre o assunto já lhe trouxesse alívio. Por isso, Ava lhe respondeu
com honestidade.
– Sendo bem justo, nem eu sabia sobre ela – Alexei disse. – Você
poderia dizer isso a ele?
– Sendo justa – ela falou –, ele nem sabia sobre isso, até pouco
antes de…
Dante desviou o olhar, em busca de se recompor. Alexei passou
os dedos pelos cabelos, descendo seu olhar para a mesa. Ava não
sabia o que mais dizer.
O silêncio é melhor do que mentir.
– Ah, tanto faz – Dante se pronunciou, voltando a olhar para ela.
Depois sorriu e pegou um sachê de mostarda. – Além disso, as
batatas são boas.
Ava retribuiu o sorriso.
– Parece que sim.
Alexei olhou para Ava.
– Diga a ele que mostarda pura é nojenta e que, se eu estivesse
aqui, eu…
Dante riu sozinho, erguendo o sachê de mostarda.
– Al teria pegado os molhos barbecue, ranch, de pimenta e
ketchup, e teria coberto todas as batatas com essa mistureba. – A
simultaneidade dos comentários foi sinistramente perfeita.
Alexei gargalhou tão forte que Ava teve quase certeza de que
Dante conseguiria ouvi-lo.
– Que cara nojento – Ava comentou.
– Não é? – Dante sorriu.
– Vocês eram bem próximos, eu sei – disse ela. – Sinto muito.
– Ah. Bem. Aquele cretino era o meu melhor amigo. – Fitou--a. –
Acho que lamento por nós dois.
Ava assentiu.
Alexei bateu na mesa.
– Ah, parem com isso. Se isto é uma competição para ver quem
lamenta mais, acho que o morto meio que tem que ser o vencedor.
Dante abriu a embalagem de mostarda e a espalhou sobre as
batatas.
– Você nunca escreveu para mim.
– Não? – Alexei pareceu surpreso.
– Escrevi, sim. Não? Isto é, achei que tivesse – Ava replicou de
modo pouco convincente.
– Não. Eu me lembraria. Você não escreveu – Dante repetiu. –
Achei estranho. Você me respondeu uma vez, e depois parou de
escrever.
– O argumento dele faz sentido – Alexei disse. – Por que não
escreveu para ele? Quero dizer, ele era o meu melhor amigo. Pelo
menos vocês tinham sobre o que conversar.
– Pare – Ava disse, irritada com ambos. – Apenas pare. Não
quero falar sobre isso, não com você. – Com nenhum dos dois.
Os dois se calaram.
Ela sabia exatamente o que escrevera – e o que não escrevera.
Só não conseguia explicar como parecia muito pior para ambos o
compartilhamento da dor sobre a perda de Alexei, sendo que cada
um conhecia uma versão tão diferente dele.
Em sua carta, Dante só conseguia falar sobre ser ou não culpa
dela que Alexei se fora. Em sua resposta, Ava só conseguia falar a
respeito de como decepcionara Alexei e sobre o quanto ela se
sentia culpada.
Sobre como ele ainda estaria aqui se nunca tivesse me
conhecido. Sobre como não fui capaz de protegê-lo. Sobre como ele
sacrificou tudo pela Natasha e por mim…
– Tudo bem. Se está tão chateada assim, não sei por que quis me
ver.
– Hein? – Alexei olhou para ela. – Você quis isso?
– Eu não quis – Ava por fim deixou escapar.
– Não foi o que a Sana me disse por mensagem. – Dante parecia
na defensiva.
– Ela enviou mensagem para você? – Claro que enviou.
– Isso não foi legal – Alexei resmungou.
– Sim. Há algumas horas. Ela disse que você estava numa
espécie de folga da escola, e que nós deveríamos nos encontrar
aqui para passarmos um tempo juntos. – Dante deu de ombros. –
Porque você queria fazer isso.
– Com você? – Alexei ergueu uma das sobrancelhas. E
desapareceu.
Ava encarou o espaço onde ele estivera, e depois se voltou para
Dante.
– Maravilha – comentou. Vou matá-la.
– Uau. – Dante pegou uma batata e a largou. – Não precisa ficar
tão animada assim.
Ava tentou de novo.
– Quero dizer, não estou desanimada.
– Não, tudo bem, eu entendi. – Dante balançou a cabeça. – É
melhor eu ir nessa.
Ava sentia o rosto ficando vermelho.
– O que uma garota precisa fazer pra conseguir uns nuggets de
peixe por aqui, Mysh? – Oksana deslizou pelo banco, sentando-se
ao lado de Ava.
– Aí está você! – Ava se levantou e pegou a amiga num abraço
forte, largando Dante sentado e constrangido do outro lado da
mesa.
Ele pigarreou.
– Olha só, se estou atrapalhando, se vocês duas quiserem ficar
sozinhas para…
– Bem… – Ava começou, sem soltar do braço de Sana.
– Claro que não – Sana respondeu, apertando Ava como um
filhotinho de gato à medida que se sentava. – E aí? Estão se
divertindo? Porque, olha só, parece que estão se divertindo pra
caramba…
CAPÍTULO 17: NATASHA
TRISKELION S.H.I.E.L.D., EAST RIVER, DÉCIMO ANDAR
GRANDE CIDADE DE NOVA YORK

Maria Hill se levantou.


– Vamos rodar essas informações na nossa rede, passando pelos
nossos representantes e pela Agência de Energia Atômica
Internacional. Vamos descobrir o que está faltando, o que foi
roubado e de quais signatários do … – Fez uma pausa, notando
o olhar perdido de Tony. – Tratado de Não Proliferação. – Balançou
a cabeça. – Precisamos identificar quem simplesmente não
consegue admitir seu erro na alocação de assassinos urbanos em
algum contêiner antigo e sem nome em determinado momento do
passado.
– Ah, sim. A dança dos mentirosos que mentem – Tony comentou.
– Eu conheço bem isso.
Coulson parecia infeliz.
– Vamos descobrir o que aconteceu. Não é como se fossem cinco
meias perdidas. Mas teremos que confirmar tudo com os inspetores
da , com o e com o .
– Vou verificar o lado da – Carol avisou, levantando-se. –
Talvez consiga encontrar mais informações sobre as propostas
abandonadas. Para começar, aquelas asas esquisitas. Isso pode
não denunciar o nome das pessoas que as compraram ou
venderam, mas pelo menos é possível identificar quem trabalhou
nelas.
Coulson mirou o holograma.
– Seja lá para quem esses caras estiverem trabalhando, tenho
quase certeza de que alguém pegou bastante coisa de uma base
militar, e não faz muito tempo.
– Como sabe disso? – Natasha perguntou.
– Pelo brilho – Coulson respondeu, apontando para um foco
reluzente no holograma do míssil. – Está bonito demais para ter
vindo de algum catador de lixo que apenas recupera bombas não
detonadas e enterradas no deserto.
– Ele tem razão – Carol concordou. – Isso aí não chega a ser
vintage.
– Ah, bem. Isso não me faz me sentir melhor. Significa que
nossos insurgentes estão por aí aprontando com algum governo
desconhecido – Tony disse.
Natasha balançou a cabeça.
– Tudo bem, mas por quê? Quem se deu ao trabalho de roubar
isso? Mesmo que tenha sido a Sala Vermelha, por que arriscar
agora? Pelo quê?
– Essa – Tony disse – é a pergunta de sessenta e três mil rublos.
– Então vou subir a cadeia até o Salão Oval e as Nações Unidas
– Maria disse e olhou para Carol. – Você vai ficar aqui embaixo
comigo hoje, se não se importar. Vou precisar de pelo menos uma
pessoa que fale do meu lado da linha.
Carol assentiu e pegou a bolsa.
– Falo e klingon.
– Então vocês garotas terão um dia bem divertido – Tony disse.
– Algo me diz que o seu não será muito melhor – Maria comentou.
– Está no volante, agente Coulson?
Coulson assentiu.
– Vamos elaborar um plano de operação e nos reencontramos em
uma hora. – Olhou para Natasha. – A agente Romanoff estará à
frente dele, e nós agruparemos as equipes de apoio conforme
necessário.
– Boa sorte – Maria disse, os olhos se encontrando com os de
Natasha. E passou pela porta, rumo ao corredor.
Carol a seguiu, parando na soleira.
– Se precisar de mim… – ela disse. Não terminou a frase.
– Eu sei. – Natasha assentiu. Sabia, apenas com um olhar, o que
a heroína mais poderosa da Terra estava pensando, e concordava.
A vida seria muito mais simples sem mísseis nem senadores.
Como seria? Se não tivéssemos problemas maiores do que o
aluguel e a noite de pôquer?
Em seguida, a porta se fechou atrás de Maria e de Carol, e a triste
realidade da tarefa que tinham adiante se instaurou na sala.
– Então. Querem saber quem guarda bombas nucleares na
Amazônia? – Natasha perguntou.
– Agora seria um bom momento para descobrir isso – Tony
replicou.
– O nome da fachada é Veraport. Os capangas contratados eram
russos – contou ela. – Acredito que a Sala Vermelha esteja
envolvida de alguma forma, mesmo sem conseguir provar isso
ainda. Recebemos uma pista de que eles estavam comandando um
financiamento escuso na América do Sul, e parece que isso pode
ser verdade. O nome de Yuri Somodorov apareceu num documento
de embarque para o depósito de armas onde encontramos as
ogivas, nas imediações de Manaus.
– Yuri Somodorov também foi encontrado morto no local –
Coulson acrescentou.
Tony voltou-se para Natasha.
– Apito final do jogo. – Ela deu de ombros. Não quero falar sobre
isso. Foi a mensagem que ela telegrafou no silêncio subsequente.
Tony captou a mensagem.
– Tudo bem – disse ele. – Ok.
Coulson fitou Natasha de novo.
– Sério?
– Já disse que não quero falar sobre isso – Natasha retrucou.
– Mas… Yuri Somodorov? – Tony perguntou. Não conseguiu
resistir, mesmo recebendo um olhar letal de Natasha. – Não achou
que nós poderíamos querer algumas respostas do cara?
O que você acha? Claro que pensei.
– Claro que pensou. Você é a pessoa mais estratégica que
conheço. Você nunca faria isso. – Tony abaixou a caneta sobre a
mesa. O que significa que não foi você quem o apagou.
Natasha sabia que Tony estava pensando nisso, mas ele não se
pronunciou. Apenas a fitou por um segundo. E se virou para
Coulson.
– Esqueça Yuri. Não temos tempo para isso. Portanto… Como
vamos lidar com esses mísseis?
Natasha olhou para ele com gratidão.
– Marquei os mísseis para que possamos rastreá-los. Temos que
estar prontos no momento em que alguém os mover, mas, até lá,
sugiro que deixemos rolar.
– Rastrear como? – Tony questionou. – Por favor, me diga que
isso não envolve tecnologia , como da última vez. Considerando
que só refinamos a busca para “exceto América do Sul”.
– Ei, podemos não conhecer a identidade da Garota do Vestido
Verde, mas conseguimos usar a assinatura digital dela para
alcançar Maks Mohawk. Não menospreze os passos pequenos –
Natasha argumentou.
– Temos cinco armas nucleares roubadas. Não é a hora para
passos pequenos. – Tony franziu a testa.
– Afixei os equipamentos providenciados pela . . . . . . Eles
estão enviando um sinal de celular temporizado contendo
informações. Em outras palavras, coloquei o equivalente a um
celular em cada um deles, como você me pediu. Isso deve ser
captado pelo nosso satélite – Natasha explicou.
– Assim está melhor – Tony disse a contragosto.
– Tenho outra pergunta – Coulson inferiu. – O que faremos agora?
Roubamos as armas de volta? Tomamos o controle do depósito em
Manaus?
– Não. Sentamos e esperamos que alguém tente usá-las –
Natasha disse.
– Vamos mesmo fazer isso? Vamos usar dez toneladas de
mísseis nucleares como isca numa operação de contrabando? Não
fica parecendo com o rabo sacudindo… a baleia? – Coulson
perguntou. Ele não parecia nem um pouco convencido.
– Cachorro – Tony corrigiu. – O rabo que sacode o cachorro.
Coulson balançou a cabeça.
– Não, tenho quase certeza de que isto aqui é uma baleia.
– Então ficamos de olho nas coisas e nos certificamos de agir
antes que algo aconteça. – Natasha deu de ombros. – Não é um
problema.
– Não, ogivas nucleares soltas ao vento. Elas nunca são um
problema – Tony disse.
– Não vou permitir que algo aconteça – Natasha enfatizou. – Nós
não vamos.
– Como sabe disso? – Tony não acreditou muito. – Nem sempre
depende de você, nem de nós.
– De que outra maneira podemos provar quem está por trás
disso? De que outro modo podemos expor a Sala Vermelha pelo
que de fato eles são? Como faremos para entender qual é a jogada,
quem são os alvos e o porquê disso? Como poderemos proteger
sem sabermos quem devemos proteger, e de que os estaremos
protegendo? – A voz de Natasha se elevou.
– Às vezes não sabemos a quem proteger. Às vezes as coisas
simplesmente acontecem, N-Ro. – Tony não continuou falando, mas
todos os presentes na sala ouviram o que ele de fato estava
dizendo.
– Isto não se trata apenas de mim – Natasha disse. Sentiu o rosto
enrubescendo, o que não era nada característico para ela, e
interpretou isso como uma traição.
– Só estou dizendo que todos nós conhecemos os seus
sentimentos com relação à Sala Vermelha e aos Somodorovs. Não
transforme isso em uma questão pessoal – Coulson aconselhou.
– Não me venha com essa. Claro que é pessoal! – Natasha
estrepitou.
– Talvez seja melhor você ficar fora desta – Tony sugeriu com
gentileza.
Natasha se irritou.
– Quem mais está disponível? O Capitão? Bruce?
Coulson olhou para ela por um instante demorado, remexendo na
borda da pasta diante de si.
– E quanto a Ava? E ela? Como ela vem reagindo a tudo isso? A
primeira missão, a primeira vez em campo, depois de tudo? –
Depois de Istambul.
Ninguém disse isso. Só pensam.
Natasha olhou pela sala em desafio.
Como Ava está? A meio caminho da loucura, quase matou um
homem, alucina com o meu falecido irmão – e ela é a única de
vocês que entende.
Natasha conseguiu sorrir.
– Ava? Nunca esteve melhor. Acho que podemos dizer… que ela
tem um talento inato.

***

– O que conseguiu sobre os meus rastreadores? Alguma das


ogivas marcadas apareceu? – Natasha perguntou a um analista
com cara de nerd na fileira de computadores mais próxima à porta.
Ele ergueu uma mão e continuou digitando com a outra, sem
desviar o olhar do computador. A agente chegou a considerar a
ideia de atirar na tela de plasma dele com a Glock, mas achou
melhor não. Balas custavam caro.
Natasha já estava de mau humor; odiava ir até aquela parte do
Triskelion – a sala de guerra do décimo andar. Toda base da
. . . . . . tinha uma sala de guerra como aquela, que consistia em
meio anfiteatro de mesas de computadores com monitores de frente
para uma parede curva, ocupada por nove telas do teto ao chão,
cada qual cobrindo diferentes perspectivas de mapas mundiais.
Essas salas eram todas iguais – sem falar nos técnicos –, e uma
pessoa só chegava ali se estivesse com tantos problemas quanto
Natasha estava agora.
Problemas nucleares.
– Com licença, estou atrapalhando você? – ela voltou a perguntar.
Em sua mente, ela estava lançando a cadeira dele contra a
projeção iluminada da Costa Oeste, exibida na tela seis da parede
diante deles.
– Só um minuto – o técnico disse, ignorando-a na sequência. –
Isto é sups importante.
– Sups importante?
Maria Hill ergueu o olhar do lado oposto da sala, onde esteve
absorta em uma conversa com Coulson, e acenou para ela.
Natasha se inclinou na direção do homem.
– Sups? É sério? – Na tela dele, ela observou um atirador de um
lado da margem de um rio, abatendo um esquadrão inteiro na
margem oposta. – Deixe-me ver se estou entendendo. Estou
perguntando a posição de cinco mísseis nucleares de verdade, reais
mesmo, e você não pode me atualizar até matar os seus
adversários fictícios?
– Psi-psi-psiu… – respondeu o cara, ainda sem fitá-la. – Não
posso falar. Sou o atirador de elite. Estou na observação.
Será que não existe uma partezinha sequer sua que não tem
medo do que estou prestes a fazer com você? Já que, de fato, sou
uma atiradora de elite?
– Ah, tudo bem – Natasha disse. – Atirador. – Balançou a cabeça.
Maria apareceu ao lado de Natasha.
– Vamos deixar o Barry cuidando dessa tarefa dele.
Natasha ergueu uma sobrancelha.
– Tarefa? Está se referindo ao jogo dele?
– Não importa. Precisamos que ele continue jogando – Maria
disse.
– Deixe-me adivinhar: porque a sacada é que… esse jogo dele é
real. E a minha operação é de mentirinha? – Natasha perguntou.
Maria deu de ombros.
– O jogo não importa, apenas com quem ele está jogando.
Aí Natasha ficou interessada.
– Ah, é? E quem seria?
– Não sabemos. Barry estava na vigilância de mísseis até catorze
minutos atrás, quando foi desafiado por um que, de
alguma maneira, invadiu o nosso mainframe seguro através do
Warrior World. Acredite se quiser.
– Ah, eu acredito – Natasha respondeu.
– Agora ele está jogando contra uma conta cujo endereço IP está
registrado para um agente de alto escalão da . . . . . .
– E você está me contando isso porque…?
Maria olhou para ela.
– De qual agente do alto escalão da . . . . . . você acha que
esse IP é?
– É meu? – Natasha encarou de novo a tela. – Não.
– Isso mesmo.
– E como é que esse superfã de soldados teria encontrado…
Barry? – Natasha perguntou. – Isso não parece um tanto suspeito?
Maria meneou a cabeça.
– É isso o que estamos tentando descobrir. – Ela apontou com a
cabeça para alguém parado na soleira mais distante, que acenou
para que se aproximassem. Em resposta, Coulson atravessou a
sala.
– Temos alguma atualização? – ele perguntou.
– Está se referindo à operação da vida real ou à virtual? –
Natasha perguntou. – Aqui é a central de operações.
– Tanto faz, só não pergunte ao garoto perto da porta. Ele está
muito ocupado – Coulson avisou.
– Mas a atualização mais importante é: eu estava ganhando? –
Natasha perguntou. Coulson pareceu confuso. Maria olhou para
Barry, além dela.
Porque, de repente, Barry estava de pé diante do monitor.
– Pessoal? Acho que vocês vão querer ver isto.
– Puxe para a tela grande – Maria ordenou ao técnico na mesa
logo à sua frente.
Outra caixa de texto, enviada por outro indivíduo desconhecido.
Pelo menos, ela deduzia que tinha de ser outro. Então leu a
mensagem:

INDESCON: TENHA UM POUCO DE FÉ, PTNETS


INDESCON: VERUYUSCHIKH SREDI NAS…
INDESCON: OS FIEIS ESTÃO ENTRE NÓS

É da mesma pessoa.
Mas não pode ser Maks. Ele está trancafiado. Isso é trabalho de
um segundo hacker. Talvez a pessoa que contratou Maks da
primeira vez.
Aquela que ele tanto temia.
Talvez até mesmo a pessoa que o liga a Somodorov.
Apesar de tudo que a . . . . . . lhe dissera, Maks continuava se
recusando a revelar o nome da pessoa que o contratara.
De novo, o logo de caveira apareceu na tela – só que, desta vez,
a tela era da altura e da largura de nove telas, e a imagem ocupava
a parede inteira da sala de guerra.
Não. De novo, não. Não aqui…
Possivelmente pela primeira vez naquele dia, todas as cabeças
da sala se desviaram dos próprios monitores. Foi quase possível
ouvir o estalo coletivo das vértebras à medida que as filas de
colunas se endireitaram.
É assim que você percebe que algo está errado de verdade…
– Como foi que essa coisa entrou na nossa rede? – Maria rugiu,
encarando os técnicos do décimo andar. – Tirem isso daí. Iniciem o
Protocolo X. Agora!
Como se esperassem por essa ordem, no momento em que as
palavras foram ditas, todas as telas ficaram pretas.
– Protocolo X iniciado – o técnico ao lado de Maria relatou quase
sem respirar. – A rede está protegida de quaisquer cancelamentos.
Aham, até parece… Foi fácil demais.
– Obrigada – Maria falou à sala.
– Ele não terminou ainda – Natasha disse, mantendo a voz baixa.
Mas as filas de monitores voltaram à vida, com colunas de números
brancos e brilhantes rolando enquanto as máquinas se reiniciavam.
Somente as telas na parede continuavam pretas.
O que ele está fazendo? O ? Aquele que não é o Maks?
Seja lá quem for esse cara, ele ainda não terminou. Não pode ter
terminado.
Está só me mostrando que sabe como chegar até mim.
Sua mente repassou imediatamente todas as suas
vulnerabilidades. Seu telefone. Seu apartamento. Sua…
Ava.
Natasha pegou o celular e começou a mandar mensagens.

N_ROMANOFF: AVA SE ESTIVER ACORDADA FIQUE EM


CASA
DESPLUGADA NÃO ABRA A PORTA
N_ROMANOFF: SHIELD HACKEADA VOU DESCONECTAR
N_ROMANOFF: VOLTO LOGO

Natasha tirou o cartão do celular e o partiu ao meio,


mergulhando-o num resto de café abandonado em uma caneca na
mesa mais próxima.
– Seria bom se vocês se livrassem dos seus cartões também. O
que quer que ele tenha escrito é maldito e se replica. Pergunte a
Stark, ele estava pronto para contratar o cara. Esse hacker é o
equivalente viral dos percevejos.
– Ele? – Coulson ergueu uma sobrancelha. – Quem é ele?
Natasha gostaria muito de saber.
– Cara a cara, só ficamos com três pessoas: Maks, o hacker, a
quase assassina do Rio e Yuri Somodorov – Natasha informou.
– Um é cadáver e outro é criminoso – Maria observou. – O que
nos deixa com a assassina do Rio.
– Sabemos que ela está em contato com Maks Mohawk – disse
Natasha. – Pelo menos, usamos o rastreador nela para
encontrá-lo. Mas só conseguimos ir até aí.
– Qual é a versão de Maks nisso tudo? – Maria perguntou.
Natasha deu de ombros.
– Até agora? Nenhum comentário. Mas eu tive que atirar nele, o
que pode ter atrapalhado alguns pontos na conversa.
Conforme ela falava, um minúsculo ponto branco apareceu no
meio da tela cinco, a tela central da fileira do meio da sala.
Ela se expandiu para uma luz, e depois palavras…

INDESCON: POVERNIS’
INDESCON: VIRE-SE

– Ele voltou – Maria disse para a sala. – Como ele conseguiu


entrar de novo? Feche a rede… Onde está o meu Protocolo X?
Natasha girou. Só o que conseguia ver eram fileiras de cabeças
erguidas, de novo desviadas dos seus monitores…
Exceto uma.
Barry estava caído à frente, o rosto arroxeado apoiado no teclado,
sangue escorrendo pela boca e nariz e se empoçando na mesa.
A sala explodiu num caos, mas não antes de Natasha se agachar
no chão perto da cadeira de Barry e coletar um frasco de vidro
vazio.
Uns meros grânulos pretos ainda se agarravam à lateral do
contêiner, mas aquilo bastava. Natasha os reconhecera. E sabia que
seria a mesma substância que trouxera como amostra do depósito
da Veraport.
Barry, da sala de guerra – Barry, jogador do décimo andar –,
estava com a Fé, e depois morrera por causa dela.
A Sala Vermelha finalmente mostrava suas cartas.

Os fiéis estão entre nós.
Ela apanhou a amostra e saiu em disparada.
– Aonde você vai? – Coulson a chamou.
– Para casa! – ela gritou de volta. – Nada de celulares…
Ava…
CAPÍTULO 18: AVA
COZINHA COMUNITÁRIA STARK FORT GREENE,
BROOKLYN

O jantar não tinha sido tão ruim quanto Ava imaginara que seria.
Não comeram nuggets de peixe, mas havia uma lasanha com molho
de orégano e uma aromática sopa de legumes, feita com tanto
repolho que Ava poderia fechar os olhos e quase fingir que era
shchi, a sopa de repolho que sua mãe – e qualquer outra mãe russa
– preparava no inverno.
Quase.
Do outro lado da mesa, Dante se mantinha ocupado consumindo
o equivalente a seu peso em pão de alho enquanto Sana contava
histórias engraçadas sobre seus clientes e sobre a esgrima, ou
sobre as meias-irmãs e os irmãos. Até mesmo uma sobre ter
desenhado uma bunda no lugar de um coração na espuma de um
cappuccino e ter ficado esperando que alguém percebesse.
A única parte sofrida foi que Ava e Dante não conseguiram
conversar um com o outro durante toda a noite. Isso e o fato de o
seu telefone estar sem bateria, de modo que não podia ligar para o
asterisco-sessenta-sei-lá-o-quê a fim de fingir que recebia uma
ligação e ir embora. Não o tinha carregado desde Manaus, a não ser
pelos poucos minutos enquanto estava no chuveiro de Natasha.
Coisas sobre as quais a . . . . . . não pensa quando constrói um
avião…
Quando estavam na metade do pudim de chocolate, Ava achou
que não conseguiria suportar mais.
– Você tem que vir comigo ao banheiro. – Agarrou Sana pela mão
e a puxou consigo na direção dos banheiros, deixando Dante para
trás na mesa do salão da cozinha comunitária. Assim que se
afastaram o suficiente, Ava sibilou no ouvido da amiga: – Sério? O
que está tentando fazer, San?
– Nada. – Sana empurrou a porta do banheiro.
– Você armou pra cima de mim. Esta noite foi sabotagem. Você
devia ir para a prisão das amigas. – Ava disse, seguindo--a para
dentro. – Não sou amiga dele. Ele me odeia. Ele me culpa… por
tudo.
Sana cruzou os braços, apoiando-se na bancada da pia.
– Diga.
– Sana – Ava alertou. Estava ficando brava de verdade.
– Pelo que ele a culpa? O que é tudo? – Sana perguntou. – Diga
o nome dele.
– Tanto faz. Não. Pare de agir esquisito. Você sabe do que estou
falando.
– Não. – Ela balançou a cabeça. – Alexei. Diga o nome dele.
– Sana – Ava a avisou.
Sana agarrou suas mãos.
– Você nunca fala dele, Mysh. É como se nada tivesse
acontecido, como se ele nunca tivesse existido.
Ava afastou as mãos. Sana poderia muito bem tê-la estapeado. –
É uma coisa horrível de se dizer. E não é verdade.
– E sei que não é verdade, eu vi vocês dois juntos. Sei o quanto
ficou dilacerada quando ele…
– Sana!
Sana olhou para ela cheia de propósito.
– Quando ele morreu, Ava. Alexei morreu.
– Eu sei disso. Claro que sei. O que foi, ficou louca? – Ava
conseguia sentir as lágrimas emergindo e se avolumando em seus
olhos.
– Não, Ava. Estou preocupada. Vocês dois viviam no mundinho
de vocês quando estavam juntos, e agora você vive no seu
mundinho com a lembrança dele, porque está longe.
Seria verdade?
Ava estava agitada.
– Não estou sozinha – rebateu. – Estou estudando na Academia.
Tenho ficado com Natasha, viajando. Na verdade, quase nunca
estou sozinha.
– É como se estivesse – Sana disse. A boca se retorceu e, por um
instante, ela também pareceu estar à beira das lágrimas. – Você é a
minha melhor amiga, Ava. Deixei que tentasse cuidar disso sozinha
por tempo demais, e jurei para mim mesma que, quando você
voltasse, eu a ajudaria a encontrar o seu caminho.
– Mas e se eu não quiser encontrá-lo? – Os olhos de Ava já
estavam embaçados.
– Vai, sim. Você precisa encontrar. – Sana se inclinou, abaixando
as mãos com suavidade sobre os ombros de Ava. – Mas não dá pra
seguir em frente até superar essa situação.
– Está tudo bem assim pra mim, nunca pedi pra seguir em frente
– Ava disse, desviando o olhar. Uma lágrima rolou por sua face até
a boca, onde ela sentiu o sal nos lábios.
– Você precisa fazer isso, Mysh. Sabe que sim. E acho que
aquele garoto esperando na mesa poderia muito bem ser a única
pessoa no mundo tão confusa quanto você sobre esse assunto.
Mais um motivo para permanecermos afastados um do outro.
– Tudo bem? Você está bem?
Ava só queria dizer que estava bem, que tudo estava bem, que
ela só não entendia. Mas, no momento em que abriu a boca, só
conseguiu chorar.
Sana envolveu Ava com os braços, apertando-a num abraço forte.
– Apenas tente. Você bem poderia conversar com ele a respeito
disso. Porque não sei como consertar isso, Mysh. Preciso daquele
garoto para ajudar.
Ava enterrou o rosto no ombro de Sana; sua amiga rescendia a
café fresco e canela, e mesmo isso lhe trouxe somente um breve
conforto naquela noite.
– Ele sabe o que você perdeu… – Sana começou.
Ava a interrompeu.
– Ele não sabe. Ninguém sabe.
Sana olhou com tristeza para Ava.
– Tudo bem. Mas ele conhece quem você perdeu, melhor do que
qualquer outra pessoa. E sinto muito. Eu queria mais do que
qualquer coisa ser essa pessoa para você.
– Pare. Apenas pare. – Ava se afastou. Tentou se controlar,
assentindo, esfregando o rosto. Todos os sinais que as pessoas dão
quando estão bem. Eu lhe darei todos eles. Só permita que esta
conversa acabe. – Está tudo bem. Ficarei bem.
– Mas você não está – Sana rebateu.
– Vamos só acabar logo com isto. Podemos conversar mais tarde.
– Ava empurrou a porta do banheiro e seguiu até a mesa deles.
Meus olhos estão inchados. Meu rosto está vermelho. Meu nariz
está escorrendo. E Dante consegue ver tudo isso. Provavelmente
está aterrorizado…
Dante se levantou quando as duas se aproximaram.
– Vou indo nessa. – Ele se esticou para pegar a bolsa de esgrima.
– Vocês podem ficar pra conversar. – Ele não conseguia ir embora
tão rápido quanto queria.
Pois é. Aterrorizado.
Ava olhou para ele e, por fim, inspirou fundo, estremecendo como
uma criança que tenta parar de chorar depois de uma ceninha. Bem
adequado.
E olhou para ele.
– Quer, talvez, sair daqui? Me acompanhar até o metrô ou algo
assim?
Ele a encarou.
– Tem certeza?
Ela estremeceu de novo e, dessa vez, percebeu que era de
cansaço.
– Tenho. Estou acabada. Preciso ir pra casa dormir.
– Sei como é – Dante disse. Segundos depois, empurrou a porta
e seguiu Ava rumo à noite fria.

***

Encontraram o mesmo ritmo em questão de momentos, andando


pela avenida Flatbush.
– Desculpe – Ava disse por fim. – De verdade. Sei que agi de
modo estranho hoje. Eu só… não saio muito.
– Saquei – Dante disse. – Ah, minha escola também anda uma
droga.
Sem ele. Você também não consegue dizer, não é?
Ele deu de ombros.
– Nem consigo imaginar como deve ser uma escola militar.
Escola militar.
– Oi? – Fora isso que ela dissera. Agora se lembrava. Era uma
mentira? Estava tão cansada de mentiras, de conspirações e
enganações. Por outro lado, será que a Academia era tão diferente
assim de uma escola militar?
Acho que, de certa forma, é verdade.
Dante passou a bolsa de esgrima para o outro ombro, e Ava
mudou de assunto.
– Ah, é mesmo. E como anda a esgrima?
– Ótima. Quero dizer, bem. – Ele deu de ombros.
– É mesmo? – Ava sorriu. – Qual dos dois: ótimo ou bem?
Dante parou de andar e lhe entregou a bolsa. Ela percebeu, no
momento em que a segurou, que não havia espada alguma ali. A
bolsa de náilon estava tão leve que ela conseguiria carregá-la nas
pontas de dois dedos; ao levantá-la, a coisa murchou, quase se
dobrando ao meio.
– Onde está o equipamento do treino?
Ele olhou para o farol do outro lado da rua. Carros aguardavam no
cruzamento.
– Ah, bem. É que eu… desisti.
Ava surpreendeu-se.
– Mas eu assisti você na Filadélfia. Você era tão…
– Ele era melhor – Dante se limitou a dizer.
Ela ficou absolutamente imóvel.
– Tudo era melhor – Ava disse. Depois se esticou e segurou a
mão fria dele nas suas.
Quando ele enfim ergueu os olhos, Ava pôde enxergar seu rosto
sob a iluminação da rua, marcado por lágrimas. Os dedos de Dante
se apertaram ao redor dos dela, depois ele enxugou o rosto na
manga, assentindo.
– Eu sei. Nada está bem.
Ali estava. A verdade. A imensidão inacreditável de tudo. Era
simples assim – quer eles quisessem ou não.
– É por isso que você não conseguiu escrever – Dante disse.
Ava concordou com a cabeça.
– Às vezes eu mal conseguia respirar. Não conseguia inspirar.
– Eu não conseguia ouvir as pessoas conversarem – Dante
confessou. – Eu não conseguia ficar perto de estranhos que
conversavam em restaurantes, por exemplo. Eu tinha que estar
sempre em movimento. Todos eles pareciam tão idiotas. O mundo
inteiro parecia idiota.
– Eu sentia como se minha mão estivesse na boca do fogão –
Ava contou. – Bem no meio das chamas. Eu acordava de manhã e
pensava “será que minha mão ainda está no queimador?”. Daí eu a
sentia, e ela continuava ali.
Permaneceram inertes em um instante de silêncio. Alexei havia
morrido, e o mundo se estilhaçara em milhares de terríveis pedaços.
Mesmo as coisas que sobreviveram não eram mais iguais.
Como nós. Não somos os mesmos.
– É melhor continuarmos andando se você quiser pegar aquele
trem. – Dante pigarreou, e Ava soltou a mão dele. Dante a enfiou no
bolso, sem jeito, e retomaram a caminhada.
Ele a fitou.
– E você? Pratica esgrima na escola? Sei que o Exército, a
Marinha a e Força Aérea têm equipes tremendas.
Ela balançou a cabeça.
– A Academia não… Bem, ela é mais assim… – As únicas
equipes da . . . . . . são as de ataque.
Tentou pensar em como descrever esse Triskelion como uma
escola.
– É bem militar. Então temos mais cordas e alvos para acertar,
preparo físico e treino com obstáculos. E, ah, claro, influências
externas. – Isso mesmo, externa tipo uma área restrita de
operações com atiradores e granadas.
– Então nada de esgrima – ele concluiu.
Ela quase sorriu.
– Pratico um pouco de esgrima, mas por conta própria. – E com
uma ou duas adagas eletrizadas.
– Foi assim que seu rosto ficou todo arranhado? – Ele inclinou a
cabeça na tentativa de enxergar melhor sob a luz dos postes.
Ava tocou a testa, constrangida.
– Ah, bem. Mais ou menos isso. – Na verdade, o que aconteceu
foi que estávamos nos explodindo em Manaus. – Você devia ver os
outros caras.
– Tá certo. – Dante sorriu. – Que maneiro.
Ava sorriu.
– Mais ou menos legal.
Estavam a apenas um quarteirão da entrada do metrô. Dante
hesitou.
– E você pode receber visitas? Sabe, a gente podia ir lá ver você
ou algo assim. Eles têm algum dia aberto para visitas?
Ava hesitou. Não havia como se esquivar dessa pergunta. É uma
organização de inteligência secreta, então, sabe, não. Eles não têm
um dia aberto para visitas. Nunca…
– Ei! Que grosseria! Vocês não iam me largar pra trás, não é? –
Uma figura apareceu na escuridão, um pouco depois da luz da rua.
– Abraço em grupo – Sana convidou, enfiando-se entre os dois, com
braços para todo lado. Ava apoiou a cabeça no ombro da amiga, e
Sana puxou a cabeça de Dante para mais perto com um dos braços.
– E agora? Vamos entrar nesse metrô ou ficar aqui congelando os
traseiros? – Sana começou a puxar Ava e Dante na direção das
escadas. – E isso não foi uma pergunta de verdade…
Correram uns atrás dos outros. As ruas estavam escuras, e os
degraus para a estação, tomados por uma luz fraca e amarela. No
fim da escada, Sana pegou seu bilhete recarregável do metrô.
Provavelmente o primeiro da vida dela, Ava pensou.
– Isso mesmo – Sana disse. – Sou uma legítima barista da Rude.
Os meus dias de pular a catraca chegaram ao fim. Na verdade,
pago a passagem de vocês dois.
– Olha só quem está esbanjando – Ava disse, remexendo uma
das sobrancelhas, girando a catraca e devolvendo o bilhete.
– Bem, vocês são estudantes mortos de fome. – Sana deu de
ombros, entregando o bilhete a Dante. – Não quero sobrecarregá-
los.
– Espetacular – Dante comentou, empurrando a catraca. –
Preciso voltar até Jersey. Trem 908, quase toda noite.
– Por que isso? – Sana passou depois dele.
Dante apontou para a jaqueta de Clube de Esgrima Montclair
Alliance.
– Meus pais acham que estou num clube de esgrima da cidade
agora.
– Você nunca contou para eles que desistiu? – Ava perguntou.
Fazia tanto tempo que não tinha pais, que não conseguia imaginar
como se sentiria tendo de mentir para as pessoas com quem
morava. Ah, consegue, sim. Está fazendo isso neste instante.
Natasha acha que você está em casa, e aqui está você no Brooklyn,
usando metade do guarda-roupa dela…
– Dá certo – Dante respondeu. – Tenho muito tempo livre, e eles
não ficam se preocupando onde eu estou.
– Ah, é, verdade. Pai policial – Ava se lembrou.
– Pai policial? Ainda bem que não pulei a catraca. – Sana
assobiou. – Aposto como você teria me arrastado até a delegacia e
me entregado para o papai.
– Para você, ele é o Capitão Papai. Ah, mas hoje, não. – Dante
sorriu. – Não conversamos muito mais. Como eu disse, tempo livre.
Dá certo para todo mundo.
Depois de passarem pelas catracas, aproximaram-se da beirada
da plataforma. Tinha o cheiro e a aparência de casa, e Ava inspirou
profundamente.
– Sabem quando estão andando na rua e pisam numa daquelas
grades do metrô, daí vocês acabam sendo atingidos por uma
daquelas rajadas de vento subterrâneo do metrô de Nova York?
Sana enrugou o nariz. Dante gargalhou.
– Pare. Não ria. Não estou brincando. Esse é o meu cheiro
predileto no mundo todo – Ava disse.
– Não é, não – Sana negou.
– Sério mesmo? – Dante meneou a cabeça.
Sana passou o braço ao redor do pescoço de Ava.
– Maçãs assadas com canela. Esse é o seu cheiro favorito. Você
já me contou isso umas mil vezes.
Ava sorriu.
– Talvez. Mas faz um tempo que estou longe. Talvez eu sinta
saudades de coisas diferentes agora.
Ela se apoiou na parede de azulejos do metrô. No fim da
plataforma, onde havia poças de luz amarelada dissolvendo-se em
sombras, duas figuras permaneceram na escuridão. Algo acontecia
ali.
Então sentiu Sana cutucando-a na cintura.
– Não olhe – murmurou.
Ambas passaram tempo suficiente nas ruas para saberem que
era melhor ficar fora dos assuntos alheios. Ou aquilo era tráfico ou
assalto e, de um jeito ou de outro, era melhor não ver nada nem
ninguém.
Ava assentiu, quase imperceptivelmente.
Sana passou o braço ao redor de Dante e lentamente foi se
afastando com ele para o outro lado.
Ava percebeu uma de suas mãos se abaixando para onde havia
escondido as adagas. Antes de conseguir se deter, começou a
andar na outra direção, para junto de uma banca de jornal que
escondia os dois caras do seu campo de visão.
– Aonde você vai? – Sana perguntou com brusquidão.
– Beyoncé. – Ava apontou, aproximando-se das revistas.
– Ava – Sana disse. Um aviso.
– Só um minuto. – Ava foi para a banca. Pegou uma revista e
fingiu folheá-la.
O cara atrás do balcão tossiu.
– Se quer ler, tem que comprar, querida. – Ele disse sem nem se
dar ao trabalho de levantar os olhos.
Ela o ignorou, movendo-se em busca de se posicionar num
ângulo em que conseguia enxergar, por cima da revista, a parte
sombreada do último pilar de sustentação na plataforma. Virou a
página e deu uma espiada melhor.
Ali estavam eles. Os mesmos dois caras. Um com uma jaqueta da
Nike, o outro com um boné dos Yankees. O Nike entregou para o
Yankees um rolo de dinheiro. Yankees puxou algo do bolso num
saco de papel pardo amassado, empurrando-o para a mão do Nike.
Ela conseguia enxergar só a ponta, parcialmente fora do bolso dele.
Era uma cabeça.
Virou a página e olhou de novo. Seu coração batia tão rápido
agora que ela cogitou que iria desmaiar.
Ava sabia o que estava vendo: Jesus. A cabeça de Jesus, pelo
menos.
Estava olhando para a estatueta do Cristo Redentor, igual àquelas
que ela e Natasha encontraram no dia anterior num depósito
escondido de mísseis nas cercanias de Manaus.
Fé.
A droga russa estava ali nas ruas do seu bairro, Fort Greene.
CAPÍTULO 19: DANTE
FORT GREENE, BROOKLYN GRANDE CIDADE DE NOVA
YORK

Foi difícil ver o que estava acontecendo, do ponto em que eu estava


na plataforma.
Só o que consegui ver foi, num minuto, Ava – minha amiga –, que
parecia estar lendo uma revista sozinha na frente da banca de jornal
e cuidando da própria vida, no instante seguinte dando a maior surra
em dois caras esquisitos.
É sério.
E espera só…
Com essas coisas brilhantes muito loucas, tipo umas lâminas
elétricas mais parecidas com sabres de luz do que com uma espada
de esgrima.
Não estou brincando. Eu juro.
As lâminas pareciam feitas de um tipo de luz azul, como a de um
bom Jedi, não dos Sith.
E Ava – a minha amiga, a garota – estava atacando os caras
estranhos com elas, num movimento de ataque numa pista de
esgrima – só que dessa vez numa plataforma de metrô em vez de
na pista, e ela tinha duas lâminas em vez de uma só.
Uma curta e outra longa. É isso o que lembro.
Daí ela subiu em um banco no meio da plataforma, sabe? E
estava gritando para que eles entregassem, entregassem. E os
caras agindo como se não soubessem do que ela estava falando.
Mas, então, um dos caras, o que estava usando uma camiseta da
Nike ou algo assim, começou a berrar com o outro cara, um fã dos
Yankees. Não dava para entender bem o motivo, mas depois ele
jogou um saco de papel para Ava.
Isso deixou o fã dos Yankees muito puto, sabe? Então o fã dos
Yankees disse pro cara da Nike pular na frente do trem. Sei lá.
Mas sabe o que aconteceu? O cara da Nike?
Ele obedeceu.
Ele pulou.
Estou falando sério.
Ele pulou na frente do trem, bem quando estava chegando na
plataforma.
Não faço a menor ideia do motivo.
Ava estava gritando para ele parar, mas ele não prestava atenção.
E todo mundo na plataforma ficou agitado, porque o trem estava
chegando.
Então o cara caiu, bem diante do trem, e o fã dos Yankees vazou
dali.
E a minha amiga Sana – a outra garota, havia duas –, Sana e eu
só ficamos lá, parados, vendo tudo isso, pensando que íamos ver
um homem morrer.
Tudo depois disso aconteceu tão rápido que mal consegui
acompanhar, sério. O trem estava chegando, e o cara da Nike
gritava, e Ava estava surtando.
Vi aquelas lâminas reluzindo insanamente de novo, e depois
passei a só ouvir o barulho delas, porque as luzes se apagaram em
toda a plataforma – alguma pane elétrica ou algo do tipo.
E o metrô da cidade inteira teve que parar. E aquele que chegava
à nossa plataforma também parou, produzindo um som alto o tempo
inteiro, guinchando e soltando um monte de faíscas.
Não deu pra ver o que aconteceu depois disso, porque as luzes
estavam apagadas. Mas, pelo som, pareceu que o cara da Nike
começou a enlouquecer, porque ouvi toda aquela gritaria, e depois
vi Ava o puxando para fora dos trilhos.
E ele saiu correndo, como o fã dos Yankees tinha feito.
E lá estava ela de novo, chegando perto de Sana e de mim como
se nada tivesse acontecido. Só que ela ainda segurava aquelas
duas lâminas insanas, sabe? Pois é, daí fiquei apavorado e saí
correndo.
Foi aí que eu te liguei, pai. Porque estou bem assustado e acho
que preciso de uma carona…

***

Dante parou de falar e esperou.


– Alô? Pai? Ainda está aí?
Não houve resposta. Ele baixou o olhar para o lixo que era seu
celular, aquele que já fora do pai, e depois da mãe. Sabia que tinha
sorte por ser o mais velho entre os irmãos, ou poderia ser pior.
Pior, mas quanto?
Seu celular estava morto, e ele nem se dera conta disso. Tinha
falado sem parar, despejando tudo em cima do seu pai capitão de
polícia, que, como de costume, nem devia ter tempo para falar. Ou
ficou de olho num documento do trabalho o tempo inteiro. Ou num
jogo…
– Merda – Dante reclamou.
Quando foi que a ligação caiu? Quanto daquilo o meu pai ouviu?
Desligou o aparelho, empurrando-o para dentro do bolso e se
sentou na guia da calçada. Estava completamente apavorado,
congelando a bunda, a apenas três quarteirões da estação do
metrô. Os trens não estavam andando. Chamar um táxi para ir para
casa o obrigaria a fazer bico como babá por mais horas do que
poderia imaginar.
Deveria voltar e esperar na estação? Naquela em que acabara de
ver algo totalmente maluco, senão totalmente impossível de
acontecer?
Pelo menos ali eu não congelaria até a morte.
E então ele ouviu uma voz…
– Dante. Tudo bem? O que você está fazendo?
Ele sabia que era Ava. Só não sabia o que vira, à parte de tudo
que já tinha visto na vida. Conseguia sentir o coração acelerado
dentro do peito.
Ele se virou devagar para ficar de frente para ela. Sana estava
logo atrás.
– O que foi aquilo?
Ava se aproximou dele.
– Não exagere.
Sana se juntou a eles na esquina da rua.
– Entendo por que ele está pirando… Que tipo de esporte foi
aquele?
– É – Dante disse, olhando inquisitivo para Ava. – E como
sabemos que você guardou as armas de Jedi?
Ava suspirou, abrindo a jaqueta para mostrar os cabos das
adagas enfiados no cós da calça. Depois ergueu as mãos vazias.
– Pronto. Viram? Está tudo bem. Não foi nada demais.
– Você tem armas brancas que brilham e poderia muito bem ser
uma ninja, e tenho quase certeza de que você assaltou um ladrão
durante um assalto. Isso é alguma coisa – Dante disse.
– Aquilo não era um assalto, era tráfico de drogas – Ava
esclareceu.
Dante olhou para ela.
– Obrigado por explicar.
Ava tentou de novo.
– Olha só, pense nisso como esgrima. Todos nós nos vimos em
competições antes. Eu vi você, você me viu. Tente pensar em mim
como se estivesse meramente praticando.
Sana riu.
– Ah, falou.
– Meramente praticando? – Dante praticamente gritava. –
Esgrima acontece num ginásio. Numa pista. Com coletes Kevlar. E
os dois oponentes portam espadas, aliás.
– Eu sei, eu sei – Ava disse. – Em retrospecto, devia haver um
exemplo melhor.
– Acha mesmo? – Dante bufou.
Sana apenas balançou a cabeça.
– Como é que eu não sabia disso sobre você, Mysh?
– Nem sempre fui assim. Aconteceu uma coisa em Istambul – Ava
contou. – Uma coisa meio que complicada.
– Está falando daquela Istambul? – Onde o meu melhor amigo
morreu?
– Tem muito mais por trás dessa história – Ava disse. Fitou Sana
de uma maneira suplicante. – Eu quis contar pra você, San, juro. E
não deste jeito. Quero dizer, sei que tudo isto pode parecer um
pouco estranho…
– Um pouco estranho? – Dante sentia que estava perdendo o
controle.
Sana tentou se posicionar no meio deles.
– Acalme-se, Garoto da Polícia. Pense bem. Isso provavelmente
nem deve ter sido a coisa mais estranha a acontecer num metrô de
Nova York.
– Na real, tenho bastante certeza de que foi. – Ele já sentia o
rosto ficando vermelho. – E, espera aí, agora você vai ficar do lado
dela?
Sana deu de ombros.
– É provável que nem tenha sido a coisa mais estranha que já vi,
também.
Ava segurou a mão da amiga e sorriu.
– Como eu disse, eu teria contado algo se pudesse. É só que…
Bem…
– O quê? – Dante não estava caindo na dela. – Que toda palavra
que sai da sua boca é mentira?
– Não. Isso não é verdade – Ava se defendeu. Contudo, ela
estava mais pálida, então Dante deduziu que pelo menos meia
verdade devia ser. – Não toda palavra.
Ele balançou a cabeça.
– Você está mesmo numa escola agora? Chegou a conhecer meu
melhor amigo? Você o amou mesmo?
Ah, pronto.
Ele enfim havia verbalizado. Fazia quanto tempo que pensava
nisso? Só um ano?
Ava pareceu arrasada. Depois brava. Muito, muito brava mesmo.
– Sabe de uma coisa? Acha que a minha vida inteira é uma
mentira? Quer saber como é a escola militar que frequento? Então
vamos. Vamos em frente. Vamos lá.
– Agora? – Dante não tinha tanta certeza disso.
Ava concordou com a cabeça, fazendo sinal com uma das mãos
quando um táxi parou magicamente ali na esquina.
– Sim, agora. Tenho que voltar para lá. Estou com algo importante
que os outros têm que ver. Precisamos nos apressar.
Sana acenou para o motorista, abrindo a porta do passageiro.
Dante se questionou sobre o motivo de ela ir na frente quando não
havia necessidade disso, mas, pensando bem, ele mal andava de
táxi para saber o suficiente sobre eles ou para se importar com isso.
– Os seus professores é que têm que ver? – Dante perguntou.
– É – Ava concordou, parecendo cansada. – Tipo isso. – Depois o
fitou. – Me empresta o seu celular?
CAPÍTULO 20: NATASHA
APARTAMENTO DA VIÚVA NEGRA LITTLE ODESSA,
BROOKLYN

Natasha revirou o apartamento, mas de nada adiantou. Não


encontrou nada que a pudesse conduzir até Ava. A pilha de roupas
sujas no cesto do banheiro não revelou nada. A não ser pela roupa
suja e pela toalha usada, não havia qualquer sinal de que a garota
tinha estado lá.
Miau…
O gato – ela não chegava a considerá-lo seu gato – entrou pela
janela aberta da escada de incêndio. Saltou na bancada, cruzou
para o beiral da pia, foi andando diante do escorredor de pratos e
enfiou a cabeça na lata de lixo.
– Está farejando alguma coisa? – Natasha pegou o gato e o
colocou no chão. Enfiou a mão na lata de lixo e encontrou
descartado um copo térmico de café.
Rude Brews? É aí que você esteve? Mas onde você está agora?
Sentia-se frustrada. Tinha tentado usar o telefone da zeladora, no
primeiro andar, mas Ava não atendia.
Ou há algo errado…
Desvencilhou-se da lembrança do rosto ensanguentado de Barry
apoiado na tela do próprio computador. Quem quer que estivesse
atrás dela acabara de demonstrar as habilidades de entrar no
Triskelion da . . . . . . e de tirar a vida de quem bem entendesse.
Nem mesmo os técnicos nerds do décimo andar estavam mais a
salvo. A ameaça não era apenas a invasão de uma linha segura.
Nem mesmo a de um explosivo de magnésio.
Era questão de vida ou morte, a sua vida, a de Ava, e as apostas
do nada subiram exponencialmente.
Natasha contemplou o copo de café em suas mãos.
Onde você está, sestra?
Pela primeira vez em muito tempo, em vez de amaldiçoar a
conexão quântica que mantinha com Ava, Natasha de fato quis usá-
la.
Era sempre Ava quem a procurava. Ela não tinha tanta certeza de
que funcionaria no sentido contrário. Como é que ela faz isso?
Natasha fechou os olhos.
Onde você está, Ava? Fale comigo. Como posso encontrar você?
Concentrou-se. Desacelerou a respiração. Ultrapassou os
pensamentos conscientes, esvaziou a mente…
Ava Anatalya Orlova…
Uma batida à porta a assustou, e seus olhos se arregalaram.
Pegou a Glock de trás da cintura e se pressionou na parede
adjacente à porta.
– Pois não?
– Você recebeu uma ligação, meu bem.
Natasha franziu o cenho e abriu a porta para deparar com a
zeladora do prédio, a sra. Smalley, que tinha dez mil anos de idade
e 1,20 metro de altura. Ela trajava um roupão e estendia o celular
para Natasha.
– Seja rápida, estou esperando a ligação do homem que vai
consertar o aquecedor. E, da próxima vez que der meu número, é
melhor que seja pro tal Homem de Ferro.
O gato passou correndo pelas pernas da sra. Smalley com um
sibilo. A velhota sibilou de volta, depois encarou Natasha.
– Atenda.
Natasha olhou desconfiada para o aparelho, como se ele fosse
detonar a qualquer momento (algo possível, considerando-se aquele
dia, mas também era o modo como ela enxergava todos os
telefones), e manteve distância.
– Disseram quem era?
– Sua irmã.
Natasha pareceu aliviada e pegou o aparelho.
– Ava?
Não havia ninguém do outro lado da linha. Ela só conseguiu ouvir
um som de discagem, seguido por um estranho clique…
– Abaixe-se! – Natasha agarrou o braço da sra. Smalley e
mergulhou escada abaixo enquanto o apartamento explodia numa
bola raivosa de fogo e fumaça, fazendo os escombros voarem pelos
ares atrás delas.
CAPÍTULO 21: AVA
TRISKELION S.H.I.E.L.D., EAST RIVER, GRANDE
CIDADE DE NOVA YORK

A primeira dica veio das pontas dos seus dedos, em que fagulhas
azuis se espalhavam numa chuva até o carpete industrial que cobria
o piso do escritório de Maria Hill.
Ava já estava levando o sermão da sua vida quando sentiu a
explosão. Quase foi derrubada; seus olhos ficaram brilhantes e
vazios e, por um instante, ela achou que iria desmaiar.
Em seguida veio a dor pungente.
Natasha.
– Você saiu da linha, recruta. – Coulson estava sentado na
beirada da mesa de Maria, encarando Ava. – Assim que a agente
Romanoff voltar, ela terá algumas outras coisinhas próprias a
acrescentar…
– Eu sei, senhor… – Ava respondeu devagar, embora mal
conseguisse expelir de si as palavras. Sua cabeça doía tanto que
ela mal conseguia ficar de pé.
Natasha, você está bem?
Maria sacudiu a cabeça, andando de um lado a outro atrás de
Coulson.
– Não é hora de trazer seus amiguinhos para brincar na
. .. . . …
Ava parou de prestar atenção. Em vez disso, mergulhou na
própria mente, para além dos limites de sua consciência, da base e
do rio East. Foi avançando, quarteirão por quarteirão, cada vez mais
perto de Little Odessa, onde ficava o apartamento de Natasha.
Mais perto. Preciso me aproximar mais…
Os dedos assumindo um tom iluminado de azul estavam fora de
seu campo de visão, mas ela sentia o calor se espalhando pelos
braços e envolvendo-lhe o corpo todo.
Cerrou os punhos, e a eletricidade ardeu com mais intensidade –
e sentiu a mente se movendo com velocidade e clareza crescentes.
Lá vamos nós…
Maria continuava:
– Acabamos de perder um bom garoto, um analista valioso, para
algum tipo de agente químico desconhecido, bem dentro da nossa
base…
O que está acontecendo? Fale comigo…
Algo está errado, sestra.
Ava curvou os pés quando a energia passou por eles. Agora já
sentia as agulhadas sutis da luz azul perfurando cada uma das suas
pupilas.
– Não quando pessoas estão morrendo sem motivo aparente, a
não ser um frasco de vidro cheio de areia…
Ava ergueu o olhar.
– Preta? – perguntou.
Maria a avaliou com estranheza.
Ava tirou um objeto do bolso e lhe entregou.
– Tipo esta? – Era outro frasquinho de vidro, dessa vez cheio até
a metade com uma areia brilhante preta.
– Onde conseguiu isto? – Coulson indagou enquanto Maria
estudava o frasco.
– Das mãos de um homem que tinha acabado de se jogar na
frente de um trem – Ava respondeu. Agora a dor era tão forte que
ela precisou morder a bochecha na tentativa de se concentrar nas
palavras dos agentes.
Sestra…
– O quê? Por quê? – Coulson perguntou.
– Por que ele se jogou? Porque o cara que estava segurando esta
coisa mandou que ele fizesse isso… – Ava pressionou o frasco nas
mãos de Maria. – E isso tem um significado ainda pior do que vocês
imaginam, porque isto aqui é a mesma coisa que encontramos no
acampamento da Amazônia.
– Como é possível? – Coulson pegou o frasco da mão de Maria
para examiná-lo mais de perto.
Ava balançou a cabeça. Focos de luz pipocavam atrás dos seus
olhos, quase como se formassem manchas pela dispersão da luz, o
que fazia zero sentido porque ela estava em um ambiente fechado.
Der’mo.
– Não sei. Eu também não teria acreditado se não tivesse visto.
Pergunte para os outros. Estão esperando no corredor.
– Outros? – Maria perguntou. – Outras… crianças?
– Neste corredor? – Coulson perguntou. – Está dizendo que eles
estão aqui?
Neste corredor secreto? Nesta base militar confidencial? Ele nem
precisou dizer isso. Ava não se importava; tinha problemas maiores
do que Coulson. A sala inteira girava agora, e ela se apressou em
falar de uma vez:
– Sana e Dante. Eu os trouxe comigo. Vão em frente, eu sei.
Vocês vão surtar. – Balançou a cabeça. – Mas não consigo falar
sobre isso agora. Tenho que ir.
Só chegou até a porta.
No instante em que tocou a maçaneta metálica lisa, seus olhos se
fecharam involuntariamente enquanto sua mente de súbito recebeu
uma enxurrada de imagens de fogo e de fumaça, de gritos e de
sirenes. Em seguida, Ava ouviu uma voz, bem de leve, muito
distante.
Ava, sinto você, mas não consigo ouvir.
Se estiver em segurança, fique onde está… Eles estão aqui.
Os olhos de Ava se esbugalharam. Ela abriu a boca, e um jorro de
luz azul escapou para fora. Abriu os braços, e correntes azuis
pulsaram das pontas dos dedos, espalhando-se e chocando-se
contra o piso debaixo de si e no teto acima dela como raízes e
galhos de uma árvore, ou, talvez, os dendritos de um neurônio.
As fagulhas se dispersaram quando ela formou duas palavras
com grande dificuldade.
– Natasha…
– Agora.
Seus olhos se reviraram, e a sala ficou escura.

***

Ao despertar de novo, Ava percebeu-se deitada num dos


famigerados leitos “para corpos” de lona e alumínio da . . . . . .
(do tipo “dá para dormir melhor num desses”) na enfermaria.
A cabeça doía na base do crânio, como se alguém tivesse
perfurado a região. Virou a cabeça para um lado – para longe da
dor…
Alexei estava sentado na cadeira ao lado da cama dela, com a
cabeça nas mãos.
Ela tentou pronunciar seu nome, mas apenas um grunhido saiu.
Alexei ergueu o olhar, com uma expressão quase palpável de
alívio no rosto.
– Ah, graças a Deus. Você me deixou preocupado, Mysh. Nunca
mais faça isso.
Ela sorriu e moveu os dedos na direção dele, deixando-os pensos
na beirada do leito.
– Você me deixou – ela murmurou. – Simplesmente desapareceu.
– Eu sei, e sinto muito. – Uma sombra atravessou o rosto dele. –
Não consegui suportar. Fiquei com ciúmes, vendo você conversar
com o meu próprio amigo. Que idiotice, não?
– Você não pode simplesmente deixar uma pessoa para trás
assim – ela disse baixinho. – Não a menos que prometa voltar.
– Estou aqui agora, não estou? – Alexei saiu da cadeira e se
agachou junto à cama. Agora seus olhos estavam no mesmo nível
que os dele. – Nunca vou deixar você, Ava Anatalya Orlova. Juro
pela minha… morte.
Outra voz interrompeu, dessa vez vinda do outro lado do quarto.
– Estou bem aqui, Ava. Não desapareci. Eu voltei. Você só está
confusa. Consegue me ouvir?
Natasha.
Ava ouviu o som de um bipe e um sussurro.
– Acho que ela está alucinando. Alguém pode chamar o médico?
– Não. Estou bem – Ava respondeu, rolando de lado. Sentia--se
aliviada em constatar que a Viúva não parecia machucada, estando
sentada ereta na beirada lateral do leito, ainda segurando um copo
plástico cor de mostarda com um canudo dobrado. – E você
também parece estar.
– Suco de cranberry – Natasha disse, entregando-o para ela. –
Por que as enfermeiras da . . . . . . sempre querem nos dar suco
de cranberry?
Ava se sentou, pegando o copo.
– Obrigada.
– Como está a cabeça?
– Acho que fritei alguma coisa – Ava replicou, alongando o
pescoço. – Talvez tenha grelhado.
– Com quem você estava falando há pouco? – Natasha avaliou
seu rosto.
– Não conte. Ela não vai entender – Alexei disse ao seu ouvido,
sentando-se atrás dela no leito.
– Quando? Eu devia estar sonhando – Ava mentiu, abaixando o
copo numa mesinha com suprimentos de enfermagem repleta de
faixas de gaze, tesouras e uma pequena cuba plástica no formato
de um feijão. – Estou feliz que esteja bem. Eu estava muito
preocupada.
– Estou bem – Natasha disse, segurando um cotovelo enfaixado.
– Nada além dos costumeiros tons de roxo e preto. Todos
conseguiram sair, graças a Deus. Até a sra. Smalley.
– Puxa – Ava disse, imaginando a cena.
Natasha fez uma careta.
– Pois é, eu meio que nos joguei escada abaixo. Ela é muito leve,
e acho que ainda lhe resta um quadril bom, pelo menos.
– Que ótimo. – Ava passou os pés para uma lateral do leito. – A
última coisa que lembro é de Maria Hill tagarelando a respeito de um
ataque ao décimo andar. E depois senti você caindo…
Natasha ficou séria.
– Eles mataram um agente júnior, um técnico inocente. Não sei
como chegaram até ele. Tinham alguma espécie de controle total, e
cronometraram o ataque para que acontecesse bem quando
hackearam a base.
– Assim como no Rio – Alexei completou. – Estou preocupado.
Ava assentiu.
– O padrão é o mesmo. O ataque em duas partes. Também foi
assim quando hackearam você no Rio e depois explodiram a moto.
– É verdade – Natasha concordou. – Quer esse Anjo Vermelho ou
a Sala Vermelha ou o Vestido Vermelho…
– Verde – Ava a corrigiu.
– É, tanto faz. Evidentemente é uma pessoa dando as ordens, e
não é Yuri Somodorov. – Natasha especulou, lançando um olhar
significativo para Ava. – Pelo menos, não mais.
– Ela está preocupada com você. Não quer que você se
machuque. Consegue culpá-la? – Alexei sussurrou.
Ava se sentou ereta e deixou os pés pensos na lateral da cama.
– Não é necessário falarmos sobre isso. – A última coisa que ela
queria fazer era reavivar o ocorrido naquele acampamento do
Amazonas; nem ela sabia muito bem o que acontecera, ou de onde
surgira aquele específico tsunami de ira, ou como deveria controlá-
lo.
– Mas você sabe. Você sabe exatamente de onde veio. E também
sabe que está ficando cada vez mais difícil controlar isso – Alexei
disse. – Um dia vai ter que contar para ela, Mysh.
Ava fixou os olhos em Natasha. Não iria falar sobre o assunto
com nenhum Romanoff, real ou fantasma.
– Sim, é necessário falarmos sobre isso – Natasha disse. – E
vamos falar.
Ava tentou ficar de pé.
– Preciso ir.
– Não tão rápido – Natasha retrucou. – Provavelmente seria bom
dar uma avaliada e ver se está tudo bem. Revisitar toda essa
questão do emaranhamento quântico. Ver o que está acontecendo
na sua cabeça e por que ficou tão elétrica.
– Se deixar Tony entrar na sua cabeça, ele vai ver o quanto isso
está se fortalecendo – Alexei comentou. – O seu poder. Está
preparada para isso?
– Não – Ava disse. Para ambos. Só que mais alto do que se dera
conta.
Natasha lhe lançou um olhar estranho.
– Não quero mais saber do Tony nem dos eletrodos dele – Ava
enfatizou. – Não sou um rato de laboratório quântico, e nem você.
– Não posso impedi-lo de vir – Natasha disse. – Ele já está
voltando da Suíça agora. E passou a semana toda mexendo com
física quântica. Prepare-se.
– Ah, faça-me o favor – Ava disse, pegando um dos sapatos. –
Não temos tempo para isso. Vamos sair daqui. Coulson contou para
você? Interrompi um traficante de Fé…
– Na verdade, você quer dizer que atacou um traficante enquanto
ele vendia drogas? E durante um passeio com seus amigos civis?
Acabando com o seu disfarce e trazendo-os para a base altamente
confidencial da . . . . . . no Triskelion? Ouvi a respeito disso, sim.
– A voz de Natasha era sarcástica.
– Ele não estava vendendo uma droga qualquer. Era a Fé – Ava
rebateu, na defensiva.
– Estou ciente, e Maria Hill já mandou a amostra para ser
analisada no laboratório. Mas entrar numa situação com potencial
de perigo quando está sozinha na cidade foi uma decisão
equivocada. Você poderia ter morrido.
– Ela tem razão, sabia? – Alexei suspirou. – Você precisa mesmo
ser mais cuidadosa. Se algo lhe acontecer…
Ava revirou os olhos.
– Não sei como ele conseguiu, mas juro que estava olhando
quando o traficante fez o comprador se jogar na frente do trem. Era
pra eu simplesmente ter ficado lá o assistindo ser esmagado como
um inseto?
– Sim – Natasha respondeu. – Isso mesmo. Exatamente isso. –
Ela cruzou os braços, parecendo um dos instrutores da Academia
que fiscalizavam as provas.
– Você fala muito, sestra, mas sabe que teria feito exatamente a
mesma coisa.
– Ela teria feito, mas não vai admitir isso para você – Alexei
inferiu.
– O que eu fiz – Natasha disse, inspirando fundo – foi falar com
Coulson para você voltar para a escola. Você começa na segunda.
Ava sentiu o rosto corar de humilhação.
– Isso não é justo. Não posso voltar para a Academia como se
nada tivesse acontecido, não agora. Só me dê uma chance. Deixe
eu mostrar o que sei fazer – pediu.
Natasha balançou a cabeça.
– Não em campo. O seu lugar é na Academia.
– Por quê?
– Vamos colocar da seguinte forma: sabe aquela frase do
Homem-Aranha, que as pessoas estampam em camisetas por aí?
“Com grandes poderes vêm grandes responsabilidades”? Então,
elas não são meras palavras. É a verdade.
– O que está me dizendo é que, quando uso meus poderes, estou
sendo irresponsável? – Ava perguntou, a voz se elevando. Ao passo
que falava, quase sentia a eletricidade estalando em seu cérebro,
implorando para sair…
– Cuidado, Ava. Não perca o controle. Não agora – Alexei a
alertou.
– Não – Natasha respondeu. – Você está sendo burra. – Deu de
ombros. – E irresponsável também.
– Obrigada pelo voto de confiança. E, a propósito, de nada.
– Pelo quê?
– Acabei de salvar você, não é? Não mandei a . . . . . .
resgatá-la? E não é por isso que acabei nesta cama estúpida, pra
início de conversa? Ou está brava porque não fui salvar você
pessoalmente?
– Como é que é? Eu tentei mandar você ficar aqui! Eu teria
conseguido resolver a situação.
– Você precisa de mim. Sei que precisa. Por que não admite?
– Porque ela é uma Romanoff – Alexei disse. – E porque está
com medo.
Natasha se levantou.
– Sabe qual é o seu problema? Você nem faz ideia do quanto
você não sabe, e essa é a parte assustadora. É com isso que eu
tenho problemas.
Os olhos de Ava estavam em chamas.
– Então aí vai uma sugestão: você cuida das suas coisas, e eu,
das minhas.
– Não é assim que funciona. Sou responsável por você. Pergunte
ao Coulson.
– Por quê? Porque você me tirou da Academia como alguém
pega um livro numa biblioteca? – Ava esbravejou, furiosa.
– Basicamente isso – Natasha respondeu.
– Bom, então tenho uma novidade para você. – Ava bufou de
desdém. – A única pessoa que sempre esteve ao meu lado fui eu
mesma. Todo o resto ou vai embora ou morre…
– Eu já disse. Não vou a parte alguma – Alexei disse, parecendo
magoado.
Ava se levantou e abriu a porta.
– Portanto, me desculpe se, na minha opinião, não preciso que
você se preocupe comigo.
– Ava – Natasha começou.
Mas Ava quase derrubou Maria Hill, parada na porta da
enfermaria. A expressão dela era séria.
– Temos um problema.
CAPÍTULO 22: AVA
TRISKELION S.H.I.E.L.D., EAST RIVER, GRANDE
CIDADE DE NOVA YORK

Quando Ava seguiu Natasha e Maria Hill até a Confiança Intelectual,


a primeira coisa que ouviu foi a voz de Dante.
– Deixa eu ver se entendi direito: vocês basicamente são uma
mistura da com o e um poucos dos s da Marinha… e já
era assim antes de esse papo todo de super-heróis ter entrado na
jogada? – Impressionado, Dante contemplava ao seu redor,
admirando as paredes de dados infinitos que os cercavam.
Sana estava sentada diante dele, os olhos arregalados,
encarando tudo fixamente ao passo que assimilava as informações.
– É… mas sabe, eu sempre gosto de acrescentar um pouco de
James Bond, mas talvez apenas por causa dos carros e dos
dispositivos – o agente Coulson disse, sentado do lado oposto da
mesa.
– É mesmo, né? Eu adoro a M. – Dante disse.
Contudo, no instante em que elas se aproximaram da mesa,
Dante se calou. Seus olhos se fixaram em Natasha quando ele
empurrou a cadeira para trás e se levantou.
Ela contornou a mesa até ficar de frente para ele. Quando
retornara ao Triskelion e fora informada de que o melhor amigo do
irmão estava na base, entendera que não haveria como evitar o
momento, e não tentaria fazer isso.
– Você é… você é… – ele gaguejou.
Natasha entendia muito bem a reação dele; a reação frequente
das pessoas ao reconhecê-la era de fato o choque. Não que ela
tivesse se acostumado com isso.
Os Vingadores já haviam salvado a humanidade vezes o
suficiente para se tornarem celebridades. Por mais que cada um
deles lidasse com isso de maneira diferente, somente Tony (e, até
certo ponto, Thor) costumava vicejar sob os holofotes. O Capitão via
isso como uma responsabilidade, e Bruce, como desvantagem. Para
Natasha, que fora treinada para o sigilo das operações secretas e
das lutas clandestinas, basicamente era uma situação muito
confusa.
Quantas redações escolares, de vestibular e outros relatos foram
escritos sobre a ocasião em que alguém conheceu Natasha
Romanoff ? Quantas milhares de crianças se vestiram de Viúva
Negra no Halloween? Quantas vezes o Papai Noel embrulhou
alguma versão do seu rosto – ou do corpo, da sua motocicleta ou
até dos seus cabelos ruivos – e deixou o pacote debaixo de uma
árvore de Natal? Será que a Viúva Negra era uma pessoa? Ou uma
marca? Uma arma secreta? A última esperança da humanidade?
Uma lancheira?
Suspeitava que o garoto à sua frente estivesse conjecturando,
naquele mesmo momento, sobre esse tipo de pergunta. O seu
palpite vale tanto quanto o meu, garoto.
– Você – Dante conseguiu dizer. – Você é a irmã de Alexei.
Ela assentiu.
– Sim.
– E é a Viúva Negra – ele completou, pendendo a cabeça
ligeiramente para um lado, como se, ao mudar o campo de visão, a
perspectiva também seria alterada.
– Foi o que me disseram – ela retrucou.
Ele hesitou. E depois sorriu.
– Finalmente – Dante disse. – Algo que faz sentido. – Esticou os
braços e deu um passo na direção dela, e, naquele instante, ela
gostou tanto do garoto que quase retribuiu o abraço…
– Detesto interromper este momento, mas temos coisas voando –
Maria anunciou ao se acomodar em seu assento à mesa. Ava tomou
o lugar vazio ao seu lado.
– Ah, e fala sério? – Dante olhou para ela. – Escola militar?
– Tecnicamente, é verdade. Eu vou mesmo à escola, às vezes –
Ava respondeu.
– Tipo quando não está na Amazônia? – Sana apontou a cabeça
na direção de Coulson. – Que é o onde esse cara disse que você
estava.
– O que está acontecendo? – Natasha perguntou, puxando uma
cadeira.
Coulson tocou no tablet sobre a mesa.
– Maria estava sendo literal. Há coisas voando de fato. Os
mísseis. Estão no ar, possivelmente todos os cinco.
Ao redor deles, as telas nas paredes agora mostravam as
sofisticadas minúcias das informações confidenciais interceptadas.
Ava pareceu aflita.
– Os cinco? Eles acharam cinco alvos ao mesmo tempo?
– Na verdade, é pior do que isso – Maria explicou. – Confirmamos
que os cinco mísseis deixaram o armazém na Amazônia, mas nosso
radar está captando apenas o sinal de um deles.
Coulson tocou a tela novamente, e apenas o radar rastreando a
ogiva identificada permaneceu.
Um contorno continental vago ficou visível no mapa ao fundo,
como se a ideia de o míssil detonar ainda fosse uma abstração.
– Não. – Natasha franziu o cenho. – Quatro mísseis perdidos?
Simplesmente sumiram? Não é possível. Coloquei um rastreador
em cada um deles.
– Não se trata de um problema com os rastreadores – Maria
disse. – Eles estavam funcionando. Algumas horas atrás nosso
sistema ainda captava os sinais desses mísseis.
– Espera aí, mísseis? Estão falando sério? Estão falando de
mísseis nucleares? – Dante fitou Ava em descrença. – Que tipo de
míssil nuclear?
– Como assim de que tipo? Do tipo que foi roubado – Ava
respondeu. – Do tipo que é comprado com a venda da droga Fé,
que nós vimos no metrô.
– Está inventando tudo isso? Mísseis mesmo? Que nem aqueles
que aparecem em filmes do George Clooney? – Oksana parecia tão
chocada quanto Dante agora. – Ou Stalin?
– Ninguém está inventando nada, por mais que preferíssemos
estar – Natasha disse. – Mas ainda não entendo. Estão me dizendo
que tínhamos todos os outros quatro no radar, e depois não mais. O
que houve?
– Ao que parece, nas últimas horas, os nossos amigos na
Amazônia de alguma maneira conseguiram blindá-los de nós; quer
tenham ou não percebido que fizeram isso – Coulson disse.
– Como é que se esconde um míssil acidentalmente? – Ava
perguntou.
– Pode ser algo muito simples, como o aparelho que os transporta
ter ou não um depósito de carga de aço reforçado – Maria explicou.
Natasha abandonou sua cadeira e passou a andar de um lado a
outro na sala.
– Quando começaram a se mover?
Os olhos de Maria ainda estavam pregados no radar.
– Eis a questão. Em algum momento durante o caos.
Coulson assentiu.
– Acreditamos que o hackeamento da Fé e a explosão no
apartamento de Natasha aconteceram por isso.
– Estavam tentando nos distrair – Ava disse. – E conseguiram. –
Olhou com tristeza para Natasha. – Nós éramos as iscas.
Natasha deu de ombros.
– Ah, bem. Metemos os pés pelas mãos. Temos que nos
concentrar na bola da vez. Faz parte do jogo.
E eu sei disso. A culpa é minha. Se eu não tivesse ido para casa,
se eu tivesse obrigado Ava a vir comigo para cá logo no início, ainda
poderíamos estar rastreando cinco mísseis em vez de um…
– Definitivamente está se movendo via aérea. Conseguimos
determinar isso pela velocidade e pela trajetória – Maria informou.
– Só pode ser assim – Ava disse. – Não há estradas que
conduzem até o armazém. O parque nacional só é acessível pelo ar
ou pela água.
– Como é que a sua vida é isso? Está falando de uma bomba
transitando pelo ar na direção de pessoas – Dante indagou a ela.
Ava deu de ombros.
– É. Na verdade, não é algo a que a gente se acostume.
Dante a fitou, incrédulo.
– Espero que não.
Sana apoiou uma das mãos no ombro dele.
– Vê se consegue se controlar, cara.
Ele balançou a cabeça.
– Dá uma olhada nessa tela de radar. Aquele ponto branco
pulsante é uma bomba. Se existe um momento ideal para o
descontrole, pode muito bem ser este.
Não é uma opção. Natasha olhou para Maria.
– Conseguimos determinar qual é a aeronave?
–A eo estão trabalhando nisso – Maria respondeu.
Atrás dela, as estações de trabalho agora se enchiam de equipes
militares, treinadas precisamente para um cenário como aquele.
Contudo, ninguém dentre eles parecia muito mais à vontade do que
Dante com o momento. Bem, se a coisa esquentar, não são esses
os caras que eu quero que decidam quando pressionar o botão
vermelho…
– Deveríamos chamar Carol? – Coulson perguntou. – A que
distância Tony está?
A situação se tornava séria, e Natasha esperava que os
adolescentes ainda estivessem absortos demais para perceber o
tamanho da seriedade em questão.
– Foi Carol quem nos alertou quanto à movimentação dos mísseis
– Maria replicou. – Ela está seguindo o sinal de Natasha junto aos
nossos amigos da . – Espiou por cima do ombro. – Alguém
pode nos conectar a Carol?
– Quem é que está responsável pelos cálculos disso? – Natasha
perguntou, olhando para a multidão de analistas agora aglomerados
na sala. – Vocês?
– Eu estou cuidando disso. – Era a voz de Carol, cujo rosto
surgira num pop-up, em uma das telas da sala Confiança Intelectual.
– E estão prontos. Parece uma trajetória definida, e teremos que
saber conviver com a margem de erro…
– Não me diga com o que teremos que conviver. Só me diga onde
essa coisa vai cair. – Natasha mirava a tela do radar enquanto
falava.
– Sicília. Palermo, na Sicília. Esse é o alvo. – As palavras
cortaram o ar da sala, que se silenciou no mesmo instante.
Olha só, Sicília. Você acabou de ganhar a loteria mais azarada do
planeta.
– Têm certeza? – Natasha questionou, perscrutando a sala à
procura de alguém capaz de lhe fornecer uma pista sobre o que
estava acontecendo.
Eles têm pessoas infiltradas, certo? Só podem. Eles sabiam a
quem atingir no décimo. Podem estar trabalhando com qualquer um
desses caras.
– Palermo, na Sicília. Tenho quase certeza de que é ali que ele
vai cair. – Mas, então, Carol percebeu outra coisa. – Espere.
Correção. Estou três graus errada. – Ajustou os cálculos. – Não vai
cair no centro da cidade. Vai para uma região mais afastada.
Melhor. Ainda que por pouco.
Natasha analisou a tela de novo. O mapa virtual nas paredes da
Confiança Intelectual começou a se ajustar assim que Carol falou;
como se ela o estivesse movendo. Era desse modo que suas
palavras eram acompanhadas agora. Natasha sabia que estavam
sendo ecoados em toda a Sala de Situação, no Pentágono, bem
como em várias outras instalações seguras cujos nomes não
podiam jamais ser repetidos.
– Monreale, junto às montanhas da região metropolitana de
Palermo – Carol revelou por fim. – Vou colocar as coordenadas
agora, e o mapa deve se aproximar.
A sala rugiu em atividade tão logo ela parou de falar.
Maria assumiu o comando.
– Faça a ligação. Agora. – Um auxiliar assentiu e desapareceu.
Ela olhou para outro.
– Evacue a área, eles têm que evacuar. Autoridades locais,
nacionais, as Nações Unidas. Agora!
Uma terceira ordem:
– Usem todos os canais possíveis: O Estado, o ,o , até
mesmo o Salão Oval. Inferno, avise a e a se isso for
acelerar o processo. Apenas espalhe a notícia.
Por fim, seus olhos varreram a sala.
– Fiquem prontos. Vocês só têm alguns minutos, pessoal, vamos
aproveitá-los. Momentos assim não aparecem duas vezes na vida.
– Nove – Natasha disse com os olhos na tela. – Agora temos
nove minutos.
– Vocês ouviram a agente. Nove minutos – Maria reforçou. –
Quero olhos vigiando a tela a cada minuto. Vocês só têm nove
minutos. Prestem atenção ao tempo. – A sala voltou a se agitar num
frenesi de atividade.
Coulson olhou para Natasha.
– O que há em Monreale?
Natasha tentou se lembrar.
– Nada. Uma cidade. Uma igreja. Uma doceria e uma sorve-teria,
quem sabe, talvez uma pizzaria. Estamos falando da Sicília.
– Acredita que estejam atrás de um alvo militar, ou talvez da
nossa base em Sigonella? Não é à toa que a chamam de Centro do
Mediterrâneo – Coulson comentou.
– Talvez, mas isso fica do outro lado, perto da Catânia, na região
leste da ilha. – Consultou o radar outra vez. – Não é a trajetória
correta para o Centro.
– Centro? – Dante perguntou. – O que é essa coisa de Sigonella?
Coulson olhou para ele.
– Uma base aérea naval das operações americanas em toda a
Europa Oriental e Ocidental, de fato um centro para todas as forças
especiais. Ali, ou Nápoles.
Natasha olhou para ele.
– Estive em Sigonella com o Gavião Arqueiro logo depois de
Budapeste, e em uma segunda estada no Centro do Mediterrâneo
na época de Yelena Belova. Abatemos um bombardeiro soviético
antigo no qual ela estava de olho, e até tiramos Stark, pelo ar, de
uma confusão na qual ele tinha se metido quando estávamos a
caminho de casa.
– Na época de Yelena Belova? – Ava interveio. – Outra russa?
Porque esse é um nome russo, certo? Ela era… como a gente?
Krasnaya Komnata?
– Essa é uma longa história russa – Natasha respondeu,
dispensando-a. – Podemos falar sobre isso – consultou seu
Bracelete – em seis minutos.
Virou-se para Coulson.
– Monreale fica fora de Palermo, e mesmo Palermo não é uma
megalópole, como Nova York. Ainda assim… – Balançou a cabeça.
– Deve haver um milhão de pessoas nas imediações do centro
urbano, e só o que podem fazer é tocar as sirenes e fazer com que
todos se afastem tanto quanto puderem.
– Mas não há um alvo estratégico? – Coulson perguntou. –
Nenhum motivo para essa escolha de alvo?
– Não consigo pensar em nenhum – Natasha respondeu. – Você
consegue?
– Uma estação de energia? Fábrica de armas? Um alvo
industrial? Petrolífero? Plantações? Depósito de água? Qualquer
coisa?
– Não. Não nesse lugar – Natasha rebateu. – Não existe motivo
algum para lançar uma bomba nuclear em Monreale. Não existe
nada além de uma igreja. – Deu de ombros. – Bem, uma igreja
famosa.
Ava se pronunciou:
– Muito famosa?
– Não sei, as pessoas fazem filas para entrar. Afrescos bizantinos.
Muito ouro. Encontrei com um informante lá. Num confessionário.
– E? – Dante perguntou.
– Bem, ele confessou – Natasha disse, com os olhos grudados no
radar. Ele confessou pelo chão todo, e as freiras me perseguiram
com esfregões.
– Ainda não consigo acreditar – Sana comentou. – Quem é que
bombardeia uma igreja de ouro?
– Um grande ateu. – Ava franziu o cenho.
– Ou um pecador maior ainda – Dante opinou.
– Meu palpite é algum chefão rival da Cosa Nostra. – Coulson deu
de ombros. – A máfia siciliana não é formada exatamente por
coroinhas, exceto quando o são de fato.
– Mais quatro minutos. Isto não está ajudando – Natasha disse. –
Podemos aumentar o zoom? – Ela apontou. – Ali está a catedral. E
aquilo é a clausura. O treco que parece o contorno de uma caixa,
cercado por jardins e uma fonte, estão vendo?
– O que é mesmo uma clausura? – Ava olhou para ela.
– Os aposentos em que os monges viviam, muito tempo atrás.
Não sei se fazem isso mais – Natasha explicou. – Só me lembro do
lugar porque escondi minha Harley ali.
– Claro. – Ava assentiu.
– Três minutos – Oksana informou, encarando, horrorizada, os
números.
Ninguém se pronunciou.
Depois disso, teria sido melhor se o rastreador não fosse capaz
de transmitir imagens ao vivo. Mas ele era, e a vista do míssil era
literalmente estonteante: foi um passeio numa montanha--russa que
todos na sala sabiam que só poderia terminar de uma maneira
muito, muito, ruim.
No instante em que a ogiva parou de subir e começou a nivelar, a
sala ficou ainda mais silenciosa.
O míssil só conseguia sustentar um movimento ascendente até
certo ponto.
Enquanto observavam, o arco achatado do míssil começou a se
romper, e o bico apontou cada vez mais para baixo até começar a
despencar na atmosfera, seguindo diretamente para a porção de
terra logo abaixo de si.
Na tela do radar, o zoom do mapa foi aumentando, um quadrante
de cada vez, à medida que o míssil trafegava primeiro rumo à forma
de bota da península italiana, depois para a ponta da bota, depois
para a ilha que ela parecia chutar.
A cidade de Palermo cresceu de um minúsculo ponto brilhante na
tela até ficar do tamanho de uma moeda de 25 centavos, depois de
uma ficha de pôquer, de uma maçã – e então do rosto de um bebê,
depois de uma criança, de qualquer pessoa…
Agora boa parte da tela exibia uma vista de satélite da cidade,
dividida em quadrantes, atravessadas por estradas.
Uma estrada serpenteava para cima e para fora da cidade, e eles
a viram num quadrante menor, separado apenas por um feixe de
colina.
– Lá vamos nós – Natasha disse, prendendo a respiração.
– Lá vamos nós? – Dante repetiu, formando uma pergunta. – Está
de brincadeira. Vocês vão deter essa coisa, não? Não vão só ficar
sentados aqui e deixar que isso apague uma cidade do mapa,
certo? – Dante berrava agora.
Maria não desviou o olhar da tela.
– Alguém pode calar a boca desse moleque?
Ava olhou para Dante. O rosto do garoto estava pálido. Segurou a
mão dele, e depois esticou sua outra para a de Sana.
Natasha desviou o olhar.
Todos os olhos estavam pregados na tela. O horror era vívido
demais para assistirem – e vívido demais para não o fazerem. Viram
a cidade se dividir em ruas, e as ruas se dividirem em prédios.
Que seja rápido. Que seja preciso. Não caia no meio de uma
escola. Não caia no meio de uma igreja durante uma missa…
Natasha percebeu que, inconscientemente, segurava-se à lateral
da cadeira. Esperou com o corpo meio curvado de tensão.
O míssil continuou caindo.
Natasha percebeu a si mesma em contagem regressiva ao passo
que observava; todos eles faziam isso. Seria impossível não fazer.
Dez.
Nove.
Oito.
Sete.
Seis.
Cinco.
Quatro.
Três.
No último segundo, pouco antes de parecer que ele atingiria a
catedral, o míssil se desviou.
Dois.
– Olhem. Vejam a asa se mover…
Um.
Como se, por algum milagre divino, o míssil não atingiu a catedral.
Atingiu a clausura.
Ouviram um bum-bum-bum percussivo quando a detonação
começou; em seguida, a câmera chacoalhou, e a imagem ficou
preta.
A sala estava imersa em silêncio. Ava soltou as mãos dos demais.
Ninguém proferiu nem sequer uma palavra. Natasha sentiu a bile
subindo pelo estômago.
Encarou Maria.
– Podemos mudar para o satélite? Tentar o de Stark primeiro? –
As imagens de Tony sempre eram de melhor qualidade do que as
do governo federal.
– Puxe a imagem – Maria ordenou.
A imagem seguinte era a de uma vista aérea da catedral e dos
prédios que a cercavam imediatamente.
Era difícil enxergar em meio à fumaça preta que se elevava.
Era ainda mais difícil acreditar que aquilo acontecera.
Porque o nosso trabalho é impedir que isso aconteça, Natasha
pensou. Esse supostamente era meu, e eu fracassei. Perdi. Não
consegui impedir que o míssil detonasse.
É culpa minha. Isso é pessoal.
Enquanto observavam, a fumaça passou de preta a cinza e
depois branca. Chamas ainda apareciam do meio da clausura, mas
os prédios em si pareciam basicamente intactos.
Quantos desses vi em minha vida? Não é exatamente uma nuvem
de cogumelo nem uma nuvem que se queira testemunhar
pessoalmente. Mas Natasha vira – ainda mais pessoalmente. Mais
vezes do que conseguia contar.
– Essa explosão parece correta para vocês? – perguntou. Não
tinha certeza, e ficou conjecturando se havia algo de específico
nessa ogiva, algo que precisava entender. Uma pista visual do
motivo pelo qual Yuri Somodorov e seus homens a roubaram e
como a estavam usando. Como isso se ligava ao Anjo Vermelho, à
Sala Vermelha e até mesmo à Garota do Vestido Verde.
– Não sei – Carol respondeu. – Nunca vi a asa de precisão
ajustável de um B-61 em ação, ao vivo. Aquilo foi um tanto mais do
que simples precisão. – A fumaça continuava a espiralar para cima
numa série de enormes colunas explosivas enquanto ela falava. – A
medição da radiação é alta, mas as partículas radiativas letais estão
relativamente contidas.
– Agora entendo por que alguém se deu ao trabalho de roubá-lo –
Natasha assentiu. – Foi um golpe bem específico.
– Bem, é a última moda nos ataques nucleares. Passamos de
assassinos de cidades para assassinos de bairros e depois
assassinos de ruas.
Natasha assentiu.
– Sei. Se você consegue limitar as partículas radioativas
liberadas, fica mais fácil de usá-los. Menos manchetes relatando a
morte de civis inocentes.
Ava se manifestou:
– É isso o que um dos meus professores na Academia disse
sobre a Guerra Fria. A única coisa que impediu os soviéticos e os
americanos de explodirem uns aos outros foi o fato de eles saberem
que destruiriam o mundo inteiro.
– Subtraindo esse medo, qual é o empecilho para apertar um
botão? – Natasha reexaminou a imagem da igreja em chamas.
– Nada. – A voz de Carol ecoou pela sala. – E foi o que fizeram.
Mesmo que apenas como demonstração de poder.
– Alguém pode me dizer o que está realmente acontecendo aqui?
– Dante perguntou. – Isto é a Terceira Guerra Mundial?
Era uma boa pergunta, motivo pelo qual ninguém respondeu a
ele.
CAPÍTULO 23: AVA
CITTÀ DE MONREALE, PROVÍNCIA DE PALERMO
REGIONE SICILIANA, ITÁLIA

Assistindo ao litoral lá embaixo, a coluna de fumaça se elevando até


o céu era o sinal de garantia. Monreale estaria a maior confusão.
Ava não esperara nada menos do que isso, não desde que as
Viúvas se encontraram com o Stark Jet no hangar do Triskelion.
Tony, em seu favor, não revelara nem sequer uma palavra sobre seu
longo voo partindo da instalação da , em Genebra. Virara
imediatamente o avião e voltara a sobrevoar o Atlântico na direção
de Palermo.
– Lembre-me de comprar um destes da próxima vez que eu tiver
um milhão de dólares – Natasha comentou quando eles passaram
pela Groenlândia em tempo recorde. Ela estava de copiloto; Tony
deixara a tripulação para trás.
– Bem, esse valor não bastaria para você comprar um destes –
Tony respondera, do assento do piloto. – Quero dizer, talvez o seu
Gulfstream G650 padrão venha com o motor top de linha de um
Rolls-Royce, o que é bom, mas não tanto quanto um Stark Jet. A
velocidade máxima é o que, Mach 0,995? Noventa e dois por cento
da velocidade do som? – ele zombou. – Convenhamos… Preciso de
uma velocidade maior.
– E você consegue mais do que isso? – Ava o encarou.
– Consegui. Construí e reconstruí este motor 24 vezes até acertar.
– Claro que sim – Ava disse, do terceiro banco. – Quando você
não estava ocupado salvando o mundo ou reclamando disso.
– Rá! – Tony comentou, dando uma piscadela. – Este bebê aqui
sabe voar. – Abaixou os óculos de aviador. – Rolls? Ah, por favor. É
assim que Stark rola…
Natasha balançou a cabeça.
A brincadeira – na verdade, qualquer conversa – cessou assim
que a costa triangular da Sicília surgiu. A coluna de fumaça preta e
cinza que pairava sobre Monreale e Palermo, na costa setentrional,
era visível de uma perspectiva aérea. Havia sido carregada pelo
vento ao longo da região litorânea.
É agora, Ava pensou. É agora que de fato começa.
Foi impossível pensar em qualquer outra coisa depois disso,
embora fosse igualmente impossível imaginar o que eles
encontrariam em sua chegada. Mesmo depois de aterrissarem no
minúsculo aeroporto Boccadifalco – uma pista de pouso oriunda da
época da Segunda Guerra Mundial, a nove quilômetros do local de
contato do míssil –, só o que conseguiram observar foi um céu
repleto de fumaça preta espessa e de cinzas, como se o monte Etna
ali perto tivesse entrado em erupção, em vez de um desastre ter
caído do céu.
O que poderiam encontrar em Monreale? Depois de conseguirem
entrar na lábia num helicóptero da polícia de Palermo, avançar
penosamente colina acima na rua principal, e abrir caminho no mar
de veículos de emergência estacionados às pressas, Tony, Natasha
e Ava obtiveram sua resposta.
Fumaça, entulhos e destruição. Os resquícios desmoronando de
uma estrutura de pedra retangular, a oeste da catedral em si.
Multidões mantidas afastadas pela polícia, soldados galgando
montanhas de ruínas em chamas enquanto procuravam por
sobreviventes. Cientistas em trajes , de proteção química,
biológica, radiológica e nuclear, moviam-se como astronautas bem
no meio do ponto de impacto.
E repórteres – uma frota de jornalistas representando jornais
locais, além de blogueiros e repórteres de televisão, qualquer
equipe vinda de qualquer parte da Europa até a Sicília. Jornalistas
civis segurando smartphones para tuitar, postar, legendar e
confirmar o pouco que os profissionais da mídia não conseguiam. O
míssil já havia colidido; o caos restante era completamente causado
pelos cidadãos.
É essa a representação, nos tempos atuais, Ava pensou. Do
começo do fim, ou, no mínimo, do começo de algo parecido com o
fim.
Um ato de guerra.
O único milagre fora o ataque evitado por pouco. Tantas variáveis
ficaram do lado dos sicilianos; no último instante, o míssil desviara
ligeiramente para o oeste, desviando-se da catedral por completo.
Uma fatalidade em massa fora evitada. As cidades – tanto de
Palermo quanto de Monreale – permaneciam, em grande parte, a
salvo.
Uma vez que, apenas horas antes, um míssil nuclear havia
atravessado o céu em direção a milhares de vidas humanas, o
resultado foi mais do que um milagre.
– Quase faz você acreditar neles – Tony comentou, passando por
baixo da fita de isolamento, aproximando-se de Natasha e de Ava.
Os três agora vestiam máscaras antipartículas, assim como todos
os outros presentes no local. Até que a fumaça ao redor deles fosse
testada, ninguém poderia garantir se ela representava ou não um
perigo. Tudo com o que se podia concordar era que, por mais
improvável que parecesse, não havia sido contabilizada nenhuma
morte, e a liberação de partículas radioativas fora mínima.
– Não pode ter sido milagre. Deve ter sido o plano – Natasha
especulou. – Ninguém tem essa sorte. Se existe uma coisa que
aprendi na vida, foi isso.
– E agora? – Ava perguntou.
– Talvez o alvo nunca tenha sido a catedral – Natasha continuou,
protegendo os olhos com uma das mãos enquanto abria caminho
entre as equipes forenses no cerne do ponto de explosão.
– E não só a clausura. Vejam. – Tony apontou. – Veem aquela
bandeira laranja? Onde os técnicos aeroespaciais marcaram? –
Através da abertura dos restos desintegrados da estrutura de pedra
diante deles, era possível enxergar o que fora o centro do pátio da
clausura.
– Está se referindo ao centro? – Ava perguntou.
– Não é só o centro. Parece exatamente a metade. Se você
pegasse um transferidor imenso e conseguisse medir o raio, eu
apostaria cinco mangos que estaria conectado precisamente ao
meio, bem onde o míssil caiu. – Tony apontou para a bandeira.
Ava olhou para ele.
– Por quê? Qual o objetivo?
– Não sei, a não ser pelo fato de alguém estar tentando provar
que consegue acertar uma latinha – Tony respondeu. – O que
costumava ser ali? Alguém sabe?
– Lembro que tinha uma fonte – Natasha relatou. – Uma redonda.
Nunca havia água nela. – Ava olhou para ela com curiosidade. – Um
pouco mais de… “confissões”. – Natasha deu de ombros.
Tony ergueu uma sobrancelha.
– De que tipo, tortura com água?
– Enfim… – Natasha mudou de assunto. – A não ser pela fonte,
não sei bem o que mais poderia haver ali.
– Com licença, padre? – Tony chamou um padre siciliano ancião
que passava diante dele, desajeitadamente ajustando uma máscara
de gás feita de borracha igualmente antiga por cima dos curtos
cabelos brancos. O padre pareceu se sobressaltar.
– O que está fazendo? – Ava sibilou, horrorizada.
Tony a encarou de volta enquanto abaixava a máscara
antipartículas a fim de expor a boca.
– Não consigo falar usando essa coisa. E eu estava pensando
que o meu bom amigo, este padre aqui, poderia ter informações
úteis.
Voltou-se para o senhor.
– Buona sera, padre.
O padre não pareceu apreciar ter o braço segurado, e disparou a
falar com Tony em siciliano – ou italiano –, difícil de saber.
– Lascia andare! Sei pazzo!
– O que ele disse? – Natasha olhou para ele.
– Que eu deveria soltá-lo e que provavelmente sou louco. – Tony
suspirou e tentou novamente. – Al centro, la fontana? Quello che era
lì? Altre cose?
– E? – Ava perguntou.
– Ali no meio, a fonte? O que tinha ali antes? Outras coisas? –
Tony traduziu, observando o rosto do homem.
A boca dele estava vermelha e cuspia debaixo da máscara. O
padre de novo tentou libertar o braço.
– Sono occupato! Sprecare il mio tempo!
– Ele está ocupado, e estou desperdiçando o tempo dele. – Tony
fitou Natasha e Ava novamente. – Alguma outra grande ideia?
– Si tratta di una emergenza, idiota! – o padre exclamou.
– Mesmo? – Tony olhou para ele. – Sei que é uma emergência, e
não sou um idiota.
– Pergunte a ele sobre a fonte. Como ela era? – Ava perguntou.
Tony assentiu.
– Descrivere la fontana, padre.
– L’angelo alato in ferro? – o padre perguntou.
Tony concordou com a cabeça.
– Muito bem, o que ele disse agora era que havia uma estátua de
ferro, um querubim.
O padre o repreendeu com severidade.
– Non cherubino!
– Não era um querubim, talvez apenas um bebê.
– Non un bambino! Un angelo, idiota. Angelo.
– Ah, entendi. Não era um bebê, era um anjo. Eu acho. – Tony
mostrou as duas mãos. – Desculpe. Scusa.
Natasha não disse nada, seus olhos estavam fixos no ancião.
– Sì, l’angelo di ferro.
O padre lentamente abaixou a máscara.
– O Anjo de Ferro. Muito bonito. Molto bello. È andato. Tutto finito.
Tudo se foi.
Natasha puxou a máscara antipartículas.
– Anjo de ferro? É o que havia ali?
O padre sorriu – revelando a ausência de três dentes – e esticou
os dedos enrugados para dar uns tapinhas, do tipo que se dá na
cabeça de um cachorro, só que no rosto de Natasha.
– Come te.
– Como eu? – Natasha perguntou.
O senhor suspirou e voltou a andar na direção da fumaça.
– O que ele quis dizer com isso? – Ava observou-o se afastar.
E voltando-se para Tony: – E você pelo menos fala italiano?
Tony deu de ombros.
– Eu sei falar villa e trattoria e barista. Sou fluente em gelato e
vino e espresso e limoncello. Também aprendi contessa numa idade
assustadoramente precoce. Você se surpreenderia com o quanto
consegue absorver numa vida de devassidão.
– Não estou tão surpresa assim – Ava comentou.
– Tudo bem, porque não é lá grande coisa mesmo. – Tony deu de
ombros.
– Anjo de Ferro – Natasha repetiu. Não estivera prestando
atenção a eles. – Por que alguém se daria ao trabalho de explodir a
fonte de um pátio perto de uma catedral na periferia da Sicília? –
Seus olhos estavam fixos no alvo. – Com ou sem um anjo de ferro?
– Motivos religiosos? – Ava perguntou. – Uma mensagem de
algum alto poder, como uma Sarça Ardente ou algo do tipo?
Natasha franziu o cenho.
– Se fosse uma mensagem para a Igreja Católica, você não
miraria uns quinhentos ou quatrocentos quilômetros mais ao norte,
apontando para a Basílica de São Pedro?
– Claro – Tony respondeu. – Mas, pelo tanto que sabemos, esta
bem que pode ser a São Pedro da Sicília. Ou pelo menos de
Palermo. Definitivamente de Monreale.
– Definitivamente – Ava concordou. – Isso.
Natasha já galgava a barricada e seguia na direção da área de
explosão.
– Talvez não sejam os resultados? Talvez seja o processo?
– Não acho que você possa ir aí – Tony avisou, mais atrás.
Natasha olhou na direção dele.
– E se tudo isso não passou de um teste? Uma ferramenta de
diagnóstico?
Ava a alcançou.
– Um teste de armas?
– É possível – Natasha respondeu. – Quero dizer, foi isso o que
nos chamou a atenção, certo? A asa ajustável e como ela
funcionou? – Pegou seu ComPlex e se ajoelhou sobre os
escombros.
Tony ficou radiante.
– Own, sério mesmo? Você está usando? Fico tão emocionado
com isso.
– Acalme-se. – Natasha ergueu o tablet, tocando nele. – Só
preciso localizar o meu rastreador. Quero levá-lo para casa, para o
laboratório do Triskelion, e ver o que ele pode nos revelar sobre o
impacto.
– Ali – Tony disse, apontando para uma seta bem iluminada na
tela. – Naquela direção.
Natasha se colocou de pé e seguiu em frente, e Ava foi atrás dela.
Foram avançando, com o tablet à frente, até ficarem bem no meio
do campo de entulho – parando numa cratera funda que terminava
numa pilha de escombros bem no centro. A área inteira estava
coberta com dez centímetros de altura do que parecia ser uma neve
espessa branco-acinzentada.
– Cuidado – Natasha alertou. – Isto não é neve. São cinzas, e em
algum ponto abaixo da superfície, descobrirá coisas bem mais
quentes do que fogo. – Apontou de novo. – Ali.
Ava empurrou com a bota um monte de cinzas, até o rastreador
sair rolando, surrado e gasto, mas ainda contendo um único facho
iluminado em verde.
– Peguei.
Tony assobiou.
– Olha só, levou a maior surra, mas ainda está de pé. Cara.
Natasha o pegou e deslizou para dentro do bolso do seu cinto de
utilidades.
– Vocês não podem ficar aqui. – Um soldado pegou Natasha pelo
braço, apontando para a própria máscara. – Radiação.
– Ok, ok. Estamos indo – Tony disse, levantando as mãos. –
Scusi.

***

Foi só depois que estavam voando novamente que conseguiram


dar uma olhada no rastreador. Natasha deixou Tony nos controles e
depositou-o na mesa de centro de vidro, na parte de trás do avião.
Ava observou Natasha largar o rastreador no tampo. Depois ela o
pegou, revirando-o nos dedos.
– Ainda está quente – Natasha comentou.
– Espere, aí… – Ava disse. – Parece arranhado.
Natasha esfregou o dorso do aparelho.
– Não são só arranhões. São letras.
– E não foi você quem as colocou aí, certo?
– Não. Elas não estavam aqui antes. – Natasha se sentou em
cima das próprias pernas. – O que significa que alguém o
encontrou, entalhou essas letras e o colocou de volta no lugar.
– Hum, por essa eu não esperava – Ava comentou. – Por quê?
– Suponho que o míssil não seja apenas uma mensagem
simbólica – Natasha compartilhou, encarando o rastreador. – É a
mensagem em si.
Ava se moveu para observar mais de perto.
– O que está escrito?
– São palavras. Entalhadas na sílica. – Natasha limpou as cinzas
com os dedos. – Está em russo.
– Claro que está – Ava comentou.
.
Ava leu as palavras por cima do ombro de Natasha. Não se
deram ao trabalho de traduzir. As duas falavam russo e, mesmo que
não falassem, a esta altura teriam se tornado peritas naquelas
palavras em particular.
Irei atrás de você.
– Quem você acha que… – Bem quando Ava se pôs a falar, o
Stark Jet mergulhou tão inclinado que o rastreador deslizou para
longe da mesa. E a mesinha em si acabou voando.
Natasha se segurou na lateral do sofá de couro. Ava abalroou a
cadeira giratória de Tony, que rolou de lado.
A voz de Tony ecoou pelos alto-falantes.
– Desculpem. Temos o nosso segundo míssil. Danvers o
encontrou antes desta vez; talvez consigamos aterrissar no Chipre
antes que ele faça isso.
Ava olhou para Natasha.
– Só espero que não no mesmo local.
Nessa hora, o Bracelete da Viúva começou a vibrar, assim como o
celular de Ava, bem como os telefones em todas as redações,
canais de televisão, instalações militares, escritórios
governamentais, escolas e hospitais do planeta.
CAPÍTULO 24: DANTE
AUTORIDADE PORTUÁRIA DE NOVA YORK, PENN
STATION GRANDE CIDADE DE NOVA YORK

– Celulares descartáveis? O que devemos fazer com estes dois


celulares mixurucas? – Dante parecia desapontado ao encarar o
aparelho de plástico descartável na mão. Sim, mísseis nucleares
estão caindo pelo mundo e só o que posso fazer é ligar para um
amigo. Que coisa útil.
Um agente carrancudo os levara num carro preto sem
identificação assim que Ava saiu. Foram deixados na estação Penn
Station, presumivelmente para que Dante pudesse pegar o trem de
volta para Montclair. Sana desceu com ele, alegando que havia um
táxi à sua espera, o que ele deduziu ser apenas uma desculpa para
que ela não ficasse sozinha no carro com aquele cara armado.
Não que eu a culpe.
Mas Dante não tinha intenção alguma de ir para casa, e não
demorou a deduzir que Sana devia saber disso – basicamente
porque eles começaram a perambular pela estação juntos, sem nem
mencionar isso.
– É só um celular grátis. – Sana deu de ombros. – O que
esperava que eles nos dessem, armas com raios?
– Blasters. Pra começar, isso teria sido maneiro, e, depois, muito
mais a ver com Star Wars – Dante explicou.
– Ava já deu mesmo uma de Jedi com os sabres ou outra arma de
luz dela pra cima daquele traficante. Quanto mais disso você quer?
– Tanto faz. Aquilo foi incrível. – Dante olhou para Sana. – E,
também, já pensou como esgrima seria muito mais legal se você
pudesse usar uma daquelas coisas?
– Muito mais legal – Sana concordou.
Mais legal do que esgrima, mais legal até do que , Dante
pensou.
Por um segundo, desejou que Alexei estivesse lá para ver aquilo
– para vê-la – até se lembrar de que Alexei já vira todo tipo de coisa
como aquela, sem nunca lhe contar nada.
Babaca. Ele poderia ter me contado a verdade. Eu teria sido
capaz de entender.
Era tarde demais para esse pensamento agora. Dante explicara
isso para seu reflexo no espelho, praticamente todas as manhãs do
último ano. Era tarde demais para ficar pensando no que teria
acontecido caso Alexei não tivesse visto Ava naquele torneio. Caso
Dante não o tivesse deixado ir embora. Se Dante ao menos tivesse
deixado que Alexei continuasse brigando com Cap, o capitão idiota
da antiga equipe, que rasgara o ligamento anterior do joelho logo na
semana seguinte e fora retirado da equipe. Dante desejou ter ao
menos contado isso para Alexei.
De qualquer maneira, ele não teria precisado de mim para
explicar como a namorada dele era capaz de chutar traseiros como
uma Jedi em plena estação de metrô em Fort Greene.
Essa deve ter sido a primeira coisa que Al notou nela. Bem, a
segunda. Eu estava lá quando ele notou a primeira.
Ele não conseguia desviar o olhar.
Em seguida, percebeu os olhos de Sana fixos nele e sentiu o
rosto corar.
Dante sorriu.
– Eu só estava pensando em jogos de .
– Você deve gostar mesmo desse tipo de jogo – Sana observou.
Dante mudou de assunto.
– Olha só. Ava e a agente Romanoff e toda aquela agência de
serviço secreto… eles não podem esperar de verdade que a gente
fique sentado sem fazer nada, agora que sabemos de tudo que está
acontecendo.
Sana gargalhou.
– Ah, tá.
– Falando sério, eles podem? – Dante perguntou.
– Eles podem fazer o que bem entenderem – ela respondeu. –
Não vão pedir a sua opinião. Essa é a vibe da tal agência secreta,
lembra?
– Que droga – Dante disse, sentindo-se um perdedor inútil.
Sentira a mesma inutilidade em sua vida durante o último ano e
estava farto disso.
– Não é nada pessoal – Sana disse, olhando para ele.
Dante franziu o cenho.
– Mas não precisamos da permissão deles para ajudar. Eles não
têm a patente de salvadores do mundo.
– Ainda custo a acreditar que Ava seja uma deles – Sana
comentou, observando o trem indo embora. – A Viúva Escarlate, dá
pra acreditar? Acha que haverá action figures dela, assim como
existem da Natasha Romanoff ?
– Não sei. – Dante deu de ombros. – Mas escuta só o que estou
pensando. Ava pode ser uma espiã, agente ou heroína em
treinamento, tanto faz, mas sou filho de um policial.
– É o que você diz – Sana observou.
– Não consigo ficar esperando sentado enquanto existem
pessoas lançando drogas de bomba em igrejas. Você consegue?
– Não. – Ela o fitou com seriedade. – O que propõe que a gente
faça?
Será que o que podemos fazer daria alguma diferença? O que
Alexei e eu faríamos, se ele ainda estivesse aqui? O que eu faria, se
fosse eu numa agência secreta?
Dante ergueu o olhar.
– E quanto às drogas? A Fé ou sei lá o quê? Ela está aqui na
cidade, e Ava foi atrás daquele traficante na estação de metrô como
se isso fosse importante, certo?
– Com certeza ela não se conteve – Sana concordou.
Dante ajeitou a bolsa de esgrima no ombro, sacudindo a cabeça.
– Cara, ela é demais.
– É? – Sana sorriu, avaliando sua expressão. – Você diz isso a
respeito de todas as garotas? Ou só sobre as que treinam para ser
super-heroínas?
– Só para aquelas que são demais. – Ele desviou o olhar, en-
cabulado. Alexei fora seu melhor amigo, e Dante não daria em cima
da namorada dele.
Por quê? É isso o que você estava fazendo?
– O que for melhor pra você… – Sana disse.
– Só mencionei um fato – Dante retrucou.
– Claro. – Sana deu de ombros. – Acredito em você. Você é filho
de um policial.
Ele a fitou; o início de uma ideia se formava lentamente em sua
cabeça.
– Bem, talvez seja isso. Eu sou filho de um policial.
Será que ele poderia fazer algo?
– Já concordamos que isso é verdade – Sana falou. – E mudamos
de assunto.
– Não, o que eu quero dizer é que nós podemos fazer isso – disse
ele, pensando em voz alta. – Entender essa coisa de Fé. Vamos até
a delegacia para descobrir o que os policiais podem nos dizer.
– O que eles podem dizer?
– Quem é que sabe? Podemos consultar os relatórios das
operações recentes nas apreensões de drogas, e talvez a gente
consiga encontrar algo relacionado à Fé – Dante disse. – Se ela
estiver nas ruas há mais de uma semana, garanto que alguém já foi
pego por causa dela. Até mesmo com ela.
Sana ponderou sobre a ideia.
– É verdade que sabemos como essa Fé é, e de onde ela vem.
Talvez a gente perceba algo que a polícia não viu.
Dante assentiu.
– E nós vimos o cara pulando na frente do trem só porque o
traficante mandou que ele fizesse isso. Talvez a tenha mais
registros de como as pessoas agem ao usá-la.
– Aquilo foi assustador – ela disse.
– Foi como se ele fosse um zumbi. Tipo uma espécie de controle
mental ou algo assim – Dante concordou.
Sana encarou os trilhos.
– Você está certo – ela concluiu. – Essa Fé é coisa ruim. Temos
que fazer o que pudermos.
Dante pensou a respeito.
– Todas as delegacias têm um banco de dados fotográfico da sala
de evidências. Talvez a gente consiga encontrar mais dessas
amostras de Fé, agora que sabemos o que procurar.
É possível que dê certo. Se ao menos o meu pai ajudar, só para
variar…
– Acha que podemos simplesmente entrar numa delegacia e dizer
“olha só, o pai dele é da polícia, você pode deixar a gente dar uma
olhada nos computadores?”. – Ela parecia descrente.
– Não. Mas hoje é sexta, certo? Às sextas, meu pai muda de
turno e vai para a 26ª Delegacia, no sul do Harlem. Na esquina da
rua 126 com a avenida Amsterdã, perto da Colúmbia. Que tal se a
gente pegar o metrô para lá e perguntarmos para ele?
Pelo menos darei a chance de ele me atormentar. Ele vai gostar
disso.
– Vamos lá. – Sana puxou do bolso com certo floreio o seu bilhete
recarregável de metrô. – Nunca diga que nunca fiz nada legal por
você. Ou, imagino, pela raça humana.
Dante abriu um amplo sorriso.
– Dá uma de louca, gastona.

***

Sujeira, cigarros, café – com um ocasional sopro de bebida velha,


erva velha e urina velha, dependendo de quem estivesse
aguardando. Todos esses lugares têm o mesmo cheiro. Dante vestiu
sua cara de paisagem e se aproximou do balcão gasto na frente da
delegacia.
– Ei, tenente Mackey. Viu meu pai por aí?
Mackey era um policial corpulento que bebia café num copinho de
isopor pequeno demais, uma figura permanente da 26ª Delegacia.
– Sir Lancelot. – Mackey assentiu com uma piscada. – O capitão
está nos fundos. – Depois olhou para Sana. – Está num encontro,
Lancey?
– Só nos sonhos dele – Sana anunciou, largando-se na cadeira
de madeira ao longo da parede junto ao balcão. – Outra coisa,
pensei que Lancelot fosse o cara bonito.
Mackey vaiou.
– No alvo. Conseguiu uma garota afiada, rapaz.
– Ignore-o – Dante pediu, contornando o balcão rumo às salas
nos fundos da delegacia. – Mackey confunde esgrima com torneio
medieval.
– Nada disso, Sir Fala Muito – Mackey o interceptou. – Apenas
policiais têm permissão para passar por esta ponte levadiça, a
menos que você esteja usando algemas.
– Pode pedir para o meu pai vir aqui, então? É importante. –
Dante pegou o celular, como se estivesse prestes a jogar algo. – Eu
espero.
Mackey o avaliou.
Dante pegou o copinho de café de Mackey e o entregou a ele. –
Vai lá. Você sabe que está precisando de um refil.
Mackey já pegou o copo encarando-o, então desapareceu pelos
corredores.
– Bela jogada – Sana elogiou. – Lancey. Essa é a sua identidade
secreta, agente? – Ela riu, uma ação que parecia deslocada em um
lugar mal iluminado da recepção daquele edifício institucional.
Dante sentiu o rosto corar de novo.
– Ria o quanto quiser. Estamos tentando salvar o mundo; eu
aguento alguns golpes.
– Você precisava de mim aqui?
Dante se aprumou – e o capitão Cruz apareceu junto ao balcão,
todo uniformizado. Sana se endireitou na cadeira ao vê-lo, bem
como Dante sabia que ela faria.
Eu queria que pelo menos uma vez ele ficasse relaxado.
Mas seu pai sempre agia assim, e seus amigos sempre reagiam
assim. Somente Alexei nunca se intimidara. Talvez fosse aquela
coisa de ser russo, Dante pensou. Seu pai não era e nunca seria
alguém relaxado. O capitão Cruz às vezes se parecia mais com um
ator fazendo o papel de um capitão de polícia em algum programa
de televisão do que um de verdade. As calças eram passadas à
perfeição. Ele enviava mensagens completas, sem abreviações e
com pontos-finais. Ele até mesmo lustrava seu distintivo.
– Ei, pai – Dante saudou, erguendo o olhar do celular.
O capitão Cruz começou a sorrir, mas logo adotou sua costumeira
expressão estressada, antes que conseguisse completar o sorriso.
– Dante? Está tudo bem? O que está fazendo aqui? Não deveria
estar na esgrima? – Notou Sana, ainda sentada toda dura na
cadeira, sem se manifestar. Dante sabia que o pai era um policial
bom demais para fazer algo, mas que ele ouviria bastante depois.
– Eu não tinha treino hoje – Dante improvisou. Não tenho mais
nenhum dia, mas não ter hoje ainda é tecnicamente verdade. –Não
é por isso que estou aqui.
– Se você não tem treino hoje, deveria estar em casa ajudando a
sua mãe – disse o capitão Cruz.
Ding-ding-ding!
E está na hora da rodada de hoje de Por Que Não Está Ajudando
A Sua Mãe…
– Eu vou – Dante respondeu. – Só preciso saber uma coisa. É
para um projeto sobre crimes locais. Drogas, mais especificamente.
Também verdade, tecnicamente falando.
Ele era bem versado na arte de mentir para o pai, e a primeira
regra era, na verdade, não mentir. O capitão Cruz saberia no ato se
ele sequer tentasse isso.
Omita, nunca minta.
Esse era um conceito crucial.
– Para a escola? E vocês dois estão na mesma sala? Vai me
apresentar a sua amiga? – o pai perguntou, sem olhar, de propósito,
para Sana. – E será que pode guardar o celular enquanto conversa
comigo?
Exatamente como esperado.
Dante guardou o celular no bolso.
– Sana é uma… defensora da juventude… num programa contra
as drogas… e o crime nas ruas – ele respondeu. – Ela está aqui
basicamente para salvar o mundo.
Verdade o suficiente.
Sana se levantou e se aproximou do balcão – que bem poderia
ser a bancada de um tribunal, porque, sem dúvida, estavam sendo
julgados.
– É um prazer conhecê-lo, capitão Cruz.
Ela ofereceu a mão, fitando o capitão diretamente nos olhos.
– Sou do Clube de Jovens de Fort Greene.
Verdade? De certa forma?
– Sou esgrimista, como o Dante.
Meio verdadeiro? Nós dois sabemos esgrimir.
– Nos conhecemos num torneio.
Algo parecido com a verdade? Um de cada lado do ginásio, mas
tudo bem.
O capitão Cruz sorriu, descartando o comentário, e Dante soube
que haviam passado pelo primeiro desafio. Um a menos…
– Vocês têm visto o noticiário? – O pai balançou a cabeça. – Esta
não é uma boa hora para um projeto. Nenhum de nós está seguro
até esses mísseis roubados serem apreendidos. E existe muito mais
coisas por trás do que vocês, garotos, podem sequer imaginar.
Nós sabemos. É por isso que estamos aqui. Por isso que estamos
tentando ajudar. Ficamos numa sala com agentes de operações
especiais e assistimos à queda do míssil…
– Eu entendo – Dante disse. – Sem problemas.
Sana desviou o olhar.
– Estamos prestes a entrar em alerta vermelho – disse o capitão
Cruz. – Vermelho. Essa é a categoria que representa “severo”, o
mais alto alerta terrorista que tivemos desde o Onze de Setembro.
Não posso conversar agora, e vocês dois deveriam voltar cada um
pra sua casa e permanecer lá.
Pois é, não achei que pudesse mesmo.
Dante tentou de novo, só para manter a fachada; pareceu-lhe o
tipo de coisa que um filho faria.
– Mas, pai…
– Dante. Chega. Não tenho tempo. Vejo você em casa. Vá ajudar
a sua mãe. – Olhou para Sana. – Prazer em conhecê-la, Sandra.
Boa sorte com o Clube de Jovens. Sei o que se passa por lá, e
precisamos de toda a ajuda que conseguirmos.
E assim o capitão Cruz se foi.
Dante e Sana saíram do prédio quase no mesmo instante.
– Ora, ora, isso foi horrível – Sana comentou assim que voltaram
para a calçada gélida. – Não acredito que aquele seja o seu pai.
Dante voltou a pegar o celular. Apertou a tecla de salvar e sorriu.
– Está de brincadeira? Aquilo foi ótimo.
– O meu pai tem uma família nova inteirinha. E nem sequer moro
com ele na metade do tempo, e ele é mais legal comigo do que
aquilo ali. Quero dizer, pelo menos ele me leva de carro pela cidade.
– Sana balançou a cabeça. – O seu pai é sempre rígido assim?
Dante se sentiu endurecer, como sempre fazia quando as
pessoas falavam do seu pai.
O que quer que eu diga? Porque não tenho uma resposta.
Não existe uma explicação, e a única pessoa que nunca pediu
nenhuma e nunca se importou com isso está morta. Tá bem? Isso
responde à sua pergunta? Podemos seguir em frente?
A única pessoa que me entende está morta.
Ele adiantou o filme dessa parte da conversa em sua cabeça,
outra coisa que fazia quando o assunto vinha à tona.
– Tá tudo bem – Dante disse, andando mais rápido agora. – Não
esquenta. Conseguimos o que precisávamos.
– Conseguimos?
– Claro.
– E o que foi que conseguimos?
– Isto. Estávamos tentando conseguir isto. – Dante elevou o
celular.
Sana encarou.
– O que são esses números?
– O número do distintivo do meu pai. Já sei a senha dele, ele usa
a mesma para tudo.
– Esses velhos… – Sana balançou a cabeça.
– Com isto e o e-mail dele na polícia, podemos entrar na base de
dados da polícia. Até tirei uma foto do distintivo quando ele não
estava olhando, como garantia.
– Nada mal, Lance. – Sana sorriu.
Ele fez uma mesura.
– Alguma ideia de onde podemos encontrar um computador aqui
perto?
– Ora, por favor. – Sana bufou. – Sei onde conseguir computador
e cookies com gotas de chocolate grátis. Venha.
Minutos mais tarde, eles atravessaram os portões da
Universidade de Columbia e seguiram para a faculdade de
administração, onde Sana acenou para um loiro bonito atrás do
balcão da recepção. Ele a deixou entrar sem dizer uma palavra, e
ela puxou Dante pela barreira atrás de si.
– Esgrimistas – ela sussurrou. – Eles ajudam você, esteja onde
estiver.
Dante a seguiu enquanto cruzavam a sala de estar dos
voluntários, pegaram um punhado de cookies de um pote e foram
direto para os computadores.
Depois disso, só precisaram de três minutos para entrar na base
de dados da , sete para encontrar o diretório pesquisável
contendo os registros de evidências das delegacias, quatro mais
para encontrar o banco de dados de imagens. (Três para assistir a
um vídeo de bodes desmaiando, mas eles estavam esperando o
banco de dados carregar.)
E então, onze minutos mais tarde, encontraram oito ocorrências
registradas de uma droga preta misteriosa, nunca vista antes nas
ruas, em brigas ocorridas em três bairros distintos.
O mais próximo ficava pouco acima naquela mesma rua, na
esquina da 134 com a Broadway.
Em outras palavras, a Fé os cercava, mesmo naquele momento.
Só o que precisavam fazer era conseguir um pouco dela.

***

– Talvez seja uma má ideia – Sana disse, estremecendo.


Começaram pela rua 134 e foram descendo até a Broadway. Agora
já estavam perto da 120 e ainda não haviam encontrado nada.
Ninguém suspeito, ninguém à toa. Ninguém tentando comprar nem
vender.
– Que droga – resmungou Dante. – Vamos tentar mais uns
quarteirões e depois vamos para outro lugar. De qualquer maneira,
estamos descartando uma hipótese, certo?
– Sim. Ok, tudo bem. – Ela assentiu. – Mas minha bunda está
congelando, e estou sentindo que vai nevar, então vamos logo com
isso. – Ele já estava a caminho.
Quanto mais se aproximavam dos portões forjados em ferro
negro, no interior do campus da Universidade de Columbia, mais
estudantes inundavam as ruas. Perto da rua 116, as calçadas
estavam tomadas por uma variedade de pessoas de vinte e poucos
anos usando piercings no nariz e cabelos roxos – ou vestindo
casacos de lã arrumadinhos e bolsas de couro que pareciam de
grife. Essa parecia ser a divisão básica.
– Riquinhos – Sana concluiu, soando desgostosa.
– Provavelmente nem todos – Dante comentou, observando a
cena –, mas o bastante para fazer sentido que tenham apreendido a
Fé por aqui. – Ele ficou trêmulo enquanto falava. Sana estava certa;
agora que o sol havia se posto, o frio estava quase insuportável.
– Parece que alunos de faculdade são estúpidos, e também
curtem uma festa. Então, sim, deve haver algum traficante aqui por
perto – ela disse, perscrutando a multidão.
Dante já não tinha mais tanta certeza. Fazia um tempo que
estavam na rua, e ele já não sentia mais as orelhas. Talvez fosse
hora de irem embora.
Nós tentamos. Podemos tentar de novo amanhã…
Pelo menos podemos dizer a nós mesmos que…
– Ali – Sana sussurrou. Dante elevou o olhar… e ela entrou em
pânico, puxando o braço do amigo. – Não olhe para ele!
– Como você sabe que ele é o cara que estamos procurando?
– Ele está no ponto de ônibus – ela sibilou.
– Pegar o ônibus não faz dele um traficante.
Sana suspirou.
– Vou ter que soletrar para você?
Ele fez que sim com a cabeça.
– Ele não pode se arriscar a entrar no campus porque não é aluno
e será expulso. Por isso, espera de frente para a entrada, sentado
no ponto como se fosse pegar um ônibus. Mas o ônibus acabou de
passar, e ele nem se mexeu. – Ela deu de ombros. – Ava e eu
usamos esse truque umas mil vezes. Banco de ônibus é o melhor
lugar para cochilar na cidade. Ninguém pode te obrigar a sair e
ninguém pode provar que você não deveria estar ali.
Dante analisou o rosto dela. Não conseguia sequer começar a
imaginar as situações pelas quais ela e Ava passaram, e os três
tinham a mesma idade.
E cá estou eu, reclamando da minha família…
Inspirou fundo e assentiu.
– Tudo bem. Vou lá falar com ele.
Ela quase gargalhou.
– Você? Você jamais saberia o que dizer a um traficante de
drogas.
– E você saberia?
– Não, mas pelo menos morei num abrigo. Sei como conversar
com as pessoas das ruas, garoto de Jersey.
– Ei, parceira, nós temos ruas em Jersey.
Era um desafio, e ele não tinha como recusar. Dante enfiou as
mãos nos bolsos e caminhou casualmente até o ponto de ônibus.
Sentou-se e ficou olhando para a frente.
– E aí, cara – Dante saudou, mantendo os olhos fixos na rua
diante deles, como na época em que estava no sexto ano, mas
precisava pegar o ônibus escolar dos alunos do oitavo. – Beleza?
O cara do banco, que trajava uma jaqueta camuflada puída e um
moletom dos Yankees com o capuz erguido, não respondeu. Ele
fedia à rua e, para variar, Dante ficou feliz pelo clima frio. O ar gélido
parecia matar o fedor mais rapidamente.
– Estou querendo comprar – Dante disse. Parecia uma fala de um
filme muito ruim, e foi difícil permanecer sério. Além disso, ele não
sabia exatamente o que dizer, por isso foi direto ao ponto. – Uma
coisa nova. Parece com areia preta. Chamam de Fé, já ouviu falar?
– Improvisou. – Vi numa festa no fim de semana passado.
Ah, tá bom. No fim de semana passado você estava em casa
jogando League of Legends. E também no fim de semana anterior.
E no outro. E antes disso…
O Jaqueta Camuflada fez uma careta.
– Do que cê tá falando, otário?
– Estou falando da Fé. Queria um pouco. Você deve saber, Cristal
da Morte? – Era como um dos relatórios da polícia a chamara.
– Cristal da Morte? Que nome macabro. – Jaqueta Camuflada
gargalhou.
– Não importa o nome. – Dante deu de ombros. – Ouvi dizer que
dá muito barato. – No sentido de que deixa tão chapado que o
usuário fica parecendo um zumbi. Fiquem nas escolas, crianças…
Jaqueta Camuflada balançou a cabeça.
– Não tenho.
– Tudo bem. Obrigado – Dante disse. Jaqueta Camuflada fechou
a cara. Ah, pode crer. Provavelmente não precisa agradecer a um
traficante de drogas. – Quero dizer, tanto faz. – Levantou-se e deu
as costas para o cara.
– Conheço um cara que conhece um cara que pode conseguir
esse negócio que você quer – Jaqueta Camuflada disse, mas só
quando Dante estava prestes a se afastar.
Então é assim que funciona.
Virou-se de novo.
– Agora? – Dante perguntou. – Porque eu preciso pra hoje, cara.
– Não prometo nada. – Jaqueta Camuflada balançou a cabeça. –
Me encontra aqui hoje à noite.
– Que horas? – Dante perguntou.
– Meia-noite – Jaqueta Camuflada respondeu.
– Demora muito – Dante disse.
Jaqueta Camuflada se levantou.
– Então esquece.
– Tá. Meia-noite. Mas quero o bagulho de verdade – Dante disse,
sentindo-se um pouco mais confiante. – Não quero ser enganado.
– Como é que é, não confia em mim? – Jaqueta Camuflada olhou
para ele, inclinando a cabeça e empurrando para trás o cabelo
ensebado da cor de palha. O olhar era…
Assassino? Esta é a palavra certa para descrevê-lo? Dante se
esforçou para não sair correndo.
– Quinhentos, bem aqui. Meia-noite. – Jaqueta Camuflada
estendeu a mão na direção de Dante, que congelou quando o cara
arrancou o celular descartável do seu bolso. – Vou ficar com isto.
Como garantia.
– Maravilha – Dante disse, já se afastando. Agarrou o braço de
Sana, e saíram apressados dali.
Meia-noite.
CAPÍTULO 25: NATASHA
NAVIO DE ASSALTO ANFÍBIO, SEXTA FROTA DA
MARINHA DOS ESTADOS UNIDOS LITORAL DA
REPÚBLICA DO CHIPRE, MAR MEDITERRÂNEO

Ava e Natasha observavam o céu enquanto Tony lia o noticiário pelo


tablet. Os três estavam apoiados nas grades do deque superior de
um navio de assalto anfíbio chamado Kirby, o único navio
americano na região com um deque para aterrissagem de
helicópteros espaçoso o suficiente para acomodar a aterrissagem
do Stark Jet.
Coulson tinha amigos em todos os departamentos militares
americanos, e ele mexeu seus pauzinhos a fim de conseguir
permissão para isso. Os seis jatos -35 já estacionados em fila ao
longo de um dos lados do deque não gostaram muito do quão perto
de derrubá-los no oceano Tony chegou, mas tudo acabou dando
certo no final. Até mesmo pilotos de combate eram suscetíveis ao
charme de Stark, ainda mais quando ele queria conversar sobre
modificações em lasers.
Foi a única sorte que tiveram até ali. De acordo com a . . . . . .,
e mesmo de acordo com a , as notícias mais recentes eram
ruins.
O segundo míssil atingiria parte de uma esquadra com um porta-
aviões russo nas águas que banhavam a costa da ilha grega do
Chipre. MiGs russos agora se esforçavam em encontrar uma rota de
intercepção, e o porta-aviões russo Admiral Kuznetsov mantinha a
postos seu temido armamento antiaéreo e um sistema completo de
defesa aérea.
O ataque fora anunciado como não acidental; o Kuznetsov quase
nunca estava na região, e era considerado um alvo valioso. Ele era,
afinal, o único porta-aviões russo – o que só tornava o ataque mais
sério. O país inteiro estava colérico.
A Sicília já assustara o mundo todo; com o Chipre, a ordem
mundial repousava no fio da navalha.
– Se quiser ameaçar qualquer parte do Rodina – o presidente
russo havia afirmado à imprensa mundial –, esteja ciente: vamos
reagir exponencialmente. Nos uniremos aos nossos compatriotas
sicilianos contra estes atos covardes, e juramos proteger nossas
tropas marítimas, seja na superfície ou submersas. Somos agora
um país em guerra e lutaremos unidos.
– Falou o cara que posiciona submarinos de ataque no Mar
Negro. – Tony suspirou ao concluir a leitura das notícias mais
recentes no tablet. – Ele não está para brincadeira.
– Não podemos apenas ficar aqui sentados assistindo – Natasha
disse, frustrada. – Não me importo quantos MiGs estão lá em cima.
Esse míssil pode destruir mais do que só o Kuznetsov. Vocês viram
como aquele míssil se desviou em Monreale. Esse treco pode muito
bem arrasar uma boa porção do Chipre.
– Ou também pode estar muito bem direcionado para uma fonte
decorativa de Anjo de Ferro – Ava observou. – Nós não sabemos.
– O Chipre como alvo faz até mais sentido do que Monreale –
Tony comentou ao erguer o monóculo militar. – O Chipre é uma
espécie de enorme lavanderia para boa parte do Leste Europeu.
Você rouba, nós cuidamos disso.
– Ah, é? Está escrito na bandeira agora? – Natasha perguntou
com uma careta.
Tony analisou o litoral diante deles.
– Acho que é mais um lema não oficial.
Ava o encarou.
– Lavagem de dinheiro?
Tony lhe entregou o monóculo.
– Bem, da última vez que estive aqui, com certeza não eram as
camisas que estavam muito bem lavadas.
– Ainda não entendo por que o Homem de Ferro não está por aí
dando uma de Hulk e esmagando esses mísseis em pleno ar. – Ava
franziu o cenho, espiando através das lentes.
– O Homem de Ferro não esmaga coisas como o Hulk. E me
ofereci para ajudar, mas acho que a Rússia deve estar querendo
marcar seus pontos, porque a oferta foi recusada categoricamente –
Tony disse.
– Claro que foi. O Rodina não precisa da sua ajuda – Natasha
afirmou, olhando para o céu. – Nem da ajuda de ninguém.
– A não ser quando precisa – Tony insistiu.
– Ali – Ava disse, olhando pelo monóculo. – Está chegando. Já dá
pra ver.
O míssil já estava visível da água. O revestimento de aço reluzia
ao sol enquanto cruzava o céu, com um rastro de fumaça atrás de
si. Enquanto ele se dirigia direto para a água, acelerando à medida
que se aproximava da superfície, o grupo observou, dessa vez, de
uma perspectiva de baixo.
Um trio de MiGs se pôs atrás dele.
Atiraram no míssil que caía, um depois do outro. Enquanto os
jatos atacavam, o míssil se desviava.
As armas poderosas do Kuznetsov se viraram com ele,
disparando as últimas rodadas.
!
O míssil explodiu no ar, a poucas centenas de metros acima da
superfície da água. Uma nuvem de fogo assumiu um tom negro e
depois branco, espalhando detritos na extensão hídrica abaixo de si
ao longo de centenas, talvez milhares de metros.
– Graças a Deus – Ava disse, agarrando a grade do deque.
– Menos dois – Tony assentiu, com os olhos na fumaça diante
deles.
– Moscou não vai gostar nada disso. – Natasha soou agourenta.
– Estou achando que foi esse o objetivo. – Tony a fitou.
– Que objetivo? Será que alguém está ameaçando a Sicília e
Moscou? Por meio da Grécia? Que tipo de jogo estratégico é esse?
– Ava meneou a cabeça.
Natasha tocou no fone ao ouvido.
– Estou com Danvers na linha. Ela acha que isso só pode ter sido
outro teste de míssil.
– Mais alvos? – Tony perguntou.
Natasha meneou a cabeça.
– Ela acha que o que acabamos de ver foi uma demonstração do
ajuste de rota em dez segundos.
– O desvio? – Tony perguntou.
Ela assentiu.
– Danvers acha que a pessoa que está disparando os mísseis
está verificando se as alterações foram bem-sucedidas.
– Enviando uma mensagem russa num míssil em vez de no
interior de uma garrafa – Tony comentou.
– Pois é, bem, uma pena que o rastreador de Natasha esteja
partido em milhões de pedacinhos flutuando no mar agora. – Ava
ainda assistia às ondas formadas pelos dejetos através da lente do
monóculo. – Não acho que conseguiremos ler uma mensagem
neste aí.
Então ela abaixou a lente e apontou para uma forma mais escura
distante dos escombros, ainda na água.
– Vejam aquilo. Parece um barco. Onde as pessoas estão
observando o alvo com binóculos. Estão vendo?
– Então, eles estão olhando os destroços. Se um míssil explode
na sua frente, você vai olhar – Tony disse. – Até mesmo nós
olhamos.
Natasha franziu o cenho.
– A não ser pelo fato de que as autoridades cipriotas restringiram
toda a área. Somente embarcações militares deveriam estar aqui
agora.
– E vejam o nome do barco – Ava pontuou. Entregou o monóculo
para Natasha, que a ergueu ao nível dos olhos.
– Zheleza Prizrak? – Natasha fez uma careta. – Que estranho.
– Pode me lembrar do que isso significa? – Tony pediu.
Ava olhou para ele.
– Fantasma de Ferro.
Ele ergueu uma sobrancelha.
– Esperem… Anjo de Ferro foi a estátua que o primeiro míssil
atingiu, certo? E esse, que quase foi abatido, é Fantasma de Ferro?
Natasha abaixou o monóculo.
– E também temos o nosso hacker falando sobre um Anjo
Vermelho. – Balançou a cabeça. – Tudo isso é tão…
– Russo – Ava completou.
– Sim. O retorno do grande Rodina – Tony disse, erguendo o
tablet. – Podemos muito bem perguntar ao Rodina o que ele sabe
sobre esse iate, então.
Apertou algumas teclas e esperou.
– Nyet. Não existe nenhuma empresa russa registrada no Serviço
de Impostos Federais, que é o Imposto de Renda russo, chamada
Zheleza Prozrak, ou Fantasma de Ferro. – Ergueu o olhar. – E
acreditem em mim, se existisse, ela estaria pagando mais do que
impostos fantasmas. O Kremlin leva muito a sério a questão da
renda. Eles praticamente são o Howard Stark dos governos
estrangeiros.
– Tentou pesquisar Anjo de Ferro? – Natasha perguntou. –
Zheleza Serafimy? – Ela soletrou cada letra até ele escrever certo.
Tony digitou as palavras de novo.
– Nyet.
– E que tal Anjo Vermelho? – Ava sugeriu. – Krasnyy Serafimy?
Mais digitação.
– Ainda assim nyet.
Natasha apertou os dedos na grade.
– Talvez nem seja esse o nome que o barco usa para o Serviço
de Impostos Federais. No entanto, cada barco é obrigado a se
registrar sob sua bandeira nacional; é uma lei marítima
internacional. Na Rússia, isso é o RE, acho. O Registro de
Embarcação Marítimo Russo.
Ava olhou para ela. Natasha deu de ombros.
– E daí se falsifiquei alguns documentos marítimos? É mais fácil
do que com passaportes.
Tony entrou no site e inseriu o nome.
– Não existe nenhuma embarcação russa registrada por meio do
Chipre, mas existe uma registrada na Rússia operando no Chipre.
Ava olhou por cima do ombro dele.
– E?
– Fantasma de Ferro. Registrada em nome de…
Natasha prendeu a respiração.
– Uau. – Ele ergueu o olhar. – Veraport é uma subsidiária da
Luxport Internacional.
– Também conhecida como Sala Vermelha – Natasha disse.
– Isso está escrito aí? – Ava perguntou.
Ele assentiu.
– É sério. Vejam, é o que o certificado de reconhecimento diz.
Aparentemente, também é o nome do documento de consentimento
no qual foi emitido.
– Meu Deus – Ava disse, contemplando a tela que ele segurava. –
Não acredito. Encontramos. A ligação entre a Sala Vermelha e a
operação da droga Fé. É a Luxport, assim como o depósito
ucraniano do Ivan.
– Então, depois da Luxport, a Sala Vermelha se rebatizou como
Veraport? – Tony olhou para Natasha. Ela não respondeu. Em vez
disso, ficou assistindo à fumaça e ao mar cheio de escombros. O
combustível ainda queimava na superfície das ondulações mais
distantes.
– Essa Luxport/Veraport tem um dono? Além do que está
registrado? – Ava perguntou.
– Está atrás de um documento que literalmente diga Krasnaya
Komnata? Quer ver um enorme timbre vermelho com as palavras
Sala Vermelha? – Tony estudou a tela.
– Eu não me importaria se isso acontecesse – Natasha comentou
com um erguer de ombro. – Ainda mais quando temos bombas
envolvidas.
– Muito bem. – Ele balançou a cabeça e voltou para o arquivo do
RE. – Esperem. – Começou a digitar termos de pesquisa, a tela
escureceu…
Tony franziu o cenho.
– Fiquei sem serviço. Perdemos a conexão.
Ava suspirou.
– Odeio quando isso acontece.
– Não. Isso nunca acontece. Não comigo. Não quando você é
dono do Satélite Stark. – Olhou para o céu, depois de novo para as
Viúvas. – São eles.
– Ficamos curiosos demais – Natasha disse.
– O que significa que nos aproximamos demais – Ava
complementou, parecendo assustada.
Natasha inspirou fundo.
– Muito bem. Então me expliquem isto: por que uma empresa
russa ameaçaria seu próprio governo?
– É uma mensagem – Tony respondeu. – Uma revolução. Uma
conspiração.
– Um engano – Ava disse. – Uma empresa russa jamais
ameaçaria seu próprio governo, você sabe disso.
Natasha assentiu.
– Os únicos russos que ameaçariam o governo russo são o
governo russo. – Bem-vindos ao teatro da guerra, com ênfase na
parte teatral. Não gosto desse jogo e não conheço essa dança.
Alguma coisa nisso tudo está esquisita.
– Muito bem, então – Tony disse voltando-se para a água. – Isto
não é um ataque. É um espetáculo de fantoches. – Esfregou o rosto
com uma mão, parecendo exausto. – Qual a moral da sua história,
minha cara bomba?
Natasha odiava perder, detestava mentir, mas, acima de tudo, não
suportava ser um fantoche. No que referia a ela, estava mais do que
na hora de cortar os cordões e obter algumas respostas.
A começar com esse, em especial…
Que Deus nos ajude, mas aonde irão os três mísseis restantes?
Um oficial jovem e muito bem asseado em seu uniforme correu
pelo deque até os alcançar. Fez uma saudação diante de Tony e de
Natasha.
– Senhor. – Depois desviou o olhar para Natasha. – Hum,
senhora.
Natasha pareceu se divertir com a cena.
– O almirante Sanchez requisita sua presença na ponte de
comando imediatamente, senhor. – O oficial júnior olhou para Ava. –
Todos os três, senhor. E senhora, e senhora.
– À vontade, marinheiro. Muito bem, então. – Tony olhou para
Natasha e para Ava. – Vamos lá puxar alguns cordões.
CAPÍTULO 26: AVA
NAVIO DE ASSALTO ANFÍBIO, SEXTA FROTA DA
MARINHA DOS ESTADOS UNIDOS LITORAL DA
REPÚBLICA DO CHIPRE, MAR MEDITERRÂNEO

O charuto apagado do almirante Sanchez batia em lugares


estratégicos no mapa enquanto ele falava. Ele usava expressões
como reverter, cair, botas no chão e ameaça iminente, e Ava sentia
que poderia estar num set de filmagem de um filme de guerra – e
não daquele tipo que terminava em medalhas sendo distribuídas
para Wookiees.
Como foi que vim parar aqui? Na ponte de comando de um navio
de assalto anfíbio no Mediterrâneo? Testemunhando a queda de
mísseis e jatos de combate em formação? De quem é esta vida?
Ava pensou que sabia no que estava se metendo – na época em
que começara a se meter. Vingança contra um homem que destruíra
sua infância, sua família, o amor da sua vida, sua única chance de
felicidade.
Era simples e legítimo.
Era justiça.
Mas tudo isso ainda era verdade? Era o motivo de ela estar ali
agora? No meio de uma crise nuclear?
O que está acontecendo com o mundo? O que está acontecendo
comigo?
O charuto bateu de novo, e ela tentou se concentrar.
– Os MiGs russos se afastaram. O destroier deles continua em
posição de alerta, mas o nosso também. Tudo isso é só barulho.
Não é nossa preocupação principal – disse o almirante, com seu
firme sotaque texano arrastado. Apresentara-se como um
autoproclamado “grande fã dos Vingadores”.
Ava nunca deixava de se admirar com o fato de o status de
celebridade dos Vingadores ir além da concessão de autorizações e
credenciais fornecidas pelos próprios militares.
Natasha olhou com ceticismo para o almirante.
– Se não se importar com a minha pergunta, o que é mais
primordial do que uma esquadra inteira de russos raivosos prontos
para o combate, almirante?
– Cantão – retrucou com brusquidão o almirante. – O radar
acabou de captar. Esse é o próximo alvo, e é um verdadeiro
problema. – Bateu de novo com o charuto.
Ava ergueu o olhar.
– O que disse?
Ele bateu no mapa do radar na mesa diante deles.
– China. Se querem algo que os mantenha acordados à noite, não
será a Rússia. Será isto aqui.
Tony assentiu.
– Qual é exatamente o próximo alvo em Cantão?
– Ainda estamos tentando descobrir detalhes, mas, até onde
sabemos, uma central nuclear, em sua maior parte desativada. Esta
aqui. Cantão está cheia delas.
– Em grande parte? – Ava repetiu.
– O quão desativada ela está? – Natasha franziu o cenho.
– Acho que teremos que descobrir. Mas essa não é nossa maior
preocupação agora.
Tony olhou para o almirante Sanchez.
– Se não se importa que eu lhe diga isso, almirante, o senhor
parece muito preocupado com bastante coisa que não merece
preocupação.
– Sabe, é isso mesmo que gosto em você, Homem de Ferro. Você
é o engraçado. – O almirante assentiu. – Bem, filho, desta vez a
questão são os mísseis.
– Bem, isso não é nada engraçado – Tony comentou.
– Espere. – Natasha se endireitou. – Mísseis, no plural?
Ava os encarou.
– Quantos?
– Três, ao que parece. No ar neste exato instante. – O almirante
Sanchez arrastou o charuto ao longo do radar, do centro de um
enorme espaço em branco que era o norte da Rússia até o litoral
densamente povoado da China. – Cruzando o ar espacial da Sibéria
agora, enquanto conversamos, o que provavelmente deve ser o
melhor, visto o completo festival de escombros que acabamos de
ver nestas águas.
Ava olhou para Natasha.
– Isto é um teste de novo?
– Não sei – Natasha disse, com os olhos se estreitando ao passo
que examinava o mapa. – Talvez? Se estão avaliando alguma coisa,
imagino que seja o alcance. Parece que esses últimos mísseis
atravessarão grandes distâncias.
– Mas não faz sentido algum – Tony disse. – Qual o interesse em
testar mísseis acabando com os últimos três? É como treinar para
um jogo que você nunca jogará, ou ensaiar para um espetáculo que
nunca será apresentado.
– Para começar, isso assusta um monte de gente – opinou o
almirante Sanchez. – E, depois, dá pra chamar bastante atenção.
– Senhor, uma ligação. – O oficial muito bem asseado que os
levara até a ponte de comando entrou com um telefone via satélite
para o almirante.
– Sim? – O almirante largou o charuto e levou o aparelho ao
ouvido. – Aqui é o almirante Sanchez, do USS Kirby. – Ele escutou,
erguendo uma sobrancelha. Em seguida, ofereceu o aparelho para
Natasha. – É uma ligação da NASA, e não é para mim.

***

Danvers havia sido muito clara quanto aos alvos. Fizera uma série
de cálculos e chegara a um cenário, com três pares diferentes de
latitudes e longitudes.
Ao fim da chamada, Natasha tinha solicitado que o mapa de
satélite dos reatores de Cantão fosse disponibilizado na mesa.
As construções individuais da central nuclear estavam visíveis
agora, e ela tinha três marcadores improvisados: um saleiro, um
frasquinho plástico de inalador nasal e o relógio de pulso gravado do
almirante, equilibrados sobre as imagens de três estruturas
diversas.
Enquanto Natasha manobrava o mapa e mensurava os
marcadores, todos na sala cercaram a mesa, encarando uma
superfície agora semelhante a um imenso jogo de tabuleiro.
– Vejam as construções individuais da central nuclear – disse ela,
apontando. – De acordo com a maneira com que os mísseis estão
voltados, Danvers calcula que eles atingirão aqui, aqui e aqui. – Ela
moveu o relógio e o saleiro; o spray nasal já estava no lugar certo.
– E? – Ava perguntou, apoiada nos cotovelos e apoiando o queixo
com as mãos. A última vez que havia dormido, percebeu, tinha sido
durante o período inconsciente no Triskelion. Nesse ritmo, chegarei
ao nível 100% zumbi antes que o último míssil atinja seu alvo.
– Não estou enxergando – afirmou o almirante Sanchez. – Isso é
um reator morto. Não tem nada ali, é como uma cidade fantasma.
Pelo menos é o que me disseram no .
– Então por que se dar ao trabalho de atingir isso? Cadê a
mensagem? – Tony cruzou os braços, ainda sem despregar os
olhos pelo mapa.
– Talvez signifique algo. Quero dizer, não parece ser coincidência,
certo? – Ava perguntou. – Talvez seja uma daquelas coisas
matemáticas…
Tony a fitou com aborrecimento.
– Coisas matemáticas? Dá para ser mais específica?
– Ah, para com isso. – Ava abaixou a cabeça. Estava exausta. –
Sabe do que estou falando, quando os números chegam a um
equilíbrio, a uma proporção eterna, a um raio-π-ao quadrado ou
algo assim… e simplesmente não conseguimos enxergar.
– De novo, sabemos que se trata da Sala Vermelha querendo
confundir a nossa cabeça. Sabemos a quem culpar, e sabemos o
que estão fazendo. Por que simplesmente não vamos até Moscou,
encontramos esses filhos da mãe e colocamos um fim nisso? – Tony
estava ficando furioso.
– Acalme-se – Natasha pediu, cansada. – Não sabemos o
bastante para afirmar isso.
Tony franziu o cenho.
– É mesmo? Eu, por minha conta, estou farto de me sentir assim.
Para variar, eu só gostaria que algo me fosse soletrado com todas
as letras.
– Com todas as letras mesmo? – Ava disse de repente. O queixo
continuava apoiado nas mãos, mas os olhos se moviam com
rapidez de um lugar a outro no mapa.
Sentou-se ereta.
– Porque, se não estou enganada, isto aí não é um mero padrão.
É uma letra, estão vendo? – Ava moveu o saleiro para um lado do
edifício alvo, e o spray nasal para um ponto paralelo do prédio alvo
ao lado dele.
– Na verdade, não – Tony respondeu.
Por fim, Ava empurrou o relógio para o fim de uma longa
passagem que se conectava a eles, duas colunas mais abaixo –
outro dos três alvos.
– Acho que está literalmente soletrando alguma coisa para você.
Pode ser que eu esteja apenas delirando, mas acho que é a letra Y.
Isso significa alguma coisa para alguém?
Ela olhou para Natasha.
– Anjo Vermelho. Anjo de Ferro. Fantasma de Ferro. A letra Y.
Cada uma dessas coisas tem algo a ver com o Rodina – Ava
continuou. – E com a Sala Vermelha.
Natasha não se manifestou.
Ava prosseguiu:
– Os hackers russos. A Garota do Vestido Verde. A fonte russa. O
iate russo. O que isso significa para vocês?
– Ou quem significa – Tony complementou.
Natasha encarou a mesa por um longo momento. Quando elevou
o olhar, não foi entendimento que Ava encontrou na expressão dela.
Não foi clareza nem uma resposta em particular. Seus olhos
estavam estreitados, e o maxilar, rijo. Era alguma outra coisa.
Era raiva, frieza e determinação.
– Tenho que ir – Natasha avisou, empurrando a porta vaivém que
dava da ponte de comando para um corredor estreito no deque
superior.
– Mas… – Ava começou.
Tony meneou a cabeça.
– Nem adianta.
Ela franziu o cenho.
– Acha que vamos para Cantão?
Ele sorriu com seriedade e deu um tapinha no ombro de Ava.
– Não acho que nós vamos a parte alguma, camarada.
Ela não entendeu o que Tony quis dizer até ficar claro que
Natasha não voltaria para a ponte de comando. Um fato evidenciado
quando um único helicóptero Sikorsky alçou voo do deque sem
autorização e com um piloto cuja identidade era sigilosa.
Tony deu de ombros.
– Eles têm sorte de ela não ter levado um dos -35. – Olhou para
Ava. – Às vezes eu me esqueço que tremenda pilota ela é.
– Eu não – Ava respondeu. Bateu na têmpora com um dedo. –
Está tudo aqui, se eu me esforçar o bastante.
– Vamos cair fora daqui. – Tony estendeu o braço e o passou ao
redor de Ava, deixando que ela se apoiasse nele durante o retorno
para o avião. – Vamos dar um jeito nisso, menina. Não se preocupe.
Mas estou preocupada.
O que está fazendo, Natashkaya?
Ava fechou os olhos e permitiu que sua mente se soltasse,
sentindo-a no ar, na direção do horizonte e da pessoa que vira se
afastar por último por ali, mas Natasha não respondeu.
Era quase como se ela mantivesse Ava distante de propósito.
Será que isso é possível?
O deque mergulhava no silêncio.
Ninguém do Kirby dispensara um segundo pensamento para
o helicóptero desaparecido; estavam todos ocupados demais
assistindo à transmissão ao vivo de Cantão, onde a câmera de um
drone registrava as primeiras imagens dos três enormes golpes
recebidos simultaneamente pelo reator – que agora queimava, como
um erudito observou, “no formato de um único ameaçador kanji de
violência, não muito diferente da letra romana Y”.
– Nunca me senti ameaçado por um kanji antes – Tony falou ao
adentrar a cabine de piloto do Stark Jet. – Nem pelo alfabeto. Mas
talvez seja por isso que N-Ro tenha nos abandonado.
– Pode ser. Uau. – Ava prendeu o cinto do copiloto, à direita dele.
– Ela se foi mesmo. Eu não previ isso.
Tony olhou de relance para ela.
– Esta é a sua primeira vez no banco das crianças crescidas?
Ava assentiu.
– Tenho quase certeza de que você está infringindo umas mil leis
federais ao me deixar sentar aqui.
– Você deveria tirar uma foto. Pode ser que demore um bom
tempo até que se sente aí de novo. – Tony ligou uma fileira de
interruptores sem identificação, e Ava sabia que ele estava
preparando o avião para decolagem.
– Boa ideia – ela concordou, abrindo o aplicativo da câmera.
– Melhor selfie de todas. – Tony sorriu. – Como seria possível
superar isso, com uma caminhada na Lua? – Ele refletiu. – Apesar
que acabei de tirar uma foto incrível no Colisor de Hádrons, na
. Onde, a propósito, estão conduzindo muita pesquisa neste
instante. Algo que você e a N-Ro talvez queiram pensar a respeito,
caso ela chegue a aterrissar.
– Tirei uma selfie incrível minha no Rio com um mico que entrou
de última hora – Ava contou, sem prestar atenção. – Espera só, vou
te mostrar.
Ela procurou a foto no celular.
– Você acha que um mico vai ser fofo e tal, mas quando você se
vê de frente com um…
A voz dela se interrompeu.
– Ficou ruim assim, é? – Tony verificou o rádio, depois, notando a
expressão dela, parou. – O que foi?
– São as minhas fotos do Rio. – Ava encarou o celular, imóvel. –
Por que nunca parei para olhar para elas?
Ele deu de ombros.
– Ah, sei lá, talvez porque estava ocupada tentando rastrear um
hacker e uns terroristas/traficantes/contrabandistas de armas e
drogas numa floresta, enquanto brigava com traficantes no metrô do
Brooklyn e perseguia um punhado de mísseis nucleares roubados?
– Deu de ombros de novo. – Só um palpite.
Ava encarava uma foto específica, depois arrastou os dedos pela
tela a fim de ampliar o zoom, deixando-a o maior que podia.
– Tony… – Mas, a não ser por isso, ela parecia incapaz de emitir
qualquer outra palavra.
Era a foto.
Já passara por ela antes, mas só olhara os dois rostos focados
nela – o seu e o do macaco.
Mas havia três rostos na foto, e ela conseguia perceber isso
agora.
No canto inferior direito, havia um terceiro perfil embaçado,
escondido pelas sombras que agora ela começava a melhorar com
um filtro.
– Acho que o mico não foi o único que entrou de última hora na
foto – Ava inferiu, ainda chocada. Entregou o celular para Tony.
Lá estava ela.
A Garota do Vestido Verde – capturada acidentalmente enquanto
fugia do monumento – minutos antes do ataque à Harley. O rosto
estava borrado, mas não era nada que os protocolos de
reconhecimento facial da . . . . . . não resolvessem, ela imaginou.
– É ela? – Tony estava incrédulo.
Ava assentiu.
– Logo depois que passou empurrando. Eu não sabia que tinha
esta foto dela.
– Sabe o que isto significa? – Ele examinou a foto com um sorriso
crescente.
Ava assentiu.
– Agora podemos procurá-la no banco de dados. Conseguiremos
um nome, talvez até um GPS para ela.
– Aleluia – disse Tony. – Finalmente uma saída para aquele
maldito rastreador . Temos que levar isso de volta até a
. .. . . .
Ele devolveu o celular, e Ava de pronto digitou o número de
Natasha. A ligação caiu direto na caixa postal.
Tony colocou os óculos de aviador.
– São em momentos como este, minha jovem amiga, que 92% da
velocidade do som não bastam.
Mas, conforme o Stark Jet rasgava o céu, Ava não conseguiu
deixar de ponderar a respeito de para qual direção estavam se
apressando.

***

Ava acabara adormecendo sentada no banco do copiloto, e só


acordou quando a Estátua da Liberdade estava diante deles. O
Stark Jet voou direto para a base no rio East, e Tony pareceu
ansioso no instante em que desembarcaram do seu avião no hangar
do Triskelion.
– Leve esta imagem ao laboratório. Tenho um lugar para ir.
Ava olhou para ele com curiosidade.
– Qual é a pressa?
– Perdi uma reunião de investidores da . – Suspirou. – E
agora Pepper está me castigando, me obrigando a aparecer em
todos os compromissos da minha agenda.
– E daí?
– Daí que nunca apareço em nada do que está agendado. Você
tem noção de como aquela agenda é cheia? É sadismo. Quem são
todas aquelas pessoas?
– Não pergunte para mim, eu não tenho uma agenda. – Ava
sorriu. – Aviso quando o banco de dados resultar em alguma
informação. Divirta-se no seu… sei lá o quê.
– Desfile – Tony informou, com um aspecto abatido.
– Claro. – Ela meneou a cabeça. – Outras pessoas têm planos
para o almoço. Só mesmo Tony Stark tem desfiles agendados.
Ele parecia absolutamente infeliz.
– Mestre de honra honorário. O primeiro Desfile Stark das
Festividades dos Heróis anual.
– Ah, sim. – Ela assentiu. – Vi cartazes nas estações do metrô.
– Sou o cara que vai jogar doces nas crianças que ficam
berrando.
– Para as crianças, certo? Não nas crianças – Ava comentou.
– Tentei me livrar disso, mas você sabe como são aqueles balões
gigantescos dos desfiles – Tony disse.
– Na verdade, não.
– Eles não esperam por ninguém. Assim que são infladas,
aquelas coisas ficam cheias de ar quente e é hora de ir. E as
multidões são implacáveis. Já tentou chegar perto da árvore de
Natal do Rockefeller Center em dezembro?
– Não – Ava respondeu. – Já é dezembro?
Tony sorriu.
– Falando como uma quase Romanoff.
Ela o fitou com estranheza.
– Sou a pessoa errada para alguém perguntar isso. Sempre odiei
balões. Existem balões no zoológico de Moscou, e eu sempre
passava por eles tampando os ouvidos com os dedos, para o caso
de um deles estourar.
– Bem, estes balões são do tamanho de uma casa, portanto
sugiro que não vá ao desfile. Não existe dedo nem ouvido grandes o
suficiente para isso.
– Por mim, tudo bem. – Ava ergueu o celular. – Tenho uma gênia
do crime para identificar, lembra?
– Fique com a sua diversão, e eu… Bem, pelo menos você estará
se divertindo – Tony concluiu com um suspiro. – Vamos deixar por
assim mesmo.
CAPÍTULO 27: DANTE
ARMAZÉM QUEENS, NOVA YORK GRANDE CIDADE DE
NOVA YORK

Por mais que salvar o mundo e combater o crime mediante a


interceptação de traficantes de drogas à meia-noite em Morningside
Heights tivesse parecido dramático a princípio, o plano de Dante
apresentou falhas evidentes. Para início de conversa, ele tinha um
horário muito rígido para estar em casa. E também uma mãe
desconfiada e um pai policial, e ambos não deixaram de perceber
que fazia um ano que Dante não saía de casa à noite, desde a
morte de Alexei.
Até fingir que ia dormir para depois sair se esgueirando pela
janela do quarto, logo acima do telhado da garagem, pegar a
bicicleta até o ponto de ônibus, o ônibus municipal de Nova Jersey
até o centro de Montclair, fazer a baldeação da Penn Station de
Newark até a Penn Station de Nova York, sem falar do metrô até a
rua 116… Dante acabou chegando atrasado.
Quando chegou ao ponto de ônibus onde encontrara o Jaqueta
Camuflada à tarde, não havia ninguém ali.
Que ótimo.
Verificou o horário no celular.
Meia-noite e quinze. Estou atrasado. Mas onde está Sana?
Ela não estava atendendo seu celular costumeiro, não havia
atendido desde que Dante pegara o ônibus. E ele não podia ligar
para o celular descartável; aquele número estava no seu celular
descartável, aquele que o Jaqueta Camuflada lhe tomara.
Droga.
As únicas pessoas na rua eram um grupo de garotas rindo e se
pendurando umas às outras no frio enquanto atravessavam a rua
rumo ao campus da Barnard College.
E se eles já vieram? E se Sana estava aqui e alguma coisa
aconteceu? Que idiota, pensar que eu podia vir aqui e bancar o
herói…
Talvez seu pai estivesse certo. Talvez ele precisasse de um plano
novo para sua vida, porque se dedicar ao cumprimento da lei não
parecia ser algo para ele.
Então Dante notou uma van branca meio surrada ao lado da
Broadway, em frente a uma barraca de frutas fechada. O motor
estava ligado, e uma fumaça branca se formava atrás dela no frio.
Será que é o traficante? Por qual outro motivo alguém estaria ali
esperando? Nenhuma das lojas está aberta. O que estão
esperando, se não eu?
Permaneceu observando por um instante, depois cobriu a cabeça
com o capuz e atravessou a rua na direção da van. Eles podem ter
visto alguma coisa. Podem saber se ela foi embora com alguém.
A janela do motorista estava escura quando Dante bateu no vidro.
– Ei. Posso falar com você um instante? Eu só tenho uma
pergunta…
Quando a janela se abaixou, a primeira coisa que ele viu foi o
rosto de Sana, com os olhos arregalados, amarrada e amordaçada
no banco do passageiro. Quando se virou para ver o motorista,
acabou levando o que parecia ser um spray de pimenta nos olhos.
Ardeu tanto quanto ele imaginava que um spray de pimenta arderia,
mas, quando esfregou os olhos, sentiu grânulos de areia neles.
Dante não precisava ser nem um gênio nem um cientista para
determinar o que era aquilo.
Fé. Fui exposto…
E então ouviu o baque de metal contra osso – sentiu um clarão de
dor atravessando o corpo –, vislumbrou os olhos de Sana se
arregalarem ainda mais quando ele pendeu para a frente e
aterrissou numa poça contendo uma substância preta semelhante a
tinta e que beirava a inexistência.

***

Foi a dor na cabeça que acordou Dante.


Puta merda, como dói…
A dor começava perfurando no alto do crânio e descia até o meio
do cérebro, ao melhor estilo Humpty Dumpty12 – só que os
cavaleiros do rei pareciam arrancar com uma colher o interior
aquecido a fim de comê-lo no café da manhã.
Todos os receptores de dor da minha cabeça estão pegando fogo.
Cada um deles.
Até mesmo os folículos dos cabelos doíam quando ele tocou o
alto da cabeça. A pele ardia, e os nervos por trás dos olhos se
empurravam contra os globos oculares. Dante quis enfiar um garfo
ali dentro para arrancá-los, em busca de aliviar a pressão.
Estou morrendo. É assim que a gente se sente quando vai morrer.
Só pode ser.
Não consigo imaginar como é se sentir pior do que isto.
Daí, o ato de pensar passou a doer demais, e ele acabou
desmaiando.

***

O mundo ainda estava borrado, escuro nas extremidades, mais


iluminado no centro, quando Dante percebeu que retomara a
consciência.
Tentou enxergar. Esperou um momento, mas seus olhos não
foram capazes de focar da maneira como deveriam. Ele estava
preso numa espécie de perpétuo torpor, meio acordado, meio
sonhando.
Lute contra isso.
Seu corpo estava pesado e lento, e sua mente só queria
submergir para a escuridão cálida da qual acabara de se libertar.
Não.
Não deixe que ela leve você.
Você nem sabe quanto tempo já ficou apagado.
Dante pensou no homem nos trilhos do metrô.
Fé…
Lembre-se. É a droga. Você não será capaz de resistir para
sempre, mas tem que tentar…
Fechou os olhos. Tentou tocar no olho que latejava, mas notou
que não conseguia mover a mão. Ele não passava de um fantoche
inerte, uma forma rígida. Era provável que parte do cérebro já
estava comprometida o bastante para permanecer imóvel, à espera
de instruções adicionais. Contudo, ele ainda dispunha de uma
mente consciente, e isso era alguma coisa.
Tudo bem. Não consegue enxergar? Não olhe, gênio.
Você tem outros sentidos. Escute.
O que tem lá fora?
Vozes, ecoando.
Um som breve e metálico.
Algo pesado sendo arrastado contra uma coisa dura.
Seria concreto?
Alguma instalação industrial.
Não é um lugar destinado a pessoas.
Já conseguia ouvir um indistinto murmúrio de muitas vozes,
algumas mais distantes, outras muito mais próximas. Todas vindas
do alto, de cima da sua cabeça.
Então estou no chão, eles estão de pé acima de mim.
O eco significa que o lugar é amplo. Talvez imenso.
Um armazém.
Quantas outras vozes ele tinha ouvido? Centenas? Milhares?
Tentou discernir uma da outra, mas todas começaram a se fundir, e
ele descobriu que perdera a conta quando tentou defini-las.

A voz surgiu no fundo da sua mente, indistinta com uma espécie
de estática neural, como se saísse de um imenso alto-falante
acoplado em seu crânio.
Os fiéis…
Dante tentou se concentrar nos outros sons, naqueles que não
vinham da sua cabeça. Daqueles que emanavam do espaço ao seu
redor.
Trabalhando.
O som metálico é isso, ferramentas.
Maquinários.

Como esta voz entrou na minha cabeça?

Como faço para isto parar?

Acho que vou ficar enjoado.
Dante abriu um olho.
Deparou com o contorno borrado de caminhões, quase do
tamanho de petroleiros. Um céu retangular atrás deles. A porta de
uma garagem, porém maior.
A porta de um compartimento de carga.
Vinda da rua.
A voz voltou pela terceira vez.

Não vou me desgarrar, Dante pensou.

Não os trairei, Dante pensou.

Uma causa, Dante pensou.
Espere aí…
Tentou se forçar a refletir acerca das palavras.
Não preste atenção…
Era mais difícil do que parecia.
Pare-pare-pare-pare-pare…
Tentou não ouvir nada que ecoasse de sua mente.
Esforçou-se à procura de enxergar pela visão periférica. No lado
externo do armazém, observou grupos imensos de pessoas,
arrastando-se pelo chão, trabalhando em algo, embora ele não
conseguisse enxergar bem o bastante para determinar de que se
tratava.
Um quebra-cabeça gigante?

Hoje é o dia em que – Hoje é o dia em que – Hoje é a, bê, cê, dê,
ê, éfe, gê…
Vamos. Só pense em qualquer outra coisa que não nas palavras,
Dante pensou.

O dia em que – bê, cê, dê, ê…
Ele não aguentava mais.
Grunhindo, rolou lentamente de lado, suando com o esforço.
Viu um rosto borrado, o único que conseguia distinguir em meio à
distorção aquosa ao seu redor. Sabia que pertencia à garota deitada
ao seu lado, mesmo estando fora de foco assim. Porque a conhecia.
Sana, ele tentou gritar.
Seus lábios mal se moveram, e nenhum som saiu.
Juntou todas as suas forças e empurrou um braço para longe,
lançando-se e rolando na direção dela. E, quando começou a se
mover, viu algo.
Ali, uma mancha escura no que, de outro modo, era um borrão
indistinto de tons de cinza, havia um objeto largado perto do bolso
dela.
Um celular.
O celular descartável dela.
Ela devia ter carregado consigo.
Esforçou-se para alcançá-lo, os dedos se arrastando pelo
concreto áspero, centímetros a cada vez. Devagar, mas, finalmente,
os dedos alcançaram o aparelho, apertando-se ao seu redor quando
ele rolou de costas.
Apertou uma tecla qualquer. E depois outra.
– Alô?
Ao longe, muito acima da sua cabeça, um rosto surgiu em seu
campo de visão.
– Alguém aí?
Estava borrado, quase que em baixa resolução, mas, de onde ele
estava, só podia ser imenso.
– Sana? Dante? São vocês?
O rosto era misterioso. Ele o encarava como se estivesse numa
altura absurda, mas Dante perdera toda noção de tempo e de
espaço, portanto não sabia o que estava vendo de fato.
Ele sabia, porém, que devia estar sob a influência da droga,
porque tudo ao seu redor se tornava cada vez mais irreal.
Até o rosto para o qual olhava agora.
Especialmente o rosto.
Impossível.
Poderia ser? Não…
Estou alucinando.
É a Fé.
Mas ele arregalou os olhos e mirou pela segunda vez, só para ter
certeza.
Aquele era…
O Homem de Ferro?
Humpty Dumpty é uma personagem de uma rima enigmática
infantil, melhor conhecida no mundo anglófono pela versão de
Mamãe Gansa na Inglaterra. Ela é retratada como um ovo
antropomórfico, com rosto, braços e pernas. Na versão original:
Humpty Dumpty sat on a wall / Humpty Dumpty had a great fall / All
the king’s horses and all the king’s men / Couldn’t put Humpty
together again, os cavaleiros do rei tentavam colar suas partes após
ele ter sofrido uma queda. (N.T.)
CAPÍTULO 28: NATASHA
FORÇA DE REAÇÃO RÁPIDA DA OTAN CAMPO DE
TREINAMENTO, BASE MILITAR ADAZI A CINQUENTA
QUILÔMETROS DE RIGA, LETÔNIA

Quando Natasha aterrissou no acampamento Adazi da , já


ficara no ar por quatro horas. Ocupou grande parte desse tempo
relembrando antigas missões e revisitando erros passados. Vendo
fantasma após fantasma do seu passado, às vezes até mesmo
fantasmas de si mesma.
Reconhecera todos.
A imagem veemente do Y causara isso.
Foi naquela hora que ela soube.
Você…
Claro que é você…
Mas teria sido impossível esquecer, com ou sem a ligação direta.
Não sou nenhum anjo, ela dissera.
Nem eu, Natasha respondera.
Essa era a maldição da Viúva Negra: lembranças feitas à base de
adrenalina, indeléveis, gravadas para sempre, pouco importando
quantas camadas tenha o palimpsesto. Quanto mais queria
esquecer, mas difícil se tornava não se recordar. Não ver um rosto
na multidão. Não sentir uma sombra pairando sobre seu ombro.
Porque certos fantasmas estavam sempre presentes, e sempre
estariam.
Ivan. Alexei. Clint, como costumávamos ser. Bruce, como
poderíamos ter sido. O Capitão e Tony, na época que a Iniciativa
Vingadores ainda trazia à tona o melhor de todos. Coulson, Maria e
Fury, antes da Hidra.
Um dia Ava também será um fantasma – assim como eu sou.
Assim como a Garota do Vestido Verde é.
Assim como…
Pegou o rádio, inquieta.
Eu devia saber.
Ela não queria pensar nisso agora, assim como não queria pensar
nunca. Ficou se perguntando por que demorara tanto para unir os
pontos, como se uma pequena parte sua não quisesse descobrir,
não lhe permitisse enxergar.
Como se alguma coisa pudesse manter o inevitável afastado.
Não desta vez.
– Controle Missão, aqui é Natasha Romanoff. Estou adentrando o
espaço aéreo da Letônia sob a égide do Departamento de Defesa
dos Estados Unidos, vinda do USS Kirby. Alguém do Estado-Maior
Conjunto deve tê-los avisado. Entendido?
Estática.
Francamente? Às vezes Natasha achava que era mais fácil lutar
contra alienígenas.
Uma pena, pessoal.
Não consigo ir aonde vou com um veículo militar norte-americano,
e vocês são o ponto de táxi mais próximo das redondezas.
Mas, quando o rádio estalou de volta, ela soube que não teria
com que se preocupar.
– Bom dia, Natasha! Bem-vinda à base Adazi e à Força de Ação
Rápida do Atlântico da . Fomos avisados de que você poderia
aparecer. Você tem autorização para se aproximar.
Ela inspirou fundo. Meia hora para se livrar do helicóptero, meia
hora para apanhar um voo charter do aeroporto de Riga. Noventa
minutos após a decolagem, o voo da Aeroflot 2103 aterrissaria no
aeroporto Sheremetyevo, ao norte da cidade que era o lar de um
dos fantasmas com quem ela precisava desesperadamente falar,
naquele exato momento.
Moskva.
Moscou, a cidade dos anjos vermelhos e dos fantasmas de ferro.
A sua cidade, Yelena. Você deixou isso claro.
Estou chegando. Está feliz?
Finalmente? Era isso o que você queria?
Tome cuidado com o que deseja, cara Viúva.

***

Quatro milhões de toneladas de carga. Quatro milhões de


oportunidades de empurrar a Fé para além das fronteiras do Rodina.
Era o motivo de Natasha estar ali.
O escritório moscovita da empresa Despacho Global Veraport,
uma divisão da Holding Internacional Luxport, ocupava um edifício
bege baixo num centro de negócios de aparência comum no lado
leste fora do centro da cidade. Veraport estava inserida sob um
viaduto que ligava as margens do rio Moscou.
Sentada no interior do Kofemaniya, do lado oposto da rua,
Natasha comia pão com queijo e bebia um café forte e amargo –
enquanto ignorava as mulheres com golas de pele de animal ao seu
redor. Observava, em vez disso, o prédio através da vitrine do
estabelecimento.
Verificou seu Bracelete. Veraport era acessível por Moscou, mas
se conectava via trem por Vladivostok, onde o enorme porto
comercial, na baía Golden Horn, permanecia aberto durante todo o
ano, apesar do gelo. Quatro milhões de toneladas de carga
passavam por Vladivostok todos os anos, e quem é que podia saber
quantos desses contêineres desregulamentados atravessaram o
controle de fronteira e a que custo? Alguns milhares em subornos,
provavelmente pagos em euros, uma moeda mais fácil de usar
quando se leva a amante para passear em Paris num fim de
semana?
Quantos desses contêineres também transportavam a droga Fé?
Quanto tempo levara para espalhá-la da Europa Oriental para as
Américas do Sul e do Norte?
E em que outros lugares ela está agora?
Voltou a olhar através da janela e suspirou. Sabia que não podia
esperar mais. Estava na hora de enfrentar a realidade.
Ele não vem.
Você terá que fazer isto sozinha.
E não é um problema. Você já devia estar acostumada com isso a
esta altura.
Você está.
Fechou os olhos e inspirou lenta e profundamente. Não tinha a
mesma capacidade mental de Ava. Não se ligavam ao elo quântico
do mesmo modo e jamais se ligariam. Só porque Ava conseguia
vivenciar alguma inexplicável parte do universo quântico, não
significava que Natasha também conseguiria.
Não importa se você queira chamar isso de espírito ou até mesmo
de fantasma…
Não importa quanta saudade você sinta…
– Não estamos fazendo isto. Diga que não estamos fazendo isto.
Aquela voz. A voz dele.
Quando ela abriu os olhos, seu irmão Alexei – o que quer que
aquilo fosse, o que Ava via dele – estava sentado na cadeira à sua
frente.
– Você está avaliando o lugar? É isso o que está acontecendo? É
uma investigação?
O cabelo dele estava bagunçado. A pele, bronzeada. Os olhos
estavam aguçados e brilhantes. Era o Alexei do qual se lembrava…
O Alexei que ela e Ava amaram. O Alexei com quem andaram pelas
ruas de Istambul, aquele que entrou na briga ao lado delas.
Ele agora estava vestindo as roupas de treino físico da
. . . . . ., como se fosse um dos colegas de turma de Ava. Uma
pessoa com um futuro, em vez de apenas um passado.
Ele baixou o olhar para si mesmo.
– Isto é sério?
Ela se viu retribuindo o sorriso dele, apesar da estranheza do
momento.
– É bom ver você. Eu não tinha certeza de que viria – ela disse,
empurrando a xícara de café pela mesa num círculo. Baixou o olhar
para a xícara, como se conseguisse continuar olhando para ele.
Estava com medo demais, sentada ali na Kofemaniya e cercada por
chapéus de pele, de acabar se descontrolando.
– Bem, da próxima vez que alguém disser “escolha o lugar para
almoçar”, não responda “Moscou”.
Ela o contemplou.
– Não sei exatamente como Ava faz isso, quando ela o vê. Mas
pensei que havia uma chance, uma vez que tenho visto vislumbres
seus, de quando ela fala com você, de que, talvez, eu mesma
conseguiria vê-lo. – Deu de ombros. – Com ou sem a Ava.
– E? – Alexei perguntou, erguendo uma sobrancelha. – O que
está acontecendo, Tasha?
Ela franziu o cenho.
– Não consigo explicar, mas acho que está tudo naquele prédio
ali. Tudo. As respostas. A Sala Vermelha, Ivan, tudo isso. O motivo
de tudo, desde o início. A única pessoa que falta incluir na equação.
Ela estará lá. É disso que tenho medo. É por isso que preciso de
você, só que não consigo dizer isso.
Nem mesmo para uma pessoa morta.
– Yelena Belova. – Ele olhou através da janela. – Na Veraport?
Acha mesmo que ela tem algo a ver com tudo isso? Mais do que
apenas uma ligação com a Sala Vermelha?
Os olhos de Natasha continuavam fixos no prédio do outro lado.
Ela só conseguiu assentir. Tentou falar, mas a garganta estava
apertada, e ela pigarreou. Quando voltou a olhar para ele,
recompôs-se. Ela se recompôs ao olhar para Alexei, motivo pelo
qual precisava dele ali, naquela hora.
– É isso que vou descobrir. E acho que só… que só preciso de
alguém na minha retaguarda – falou ela.
– Só que você sabe que não precisa – ele disse, fitando-a. – Com
ou sem Yelena. Nunca precisou. Você é a sua própria retaguarda.
Mas estou aqui, se isso faz com que se sinta melhor.
Ele pareceu quase desapontado, o que era engraçado, Natasha
pensou, visto que de fato ele não estava ali. Por que eu imaginaria o
meu próprio irmão voltando do túmulo desapontado? Em vez de
com saudade de mim, sua única irmã? Que tipo de cabeça
desgraçada eu tenho?
– Você não está nada desgraçada. Você está bem. Sou eu. Não
costumo sair muito – Alexei respondeu. Inclinou-se para a frente. –
E claro que senti sua falta, Tash. Não seja boba.
Natasha sorriu ao olhar para o prédio do outro lado.
– Tudo bem. É possível que tenhamos que explodir algumas
coisas.
Alexei sorriu.
– Agora sim, é assim que eu gosto.

***

Natasha quebrou a maçaneta da porta telada de ferro que


mantinha o contêiner de lixo no lugar. A não ser pelo odor mais
pronunciado de leite azedo e de repolho velho em comparação com
o centro de Manhattan, aquilo era um porão como outro qualquer.
Estacionamento, lixo e depósito. Elevadores profissionais subindo
até os andares dos escritórios. Escadas de serviço conduzindo para
baixo, no porão onde estava a fornalha, e para cima até o telhado.
Natasha perscrutou a lista emoldurada em latão junto aos
elevadores. Ali estava.
V . Sétimo andar.
Alexei estava ao lado dela.
– Você tem um plano, ou isto vai seguir o padrão invada-e-mate-
os-bandidos?
Natasha olhou de esguelha para ele.
– Sabe que, para variar, não sei como responder a isso. Não sei o
que ela quer de mim.
Yelena. Sei que tudo isto vem de você. Só pode. Não existe outra
explicação.
O que você quer?
– Não tem como isto ser bom – Alexei suspirou.
– Não. – Ela balançou a cabeça. – Que tal, então, se nós
entrarmos de uma vez e verificarmos, em vez de entrarmos
atirando? Só porque, sei lá, podemos conversar.
– Desde quando Natasha Romanoff dá a mínima pra conversar?
– Ok, interrogar, então.
– Ah. Certo. Você cuida da parte da conversa, eu fico só ouvindo.
– Ele deu uma piscadela.
– Você falou que nem o Tony. Que assustador. Pelo menos você
foi poupado de mais anos na companhia dele, agora que você… –
Ela não terminou a frase.
– Seguiu em frente? – Ele sorriu. – Está tudo bem. Não é como se
eu não soubesse o que aconteceu. – Ele ergueu uma sobrancelha.
– Isso sim seria constrangedor.
De repente a porta do elevador se abriu, e eles se viram
encarando o interior de um caixote espelhado vazio.
– Você apertou o botão? – Alexei perguntou.
– Pensei que você tivesse apertado – Natasha respondeu,
estreitando os olhos.
Ele ergueu as mãos não corpóreas.
– Lamento. Não consigo.
Ela o fitou de modo interrogativo, e ele só deu de ombros.
Entraram no elevador. Um painel digital acima dos botões ainda
exibia a origem do elevador.
O sétimo andar.
– Tenho a sensação de que este seja o elevador expresso –
Natasha comentou, pegando a Glock da cintura e verificando a
trava.
– Eu gostaria de poder ajudar mais. – Alexei assentiu. – Mas, olha
só, pelo menos você não tem que se preocupar com a possibilidade
de eu me machucar. – Ele a fitou, e ela sorriu com tristeza.
– Para variar – comentou.
Seis andares mais tarde, o elevador emitiu o som de uma
campainha quando foi desacelerando para parar.
As portas deslizaram ante sua abertura, e os dois heróis saíram
para a recepção da Despacho Global Veraport…
Ou, pelo menos, o que restava dela.
Com a arma ainda empunhada, Natasha investigou o espaço,
embora não parecesse haver ninguém ali. O lugar fora incendiado,
do teto ao chão. Cinzas pretas eram só o que restava das paredes e
do piso. A maior parte do interior havia sido explodida. Apenas as
janelas permaneciam intactas. O lugar estava vazio, com exceção
dos escombros e de algumas cadeiras enegrecidas caídas de lado.
Ela pegou uma lata de lixo queimada e a derrubou. Depois
cheirou os dedos – até lambeu um deles.
Magnésio. Você deve gostar mesmo dessa coisa. Bem básico,
mas tudo bem.
Você deve ter usado um belo tantinho disto para explodir este
lugar. Estimo que dez a vinte vezes mais do que o usado na Harley.
– Ei, Nat? – Alexei a chamou da sala ao lado. – Não sei bem o
que você achou que encontraria aqui, mas me parece que outra
pessoa encontrou primeiro.
– Talvez – Natasha disse, andando em meio aos escombros para
chegar até ele.
A sala seguinte estava igualmente horrível. Ela puxou uma das
placas empenadas do teto, que cobria os restos de um gaveteiro
para escritório, e a jogou no chão. Quando puxou a maçaneta da
gaveta superior, porém, ela ainda estava trancada.
Natasha franziu o cenho.
– Não parece estranho para você? Que este lugar esteja inteiro
destruído, mas ainda exista uma peça de mobília aqui… trancada,
ainda por cima?
Alexei deu de ombros.
– Alguém estava com pressa de sair.
– Ou simplesmente deixou algo para trás – Natasha disse.
Alexei assentiu.
– E depois nos mandou direto para cá de elevador para
encontrarmos isto? – Ele franziu o cenho. – Acha que estamos
sendo observados?
Ela deu de ombros.
– Quantas câmeras de segurança você contou no saguão?
– Uma perto dos elevadores, duas no saguão principal, outra junto
à porta pela qual entramos, e mais quatro, nos cantos do porão –
ele disparou.
– Muito bem – ela elogiou. – Oito câmeras de segurança e
nenhum carro no estacionamento do porão. O que isso lhe diz?
– Me diz que é melhor nos mexermos logo para abrirmos esse
arquivo.
Ela mirou a Glock com ambas as mãos e deu dois tiros
sucessivos.
– O bom e velho tiro duplo – Alexei suspirou.
O porta-arquivos deslizou, abrindo-se – e agora ela conseguia
enxergar que havia algo dentro. Um notebook preto, também
coberto por cinzas.
– Essa coisa deve ter fritado. Ou assado aí dentro, como se
estivesse num forno – Alexei comentou.
Ela sacudiu a cabeça.
– Ele não estava aí. Não durante o incêndio. Não devia haver
cinzas; não há nenhuma no arquivo. Ele é de aço.
Ela se ajoelhou e retirou o excesso de escombros com o braço,
esfregando-o pela extensão do concreto. Em seguida, depositou o
computador com cuidado à sua frente e o abriu.
Um ponto piscante surgiu no meio da tela.
C .
Ela franziu o cenho, mas passou o dedo pelo touchpad até o
cursor se mover e deu dois cliques nas palavras.
Uma janela se abriu na tela.
– É algum tipo de uplink. Uma videoconferência ou algo assim –
ela disse.
– Mas não um vídeo? – Alexei perguntou, agachando-se na
sujeira ao lado da irmã.
– Acho que é ao vivo – Natasha disse. – Deve ser ela.
– Yelena? – Alexei perguntou.
Daí Natasha ouviu a gargalhada – e uma loira surgiu na janela da
tela diante de si.
Natasha a encarou.
Não era Yelena Belova.
– Está falando sozinha? Esta é a grande estratégia operacional
secreta da Viúva Negra? Maluquice?
Estrutura facial eslava, Natasha pensou. Olhos afastados, negros
como o carvão. Feições largas. Um vestígio dos Urais…
É ela, a Garota do Vestido Verde.
O cabelo da garota era curto agora, e Natasha percebeu que os
cabelos castanhos longos deviam ter sido uma peruca. Ela se
sentou diante do computador, e o cômodo atrás dela pareceu uma
espécie de laboratório industrial, com paredes de metal corrugado, e
equipamento pesado ao redor.
Mas… você? Não era para ser você, Natasha pensou. Você não é
o meu fantasma.
Pelo menos, não o fantasma certo.
E você é tão jovem. Jovem demais.
Algo está errado.
Tudo isto está muito errado.
– Pare de me encarar. Que falta de educação – a garota disse. –
E os modos, Natasha Romanoff ? Foi educada por animais?
– Não – Natasha respondeu. – Mas não era você quem eu estava
esperando.
– Não se trata de um erro. Sou muito mais do que você esperava
– inferiu a garota, gargalhando de novo. – Também sou muito mais
do que você jamais será. Você e a sua triste sestra de mentira.
Sendo bem sincera, não sei o que tio Ivan achou de tão interessante
em qualquer uma de vocês duas. Mas, pensando bem, quando foi
mesmo que a honestidade ajudou alguém? É o que pergunto pra
você.
– Ah. Então você é da Sala Vermelha – Natasha disse. – Como
Yelena. Como eu.
Foi a declaração de um fato, não uma pergunta. Era uma
manifestação verdadeira em cada palavra que a garota proferia, em
cada movimento. A confiança. A crueldade. A estratégia.
Natasha quase ouviu Ivan discursando. É um jogo mental, ptnets.
Não jogue se não é capaz de ganhar, e nunca, jamais, mostre
menos do que uma mão vencedora…
– Sala Vermelha? Sou muito mais do que isso, ptnets. – A garota
sorriu, erguendo uma sobrancelha num desafio, como se o apelido a
divertisse, como se a infância inteira de Natasha a divertisse. E
desafiava Natasha a dizer o contrário.
Ptnets. Filhote de pássaro. O apelido de Ivan para o seu bichinho
de estimação Romanoff. A palavra fez o sangue de Natasha ferver;
sempre fora assim.
Natasha ergueu uma sobrancelha. Ora, venho jogando esse jogo
há muito mais tempo do que você, menina. Então por que não volta
correndo para o seu ninho? Ela sorriu. Volte de novo quando estiver
pronta para mim.
Dessa vez, Natasha manteve a voz estável.
– Você pertenceu a Ivan, então? Você foi a devushki Ivana da sua
época? – As garotas de Ivan. Eram chamadas assim na Sala
Vermelha. Seus bichinhos de estimação especiais. Natasha fora um
deles, e a lembrança disso lhe provocava um mal-estar físico.
– Se pertenci a Ivan? Claro que não. – A loira pareceu
amargurada por um instante, depois escarneceu: – Ivan e Yuri não
apenas me criaram. Eles pertenceram a mim. – Os lábios dela
sorriram, ou rosnaram, quase com triunfo. Estava se gabando. Mas
então, tão rápido quanto surgiu, o sorriso desapareceu. – Até você
levar os dois embora, os meus dois tios, e tive que assumir por eles.
– Tios? Ivan Somodorov tinha uma irmã? – Natasha tentou pensar
a respeito. Seria possível? Deixei algo escapar? Ivan teria
conseguido esconder de mim algo tão importante quanto a própria
irmã?
– Ivan teve a minha mãe. Eu tive Ivan. Yuri foi… ah, não sei, algo
mais parecido com um irmão, talvez um primo? Acho que é assim
que você pode encarar isso.
Por que ela me parece tão familiar?
– O meu nome é Helen Samuels.
E por que esse nome não é me estranho? As duas mulheres se
encararam através do link de vídeo. Natasha tentou encontrar o seu
caminho naquela situação.
– Posso ajudar você em algo, Helen? As coisas andam meio
atribuladas nestes últimos dias… com esse papo dos ataques a
míssil… mesmo quando você não está tentando me matar.
– Sinto muito por isso. Venho tentando chamar a sua atenção,
mas, aparentemente, você é uma garota muito difícil de chamar a
atenção.
– Como já disse, andei ocupada. – Natasha deu de ombros.
– Tentei o magnésio, mas você não se lembrou de como
aprendemos sobre detonações básicas na Sala Vermelha.
– Eu lembrei – Natasha disse, com cautela. Continue falando, sua
psicótica…
Helen fez beicinho.
– Tentei hackear, mas você não pareceu entender que eu era o
seu Anjo Vermelho.
Natasha olhou para ela.
– Acho que me distraí com aquela coisa do “vou te matar”.
– Então, depois disso, tive que utilizar uma tela ligeiramente
maior. Que pena.
Natasha estava tendo bastante dificuldade em manter a
compostura agora.
– Anjo de Ferro? Fantasma de Ferro? Você destruiu
aleatoriamente oitocentos anos de cultura siciliana, e também
ameaçou quantas? Três cidades? Atacou a Marinha russa, e não
vamos nos esquecer dos reatores nucleares chineses, além de
aterrorizar, digamos, boa parte do planeta por causa de um jogo de
palavras?
Helen deu de ombros.
– E, no entanto, cá está você.
– Da próxima vez, tente mandar uma mensagem – Natasha disse.
– Não haverá uma próxima vez. Por que acha que tive que trazê-
la até Moscou? Yuri tinha tantos planos para suas preciosas
bombas, para a sua Fé, para a disseminação da nossa rede em
todo o mundo. Mas, no fim, o que ele queria de fato? Poder. Medo.
Por que perder tempo? Fiz as contas e fui direto ao ponto. – Helen
suspirou. – Você ainda não entende. E eu pensava que fôssemos
espíritos afins. Você sabe, mentes símiles…
Mentes símiles… de onde vem isso? Stark dissera algo
semelhante, não? De repente, as peças começaram a se encaixar.
– Tony – Natasha disse de pronto. – Claro. Você é uma das
“mentes símiles” dele. Você foi estagiária de Tony Stark. O
laboratório de ideias.
– Isso mesmo – Helen concordou. – Agora segui em frente para
explorar novas oportunidades. Não é assim que se diz em
entrevistas de emprego?
– Você é aquela aluna de Rodes, de quem ele não parava de
falar. A adolescente da Rússia de Tony Stark, é assim que ele a
chama. Você recebeu o Prêmio Stark em física quântica.
– E em química molecular, embora eu admita que exista algo na
palavra “quântico” que sempre parece atrair os holofotes.
– Por que está fazendo isso, Helen? Tony mencionou que você
era promissora, que tinha muito futuro.
– Eu tinha. E tenho. Espere, vou lhe mostrar o que prometo fazer.
– O ângulo da câmera virou de repente, tremendo. – Que seria
arruinar a sua vida do modo como arruinou a minha. Matando os
seus pintinhos, ptnets, assim como você matou Ivan e Yuri.
Ela pegou o computador. Para o que estou olhando?
– Você está aí porque eu estou aqui – disse a voz de Helen.
A tela agora mostrava um armazém tomado por trabalhadores
vestindo camisetas amarelas claras, movendo-se diligentemente
pelo espaço cavernoso.
Helen voltou a falar:
– Enquanto estou aqui, estou ocupada, e preciso que me deixe
sossegada.
O lugar deve ter o tamanho de um campo de futebol.
No meio, Natasha via três figuras gigantescas, coloridas, embora
fosse difícil determinar o que elas eram.
Velas? De um barco. Tecido, para uma cabana?
Um contêiner de despacho marcado V estava
estacionado no fim do armazém.
– Você estará em Moscou, por isso não poderá ver o espetáculo
pessoalmente, mas prometo que ele será espetacular. Até mesmo
para os padrões de Nova York.
Claro que ela está em Nova York. É por isso que se certificou de
que eu não estivesse.
Natasha sentia que estava começando a perder o controle.
– Não sei, não. Os nova-iorquinos ficam entediados com rapidez.
Agora que você já usou todos os seus fogos de artifício,
provavelmente já caiu na rotina.
– Acredite em mim. Os fogos de artifício estão apenas
começando. Tenha um pouco de fé, Natasha.
Essa fala já está começando a me irritar…
– Até mesmo os seus amigos têm – Helen disse, fora da tela, e
deixou a câmera cair, de modo que, por uma fração de segundo,
Natasha conseguiu ver duas pessoas deitadas no chão.
Dante e Oksana? Como foram parar ali? E onde estão eles…?
Onde está Ava?
Helen voltou a câmera para seu rosto, e lhe sorriu.
– Helen – Natasha falou com cautela –, por que está fazendo
isso? O que isso tem a ver comigo? Ou com a sua preciosa Fé?
– Era Yuri quem queria aterrorizar o mundo. Eu só quero
aterrorizar você. Deixe-me colocar da seguinte maneira:
matematicamente falando, o método de dispersão mais eficiente da
partícula da Fé é por aerossol, e a densidade populacional por
metro quadrado de Nova York aumenta cem por cento durante
alguns fins de semana em especial. Em dois, mais precisamente.
No Ano-Novo da Times Square e…
– No Desfile das Festividades Stark – Natasha completou,
atordoada.
Helen sorriu para a câmera, o rosto num ângulo torto, próximo à
tela.
– Sabe, eu amo demais balões. Você não? Espero que seus
amigos gostem. E a sua cidade também.
A estática tomou conta da imagem do vídeo.
– Não faça isso. – Natasha ergueu a voz. – Helen!
As imagens da tela ficaram borradas, e Natasha sentiu uma onda
de raiva.
– Onde está Yelena, Helen? Sei que ela está por trás disto. Diga a
ela para vir brigar às claras. Não finja que ela não está, de alguma
forma, envolvida nisto…
– Não se preocupe com ninguém além do Alfa, que pode controlar
cada habitante exposto de Nova York. Esse é o meu conselho,
ptnets.
Em seguida o link do vídeo foi cortado, e a tela escureceu.
– Helen!
Só a voz de um fantasma pairou.
– Eu ia matar você, mas aí concluí que seria piedoso demais.
Agora vou tirar os passarinhos do ninho enquanto você assiste. É
uma queda bem íngreme até o chão, Natasha. Você ficará surpresa
com que velocidade eles cairão.
Na última sílaba, o notebook emitiu uma faísca e entrou em
combustão.
– Der’mo… – Natasha xingou, arremessando o computador
contra uma parede com o máximo de força que conseguiu. Ele se
partiu na metade e foi deslizando em meio aos escombros, soltando
faíscas e entrando em curto-circuito.
Natasha estava agitada. Não era um lado seu que revelava com
muita frequência, mas não conseguia se conter agora.
Sentiu como se as paredes estivessem se fechando ao seu redor,
e não conseguia pensar, não conseguia montar uma estratégia, não
conseguia fazer nenhuma das coisas que a mantinham viva – e que
a tornavam quem era – em grande parte da sua vida.
– Você está bem, Tash? – A voz de Alexei veio de trás dela.
Ela tocou no fone no ouvido.
– Coulson? Coulson, consegue me ouvir? – Mexeu no fone de
novo. – Tony? Você está aí? – Dessa vez, deu três toques no fone. –
Ava? Ava, sou eu.
– Tasha! – Alexei a atravessou, virando-se para ficar de frente
para ela. Parecia que ele queria agarrá-la e sacudi-la, mas as mãos
pairaram no seu estado imaterial.
Ela o fitou com os olhos arregalados.
– Olhe para mim, Tasha. – Alexei moveu o rosto para ficar
imediatamente diante do dela. – Controle-se. Você está em Moscou.
Ela está em Nova York. Você tem poucas horas para voltar para a
cidade e você tem que se mexer agora. Um passo de cada vez. Só
pense nisso.
Ela tentou olhar para ele, mas seus olhos estavam marejados de
lágrimas.
Você não está aqui de verdade, Alexei.
Você se foi. O meu irmão se foi.
Não consigo pensar no que fazer, porque você morreu.
Todos vão morrer porque você morreu, e eu não consigo pensar.
Porque não consegui salvar você.
Fechou os olhos.
Por causa de Ivan e de Yuri Somodorov. Helen Samuels. Yelena,
envolvida nisso tudo de alguma maneira.
E eu.
Por minha causa.
Porque estou perdida e cansada, e meu cérebro está cheio de
algodão, só que é o tipo de algodão que machuca…
– Natashkaya! – Alexei berrava agora. – Pare com isso! Estou
aqui. Estou bem aqui. Fique comigo.
– É tarde demais. Aquela psicopata, Helen. Ela está com a Fé.
Quem é que sabe quanto? – Natasha olhou para o irmão em
desespero. – Quem é que sabe quanto estrago ela pode causar?
– Não importa. – Alexei meneou a cabeça. – Esqueça a Fé. Um
passo de cada vez. Você não pode fazer nada até sair daqui, certo?
Natasha encarou o irmão por um momento demorado.
– Tenho que encontrar Yelena – disse por fim. – Sei que ela tem
alguma coisa a ver com tudo isto. E tenho que contar para Ava. Ela
tem que ajudar os amigos.
– Faremos isso. – Alexei olhou para ela. – Daremos um jeito.
Você consegue fazer isso. Consegue deter Helen Samuels. Você
não está sozinha. Estou aqui. Agora vamos.
Ela concordou.
Depois seguiu o irmão morto porta afora, mais uma vez
determinada a realizar o impossível.
CAPÍTULO 29: AVA
TRISKELION S.H.I.E.L.D., EAST RIVER, GRANDE
CIDADE DE NOVA YORK

Helen Samuels. Também conhecida como Elena Somodorova. De


acordo com os bancos de dados da . . . . . ., esse era o nome
dela, da Garota de Vestido Verde. Agora que Ava por fim tinha o
arquivo dela, era difícil deixá-lo de lado.
A história era muito doida.
Elena Somodorova nasceu em Moscou e foi levada para um dos
muitos orfanatos do governo, junto a outros órfãos do Estado; foi
legalmente adotada por Ivan Somodorov aos seis anos, depois
educada numa sucessão de laboratórios de Ivan antes de ser
transferida para um programa acelerado de ensino médio na
Universidade de Pequim.
Adotada por Ivan Somodorov. Ava parara naquela parte na
primeira vez que lera o relatório. Então ela é da Sala Vermelha,
como pensamos. Claro que tinha que ser. Se fosse de outro jeito,
Ivan não teria se dado ao trabalho com ela.
Estudou nos laboratórios de Ivan? Estudou no laboratório da
minha mãe? Ela é mais velha do que eu, não muito, mas é. Será
que comemos à mesma mesa? Fomos submetidas às mesmas
torturas? Não, porque quem sobreviveria a tudo aquilo e ainda
assim consideraria Ivan da família?
Ava continuou lendo.
Elena Somodorova acabou se formando em Oxford e voltou a
Moscou, recebendo certificados em física, química, engenharia
mecânica e algo a respeito de estrutura de dados que Ava não
compreendia muito bem.
Elena era atlética, bela, loira, comunicativa e esperta; um
professor a descreveu como “assustadoramente talentosa”. Outro
comentou que lhe “faltava empatia”. Um terceiro a definiu mais
especificamente como sendo “patológica”.
Claro que ela é patológica. É por isso que Ivan a quis, e o que
Ivan desejou que ela fosse. Ela tentou explodir a Harley enquanto
ainda estávamos nela. O que ela não faria?
Mas havia algo mais acontecendo ali; quanto mais Ava lia os
arquivos de Helen Samuels, mais certeza obtinha. Havia páginas
editadas demais, muitos buracos.
Ava tentou de novo se comunicar com Natasha, embora não
tivesse tido sorte nas últimas horas. Fechou os olhos e lançou a
consciência o mais distante que conseguia, atravessando o
oceano…
Natasha, onde você está? Preciso falar com você.
Não consigo cuidar disto sozinha.
Tony ainda estava com Pepper, preparando-se para o desfile.
Dante e Oksana não atendiam os celulares, nem mesmo os
descartáveis que ela lhes dera do depósito da Academia da
. .. . . .
Não posso esperar mais…
Levou o arquivo consigo e saiu do Triskelion.

***

Tony estava de pé na tribuna, sendo entrevistado por três


diferentes canais de televisão, quando Ava se aproximou à força da
beirada da plataforma.
Ergueu o arquivo.
– Helen Samuels – ela disse.
– Com licença, pessoal. Preciso de cinco minutos. – Saltou para
fora da plataforma, andando até Ava com uma expressão de pânico
no rosto. – Haverá animais, e me disseram que tenho que segurá-
los.
– Helen Samuels – Ava repetiu, segurando o arquivo.
Tony pareceu surpreso.
– Alguma coisa aconteceu com Ellie? Ela está bem? – Ele
pareceu preocupado, o que desconcertou Ava.
– Como assim?
– Ellie. Helen. O que tem ela? A não ser pelo óbvio? – Tony
perguntou.
Ava parou, confusa.
– Espere, qual é a coisa que você considera óbvia?
– Ela é vencedora do Prêmio Stark de Física e Química, claro –
ele respondeu, como se o tamanho do cérebro dela devesse ser
universalmente tão óbvio quanto a cor dos cabelos dela ou sua
altura.
– Ok, então ela supostamente é uma espécie de gênio, certo? –
Ava perguntou. – É o que estou entendendo pelo arquivo dela.
– Ellie não é apenas supostamente. Ela é um gênio. É uma
“Mente Símile” das Indústrias Stark.
– Está se referindo àquela coisa de tanque de pensamento? –
Ava perguntou. – Com todas aquelas patentes malucas?
– Exato. Quem você acha que desenhou a interface neural para o
ComPlex? Quem você acha que criou o gatilho do PopX?
– Você deixou que ela projetasse armas? – Os olhos de Ava já
estavam enormes de arregalados.
– Não armas. Gatilhos. Segurança. Redundâncias. Pequenos
pedaços de um quebra-cabeça muito maior, era nisso que ela era
boa. Solução de passos individuais. Ellie não é uma pessoa de
enxergar o todo, de fato, considerei isso bastante estranho, o quanto
essas duas partes do cérebro dela conseguiam se separar. Mas por
que está me perguntando sobre a Ellie?
– Helen Samuels é a Garota do Vestido Verde – Ava disse,
impotente. – Elena Somodorova.
– Impossível. – Tony tirou o arquivo da mão dela e o abriu. – Está
me dizendo que a pessoa que tentou matar vocês duas é a mesma
pessoa que deixei projetar armas no meu laboratório? – Ele parecia
aflito.
– Tony! Você acabou de me dizer que Helen Samuels não…
– Ellie… Helen… Essa tal de “Elena” nem sequer devia ter tocado
em pedacinhos delas. Ainda assim são armas. Eu fiz isso. Permiti
que ela fizesse isso.
– Você não sabia – Ava disse. – É complicado verificar um
registro hackeado.
Tony estava irado.
– Já é ruim o bastante não examinarem quem compra uma arma.
O mínimo que deveríamos fazer é examinar quem as produz.
– Preciso encontrar Natasha e não consigo encontrar ninguém –
Ava avisou.
– Tenho que fechar a fábrica. Nem sei o que estamos fabricando
agora. Ela pode ter adulterado tudo. – Tony pegava o celular.
– Natasha – Ava disse.
– É você quem partilha uma linha consciente com ela… Procure-
a.
Ela meneou a cabeça.
– É assim que chama isso agora? Linha consciente?
– Como é que eu vou saber como devo chamar isso? Nenhuma
de vocês nunca me deixa examiná-las. – Tony suspirou. – Por que
acha que fui para a ? Pelo menos eles estão dispostos a
pesquisar quantuns…
– E quanto a Dante e Sana? – Ava não estava prestando atenção
a ele. – Existe alguma maneira de rastrear os celulares
descartáveis?
Quando disse isso, seu próprio celular tocou, e ela o atendeu.
Só o que conseguia ouvir pareciam ser botões apertados
aleatoriamente. Olhou para o número e levou o aparelho de volta ao
ouvido.
– Dante? Sana? São vocês? Acho que estão ligando para mim
sem querer…
Nesse momento, Ava achou ter ouvido um sussurro, alguém
tentando falar com ela do outro lado da linha.
E a ligação foi encerrada.
Tony olhou para Ava. Apontou para o celular, ainda tentando ouvir.
– Celular descartável? Consegue localizá-lo?
Ele estendeu a mão.

***

– Isto não faz sentido algum. Está aqui. O sinal. – Tony franziu o
cenho. Ele e Ava estavam sentados no trailer de Stark, do lado
oposto do Rockefeller Center, a peça central do desfile daquela
tarde; na verdade, a peça central das festas de fim de ano para a
cidade de Nova York.
Multidões se aproximavam pelas calçadas dos dois lados da rua
desde o período da manhã. O trailer de Tony era o único lugar em
que podiam se afastar da multidão por tempo suficiente para
conseguirem ouvir o que o outro dizia.
– Onde?
– Não aqui. Está no início do desfile. Onde todos os balões ficam
reunidos. Alguns estão nas ruas no início da rota, outros estão num
armazém um pouco mais distante.
– Por que Dante e Sana estariam ali?
– Por diversão? Um interesse em gás hélio? Aerodinâmica?
Aerossol?
Ava ergueu o olhar, agarrando o braço de Tony.
– O seu laboratório de ideias do Mentes Símiles trabalhou em
algo relacionado a este desfile?
– Não de fato. Nada importante. Talvez o sistema de entrega do
aerossol. Ellie se prontificou a encabeçar a equipe que pegou o
projeto do meu PropX e usou o mesmo sistema de gatilho para inflar
os balões em, digamos, um décimo do tempo…
– Helen Samuels trabalhou num projeto de incorporação de um
aparelho explosivo nos balões do desfile?
– Bem, parece ruim quando você expõe desse jeito, mas…
basicamente foi isso mesmo.
Ava se sentou na beirada do sofá de suede.
– Tony. Balões?
Ele entendeu no mesmo segundo dela.
– Balões.
– Tony. A droga. Fé.
Ele pareceu sério.
– Helen Samuels não estava trabalhando no desfile. Mas no
sistema de dispersão de uma arma química capaz de destruir
Manhattan.
Ava disparou para a porta e para a multidão antes que ele
conseguisse dizer qualquer outra coisa.
Tony estava logo atrás dela.
CAPÍTULO 30: DANTE
DESFILE STARK DE FESTIVIDADES DOS HERÓIS,
ARMAZÉM DO DESFILE GRANDE CIDADE DE NOVA
YORK

Dante acordou com o barulho de botas no chão. Alguma coisa


estava acontecendo – e naquele instante.
Cambaleou, usando o apoio de um engradado de transporte a fim
de se erguer sobre um cotovelo. Os olhos enfim se ajustavam ao
estado quimicamente alterado do seu sangue, e ele descobriu que
já conseguia se mexer, mesmo que devagar, e distinguir rostos e
formatos precisos.
Os Fiéis se dispersaram, vestindo camisetas amarelo-neon e
puxando cordas laminadas por cima das roupas.
D .
Caramba. Era hoje? De repente, todas as peças começaram a se
encaixar. Os caminhões de hélio e os tanques. As formas imensas,
as velas coloridas, só que não eram isso.
As equipes dos Fiéis.
O som da comoção ao seu redor.
Agora não se distinguiam dos outros voluntários do desfile
tomando conta do espaço à sua frente, empurrando tanques
imensos de gás hélio até uma fileira de enormes figuras em balões
que cobriam o piso diante dele.
Era só ao olhar com cuidado que dava para ver que, nos tanques
usados pelos Fiéis, lia-se V . Aquilo não é gás hélio.
Um a um, os três balões flutuantes começaram a inflar.
Não…
Cada balão daqueles… cheio de partículas de Fé?
O que aquilo poderia causar?
E para quantas pessoas?
Dispersão aérea?
A cidade inteira poderia ser exposta.
Baixou o olhar para Sana, ainda inerte.
– Vamos, Sana. Acorde. Você tem que acordar. – Puxou-a até que
ela ficasse numa posição sentada, apoiada no caixote, mas o corpo
dela continuava frouxo, e os olhos, ainda fechados. Ela se esforçou
para abri-los.
A droga a está afetando mais do que afetou a mim.
Por que será?
Apanhou o celular dela e discou a mesma série de números,
repetidamente.
Ava tem que atender, tenho que avisar alguém…
– Ligação interrompida? Você não odeia o serviço dos telefones
satélite da . . . . . .? Pelo menos, eu sei que odeio o meu.
Ele se virou e viu uma loira, pequena e vivaz, parada diante dele.
Balançando um telefone idêntico ao que ele segurava.
– Sabe, alguém poderia pensar que a . . . . . . é capaz de
mandar um satélite para o espaço, para atingir um ponto X, a
precisos Y quilômetros acima da crosta terrestre, e que saberiam
manter um simples de um maldito sinal funcionando, estou certa? –
Ela abriu um amplo sorriso. – Tudo bem, não precisa responder. Sei
que estou.
Dante não reagiu. Moveu a mão para empurrar o celular para
dentro do bolso de trás, como se pudesse mantê-lo – ou tudo o que
sabia – longe dela.
– Estou tão animada por você ter acordado, meu amigo. Estava
esperando por você. Isto vai ser bem divertido.
– Vai? Não sei se conheço você. – Dante estava alerta.
– Claro que conhece. Sou a Ellie. Você é o Dante. E somos
próximos assim. – Ela ergueu dois dedos e os cruzou. – Trabalho
com o Tony. Isto é, trabalhava. Até eu receber uma oferta melhor.
De mim mesma.
Dante ficou paralisado.
A princípio, algo na voz dela lhe pareceu familiar, mas logo
percebeu quem ela era. A mulher com o megafone, distribuindo
ordens para a frota que reabastecia os caminhões, aquela que ele
vira mais cedo junto à entrada para cargas.
A abelha-rainha. A comandante deles.
A Alfa deles.
Aquela que dava ordens, a quem os Fiéis viviam para servir.
Dante sentia isso dentro da própria mente, mesmo agora, apesar
de não parecer controlá-lo do modo como controlava os outros. Era
uma avidez, como um desejo, mas algo mais intenso. Ele tinha
certeza de que era ela, mesmo sem o megafone. Dava para saber
por causa da voz. A autoridade. A confiança. A perversidade.
Era quase como se não fosse humana, mas fosse…
O quê?
Uma deusa…
Pare.
Você está fazendo aquilo de novo.
Não escute.
Não pode abaixar a guarda.
Nem por um segundo.
– O que acham, rapazes? Devemos dar ao nosso amigo Dante
uma coisinha para que ele se sinta melhor? – Gesticulou com uma
mão, e um segurança imenso junto a ela deu um passo à frente,
segurando uma maleta de alumínio prateada, abrindo-a e
mantendo-a aberta para ela.
Ele era um deles. Dante sabia disso por causa da maneira como
ele se movia, pelo modo de os olhos se fixarem naquela tal de Ellie,
pouco se lixando para os demais presentes no recinto.
– Não sei, não, mas acho que vou passar – Dante disse.
Espiou a maleta, que parecia cheia do mesmo tipo de frasco de
vidro, todos contendo um líquido preto. Preto como a Fé.
Isso não pode ser bom.
– Ah, vamos lá. A vida já é tão sofrida. Você já não sofreu o
bastante? Ela não tirou tudo de você? O seu melhor amigo? A sua
vida? Você não pode estar gostando de nada disso.
Os olhos de Dante se estreitaram.
– Não sei de quem você está falando.
– Claro que sabe. Dela. Deles. Não importa se você se refere a
um ou a vinte, todos são iguais.
– Quem são?
Ellie suspirou.
– As Viúvas. A Viúva Negra. A Viúva Escarlate. Qual será a
próxima, a Azul?
Ela se moveu na direção dele.
– Deveria ser eu essa? O que você acha? Eu poderia representar
o vermelho, o branco e o azul, assim como isso representa a Mãe
Rússia.
Ela deixou os braços pensos ao redor do pescoço de Dante, que
se arrepiou.
– A Viúva América? Eu poderia sair por aí com o Capitão América
naquele pijaminha masculino apertado dele? – Inclinou o rosto para
junto do dele.
Dante balançou a cabeça.
– Acho que talvez você tenha um pouco dessa coisa aí na sua
cabeça, moça.
– Claro que tenho. – Ela beijou o rosto dele, depois pegou um
frasco de dentro da espuma cortada com precisão que forrava a
maleta.
Esticou a mão de novo para o forro, pegando uma longa agulha
hipodérmica.
– E agora você também terá.
Os olhos de Dante localizaram a porta, e ele se atirou na direção
dela.
O segurança o agarrou e o empurrou para trás, agora o
segurando com os braços junto às costas.
– Está fugindo? Um pouco tarde para isso, não acha? Além do
mais, o que o papai iria pensar disso? Fugir quando você poderia
estar tentando defender os mais desafortunados, cumprindo o seu
dever cível?
– Você não sabe absolutamente nada sobre mim nem sobre o
meu dever – Dante retrucou por entre os dentes, enquanto o guarda
torcia seus braços.
– É mesmo? E se você corresse agora, o que diriam as suas
amadas Viúvas? Você estaria à altura delas? Você é ou não um
herói, Dante Cruz? – A voz dela o envolvia, apertando-o até ele
sentir que iria sufocar.
Estou enlouquecendo. Ela é louca e está me deixando louco.
– Como sabe o meu nome? – Dante sacudiu a cabeça. – Como
sabe qualquer coisa sobre mim?
– Sei tudo sobre todas as Viúvas. – Inclinou-se sobre o rosto de
Dante. – Todas as três.
– Três?
– Natasha, Ava e Yelena. – Ela sussurrava agora. – São como os
Três Mosqueteiros, só que, bem lá no fundo, elas se odeiam.
– Não sei de quem você está falando. – Não morda a isca. Não
preste atenção a nada do que ela diz. – E não me importo. Nada
disso tem a ver comigo. Só me deixe ir embora daqui e você pode
voltar a fazer o que bem quiser.
– Claro que posso. Sempre faço. – Aproximou-se de Dante, que
recuou, afastando-se dela. – Segurem firme, rapazes. Ele é um
maldito escorregadio. Praticamente uma cobra.
Dante a encarou com raiva.
– Tenho bastante certeza de não ser a cobra daqui.
– Você? Claro que não. – Deu uns tapinhas no rosto de Dante. –
Você é o melhor e mais leal amigo de Alexei Romanoff. Você tem
que viver com o conhecimento de que ele morreu sem motivo
algum, depois de ter sido afastado de você sem nenhum aviso.
Não. Ele morreu por causa de pessoas como você. Vocês foram o
motivo. Vocês o afastaram de mim sem nenhum aviso.
Dante não disse nada.
Ellie afastou os cabelos dos olhos dele timidamente.
– É difícil, não é? Carregar todo esse ódio por aí? Você tem todos
os motivos para odiar Natasha Romanoff, assim como eu. Mas, sem
a Fé, todo esse ódio pode deprimir alguém com muita facilidade,
não acha?
Não odeio ninguém a não ser você.
Dante fechou os olhos.
– Me diga você.
– A Viúva Negra… Bem, essa sim é a verdadeira cobra. Ela
destruiu alguém que eu amava muito. Dois alguéns, na verdade. Ela
destruiu alguém com quem você se importava, do mesmo jeito. –
Ela retirou a tampa plástica da agulha hipodérmica. – Temos que
fazer com que ela assuma essa responsabilidade, Dante. Alguém
tem que fazer.
As palavras saíram antes que ele conseguisse detê-las.
– Foi um acidente – Dante disse com teimosia. – Ela não matou o
próprio irmão. Não seja idiota.
Ela ergueu a agulha, examinando-a sob a luz fraca do armazém.
– Em Istambul, numa base militar subterrânea, cercada por um
exército privado, sob o comando de um cientista literalmente louco.
Puxa.
Dante não disse nada.
À sua maneira insana, Ellie estava certa quanto a isso. Pelo
menos, ele não tinha como se opor à lógica dela.
Ela balançou o frasco contendo o líquido preto na outra mão.
– Agora que ela produziu outra Viúva, igualmente estúpida, e tão
insuportável quanto a original, bem, simplesmente não existe ego
suficiente no mundo para suportar aquelas duas.
Dante deu de ombros.
– Ah, bem. Como já disse. Isso não me interessa.
– Claro. O que nos interessa será o futuro. Seremos melhores
amigos, Dante. Você e eu. – Examinou o frasco, dando-lhe uma
última sacudida.
– Olha só, não sou seu amigo.
Ellie sorriu, erguendo a agora nua agulha diante do rosto dele.
– Ah, mas você será. Estou prestes a providenciar isso. Teremos
ainda mais em comum do que as três Viúvas.
Dante encarou a agulha sendo enfiada no frasco com um
movimento fluido da mão de Ellie. Depois ela a retirou, largando o
frasco vazio no chão. Ele se quebrou, e ela gargalhou.
– Sabe, acho que a Natasha vai gostar mesmo de nos ver juntos.
Será um pequeno lembrete para ela, do irmão que nunca teve.
– Ótimo. Exatamente o que eu sempre quis.
Ela alisou a pele no interior do cotovelo dele com a outra mão.
– Você sabe o que é isto, Dante?
– Sei.
– Não sabe, não. É Fé, disso você sabe. Mas não é parecido com
nada ao que os outros foram expostos. É Fé pura, mais do que
qualquer humano já suportou antes. Há apenas uma dúzia desses
frascos em todo o mundo, e todos eles estão aqui, naquela maleta.
– E daí?
– Ah, bem. Dito com muita elegância. Portanto, ela é altamente
experimental, e muito perigosa. Além disso, quem é que pode
saber? Pode matá-lo. Pode fazer você se tornar um estúpido que só
baba. Pode acabar comendo o seu cérebro de dentro para fora.
– Incrível.
– Mas uma coisa que ela fará, sobre todas as outras, é afetá--lo.
Como pode ver, por algum motivo, você parece ser menos afetado
pela forma aerossolizada do composto, o que considero muito
peculiar e, de certa forma, irritante.
Era verdade.
Dante percebera isso horas atrás.
Ficara temporariamente paralisado, com a visão turva, e a cabeça
latejara como se ele tivesse levado a maior surra. Mas ele nunca
chegou a perder a sua vontade. Permaneceu quem era, sem ter se
tornado um dos Fiéis.
Por que eu? Por que não eles?
– É possível que algumas mentes humanas sejam simples e
naturalmente imunes. Por certo algo a ser estudado no futuro.
Considere-se um teste químico. Com o bônus de, depois que eu o
regar como se faz a um peru, deixar você na soleira de Natasha
Romanoff. Um presentinho, um suvenir de verdade. Algo para as
festas de fim de ano, para que ela se lembre do amado irmão.
– Parece ótimo – Dante disse. – Mas você se esqueceu de uma
coisa, Ellie.
– Do quê?
– Dela.
O rosto de Ellie se enevoou e, quando ela olhou na direção de
Sana, deitada no chão… não havia mais ninguém ali. E, com todas
as forças que conseguiu juntar, Sana chegou voando das sombras
de trás dos soldados, atrás de Dante.
Avançou sobre Ellie, acertando com um bastão de madeira dos
balões na cabeça dela.
Dante empurrou um soldado contra o outro, próximos a ele,
chocando suas cabeças como duas metades de um mexilhão.
Quando um dos soldados largou a pistola de baixo calibre no chão,
Dante a apanhou, atirando rapidamente.
.
.
.
.
Dardos de Fé saíram voando, e cada um dos quatro soldados
despencou no chão.
Ele virou a pistola para Ellie, que brigava com Oksana.
Puxou o gatilho…
.
Estava descarregada.
– Não! – Dante berrou. – Cuidado, Sana…
Oksana ergueu o olhar, surpresa…
… enquanto Ellie – Helen Samuels – enfiava a agulha
hipodérmica na parte mais macia da barriga de Sana.
CAPÍTULO 31: NATASHA
ONZE MIL QUILÔMETROS ACIMA DO ATLÂNTICO EM
ALGUM LUGAR PRÓXIMO AO LITORAL DA CIDADE DE
NOVA YORK

Colocar um plano em ação sempre acalmou Natasha. O primeiro


passo deste plano em especial envolvera apanhar um táxi até
Vnukovo, o aeroporto particular de Moscou. O segundo demandara
que ela apanhasse um avião. Entre esses dois passos, aconteceram
apenas uns três ou quatro detalhes irrelevantes – segurança
particular ocasional, planos de voo, protesto de passageiros – e,
assim, de repente, lá estava ela em pleno voo cruzando o Atlântico.
Natasha quase ficara desapontada com a sua antiga pátria.
Quando o Bracelete de Viúva começou a vibrar, ela já iniciara a
descida em meio às nuvens. Conseguia avistar o contorno da
Estátua da Liberdade ao longe e a ponta da cidade onde seus
planos se tornariam mais… complexos.
Seu Bracelete vibrou novamente.
– Desculpe, preciso atender esta chamada – disse ela para o
homem vestindo um terno de aparência cara, preso com fita adesiva
ao assento do copiloto.
Ele assentiu, com os olhos arregalados acima da fita adesiva. Ele
fora o quarto detalhe irrelevante entre Natasha e a decolagem. Ela
trancara o piloto no banheiro privativo da parte de trás, mas não
havia espaço suficiente para os dois, por isso desistira e o prendera
ao banco. Isso fora há cinco horas, e ele ainda parecia aterrorizado.
Natasha deu um toque no Bracelete, pressionando o fone no
ouvido.
– Phil? É você? Você precisa começar a responder às chamadas
recebidas. – Uma descarga de estática foi a sua resposta. A
conexão estava ruim, mas o que se podia esperar quando você está
mais no alto do que qualquer torre de celular?
– Onde você está agora? – As palavras de Coulson finalmente
surgiram num jorro acima da conexão selecionada.
Ela ergueu a voz.
– Falta pouco agora. Eu disse que pegaria a carona mais rápida
que pudesse. Estamos quase aí.
– Estamos? Você está em algum transporte militar?
– Não exatamente. Peguei carona com… – Ela pegou a carteira
do bolso interno do paletó do homem sentado ao seu lado. –
Vladimir Milosovich. – Relanceou para o banco do passageiro, rindo.
– Ei, você é o Papai Vlad? Que mundo pequeno! Sou amiga do
Maks. Por que não disse nada?
O homem a fitou. Muito engraçado.
– Natasha? – Coulson a chamava em seu ouvido de novo.
– Não pergunte. – Natasha jogou a carteira de volta para Vladimir.
– Você não vai querer saber, Phil. Eu meio que sequestrei o avião.
Está tudo bem. Foi só um ligeiro…
– Natasha!
– Deixe-me expor de outro modo. – Natasha ajeitou o fone no
ouvido. – Aceitei uma vaga de curta duração como piloto particular
de um empresário bilionário de Moscou a Nova York. – Ergueu uma
sobrancelha para Vlad. Ele deu de ombros. Era quase verdade. – E
ele vai me demitir assim que aterrissarmos no Triskelion.
O homem assentiu. Isso era definitivamente verdade.
Natasha tocou no Bracelete e tirou o fone.
Não tinha a capacidade de falar mais sobre isso. Não quando
seria a responsável por tomar decisões sobre assumir o controle do
Rockefeller Center a fim de impedir que a Fé se espalhasse por
outras cidades, roubando vidas. Como se isso a tornasse alguma
espécie de heroína.
Ela se sentia uma idiota. Como foi que seus instintos a traíram
tanto assim? Como foi que ela não percebeu aquilo acontecendo?
Como foi que não soube?
Soube o quê, exatamente?
Mas ela sabia a resposta, quisesse ou não admitir. Soubera desde
aquele dia no Rio.
Que eles estavam atrás de mim.
Que era ela.
Por um momento, Natasha se sentiu deslizando para fora do
modo de combate concentrado automático. Reexaminou-se
enquanto fitava primeiro o rio East à sua frente, depois a pista de
pouso do Triskelion.
Vasculhou a mente para cima e para baixo, à procura de
quaisquer detalhes que pudesse lembrar a respeito de uma pessoa
específica – aquela que estava prestes a tornar a cidade um inferno.
Mas como alguém poderia ter sabido disso?
Que Ivan criara Helen Samuels, alguém tão poderosa… e tão
implacável…
E que alguns dos meus melhores e velhos inimigos podem não
estar tão velhos e mortos como pensei que estivessem…
Pela primeira vez, ela ficou imaginando se aquele dia não se
tratava de orgulho, em vez de fé. Natasha acreditara estupidamente
estar no controle do próprio destino, quando, na verdade, ele – e
seu futuro – eram apenas uma rede tecida pela mais letal das
amigas e pela mais mortífera das assassinas, durante todo esse
tempo.
Da Sala Vermelha para Ivan, então para Alexei, Clint, Fury,
Yelena, Tony, Capitão, Bruce, . . . . . ., Coulson, então para Ava e
enfim de volta para Alexei.
E depois para mim. Para este dia. Para o agora.
Acreditara já ter perdido tudo. No entanto, ali estava ela, pronta
para perder de novo.
Quando os pneus tocaram na pista, ela tomou uma decisão.
Helen Samuels seria derrotada, não importava o custo disso.
Não importava a conexão dela com Yelena Belova.
Muito provavelmente, por causa dela.
CAPÍTULO 32: AVA
ROTA DO DESFILE STARK DE FESTIVIDADES DOS
HERÓIS GRANDE CIDADE DE NOVA YORK

Ava e Tony correram pelo Rockefeller Center. A neve estava alta, e


as pessoas se aglomeravam, dentro e fora das ruas. Passaram pela
enorme árvore natalina, escorregando e disparando em meio ao
bolo humano.
Isso é tão estranho, Ava pensou. Natasha e eu até falamos de
virmos ver a árvore este ano. Nunca imaginei que seria assim.
Fico pensando se ela ainda estará aqui amanhã.
Se tudo isto estará.
Tony berrava em seu intercomunicador, lendo números em um
sofisticado computador que Ava sabia que apenas aparentava ser
um simples relógio de pulso.
– Coulson, nem estamos lá e estamos chegando a I3 quatro
ou cinco. Precisamos ampliar a zona de exclusão, entendido? –
Olhou para o pulso. – Eu diria para… vinte cliques.
Ava colocou o próprio intercomunicador no ouvido, bem a tempo
de ouvir a voz de Coulson falhar.
– Você se dá conta de que vinte quilômetros significam a região
inteira de Manhattan?
– E pode ser mais do que isso se não acabarmos com a fonte –
Tony disse. – Sabemos que os balões são uma notícia muito ruim,
mas não podemos iniciar um estouro nesta manada.
– Qual é a jogada? – Coulson perguntou.
Ava olhou para Tony.
– A gente improvisa conforme formos avançando.
– Hum, bem… estourar o balão de herói armado gigante não
consta exatamente no manual de regras – Tony disse.
– Apenas encontre a sua amiga Helen e tire-a daí antes que ela
possa apertar o gatilho de dispersão – Coulson orientou. – Helen,
esse Alfa ou quem quer que esteja no comando.
– Pode deixar. Pelo menos a radiação alta significa que estamos
chegando perto – Tony disse. – E Romanoff diz que há só um Alfa.
– Coulson… – Ava apertou o intercomunicador, interrompendo. –
Ela já voltou?
Ava conseguia sentir algo se agitando em sua mente. Se Natasha
não estava ali, tinha que estar bem próximo.
– Acabou de aterrissar. Está se preparando para ir até aí agora –
Coulson respondeu. – Deve estar pronta em cinco minutos.
Tony estava sério.
– Diga a ela que vista um traje . Se a situação não sair como
queremos, teremos que iluminar este lugar. A menos que a
. . . . . . consiga encontrar uma cura para uma cidade inteira de
Barrys. E por . . . . . . estou me referindo a mim, mas nem eu sou
tão rápido assim.
– Entendido. – A voz de Coulson estava desolada.
Tony tirou o fone e olhou para Ava, balançando a cabeça.
– A rota do desfile começa ali na frente. – Apontou. – Nunca
chegaremos até lá. Esta multidão nem se mexe. Que loucura. Tenho
que entrar num traje.
– Eu sigo até lá. – Ava assentiu.
– Tem certeza? – Ele parecia incerto, mas ela sabia que não
tinham escolha. – Coulson está tomando conta do perímetro, e
Danvers provavelmente já deve estar na observação.
– Provavelmente?
– Tenho esperança de que sim. – Olhou para ela. – Tome cuidado.
E fique longe de qualquer um dos balões de heróis gigantes. Ou,
bem, de qualquer um dos meus estagiários.
– Certo – ela disse, guardando o fone no bolso.
Quando voltou a erguer o olhar, Tony já havia sumido.
, sigla em inglês para International Nuclear Event Scale, ou
Escala Internacional de Acidentes Nucleares, , em português.
(N.T.)
CAPÍTULO 33: DANTE
DESFILE STARK DE FESTIVIDADES DOS HERÓIS,
ARMAZÉM DO DESFILE GRANDE CIDADE DE NOVA
YORK

– O que você fez à Sana? – Ava estava de costas para Dante, mas
ele não precisava ver o rosto dela. Ouvia o sentimento na voz dela.
Raiva.
E logo viu a resposta nos olhos de Helen Samuels.
Medo.
Isso passou pelo olhar dela apenas por um segundo, mas Dante o
reconheceu de pronto. E bastou para chegar a uma conclusão:
aquilo não terminaria bem.
– Você está atrasada – Helen zombou. – A Viúva Escarlate e a
Viúva Negra, atrasadas de novo.
– Não sei, não – Ava disse, mantendo as lâminas luminosas entre
elas. Dante observou quando a energia pareceu estremecer pelo
meio do peito dela até as pontas das lâminas.
Incrível.
– Você e eu ainda estamos aqui, Elena. A festa não pode ser tão
divertida sem nós, pode?
Helen sorriu.
– Odeio estourar o seu balão, amiga, mas este tipo de festa pode.
Na verdade, pode ser até melhor. Ainda mais sem você…
Ela apanhou uma seringa do alto de um dos engradados e
avançou em Ava.
Ava se desviou da agulha, atacando de volta.
A luz azul reluziu, e a lâmina cortou o ar entre elas, emitindo um
som alto. Dante se viu prendendo a respiração.
Vamos lá, Ava…
Ele assistiu a tudo, fascinado. Aquela não era a Ava que ele
conhecia. Era a Ava do metrô, a Viúva Escarlate. Ela era… demais,
ele pensou, enquanto Ava atacava Helen.
Helen deu de ombros, depois foi para cima da outra de novo,
aproximando-se aos tropeços.
A segunda adaga de Ava cortou o ar.
Vuum, vuum…
Helen se esquivou dos golpes, depois se endireitou.
– Isto está virando um tédio. Quer que eu conte uma história, Ava
Anatalya Orlova? Uma antiga história russa? Sobre Yelena Belova e
Natasha Romanova? – Ela pronunciou o sobrenome de Natasha do
modo russo. – As verdadeiras Viúvas?
– Por que não? Eu adoro uma boa história – Ava respondeu.
– Então deixe que eu lhe conte esta: era uma vez… o que quer
que tenha pensado ser a verdade a respeito da sua preciosa Viúva
Negra é uma mentira. Qualquer laço que tenha acreditado ter com
ela é fraco.
– É nessa parte que Baba Yaga entra? – Ava caçoou, movendo a
adaga ao mencionar a infame bruxa russa.
– De certo modo. Deixe que eu conte como esta história sempre
termina. Você, Ava Anatalya Orlova, e não ela, sacrifica tudo: as
pessoas que ama, a sua alma gêmea, a sua melhor amiga, a sua
família? E ela, Natasha Romanova, sai se arrastando para espalhar
seu veneno em algum outro lugar da teia.
Ava moveu ambas as lâminas diante dela dessa vez.
– Sabe de uma coisa? Eu menti.
Helen ergueu uma sobrancelha.
– Não sou alguém que gosta de histórias.
Dito isso, Ava arremessou a adaga curta no rosto de Helen.
Quando Helen se abaixou, Ava a atacou com a adaga longa.
O armazém explodiu numa luz clara ofuscante e, quando ela
diminuiu, Helen Samuels estava deitada de cara no chão, agachada
por trás das mãos erguidas.
Ava ergueu as lâminas eletrizadas mais ainda.
– Onde está o seu exército de Fiéis agora, Elena Somodorova?
Você não é lá uma grande Alfa, é?
Helen abaixou as mãos.
– Vá em frente. Eu desafio você. É o que uma Viúva faria, não?
Uma verdadeira? O que Natasha fez com a minha família?
Ava hesitou enquanto Dante assistia.
O golpe mortal, ele pensou. Ela não merecia isso? Livrar a Terra
de Helen Samuels seria um serviço público, não?
Os olhos de Ava se estreitaram.
Helen caçoou.
– E então?
Dante balançou a cabeça.
– A decisão é sua. Ela é o Alfa, certo?
– Será? – Helen sorriu.
Com isso, Ava abaixou as lâminas e socou Helen no queixo com
o máximo de força possível.
Dante assistiu, aliviado quando Helen despencou no chão. Olhou
para Ava com um ar questionador.
– Já tenho fantasmas demais na minha vida – ela falou.
Dante não disse nada. De todo modo, teve a sensação de que ela
não estava falando com ele.
Ava se apressou para junto da amiga. Um instante depois,
amparava a cabeça dela. Com a eletricidade azul ainda
atravessando o tronco de Ava, o calor do corpo de Sana não parecia
incomodá-la.
Sana não reagiu, a não ser para continuar se debatendo de um
lado a outro, como antes.
Ava se virou para Dante, ao seu lado, com os olhos tristes.
– O que é isso?
– Fé pura – ele respondeu. – Ou algo assim. Bem, foi assim que
Helen chamou isso. Antes de atingir Sana. – Olhou para onde Helen
agora jazia no chão. – Ela está…?
Ava meneou a cabeça.
– Não. Só está desmaiada. Tive que fazer com que parasse de
falar. Temos uma cidade para salvar.
Mas era complicado pensar em qualquer outra coisa que não
Sana, enquanto ela gemia, deitada de lado. Ava a amparou
enquanto a amiga se debatia, tossindo o que parecia ser um sangue
negro.
Dante olhou na direção da rua.
– Os balões estão adulterados. Não sei quando nem como eles
estourarão, só sei que temos que nos livrar deles, soltá-los, impedir
que sejam detonados. Ainda mais se Helen não for a Alfa…
– Quantos são? – Ava perguntou, afastando uma mecha da testa
de Sana. – Quantos são os balões de Fé?
– Nem todos estão armados. São só três – Dante respondeu.
– Deixe-me adivinhar. A Viúva Negra?
– E o Homem de Ferro e a Capitã Marvel – Dante acrescentou. –
Helen Samuels tem uma espécie de humor estranho.
– Não podemos deixar a Sana – Ava disse. – Se você achar que
consegue cuidar dela, eu vou atrás dos balões enquanto você
chama uma ambulância.
– Acha mesmo? – Dante olhou incerto para Ava. – Mesmo que a
. . . . . . permita, a que tipo de hospital acha que podemos levar
alguém que parece…
– Tipo a minha amiga? – Ava perguntou, energicamente.
Isso sim é uma negação e tanto, Dante pensou.
Antes que Dante pudesse responder, um borrão vermelho,
dourado e azul desceu do céu numa onda, parando para flutuar e só
depois aterrissar dentro do armazém.
Carol Danvers parou firmemente plantada no chão, com as mãos
nos quadris.
– Estou aqui, pessoal. Cuido de tudo daqui para a frente. Vocês já
fizeram o bastante.
Ava pareceu aliviada.
– É você mesmo, Capitã Marvel? – Nunca a vira pessoalmente,
com toda a sua parafernália.
Carol sorriu.
– Bem, não sou o Homem de Ferro. Vejam só, pareço alguém que
precisa de um traje esquisito?
– Entendido, garota. Suporte aéreo em cinco – o Homem de Ferro
saudou, aterrissando ao lado da Capitã Marvel. – E vá se ferrar,
Danvers. Trajes mandam ver, ok?
Voltaram-se para Ava e Dante – e para Sana.
– Essa coisa é a Sana? – A máscara do Homem de Ferro
deslizou para cima, revelando Tony. – Puxa. É melhor nos
apressarmos com aqueles balões.
– Pare – Ava disse. – Essa coisa ainda é a minha melhor amiga.
E ela vai ficar bem. Ela não é o problema.
Mas Dante sabia que Tony tinha razão. Não havia nada naquela
criatura que o fazia se lembrar da antiga amiga deles – ou bem
pouco. Pouco importava o quanto Ava se recusava a admitir isso.
A Fé tomara conta de toda a forma humana de Sana,
aparentemente. E o resultado não se parecia com nada que Dante
já tivesse visto antes, embora ainda parecesse estranhamente
familiar.
Fé. Essa coisa é Fé pura.
A droga que estivemos perseguindo está bem aqui, e está viva.
Eu a sinto, de algum modo.
E está ferindo Sana.
Colunas de fumaça em espiral exalavam das narinas, descendo
pelas roupas rasgadas. Os dedos se alongaram e se curvaram em
algo mais semelhante a garras enormes.
A pele brilhava com cristais cinzentos, ondulando ao longo do
corpo, reluzindo como o composto misterioso. Enquanto Dante
observava, os cristais se moviam em impulsos de Fé, que se
formavam e reformavam, endurecendo em determinados pontos
para de repente ceder lugar a outros.
Sana – a coisa que Sana se tornara – era enorme e firme. Pela
aparência, parecia ter três metros de altura, muito mais alta do que
uma pessoa normal. O rosto, se é que se podia chamar aquilo
assim, agora só refletia o básico das feições humanas: dois olhos,
uma boca e uma espécie de nariz.
Então a Não-Sana abriu a boca e berrou.
– Temos que tirá-la daqui – Ava disse.
– E levá-la para onde? – Dante perguntou.
A Capitã Marvel balançou a cabeça.
– Não podemos deixar civis perto dela, não agora. O que quer
que esteja acontecendo, a sua amiga não tem autocontrole.
Em seguida, Não-Sana se lançou contra a parede de aço
corrugado, berrando. Estranhamente, Dante sentiu que tinha que
lutar contra o desejo de berrar de volta. O que é isso?
Carol, Tony e Ava assistiam, quase sem acreditar.
– Vamos levá-la de volta para o Triskelion. Avisarei Coulson pelo
rádio para que deixe uma unidade a postos – Tony disse por fim.
– Ele tem um lugar onde contê-la? – Ava franziu o cenho.
– Ah, tem. – Tony assentiu. – Acredite em mim, esta não é a
primeira vez de Phil com uma situação do tipo “será que isso
cabe?”.
A Capitã Marvel olhou para Ava.
– Vocês podem manter Sana aqui enquanto nos livramos da
ameaça da Fé? Depois disso a levaremos para casa.
Não-Sana se lançou contra as vigas de aço de sustentação da
estrutura repetidas vezes, até parecer que o armazém inteiro
despencaria. Dante sentiu a cabeça começar a latejar.
Ava assentiu.
– Não acredito que ela irá nos machucar. Não acredito que ela
machucaria ninguém. Não se ela puder se conter.
– Não é isso que me preocupa – Dante disse. – É a confusão.
Quero dizer, balas serão disparadas, e pessoas inocentes acabarão
se machucando.
– Falando como o verdadeiro filho de um policial – Ava disse, mas
hesitou. – Ele tem razão. Tomaremos cuidado.
A Capitã Marvel cerrou um punho.
O Homem de Ferro cerrou um punho robô.
E, simples assim, os heróis se foram.
CAPÍTULO 34: CAROL
ROTA DO DESFILE NA 6ª AVENIDA GRANDE CIDADE DE
NOVA YORK

O enorme balão ainda se movia pela avenida quando a Capitã


Marvel o avistou.
Em questão de instantes, Carol Danvers agarrou a Carol Danvers
inflável pelo pé. Isto é meio que surreal, ela pensou.
Com uma torcida, ela partiu ao meio as cordas que prendiam o
balão às vinte e seis pessoas que o seguravam no chão.
Em seguida, rasgou céu acima, arrastando a Capitã Balão atrás
dela, até arremessar sua versão de látex com todas as forças que
conseguiu, mandando-a numa trajetória em espiral até a atmosfera.
De onde a Tropa Alfa e eu teremos que tirá-lo mais tarde, porque
é isso o que fazemos por você, Planeta Terra. Limpamos o seu
maldito lixo espacial.
A Capitã Marvel suspirou.
E as pessoas acham que sou eu quem tem um ego inflado.
Apenas um leve BUM alertou as pessoas de que o dever fora
cumprido.
Quando voltou para buscar o balão da Viúva, a Capitã Marvel
estava quase se divertindo.
Sempre soube que você era muito cheia de si, Romanoff.
BUM.
CAPÍTULO 35: TONY
ROTA DO DESFILE NA 6ª AVENIDA GRANDE CIDADE DE
NOVA YORK

No segundo em que ouviu o primeiro BUM, o Homem de Ferro


soube que a Capitã Marvel destruíra sua gêmea inflável.
Tudo bem.
Era direito dela.
Foi o BUM seguinte que o fez tomar uma decisão.
Ele sabia muito bem que não poderia desperdiçar uma
oportunidade de pesquisa como aquela. Ainda mais um composto
sem antídoto.
Voou com o Tony inflável até o hangar de aviões onde
normalmente mantinha seus modelos Stark Jet mais antigos.
Assim que as portas se fecharam, ficou imaginando o que o
laboratório poderia criar quando ele encaminhasse as dez mil
amostras que aquele único balão geraria.
E depois voltou até Sana, a maior de todas as amostras.

***

– Onde está Ava? E Sana? – Tony estava sem a máscara.


A Capitã Marvel aterrissou atrás dele na rua diante do armazém.
Que estava cercada por paramédicos e policiais…
– Posso explicar – Dante disse ao sair de dentro.
– Gostaria de vê-lo tentar – Tony replicou.
Uma Helen Samuels inconsciente surgiu numa maca, ladeada por
um paramédico que segurava um acesso para soro, e outro que
manobrava a maca pela ponta.
– No minuto que vocês foram embora – Dante disse –, Sana pirou
e saiu em disparada daqui. Ava foi atrás dela, e Ellie… a Helen
começou a acordar. Entrei em pânico.
– Você agiu bem, garoto – Carol Danvers assentiu.
– Ao chamar a polícia? Desde quando isso é agir bem? – Tony
perguntou.
– Não chamei! Não exatamente – Dante disse, constrangido. – Na
verdade, foi meio que o oposto.
– Como é? – Carol perguntou confusa.
– Os policiais me chamaram – ele disse, parecendo bem infeliz
quanto a isso. – Não fui para casa ontem à noite, e os meus pais
estão bem bravos. Então acho que o meu pai rastreou o meu celular
e… bem, ele estava me seguindo.
Dante deu de ombros quando o capitão Cruz saiu do armazém e
fechou as portas da ambulância.
– Ai, ai, vou ficar de castigo pelo resto da vida.
– Já passei por isso, garoto. – Tony deu um tapa no ombro de
Dante.
– Eu não. Fui uma santa – Carol disse.
– Tem mais uma coisa. – Dante parecia pouco à vontade. – Sobre
Sana.
– Desembucha – Tony disse.
– Eu acho… que consigo ouvi-la, na minha cabeça. Me dizendo o
que fazer. Aonde ir. Coisas estranhas, coisas que ela jamais diria. É
como se… fosse a voz dela, mas não ela.
Tony olhou para Carol, que assentiu.
– Acho que encontramos a nossa Alfa.
CAPÍTULO 36: NATASHA
ROTA DO DESFILE NA 6ª AVENIDA GRANDE CIDADE DE
NOVA YORK

– Natashkaya! – Ainda de costas, ela ouviu a voz de Ava. –


Encontrei a Alfa. Bem na esquina. Só um detalhe…
Natasha percebeu na voz de Ava antes mesmo de ver. A dureza
insensível, o toque de adrenalina flexionando cada sílaba. A mão foi
de imediato à parte de trás da cintura.
Não está aqui…
Ela deve ter vindo por trás de mim.
E a voz ficou mais alta, mais dura.
– Toque num fio de cabelo da Alfa, e eu atiro – Ava disse. – Estou
falando sério.
– Sei disso – Natasha respondeu, erguendo as mãos em sinal de
rendição. E, ao se voltar lentamente para ficar de frente a tudo que
lhe restava da família, também se viu encarando o cano da sua
própria Glock.
Olhando para Ava no alto da rua. Atrás de Ava, Natasha via o que
restava do enorme desfile de balões perfilados pela rua. Ela viu uma
criatura, cercada por policiais, patrulhas e luzes piscantes. Era o fim
do filme King Kong, mas sem o Empire State, e igualmente trágico.
Lamentava por Ava, mas era surreal vê-la segurando uma arma.
Natasha andou na direção dela, estendendo a mão.
– Ava. Não sei o que está acontecendo com você, mas vai ficar
tudo bem.
– Essa não é só a Alfa, Natasha. Essa não é Helen Samuels. É a
Sana.
– O quê?
– Essa é a minha Sana. Helen injetou Fé pura nela, e isso não é
só uma droga. É algum tipo de arma química de ação lenta.
– Eu sei – Natasha disse. – Quero dizer, eu suspeitava.
– Dentro de um mês, todo mundo que foi exposto a ela pode estar
morto. Não existe cura. Ninguém sabe nada a respeito dela. É o que
Dante disse. Ele esteve lá com Helen, a noite toda. – Ava parecia
perturbada.
– Podemos ajudar Sana. Apenas abaixe a arma.
– Não. Você se esquece, estou na sua mente. Sei o que vai fazer.
– Farei o que tiver que fazer – Natasha disse. – Nada mais do que
isso.
– E isto é o que eu tenho que fazer – Ava retrucou. – Ela é minha
amiga mais antiga. Minha única amiga. Tenho que ajudá-la a sair da
cidade.
Natasha notou que Ava começava a entrar em pânico.
– Helen é maluca. Ela quer espalhar a dor que sente. O pai dela é
ódio. O ódio de Ivan. Ele era o pai adotivo dela – Natasha disse. –
Yuri era o tio.
– Por que ela sente tanta raiva? – Ava ergueu o queixo e se
aprumou. – Será que é por causa do que você fez a Yelena?
O que ela sabe sobre isso? Calma…
Natasha deu mais um passo na direção de Ava.
– O que você sabe sobre Yelena?
– Só o que consegui fazer Tony me contar. – Ava recuou. – Sei
que você tentou protegê-la de se tornar alguém como você. Sei que
fez tudo o que podia para evitar que ela se tornasse uma Viúva.
Também sei que você fracassou.
A voz de Natasha saiu impassível.
– Já que você sabe de tudo, onde ela está?
– Você não pôde protegê-la e não pôde detê-la. Ela fez o que quis
fazer, e isso foi uma escolha dela – Ava disse, com as mãos
trêmulas segurando a Glock. – E ela morreu.
– Por que está me dizendo isso? – Natasha perguntou.
– Porque você também não pode me proteger, e tem que parar de
tentar. Não sou Alexei, e não sou você. Não sou responsabilidade
sua, assim como ele também não era.
E se eu quiser que você seja? Não é esse o significado de
família?
A mão de Ava voltou a tremer.
Primeiro o meu irmão. Agora isto…
A mente de Natasha recuou para os pensamentos das próprias
perdas colossais, e ela estremeceu. Supere isso. Alexei se foi e
Ava…
Foi por outro caminho.
Natasha telegrafou a mensagem antes de conseguir se conter,
assim como um raio perdido pode, de repente, cair num fio elétrico
pendurado entre dois quarteirões de uma cidade.
Por favor. Estou implorando. Abaixe suas armas e abra
caminho…
Ainda podemos ajudar Sana. Não é tarde demais.
Fale comigo…
Ainda assim, nada.
Natasha suspirou e pegou a pistola reserva de dentro da bota.
Talvez conseguisse assustar Ava a ponto de ela largar a Glock.
Moy sestra.
– Você está do lado errado disto. – A voz de Natasha pairou no ar
em meio aos confetes. – Abaixe a arma e saia da frente.
– Não vou abandonar a Sana. Tenho que tirá-la daqui. Não confio
na S.H.I.E.L.D., e não confio na polícia. Não confio em ninguém.
Eles a considerarão um dano colateral, e ela não é isso. Não para
mim. – Ava inspirou fundo. – Por isso não vou desistir dela.
Nem mesmo por sua causa.
Natasha ergueu a voz novamente.
– Esta é a sua última chance, Ava. Abaixe a arma. Dê mais um
passo e eu a mando se encontrar com meu irmão no túmulo.
Ela sabe que estou blefando. Eu sei que estou blefando. O que
mais posso fazer?
A voz de Ava cortou o ar frio da avenida.
– Faça o que tem que fazer. Quanto ao túmulo de Alexei, acho
que você sabe que nós duas já vivemos lá, sestra.
Muito bem. Natasha apertou o cabo do seu revólver e começou a
contar.
Um…
A voz de Ava ecoou pela rua.
– Assim como você, não tenho medo.
Dois…
– Mas, ao contrário de você, não abandono as pessoas que
amo…
Tr…
Dois tiros soaram, como de costume.
O primeiro tiro para acertar o alvo; o segundo, para diminuir o
fluxo do sangue no sistema nervoso. Um tiro duplo adequado,
exatamente como a . . . . . . treinava seus agentes para fazer há
mais de um século…
Ava berrou.
Natasha girou.
Na rua atrás delas, a criatura que fora Sana despencou, as
pernas se dobrando debaixo do peso do corpo.
Um capitão de polícia estava parado, supervisionando seu tiro.
Sana desabou no chão. Seu rosto era visível agora. À medida que o
sangue fluía do seu corpo, a Fé lentamente começava a perder seu
poder.
Ava correu para junto da amiga, horrorizada.
Natasha parou para apanhar a Glock esquecida no asfalto.
Enquanto o sangue de Sana fluía pelo chão, um coração se
aquietava, mas, estranhamente, foi o outro que nunca se sentira tão
sozinho.
CAPÍTULO 37: AVA
TRISKELION S.H.I.E.L.D., EAST RIVER, GRANDE
CIDADE DE NOVA YORK

Sana estava deitada numa mesa de metal, com um lençol branco


cobrindo o corpo surrado e cheio de hematomas. Apenas alguns
cristais cinzentos e pretos remanescentes na forma humana davam
quaisquer indícios da criatura em que se transformara.
– Graças a Deus ela está viva – a voz de Ava disse.
Eletrodos adesivos conectavam a pele dela a um labirinto de finos
fios azuis e vermelhos que, aparentemente, permitiam que a sala,
do outro lado do espelho, cheia de agentes da . . . . . . recebesse
todas as informações sobre os sinais vitais dela.
– O que vai acontecer com ela? – Ava olhou através do espelho.
– Não sei. – Coulson meneou a cabeça. – Mas é irônico. Aquele
tiro desacelerou o coração dela apenas o suficiente para impedir
uma transformação completa. O capitão Cruz provavelmente salvou
a vida dela.
– Espero que isso faça Dante se sentir melhor – Ava disse.
Ambos sabiam que não faria.
– Quanto a Sana, teremos que esperar para ver, depois seguir
com o protocolo. – Coulson olhou para Ava.
– Odeio essa palavra. Protocolo – Ava falou, ainda observando o
quarto. – É só uma coisa que as pessoas dizem quando não podem
admitir que estão fazendo algo horrível.
– A vida, às vezes, pode ser bem horrível, como acho que você já
sabe. – O agente Coulson se voltou de novo para a janela. – E esta
coisa ruim em particular é para a própria segurança de Oksana,
assim como para a de todo mundo. Faríamos o mesmo para você
ou para mim e para qualquer outra pessoa.
Ava o encarou.
– Ela não é qualquer um. Ela é a minha amiga mais antiga.
– Sei que é difícil. Tenha paciência. Corpos precisam de tempo
para se curar. Logo ela vai acordar. Até onde sabemos, ela ainda
pode ser quem era…
– Não diga isso. – Ava empurrou o vidro com um dedo, cheia de
vontade. – Não minta. – Fechou os olhos, desejando que aquilo
fosse embora. Desejando que tudo fosse diferente. Desejando que
sua amiga ainda fosse sua amiga.
Volte para mim, Sana.
O agente Coulson apoiou uma mão no ombro dela.
– Sei que, quem quer que Sana seja, ela precisará de você. E,
quando ela acordar, poderemos falar sobre os passos seguintes
todos juntos.

***

Ava se alçou na direção do teto da academia, um braço ardendo


depois do outro. Fizera isso todos os dias daquela semana, cada
vez mais rápido. Da próxima vez que ela tivesse de invadir um
hotelzinho vagabundo num beco em Recife, estaria pronta. Por
enquanto, sentia que os braços estavam mais para borracha…
Borracha não pode doer assim.
– Indo muito bem, braços de espaguete – uma voz disse.
Ava olhou para baixo e viu Dante Cruz, o mais novo recruta da
Academia da . . . . . ., contemplando-a lá de baixo da corda. Tony
ainda vinha testando todas as células do corpo dele para descobrir a
fonte da resistência à Fé.
Ele fez uma saudação.
Ela voltou a atenção para a corda e sorriu para si mesma.
Quando chegou ao topo, ele já havia ido embora.
Saindo da academia, Ava o viu parado na recepção, olhando para
o lugar onde o nome de Alexei fora gravado no Muro dos Heróis,
junto aos nomes dos perdidos. Deixou-o em paz. Deixou-o sentir.
Sentir aquilo era melhor do que não sentir nada.
Certo, Alexei?
A alucinação tremeluzente do namorado apareceu ao seu lado.
– Tão estranho. Ver Dante aqui na base, e Sana… daquele jeito –
ele disse baixinho.
– Tudo está diferente agora – Ava comentou.
Alexei a fitou.
– Tudo?
Ava não respondeu.
– Vocês duas ainda precisam uma da outra, Ava.
– Por quê? Por causa de uma ligação mental aleatória?
– Porque família não se escolhe, e ela é a sua. Quer você goste
disso ou não. Quer ela seja ou não a sua guardiã legal. Vocês são
tudo o que a outra tem.
– Tenho você – Ava disse com suavidade.
Alexei ergueu uma sobrancelha.
– Tenho a Sana – Ava continuou.
Alexei desviou o olhar.
– Eu sempre vou te amar, perraya lyubov.
– Meu primeiro e único amor. – Ava sorriu, saudosa.
– Mas não sou o único que a ama, Ava Anatalya. Por isso vá falar
com ela. Por mim.
Ava permaneceu em silêncio por minutos depois que ele se foi.
Sabia que Alexei tinha razão. Faria isso. Por ele.
Não, ela pensou. Por mim.

***

Natasha estava do lado de fora do Triskelion, ao lado de uma


Harley vermelha brilhante.
– O que é isso?
– É sua. É um presente, mais ou menos. Se você ignorar o fato de
que foi você quem a comprou para si mesma – Ava disse.
– Não, eu comprei para você. No seu aniversário.
– Acabou que não sou lá uma garota de Harleys. E acho que você
precisa de uma amiga nova. – Ava deu um tapinha no banco da
frente. – A Harley está com saudades de você.
Natasha olhou para a moto.
– Uau. Não sei o que dizer.
– Sei disso. Mas eu sei. – Ava olhou na direção do rio East. –
Descobri uma coisa. Existe mais de uma maneira de se estar
Emaranhada. Precisamos aceitar que estamos, mas, mais do que
isso, como estamos.
– Ah, é? E como seria?
– Somos uma família, queiramos ou não admitir isso. Pode ter
começado por causa da física quântica, ou da Sala Vermelha, ou de
Alexei, mas não é mais só isso.
Natasha a encarou com um sorrisinho nos lábios.
– Você acha?
– E eu acho que isso também significa que, por mais que
dividamos um gato, um closet, um encanamento ou a entrega de
comida, não podemos lutar juntas.
– Mas formamos uma bela equipe – Natasha disse com gentileza.
– Não formamos?
– Sim. Mas, mesmo que seja você e Yelena, ou você e eu, ou até
você e os Vingadores, precisamos seguir nossos próprios caminhos.
Ava inspirou fundo.
– Tenho que descobrir o meu caminho, e me tornar a minha
própria pessoa. Até mesmo a minha própria Viúva.
– Como Helen e Yelena? – Natasha ergueu uma sobrancelha. Ava
gargalhou.
– Talvez. Embora eu tenha a sensação de que essas duas meio
que se merecem. Mesmo que ninguém me conte o motivo.
– E nós? – Natasha deslizou uma perna para o outro lado da
Harley. – O que merecemos?
Ava lhe entregou um capacete vermelho brilhante.
– Aquilo que quisermos.
– Mesmo fantasmas? – Natasha perguntou.
– Especialmente os fantasmas. – Ava sorriu.
Alexei acenou para a irmã quando ela se afastou acelerando, com
uma mecha ruiva solta, escapando debaixo do capacete.

***

Ellie estava deitada no catre da sua cela, encarando as algemas


de ferro nos pulsos, pensando em círculos.
Havia algo perfeito na massa circular pálida do dosai cozinhando
com curry de coco no fogão de um vendedor na rua Tamil, em Kuala
Lumpur, na Malásia.
A lua cheia branca em Kowloon, pairando sobre a baía em Hong
Kong.
Um único ovo cozido em chá forte, comido num guardanapo de
papel enquanto se observam barcos flanando cheios de casais em
lua de mel no lago Sun Moon, em Taiwan.
Uma panela de fundo de aço reforçado com arroz de açafrão,
partilhada com fãs aleatórios do Real Madrid depois de uma vitória
no estádio Santiago Bernabéu.
A vista do Rio do alto do Cristo Redentor, no Corcovado.
Ela não sabia o que era, exatamente, mas havia algo. Ela sentia
isso nos ossos. No sangue.

***

Cinco minutos depois de entrar no apartamento de Tony – o seu


estava inabitável agora, graças a Helen –, Natasha encarou a
mensagem que piscava diante dela.

INDESCON: NATALYSKA.
INDESCON: POR FAVOR, NATALYSKA.
N_ ROMANOFF: NYET.
N_ROMANOFF: VOCÊ É UMA INIMIGA DO ESTADO,
YELENA.
N_ROMANOFF: VOCÊ TAMBÉM É UMA INIMIGA MINHA.

INDESCON: VOCÊ SE ACHA ASSIM TÃO DIFERENTE DE


MIM?
VOCÊ SÓ TRAIU UM ESTADO DIFERENTE.
N_ROMANOFF: FOI ISSO O QUE DISSE A SI MESMA
QUANDO SUA VERSÃO EM MINIATURA QUASE ACABOU
COM NOVA YORK?
INDESCON: ELA ERA JOVEM.
N_ROMANOFF: POR AQUI, OS JOVENS NORMALMENTE
NÃO MEXEM COM ARMAS QUÍMICAS.
INDESCON: TODOS COMETEM ERROS. ELLIE PAGARÁ
PELOS DELA.
N_ROMANOFF: AH, VOU ME ASSEGURAR DISSO.
INDESCON: É VERDADE O QUE DIZEM? QUE NÃO RESTA
NADA DA ANTIGA NATASHA?
N_ROMANOFF: TALVEZ APENAS O CABELO.
INDESCON: QUE PENA. ELA ERA UMA COISA. A
VERDADEIRA VIÚVA NEGRA, SEM REDUÇÕES OU
DILUIÇÕES. ANTES DE ELA CONHECER O EQUÍVOCO DA
MORAL OCIDENTAL.
N_ROMANOFF: A VERDADEIRA VIÚVA NEGRA? ESTÁ SE
REFERINDO ÀQUELA QUE MATOU VOCÊ?
INDESCON: E, AO QUE TUDO INDICA, NÃO.

N_ROMANOFF: O QUE ACONTECEU COM VOCÊ,


YELENA?
INDESCON: VOCÊ ME DEU COMO MORTA. A SALA
VERMELHA ME TROUXE DE VOLTA.
N_ROMANOFF: ENTÃO IVAN SOMODOROV ERA A SUA
NOIVA DO FRANKENSTEIN?
INDESCON: EU NÃO ERA O FRANKENSTEIN, NATALYSKA.
INDESCON: O QUE ESTÁ DIZENDO?
INDESCON: HELEN SAMUELS. O NOME VERDADEIRO
DELA É YELENA SOMODOROVA.
N_ROMANOFF: ISSO NÓS ENTENDEMOS. MAS VOCÊ E
IVAN? ISSO É BAIXO, MESMO PARA VOCÊ.
INDESCON: ELLIE NÃO É MINHA FILHA. É ISSO O QUE
ESTOU TENTANDO CONTAR PARA VOCÊ. ELA É UMA
DUPLICAÇÃO GENÉTICA EXATA.
N_ROMANOFF: DEIXE-ME VER SE ESTOU ENTENDENDO.
VOCÊ ERA A MINHA IMPOSTORA E ELA É A SUA…
CLONE?
INDESCON: NÃO…

INDESCON: NÃO MINHA.


AGRADECIMENTOS
Escrever com as Viúvas é sempre uma alegria; tive a sorte de
passar boa parte de mais um ano incrível com Natasha Romanoff e
Ava Orlova – sem falar em Tony Stark, Phil Coulson, Carol
Danvers… a lista segue infinitamente.
Esta é a parte em que os agradecimentos geralmente acontecem,
mas, vendo que estamos na segunda rodada com a Viúva Negra – e
acho que este é o meu décimo livro para jovens adultos, na verdade
–, todas as pessoas sem as quais não posso viver sabem
exatamente o quanto elas significam para mim: é um clube
pequeno. Dito isso, não posso escrever um livro sem mencionar
Sarah Burnes, que não é apenas uma agente, mas é tudo. Do
mesmo modo maior do que a própria vida, a editora-chefe da
Disney, Emily Meehan, e a diretora de desenvolvimento de
personagem e de conteúdo da Marvel, Sana Amanat. Considero-me
sortuda por conhecer cada uma dessas três mulheres. (Acho que o
termo técnico é “demais”.) Trabalhando com elas, estão pelo menos
outras cem pessoas que contribuíram significativamente e com
frequência neste livro e na minha vida. A cada uma delas eu sou
profunda e verdadeiramente agradecida.
Além disso, meus amigos e minha família (sejam eles com ou
sem pelos) são a minha vida – vocês sabem quem vocês são.
Reconheço isso de uma maneira ampla, não apenas aqui, mas em
toda parte, e não só quando estou publicando um livro. Vocês,
galera, são as pessoas que importam.
E, por fim: Mulheres da Marvel (e mais os esquilos), vocês
mandam muito. Estando nas plateias ou ao microfone, vocês são o
meu povo. Continuemos a nossa trajetória para a dominação
mundial.
Psssssiiiiuuuu.
M. Stohl
Julho de 2016
Leia fambém
PANTERA NEGRA: O JOVEM PRÍNCIPE
Pantera Negra. Sobetano de Wakanda. Vingador.
Este é o seu destine Agora, porém, ele se
resume a T’Challa — um jovem príncipe.
VINGADORES: O ANJO PIRATA, Á ARVORE
FALANTE E O CAPITÃO GUAXINIM
PAF! Quando um homem misterioso bateu com tudo na nave
deles enquanto voavam pelo espaço, os Guardiões da Galáxia o
trouxeram a bordo para examiná-lo. Era urn anjo? Com o tapa-ol-ho
que usava, seria... um pirata? No fim das contas, era Thor, o Deus
do Trovão, que ficou tão confuso quanto os Guardiões ao conhecer
a nova companhia: um guaxinim que era capitão de uma nave e
uma árvore falante que ele conseguia entender? Então, a equipe
mais improvável deste lado da galáxia — o Anjo Pirata, a Arvore
Falante e o Capitão Guaxinim — segue para Nidavellir na esperança
de encontrar os anões, os únicos capazes de forjar uma arma digna
de ser empunhada por Thor e poderosa o suficiente para derrotar
Thanos.
VIÚVA NEGRA: VERMELHO ETERNO
Nesta história, AVA ORLOVA está tentando se adaptar como uma
adolescente normal do Brooklyn, mas sua vida tem sido tudo menos
normal. Ela foi vítima de uma série de experimentos militares
brutais, até ser resgatada pela Viúva Negra e colocada no programa
de proteção da S.H.I.E.L.D. Desde então, Ava quer se reconectar
com sua misteriosa salvadora, mas a Viúva Negra não faz muito o
gênero “irmã mais velha”. Ou não fazia até agora.
HOMEM DE FERRO: A MANOPLA
Tony Stark é conhecido no mundo todo de diversas maneiras:
magnata corporativo, bilionário, inventor, gênio. Mas, acima de tudo,
ele é famoso por ser o super-herói da armadura vetmelha e
dourada, o invencível Homem de Fetto. O que os fãs de Tony não
sabem é que o que aconteceu na sua infância foi o que o levou a
deoxar de lado os brinquedos, substituindo-os por anmas projetadas
para manter a paz e a ordem. Eles não percebem quanta dor ele
esconde pot baixo do exterior reluzente da armadura. Mas o show
tem que continuar. As pessoas esperam dele força, sarcasmo e
extravagância o tempo todo, e ele não está disposto a desapontá-
las.
CAPITÃ MARVEL: A ASCENSÃO DA STARFORCE
A Starforce Kree reúne os mais poderosos guerreiros de elite do
negócio cósmico. Vers, a recruta mais nova, traz à equipe poderes
impressionantes com suas explosões fotônicas, mas sua natureza
impulsiva tem inspirado desconfiança junto aos outros membros da
Starforce – Korath, Att-Lass, Bron-Char e, principalmente, Minn-
Erva, a atiradora mais valiosa do time.
LOKI: ONDE MORA A TRAPAÇA
A pergunta que nos assombra há séculos:
podemos mudar nosso destino?
Muito antes de encarar os Vingadores frente a frente, um Loki
mais jovem está desesperado para provar seu heroísmo e sua
capacidade, enquanto todos ao redor parecem esperar dele apenas
vilania e depravação... exceto por Amora. A aprendiz de feiticeira de
Asgard parece ser sua alma gêmea – alguém que valoriza a magia
e a sabedoria, que pode até enxergar o melhor que existe dentro de
Loki.
THANOS: TITÃ CONSUMIDO
Tempo. Realidade. Espaço. Mente. Alma. Poder.
Descubra as origens do inimigo mais formidável que os
Vingadores, o Doutor Estranho, os Guardiões da Galáxia e o
Pantera Negra já enfrentaram — um inimigo que até mesmo um
grupo de indivíduos extraordiários, unidos para lutar em batalhas
que ninguém mais poderia, não conseguirá parar…

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