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Odair Sass*
Flavia Roberta Torezin Liba**
interesse sugere, etimologicamente, aquilo este ou aquele objeto por meio de uma
que está entre – inter – esse, que reúne o atividade do sujeito, decorre, portanto, da
sujeito e o objeto, que de outra forma ação consciente que o sujeito pode exercer
ficariam distantes. sobre o objeto. Segundo Dewey (1978, p.
Dewey (1979) critica a ideia de antepor o 71), “em interesse, não há simplesmente um
espírito ao mundo – de coisas e de fatos – a sentimento inerte ou passivo, mas alguma
ser conhecido, assim como considera esse coisa de motriz, de dinâmico”. É também
mundo como algo existente à parte dos caracterizado como objetivo, porque ele é
estados mentais e operações intelectuais, por concretizado em alguma coisa, isto é,
sua vez, também isolados e independentes. prende-se a um objeto. Mesmo com esse
Para o autor, julgar “ser o conhecimento a caráter objetivo, de acordo com o autor, é
aplicação exterior de entidades puramente um erro supor que o objeto é que desperta a
mentais às coisas a serem conhecidas, ou atividade pessoal. O objeto só interessa ao
então o resultado das impressões que essa sujeito na medida em que favorece a
matéria exterior de estudos faz no espírito” concretização de sua atividade. Por fim, deve
(Dewey, 1979, p. 143), é conceber a matéria ser considerado como um atributo pessoal,
como algo completo por si mesmo, “a ser porque está diretamente ligado a alguma
aprendida ou conhecida, seja pela aplicação coisa que tenha importância para o sujeito.
voluntária da mente ou espírito a esse objeto Como se apreende, a crítica de Dewey
exterior, seja pelas impressões feitas por ele (1978) a Herbart (s/d) recai sobre a questão
no espírito” (Dewey, 1979, p. 143). Essas da atividade do ser vivo. Para o primeiro, o
concepções, segundo o autor, são falsas, defeito da teoria herbartiana reside,
pois, para ele, o interesse é uma palavra que justamente, em não conceber a existência de
exprime uma atitude. A atitude de quem um ser vivo, de funções ativas, que se
toma parte em alguma espécie de atividade, desenvolvem quando colocadas em contato
de modo a lhe dar uma direção: com o ambiente. O deslocamento do
interesse para o sujeito leva o autor a
O verdadeiro interesse é o sinal de que formular, nos seguintes termos, a base
algum material, objeto, habilidade, ou psicológica do interesse:
o que quer que seja, está sendo
apreciado, de modo, a concorrer para a
Um interesse é primariamente uma
marcha progressiva de uma ação, com forma de atividade própria do
a qual a pessoa tenha se identificado.
organismo; isto é, uma forma de sua
Interesse verdadeiro, em suma,
evolução ou crescimento que se realiza
significa que uma pessoa se identificou
através da atividade, em tendências
consigo mesma, ou encontrou a si
nascentes. Se examinarmos essa
mesma, no curso de uma ação.
atividade pelo lado do que produz,
(DEWEY, 1978, p. 86).
temos seus aspectos objetivos: idéias,
objetos, etc., a que o interesse se
Observa-se, portanto, que, para Dewey prende. Se levarmos em conta que o
(1978), assim como para Herbart (s/d), o interesse nos desenvolve a nós
interesse é um modo de entender a relação mesmos, porque o eu toma parte em
sujeito e objeto. A diferença é que para o sua expressão, temos o lado pessoal ou
segundo, o interesse é objetivo e passivo, até emocional. Qualquer consideração
ser convertido em vontade pela consciência, integral sobre interesse deve, portanto,
converte-se em consciência, enquanto que, concebê-lo como uma atividade em
para o primeiro, o interesse é associado à marcha dentro de cada um de nós, a
fim de atingir um objeto, no seu
própria atividade, ou, mais precisamente
julgamento de valor. (DEWEY, 1978,
àquele que age relativamente ao objeto; neste p. 73).
sentido, o interesse é ativo, objetivo e
pessoal, como elemento ativo é tomado por
Decroly, segundo Lourenço Filho (1978), ser objeto de seu conhecimento, na medida,
seria preciso modificar a essência ou a é claro, das capacidades infantis”
dinâmica do trabalho escolar. Para essa (LOURENÇO FILHO, 1978, p. 190).
modificação, Decroly (apud LOURENÇO Decroly apresentava, como padrão, um
FILHO, 1978) propõe que o ensino se programa de ideias associadas:
desenvolva por centros de interesses, isto é,
um programa fundado sobre interesses a) Conhecimento, pela criança de suas
médios e gerais do aluno, estabelecendo um necessidades (necessidades: de
traço de união entre os diversos elementos alimentar-se, de lutar contra as
do conteúdo: intempéries, defender-se contra os
perigos e acidentes diversos, de
Tudo que peço, como conhecimento trabalho, da ação, da renovação
escolar, dizia Decroly, está nos constante e da alegria solidária);
programas comuns. Só há uma b) Conhecimento do meio (a criança e:
diferença: é que proponho criar um a família, a escola, os animais, as
laço entre as disciplinas, para fazê-las plantas, o sol, a lua e as estrelas, a
convergir ou divergir de um mesmo Terra, água, ar, minerais).
centro. Todo o ensino à criança se (LOURENÇO FILHO, 1978, p. 190-
dirige; dela se irradiam, também todas 191).
as lições. Isso é como um fio de
Ariadne, que permite ao espírito Percebe-se que o conceito de interesse é
infantil orientar-se e, assim, não se fundamental no pensamento de Decroly, à
perder no Dédalo infinito das noções medida que a necessidade gera o interesse da
que os séculos têm acumulado. Desse criança pelo conhecimento de suas próprias
modo tenho sempre em conta o necessidades de sobrevivência e aquelas
elemento afetivo primordial, o decorrentes do meio físico e social.
interesse da criança, que é de tudo a Um programa, baseado nos princípios
alavanca. (LOURENÇO FILHO,
dos centros de interesse de Decroly, foi
1978, p. 192).
elaborado pelo professor Abner de Moura,
em 1931, e apresentado em sua obra Os
O eixo norteador desses programas são
Centros de Interesse na Escola. De acordo com o
as necessidades das crianças. Tais programas
autor, as sugestões apresentadas têm por
são caracterizados pela aplicação do que o
finalidade mostrar que é possível iniciar a
autor chama de ideias associadas, ou seja, o
renovação da escola. A obra, segundo o
estudo do aluno e do meio. Para ele, o mais
autor, tem o objetivo, antes de tudo, de
interessante a ser estudado é o próprio
sugerir maneiras de praticar as ideias de
aluno, isto é, o funcionamento de seu corpo,
Decroly, em ambiente brasileiro, pois, de
para, em seguida, estudar o meio em que
acordo com Moura (1931), Decroly havia se
vive. As necessidades servem de eixo, pois
negado – o que pareceu ao professor Abner
determinam a forma de elaborar o programa.
um gesto de humildade e uma indicação
Para Decroly, de acordo com o autor
bastante simpática da personalidade do
brasileiro, “as necessidades da criança
educador belga – a expor, sob a forma de
servem de eixo: tudo quanto a natureza e a
livro, a sua concepção pedagógica, por várias
sociedade realizem para satisfazê-las pode
razões: porque não considerava ultimado seu
sistema; porque acreditava que a prática de
inexistência, nas bibliotecas consultadas, das obras cada dia e o estudo assíduo da vida infantil
referidas pelos educadores brasileiros. Lacuna que obrigavam-no a corrigir constantemente as
precisa ser preenchida por outros estudos. Apesar suas opiniões e minúcias de técnica; porque
dessa limitação, a sua inclusão no presente artigo
estava convencido de que o êxito de um
deve-se justamente para registrar uma perspectiva
teórica bastante mencionada, mas que parece não ter sistema educativo depende da preservação,
sido devidamente documentada ou disponível para a por longo tempo, desse sistema exposto à
pesquisa.