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FAYGA MARCIELLE MADEIRA DE OLIVEIRA

ALÉM DA TEMPESTADE: IDENTIDADES LATINO-AMERICANAS E


PROJETOS POLÍTICOS NO BRASIL NO INÍCIO DO SÉCULO XX

CAMPINAS
2015

i
ii
UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS
Instituto de Filosofia e Ciências Humanas

FAYGA MARCIELLE MADEIRA DE OLIVEIRA

Além da Tempestade: identidades latino-americanas e projetos políticos no Brasil no


início do século XX

Orientadora: Prof.ª Dr.ª Josianne Francia Cerasoli

Dissertação de Mestrado apresentada ao


Programa de Pós-Graduação em História do
Instituto de Filosofia e Ciências Humanas para
obtenção do título de Mestra em História, na
Área de Política, Memória e Cidade.

Este exemplar corresponde à versão final da


dissertação defendida pela aluna Fayga
Marcielle Madeira de Oliveira e orientada
pela Prof.ª Dr.ª Josianne Francia Cerasoli em
__/__/____.

______________________

CAMPINAS
2015

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FOLHA DE APROVAÇÃO

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Resumo
Este estudo investiga o debate entre Manoel Bomfim e Sílvio Romero, a partir das
publicações dos livros dos autores, ambos chamados A América Latina (de 1905 e 1906).
Visa à compreensão dos repertórios políticos e intelectuais mobilizados pelos autores e os
projetos de nação que eles fundamentavam. Ademais, objetivou-se analisar o condensado
conceitual compreendido na noção de América Latina para perceber como e por que este
conceito funciona politicamente e quais os entendimentos possíveis dos intelectuais
brasileiros no período sobre esta noção. Para tanto, além dos livros citados, pesquisou-se
jornais e revistas, nacionais e estrangeiras, e correspondências entre dois importantes
artífices da política externa no Brasil em plena vigência dos imperialismos, o ministro
Barão do Rio Branco e o embaixador Joaquim Nabuco, a fim de problematizar os lugares-
comuns presentes nas interpretações da contenda entre Bomfim e Romero e perceber a
complexidade do conceito de América Latina além das marcantes imagens literárias
representadas pelas personagens da peça shakespeariana A Tempestade.

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Abstract
This study investigates the debate between Manoel Bomfim and Silvio Romero from the
publications of the authors’ books, both called A América Latina (1905 and 1906). This is
aimed at understanding the political and intellectual repertoires mobilized by the authors
and the national projects from which they are based. Moreover, the objective was to
analyze the conceptual condensate understood in the notion of Latin America to understand
how and why this concept works politically and what are the possible understandings of
Brazilian intellectuals in the period on this subject. Therefore, besides these books, it was
researched newspapers and magazines, domestic and foreign, and matches between the two
main architects of foreign policy in Brazil under full force of imperialisms, the minister
Baron of Rio Branco and ambassador Joaquim Nabuco, to question the platitudes presented
in the interpretations of the strife between Bomfim and Romero, and realize the complexity
of the concept of Latin America beyond the striking literary images represented by the
characters in the Shakespearean play The Tempest.

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Sumário
Introdução ..........................................................................................................................1
Caleidoscópio identitário................................................................................................................ 1
Apresentação ..................................................................................................................................2
Tramas: conceito e linguagens........................................................................................................ 5
CAPÍTULO I - ¿América Latina? .......................................................................................... 9
Nossa América................................................................................................................................9
América Latina, urdidura de um conceito político ......................................................................... 13
Cartografia semântica: a América antes de se dizer latina ............................................................ 15
Ariel: a serviço do espírito latino-americano ................................................................................ 23
Caliban: um latino-americano ...................................................................................................... 26
Américas imaginadas.................................................................................................................... 30
CAPÍTULO II – América Latina em debate: Manoel Bomfim e Sílvio Romero ................... 33
Dos males, o maior ....................................................................................................................... 33
O moço escritor e o velho cacógrafo ............................................................................................. 36
Sílvio Romero e o parasitismo bomfínico ...................................................................................... 42
Manoel Bomfim: a extemporaneidade de um autor ou a eternidade dos problemas ....................... 48
CAPÍTULO III: Uma nação por construir: raça e história enquanto problemas ..................55
A nação em perspectiva ................................................................................................................ 55
A questão da raça: o dilema do naturalista ................................................................................... 57
A questão histórica: boas e más heranças ..................................................................................... 66
Colcha de retalhos e outras costuras ............................................................................................ 75
Repercussões e debates: leituras das Américas Latinas ................................................................. 78
CAPÍTULO IV – América Latina no Brasil dos anos 1900 .................................................. 85
E queremos ser americanos... ....................................................................................................... 85
O Barão da República .................................................................................................................. 90
Mais à pátria do que à República ................................................................................................. 96
Imigração: importação de braços ou de problemas ..................................................................... 101
A Águia, o Chanceler e a Pantera ............................................................................................... 104
Considerações finais – além da Tempestade ................................................................... 115
Referências bibliográficas ............................................................................................... 117
Fontes ........................................................................................................................................ 117
Referências ................................................................................................................................. 119

xi
Sítios eletrônicos ........................................................................................................................ 124
Anexo 1........................................................................................................................... 127

xii
Aos meus irmãos Nathália, Phelipe e Victor.

xiii
xiv
Agradecimentos
Aos professores da área de Política, Memória e Cidade. E, com carinho, aos professores do
Núcleo História e Linguagens Políticas: Razão, Sentimentos e Sensibilidades, pelos últimos
anos de intenso aprendizado. Ao CNPq, pelo financiamento desta pesquisa.

À professora Stella Bresciani, que generosamente aceitou meu projeto e me orientou nos
primeiros passos. À professora Izabel Marson, que acompanhou a pesquisa bem de perto,
como interlocutora atenta na revisão do projeto e na qualificação. Agradeço ainda o aceite
em compor a banca da dissertação. Também pela disposição em aceitar o convite, agradeço
à professora Virgínia Camilotti e ainda mais pelas preciosas contribuições para este
trabalho. À professora Márcia Naxara pelo aceite em compor a banca e por todos os bons
encontros.

À Josi, já na impossibilidade de agradecer por tudo, não perco a oportunidade de fazê-lo.


Agradeço pela confiança, reiterada em mais essa acolhida, com paciência e amizade. Por
me ensinar a ser autora, não apenas das linhas que escrevo, mas das escolhas que faço. E,
além disso, ainda me orienta... Obrigada.

Agradeço ao Tiago, my Tea, pela amizade tão profunda, cheia de alegria e cumplicidade,
renovadas dia-a-dia. Meu amigo de infância.
Às minhas amigas Ariane e Cláudia, mulheres tão doces e tão fortes que sempre me
inspiram.
Ao Harlen, amigo sem o qual as pedras do caminho teriam sido muito maiores. A outra
engenheira, Renata, pela amizade de sempre.
À Bea, pelo carinho e apoio em todos os momentos. À Laura pelos olhinhos brilhantes tão
dispostos a aprender, e pelo café colombiano!
À Karla Bessa, com todas suas boas vibrações e leveza.

À minha turma de mestrado, tão unida e alegre, seja na aula seja no bar. Em especial, as
divas Legea, Gabe, Rae e Ana Carolina por toda ajuda, muito além da acadêmica. À Marina
Martin, pela empolgação contagiante. À comadre Fernanda, por toda doçura. Ao Rafa,
pelos bons momentos.
Aos amigos do IFCH e do CIEC, por toda a jornada e todos os encontros, em especial,
Clecia e Carlos Alberto. Aos amigos dos últimos anos, por tudo, Flaiane, Munis, Gustavo
Henrique, Nádia, Felipe. Aos professores e amigos, Deivy Carneiro, Guilherme Amaral
Luz e Jacy Seixas.

Às minhas famílias adotadas. Do além-mar, Américo e Maria Júlia, carinho além do tempo
e da distância. E das Campinas, a querida Tia Carme.

Agradeço à minha família pelo porto-seguro que sempre tenho imensa alegria de voltar e
pelo apoio incondicional, mesmo com tanta saudade. À vovó, tão generosa. À mamãe, com
quem sempre posso contar. E ao papai, meu exemplo de guerreiro. Também aos meus três
irmãozinhos, pelo nosso sempre divertido mundo paralelo, onde a infância nunca termina.

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AMÉRICA, no invoco tu nombre en vano.
Canto General VI – Pablo Neruda

O Reno: no exato momento em que pronuncia esse breve nome, o


homem de hoje sente brotar em si mesmo uma imagem. Sobre a página
em branco de sua memória perfila-se, com uma nitidez singular, o
traçado de um grande rio histórico: aquele que, do maciço do Andula
até as margens do mar do Norte, desdobrando suas curvas
contrariadas, desfia um leito onde correm, furiosamente de início,
depois estrangulam-se e, finalmente, estendem-se águas poderosas.
Nenhum mistério nessa evocação, nenhum problema nesse
reconhecimento. Esse Reno é uma pessoa. Não hesitemos em
reconhecer, ao vê-lo diante de nós, um velho amigo de sempre.
O Reno – Lucien Febvre

xvii
xviii
Introdução

Caleidoscópio identitário

América Latina, expressão utilizada como título do livro lançado, em 1905, por
Manoel Bomfim, insuspeita à primeira vista, pode revelar-se bastante controversa. Esta
locução e seu uso pelo autor, para evocar um pertencimento comum entre o Brasil e seus
vizinhos, provoca críticas após sua publicação, em especial de Sílvio Romero. Esse debate,
protagonizado pelos dois autores, instiga importantes reflexões acerca do entendimento em
torno do conceito de América Latina neste período e a possibilidade de desnaturalizar seu
uso contemporâneo.
A polêmica entre os autores não se dá pela contraposição de definições de América
Latina, nem pela simples adesão ou rejeição a essa noção, mas pela mobilização de um
amplo repertório intelectual que fundamenta projetos políticos – repertório compartilhado
em resposta a questões comuns, mas em constante interação e confronto, enquanto
linguagens políticas. A noção de América Latina permanece uma incógnita na escrita dos
autores, carente de qualquer tentativa de precisão (seja por aparente desinteresse ou
impossibilidade), fazendo com que uma questão central também permaneça: o que os
autores brasileiros, ainda nos primeiros anos do século XX, possivelmente diziam ou
pretendiam dizer quando se referiam a uma América Latina?
A investigação do debate entre Manoel Bomfim e Sílvio Romero, com uma reflexão
apoiada também na história dos conceitos políticos implicados na contenda, traz indícios
para a proposição de hipóteses. Neste trabalho, considerou-se sobretudo o entendimento
dos autores sobre América Latina como diretamente vinculado ao projeto de nação que
defendiam. Esta identidade supranacional latino-americana lhes serviu como parâmetro
para compreensão da nação na qual queriam intervir, pois julgavam inacabada,
notadamente, em relação àquelas que projetavam.

1
O caleidoscópio, invenção que encantou a Europa no início do século XIX, nos
serve como metáfora a apreensão da noção de América Latina como algo perenemente
impreciso, alterada em cores e padrões a cada volta e para cada observador. Em especial,
porque se desenha em linhas político-identitárias e, tal como os projetos nacionais, evoca
um suposto passado comum que pretensamente os justifica e projeta horizontes de
expectativas que compõem uma comunhão de destino. Estas características, que permeiam
as construções das identidades nacionais, são essencialmente fluidas. Assim, não há a
pretensão de desvendá-las, mas de percebê-las em relação às linguagens políticas
mobilizadas neste debate intelectual em plena era dos impérios1.

Apresentação

Esta pesquisa teve início na tentativa de compreender a polêmica entre Manoel


Bomfim e Sílvio Romero, com as publicações dos livros dos autores, ambos chamados A
América Latina2, entre 1905 e 1906. A princípio, a análise voltava-se para os projetos
políticos nacionais defendidos por Bomfim e Romero e as relações destes com um âmbito
mais abrangente, supranacional, colocado em questão pela expressão América Latina.
Todavia, as leituras da documentação, tanto das obras quanto da imprensa do período, me
despertaram para a importância de problematizar os usos da noção de América Latina, para
compreendê-la além de suas comuns referências atuais e dimensioná-la na escrita dos
autores do período estudado.

As disputas em torno de (im)possíveis identidades deste lugar político-cultural


(re)conhecido por América Latina precisam ser entendidas e investigadas em sua
complexidade, além dos lugares-comuns que evocam. Tal questão possui uma historicidade
mais abrangente e tem como marco importante o início do século XX. A análise da questão

1
Expressão que dá nome ao livro de Eric Hobsbawm sobre o período entre finais do século XIX (1875) e a
eclosão da Grande Guerra em 1914. Cf. HOBSBAWM, Eric J., A Era dos Impérios 1875-1914. Trad.
Yolanda Toledo. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2009 [1ªed. 1988]. A Era dos Impérios faz parte de uma coleção
de obras de história contemporânea de Hobsbawm, os outros volumes são: A Era das Revoluções (1789-
1848), A Era do Capital (1848-1875) e A Era dos Extremos – O breve século XX (1914-1991).
2
BOMFIM, Manoel. A América Latina – males de origem. 4ª ed. Rio de Janeiro: Topbooks, 2005 [1ªed.
1905]; ROMERO, Sílvio. A América Latina – Análise do livro de igual título do Dr. M. Bomfim. Porto:
Livraria Chardon, 1906. Toda documentação foi transcrita em grafia atual.

2
nesse período torna-se fundamental para o entendimento das relações entre os lugares-
comuns e os conceitos, ao percebermos que a intelectualidade dos países americanos (em
especial os de colonização ibérica) se debruçou largamente sobre questões identitárias
nacionais e regionais. Estudos sociológicos fundamentados em leituras históricas e de
cunho biológico, conforme o repertório intelectual cientificista de finais do século XIX,
visavam seus projetos e atuações políticas. Tendo em vista essas reflexões, que motivaram
esta pesquisa, e os próprios caminhos da investigação para a dissertação, desenvolvi os
capítulos sintetizados a seguir.

No primeiro capítulo, ¿América Latina?, proponho situar historicamente, de acordo


com a bibliografia, algumas das percepções político-identitárias vinculadas à noção de
América Latina entre os séculos XIX e XX. Aparte sua invenção historicamente recente,
em meados do século XIX, a expressão América Latina, longe de corresponder apenas ao
topônimo de um subcontinente, é permeada por disputas políticas e identitárias que podem
ser apreendidas também e de forma significativa na aparente naturalidade de seu uso
corrente. Tendo como parâmetro tanto nossas compreensões atuais quanto aquelas que
seriam possíveis para os autores no início do século XX. Tal apreensão visa privilegiar o
entendimento dos autores a partir de seus horizontes de expectativas.
Entretanto, o objetivo não é meramente negar o coletivo identitário e geográfico
(re)conhecido como América Latina, mas compreender como e por que o conceito funciona
politicamente. A análise histórica dos conceitos atenta para a ressignificação de termos, o
advento de neologismos e as adequações dos conceitos a usos políticos específicos e,
portanto, historicamente variáveis. Nisto reside sua característica projetiva, que constitui
importante arma política por meio de seus processos de transformação, ao agregar valores
ou negar preceitos. A partir dessa reflexão metodológica, presente em todo o texto, mas
especial neste capítulo, busquei aventar possibilidades sobre a compreensão sincrônica e
diacrônica do conceito de América Latina.
No segundo capítulo, América Latina em debate: Manoel Bomfim e Sílvio Romero,
apresento as obras de Bomfim e Romero, destacando a conjuntura intelectual de suas
produções, pensadas sobretudo para compreensão e formação de uma nação considerada

3
incompleta. Trata-se de uma questão persistente, em diferentes matizes, na bibliografia
sobre o tema que, em linhas gerais, tende a focar a perenidade dos problemas nacionais
brasileiros ou, em outra escala, latino-americanos. Esse tema é abordado a partir da leitura
da América Latina de Manoel Bomfim, suas teses e pressupostos, e em relação às tensões
provocadas pela interpelação de Sílvio Romero. Definidos os termos do debate entre os
autores, a análise se desenvolve num diálogo crítico com a bibliografia sobre Manoel
Bomfim, problematizando algumas hipóteses a fim de contribuir, de forma propositiva,
com a historiografia sobre o tema. E questionar sobretudo a conclusão recorrente da
extemporaneidade de Bomfim – ou dos problemas brasileiros.
Em Uma nação por construir: raça e história enquanto problemas, terceiro
capítulo, exploro dois eixos que me pareceram fundamentais para as teorias Bomfim e
Romero, os problemas de raça e história, de grande apelo aos contemporâneos. Tais
questões concentram aqueles que a intelectualidade entendia como os males de origem do
país e da América de colonização ibérica. Entretanto, conforme a hipótese que discuto, a
noção de América Latina mais do que às questões sobre as supostas origens comuns, estava
essencialmente ligada aos projetos políticos que os autores defendiam. Projeções estas que
os afastavam ou aproximavam deste pertencimento identitário – tema que não é respondido
de maneira simples pelos autores.
Por fim, abordo o debate suscitado na imprensa a partir da publicação das obras,
bem como de discussões em torno desses temas que aparecem nas páginas dos periódicos.
Priorizo os aspectos mais recorrentes nos escritos desses jornalistas que, ao discutirem as
obras levantam questões sobre a compreensão no período da noção de América Latina.
Desse modo, a análise pretende, a partir da inserção de Bomfim e Romero nos debates,
compreender as possibilidades de se pensar uma América Latina/latina para a
intelectualidade brasileira nos inícios do século XX.
O último capítulo, América Latina no Brasil dos anos 1900, se ocupa de investigar a
relação dialógica das obras de Bomfim e Romero com algumas das questões mais
candentes na época. No período, os crescentes ânimos nacionalistas, os grandes fluxos
migratórios da Europa para o país e a resolução dos problemas de fronteira dominavam a
pauta da imprensa brasileira e mobilizavam a pena dos intelectuais na conformação das

4
identidades (inter)nacionais. Nesse sentido, são analisadas as vertentes identitárias
americanistas e europeístas a partir da tensão colocada pela proposição de uma América
Latina. Destaca-se na cena política brasileira a atuação do Ministério das Relações
Exteriores, por meio de figuras proeminentes como o chanceler Barão do Rio Branco e o
embaixador Joaquim Nabuco. O debate entre eles e suas diferentes compreensões sobre o
projeto pan-americano, e por representarem a política oficial do governo brasileiro, serve
como contraponto para perceber a inserção das interpretações de Bomfim e Romero nas
complexas discussões sobre a política internacional na Primeira República e, mais
profundamente, da própria percepção da nação que se quer construir. Investigação que
levanta outras possibilidades de apreensão da noção de América Latina neste período.

Tramas: conceito e linguagens

O historiador inglês John G. A. Pocock, em debate sobre as relações possíveis entre


a Begriffsgeschichte kosellekiana e a abordagem contextualista da Escola de Cambridge,
defende a complementaridade das duas leituras.3 A partir de metáforas têxteis, o autor fala
de diagrama de tecido, trama, urdidura, Pocock coloca que os fios verticais da trama
poderiam corresponder a “história dos conceitos individuais” enquanto os fios horizontais
seriam compostos pelas “linguagens ou discursos sincronicamente existentes”. Ainda que
defenda a primazia da sua abordagem, a tecitura a que o autor se refere tornou-se
importante como referência metodológica para este trabalho, pois esta metáfora dos fios de
um mesmo tecido orienta para esse duplo entendimento: das construções históricas de um
conceito e, ainda, de sua força no embate de diferentes linguagens políticas,
simultaneamente. Em especial para esta pesquisa, na compreensão dos diferentes
entendimentos do conceito de América Latina, bem como de suas permanências, por um

3
Em ocasião da publicação do sétimo e último volume do dicionário Geschichtliche Grundbegriffe realizou-
se um simpósio patrocinado pelo German Historical Institute de Washington-DC (EUA) em 1992.
Participaram do simpósio, entre outros, Reinhart Koselleck e John G. A. Pocock. Os trabalhos do evento
foram publicados, em 1996, sob o título The meaning of historical terms and conepts. A edição brasileira,
utilizada neste trabalho, História dos conceitos: debates e perspectivas, foi organizada por Marcelo Jasmin e
João Feres Jr.. Cf. JASMIN, Marcelo Gantus; FERES, Jr., João (org.). História dos conceitos: debates e
perspectivas. Rio de Janeiro: PUC-Rio/Loyola, 2006.

5
longo período, a preferência foi pela abordagem kosellekiana. Nas leituras sincrônicas
privilegiadas na análise das disputas intelectuais protagonizadas por Manoel Bomfim e
Sílvio Romero e com seus contemporâneos, notadamente através da imprensa, destaco as
contribuições do contextualismo inglês.
A necessidade de se ajustar o foco de análise relaciona-se com a natureza viva da
linguagem e suas complexas interações que existem simultaneamente em determinado
tempo. Segundo Pocock, essas interações abrangem “(...) um vocabulário, uma gramática,
uma retórica e um conjunto de usos, pressupostos e implicações, que existem juntos no
tempo e são empregáveis por uma comunidade semi-específica de usuários de linguagem
para propósitos políticos (...).”4, portanto, linguagens ou discursos que existem em
concorrência, confronto e contestação, se intervindo mutuamente.
Para a análise dos debates entre os autores, em suas dinâmicas políticas,
mobilizando o repertório disponível, justifica-se a referência ao enfoque collingwoodiano
defendido por Skinner e Pocock. Especialmente deste último, pois enquanto Quentin
Skinner centra seu trabalho na intencionalidade autoral, Pocock se preocupa com os
deslocamentos conceituais introduzidos por um autor nas linguagens que lhe são
contemporâneas, na expressão do autor, nos “vocabulários políticos”. Essas várias
linguagens coexistem e muitas vezes possuem interesses conflitantes.
Ainda que a metodologia collingwoodiana também seja comprometida com os
aspectos mais estáticos da linguagem e suas lentas atualizações diacrônicas, Pocock destaca
como ela funciona melhor na percepção sincrônica. Dessa forma, o autor dá preferência
para a interpretação das possíveis inovações, ou suas tentativas, que surgem das interações,
ou seja, na performance dos autores, “para então ver como este mundo [de linguagem]
estava sendo usado no momento e como estava sendo modificado no curto prazo.”5 O
conceito de performance, utilizado por Pocock na investigação das linguagens políticas, é
voltado para o entendimento das mobilizações discursivas dos autores em um contexto de

4
POCOCK, John G. A. Conceitos e discursos: uma diferença cultural? Comentário sobre o paper de Melvin
Richter. In: JASMIN, Marcelo Gantus; FERES, Jr., João (org.). História dos conceitos: debates e
perspectivas. Rio de Janeiro: PUC-Rio/Loyola, 2006, p.83-84.
5
POCOCK, John G. A., Ibid., 2006, p.85.

6
langue, que envolve o conhecimento de seu repertório comum, aquelas que poderiam ser
consideradas suas novidades e o campo de debate criado:

A partir dos textos que eles escreveram, a partir do nosso conhecimento da


linguagem que usavam, das comunidades de debate às quais pertenciam, dos
programas de ação que foram colocados em prática e da história do período em
geral, frequentemente é possível formular hipóteses referentes às necessidades
que eles tinham e às estratégias que desejavam levar adiante, e testar essas
hipóteses usando-as para interpretar as intenções e as ações dos próprios textos. 6

A partir dessas indicações é possível nuançar a problemática sintetizada


anteriormente, a saber, o que os autores brasileiros, ainda nos primeiros anos do século
XX, possivelmente diziam ou pretendiam dizer quando se referiam a uma América Latina?
Indagação que se desdobra e nos permite inquerir outros aspectos na investigação das obras
de Manoel Bomfim e Sílvio Romero e de suas comunidades de debates, entre eles: quais
seriam seus pressupostos teóricos, e a abrangência destes; quais as discordâncias
interpretativas e as principais hipóteses aventadas; quais poderiam ser suas motivações
políticas e que projetos defendiam; e, com quais questões públicas contemporâneas
estariam envolvidos.

6
POCOCK, John G. Linguagens do Ideário Político. MICELI, Sérgio (org.). Trad. Fábio Fernandez. São
Paulo: EDUSP, 2003, p.38.

7
8
CAPÍTULO I - ¿América Latina?
Poor Ariel sends this silent token
Of more than ever can be spoken;
Your guardian spirit, Ariel, who
From life to life must still pursue
Your happiness, for thus alone
Can Ariel ever find his own.
P. B. Shelley
To a Lady, with a Guitar, 1821

Nossa América

Cento e trinta anos atrás, José Martí celebrava a emancipação política das ex-
colônias ibéricas. Creio que temos sido fiéis a essa emancipação. De colônias
passamos à condição de Estados soberanos e hoje avançamos na construção de
uma região cada dia mais integrada, uma América nossa, no dizer de José Martí.
Região na qual nós, brasileiros, nos sentimos orgulhosos de viver. 1

Este trecho do discurso da presidenta brasileira Dilma Rousseff, na abertura da II


Cúpula da Comunidade dos Estados Latinoamericanos e Caribenhos2 (CELAC), em
janeiro de 2014, é paradigmático acerca da importância contemporânea das relações
político-identitárias do Brasil com os outros países do continente. Relações, sem dúvida, de
grande relevância econômica, mas que não se encerram em acordos comerciais, e
mobilizam complexas conformações identitárias, neste caso, designadas como ‘latino-
americanas’. Se, por um lado, a invocação de Martí, com nuestra América, e a referência às
independências coloniais (do início do século XIX) remetem, no discurso da presidenta, a
uma identificação aparentemente segura e natural entre os países de colonização ibérica,

1
ROUSSEFF, Dilma. Discurso da Presidenta da República, Dilma Rousseff, durante a I sessão de trabalho
da II Cúpula da Comunidade dos Estados Latino-Americanos – CELAC. Havana, Cuba, 28 de janeiro de
2014. Portal do Planalto. Disponível em: http://www2.planalto.gov.br/imprensa/discursos/discurso-da-
presidenta-da-republica-dilma-rousseff-durante-a-i-sessao-de-trabalho-da-ii-cupula-da-comunidade-dos-
estados-latino-americanos-celac Acesso: 06 de fev. 2014.
2
O projeto de lançamento da CELAC, considerado como primeiro encontro da cúpula ocorreu em 2008 no
Brasil. E contou com a presença de representantes de todos os 33 países reconhecidos da região, inclusive de
Cuba, sistematicamente excluída de encontros regionais desde o embargo norte-americano à ilha (em 1962), e
que foi sede da segunda Cúpula, em 2014.
Disponível em: www.itamaraty.gov.br/temas/america-do-sul-e-integracao-regional/celac; www.celac.gob.ve/
Acesso: 6 de fev. 2014

9
por outro, não evita incômodos questionamentos, patentes na própria fala de Dilma
Rousseff e que denotam os (não poucos) esforços políticos empreendidos na construção
dessas identidades:

Até cinco anos atrás, os chefes de Estado e de Governo da América Latina e do


Caribe nunca [ênfase na pronúncia] se haviam reunido de forma exclusiva. A
reunião que lançou o projeto CELAC, realizada na Bahia, no Brasil, em 2008,
marcou esse encontro histórico e inédito. É inacreditável que tenhamos esperado
500 anos para que isso acontecesse. 3

A inacreditável espera de 500 anos pode tornar-se mais crível a partir da


compreensão histórica do problema. A integração/identificação destas nações em torno de
uma proximidade (linguística e cultural) de origem latina é historicamente recente (mais
ainda com o adendo “caribenho”) e complexa. Envolve em seu fundamento disputas
identitárias nas quais uma identidade da América Latina é historicamente bastante
questionável e questionada. São disputas nas quais intelectuais, como José Martí,
participaram de forma intensa entre o final do século XIX e todo o século XX.
Nesse sentido, tanto o discurso presidencial quanto a própria iniciativa da CELAC
figuram aqui como exemplos possíveis, entre inúmeros outros, das configurações
identitárias de América Latina no século XXI. Estas configurações, que funcionam
justamente apoiadas em uma pretensa naturalidade das relações e continuidades que evoca,
nos serve, pelo contrário, como contraponto e questionamento. Ao se pensar a América
Latina contemporaneamente não há a intensão de remeter a um porto seguro para o
entendimento destas identidades. Pelo contrário, essa reflexão nos serve como ponto de
partida para problematizar e historicizar seus usos.
Entre relações possíveis/desejáveis com as América(s), o lugar do Brasil nesse jogo
político tem sido percebido de forma ambivalente, com tentativas de identificação e
integração cultural e acusações de exercício de um imperialismo brasileiro. Tal questão, na
ordem do dia das relações internacionais do país, de querer fazer o “Caribe mais latino-

3
ROUSSEFF, Dilma. Discurso da Presidenta da República, Dilma Rousseff, durante a I sessão de trabalho
da II Cúpula da Comunidade dos Estados Latino-Americanos – CELAC. Havana, Cuba, 28 de janeiro de
2014. In: Portal do Planalto: http://www2.planalto.gov.br/imprensa/discursos/discurso-da-presidenta-da-
republica-dilma-rousseff-durante-a-i-sessao-de-trabalho-da-ii-cupula-da-comunidade-dos-estados-latino-
americanos-celac Acesso: 06 de fev. 2014.

10
americano, e a América Latina mais caribenha”4, remete a uma historicidade mais
abrangente e tem como marco importante o início do século XX. Período este fundamental
para o entendimento destas relações, tanto no que concerne à produção intelectual brasileira
e regional, quanto às questões de fronteira com intensa atuação da diplomacia brasileira.
Não se trata, todavia, de simplesmente negar a existência de um coletivo identitário
e geográfico (re)conhecido como América Latina. O interesse é justamente entender como e
por que o conceito funciona politicamente. Nesse ponto é interessante fazer num paralelo
com o trabalho do intelectual palestino Edward Said e os termos orientalismo/Oriente.5
Said, apesar de extremamente crítico ao orientalismo e, como sua decorrência, à imagem
que este constrói do Oriente, não nega sua “realidade histórica” por mera oposição à ideia,
mas reafirma essa realidade no discurso, ou em outras palavras, seu funcionamento
enquanto prática discursiva6:
Comecei com a suposição de que o Oriente não é um fato inerte da natureza. Não
está meramente lá, assim como o próprio Ocidente não está apenas lá. Devemos
levar a sério a notável observação de Vico segundo a qual os homens fazem sua
própria história, e que só podem conhecer o que fizeram, e aplicá-la à geografia:
como entidades geográficas e culturais – para não falar de entidades históricas –,
os lugares, regiões e setores geográficos tais como o ‘Oriente’ e o ‘Ocidente’ são
feitos pelo homem. Portanto, assim como o próprio Ocidente, o Oriente é uma
ideia que tem uma história e uma tradição de pensamento, imagística e
vocabulário que lhe deram realidade e presença no e para o Ocidente. 7

A partir dessa problematização, Said faz algumas considerações metodológicas para


seu trabalho sobre a ideia de Oriente, que pode ser pensado também para o objeto deste
estudo. Primeiramente, o autor considera a consistência, criada por uma “constelação
regular de ideias”, o que permite supor que ela – a ideia de Oriente –, não se resume a uma
“estrutura de mentiras ou de mitos”. Ainda que considere o orientalismo, conforme suas

4
ROUSSEFF, Dilma. Discurso da Presidenta da República, Dilma Rousseff, durante a I sessão de trabalho
da II Cúpula da Comunidade dos Estados Latino-Americanos – CELAC. Havana, Cuba, 28 de janeiro de
2014. In: Portal do Planalto: http://www2.planalto.gov.br/imprensa/discursos/discurso-da-presidenta-da-
republica-dilma-rousseff-durante-a-i-sessao-de-trabalho-da-ii-cupula-da-comunidade-dos-estados-latino-
americanos-celac Acesso: 06 de fev. 2014.
5
Orientalismo refere-se aos estudos e escritos sobre o Oriente, baseados “(...) em uma distinção ontológica e
epistemológica feita entre ‘o Oriente” e (a maior parte do tempo) ‘o Ocidente.”. SAID, Edward W.
Orientalismo: o Oriente como invenção do Ocidente. Trad. Tomás Rosa Bueno. São Paulo: Companhia das
Letras, 2001 (1ªed. 1978), p.14.
6
Ibid., p.15.
7
Ibid., p.16-17 [grifos do autor].

11
convicções políticas, sobretudo como mais um sinal de poder e dominação política do
Ocidente sobre o Oriente, Said destaca a atuação do conceito de orientalismo como uma
criação teórica/prática em que houve, por muitas gerações, um “considerável investimento
material”8. Acrescento a essa observação o entendimento de que esse investimento não sé
dá simplesmente de forma cumulativa, ou num sentido único.
Dessa forma, poderíamos substituir na seguinte fala de Said, guardadas as
proporções, os termos Oriente/orientalismo por correspondentes para esta pesquisa, como
latino-americanismo/América Latina, para apreender sua relevância histórica e a
contribuição do estudo do autor para forma como busco pensar estes conceitos:
Apesar disso, o que temos de respeitar e tentar apreender é a força nua e sólida do
discurso orientalista, os seus laços muito íntimos com as instituições
socioeconômicas e políticas capacitantes, e a sua temível durabilidade. Afinal,
qualquer sistema de ideias que possa permanecer inalterado como sabedoria que
se pode ensinar (em academias, livros, congressos, universidades e instituto de
relações exteriores) desde o período de Ernest Renan no final da década de 1840
até o presente nos Estados Unidos deve ser algo mais formidável que uma mera
coleção de mentiras.9

A América Latina enquanto objeto de conhecimento crescente, utilizando os


mesmos exemplos de Said, “em academias, livros, congressos, universidades e institutos de
relações exteriores” oferece uma pista importante de sua força, impondo-se a necessidade
de investigá-la enquanto conceito sócio-político. A história desse conceito, apesar de
demasiado complexa para os limites e objetivos deste trabalho, é investigada a seguir no
intuito de clarear o entendimento da utilização dos vocabulários políticos e das inovações
possíveis a partir do debate estudado, entre Manoel Bomfim e Sílvio Romero, que se dá no
início do século XX.
A polêmica entre Manoel Bomfim e Sílvio Romero, registrada também na imprensa,
é voltada para as questões políticas que lhe eram contemporâneos. América Latina, título da
obra de Bomfim, aparece então como um caminho intrincado para abordagem de questões
delicadas e importantes para a intelectualidade do período, notadamente ao mobilizar
pertencimentos identitários na tentativa de intervir na formação da nação a partir da

8
Ibid., p.18.
9
Ibid., p.18.

12
compreensão daqueles que seriam seus males. A riqueza documental dessas obras está
sobretudo em vincular a questão nacional à noção de América Latina (ou latina, como
discutem os autores) numa época afastada da conformação sólida que lhe é imputada
contemporaneamente, além de pouco comum nas preocupações dos intelectuais brasileiros.
A percepção destas linguagens políticas sincrônicas pode também ampliar a compreensão
contemporânea dessas identidades e seus usos na reposição de lugares-comuns.10

América Latina, urdidura de um conceito político


A existência contemporânea de um espaço geopolítico reconhecido publicamente
como América Latina, e suas formas possíveis, como latino-americano, não pode ser
simplesmente negada. Entretanto, mesmo em razão desse reconhecimento, não uniforme ou
unívoco, faz-se necessário compreendê-lo enquanto conceito político.11 Antes que seus
significados possam ser tomados como “indicadores dos conteúdos extralinguísticos que
recobrem, antes que possam ser empregados na análise das estruturas sociais ou de
situações de conflito político” 12.
As múltiplas representações que emprestam uma aparente concretude à identidade
latino-americana não encerram a questão de seus usos políticos. Entre iniciativas oficiais e
oficiosas, as possíveis América(s) Latina(s) têm conformações diversas entre intelectuais e
agentes públicos. Diferenças que compõem ou denotam projetos políticos distintos e em
embate, importantes de serem percebidos em sincronia, como nos debates de finais do XIX
e início do XX, objeto desta pesquisa.
Contudo, ao considerar a persistência das questões identitárias ligadas à América
Latina, atento para a importância de uma análise diacrônica. Ainda que o resultado seja

10
Este conceito será mais bem desenvolvido no decorrer do trabalho. Cf. D'ALLONES, Myriam Revault. Le
dépérissement de la politique: généalogie d'un lieu commun. Paris: Aubier, 1999.
11
A ideia de reconhecimento pode ser mais bem compreendida na observação de Koselleck quanto à forma
generalizadora que os conceitos podem assumir, característica que reforça o grande interesse histórico da
abordagem koselleckiana da história dos conceitos, como sintetiza Elias Palti: “Y allí radica también su
interés histórico; tal capacidade de los conceptos de transpornerse a sus contextos específicos de enunciación,
de generar asincronias semánticas, confiere a la historia de conceptos su rendimiento específico.” PALTI,
Elías. Introducción. In: KOSELLECK, Reinhart. Los estratos del tiempo: estudios sobre la historia. Trad.
Daniel Innerarity. Barcelona: Paidós Ibérica, 2001 (1ªed. 2000), p.16.
12
KOSELLECK, Reinhard. Futuro Passado: contribuição à semântica dos tempos históricos. Trad. Wilma P.
Maas; Carlos A. Pereira. Rio de Janeiro: Contraponto: Ed. PUC-Rio, 2006, p.106.

13
restrito, dada à amplitude da tarefa, uma reflexão sobre as distintas compreensões do
conceito em diferentes temporalidades ajuda a delinear os entendimentos mais prováveis
dos autores a respeito, e permite perceber com mais clareza seus usos políticos no período.

Da análise histórica dos conceitos destacam-se a ressignificação de termos, bem


como os neologismos, como batalhas semânticas que põem em jogo as adequações dos
conceitos a determinados usos políticos. Daí sua característica projetiva, que aponta para o
futuro, e muito além de nomear ideias, agrega valores, nega preceitos e dessa forma,
constitui-se como armas potentes nas discussões políticas. Em consequência, tais conceitos,
de acordo com Koselleck,

(...) com o uso frequente, acabam por transformar o campo de experiência política
e social, definindo novos horizontes de expectativas. Sem questionar a prioridade
‘pragmática’ ou ‘conceitual’ no processo das mudanças, o resultado permanece
suficientemente elucidativo. A luta pelos conceitos ‘adequados’ ganha relevância
social e política.13

Entretanto, refletir sobre a co-incidência14 de determinado conceito não significa


julgar sua validade ou veracidade, mas percebê-lo em seus usos e capacidade de
mobilização, que são, por definição, variáveis historicamente. O caráter polissêmico dos
conceitos se evidencia em especial naqueles que referenciam identidades, pois são
essencialmente campo de disputas e transformações. Por isso, não é suficiente investigar a
etimologia do termo para compreender seu processo histórico, é necessário ampliar a
investigação dos campos semânticos, suas relações, seus antônimos, a fim de “evidenciar os
antagonismos do ponto de vista político”15. Isso nos permite, de acordo com Koselleck,
verificar a capacidade de rendimento das definições contemporâneas, apesar (ou em
virtude) de seus inúmeros deslocamentos.
Nesse ponto, considero relevante explicar que estas orientações teórico-
metodológicas foram escolhidas também como boas opções para a compreensão das fontes
investigadas, uma vez que a confusão conceitual sentida na escrita dos autores (conforme

13
Ibid., p.101 [grifos meus].
14
Ibid., p.114.
15
Ibid., p.113.

14
tratarei nos próximos capítulos) expôs minhas próprias incompreensões, estas baseadas
teleologicamente em acumulados de leitura que nos separam no tempo. Sobretudo ao
considerar que a noção de América Latina, amplamente utilizada contemporaneamente
como de fácil, porém ampla, percepção identitária, possui uma historicidade. Daí pensá-la
próxima às questões e ao repertório do período, tento em vista evitar ou problematizar as
perspectivas carregadas com as nossas questões, fora do repertório dos autores.
Precisar os usos do conceito na época implicou, neste trabalho, em pensá-lo em
relação a outros tempos, questão que justifica as escolhas feitas para este capítulo. Primeiro
como nota introdutória, para denotar sua vitalidade e aparente naturalidade nas relações
políticas já no século XXI, como apontado anteriormente, e num segundo momento, para
entender o processo de construção e surgimento do conceito, bem como, sua profunda
transformação e estabelecimento no século XX. Com isso, explicito uma dificuldade do
próprio processo de pesquisa e que se tornou parte importante dela, sobretudo, saber que
significados América Latina seriam mais ou menos prováveis nos debates do período
estudado.

Cartografia semântica: a América antes de se dizer latina


A compreensão histórica dos conceitos é relevante para percebermos a constituição
de múltiplos projetos que fundamentam (com seus deslocamentos) politicamente as
instrumentalizações desses conceitos. Desse modo, considero que o termo América Latina
pode ser mais bem compreendido no âmbito de uma hispanoamericanicidade em
construção durante o século XIX. Essa construção gera disputas em torno de algumas
terminologias identitárias que ganharam força a partir do período das guerras de
independência e investiga-las nos auxilia na compreensão das possibilidades de surgimento
e aceitação de uma identidade baseada na ascendência hispânica, sobretudo linguístico-
cultural. Essa opção, dentre outras disponíveis, era diretamente interessante à elite crioulla
e seus projetos de emancipação nacional/regional, pois recorta “una pertenencia étnico-

15
social cruzada por la condición de ‘criollo’, ‘blanco’, mayoritariamente ‘propietario’ y −
sobre todo – ‘hispanohablante’.”16
Patrícia Funes identifica, a partir do final do século XVIII, a afirmação do sintagma
nuestra América como expressão de uma totalidade, quando o pronome possessivo nuestra
passa a ser adotado. Registrado pela primeira vez no discurso de Francisco de Miranda em
180617, nuestra América dá conta, segundo a autora, de “una nueva dimensión del pensar
social, político y cultural de la región”18 que, por um lado, serve à propaganda anticolonial,
mas por outro, marca na comunidade linguística hispanohablante um caminho claro de
definição identitária. Escolha facilmente apreensível na fundamentação de projetos de
integração regional, nos seus mais diferentes tons, dos quais o de Bolívar é um
paradigmático representante: “Ya que tienen un origen, una lengua, unas costumbres y una
religión, deberían, por consiguiente, tener un solo gobierno que confederase los diferentes
Estados que hayan de formarse”.19
A “hispanoamericanicidade” se conforma da necessidade de uma afirmação
identitária comum, concomitante aos processos de independência no continente americano
e a possíveis ameaças europeias aos projetos emancipatórios, e ainda enquanto defesa à
expansão dos Estados Unidos, percebida no slogan da Doutrina Monroe, em 1823, A
América para os americanos, ou para os “norte-americanos”, como foi largamente
interpretada. Esta contraposição aos Estados Unidos da América é relevante para análise da
gênese do nome América Latina e as implicações de seus usos, pois fundamenta ainda

16
FUNES, Patricia. América Latina. Los nombres del Nuevo Mundo. Buenos Aires: Explora – Las ciencias
en el mundo contemporâneo, 2009, p.5.
17
El Precursor, como ficou conhecido por seu papel pioneiro nas lutas de independência, o venezuelano
Francisco de Miranda cunhou o termo “nuestra América” no seguinte trecho de um discurso em 1806, ao qual
se refere Patricia Funes: “Con estos auxilios podemos seguramente decir que llegó el día, por fin, en que,
recobrando nuestra América su soberana independencia, podrán sus hijos libremente manifestar al universo
sus ánimos generosos”. MIRANDA, Francisco de. Proclamción de Coro – Comandante General del Ejército
Colombiano: a los Pueblos habitantes del Continente Américo-Colombiano [02.ago.1806]. In: ROMERO,
José Luis; ROMERO, Luis Alberto (org.). Pensamiento político de la emancipacion (1790-1825). Caracas:
Biblioteca Ayacucho, s/d, p.20, [grifos meus].
18
FUNES, op. cit., p.5.
19
BOLIVAR, Simón. “Carta de Jamaica” - Contestación de un americano meridional a un caballero de esta
isla [Henri Cullen], Kingston, 06.sep.1815. In: Para nosotros la patria es América. Caracas: Biblioteca
Ayacucho, 2010 (1ªed. 1991), p.83.

16
durante o século XIX os epítetos Nuestra América, Hispanoamérica e ainda no esforço
feito em querer chamar por Colômbia à América hispânica.
O nome de Colômbia, para os intelectuais defensores dessa denominação para o
conjunto de nações de colonização hispânica do continente, representava uma postura
política entendida como contrária às injustiças e espoliações históricas. Referencia-se no
entendimento de que a descoberta do Novo Mundo havia sido feita por Cristóvão Colombo
e, a seu ver, usurpada por Américo Vespúcio. Nessa chave de leitura podemos compreender
a rejeição de José Maria Samper, já na década de 1860, ao nome América, e mesmo sua
legítima atribuição aos Estados Unidos:
Referiéndose ese trabajo (...) á los pueblos de 'Colombia'. Esta última palabra
exige una explicación de nuestra parte. Hemos creido tener plena razon para
iniciar en la prensa una innovación en el terminología histórico-geográfica del
Nuevo Mundo [com o uso do nome Colômbia]. (...) los ciudadanos de
Confederación del Norte llamada “Estados Unidos”, se han arrogado para sí
solos, y con razon, el nombre de Americanos, como expresion de su nacionalidad
política, – así como designan con el nombre general de América la Confederacion
fundada por Washington. La Europa ha aceptado tan decididamente esas
denominaciones, que estas no solo son habituales para los escritores europeos,
sino también en el lenguage comun. (...) Esta denominacion ha defraudo la gloria
de Cristóval Colom, y atribuídole al descubridor secundario, Amerigo Vespucci,
lo que no le pertence. – La justicia exige que el mundo moderno restablezca la
clasificacion histórica; tanto mas cuanto que así desaparecerá toda confusion en
las denominaciones.20

Como Arturo Ardao assinala, Bolívar, pelo menos até 1814, faz referência constante
a um hemisfério colombiano claramente em menção ao conjunto de países de colonização
espanhola, nomeado também de Magna Colômbia21. Não se trata de uma mera sucessão de
nomes, menos ainda em qualquer sentido evolutivo, mas de uma possibilidade para
perceber inúmeras mudanças e tentativas de estabelecer alguma identidade comum e
construir formas de relação com o passado, mais ou menos abrangente de acordo com o

20
SAMPER, José M. Ensaio sobre las revoluciones políticas y la condicion social de las repúblcias
colombianas (hispano-americnas): con un apéndice sobre la orografía y la población de la confederacion
granadina. Paris: E. Thunot Y., 1864 (1ªed. 1861), p.XII-XIII; XIV. [grifo do autor]
21
Segundo Ardao, apenas após a Carta da Jamaica, a chamada Grã-Colômbia irá designar para Bolívar o
projeto de união apenas de Venezuela, Equador e Nova Granada (atual Colômbia), efetivado entre 1819 e
1831. Cf. ARDAO, Arturo. La idea de la Magna Colombia – de Miranda y Hostos [texto de 1975]. In: ZEA,
Leopoldo (org.). Fuentes de la cultura latinoamericana. Tomo I. México: Fondo de Cultura Económica,
1993. Interessante notar que a proclamação anteriormente citada de Francisco de Miranda, de 1806, destina-se
a população do Continente Américo-Colombiano.

17
projeto. Entre a nuestra América de Bolívar e a de Marti, no final do XIX, por exemplo, há
a incorporação do Brasil nesse coletivo nós.
Essas alterações, entre as quais destaquei a atribuição do termo América aos Estados
Unidos, aceita e estimulada em parte pelos intelectuais latino-americanos no século XIX, e
a compreensão de uma identidade pautada especialmente numa base linguística comum – a
hispânica –, são relevantes quando se busca compreender o processo de gênese do nome
América Latina, bem como na reflexão sobre sua predominância frente a demais termos
empregados na definição de uma identidade continental, como Ardao sintetiza quando se
refere à ideia de Magna Colombia:
Fue, ao contrário, un episodio más en el prolongado empeño de nuestra América,
como amaba decir Martí, o de América nuestra, como gustaba escribir Rodó, por
la definición de su identidad a través de la determinación de su nombre. Ese
empeño ha tenido mucho de drama. Las sucessivas generaciones, desde aquellos
fines del siglo XVIII a nuestro días [refere-se a 1975], lo han venido sintiendo,
cada una a su modo, pero siempre bajo la necesidad de dar respuesta a cambiantes
desafíos a la autonomía de su personalidad común. O sea, a su existencia
misma.22

A invenção do termo América Latina em meados do século XIX é bastante


conhecida na historiografia sobre o tema, sem, entretanto, gerar consenso sobre seu
surgimento, como discorro a seguir. Menos do que propor uma resposta definitiva, o
relevante é compreender como estas explicações fornecem indícios da formação e do aceite
de uma ideia de América Latina.
Primeiro, faz-se necessário destacar o papel do político francês Michel Chevalier
que faz as primeiras referências a uma América latina ainda na década de 1830, como
ideólogo do panlatismo imperialista francês, que postulava a primazia da França frente às
outras nações de origem latina. A bibliografia o considera importante no surgimento da
associação entre o termo América e seu qualificativo “latina”, sobretudo por sua relevância
na justificação do panlatinismo. Entretanto, a utilização do par América/Latina e seu
desenvolvimento como conceito ocorre, de acordo com os autores, apenas a partir de 1850.
Em linhas gerais, entre as décadas de 1960 e 1990, os estudos sobre o conceito de América
Latina consideram como hipóteses principais da precedência do uso do termo o francês

22
Idem, p.45-46.

18
Tisserand em 1861 (L’Amerique Latine), o chileno Francisco Bilbao e o colombiano Torres
Caicedo, em 1856 , ambos residentes em Paris. 23
Para o historiador norte-americano John L. Phelan, considerado uma das primeiras
referências no estudo desse conceito, o termo América Latina teria sido escrito
primeiramente pelo escritor francês L. M. Tisserand em 1861 na Revue des Races Latines,
publicação de orientação panlatina que circulou em Paris entre 1857 e 1861, quando dos
preparativos para a invasão francesa no México (1862). Esta afirmação é questionada por
Arturo Ardao, que atribui o pinoneirismo ao jornalista colombiano residente em Paris,
Torres Caicedo, em seu poema Las dos Américas (setembro de 1856) e defende em
Caicedo a primeira utilização substantiva da palavra “latina”, ou seja, além de sua
adjetivação à América24. Ardao considera esse o caso de Francisco Bilbao, que utilizou o
termo numa conferência em Paris três meses antes da publicação de Caicedo. Por essa
razão, o autor não considera a anterioridade de Francisco Bilbao, que teria feito uso de
“latina” como adjetivo25.

23
Os estudos sobre a gênese do nome América Latina se iniciam no final da década de 1960. Esta bibliografia
trata também as relações com o panlatinismo francês do século XIX e fundamenta minha discussão. O
primeiro estudo de destaque sobre o tema foi o ensaio do historiador norte-americano John Leddy Phelan,
Pan-latinism, French Intervention in México (1861-1867) and the Genesis of the Idea of Latin America, de
1968, constituem referências fundamentais os vários trabalhos de Arturo Ardao, especialmente Génesis de la
idea y el nombre de América Latina, de 1980; e de Miguel Rojas Mix, Los cien nombres de América (1991).
Este debate pode ser acompanhado nas análises historiográficas de Héctor Bruit (2000), João Feres Jr. (2004),
Leslie Bethell (2010) e sobre latinidade com Virgínia Camilotti (2013). Cf.: PHELAN, John Leddy. Pan-
Latinism, French Intervention in Mexico (1861-1867) and the Genesis of the Idea of Latin America. In:
ORTEGA Y MEDINA, Juan A. (org.). Conciencia y autenticidad históricas: escritas en homenaje a
Edmundo O’Gorman. Ciudad de México: Universidad Autónoma de México, 1968. BRUIT, Héctor. A
invenção da América Latina. Belo Horizonte: Anais Eletrônicos do V Encontro da ANPHLAC, 2000; FERES
Jr., João. A história do conceito de Latin America nos Estados Unidos. Bauro-SP: EDUSC, ANPOCS, 2004;
BETHELL, Leslie. O Brasil e a ideia de “América Latina” em perspectiva históricas. In: Estudos Históricos.
Rio de Janeiro: Vol. 22, n.44, p. 289-321, jul./dez 2009; BETHELL, Leslie. Brazil and ‘Latin America’. In:
Journal Latin America Studies. Cambridge: Cambridge University Press, 2010; CAMILOTTI, Virgínia.
Variação lexical e performance semântica de um conceito político: latinidade, ideia latina e romanidade. In:
CERASOLI, Josianne; NAXARA, Marcia; SEIXAS, Jacy (org.). Tramas do político: linguagens, formas,
jogos. Uberlândia: EDUFU, 2013, p.45-70.
24
ARDAO, Arturo. Génesis de la idea y el nombre de América Latina. Caracas: Centro de Estudios Latino-
americanos Romulo Gallegos, 1980. Trecho do poema Las dos Américas, de Caicedo, escrito em 1856: “La
raza de la América latina/Al frente tiene la sajona raza,/Enemiga mortal que ya amenaza/Su liberdad destruir
y su pendón.” TORRES CAICEDO, José Maria. Las dos Américas [Venecia, 26 de setiembre de 1856]. In: El
Correo de Ultramar: Paris, 15 Feb. 1857. Disponível em “Proyeto filosofia en español”:
http://www.filosofia.org/hem/185/18570215.htm Acesso: 29/03/2014.
25
A primazia de Bilbao na utilização de América Latina é defendida pelo historiador Miguel Rojas Mix em
seu trabalho Los cien nombres de América, de 1991. A seguir o trecho da Conferência de Francisco Bilbao,

19
A partir do que foi exposto, podemos notar a forte vinculação ao repertório político
francês dos intelectuais considerados pioneiros no uso do termo América latina/Latina,
conclusão para a qual convergem Phelan e Ardao, “(...) trata-se do contexto histórico e
geográfico em que aquele se deu, isto é, o do panlatinismo da França de meados do século
XIX.”26 Entretanto, o contexto histórico do panlatinismo francês não encerra a questão
sobre o surgimento e utilização da associação entre América e Latina para os intelectuais do
período. Segundo Virgínia Camilotti, nesse período a noção de latinidade não possuía uma
conotação geopolítica que postulasse a união dos povos de origem latina, aparecendo
enquanto conceito engajado nesse sentido apenas a partir no final do século XIX. De
acordo com Camilotti:

Alguns estudiosos consideram a noção de latinidade já em operação em meados


do século XIX, sobretudo entre representantes do governo francês devotados a
cimentar a ideia de América Latina como uma “estratégia para melhorar a
posição da França entre os impérios europeus e sobre as novas entidades
soberanas da América”. No entanto, o vocábulo latinidade foi adotado naquele
momento, não o foi enquanto um conceito engajado, vetor de uma ação política
que visasse à união dos povos de origem latina ou à constituição de uma fronteira
identitária precisa, a justificar ações solidárias para sua preservação no Ocidente.
Neste sentido, as investigações de Pierre Rivas [2005] sobre o conceito são
decisivas: é somente após 1870 que “latino” adquiriu conotação civilizacional e
passou a integrar a “língua política da Europa”; donde latinidade, por sua vez,
assumiu conotação geopolítica.27

Desse modo, a relevância de uma ideia latina em meados do XIX está em fornecer
outra possibilidade de identificação comum, fundamentada também em um substrato
linguístico e cultural, como a hispanicidade referida anteriormente, mas com outras
potencialidades políticas. Entre as hipóteses a serem consideradas estaria sua maior

em junho de 1856, Paris: “Pero la América vive, la América latina, sajona e indígena protesta, y se encarga de
representar la causa del hombre (...)”. BILBAO, Francisco. Iniciativa de la América. Idea de un congreso
federal de las repúblicas. In: ZEA, Leopoldo (org). Fuentes de la cultura latinoamericana. Tomo I. México:
Fondo de Cultura Económica, 1993, p.51. C.f: ROJAS MIX, Miguel. Los cien nombres de América – Eso que
descubrió Colón. San José – Costa Rica: Editorial de la Universidad de Costa Rica, 1997 (1ªed.1991).
Segundo Bruit, é interessante apontar também a primeira utilização acadêmica de América Latina, por Carlos
Calvo, em 1862. Cf. CALVO, Carlos. Recueil complet des traités, conventions, capitulations, armistices et
autres actes diplomatiques de tous les états de l'Amérique latine (...). Paris: Librarie de A. Durand, 1862.
26
FERRET, Rafael L; PINTO, Simone R. América Latina: da construção do nome à consolidação da ideia.
In: Topoi – Revista de História. Rio de Janeiro: UFRJ, v.12, n.23, jul.-dez./2011, p.37. Neste artigo autores
fazem uma análise mais detalhada sobre esse debate historiográfico.
27
CAMILOTTI, op. cit., p.47-48 [grifo da autora].

20
abrangência (comparativamente, por exemplo, à Hispanoamérica). Em decorrência, poderia
conferir maior força aos combates políticos frente à América “saxônica”, de grande
importância na época, como explicitado no poema de Torres Caicedo contra raza sajonica,
enemiga mortal. O intelectual colombiano pretendeu criar uma liga Latino-Americana,
conforme seu livro Unión Latinoamericana, de 1865. Ardao afirma que “O projeto de
Caicedo era organizar um movimento contrário a política pan-americana dos Estados
Unidos.” E cita do autor o seguinte trecho: “Hay una América anglosajona, dinamarquesa,
holandesa etc., hay uma española, francesa, portuguesa e a este grupo que denominación
científica darle sino el de latina?”28
A construção da ideia de uma América latina se faz de forma importante nessa
relação de oposição a uma América não-latina, ou mais precisamente, saxônica. Como
podemos observar, esta foi a tônica dos escritos políticos desde finais do século XVIII,
bastante fortalecida após os períodos de independências nas nações americanas de
colonização espanhola, tanto por prevenção à crescente política expansionista dos Estados
Unidos, quanto por servir de amálgama às pretensões de união regional, pautadas em
alardeadas origens comuns. Essa contraposição é importante na fundamentação das várias
denominações identitárias elaboradas no período, tais como Magna Colômbia, Nossa
América, Hispanoamérica e América Latina frente à América (como nome próprio
estadunidense), América do Norte, América Saxônica, entre outras.
Os debates historiográficos sobre o surgimento da noção de América Latina têm
sido profícuos e levantam questões importantes na compreensão do conceito em sua
dimensão histórica. Os primeiros usos do nome e/ou da ideia de América Latina, conforme
separam alguns autores, já possui longa bibliografia de análise. Deste modo, destaquei
apenas alguns pontos mais relevantes para a discussão conceitual, em especial, duas
características forjadas desde o final do século XVIII, fundamentais para o entendimento de
América Latina, a saber, uma identidade linguístico-cultural (primeiramente hispânica, num
segundo momento latina), e as disputas políticas que envolvem os Estados Unidos,
crescentes desde o início do XIX.
28
TORRES CAICEDO, José Maria apud ARDAO, Arturo. Panamericanismo y Latinoamericanismo. In:
ZEA, Leopoldo (org.). América Latina en sus Ideas. México: Siglo XXI/ UNESCO, 1986, p. 157-171. Cf:
BRUIT, op. cit., p.2.

21
A questão da hispanoamericanicidade ou latinidade tratada nessa pesquisa deve
levar em consideração o lugar do sujeito de enunciação. Grosso modo, da perspectiva
americana valoriza-se as raízes linguísticos-culturais hispânicas, que remetem já no início
do XIX, com Simón Bolívar, a uma identidade criolla – de filiação europeia (branca). Mas,
sendo nascida da América, preservava-se genuína e independente. Por outro lado, a ideia
latina que adjetiva América provém de um lugar de enunciação europeu, especificamente
no século XIX, francês. O panlatinismo francês, que ganha conotação civilizacional apenas
a partir de 1870, se opõe ao pangermanismo e pan-eslavismo preconizando a liderança da
França sobre os “povos latinos”. 29 Contudo, já nas referências à América Latina, em Rodó
(Ariel, 1900), por exemplo, a latinidade é entendida como oposição ao anglo-saxão
pressupondo um espírito essencialista latino-americano e não remete ao panlatinismo
francês. Pelo menos a partir deste início de século, no continente americano, a latinidade
parece se aproximar de forma muito mais relevante de uma conotação ibérica/hispânica
imbuída em Latina.
Entretanto, a questão permanece: quais seriam as motivações ou escolhas políticas
que permitiram a predominância e a vitalidade da locução “América Latina” frente às
outras possibilidades?

Para concluir este capítulo, pontuo algumas transformações políticas que envolvem
o conceito de América Latina, a fim de perceber as condições da ampla apreensão e
divulgação que envolve seus usos contemporâneos, conforme abordei no início do capítulo.
Como justificado anteriormente, na tentativa de desnaturalizar o uso do conceito e, dessa
forma, inscrever o debate dos intelectuais do início do século XX de forma mais clara,
visando não projetar expectativas além do horizonte possível de seu repertório político.

29
Segundo Pierre Rivas, essa característica civilizacional do panlatinismo ocorre como reação às teorias da
“decadência latina”, defendida por autores como Lapouge, Gobineau e Le Bon. E excluía a conotação racial
que fundamentava as noções de pangermanismo e pan-eslavismo. RIVAS, Pierre. Diálogos interculturais.
São Paulo: Hucitec, 2005.

22
Ariel: a serviço do espírito latino-americano
Cuarenta y seis países, territorios dependientes y departamentos de ultramar
componen esta parte del mundo que oficialmente se denomina América Latina y
el Caribe. Es la región que más nombre por sumatoria posee. El agregado “y el
Caribe” fue para incorporar aquellas áreas de lenguas y tradidiciones no latinas.
El nombre ‘América Latina e el Caribe’ fue – entonces – producto de varios
agregados algo aleatorios: el invento de modernos monges “franco-alemães” que
no conocieron la empresa de Colón, de una latinidad heredera de Napoleón III y
de genealogias románicas, y de un nombre geográfico (paradójicamente indígena,
“caribe”) para incorporar sociedades sajonas.30

Essa caracterização oficial de América Latina e Caribe dista bastante tanto do


entendimento de América Latina em construção em meados do século XIX quanto dos
debates dos intelectuais no início do XX. Distancia-se ainda da incorporação da
denominação Caribe e mesmo de um referencial conceitual tão reconhecido e claro de
América Latina, sendo o Brasil um importante ponto de dúvida.
A partir da década de 1940, esta denominação de América Latina e Caribe passa a
ser delineada e reforçada. Para apreender algumas das transformações na apropriação do
termo América Latina opto por uma leitura através da simbologia da peça The Tempest
(1610-11), de William Shakespeare. Esta obra do dramaturgo inglês foi largamente
entendida como representação do empreendimento colonial no continente americano e
mobilizada em várias interpretações acerca de seus três personagens principais: Próspero,
Ariel e Caliban31. O foco da análise que se segue é entender a significante mudança
representada pela adoção da figura de Caliban como representação da América Latina.
Desse modo, utilizo-os a seguir não apenas por sua simbologia, mas por serem
paradigmáticos em relação às transformações que o significado do vocábulo América
Latina sofreu durante o século passado. Para tanto, é preciso atentar para o uso mais notório

30
FUNES, Patricia. Salvar la nación: intelectuales, cultura y política en los años veinte latinoamericanos.
Buenos Aires: Prometeo Libros, 2006, p.258 [grifos da autora].
31
Caliban é um anagrama de Canibal criado por Shakespeare, que deriva de Caribe/Caraíba, inspirado na
leitura do autor inglês de Des Cannibales (1580), de Michel Montaigne. Verbete Calibán. In: Diccionario de
Filosofía Latinoamericana - Biblioteca Virtual Latinoamericana. México: UNAM.
http://www.cialc.unam.mx/pensamientoycultura/biblioteca%20virtual/diccionario/caliban.htm Acesso: 18-05-
2014.

23
das personagens de A Tempestade na retórica identitária latino-americana: a obra Ariel, do
escritor uruguaio José Enrique Rodó32.
Rodó, direcionando-se aos jovens, propunha a valorização do ideal encarnado pelo
espírito Ariel, servo de Próspero, considerando a nobreza e elevação espiritual por ele
simbolizada. O chamado ecoou nos anseios da juventude intelectual do período ao
congregar na figura deste espírito um conjunto de características comuns, supostamente
reconhecidas nos modos de pensar de ascendência latina, marcadas por sua inclinação à
reflexão. Constituindo uma oposição ao material e utilitarista Caliban, personificação dos
Estados Unidos e daquelas que eram percebidas como suas pretensões de dominação33.
Dominação esta não apenas no âmbito político-militar, territorial ou econômico, mas
também de acedência moral (ou espiritual) tão temida por Rodó – receio expresso pelo
autor em sua rejeição à nordomania, a saber, a imolação dos valores norte-americanos, que
ele desprezava.
As lições do mestre Próspero, porta-voz de Rodó em Ariel, foram bastante lidas,
debatidas e aceitas pela intelectualidade da época. Tornaram-se um importante catalisador
de relações de solidariedade entre os latino-americanos, atuando de forma significativa na
própria construção deste pertencimento. Nas leituras das obras de Rodó encontravam
inspiração para a constituição da ideia de uma identidade comum espiritualmente elevada,
latina, tão bem sintetizada pelo maestro de la juventud, como ficou conhecido.34 Segundo

32
RODÓ, José Enrique. Ariel. Campinas, SP: Editora da Unicamp, 1991 [1ªed. 1900]. Antes de Rodó, o
franco-argentino Paul Groussac, em 1898, refere-se ao “espírito yanke” como “informe y ‘calibanesco’. José
Rodó foi leitor de Ernest Renan, vale lembrar que Renan identifica de forma negativa Caliban com o povo da
Comuna de Paris. Cf. ABDALA Jr., Benjamin. De Vôos e Ilhas – Literatura e Comunitarismos. Cotia-SP:
Ateliê Editorial, 2003.
33
Caliban é considerado escravo não apenas de Próspero, mas de seu próprio pensamento mesquinho e
imediatista.
34
Além da paradigmática obra Ariel (1900), Rodó publicou Motivos de Proteo em 1910. São bastante
documentadas as comunicações de Rodó com vários escritores do período: Francisco Garcia Calderón
(peruano), Alcides Arguedas (boliviano), Pedro Henriquez Ureña (dominicano); e a reconhecida admiração de
outros, como Carlos Arturo Torres (venezuelano). Henríquez Ureña, ainda em 1910, promoveu ciclos de
conferências sobre Rodó, no México. Em suas palavras, entre os mestres da América, juntamente com Andrés
Bello, Domingo Sarmiento, Juan Montalvo e Eugenio Hostos já figurava Rodó: “(...) es el maestro que educa
con sus libros, el primero quizá, que entre nosotros, influye con la sola palabra escrita. No a todos será fácil,
sin duda, conocer la extensión de esa influencia; pero quién observe la descubrirá a pouco ahondar, esparcida
por donde quiera: los partidarios de Ariel, los futuros secuaces de Proteo, son multitud que crece cada día.”
[Artigo de Ureña publicado originalmente no México (1910) em Conferencias del Ateneo de la Juventud]
apud DEVÉS VALDÉS, Eduardo. Del Ariel de Rodó a la CEPAL (1900-1950) – El pensamiento

24
Eduardo Devés Valdés, ainda que não tenha gerado obras semelhantes a Ariel, de sentido
“poético-místico”, Rodó é chave, pois Ariel converteu-se em símbolo para a escrita da
jovem geração do início do século. Geração que se apresentava como disposta a desvendar
a realidade social de seus países, bem como a regional, sobretudo a partir de uma
perspectiva crítica ao que representava para eles o projeto norte-americano, de matriz
anglo-saxã.
Para este estudo, o intuito é destacar a centralidade do arielismo de Rodó, que tão
latino quanto americano, mobilizou elementos politicamente relevantes para a construção
de identidades latino-americanas para os intelectuais que se debruçavam sobre essas
questões. Importante frisar que o uso da expressão América Latina por Rodó e seus
interlocutores busca e estabelece uma origem comum, latina. Todavia, percebe-se que o
entendimento predominante de latino se refere a ibérico, notadamente de ascendência
espanhola e em relação apenas ao continente americano35. Como conclui Bruit, essas
iniciativas não participam de ideais panlatinos:

José Enrique Rodó (...) usou a expressão América Latina duas vezes em seu livro
Ariel, publicado em 1900, em um discurso de 1905 em homenagem a Anatole
France que visitava Montevideo, em uma curta nota jornalística com o título de
“La voz de la Raza” a propósito da Primeira Guerra Mundial e no Mirador de
Próspero. Porém, a expressão só tem significado literário, sem conotações que a
vinculem com a latinidade. Muito pelo contrário, quando Rodó fala sobre o
continente, sobre a unidade americana, sempre está pensando em Hispano-
América.36

Compreendo a expressão “significado literário” de Bruit sobretudo como uma


apreensão política do conceito, na qual a expressão América Latina em Rodó pode ser mais
bem entendida. . Expressão que está afastada de ideais de latinidade, conforme apontado
por Bruit, mas figura de modo representativa para uma solidariedade hispano-americana

latinoamericano en el siglo XX. Entre la modernización y la identidad. Buenos Aires: Editorial Biblos, 2000,
p.35-36. A partir de série de conferências (entre as quais Rodó foi tema), os intelectuais que viviam no
México, como Pedro Ureña, criaram o Ateneo de la Juventud Mexicana em 1909, uma associação civil
dedicada a uma “revolução cultural” no México contra o porfiriato e o positivismo, e pela valorização
nacional mexicana e latino-americana.
35
No decorrer do trabalho estas questões, seus afastamentos e aproximações em relação ao Brasil e à
intelectualidade brasileira serão tratadas de forma mais acurada, pois ser uma temática central no
entendimento dos autores estudados no período e dos intelectuais que se dedicaram a pensar as
(im)possibilidades de alguma identidade latino-americana.
36
BRUIT, op. cit., p.6.

25
instigada pelo arielismo. Como o próprio Bruit conclui, a referência de unidade para Rodó
era pensada para uma Hispano-América, por isso destaco sua relevante conotação política.
Este ponto é relevante dada a poderosa referência na qual se converteu Rodó para
intelectualidade da região no período.

Caliban: um latino-americano
Após a década de 1940, os contornos de uma unidade geopolítica denominada de
América Latina ganham tons mais nítidos, que informam, em parte, a compreensão atual do
conceito. Perceber essa perspectiva é essencial para o entendimento das distâncias e
diferenças semânticas entre os usos políticos do debate estudado nesta pesquisa, do início
do XX, e a compreensão contemporânea, inscrevendo-os nos tempos e horizontes de
debates possíveis.
Esta escolha se justifica pela percepção de transformações relevantes na apreensão
do conceito, sobretudo enquanto conformação identitária, marcada por uma intensa
produção intelectual e política em várias áreas do conhecimento após 194037. No período
anterior, dificilmente se pode fazer referência a uma ideia de América Latina como unidade
geopolítica ou enquanto campo de estudos, como é comum contemporaneamente. Estudos
que reúnem aspectos dessa(s) sociedade(s), tal como história/cultura/religião/economia
da/na América Latina, com frequência não veem necessidade de referenciar esse lugar, por
supor ser amplamente divulgado e compreendido. Por isso, a importância de desnaturalizar
o conceito a fim de problematizar seus usos atuais e apreendê-lo em sua historicidade.
Eduardo Devés Valdés desenvolve um amplo estudo sobre o pensamento latino-
americano38, destacando a centralidade da fundação pelo Conselho Econômico e Social da

37
Segundo Bruit, foi no período da Segunda Guerra que o nome de América Latina se popularizou nos
estudos sociais norte-americanos. O autor cita alguns trabalhos importantes da década de 1940 que trazem a
expressão já nos títulos: Preston E. James, Latin American (1942); William Rex Crawford, A Century of
Latin-American Thought, (1949); Willy Feuerlein e E. Hannan, Dollars in Latin American (1941); Fred J.
Rippy, Latin América and the industrial age (1947); Samuel F. Bemis, The Latin American policy of United
State (1943). Ibid., 2000, p.9.
38
A partir de suas pesquisas, Eduardo Devés Valdés publicou três volumes sobre o “pensamento latino-
americano” no século XX: Del Ariel de Rodó a la CEPAL (1900-1950) e Desde la CEPAL al neoliberalismo
(1950-1990). O autor reconhece o quão abrangente e mesmo vago, o termo “pensamento”, entretanto
estabelece seu entendimento sobre isso da seguinte maneira: “La constituición de un pensamiento estuvo dada

26
ONU da Comissão Econômica para a América Latina e Caribe – CEPAL, em 194839.
Compreende a Comissão sobretudo como iniciativa institucional relacionada ao repertório
político que circulou profusamente na década de 1950 e tem como conceitos-chave:
industrialização/desenvolvimento. Visto como um problema, o tema da não industrialização
nos países “subdesenvolvidos” da América, notadamente de colonização ibérica, foi objeto
preferencial dos cientistas sociais no período. Os engajados esforços ensaísticos das
décadas anteriores perdem notoriedade para as redes de debates acadêmicas (não menos
engajadas) que foram fortalecidas pela institucionalização universitária na região.
Os debates políticos suscitados nesse contexto, nos quais os conceitos de
desenvolvimento e seu par subdsenvolvimento são centrais, nas palavras de Vadés, são “(...)
tan marcante que puede afirmar-se que divide el pensamiento del siglo en dos partes.”40
Especialmente interessante para essa discussão é a relação, analisada pelo autor, da
produção das ciências sociais (não se restringe à economia) sobre o desenvolvimento e a
busca persistente por uma suposta “especificidade” latino-americana (subdesenvolvida ou
terceiro-mundista).41 Base, por exemplo, do trabalho do economista brasileiro Celso
Furtado, que Valdés destaca: “Desde esta perspectiva aparece [Furtado] como uno de los
más esforzados en constituir un pensamiento latino-americano (o tercermundista) para
entender los proprios fenómenos y alcançar formas de superación.”42.
Os diagnósticos e proposições apresentados pela intelectualidade têm como
premissa um nós subdesenvolvido, que compartilharia uma fraqueza político-econômica,

por n conjunto de factores: temas comunes, autores que hacían referencias recíprocas (e incluso una red de
relaciones), referencias a una historia, un estilo peculiar.” In: DEVÉS VALDÉS, op. cit., p.307; Cf. DEVÉS
VALDÉS, Eduardo. Desde la CEPAL al neoliberalismo (1950-1990) – El pensamiento latinoamericano en el
siglo XX. Buenos Aires: Editorial Biblos, 2003 e DEVÉS VALDÉS, Eduardo. Las discusiones y las figuras
del fin de siglo, los años 90 – Pensamiento Latinoamericano en el Siglo XX. Tomo III. Buenos Aires;
Santiago: Biblos; DIBAM, 2004.
39
A Comissão Econômica para América Latina e Caribe (Cepal), fundada em 1948, é uma das cinco
comissões econômicas da ONU. Sediada em Santiago, Chile, foi criada para monitorar as políticas
direcionadas à promoção do desenvolvimento econômico da região latino-americana. O Caribe foi
incorporado à Comissão apenas em 1984.
40
Para Valdés, foi no âmbito das discussões sobre desenvolvimento que se constitui o que hoje se entende por
“pensamento latino-americano”. DEVÉS VALDÉS, 2003, p.21.
41
No período, vários autores tem como cerne de seus trabalhos questões relacionadas ao desenvolvimento,
como Octavio Paz, Carlos Fuentes, Antônio Cândido, Leopoldo Zea, Eduardo Galeano. Em seu livro, Devés
Valdés se detém bem mais detalhadamente nessas questões, trabalhando com diversos autores e suas
polêmicas. In: DEVÉS VALDÉS, 2003, p.42.
42
DEVÉS VALDÉS, 2003, p.31.

27
possível de ser superada, para vários deles, com uma efetiva integração latino-americana,
sendo condição para o seu desenvolvimento. Citando Eduardo Valdés:

El problema del desarrollo se planteó con un importante grado de radicalidad


pues, al proponer el desfafio práctico, se profundizó en cuestiones teóricas e
epistemológicas que son particularmente interessantes para quien estudia la
historia del pensamiento, especilamente si se realiza desde la pergunta por la
constituición de un pensamiento latinoamericano; es decir, interrogándose por la
manera en que se van incorporando nuevos elementos a la discusión sobre lo que
es o puede ser América Latina y la manera con se van articulando para configurar
un objeto de pensamiento que, en esta medida y dialécticamente, debe
trasnformarse en sujeto.43

Retomada algumas vezes após a publicação de Ariel, de Rodó, as personagens de


Skakespeare são apropriadas de diferentes maneiras enquanto representações simbólicas de
identidades. Esse novo arranjo na clave do pertencimento identitário latino-americano,
relacionado ao repertório político fundado nas noções de desenvolvimento e
subdesenvolvimento, inspira outras figurações, aparentemente não mais atendidas pelo
espírito Ariel, trazendo Caliban para o primeiro plano. Invertendo os sinais do arielismo, a
opção representada pela adoção da figura de Caliban na identificação de uma América
Latina parece mais apropriada à necessidade de superação do subdesenvolvimento44.
Assim, a áurea superior de Ariel é substituída pela maltratada figura de Caliban.45
A transformação de Caliban em personagem símbolo de uma América Latina, com
o caráter de “herói pós-colonial”, foi forjada no decorrer da década de 1960 e recebe com o
poeta e crítico literário cubano Roberto Retamar, sua conformação mais notória46. Caliban,

43
DEVÉS VALDÉS, 2003, p.43-44.
44
Conforme leitura de Pedro Monteiro. Cf. MONTEIRO, Pedro Meira. As raízes do Brasil no espelho de
Próspero. In: Novos estudos – CEBRAP. São Paulo: nº83, mar./2009, p.169.
45
A primeira identificação de Caliban a questão colonial, como América Latina, é feita pelo psicanalista
Octave Mannoni em Psychologie de la colonization (1950), no qual defendia a tese do “complexo de
Próspero”, se propondo à explicar como certos povos estão preparados para ser colonizados e guiados. A
interpretação polêmica foi prontamente contestada pelo francês martinicano Frantz Fanon, anticolonialista e
um dos fundadores do pensamento terceiro-mundista, em Peau noire, masques blancs (1952). Cf.
FERNANDÉS RETAMAR, Roberto. Caliban. In: Todo Caliban. Buenos Aires: CLACSO, 2005 (1ªed. 2000),
p.31. O texto Caliban, foi originalmente publicado como artigo na revista cubana Casa de las Américas [nº68,
1971].
46
Citando Retamar, em texto publicado em 1971: “Nuestro símbolo no es pues Ariel, como pensó Rodó, sino
Caliban. Esto es algo que vemos con particular nitidez los mestizos que habitamos estas mismas islas donde
vivió Caliban: Próspero invadió las islas, mató a nuestros ancentros, esclavizó a Caliban y le enseñó su idioma
para entenderse con él: ¿Qué otra cosa puede hacer Caliban sino utilizar ese mismo idioma para maldecir,

28
o escravo desprezado e disforme explorado por Próspero (protótipo do colonizador)
representaria não apenas todos os explorados latino-americanos como também a própria
possibilidade de superação, no caso de Retamar, em 1969, pela via revolucionária. 47 Essa
leitura, de matriz politicamente identificada às chamadas esquerdas, é uma das respostas
importantes à questão de uma identificação latino-americana unida pelo
subdesenvolvimento.
O par conceitual desenvolvimento/subdesenvolvimento possui uma historicidade
bem mais complexa do que seria possível discutir aqui. Entretanto, referenciá-lo se justifica
na tentativa de perceber as instrumentalizações contemporâneas do conceito de América
Latina, bem como seus possíveis reconhecimentos, uma vez que a noção de
desenvolvimento permanece como objetivo da CEPAL. Essas noções são reconhecíveis
quando se fala de América Latina, sob a qual ainda se representa também sob o signo do
subdesenvolvimento, ou “em desenvolvimento”, como se utiliza correntemente.
Dessa forma, visando contrastar a visão contemporânea de América Latina (por
mais difusa e imprecisa que possa ser) e o repertório dos autores pesquisados, considerei
relevante pensar alguns elementos dessa construção identitária, sobretudo para tentar
apreender a distâncias deste e dos debates sobre América Latina entre o final do século XIX
e o início do XX, que possuem outra conformação, distante de Caliban. Trata-se de um
período no qual as supostas identificações entre os países de colonização ibérica eram alvo
de negações e desconfianças que se evidenciavam na profusão de debates a respeito das
iniciativas de integração latino-americanas. Questionar a aparente tranquilidade a que
remete a noção de América Latina a partir dos percursos anteriormente discutidos nos
permite perceber a relevância política do problema: o que os autores brasileiros, ainda nos
primeiros anos do século XX, possivelmente pensavam quando falavam em América
Latina? Algumas respostas serão exploradas a seguir no âmbito das linguagens políticas

para desear que caiga sobre él la ‘roja plaga’? No conozco otra metáfora más acertada de nuestra situación
cultural, de nuestra realidade.” FERNANDÉS RETAMAR, Roberto. Ibid., p.33-34.
47
Em 1969, Fernandes Retamar faz a defesa da via revolucionária para superar a América Latina superar sua
condição de colonizado: “La verdadera patria de un colonizado es una colonia en revolución y puesto que
nuestras revoluciones son una sola revolución entonces nuestros países, al parecer heterogéneos, forman una
unidad.”. In: FERNANDÉS RETAMAR, Roberto. Ensayo de otro mundo. Santiago: Universitária, 1969,
p.112. apud DEVÉS VALDÉS, 2003, p.201.

29
utilizadas no debate entre Manoel Bomfim e Sílvio Romero, especialmente por essa ser a
primeira discussão sobre o tema na intelectualidade brasileira, mas em consonância com os
trabalhos de latino-americanos publicados no mesmo período, como buscarei problematizar
nos próximos capítulos.

Américas imaginadas
No início do século XX, a tensa conformação da noção de América Latina suscitou,
mais do que interpretações, usos políticos, melhor compreendidos em sua vinculação com a
chamada questão nacional e com o nacionalismo48. Este tópico alcança grande relevância
político-social no período por sua vasta capacidade de mobilização de ideias e povos,
ampliando paixões que seriam importantes armas de guerra, tanto ideológica quanto militar.
A ideia de uma pátria grande na América de ascendência hispânica, uma América
nuestra, precede tais questões e tem seus primeiros contornos em ações independentistas de
homens como Francisco de Miranda e Simón Bolívar, mas se relaciona a conjunturas
políticas diferentes pós 1900, partícipes de outras construções, fundamentalmente de apelo
nacional. São construções baseadas não apenas num passado percebido como comum
(colonial), mas também em aspectos culturais e raciais dessas sociedades, bem como na
expectativa de um futuro comum. Nessas projeções, sobressaía o sentimento da necessidade
de superação dos atrasos, seja de raça (conceito central no período, aqui problematizado),
seja do aspecto histórico-social, para se alcançar o progresso e entrar no rol das nações
civilizadas. Desse modo, a tentativa de estabelecer alguma identidade que englobasse esta
América, a partir de parâmetros nacionais, encontrou uma de suas expressões mais
importantes na noção de América Latina, tanto aceita, quanto criticada e debatida. Mas, por

48
Diz respeito aqui ao período estudado por Benedict Anderson e Eric Hobsbawm em seus trabalhos sobre a
constituição da força política da ideia de nação e de nacionalismo em sua acepção contemporânea. Hobsbawm
situa a partir de 1875 a passagem do que era conhecido como “o princípio de nacionalidade” para o
nacionalismo, largamente baseado no que ambos autores consideram como uma “invenção de tradições”.
Nacionalismo considerado de grande apelo para as conquistas imperialistas de finais do século XIX e de forte
impacto simbólico na conjuntura da Primeira Guerra Mundial, em 1914. ANDERSON, Benedict.
Comunidades imaginadas: reflexões sobre a origem e a difusão do nacionalismo. Trad. Denise Bottman. São
Paulo: Companhia das Letras, 2008 [1ªed. 1983]; HOBSBAWN, Eric. A Era dos Impérios 1875-1914. Trad.
Yolanda Toledo. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2009 [1ªed. 1988]; HOBSBAWM, Eric J. Nações e
nacionalismo desde 1780 – Programa, mito e realidade. Trad. Maria Celia Paoli; Anna Maria Quirino. Rio de
Janeiro: Nova Fronteira, 2011 [1ªed. 1990].

30
essa mesma razão, encontrava-se na ordem do dia do repertório intelectual de início do
século XX.
Ao atentar para a importância de se considerar a construção de uma identidade
latino-americana, dentro dos parâmetros da ascensão da ideia de nação, não me refiro a
projetos de formação de qualquer administração comum. A ideia de uma administração
comum é um elemento ausente desde o fim da “Colômbia bolivariana” pós-independência,
conforme abordei anteriormente, e incompatível com a própria noção de soberania nacional
predominante no início do XX. Entretanto, considero que tais identidades latino-americanas
podem ser percebidas a partir da caracterização de Homi Bhabha sobre a narrativa nacional.
Para o autor, essas narrativas funcionam como “estratégias complexas de identificação
cultural e interpelação discursiva” mobilizadas em nome do povo ou da nação que “os
tornam sujeitos imanentes e objetos de uma série de narrativas sociais e literárias.”49
Percebo a noção supranacional de América Latina, apesar de suas fronteiras tênues,
pensada enquanto “comunidade imaginada” constituída, conforme Bhabha, na dupla
temporalidade da ideologia nacional: pedagógica e performativa. A primeira configura-se
enquanto processo de identidade constituída pela sedimentação histórica, e a segunda
relacionando-se à perda dessa identidade no processo de sua significação cultural,
continuamente reposta na construção de identidades essencialistas, nesse caso, a latino-
americana. Para o autor, é na cisão deste dialógico tempo-duplo, pedagógico e
performativo, que a nação passa a ser escrita como uma narrativa, sempre conflituosa. A
compreensão do latino-americanismo como uma narrativa nacional é importante na análise
que se segue, pois atua enquanto um amálgama, rejeitado ou requerido, mas politicamente
relevante.
As disputas a respeito do nome da região hoje conhecida como América Latina não
se reduzem a uma questão de nomear um território estabelecido a partir de supostas
fronteiras naturais, como se frequentemente denota na historiografia, mas revela
implicações políticas, como as estudadas pela historiadora argentina Patricia Funes. Em sua
pesquisa sobre os intelectuais dos anos 1920, Funes levanta questões que são fundamentais
49
BHABHA, Homi K. DissemiNação – O Tempo, a Narrativa e as Margens da Nação Moderna. In: O local
da cultura. Trad. Myriam Ávila, Eliana Reis, Gláucia Gonçalves. Belo Horizonte: Ed. UFMG, 1998 (1ªed.
1994), p.199.

31
também para esta investigação, como a possibilidade de desconstruir, através da história
dos conceitos, as blindadas representações nacionais, bem como pensar os projetos político-
identitários bastante distintos presentes, por exemplo, nas denominações Latinoamérica e
Panamericanismo ou Iberoamérica e Indoamérica50. As questões do nome são
representativas politicamente. De acordo com a autora:

Los intelectuales de los años veinte se detuvieron a repensar el nombre de la


región. Representativas de esta pretensión por analizar y definir este “continente”
son las polémicas acerca de las formas de nombrarlo. “Latinoamérica”,
“Iberoamérica”, “Hispanoamérica”, “Indoamérica”, “Los Estados Des-Unidos del
Sur”, o bien, “Interamericanismo”, “Panamericanismo’, “Wilsonismo”, son
expressiones que denotan y connotan diferentes formas de apropiación
conceptual, ideológica, política.51

O desenvolvimento da pesquisa implicou em pensar sobre quais seriam as


perspectivas políticas implicadas na consolidação da locução América Latina em
detrimento de outras, em especial, Ibero-américa e Hispano-américa. Estas, essencialmente
caras à intelectualidade da região nas primeiras décadas do século XX, foram preteridas no
processo de escolha de uma denominação geopolítica do subcontinente. Esta questão
intrigante, e profundamente complexa, tem sido pouco abordada pela historiografia e não
poderia ser analisada neste trabalho, que se ocupa dos usos políticos de América Latina
para a intelectualidade brasileira do 1900, mas servirá de norte para o desenvolvimento para
a continuidade de futuras pesquisas, considerando-se sua relevância e as imbricações
significativas em relação aos temas aqui estudados.

50
Esses termos, sobretudo panamericano e latinoamericano, têm bastante destaque na política e na
intelectualidade do início do século XX, por isso serão trabalhados de forma mais acurada no decorrer do
trabalho.
51
FUNES, 2006, p.246.

32
CAPÍTULO II – América Latina em debate:
Manoel Bomfim e Sílvio Romero

Dos males, o maior


Debemos convenir francamente, vigorosamente y
directamente que estamos enfermos, o más bien que hemos
nacido enfermos.1

Ariel de Rodó, considerado um marco, devido a sua grande repercussão nas


discussões do período sobre as supostas diferenças entre os povos latinos e saxônicos, é
seguido de uma série de publicações com questões baseadas em motivações semelhantes.
Trabalhos estes, voltados fundamentalmente para discussão de identidades nacionais e
regionais, a partir de análises histórico-sociais. Os intelectuais hispano-americanos, que se
preocupavam com estas questões, compuseram uma série de diagnósticos sobre aqueles os
problemas percebidos como de formação de suas nações e de outras entendidas como
estando em condições semelhantes. Apesar de, em grande medida, orientados para a
compreensão de questões internas aos próprios países, essas obras, bem como as discussões
balizadas através da imprensa, colocam de forma premente a América Latina em pauta,
negando ou afirmando tal identidade, bem como seus fundamentos. Estes questionamentos,
aparecem sobretudo como resposta às questões políticas em pauta no início do século XX
com a afirmação do nacionalismo, que tendeu a expressar-se na difusão pela
intelectualidade de que suas nações estavam inconclusas.2
O que chama atenção é a profusão e a dispersão de títulos publicados nesses
primeiros anos do século XX, compartilhando um repertório político e intelectual
oitocentista interessado em seguir o caminho do progresso. Dentre eles destaco algumas

1
ARGUEDAS, Alcides. Pueblo enfermo: contribuición a la psicologia de los pueblos hispano-americanos.
Santiago de Chile: Ed. Ercilla, 1937 [1ªed. 1909], p.176 [grifos do autor].
2
SANTOS, Davi Siqueira. A América Latina, de Manoel Bomfim, e Ariel, de José Enrique Rodó: ensaios de
interpretação latino-americana. Dissertação (Mestrado em Literatura). Assis: UNESP, 2011.

33
obras de intelectuais proeminentes em seus países que trataram dessas questões3: Evolución
política del pueblo mexicano, de Justo Sierra (México, 1902); Os Sertões, de Euclides da
Cunha (Brasil, 1902); Nuestra América, de Carlos Octavio Burge (Argentina, 1903); Raza
chilena, de Nicolas Palácios (Chile, 1904); A América Latina – males de origem, de
Manoel Bomfim (Brasil, 1905); A América Latina, de Sílvio Romero (Brasil, 1906); Pueblo
enfermo, de Alcides Arguedas (Bolívia, 1909) e Las democracias latinas de America e La
creación de un continente, já em 1912 e 1913, respectivamente, ambos de Garcia Calderón
(Peru).4
Dada a quantidade e complexidade das obras não é possível abordar todas em
detalhe, mas podemos perceber de modo mais amplo algumas importantes convergências,
que aparecem como preocupações comuns destes intelectuais. Tais obras atravessam
recorrentemente a descrição das características de seus povos autóctones, bem como de
outras raças, segundo terminologia da época, consideradas constituintes da nação, suas
respectivas colonizações, processos de independência e, dentre tais temas, aqueles que
consideravam seus maiores desafios para se alcançar o progresso. Neste último aspecto, os
considerados “problemas raciais” imperam nas interpretações dos autores do período. Tais
referências se relacionavam diretamente com as inclinações mais ou menos afeitas a adoção

3
Os historiadores Charles Hale e Susana Zanetti, sob diferentes perspectivas, tratam das ideias políticas
latino-americanas no período, citam especialmente essas obras. O historiador Charles Hale faz um abrangente
apanhado da maioria destes livros, analisando suas características principais, as referências bibliográficas dos
autores, bem como os projetos políticos a que se vinculavam, procurando perceber as leituras dos intelectuais
do repertório sociológico do século XIX a partir de suas práticas políticas, afastando-se da ideia de cópia ou
imitação. Ver: HALE, Charles. As ideias políticas e sociais na América Latina, 1870-1930. In: BETHELL,
Leslie (org.). História da América Latina. Vol. IV – de 1870 a 1930. Trad. Geraldo Gerson de Souza. São
Paulo: EDUSP, 2009; ZANETTI, Susana. Modernidad y religación: una perspectiva continental (1880-1916).
In: PIZARRO, Ana (org.). América Latina: Palavra, Literatura e Cultura. Vol.2 – Emancipação do Discurso.
Campinas-SP: UNICAMP, 1994.
4
Algumas destas obras compõem as coleções de textos e documentos históricos disponibilizados
gratuitamente na íntegra, virtualmente, pela Biblioteca Ayacucho (do Gobierno Bolivariano de Venezuela),
que tem como proposta reunir um acervo sobre “pensamento latino-americano”, enfatizando seu vínculo
histórico e cultural: “Esta institución adscrita al Ministerio del Poder Popular para la Cultura, orienta su
atención hacia un vínculo con el pasado cultural, examinado desde la perspectiva contemporánea, para
registrarlo en un amplio repertorio bibliográfico que evidencia la relación profunda de los pueblos de
América Latina a través de su creación artística y literaria, creencias, tradiciones y pensamiento.” In:
http://www.bibliotecayacucho.gob.ve/fba/ . Acesso: 12 jun. 2013

34
de uma identidade latino-americana, amparados na percepção de um passado comum e
atravessados por um questionamento fundamental: “¿De qué estamos enfermos?”.5
As tentativas de perceber (e superar) as causas do que percebiam como entraves ao
progresso ou, conforme tais autores, das enfermidades que assolavam suas nações e, de
forma geral, as nações de colonização hispânica, aparece como elemento comum que
balizava esses escritos6. Segundo Eve-Marie Fell, a ideia de patologia como obstáculo ao
progresso demonstra sua força argumentativa na forma como se revela nessa profusão de
escritos, figurando como algo cientificamente evidente. As moléstias precisariam ser
compreendidas e combatidas, não mais comprovadas. De acordo com Fell: “(...) parecendo
la patología del continente como un hecho científico que no exige demostración. En esta
amplísima producción, amparada por la sombra tutelar de Gustave Le Bon, descuellan dos
obras famosas: Nuestra América del (...) Bunge y Pueblo enfermo del (...) Arguedas.” 7
Essa ideia de patologia, independente do tipo, aparecia como fator determinante na
escrita político-social no período e embasava as configurações identitárias
existentes/desejadas, como a latino-americana. Importante perceber o lugar destes escritos
no sentido de pensar uma identidade comum do subcontinente de “origem latina” na
América, apelando a sentimentos de pertença e origem, ou religación. A noção de
religación é utilizada por Susana Zanetti para apreender esse sentimento latinoamericanista
expresso pelos autores:

Los letrados encaran su experiencia singular, y nacional – mexicana, colombiana


–, desde una dimensión mayor que las contiene y que empieza a reconocer
modelos propios. (...) También se consolida un grupo numeroso de intelectuales
de nuevo cuño en los que prevalecen sentimientos de pertencia y perspectivas
latinoamericanistas. Los análisis y reflexiones de Ugarte, Rodó, García Calderón,

5
Em todos esses trabalhos é possível identificar um pessimismo racial, expressão de Charles Hale, e em
alguns o entendimento do perigo que a mestiçagem representava, me refiro à Sierra, Bunge, Arguedas,
Calderón e Palacios. HALE, op. cit.
6
A metáfora orgânica da enfermidade é bastante eficaz e facilmente apreendida, bem como seus
desdobramentos, diagnóstico e tratamento/cura. No Capítulo III, retomarei esta questão para compreende-la
enquanto fundamento de um lugar-comum, tendo como referência o trabalho de Myriam D’allones. Cf.
D'ALLONES, op. cit.
7
FELL, Eve-Marie. Del pensamento racista al despertar de la consciência revolucionaria. In: PIZARRO, Ana
(org.). América Latina: Palavra, Literatura e Cultura. Vol.2 – Emancipação do Discurso. Campinas-SP:
UNICAMP, 1994, p.581.

35
Blanco Fombona o Justo Sierra, aun si encaram cuestiones locales, se suelen
colocar in el ámbito totalizador del continente. 8

As construções da noção de América Latina imbricadas em constituições identitárias


nacionais também são discutidas pela intelectualidade brasileira no início do XX. A busca
pelas origens (dos males) nacionais, que tem tanto destaque na escrita social brasileira
durante o século XX, cresce substancialmente a partir do início da República e na primeira
década deste século está às voltas com a percepção de frustração com o novo regime. 9 A
formação dessas autoimagens da nação e do povo, configuradas como identidade, está
intimamente ligada à percepção do outro. Entre identificações possíveis/desejáveis, os
homens de letras10 pensaram seus projetos políticos nacionais em diálogo frequente com as
relações internacionais num intrincado jogo de espelhos, no qual o vago conceito de
América Latina, de origem bastante estudada, ganha outros contornos e assume outros
papéis políticos. Nós e eles, com várias nuances, mobilizados em diferentes ideais de
integração americana.

O moço escritor e o velho cacógrafo

O debate é daqueles nos quais nunca é


demasiado insistir e em que se deve entrar
munido de todas as armas.
Sílvio Romero – América Latina (1906)

Os intelectuais brasileiros do início do XX, que se arrogavam o papel de condutores


políticos da nação, empenharam-se em buscar aqueles elementos que pudessem ser
elencados como as causas para os males do Brasil. Construção implicada nas diferentes

8
ZANETTI, Susana. Modernidad y religación: una perspectiva continental (1880-1916). In: PIZARRO, Ana
(org.). América Latina: Palavra, Literatura e Cultura. Vol.2 – Emancipação do Discurso. Campinas-SP:
UNICAMP, 1994, p.492.
9
Essas obras de interpretação e de definição identitária brasileira adquirem grande importância já a partir da
independência do Brasil, especialmente após a fundação do IHGB (em 1838). No século XX, considerando-se
seus deslocamentos, esse tipo de obra tem lugar importante nas ciências sociais, e consagra grandes
intérpretes do Brasil, aos quais me refiro de forma especial a autores como Sérgio Buarque de Holanda,
Gilberto Freyre e Caio Prado Júnior.
10
A noção de homens de letras foi comum no final do XIX início XX para designar o trabalho intelectual não
especializado academicamente, que abrangia a escrita politica de jornalistas, engenheiros, bacharéis e outros
profissionais com formação superior que se propunham a fazer trabalhos de reflexão.

36
apreensões da história nacional, da formação do povo e do lugar do país na América e no
almejado caminho do progresso. Manoel Bomfim e Sílvio Romero, em momentos bastante
distintos de suas vidas e carreiras, protagonizam uma das importantes contendas
intelectuais sobre esses temas no século XX. Bomfim, então com 37 anos, publicava sua
primeira obra sociológica e se dedicava ao trabalho na área educacional, enquanto Romero,
crítico já consagrado (e temido nos debates intelectuais) com 54 anos de idade e mais de 30
de anos de escrita política, entram em seu primeiro debate público de ideias.
A apresentação que se segue a esse respeito tem dois objetivos principais: situar, em
linhas gerais, os autores centrais no debate analisado nesta pesquisa, Manoel Bomfim e
Sílvio Romero, para podermos apreender o momento político e intelectual de suas
trajetórias, no qual se dá o debate em questão, e ainda, descrever as fontes da pesquisa, seus
aportes, condições de escrita e possibilidades de divulgação.
O sergipano Manoel José do Bomfim, nascido em 1868, foi médico de formação,
mas pouco clinicou. Em 1894, apenas três anos depois de formado na Faculdade de
Medicina da Bahia, abandonou o ofício e a carreira iniciada em Mococa, no interior de São
Paulo, em virtude do precoce falecimento de sua primeira filha. Mudando-se para o Rio de
Janeiro, investiu em estudos de psicologia e pedagogia, e optou pela carreira docente e por
cargos voltados para políticas públicas de educação. 11
Bomfim dedicou-se ao trabalho com a educação formal, cerne de suas preocupações
políticas, primeiro como diretor do Pedagogium por dezessete anos (1896-1905 e 1911-
1919) – instituição fundada em 1890, proposta como um “museu pedagógico nacional” nos
moldes do norte-americano Bureau of Education, que ganhou a propriedade de órgão
normativo nacional de políticas educacionais. Atuou também como Diretor de Instrução
Pública do Rio de Janeiro, convidado pelo prefeito Pereira Passos, em 1905, e ainda, eleito
em 1907, exerceu um mandato como deputado estadual por Sergipe.12

11
Essas informações constam na biografia sociológica de Manoel Bomfim, de autoria do sociólogo Ronaldo
Conde Aguiar. A obra O Rebelde Esquecido é referência fundamental sobre Manoel Bomfim, e objetiva,
segundo seu autor, tratar dos percursos pessoal e intelectual de Bomfim. AGUIAR, Ronaldo Conde. O
Rebelde Esquecido – Tempo, Vida e Obra de Manoel Bomfim. Rio de Janeiro: Topbooks, 2000.
12
AGUIAR, Ibid., p.189.

37
Manoel Bomfim possui vasta obra relacionada às questões educacionais e
pedagógicas, à psicologia, além de vários livros didáticos (alguns em parceria com Olavo
Bilac) e; como era comum entre os letrados na época, teve uma ativa militância jornalística.
Entre os livros de análise histórico-sociológica, além de A América Latina (1905),
escreveu, já acamado e debilitado pelo câncer: O Brasil na história: deturpação dos
trabalhos, degradação política (1928), O Brasil na América: caracterização da formação
brasileira (1929) O Brasil nação [I e II]: realidade da soberania brasileira (1929 e 1930)
e Cultura e educação do povo brasileiro (1931). Faleceu em abril de 1932, deixando
inacabada a obra Moral de Darwin.13
Em 1905, Manoel Bomfim publica pela Editora Garnier o livro A América Latina –
males de origem. Sem saber, iniciaria assim uma a polêmica com Sílvio Romero.14 Na obra,
escrita em 1903 durante sua temporada de estudos em Paris, Bomfim tem como centro de
sua interpretação a ideia de parasitismo, que segundo ele teria contaminado todas as
estruturas de relações sociais da América Latina e do Brasil em especial.15 A relação de
exploração parasitária das metrópoles ibéricas com suas colônias americanas seria
responsável, em sua análise, pela violência que permeava as sociedades que foram
formadas e pelo predomínio dos traços de não-solidariedade, pelo Estado violento e
opressor e pelas elites exploradoras e extremamente conservadoras. Dada a centralidade da
tese do parasitismo enquanto princípio explicativo da obra será necessário explicá-la mais
detalhadamente adiante, depois de apresentados alguns aspectos mais gerais da publicação.
Conforme se pode notar, os subtítulos dos capítulos do livro de Bomfim já sugerem a
confusão e sobreposição presente em toda obra entre os termos “América Latina” e
“América do Sul” ou latino-americano e sul-americano.16 Esta questão e suas possíveis

13
Para uma lista completa de trabalhos de Manoel Bomfim, consultar: AGUIAR, Ibid., p.521-525.
14
O crescente interesse por Manoel Bomfim tem levado, além de análises sobre suas obras, a novas reedições
de seus livros. Além da edição do centenário da obra, de 2005, utilizada nessa pesquisa, A América Latina foi
editada anteriormente em 1993, com prefácios de Darcy Ribeiro e Franklin de Oliveira e em 1938, com
prefácio de Azevedo Amaral. Todos os prefácios constam na edição de 2005: BOMFIM, Manoel. A América
Latina – males de origem. 4ª ed. Rio de Janeiro: Topbooks, 2005 [1ªed. 1905].
15
Manoel Bomfim viveu em Paris de 1902 a 1905 para especializar-se em pedagogia e psicologia, tendo
frequentado Psicologia na Universidade de Sorbonne.
16
A América Latina de Manoel Bomfim divide-se em cinco partes: A América Latina: estudo de Parasitismo
Social; Parasitismo e Degeneração; As Nações Colonizadoras da América do Sul; Efeitos do Parasitismo
sobre as novas sociedades; e As novas sociedades.

38
implicações serão analisadas no próximo capítulo. Porém, o que chamou especial atenção
sobre a obra de Bomfim não foi precisamente sua organização, mas o rápido e enérgico
ataque do famoso crítico Sílvio Romero. Logo após a publicação de América Latina de
Bomfim, Romero começa a publicar suas críticas à obra que, posteriormente, seriam
publicadas como um livro.

Também nascido em Sergipe, em 1851, Sílvio Vasconcelos da Silveira Ramos


Romero, formado em 1873 na Faculdade de Direito de Recife, é autor de tão extensa
quanto multifacetada produção intelectual.17 Renomado intelectual brasileiro, foi crítico
literário, ensaísta, folclorista, professor e historiador de literatura brasileira. Conhecido pelo
temperamento combativo e pelo teor virulento de suas críticas, envolveu-se em numerosas
polêmicas com intelectuais contemporâneos, como o escritor português Teófilo Braga e os
brasileiros Araripe Júnior, Castro Alves, Machado de Assis, Capistrano de Abreu, além de
um longo embate com o estudioso e, como Romero, crítico literário, José Veríssimo.
Cerca de três meses após o lançamento de A América Latina, de Bomfim, o já
experiente polemista iniciou através da imprensa seu debate com Manoel Bomfim,
publicando extensos artigos na revista Os Annaes, na qual ambos eram colaboradores.
Foram 25 artigos publicados de outubro de 1905 a abril de 1906, totalizando mais de 400
páginas, reunidas em livro ainda em 1906, intitulado A América Latina – Análise do livro
de igual título do Dr. M. Bomfim.18
Já conhecido por sua verborragia insultante, Romero não poupou Bomfim, em suas
palavras, “mestrinho das tortas psicologias” e “escritorzinho de sexta ou sétima ordem”.
Estes foram alguns dos qualificativos pautados sobretudo a partir de uma autoridade

17
O eixo da historiografia literária de Sílvio Romero foi Introdução à História da Literatura Brasileira,
publicada 1882, hoje se encontra editada em cinco volumes. Para lista de obras de Romero. Obras consultadas
sobre Sílvio Romero: SCHNEIDER, Alberto Luiz. Sílvio Romero – hermeneuta do Brasil. São Paulo:
Annablume, 2005; MOTA, Maria Aparecida Rezende. Sílvio Romero: dilemas e combates no Brasil na virada
do século XX. Rio de Janeiro: FGV, 2000.
18
ROMERO, Sílvio. Uma suposta teoria nova da história latino-americana. In: Os Annaes (Revista). Rio de
Janeiro: anos II-III, nº 54-72, nº77 [tréplica], out./1905-abr./1906. A revista semanal Os Annaes – Semanário
de Literatura, arte, ciência e indústria, publicada no Rio de Janeiro, dirigida por Domingos Olímpio, teve os
números 1-102, distribuídos entre 1904 a 1906 (ano I ao III), e registrou parte da crítica de Sílvio Romero a
Bomfim. Resultando, no ano seguinte, em sua publicação em livro: ROMERO, Sílvio. A América Latina –
Análise do livro de igual título do Dr. M. Bomfim. Porto: Livraria Chardon, 1906.

39
geracional reivindicada por Romero, diante da criancice do moço escritor. Reiteradamente
demonstrava não reconhecer na escrita de Bomfim a referência ou deferência da qual se
julgava merecedor, sobretudo porque esta falta de consideração vinha de um escritor
sergipano como ele, que apenas iniciava seus trabalhos na escrita político-social, conforme
Romero explicita em vários trechos: “O mestrinho do pedagogium [sic] ainda estava no abc
das classes primárias, quando eu já caracterizava os latino-americanos, respectivé [sic] os
brasileiros, por estas palavras, que não troco por toda a América Latina, com todos os seus
parasitismos, falsos ou verdadeiros.”19
Publicada como livro em 1906, a América Latina de Romero não teve outras
edições, e possui uma fortuna crítica significativamente menor. Suas críticas, em tom
bastante ácido, percorrem todos os argumentos de Bomfim, procurando apontar aquilo que
identifica como erros históricos, interpretativos e até gramaticais. Romero estabelece
alternativas às interpretações de Bomfim, propondo outros projetos, por vezes opostos.
Ao investigar os números posteriores da revista percebe-se a continuação da
polêmica, instigada pelos Annaes ao procurar Manoel Bomfim oferecendo as colunas do
periódico para “uma resposta à altura da agressão”. Oferta recusada por Bomfim, que
responde apenas com uma breve carta, na qual fundamentalmente desacredita as qualidades
de Romero como crítico, sobretudo pelo seu tom desrespeitoso. Nesta carta, encaminhada
ao secretário da revista, Walfrido Ribeiro, Bomfim agradece a disposição da revista em
publicar a resposta que quisesse a Romero.20
O moço escritor não deixou por menos e, em sua breve carta-resposta a Walfrido
(apenas indiretamente a Romero), não poupou o adversário de insultos, apelando também
para a distância geracional entre ambos. Referindo-se a Sílvio Romero como o velho
cacógrafo e um homem cuja insensatez mais se acentua com a velhice, portanto, já não
mais conceituado entre o público letrado carioca. Entretanto, o autor estava determinado em

19
ROMERO, Ibid., p.198 [grifos do autor].
20
Ao publicar a carta, a revista traz a seguinte epígrafe: “PARA PROVAR a isenção com que acolhemos a
critica do Sr. Sílvio Romero ao livro América Latina, do Sr. Manoel Bomfim, escrevemos a este nosso
colaborador abrindo-lhe as colunas dos Annaes a uma resposta na altura da agressão. O Sr. Bomfim
respondeu-nos porém, com a carta que abaixo vai.” [caixa alta e grifos no original]. BOMFIM, Manoel. Uma
carta: a propósito da crítica do Sr. Sílvio Romero ao livro A América Latina. In: Os Annaes (Revista). Rio de
Janeiro: ano III, nº74, 22/03/1906, p.9

40
não dar continuidade à polêmica: “Não quero que seja assim.”. Alega que não responderia à
crítica por considerar Romero “um indivíduo que não tem, sequer, o pouco de educação e
de bom gosto necessários para mascarar em público os furores da inveja e da cólera.” E
portanto, motivado por mesquinharia, diferentemente de seu livro que teria sido movido por
motivações de outra ordem, “uma obra de amor – de muito amor à minha terra”. Para que
não restassem dúvidas de que não considerava o trabalho sobre “os fatos sociais” de
Romero digno de nota, diz que nunca que lhe ocorrera citá-lo e nem se lembrou sequer de
oferecer um exemplar do livro, pois “Desprezava e desprezo esquecidamente o infeliz
grosseirão.”21
No mesmo sentido, Sílvio Romero escreve sua tréplica, também destinada a
Walfrido Ribeiro, afirmando sua autoridade intelectual, encerrando com uma longa lista
com mais de 50 nomes que, segundo o autor, atestam sua credibilidade.22 Elenca não
apenas amigos, mas polemistas adversários que reconheceriam sua importância enquanto
crítico, como José Veríssimo e Araripe Júnior. A carta de Romero, que se ocupa sobretudo
de discutir a questão da era glaciária, citada por Bomfim em sua tréplica, é permeada por
colocações ácidas ao estilo de Romero, que termina por lamentar a ingratidão de Bomfim:

Coitado Invejado! (...) Como dá trabalho, como é aborrecido lidar com um rapaz
tão tapado! (...) Que trabalheira, meu amigo! Estou quase arrependido de ter
escrito aqueles artigos, porque só a eles devo a obrigação desta nova maçada:
ensinar, de graça, a quem, nem sequer, entendeu o que se lhe ensina! Mas, é meu
fado!

Sem deixar de lamentar Bomfim não querer dar continuidade a polêmica:

O Bomfim, como todo autor que sente o peso de censuras sérias, nomeadamente
quando esse autor é um mal polemista, forçou demasiado a nota, quis cantar em
clave muito alta e desafinou completamente. É lamentável. Porque eu queria, já
agora, ser menos cruel com esse rapaz. 23

21
BOMFIM, Manoel. Uma carta: a propósito da crítica do Sr. Sílvio Romero ao livro A América Latina. In:
Os Annaes (Revista). Rio de Janeiro: ano III, nº74, 22/03/1906, p.9
22
Os Annaes (Revista). Rio de Janeiro: ano III, nº 77, 12/04/1906, p.2-5.
23
ROMERO, Sílvio. Uma suposta teoria nova da história latino-americana. In: Os Annaes (Revista). Rio de
Janeiro: anos III, nº77 [tréplica], 12/04/1906, p.3 [grifo do autor].

41
Sílvio Romero e o parasitismo bomfínico
A abordagem deste trabalho sobre essa polêmica não se restringe a considerar
simplesmente as oposições entre os autores. À parte as significativas diferenças entre eles,
as sutilezas são importantes de serem percebidas para a compreensão de suas percepções
sobre América Latina, além do uso do mesmo referencial teórico (seja como adesão ou
contraponto) e de frequentarem o mesmo meio intelectual24. É notável ainda que a
convergência da principal motivação da escrita – a ação política – produz um rico debate,
muito além da dicotomia ou da oposição na argumentação de ambos. Situar esse debate,
discutir suas referências, estabelecer as relações e repercussões são escolhas feitas para este
trabalho com o fito de apreender de maneira mais ampla e matizada as proposições
identitárias no jogo das linguagens políticas a partir dessa polêmica.
Primeiramente, faz-se necessário apresentar a ideia fundamental do livro de Manoel
Bomfim, a partir da qual se desenrola suas noções sobre América Latina, teoria que nomeia
de Parasitismo, tese esta que estrutura toda sua interpretação. O uso desta poderosa
metáfora orgânica, apropriada por Bomfim, é justificado com rigor pelo autor,
aparentemente preocupado em evitar ser visto como ingênuo ou atrasado. Bomfim ressalta
não ser possível nem intencional utilizar as leis que regem os organismos biológicos como
parâmetros absolutos para compreensão dos organismos sociais. Em suas palavras: “Está
um tanto desacreditado, em sociologia, esse vezo de assimilar, em tudo e para tudo, as
sociedades aos organismos biológicos.”25 Mas afirma que o estatuto de ciência da
sociologia implicava na possibilidade de compreensão de suas leis e dos “organismos
sociais” aos quais se aplicava, e nisto, se igualava aos estudos biológicos, ainda que em
outro grau de complexidade:

Em suma, não é o conceito que é condenável, e sim a estreiteza de vistas que o


aplicam à crítica dos fatos sociais (...). Uma verdade, porém, é hoje
universalmente aceita – que as sociedades existem como verdadeiros organismos,
sujeitos a leis categóricas. Deste consenso unânime vem – exatamente o

24
Meio que gravitava em torno da editora e livraria Garnier, a principal editora do país no período. C.f:
DUTRA, Eliana de Freitas. Rebeldes literários da República – história e identidade nacional no Almanaque
Brasileiro Garnier (1903-1914). Belo Horizonte: Editora UFMG, 2005.
25
BOMFIM, 2005, p.57.

42
considerar-se a sociologia como ciência, isto é - o estudo de um conjunto de fatos
dependentes de leis fatais (...).26

Para introduzir sua argumentação a respeito do parasitismo o autor apresenta vários


exemplos de organismos parasitários na natureza, suas formas de vida e aqueles que seriam
os efeitos evolutivos da vida parasitária. Em especial, destaca o desuso de membros e
funções ocasionado pela subsistência de tipo parasita como capaz de levar à atrofia,
degenerescência e, em último estágio, a involução do próprio parasita, bem como ao
enfraquecimento e adaptação do parasitado às condições de violência que lhe foram
impostas.27 Então pergunta: “Sucederá o mesmo com os organismos sociais?”, e conclui
taxativamente: “Sim; é impossível negá-lo.”28 A partir dessa analogia, Bomfim propõe que
tal compreensão pode ser pensada para o estudo da nacionalidade, segundo sua perspectiva,
“o produto de uma evolução” pois “seu estado presente é forçosamente a resultante de ação
do seu passado, combinada à ação do meio.”29 O autor, em consonância com essa proposta,
atesta o estado de enfermidade das “nações sul-americanas”. Doença que só poderia ser
compreendida e curada com o exame apurado do histórico do paciente:

A cura depende, em grande parte, da importância desse “histórico”,


principalmente quando as condições presentes são relativamente favoráveis, e são
tais que a elas o indivíduo poderia adaptar facilmente, se não tivesse contra si
uma herança funesta. (...) Imediatamente, o prático voltará para os antecedentes
do doente, e aí buscará a causa do mal atual e os meios eficazes de combatê-lo.
(...) Tal é o caso das nacionalidades sul-americanas30

A principal referência de Bomfim para desenvolver sua teoria do parasitismo é o


livro Parasitisme organique et parasitisme social, dos belgas socialistas Jean Massart
(botânico) e Émile Vandervelde (cientista social). Lançado em 1893, na França, o livro tem
como cerne a analogia entre as relações parasitárias orgânicas e aqueles, que segundo os

26
BOMFIM, Ibid., 2005, p.57.
27
Segundo Renato Ortiz e Ronaldo Conde Aguiar, alguns argumentos de Bomfim se aproximam de Émile
Durkheim, especialmente da obra Divisão do trabalho social, no que concerne ao entendimento do biológico
enquanto modelo para compreensão do social. ORTIZ, Renato. Cultura brasileira e identidade nacional. São
Paulo: Brasiliense, 1985, p.23; AGUIAR, Ronaldo Conde. O Rebelde Esquecido – Tempo, Vida e Obra de
Manoel Bomfim. Rio de Janeiro: Topbooks, 2000, p.308.
28
BOMFIM, op. cit., p.65.
29
BOMFIM, op. cit., p.58.
30
BOMFIM, op. cit., p.59.

43
autores, seriam os parasitismos entre os grupos sociais, exploradores e explorados. Para
exemplificar o parasitismo, os autores o aplicam historicamente no estudo do Império
Romano e da decadência colonial dos povos ibéricos, mas não há a ideia do “parasitismo
colonial” como em Bomfim 31.
O historiador português Oliveira Martins, referencial importante em todo o livro de
Bomfim, também utiliza a metáfora do parasitismo em suas obras sobre a história de
Portugal. Entretanto, em Martins a elite portuguesa seria a classe parasitária não apenas da
colônia, mas do próprio Estado da metrópole. Segundo Flora Sussekind e Roberto Ventura,
o uso da ideia de parasitismo estaria em outro grau de importância, uma vez que estrutura
toda interpretação em Bomfim, mas é apenas pontual em Martins.32
Cumpre destacar também que as noções de parasita e parasitado não possuem um
valor absoluto em América Latina, servindo para o autor como categorias de compreensão
das relações de exploração historicamente referenciadas, representando tanto metrópole e
colônia, quanto senhor e escravo, Estado e povo, elite conservadora e povo, capital
estrangeiro e nacional. Entretanto, a teoria do parasitismo se justifica enquanto
interpretação histórica, de acordo com o autor, por ser hereditária. Daí sua validade tanto
para o período de formação dos Estados nacionais ibéricos (Espanha e Portugal), quanto
para a colonização da América e por reverberação, posteriormente, nas novas sociedades
formadas no novo continente. Citado várias vezes em América Latina, o psicólogo francês
Théodule Ribot é a principal referência de Manoel Bomfim sobre esta “hereditariedade
social”, que consistiria na transmissão dos caracteres culturais e qualidades psicológicas
como herança socialmente difundida.33 Nesse caso, a hereditariedade é entendida pelo autor

31
Cf. SANTOS Jr., Valdir Donizete dos. A trama das ideias: Intelectuais, ensaios e construção de identidades
na América Latina (1898-1914). Dissertação (Mestrado em História Social). São Paulo: FFLCH-USP, 2013.
32
A principal referência da obra de Martins empregada por Bomfim é a História de Portugal (1880).
SUSSEKIND, Flora; VENTURA, Roberto. História e Dependência – Cultura e Sociedade em Manoel
Bomfim. São Paulo: Ed. Moderna, 1984, p.27.
33
Théodule-Armand Ribot (1839-1916) é considerado um dos pais fundadores da Psicopatologia e um dos
principais nomes da história da psicologia. Para o autor, o estudo da psicologia devia ser feito também através
do entendimento da evolução biológica (ou física) das patologias mentais, avaliando especialmente suas
características hereditárias. Ribot é um dos autores mais citados por Bomfim, em especial, por seu livro
L'hérédité psychologique, trabalho de tese de doutorado de mesmo título de 1873 [Bomfim cita a 4ª edição, de
1890]. Em 1885, Ribot abriu o primeiro curso de Psicologia Experimental na Universidade de Sorbonne,
curso que Manoel Bomfim viria a frequentar em 1903. Sobre Ribot C.f: CONTRERAS, Gonzalo Salas. Ribot,

44
na disposição das novas nacionalidades latino-americanas a manter modos de vida
parasitários, transmitidos pela colonização ibérica.
A disposição dos capítulos e subtítulos do livro evidencia a escolha de Bomfim em
estruturar sua obra em torno do estudo do parasitismo social. Na primeira parte do livro, A
América Latina: Estudo de Parasitismo Social, Manoel Bomfim faz a exposição do
problema que irá tratar, ou mais precisamente, faz o diagnóstico da enfermidade que
entende ser vítima a América Latina. Feita a diagnose do parasitismo, o autor se propõe a
explicar como chegou a esse entendimento através do paralelo entre organismos sociais e
biológicos, na parte denominada Parasitismo e Degeneração. Na seguinte, As Nações
Colonizadoras da América do Sul, faz um histórico do surgimento da educação parasitária
que seria constituinte da própria Península Ibérica e causa da degeneração desta. Educação
parasitária que teria sido ocasionada pelo longo período de guerras ocorrido na península,
que os impeliria, portanto, a uma vivência depredadora, aos saques e ao máximo
aproveitamento de suas conquistas. Na penúltima parte, Efeitos do Parasitismo sobre as
Novas Sociedades, disserta sobre os efeitos desta educação parasitária sobre as colônias. E
por fim, depois do diagnóstico e histórico da enfermidade parasitária a ser compreendida,
Bomfim analisa o presente das sociedades formadas e postula a cura aos efeitos do
parasitismo, em As Novas Sociedades.
A teoria do parasitismo social de Bomfim é o principal alvo da resposta de Sílvio
Romero à obra América Latina – males de origem. “O abuso das metáforas, fundadas em
ilusórias relações de semelhança, é o flagelo da sociologia.”34, sentenciou Sílvio Romero ao
condenar o uso da ideia de parasitismo. Flagelo que tributa diretamente à sociologia de
Massart e Vandervelde que, “por meio de erros e exagerações” teria encaixado o
parasitismo vegetal/animal no reino social. Desse modo, “a façanha do Sr. Bomfim” foi
apenas aplicar a teoria destes autores, desvirtuar a história e aplicá-la a colonização de
portugueses e espanhóis na América, base mesquinha e fútil do “parasitismo bomfinico.”35

Janet y Binet: Pioneros de la Psicología Francesa Contemporánea, In: Eureke – revista de Investigação
científica em Psicologia. Asunción (Paraguay): 7(2), 2010.
34
ROMERO, 1906, p.40.
35
ROMERO, Ibid., p.78 e 163.

45
Não menos dura é a crítica de Romero a Oliveira Martins, bem como à leitura deste
autor feita por Bomfim. Romero ataca Oliveira Martins, um “gerador de extravagâncias”,
por considerar seu trabalho extremamente ofensivo à colonização portuguesa no Brasil, da
qual Romero defende o legado. Pela utilização constante de Oliveira Martins por Bomfim
como referência em América Latina, Romero sugere ironicamente que o autor português
deveria ser considerado o verdadeiro autor dessa teoria, pois haveria “dúzias e dúzias de
citações” e Bomfim estaria apenas “copiando páginas e páginas, (...) muito do gosto e da
admiração de todos os mendigos de ideias e saber, que enchem a atual fase literária
brasileira.”36 Deste modo, Sílvio Romero desaprova toda a teoria do parasitismo social de
Bomfim e, consequentemente, todo o livro. Em um parágrafo Romero sintetiza a natureza
de suas críticas à América Latina, no que concerne à aplicação do parasitismo social na
interpretação da colonização ibérica:

J. Massart e E. Vandervelde forneceram-lhe as miragens do parasitismo social,


com aplicações especiais às colônias do novo continente. Oliveira Martins
encheu-lhe os bolsos de notas falsas acerca da Espanha, Portugal e Brasil, mui
aptas para serem grudadas pelo parasitismo de Massart e Vandervelde. Rocha
Pombo esvoaçou lhe sobre a América nuns reacionarismos anti-europeus de
quinta ou sexta ordem pelo atraso das investidas e a pulhice dos conceitos. Com
tão falhos e suspeitos elementos é que arquitetada a América Latina. Avaliem.37

O estilo peculiar da escrita de Sílvio Romero, denota não apenas a autoridade


intelectual que o caracterizava, mas um traço distintivo de seu trabalho ainda em seus
inícios. Como o lendário episódio de sua defesa de doutorado em Direito, em 1875, que
irritado com a arguição, mandou a banca “ir estudar” e se retirou da sala.38 Mais de 30 anos
depois, e com uma longa carreira de polemista, Romero não poupa Bomfim em críticas

36
ROMERO, Ibid., p.136.
37
ROMERO, Ibid., p.52.
38
A seguinte narrativa sobre a defesa de Romero pertence a Clóvis Beviláqua: “‘A metafísica — treplica o
doutorando — não existe mais, Sr. doutor. Se não sabia, saiba!’ — ‘Não sabia...’ , retruca este. — ‘Pois vá
estudar e aprender para saber que a metafísica está morta’. — ‘Foi o Sr. quem a matou?’ pergunta-lhe, então,
o Dr. Coelho Rodrigues. — ‘Foi o progresso, foi a civilização!’ responde-lhe o bacharel Sílvio Romero, que,
ato contínuo, se ergue, torna dos livros que estavam sobre a mesa e diz: ‘Não estou para aturar essa corja de
ignorantes, que não sabem nada!’ E retira-se, vociferando pela sala afora...” [p.136]. Carlos Mendonça reuniu
várias versões sobre o incidente, dentre os quais constam o próprio Sílvio Romero, Araripe Júnior, Clóvis
Beviláqua, José Veríssimo e Tobias Barreto, este último presente na ocasião da defesa. A partir desses relatos,
Mendonça também alega que o caso teria se desdobrado em um processo administrativo, dado ao seu caráter
inédito e fora de precedentes. In: MENDONÇA, Carlos Süssekind de. Sílvio Romero - sua formação
intelectual 1851-1880. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1938, p.124-138.

46
com elegantes jogos de palavras permeados por ironias e deboches. Além dos vários
neologismos, como o “parasitismo bomfínico”, nas próprias citações que faz de Bomfim, a
fim de rebatê-las, o autor faz pequenos comentários, entre parênteses, expressando suas
opiniões: É falso; Esta errado; Que milagre!, Está exagerado...; Que extravagância!;
Pudera não!; Ingênua confissão!, entre outras, sugerindo inclusive: “Ora, Sr. Bomfim,
queira arrolhar o garrafão.”39
A despeito do eloquente uso de expressões que não deixariam indiferente o leitor,
estas críticas de Sílvio Romero relacionam-se significativamente com o discordante
posicionamento político dos autores. Bomfim identificava-se com as ideias socialistas40.
Ainda que, em América Latina, Manoel Bomfim não faça nenhuma referência explícita a
essas ideias, a maioria dos textos citados por ele são de autores considerados com
posicionamentos políticos críticos à sociedade, ao capitalismo belicista e à exploração da
classe trabalhadora.41
Estas preferências evidenciam-se também na trajetória de Bomfim enquanto
jornalista e na defesa, em América Latina, da questão da industrialização do país e da classe
operária, ambas bastante condenadas por Romero.42 Sílvio condena o “louco industrialismo

39
ROMERO, Ibid., p.234.
40
São conhecidas algumas referências nesse sentido, como seu artigo para revista A Universal, fundada em
1901 em parceria com Tomás Delfino e Rivadávia Correia. Neste artigo, A sociedade do futuro, Bomfim
refuta o professor de economia política da Universidade de Colúmbia (EUA), B. Clark. Segundo Clark, o
desenvolvimento do capitalismo traria, pouco a pouco, às classes operárias o mesmo desenvolvimento que
conforto que oferecia às classes abastadas, acabando com toda rivalidade entre capital e trabalho. Para
Bomfim, o capitalismo jamais realizar tal projeto, pois se perpetuava justamente na desigualdade entre a
maioria explorada e a minoria exploradora. BOMFIM, Manoel. A sociedade do futuro. In: A Universal
[revista]. Rio de Janeiro: ano I, n.26, 1901. Segundo seu biógrafo, Ronaldo Conde Aguiar, em 1901 Bomfim
já havia tido contato com teóricos anarquistas, como Proudhon, Bakunin e Kropotkin e pelo menos, em edição
francesa, com algumas obras de Karl Marx, como o Manifesto do partido comunista (1848), As lutas de
classe na França (1850) e O 18 de Brumário de Luís Bonaparte (1852). AGUIAR, op. cit., p.244.
41
Segundo Valdir Santos Jr., estes autores, socialistas ou anarquistas, eram especialmente “críticos da guerra,
da exploração de uma classe sobre a outra e das doutrinas racialistas.” Santos Jr. faz uma leitura acurada de
alguns desses autores que serviam de referência para os autores latino-americanos no início do século XX. Em
especial para Manoel Bomfim destaca a sua interlocução com o pensador russo Jacques Novicow, anti-
belicista e crítico do darwinismo social, e com os já citados J. Massart e E. Vandervelde. SANTOS Jr., op.
cit., p.156. Entre os autores que Bomfim critica mais de uma vez, destacam-se, segundo Santos Jr.,
“conhecidos conservadores”, como Louis Agassiz, Auguste Comte, Ludwig Gumplowicz, Gustave Le Bon,
Charles Letourneau, Quatrefages de Bréau, Herbert Spencer, Paul Topinard. Ver Anexo.
42
Em 1903, junto com Alcindo Guanabara, Bomfim lança o jornal A Nação, apresentando em editorial a
defesa das questões operárias: “A Nação propugnará a efetividade do regime democrático republicano, a
eliminação das distinções de classe e o realçamento das classes operárias.” (A Nação, 11/12/1903). Menos de
duas semanas depois, Bomfim afastou-se d’ A Nação em virtude de um discurso de Rui Barbosa que foi

47
moderno”, pois além de considerar o Brasil um país essencialmente agrícola, refletia sobre
a relação da agricultura com a questão da formação nacional. Romero a proclamava como
superior à indústria e ao comércio “como força nacional e princípio de conservação” 43.
Além disso, expressa grande receio da formação de um operariado de catecismo socialista,
pregado, segundo ele, por propagandistas como Bomfim:

A nefasta propaganda dos Bonfins, que vivem sonhar com um socialismo


bastardo em nossas maiores cidades, maximé no Rio de Janeiro, onde, por amor à
pagodeira e a calaçaria, se acumulam os destroços do operariado refugado de todo
o mundo; onde se tenta fundar um industrialismo esconso, que melhor faria em ir
lavrar inteligentemente os campos e produzir nossa independência econômica, – a
nefasta propaganda dos Bonfins retóricos e desnorteados, faria bem mudar de
rumo.44

Manoel Bomfim: a extemporaneidade de um autor ou a eternidade dos


problemas

No emaranhado de opiniões a proclamarem o pioneirismo de suas


avaliações do Brasil e dizendo a mesma coisa de modo diverso,
forma-se o lugar-comum na imagem do país desencontrado
consigo mesmo.
Stella Bresciani (2001)

Os trabalhos analíticos sobre Manoel Bomfim, e especialmente sobre América


Latina são bastante numerosos. Dessa forma, optou-se pela sistematização especialmente
de algumas leituras confluentes sobre o autor, no intuito de problematizar essas repetições.
Nesse sentido, a ideia do parasitismo se destaca entre os estudiosos. Nos primeiros
trabalhos que se debruçaram sobre a América Latina, entre as décadas de 1960 e 1970,
conformam-se dois entendimentos persistentes sobre Bomfim, que são importantes para
esta pesquisa. Primeiramente, os autores seguem a interpretação de Sílvio Romero, de que
havia um esquematismo na transposição das categorias biológicas utilizadas por Bomfim,

publicado por Guanabara no jornal. Para Bomfim, a publicação de um discurso de cunho cristão-católico
representava uma incoerência inaceitável numa folha de orientação socialista, como explicou na carta de
afastamento que enviou a Alcindo. As cartas enviadas por Bomfim para Alcindo são transcritas por Ronaldo
Conde Aguiar, que descreve detalhadamente esta discordância entre os jornalistas: AGUIAR, op. cit., p.257-
267.
43
ROMERO, 1906, p.188.
44
ROMERO, Ibid., p.186-187 [grifo do autor].

48
denunciando-se a “estreiteza de analogias organicistas” ou lamentando “metáfora levada a
sério” pelo autor45. Vários desses pesquisadores destacam também a percepção de que
Manoel Bomfim (em América Latina) revela uma sensibilidade singular para os problemas
nacionais, adiantado em relação ao seu tempo e por isso, relegado ao esquecimento por
aqueles que não puderam compreendê-lo.
Essas duas chaves de leitura estão conectadas uma vez que se tenta justificar o
pioneirismo de Bomfim ainda que o autor tenha se valido de categorias biológicas
antiquadas, na visão dos intérpretes. A comparação que alça Bomfim à categoria de
visionário fundamenta-se na contraposição que os autores fazem a outros intelectuais do
período que, contrariamente a Manoel Bomfim, estariam ligados às teses da inferioridade
racial e não vislumbrariam a importância da educação.46. Assim, como sintetiza Moreira
Leite, autor e obra teriam sido ignorados e esquecidos, pois propunha “uma perspectiva
para a qual esses intelectuais não estavam preparados”, “nacionalista num período de
pessimismo” e por sua matriz socialista.47 Em 1993, Antônio Cândido, tendo em vista
avaliar o quão revolucionário é o projeto de Bomfim, classifica o autor como tendo uma
“consciência amena de atraso”, própria de um “pré-moderno”. Em Radicalismos, Cândido,
ao propor uma investigação do pensamento radical no Brasil, para além de apontar a
lucidez e o avanço das ideias de Bomfim, classifica o autor como um radical – um quase
45
A expressão “estreiteza de analogias organicistas” pertence a um texto de Antonio Candido, de 1964. E já
em 1977, Wilson Martins lamenta a “metáfora levada a sério” por Bomfim. Publicado em 1984, o livro de
Flora Sussekind e Roberto Ventura, faz um balanço das interpretações anteriores sobre Manoel Bomfim e a
América Latina, a saber, os trabalhos de Alves Filho (1979), Wilson Martins (1977), Dante Moreira Leite
(1976) e de dois artigos de Antonio Candido publicados até então, em 1964 e 1973. Candido ainda publicaria
outros dois textos sobre Bomfim em 1990 e 1993. Cf. CANDIDO, Antonio. A sociologia no Brasil [verbete].
In: Enciclopédia Delta-Larrousse. Vol.4. Rio de Janeiro: Delta, 1964; CANDIDO, Antonio. Literatura e
Subdesenvolvimento. In: Argumento. Rio de Janeiro: out./1973; LEITE, Dante Moreira. Prenúncios da
libertação. In: O caráter nacional brasileiro: história de uma ideologia. São Paulo: Pioneira, 1976; MARTINS,
Wilson. História da inteligência brasileira – 1897-1914. Vol.5. São Paulo: Cultrix, 1978; ALVES FILHO,
Aluízio. Pensamento político no Brasil – Manoel Bomfim: um ensaísta esquecido. Rio de Janeiro: Achiamá,
1979; CÂNDIDO, Antônio. Radicalismos. Estudos Avançados da Universidade de São Paulo, São Paulo,
vol.4, n.8, 1990; CANDIDO, Antonio. Os brasileiros e a nossa América. In: Recortes. São Paulo: Companhia
das Letras, 1993.
46
Alves Filho, por exemplo, contrapõe autores ligados à tese da inferioridade racial (Nina Rodrigues,
Romero, Euclides da Cunha, Oliveira Vianna) a Bomfim e considera que Manoel Bomfim teria sido
esquecido por causa de sua posição teórica e ideológica incômoda, social e academicamente falando. ALVES
FILHO, Aluízio. Pensamento político no Brasil – Manoel Bomfim: um ensaísta esquecido. Rio de Janeiro:
Achiamá, 1979.
47
LEITE, Dante Moreira. Prenúncios da libertação. In: O caráter nacional brasileiro: história de uma
ideologia. São Paulo: Pioneira, 1976, p.23.

49
revolucionário, pois teria proposto apenas uma solução ilustrada: a difusão da instrução
popular, mesmo após um diagnóstico tão avançado dos problemas nacionais.
Nesse sentido, História e Dependência, de Flora Sussekind e Roberto Ventura,
parece tentar equacionar a questão, propondo compreender o parasitismo social de Bomfim
como uma teoria biológica da mais-valia. Os autores consideram que Bomfim estava de
acordo com a linguagem intelectual do XIX e o aproximam de Marx48: “A analogia com o
biológico se torna o terreno privilegiado, onde se forma seu molde interpretativo. Daí
podemos falar, não sem certa ironia, de uma teoria biológica da mais-valia que percorre a
obra de Manoel Bomfim.”49
Para os autores, ainda que não produza um “sistema metafórico-conceitual
despregado do biológico”50, Bomfim seria inovador, não apesar de sua leitura biológica,
como a bibliografia anterior tratava, mas por causa dela, pois agindo dentro do discurso
dominante conseguira subvertê-lo. Desmistificaria assim ideológica e cientificamente a
questão racial, identificando a causa histórica do atraso brasileiro e latino-americano.
Constituiria, desse modo, um contradiscurso, inserido no panorama intelectual (não a frente
do seu tempo) mas reelaborado no interior do discurso predominante, como seu negativo ou
sua contradição.
Tanto o entendimento do contradiscurso da obra de Bomfim, quanto de sua
originalidade têm desdobramentos em outras análises de América Latina.51 Darcy Ribeiro,
em prefácio à 3ª edição (1993) de A América Latina, considera ser a grande contribuição de
Bomfim e o cerne de sua originalidade a compreensão própria do processo de formação do
Brasil. Para Ribeiro, Bomfim distancia-se de explicações mistificadas, que apenas
serviriam para encobrir as causas verdadeiras do atraso brasileiro, expressão do autor.
Dessa forma, pautando os supostos erros de outros intelectuais na compreensão do
descompasso histórico do Brasil, Darcy Ribeiro avalia positivamente Bomfim,

48
Definição do estado por meio de metáforas ligadas ao parasitismo também é feita por Marx (A guerra civil
na França). SUSSEKIND; VENTURA, Ibid. p.46.
49
SUSSEKIND; VENTURA, Ibid., p.34.
50
SUSSEKIND; VENTURA, Ibid., p.24.
51
O termo contradiscurso é usado posteriormente também por Aguiar (1999) e Valdir Jr. (2013), já
referenciados e por Mário Henrique Baroni. Cf. BARONI, Márcio Henrique de Moraes. Bomfim: entre
continente e nação. Mestrado (Dissertação em Sociologia). Campinas-SP: IFCH-Unicamp, 2003.

50
diferenciando-o dos outros “papagaios da sabedoria alheia”52, que constituiriam a
intelectualidade brasileira do período, por sua análise lúcida da realidade nacional.
Em 1999, em uma biografia sociológica de Manoel Bomfim, Ronaldo Conde Aguiar
faz um apanhado das interpretações sobre a questão do parasitismo da América Latina a fim
de contestá-las:
Portanto, mais que preconceituoso (apud José Veríssimo), exagerado (apud Maria
Thetis Nunes), moralista (apud Luiz Costa Lima) ou tosco (apud Aluizio Alves
Filho), o texto de Manoel Bomfim era, antes de tudo, inovativo e corajoso, pois
buscava uma interpretação “dos males da América Latina” inteiramente contrária
à interpretação da ciência – e, também, da ideologia – dos seus contemporâneos,
que limitavam-se a orbitar em torno da questão étnica. Donde, portanto, os
virulentos ataques que recebeu de Sílvio Romero, e o “esquecimento deliberado”
a que foi condenado, uma espécie de “punição” a quem transgrediu os cânones e
valores do campo intelectual. Por décadas, Bomfim foi ignorado pelos poderosos
da política, da imprensa e das instituições (...).53

Ao rejeitar os qualificativos anteriores dados a Bomfim, o autor acrescentar outros


dois (inovativo e corajoso) e neste trecho acaba por justificar o título de sua obra, O
Rebelde Esquecido. Há ainda um deslocamento relevante desta análise que aparece em
Aguiar. O autor, ainda que considere as inovações do pensamento de Bomfim, considera
uma ideia totalmente falsa a perspectiva pioneira atribuída ao autor. Aguiar inverte a leitura
e propõe que o fato de Bomfim parecer adiantado em relação aos problemas latino-
americanos não significa uma visão prospectiva, mas que tais problemas perduraram no
tempo. “E é isto, nada mais, que garante trágica e triste atualidade à sua obra.”54
Essa ideia é desenvolvida também por Celso Uemori, que percebe a atualidade de
América Latina a partir da ideia de “multissecularidade dos problemas brasileiros”. 55 Tais
análises destacam Bomfim fora do seu tempo e, por essa razão, um incompreendido, ainda,

52
RIBEIRO, Darcy. Prefácio 3ª edição (1993). In: BOMFIM, 2005, p.13.
53
AGUIAR, op. cit., p.307-308 [grifo meu].
54
AGUIAR, Ibid., p.342.
55
Sobre a atualidade de Bomfim, o autor destaca: “Trabalhos acadêmicos e artigos publicados na imprensa
ressaltam a “atualidade” de uma obra [A América Latina] que não perdeu o vigor, servindo de material para
refletir sobre um país que convive com problemas multisseculares, como a posse privada do Estado e em que
recursos públicos são desviados para um setor restrito da sociedade, em detrimento de áreas como educação e
saúde. As ideais de Bomfim tem servido para criticar os economistas brasileiros que estudam no exterior e
trazem na bagagem fórmulas prontas para resolver os problemas nacionais num passe de mágica.” UEMORI,
Celso Nobrou. Explorando em campo minado: a sinuosa trajetória intelectual de Manoel Bomfim em busca da
identidade nacional. Tese (Doutorado em Ciências Sociais). São Paulo: PUC-SP, 2006, p.7.

51
e cada vez mais, atual. Evidentemente, apesar de se ocuparem da questão, a bibliografia
abordada não se reduz a esse aspecto. Mas tensionar a conclusão da extemporaneidade de
Bomfim – ou dos problemas brasileiros – é importante na análise proposta nesta
dissertação, a fim de compreender as linguagens políticas mobilizadas pelos autores em
debate no início do século XX. Isso sem entrar no mérito de se ou o quanto Manoel
Bomfim seria visionário, o que por definição está fora do alcance do trabalho intelectual do
autor ou desta análise.
Supostamente, Bomfim teria concluído de forma precoce a causa real dos problemas
brasileiros e latino-americanos, desmentindo a falácia da ideologia racial dos seus
contemporâneos e vislumbrado as raízes históricas da questão. O que pondero é que a
aparente necessidade de se enxergar em Bomfim esse precursor da compreensão dessas
causas reais, apontada já no prefácio à segunda edição América Latina56 (1938), foi capaz
de tornar menos perceptíveis as sutilezas de seu trabalho, inscrito em seu próprio tempo.
Em si mesma, a busca pela origem e pelas verdadeiras causas dos nossos males é
problemática, pois repõe insistentemente lugares-comuns relacionados às análises políticas
brasileiras. Essa reflexão se fundamenta no trabalho de Myriam R. D´Allonnes com o
conceito de lugar-comum, conforme a autora: “Les lieux communs ne sont pas seulement
des clichés ou des poncifs. Ils son aussi les lieux du 'commun', le fonds où s'échangent les
paroles, les croyances, les préjugés, les arguments et les opinions de la cité réele.”57
Constatar uma suposta perenidade dos problemas brasileiros como a trágica
atualidade da obra tende não apenas a embotar a compreensão dos projetos políticos em
articulação com os contextos específicos de sua produção, como também repõe ou
reatualiza os lugares-comuns que fundamentam essas obras. Traz a conclusão já em suas
formulações negativas que buscam, de diversas formas, responder quais seriam as falhas de

56
A América Latina foi editada novamente em 1938, no contexto do Estado Novo. O prefácio de Azevedo
Amaral, para essa edição, dedica a obra ao primeiro aniversário do Estado Novo e atribui a Bomfim uma
contribuição sobre a realidade nacional, como uma ação que teria possibilitado aquele momento político
importante e festejado por Amaral: “Não é, portanto, inoportuna a passagem do primeiro aniversário do
Estado Novo para fazer da reedição da América Latina uma expressão do reconhecimento nacional a um dos
mais esclarecidos precursores do movimento do realismo político, que nos integrou afinal no curso normal da
nossa evolução histórica. In: AMARAL, Azevedo. Prefácio à 2ª Edição [1938]. In: BOMFIM, 2005, p.34.
57
“(...) que simples clichés ou banalidades. Eles são também os lugares do “comum”, ou seja, um fundo
compartilhado de ideias, noções, teorias, crenças, preconceitos, argumentos e opiniões sobre uma
comunidade política efetiva.” In: D'ALLONES, op. cit., p.9. [tradução minha]

52
nossa formação nacional e porque elas persistiriam. Buscas que só poderiam concluir pela
afirmação de tais defeitos e incompletudes, como se pode perceber nas duas tendências
interpretativas que destaquei sobre o legado de América Latina, de Manoel Bomfim. Seja o
Bomfim à frente do seu tempo, que já enxergava as causas reais dos problemas brasileiros,
seja a inversa, que conclui pela persistência de tais problemas através do tempo, ambas se
inscrevem nesse mesmo círculo interpretativo. Atentamos assim, acompanhando
especialmente as análises de Maria Stella Bresciani sobre os “intérpretes do Brasil”, para a
necessidade de pensar os trabalhos da intelectualidade como respostas à leitura de suas
preocupações políticas contingentes, longe de cristalizá-los em supostos problemas
multisseculares do país. De acordo com Bresciani:

Cristalizar a “explicação” de sucessos e fracassos em terras brasileiras


formulada em um tempo preciso de lutas políticas implica, a meu ver, trair
a própria intenção dos autores que escreveram seus trabalhos como
instrumentos de luta e base de projetos delineados com autoridade ao próprio
texto escrito.58

Desse modo, é importante considerar como as projeções de expectativas podem


turvar a análise de América Latina, pois, ter como pressuposto que Bomfim tinha uma
interpretação “inteiramente contrária” a de seus pares pode fechar compreensões que
contrariem essa hipótese. Primeiramente, ao se considerar que, a partir dessa perspectiva, se
colocaria um problema quando o autor não aparentasse ser tão adiantado (como em relação
à questão racial, que será tratada a seguir); e, por fim, ao tomar a ideia de América Latina
enquanto um dado, percebida inclusive através de seus problemas perenes, restringindo o
espaço para arguir seus significados para os autores no início do século XX. Os autores em

58
BRESCIANI, Maria Stella. O charme da ciência e a sedução da objetividade: Oliveira Vianna entre
intérpretes do Brasil – 2.ed. – São Paulo: Editora UNESP, 2007, p.16. Stella Bresciani trata profundamente
esta questão, compondo um quadro dos lugares-comuns mais recorrentes no estudo sócio-histórico brasileiro,
marcado por exemplo pela incessante busca pelas (falhas) de origem, pelo apontamento das carências do
país, pelas ideias importadas e determinismo geográfico e étnico. Não obstante perceber a complexidade
do trabalho de Bresciani que propõe compreender o lugar de Oliveira Vianna entre outros intérpretes do
Brasil, que conforme demonstra, participavam (e participam) de seus mesmos lugares-comuns. Problematizar
essa questão é importante para escapar da adoção acrítica da perspectiva de importação de ideias, de falha e
etc. Cf.: BRESCIANI, Maria Stella. Identidades inconclusas no Brasil do século XX – Fundamentos de um
lugar-comum. In: BRESCIANI, Stella; NAXARA, Márcia. (org.). Memória e (res)sentimento. Campinas, SP:
Editora da Unicamp, 2004; BRESCIANI, Maria Stella M; SEIXAS, Jacy A.(org.). Assédio moral: desafios
políticos, considerações sociais, incertezas jurídicas. Uberlândia, MG: EDUFU, 2006.

53
debate, bastante distantes de uma América Latina Caliban, unida sob o signo do
subdesenvolvimento, tinham outros horizontes de questionamentos políticos, que incluía,
conforme a hipótese que discuto, a própria existência ou não de uma América Latina.
As muitas referências feitas a um Bomfim fora ou a frente do seu tempo apontam
para noções que podem ser repensadas ainda a partir do pensamento do filósofo italiano
Giorgio Agamben. Ao questionar o significado do que é ser contemporâneo, o autor o
caracteriza precisamente por ser aquele que não coincide perfeitamente com seu tempo, que
teria com ele uma relação singular, pois ao mesmo tempo em que adere, dele toma
distâncias. O que permite a este contemporâneo fixar o olhar sobre sua própria época, ao
contrário daqueles que coincidem muito plenamente com ela e não conseguem vê-la ou
fixar-lhe o olhar.
Para Agamben, essa dissociação e anacronismo do contemporâneo com seu próprio
tempo permite a ele neutralizar as luzes da época para perceber seus escuros e não deixar de
interpretá-lo, ação que não se dá pelo seu arbítrio, mas como um imperativo. De acordo
com Agamben, o contemporâneo
(...) é aquele também que dividindo e interpolando o tempo, está à altura de
transformá-lo e colocá-lo em relação com os outros tempos, de nele ler de modo
inédito a história, de “citá-la” segundo uma necessidade que não provém de
maneira alguma do seu arbítrio, mas de uma exigência à qual ele não pode
responder.59

Os questionamentos de Manoel Bomfim ao pensamento de seu tempo, ainda que


precisem ser matizados para a compreensão dos problemas que o autor se propôs a discutir,
podem ser compreendidos por meio dessa perspectiva: ou seja, como demandas de um
contemporâneo sobre a luz de sua época, projetando-lhe sombras que nos auxiliam em seu
entendimento, precisamente pelos contrastes que provoca.

59
AGAMBEN, Giorgio. O que é contemporâneo? e outros ensaios. Trad. Vinícius Nicastro Honesko.
Chapecó-SC: Argos, 2009, p.72.

54
CAPÍTULO III: Uma nação por construir:
raça e história enquanto problemas

A nação em perspectiva
As críticas de Sílvio Romero, publicadas na dinâmica de artigos mensais na revista
Os Annaes, possibilitou ao autor responder ao público e aos pares, característica própria do
gênero da polêmica. Em alguns de seus artigos1, Romero expressa sua irritação com uma
suposta boa recepção da América Latina de Bomfim entre os intelectuais: “E haver quem
tenha batido palmas de tais dislates!”2 E sob a justificativa de combater as ideias de Manoel
Bomfim, ou erros segundo o autor, e conter a efusão pela publicação do livro, inicia o
debate:

Passado o primeiro momento de efusão do clan literário e profissional de que faz


parte o autor do livro encomiado, já é tempo de sobra para dizer a verdade e
mostrar que o novo produto do jovem professor não passa de um acervo de erros,
sofismas e contradições palmares. Falsa é a sua base científica, falsa a
etnográfica, falsa a histórica, falsa a econômica. Não admira, portanto, que falsa
seja também a causa a que atribui os desvios e atropelos da evolução latino-
americana, e sofrivelmente ineficaz a medicação que propõe para corrigi-los.3

É necessário considerar que a boa recepção que Sílvio Romero imputa a obra de seu
adversário pode ser um artifício para incluir em sua crítica possíveis opiniões favoráveis à
obra, ou ainda como forma de estendê-la a outros intelectuais ligados a Bomfim, a seu clan
literário. Segundo Roberto Ventura, a polêmica – modalidade de escrita política que já
estava em declínio no início do século XX – possui entre suas características principais esse
“duplo interlocutor”, pois o intelectual não se dirige somente ao seu oponente, uma vez que
objetiva sensibilizar e convencer também o leitor. “O ‘inimigo’ se torna o intermediário de

1
Correspondem aos primeiros artigos nos nº54 e nº57 dos Os Annaes, e ao último, nº72.
2
ROMERO, 1906, p.45.
3
ROMERO, Ibid., p.11-12 [grifo do autor].

55
um processo comunicativo entre o polemista e seu público, cuja adesão é disputada pelos
contendores.” 4 e, ao final, o público é alçado à posição de árbitro da disputa.
Para Romero, a obra de Manoel Bomfim possui erros de toda sorte, mas se pauta na
questão essencial aos intelectuais no período, de encontrar as causas para o atraso sentido
nos países de colonização hispânica do continente, mais precisamente, suas causas reais. A
ideia de buscar um entendimento real para os problemas nacionais fundamenta nos dois
autores críticas à política republicana do período que, conforme acreditavam, era alheia aos
problemas nacionais e importava soluções descompassadas com a realidade
brasileira/latino-americana. Em ambos os autores, a crítica é direta e incisiva às práticas
políticas contemporâneas, como coloca Manoel Bomfim, mantendo o criticismo mesmo
tendo sido membro da esfera governamental republicana: “Adota-se o regime para possuir-
se esta coisa mirífica – REPÚBLICA!... (...) E dos estadistas se exige que a façam
concreta.”5.
Por isso, mais do que pela discordância interpretativa, tanto a obra de Bomfim,
quanto a contestação de Sílvio Romero guiaram-se pela urgência política na qual sobressai
a questão do progresso nacional. A principal forma de desvendá-la estaria na investigação
das origens. Nas palavras de Romero: “Trata-se num e noutro livro de descobrir a causa
originária, constitucional, orgânica, dos males que nos oprimem, dos defeitos que nos
afetam como nação, causa sempre oculta aos politiqueiros de todos os tempos, que se
arrogam o direito de dirigir os nossos destinos.”6
A própria constituição de uma nacionalidade é questionada pelos autores. E, a partir
desta visão, há a valorização do papel do intelectual como seu agente formador, tomando
para si tal dever, como bem sintetiza Manoel Bomfim:
Povo, consciente de sua existência, tal como exige uma democracia, não existe
aqui; é preciso fazê-lo. Não haverá, nestes germes de sociedades e pátrias,
algumas almas generosas e fortes para empenhar-se nessa empresa? Certamente

4
VENTURA, Roberto. Estilo Tropical – História Cultural e polêmicas literárias no Brasil (1870-1914). São
Paulo: Companhia das Letras, 1991, p.148.
5
BOMFIM, 2005, p.222 [caixa alta e grifo do autor].
6
ROMERO, op. cit., p.10-11.

56
que sim; e esperamos que elas, aceitando a tarefa como um dever social, se
agitarão e conseguirão impor o assunto à indiferença dos governantes.7

Na análise das causas dos entraves ao progresso nacional os autores utilizam o


repertório corrente para intelectualidade do período, no qual se destacam as teorias
históricos-sociais e as histórico-biológicas, estas últimas expressam-se sobretudo na noção
de raça, de grande apelo aos contemporâneos. As duas linhas argumentativas começam a
lidar com um elemento recente e pouco usual, até então, na escrita social brasileira, a ideia
da existência seja de uma raça ou de uma história comum de origem latina. Esse problema,
que dá título à obra de Manoel Bomfim, não é respondido de maneira simples pelo autor ou
por seu desafiante, mas pode ser compreendido nas leituras dos autores, em seus
diagnósticos e projetos. Desse modo, a análise que se segue objetiva compreender as
possibilidades de se pensar uma América Latina/latina para a intelectualidade brasileira do
período a partir da inserção dos autores no debate. Mesmo o qualificativo latina não é
óbvio e possui contornos específicos que serão abordados no decorrer deste capítulo. Nesse
momento, uma conceituação seria precipitada e perderia em complexidade.

A escolha de dois grandes eixos de discussão visa seguir as bases fundamentais do


diálogo dos autores, e em grande medida do repertório intelectual do período, a raça e a
história. Esses temas, tidos como essenciais na compreensão dos fundamentos da nação, me
permitirão agrupar as críticas dos autores e fazer uma leitura dialógica a fim de pensar a
América Latina como um ponto sensível de suas discussões.

A questão da raça: o dilema do naturalista


A discussão entre os autores envolve posicionamentos diante de múltiplas questões,
que passam pela história da ocupação dos povos na Europa, na Península Ibérica, as
supostas diferenças entre as raças, a história colonial americana, escolhas bibliográficas e
problemas contemporâneos aos autores, tais como relações internacionais, migração e
soberania nacional. Entretanto, proponho como eixos de leitura principais das obras dois

7
BOMFIM, op. cit., p.375 [grifo do autor].

57
temas fundamentais que as perpassam e figuram na pauta da intelectualidade do período: o
tema da raça e da história. Essa escolha relaciona-se diretamente à escrita dos autores e está
na base para a compreensão das pautas elencadas anteriormente, oferecendo uma
compreensão mais ampla do debate entre eles, bem como o entendimento de seus projetos
políticos, sobretudo, para esta pesquisa, no que concerne à ideia de América Latina.
No período eram considerados os principais âmbitos de ações políticas para o
desenvolvimento nacional os fatores: hereditários (pensados a partir da noção de raça); de
educação, com a finalidade de moldar o comportamento; e do meio, pensado através de
intervenções tidas como essencialmente técnicas (urbanísticas, médicas, sanitárias). A
construção de uma nação rica e próspera tinha assim, de modo abrangente, na perspectiva
da intelectualidade, essencialmente uma conformação “histórico-eugênica”, tida como
definidora da desordem social, e consequentemente, como lócus para as ações políticas
voltadas à construção da nacionalidade e do progresso da nação 8. Nesse sentido, destaca-se
a relevância das análises histórico-raciais, presentes nos trabalhos dos autores escolhidos
para este estudo e para a compreensão das discussões nacionalistas do período. Segundo
André Mota:
As ações eugênicas, diante desses aspectos, deveriam ser vistas como
intervenções que, mesmo respaldadas na ciência e no determinismo científico,
possuíam um forte caráter nacionalista e por isso deveriam ser encaradas como
um pilar sobre o qual se iniciaria a construção de um novo Brasil. 9

Apesar de cunhado em 1883, pelo primo de Darwin, o cientista britânico Francis


Galton, o termo eugenia dava nome a ideias amplamente divulgadas e discutidas por
cientistas de todo tipo (médicos, higienistas, juristas e políticos) desde meados do século
XIX. Unia a consagrada ideia de evolução das espécies darwinista ao determinismo
hereditário-biológico (o termo genética foi utilizado pela primeira vez apenas em 1905),
aplicada a grupos humanos.
A historiadora norte-americana da ciência Nancy Stepan considera a importância
das ideias eugênicas, como discurso cientificamente autorizado, nos campos de debate na

8
MOTA, André. Quem é bom já nasce feito: sanitarismo e eugenia no Brasil. Rio de Janeiro: DP&A, 2003,
p.51.
9
Idem, p.50.

58
América Latina sobre evolução, degeneração, progresso e civilização, embasando uma
preocupação comum, a saber, “(...) como criar, partindo de suas populações heterogêneas,
uma homogeneidade nova e purificada sobre a qual uma verdadeira ‘nacionalidade’
pudesse ser erigida.” 10 Ainda que exista diferenças sensíveis entre os autores, o tema da
raça é fundamental no tratamento da questão da nacionalidade na época e, por conseguinte,
na abordagem das identidades nacionais e regionais.
O darwinismo aplicado às sociedades humanas norteia a apreensão dos autores não
apenas na utilização da ideia de raça, mas também de sua compreensão evolutiva, que
favoreceria os mais aptos. As teorias de Charles Darwin, debatidas em diversas áreas do
conhecimento, aparecem explicitamente como aporte teórico dos autores investigados nessa
pesquisa, apesar de suas leituras divergentes. Após a publicação de A origem das espécies
(1859), Darwin transforma-se em referência obrigatória, que de acordo com Lilia
Schwarcz, representa uma “reorientação teórica consensual”.11 No entanto, à parte sua
autoridade intelectual e científica no período, a interpretação do evolucionismo de Darwin
não foi unívoca. Apesar do enfoque biológico do trabalho de Darwin, sua teoria desdobrou-
se e vários de seus conceitos (competição, seleção do mais apto, evolução, hereditariedade)
foram amplamente utilizados também fora do âmbito da biologia e do estudo dos animais,
como nas ciências humanas. Uma só teoria fundamentava diferentes e conflitantes
interpretações, importantes de serem compreendidas a fim de se perceber as proposições
sócio-políticas delas derivadas.
Podemos considerar também que essas interpretações múltiplas da teoria de Darwin
foram estimuladas pela própria indecisão que marca o pensamento do autor no tocante à
aplicação de sua teoria aos grupos humanos. O naturalista dividia-se entre suas concepções
prévias e as evidências que, a partir de seus métodos de observação, pareciam insistir em
desmenti-las. A taxonomia humana revelou-se um grande problema para Darwin, e ainda
que quisesse entender a grande distância física e “moral” que observava, não podia admitir
que se tratasse de espécies distintas, pois considerava “impossível descortinar entre elas

10
STEPAN, Nancy Leys. “A hora da eugenia”: raça, gênero e nação na América Latina. Trad. Paulo M.
Garchet. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz, 2005 (1ªed. 1991), p.23.
11
SCHWARCZ, Lilia Moritz. O espetáculo das raças – Cientistas, instituições e questão racial no Brasil
1870-1930. São Paulo: Companhia das Letras, 2011 (1ªed. 1993).

59
claros traços distintivos”12. A noção de raça também lhe parecia complicada ao observar,
por exemplo, a alta fertilidade na mestiçagem humana, o que contrariava seus pressupostos
teóricos. São notáveis as hesitações e perplexidades do cientista diante dos indícios
aparentemente discrepantes. Segundo Bracinha Vieira, neste tema, Darwin não chegou a
alguma conclusão, sem argumentos para classificar o homem e por prudência científica,
optou por não fazê-lo. A esse respeito, Darwin atesta: “Se (um naturalista) for prudente,
acabará por reunir todas as formas gradativas numa só espécie, dizendo a si mesmo que não
tem o direito de denominar objetos que não pode definir.”13
Assim, o essencial é perceber que o uso do darwinismo nas ciências humanas, em
sua pluralidade, ultrapassa muito os já polêmicos estudos em biologia e reforça sua
dimensão política nos temas de caráter especificamente social e cultural. Ao ser trazido às
questões raciais, em especial por suas leituras antropológicas e históricas, esse uso assume
crescente efeito político entre meados do século XIX e décadas inicias do XX. Daí a
relevância de se perceber as nuanças e orientações diferenciadas de um substrato teórico
comum que comporta diferentes usos políticos também entre a intelectualidade brasileira.
Para Manoel Bomfim, a obra genial de Darwin era usada enquanto justificativa
pseudo-científica pelos doutrinários do parasitismo, que a deturpavam. Esta leitura
darwiniana de Bomfim se assemelha àquela feita pelo filósofo anarquista Piotr Kropotkin,
que não é diretamente referenciado pelo autor, mas que pode ter sido lido por ele. As
semelhanças que aponto se referem à principal obra do escritor russo sobre essa temática,
Ajuda mútua: um fator de evolução, publicada em Londres em outubro de 1902, na qual o
autor defende as noções de solidariedade e cooperação como meios de desenvolvimento das
sociedades humanas. Explorando a teoria de Darwin, Kropotkin acredita que entre animais
da mesma espécie e com alto grau de sociabilidade a seleção natural atuaria através da
cooperação entre seus membros e não da luta.
Em termos bastante semelhantes, Manoel Bomfim conclui:

12
DARWIN, Charles. [The Descent of Man, 1871: 270] apud VIEIRA, António Bracinha. Darwin e as raças
humanas. In: Antropologia Portuguesa. Coimbra-PT: nº26/27, 2009/2010, p.91.
13
DARWIN, Charles. [The Descent of Man, 1871: 271] apud VIEIRA, António Bracinha. Darwin e as raças
humanas. In: Antropologia Portuguesa. Coimbra-PT: nº26/27, 2009/2010, p.91. António Bracinha Vieira
analisa alguns escritos de Darwin e demonstra a tensão do naturalista frente a estas questões. In: VIEIRA,
Ibid., 2009/2010.

60
Ali [na obra Descendência do homem e seleção sexual] acompanha ele [Darwin],
demoradamente, o progresso moral e social, e mostra como este progresso se faz
pelo desenvolvimento crescente dos sentimentos altruísticos, pela solidariedade
cada vez mais forte entre os homens, sendo isto o que lhes confere superioridade;
e designa como o termo deste progresso – a solidarização de todos os povos,
combatendo, assim, tudo que se possa opor à harmonia e a unificação da espécie
humana.14

Bomfim, como homem de seu tempo, considera não apenas a raça, como a
desigualdade entre elas fator determinante no entendimento dos problemas de caráter
nacional. O que incomodava Bomfim era a alegada incapacidade do progresso das
consideradas raças inferiores, sobretudo quando essa inferioridade era tida uma
característica inata, por tanto, intransponível.
A interpretação pouco comum de Bomfim em relação à teoria das raças está na
atribuição do seu uso político. O autor, através de sua noção de parasitismo social, entende
que os intelectuais europeus se valiam da ideia da superioridade das raças brancas como
estratégia de dominação política e imperialista sobre as populações não-brancas. Apesar do
tratamento da bibliografia sobre o tema da raça na América Latina de Manoel Bomfim, o
autor não desmerece a importância daquilo que, no período, consideravam como atributos
raciais na formação dos povos e das nacionalidades, ainda que seja um conceito
eminentemente sociológico. Para Bomfim, “A noção de raça (...) baseia-se não só nos
traços anatômicos como nos caracteres psicológicos.”, complexo de características
biológicas e psicológicas próprias na qual o caráter nacional seria “a expressão última da
hereditariedade social”15.
No caso da conformação racial das nacionalidades colonizadas pelos povos ibéricos
sua percepção era de que a influência dos selvagens – negros e índios – fora bastante
reduzida. Ainda que numericamente superiores, estes povos seriam, de acordo com suas
convicções, tão atrasados que “não possuíam nem qualidades, nem defeitos” que pudessem
provocar imitação. Pelo contrário, essa ausência de atributos próprios funcionaria como

14
BOMFIM, op. cit., p.275.
15
BOMFIM, Ibid., p.174.

61
quadros vazios, facilmente contemplados pelo progresso e pela civilização, dada a grande
“receptividade moral” da qual seriam dotados.16
Ao contrário do que possa parecer a priori, esse ponto de vista aparece na escrita de
Manoel Bomfim como bastante favorável às “raças inferiores”, que por serem “gentes
infantis”, “são mais progressistas – adaptáveis” e, portanto, pouco decisivas na formação (e
na conformação de problemas) das nacionalidades. Esse argumento é criticado por Sílvio
Romero, que o considera elogioso aos indígenas e negros. Irritado, Romero qualifica este
posicionamento como “reacionarismo negrista e caboclisante [sic]”, que atribui ao
historiador português Oliveira Martins, bibliografia fundamental de Bomfim: “Martins, sem
o querer talvez com suas grosseiríssimas objurgatórias, suas pesadíssimas descomposturas a
seus compatriotas, veio dar mão forte ao reacionarismo negrista e caboclisante [sic] contra
as raças superiores, mui da moda atualmente entre os agitadores da América latina.”17 É
importante destacar que quando Romero diz “sem o querer talvez” faz referência não a uma
valorização em Oliveira Martins dos povos não-brancos, que o historiador português não
faz, pelo contrário. Mas que sua visão negativa sobre os ibéricos contribuía para este tipo
de interpretação, negrista e caboclisante, que ele julgava ser a de Manoel Bomfim.
Para Bomfim, a dificuldade racial para o progresso do país e da região estaria no
fardo histórico das raças latinas, em especial a ibérica, já carregada de vícios e hábitos de
parasitismo, por entender que “os povos feitos (...) formam uma bagagem muito pesada
para quem pretenda correr o progresso”.18 Aos povos ibéricos, portugueses e espanhóis, que
seriam distinguíveis entre si apenas por diferenças de temperamento, Bomfim atribui duas
qualidades primordiais: uma hombridade patriótica e um extraordinário poder de
assimilação social.19 A última derivada de uma “grande plasticidade intelectual e de uma

16
Podemos verificar este pensamento entre as páginas 257-279, como nos trechos a seguir: “Quanto às
qualidades positivas, próprias, que elas possuem, estas são tão reduzidas, tão poucas, em comparação às novas
qualidades adquiridas, que não se fazem quase sentir, principalmente se lhes são em opostas; o influxo das
ideias e sentimentos irá pouco a pouco modificando seu caráter primitivo, (...)”. BOMFIM, Ibid., p.261.
17
ROMERO, op. cit., p.94-95 [grifo do autor].
18
BOMFIM, op. cit., p.261.
19
As diferenças entre portugueses e espanhóis aparecem, mas de forma secundária, nos trabalhos dos autores.
Manoel Bomfim, profundamente interessado em psicologia social, separa os tipos espanhol-português e
espanhol-castelhano, afirmando que tais diferenças seriam apenas de temperamento, conservando assim
características básicas: “No Brasil a história política é, no fundo, a mesma [das nações da América Latina], as
modificações que traduzem os traços particulares do caráter espanhol-português e o distinguem do espanhol-

62
sociabilidade desenvolvidíssima”, mas degenerada pelo parasitismo, e a primeira a qual
tributa a extrema violência que observava nas colônias latinas da América: “Desta
hombridade patriótica derivam todos os exageros e perversões guerreiras dos povos
ibéricos, as desvairadas expansões e conquistas; (...) é nisto que se alimentam, em parte, as
infinitas revoltas e o caudilhismo americano.”20
Esta apreensão do caráter das raças ibéricas desagradou imensamente Sílvio
Romero, defensor do legado português, apesar de suas críticas.21 Romero, adepto da teoria
de inferioridade racial, via na “numerosa população branca” o verdadeiro núcleo e “nervo
principal da resistência deste povo como nacionalidade.”22, apropriando-se de outra leitura
importante feita a partir do trabalho de Darwin, o evolucionismo spenceriano
(posteriormente chamado de darwinismo social23). Teoria a qual o autor se filia diretamente
já nas primeiras páginas de seu livro, citando seu prefácio à obra Questões econômicas
nacionais (1904) de Arthur Guimarães. Notadamente, o autor se referencia no estudo das
Ciências Sociais desenvolvido por Frédéric Le Play, que defendia a observação direta e
minuciosa como forma de investigação social, a partir de um enfoque spenciariano, de
cunho evolucionista. No entanto, segundo Alberto Luiz Schneider, a inclinação de Sílvio
Romero pela “escola de Le Play” pode ser explicada pela preferência do autor de um duplo
entendimento da noção de raça, um antropológico (propriamente genético) e outro
sociológico. A partir das teorias de Le Play, com este enfoque conhecido na época como
etnográfico, Romero se inclinava para o “conceito sociológico” de raça, pois,
essencialmente histórico e cultural e, portanto, mais passível de intervenção política.
Assim, Romero explicita seu método de análise e suas referências teóricas:

castelhano. (...). Nos sucessos da independência do Brasil, ainda o gênio português se retrata tão bem como
nos lances das suas aventuras marítimas: a passos medidos, cauteloso, resistente, aventuroso, mas sem
audácia... O espanhol – afirmativo, absoluto, gritante, violento, trágico e abundante nas crises, rastaquera e
espalhafatoso no fausto; o português – solene, composto, severo e morno nos heroísmos e transes, cabotino
nas expansões e festas; ambos igualmente enérgicos e resistentes; mas aquele – decidido, vivo, agudo, pronto;
este – apagado, triste, inconsistente, duro sem rijeza, carola – quando o outro é fervente, compósito – quando
o outro é original.” Idem, p.301 [grifo do autor].
20
Idem, p.257.
21
SCHNEIDER, op.cit.
22
ROMERO, op.cit., p.176 [grifo do autor].
23
Termo criado em 1944 pelo historiador norte-americano Richard Hofstadter em seu livro Social Darwinism
in American Thought 1860-1915, trabalho profundamente crítico à obra de Spencer.

63
(...) a observação atenta dos fatos passados do período republicano, que vai
decorrendo, e o conhecimento mais íntimo das doutrinas e ensinamentos da
chamada Escola de Ciência Social de Le Play, H. de Tourville, Ed. Demolins, P.
de Préville, P. Bureau e tantos outros, aos quais se devem os melhores trabalhos
existentes sobre a índole das nações. (...)

As doutrinas do evolucionismo spenceriano tinham-me posto na pista do


desdobramento natural dos vários ramos da atividade humana (...). As doutrinas
da escola de Le Play, posteriormente, fizeram-me penetrar mais fundo na trama
interna das formações sociais e completar as observações exteriores do ensino
spenceriano.24

Contemporâneo a Darwin, o filósofo inglês Herbert Spencer foi considerado o


principal pensador das teorias da evolução aplicadas às sociedades humanas. Desde 1851,
em Social Statics, afirmava também a contingência do progresso e seu movimento sempre
evolutivo. Após a publicação do clássico de Darwin em 1859, Spencer incorpora a seu
trabalho importantes contribuições do estudo da origem das espécies. E passa a considerar a
civilização como produto direto da luta pela sobrevivência e, portanto, como justificativa
para o domínio dos menos aptos pelos mais aptos. A partir dessas leituras, defensor das
doutrinas racialistas do período, Sílvio Romero faz referências laudatórias não apenas a
Spencer, mas a pensadores como Gobineau e Le Bon a fim de comprovar o caráter
estritamente científico (que considerava imparcial) do pensamento racial e afastar as
motivações políticas atribuídas por Bomfim. Segundo Romero:

As diferenciações entre as raças humanas, a maior ou menor progressibilidade


[sic] entre elas – não é coisa para ser apagada por motivos tão fúteis. É velha, é
secular doutrina, estribada nos mais imparciais estudos da pré-história e da
história, da antropologia e da etnografia, com que a política nada tem a ver. São
investigações sinceras, objetivas, meramente científicas em que têm tomado parte
os maiores espíritos e os mais profundos sábios. 25

Na visão de Sílvio Romero, sua crítica a Bomfim se estabelece a partir de


parâmetros completamente distintos de análise e de referencial. Todavia, é possível
perceber várias confluências relevantes. Os autores caminham juntos na teoria das raças em
mais um ponto importante, na compreensão de que ibéricos e saxões constituiriam raças
distintas, facilmente caracterizáveis. Tanto Bomfim quanto Romero contrapõem o espírito

24
ROMERO, op.cit., p.7-9.
25
Idem, p.212-213 [grifo do autor].

64
prático e progressista saxão (e para Romero também teutônico) ao que seria o formalismo
anti-progressista próprio dos ibéricos. Nesse tema, as semelhanças são bastante evidentes e
podem ser relacionadas a uma longa tradição de compreensão do pensamento ocidental26 na
qual se destaca o arielismo de Rodó. Entretanto, nenhum dos autores consideraria positivo
esse reflexivo espírito, classificado por eles pejorativamente como bacharelismo. Sobretudo
sob o ponto de vista do progresso, como nos trechos a seguir:
De Manoel Bomfim:

A massa geral da população, formada e nutrida por essa cultura intensiva da


ignorância e da servidão (...) inteiramente nula para o progresso, é facilmente
aproveitada pela caudilhagem nas más aventuras e assaltos políticos. As classes
dirigentes (...) qualquer que seja o seu ponto de partida e o seu programa, o traço
ibérico lá está – o conservantismo, o formalismo, a ausência de vida, o
tradicionalismo, a sensatez conselheiral, um horror instintivo ao progresso, ao
novo, ao desconhecido, horror bem instintivo e inconsciente, pois é herdado.27

e de Sílvio Romero:

Enfim, não terá, talvez, muito errado quem disser dos latino-americanos tomados
em geral, como tipo étnico, serem eles um singular misto de curiosidade e
superficialidade, de leguleísmo [legalismo?] e chicana, de irreverência e rotina,
de efusões líricas e mediocridade filosófica e científica. Mais do que à primeira
vista pode parecer, seu proverbial desrespeito, a sua notada irreverência encobre
um real fundo de incapacidade, de fraqueza das forças criadoras do espírito.28

São concordâncias em relação a termos e ideias que esbarram na atribuição das


causas dessas qualidades. Para Romero, são indubitavelmente constituintes e elementos
irredutíveis próprios da raça, enquanto Bomfim, de modo menos assertivo, considera
características advindas da raça, mas notadamente fruto de uma educação depredadora e
parasita da própria da história da Península Ibérica e que fora transplantada para as suas
colônias.
A partir da discussão sobre a questão racial para Manoel Bomfim e Sílvio Romero
temos indícios importantes sobre como se desenrola o tema da América Latina.
Primeiramente, podemos considerar que entre os males de origem, incessantemente

26
MORSE, Richard. O espelho de Próspero – Cultura e ideias nas Américas. Trad. Paulo Neves. São Paulo:
Companhia das Letras, 1988.
27
BOMFIM, op. cit., p.357-358.
28
ROMERO, op. cit., p.201.

65
buscados pela intelectualidade, a raça aparece como tema crucial e urgente em seus
diagnósticos sobre a formação nacional. Em decorrência dessa compreensão compartilhada
por eles conclui-se que, de acordo com os autores, há um problema na formação racial no
Brasil e nas ex-colônias ibéricas. Esse problema, equacionado no mito das três raças
formadoras é resolvido de formas distintas pelos autores.29 Bomfim desacredita que as
raças não-europeias tenham tido um papel determinante no continente americano, por
serem incivilizadas e portanto, abertas e receptivas a qualquer aprendizado. Disso conclui
que o elo fraco na questão racial deveria ser tributado aos povos latinos e suas arraigadas
características antiprogressistas e parasitárias. Entretanto, seriam apenas psicologicamente
hereditárias logo mutáveis e históricas. Para Romero, de acordo com a teoria das raças
inferiores, os não-brancos com suas características deletérias, orgânicas e intrínsecas seriam
responsáveis pelos problemas de origem racial da região. E por isso, as raças brancas, no
caso específico, a latina, devia ser valorizada e estimulada. Mesmo com seus problemas
relacionados à falta de pragmatismo e às dificuldades para o progresso, a ela cabia o núcleo
da nacionalidade.
Há, em qualquer uma das interpretações anteriores, a afirmação de um elemento
essencial, mobilizado pelos autores através da noção de raça, de raiz latina, uma raça
latina. Ainda que haja uma imprecisão evidente, pois latino e ibérico se sobrepõem em
várias passagens, esta conclusão será importante para compreender os posicionamentos dos
autores sobre a América Latina e sobre uma identidade latino-americana.

A questão histórica: boas e más heranças

Os vários estudos pautados na ideia da nação enquanto construção destacam a


utilização da história como um de seus elementos fundamentais. Não são poucos os
exemplos de tradições, origens raciais, linguísticas, convenções inventadas ou imaginadas a

29
No pensamento brasileiro, o mito das três raças, possui longa tradição. O alemão Friedrich von Martius foi
primeiro a sistematizá-lo, em Como se deve escrever a história do Brasil, vencedor do concurso do então
recém-criado IHGB, em 1840.

66
fim de dar densidade histórica às nações.30 Estes elementos constituem linguagens políticas
poderosas, recorrentemente utilizada para os pensadores da nação, não como objeto de
dúvida, mas como fundamento para compreensão daquela que esses pensadores
consideravam sua realidade nacional.
Dessa forma, o segundo eixo proposto para à análise do debate entre os autores está
nas interpretações da história nacional que eles empreenderam. Ainda que a noção de raça
seja, em parte compreendida por eles como um problema histórico, ela diz respeito às
narrativas sobre o passado que teriam constituído as nações de ascendência ibérica.
Destaca-se na escrita dos autores análises sobre o período colonial e ainda a própria história
da Península Ibérica anterior aos descobrimentos.
Manoel Bomfim e Sílvio Romero têm interpretações históricas bastante
discrepantes. Toda a argumentação de Manoel Bomfim, em América Latina, se desenvolve
em torno da tese do parasitismo social, que o autor tributa aos ibéricos. O entendimento de
Bomfim sobre o parasitismo fundamenta-se justamente numa hereditariedade histórica dos
vícios do parasita. O autor busca entender os mecanismos dessa hereditariedade, e por isso,
reserva uma importância especial à busca dessas origens.
Bomfim não tem dúvidas de que as características observadas nas sociedades
herdeiras podem ser percebidas já no processo de ocupação da Península Ibérica, antes da
constituição dos Estados português e espanhol. O autor inicia sua digressão histórica
citando as invasões cartaginesas na península, no século IV a.C, quando a “Espanha
aparece na história”31, sendo posteriormente latinizada pela ocupação romana. Ainda que
cite as lutas entre os povos bárbaros, Bomfim enxerga na ocupação árabe da península o
principal problema de sua formação. Para o autor, o muçulmano representaria o “tipo

30
Desde a já bastante conhecida fraude literária de Ossian, baladas compostas no século XVIII atribuídas a
um guerreiro irlandês primitivo que remontariam um passado longínquo e glorioso escocês, ao polêmico
trabalho de Schlomo Sand, publicado em 2011. Sand contesta vários dos pressupostos nos quais estão
fundados a ideia de uma nação/povo judaico de existência imemorial, como sua suposta singularidade racial,
sua língua comum ou mesmo as história das diásporas. SAND, Schlomo. A invenção do povo judeu: da Bíblia
ao sionismo. Trad. Eveline Bouteiller. São Paulo: Benvirá, 2011. Ao utilizar a expressão “imaginada”,
Benedict Anderson afasta a ideia de que seria sinônimo de falsidade, o que sugeriria que existiriam
comunidades verdadeiras, ou melhores. A expressão é utilizada aqui com a mesma ressalva, conforme o
autor: “As comunidades se distinguem não por sua falsidade/autenticidade, mas pelo estilo que são
imaginadas.”. ANDERSON, op. cit., p.33.
31
BOMFIM, op. cit., p.75.

67
perfeito de civilização expansiva, guerreira, depredadora”32. A eles atribui um estado de
guerra contínuo na península, pois seriam altamente beligerantes entre si, e resistentes à
reconquista por séculos, até 1492. O que resulta de sua interpretação é a percepção de
guerras generalizadas durante 12 séculos, “de todos contra todos, violenta, terrível,
implacável; guerra de religião”.
A partir dessas narrativas, Bomfim se pergunta sobre o efeito de séculos de guerra
sobre o caráter das nacionalidades ibéricas e o que teria provocado sobre o futuro delas. A
conclusão categórica é a inabilidade ibérica para o trabalho pacífico, fruto da “educação
guerreira” que impeliria aos saques e às, sempre crescentes, “tendências depredadoras”.
Para Bomfim, este seria o verdadeiro impulso, disfarçado por uma retórica de motivos
metafísicos, que impeliram os povos ibéricos para o mar. Devorar o descoberto, seguindo o
exemplo árabe, é para Bomfim característica indistinta de portugueses e espanhóis, devido
a sua própria formação histórica, que os lançava incessantemente à procura de novos
tesouros.
“Preparem-se para ouvir ousadas extravagâncias.”33, avisa Sílvio Romero ao iniciar
suas contestações sobre a explicação histórica de Manoel Bomfim sobre a Península
Ibérica. Romero entra nas minucias a respeito das ocupações do território ibérico para
rebater Bomfim. Em especial, opõem-se à ideia de a que a história da península teria sido
de sucessivas guerras. A partir de outros autores, Sílvio Romero conclui que apenas séculos
de paz e estabilidade explicariam a difusão dos idiomas, costumes e leis. Para o autor, a
“trôpega aventura etnográfica” de Bomfim, que ele considerava sem fundamento, tinha
como intenção apenas “destacar o gênio turbulento dos povos hispânicos, fazer sobressair a
guerra, a luta, a desordem constante, a rebelião endêmica.”34 e poderiam ser facilmente
desmentidas observando a riqueza cultural hispânica. Dessa forma, Romero conclui que a
narrativa de Bomfim centrada nas guerras de ocupação da península visavam apenas
justificar a teoria do parasitismo: “(...) é para arranjar um período de lutas e depredações
que lhe parece o prólogo indispensável a todo parasitismo social.”35.

32
Idem, p.85.
33
ROMERO, op. cit., p.55.
34
Idem, p.57. [grifos do autor]
35
Idem, p.76.

68
O essencial é perceber que apesar das consideráveis discordâncias factuais dos
autores em relação às interpretações da história da Península Ibérica, ambos têm como
princípio a existência de uma história ibérica, comum, portanto, a espanhóis e portugueses.
Essa convergência tem como desdobramento o entendimento, para ambos, da existência de
uma história colonial ibérica/hispânica, a partir da constatação desse fundo comum
histórico e étnico de mesma origem.
Para Bomfim, o desdobramento lógico da história peninsular, de educação guerreira
e depredadora, não apenas lança os povos ibéricos ao mar, mas também pauta o tipo de
colonização imposta por eles às terras descobertas. Já pervertidas em sua origem, seria
“uma fatalidade histórica”36, por ser hereditário, o desenvolvimento do mesmo caráter
vicioso nas colônias: “Quando começou a colonização da América, já as nações
peninsulares estavam viciadas no parasitismo, e o regime estabelecido é, desde o começo,
um regime preposto exclusivamente à exploração parasitária.”37
Bomfim se põe a explorar “os fatos históricos” da formação colonial por entender
que “eles se devem grande parte dos males que têm atormentado a evolução destas
nações”.38 As conclusões dos autores sobre esses males se relacionam aos projetos políticos
que defendem e, por sua vez, podem revelar seus entendimentos sobre América Latina,
como argumentarei adiante. Por enquanto, cumpre destacar a ênfase de Bomfim nas
violências da história colonial, como os massacres das populações autóctones, a depredação
das riquezas em favor da metrópole (dos “aventureiros luso-espanhóis”) e os efeitos
malefícios da escravidão. Este último é visto pelo autor não apenas como evidente sintoma
do parasitismo ibérico, mas como fonte de inúmeros vícios desenvolvidos nas colônias.
Entre esses vícios decorrentes do escravismo, Bomfim elenca algumas situações, como a
desvalorização do trabalho, a estagnação das técnicas produtivas e as perversões sexuais.
Conforme conclui: “Português ou espanhol, ele vinha entesourar e não para trabalhar; e era

36
BOMFIM, op. cit., p.236 [grifo do autor].
37
Idem, p.128.
38
Idem, p.236.

69
logo a caça implacável ao índio. (...) estava normalizado o cativeiro, estava sistematizado o
parasitismo, na sua forma ideal: uns a trabalhar e outros a engordar e a gozar.”39

Sílvio Romero se opõe categoricamente ao entendimento de Bomfim sobre a


história colonial. As principais críticas de Romero estão direcionadas à questão da
violência. Primeiramente, por considerá-la desproporcional, pois para o autor a
“colonização dos povos ibéricos na América foi singularmente branda”40, sobretudo ao se
considerar os benefícios da civilização. Defensor do legado ibérico, Romero diz que, se
comparado aos demais processos de conquista da história, a colonização ibérica poderia ser
vista como “folguedos de rapazes alegres”. Por fim, Romero contesta a conclusão de
Bomfim sobre a miséria na qual teriam sido deixadas as ex-colônias dos “povos ibéricos”,
que “(...) no entender do moço escritor, era do mais completo atraso, da mais acentuada
miséria, miséria econômica, miséria política, miséria intelectual, miséria moral.”41 Para
tanto, se apoia em outros escritores, em especial Abreu e Lima e Varnhagen, atribuindo à
análise de Bomfim, novamente, apenas à pretensão deste em comprovar sua tese do
parasitismo.
Sílvio Romero ainda faz uma ressalva ao relatar os crimes da fase colonial, como
“fenômenos mórbidos”, mas processos normais pois “desgraçadamente presos à
pecaminosa e imperfeita organização humana e social.” Ainda sim, minimiza estes
fenômenos por causa da função que atribui à história, como mestra da vida. Portanto, para o
autor, apenas os bons feitos, aqueles capazes de instruir, deveriam ser valorizados no
trabalho histórico. Por esse motivo, censura outra vez Manoel Bomfim:

Não vejo, porém, onde se possa deparar a vantagem de generalizar, de dar como
fato explicativo e exponencial de uma época, a triste ocorrência alegada pelo Sr.
Bomfim (...). A história não tem por função apanhar essas degradações, essas
eructações de esgoto que não esclarecem nem instruem.42

Mais uma vez, a comparação com os Estados Unidos, neste caso com a história
colonial norte-americana, representa um papel importante no entendimento dos autores

39
Idem, p.146.
40
ROMERO, op. cit., p.116.
41
Idem, p.163.
42
Idem, p.158.

70
sobre a história. Bomfim defende que a colonização dos Estados Unidos foi bastante
diferente da latino-americana. Aquela, resultado da vontade de um povo em realizar uma
nação e esta, do ímpeto predatório e aventureiro ibérico. Assim, segundo o autor, “Os
Estados Unidos, no dia em que afirmaram a sua independência, eram uma nação feita,
constituída espontaneamente, livre desde o seu nascimento; as repúblicas sul-americanas,
no dia da separação, eram nações em que tudo estava por fazer.”43 Manoel Bomfim não
deixa de considerar aquelas que seriam as diferenças intrínsecas de caráter entre anglo-
saxões – gentes práticas, de grande energia e tenacidade –, e latinos, tidos como
formalistas, conservadores e com instintivo horror ao progresso. Mas exige que os críticos
(políticos e sociólogos) que condenam os povos da América Latina reflitam também sobre
as “condições favorabilíssimas em que se achavam os mesmos norte-americanos (...).”44.
Submetidos, teoricamente, a um processo de colonização diferente, que os teria permitido
constituírem sociedades homogêneas, voltadas para seus próprios interesses e não a mercê
da exploração da metrópole.
Em relação a este tema os autores têm entendimentos semelhantes, uma vez que
consideram como essencial as características distintivas entre latinos e anglo-saxões. A
crítica de Romero, por exemplo, concerne apenas ao que seria uma incoerência
argumentativa de seu opositor que, em sua leitura, faz ataques ao ímpeto conquistador dos
Estados Unidos, enquanto é elogioso às características progressistas deles. No mais, a
caracterização de latinos e saxões é plenamente corroborada por Sílvio Romero, opondo
assim o pragmatismo atribuído aos norte-americanos e sua tendência ao progresso ao
formalismo e falta de observação dos latino-americanos. Sobre estes, conclui: “Mais do
que à primeira vista pode parecer, seu proverbial desrespeito, a sua notada irreverência
encobre um real fundo de incapacidade, de fraqueza das forças criadoras do espírito.”45.
No que concerne a este tópico, as diferenças entre os autores são sutis, mas
importantes. Para Romero, tais atributos eram compreendidos através do “tipo étnico” de
cada povo e não ao parasitismo da teoria de Bomfim. Desse modo, para Romero, além dos
outros qualificativos usados por Bomfim, a “falta de observação, de que padecem os latino-
43
BOMFIM, op. cit., p.312.
44
Idem, p.312.
45
ROMERO, op. cit., p.201.

71
americanos” seria “um traço verdadeiro, [mas] posto a perder pelo autor por suas
exagerações e pela mania de atribuir tudo e até isto ao parasitismo.”46
Nesse caso faz-se necessário perceber como Romero lida com o legado ibérico.
Segundo Alberto Luiz Schneider, esta é uma ambiguidade que permeia toda a obra
intelectual de Sílvio Romero, uma vez que o autor estaria sempre dividido entre o que
considerava ideal e aquilo que ponderava como sendo o melhor nos limites das condições
nacionais e das possibilidades históricas. A encruzilhada de Romero estava entre valorizar
o elemento europeu formador, ainda que ibérico e considerado refratário ao progresso.47
Esta parecia ser para o autor a única forma de se formar uma nacionalidade numa sociedade
mestiça. Para ele, se existia uma civilização em processo de construção no país, esta se
devia indubitavelmente ao elemento europeu. Conforme Schneider:

Uma das mais notáveis tensões patentes na obra de Sílvio Romero foi a leitura
conflituosa que o autor estabeleceu dessa tradição colonial luso-brasileira. A
herança cultural ibérica, herdada do período colonial, foi simultaneamente
interpretada como positiva e negativa. No sentido da modernização e do
progresso, a herança colonial lusitana foi lida em chave negativa, como atrasada,
predatória, beata. Porém, no sentido cultural da nacionalidade, a mesma herança
histórica foi tomada no sentido oposto, reputada como o “alicerce da nossa
nacionalidade”, ou como a base histórica sobre a qual repousaria a tradição
popular brasileira.48

Ainda que Romero rejeite seletivamente as características que considere refratárias


ao progresso no povo ibérico, o valor dado pelos autores a esta herança é oposto. Para
Bomfim, representa a chaga das nações latino-americanas, e para Romero a possibilidade
de redenção das populações mestiças, a brasileira, em especial. Entretanto, para ambos a
história ibérica, desde a ocupação da península até o modelo colonizador implantado na
América, é tida como comum e necessariamente atuante sobre as nações resultantes do
processo colonial. Trata-se portanto de uma história latina, de ascendência ibérica, que tem
seus desdobramentos na história latina na América.

46
Idem, p.197.
47
Como lembra Schneider, o debate sobre a herança ibérica e as condições de atraso dos países da península
teve desdobramentos também na chamada geração de 98 espanhola, com autores como Miguel de Unamuno e
Ángel Gavinet, e mais tarde com Ortega y Gasset. E em Portugal com Oliveira Martins e Antero de Quental.
SCHNEIDER, op. cit., p.153 e ss.
48
SCHNEIDER, op. cit. , p.133-134.

72
A leitura dos autores sobre as características deletérias dos povos latinos para a
constituição das nacionalidades fundamenta-se na teoria da decadência dos povos latinos.
Segundo Pierre Rivas, entre 1870 e 1910, as polêmicas são completamente permeadas por
essa pretensa decadência latina presente

[n]às mitologias antilatinas e nórdicas da época, as dos Gobineau, Vacher de


Lapouge, Gustave Le Bon, Emilie de Laveleye, Bazalgette, Demolin, etc.
Decadência latina e superioridade anglo-saxã ou alemã: enuncia-se um novo
paradigma que identifica latinidade, decadência, servidão, imoralidade, anarquia,
decadência por hipertrofia da palavra e atrofia da ação.49

A partir do que foi analisado nos trabalhos dos autores percebe-se que essa
interpretação é bastante relevante para ambos. Ainda que Bomfim condene veementemente
a Le Bon e chame atenção para as motivações políticas que atribui a tais teorias, não deixa
de qualificar os povos latinos a partir de fundamentos semelhantes, como observa com
agudeza Sílvio Romero: “(...) o Sr. Manoel Bomfim tem momentos de cólera e não trepida
em injuriar um homem como Gustavo Le Bon, cujo crime é ter dito, antes dele, metade das
coisas feias com que brinda os povos enfaticamente apelidados os latinos da América.”50
Entretanto, não se pode concluir a partir dessa provocação de Romero que Manoel Bomfim
corrobore com esses teóricos, pois o autor critica um de seus pressupostos fundamentais, a
saber, a atribuição das características da decadência como algo inato. Para Bomfim, a
existência de elementos deletérios no caráter latino derivava dos efeitos do parasitismo
social hereditário e seria passível de transformação através da educação. Para ele, estas
condenações desses povos ao atraso permanente seria portanto apenas uma teoria de
dominação política.
Ao observarmos o quadro de referências de Manoel Bomfim (ANEXO 1) destaca-se
seu posicionamento crítico aos teóricos racialistas evolucionistas. Entre os mais citados
aparecem o antropólogo francês Charles Letourneau, o sociólogo polonês Ludwig

49
RIVAS, Pierre. Diálogos interculturais. São Paulo: Hucitec, 2005, p.30-31. Essas teorias são importantes
para a compreensão do surgimento do latinismo como mobilização reativa aos teóricos da decadência.
Trazendo para o primeiro plano a ideia da tomada de consciência de um destino comum latino, um
Renascimento latino, baseado na latinidade como um conceito civilizacional (não propriamente racial, como o
pangermanismo e o pan-eslavismo) e, portanto, ecumênico, plástico e abrangente, pois essencialmente
cultural. Cf. RIVAS, Primeira Parte – Latinidade. Ibid.
50
ROMERO, op. cit., p.16. [grifos do autor]

73
Gumplowicz e, principalmente, o terribilíssimo filósofo, Gustave Le Bon. Bomfim percebia
as teorias da inferioridade racial como tão somente um sofisma abjeto mascarado de
ciência barata. Todavia, o questionamento do autor não estava em reconsiderar eventuais
características positivas das raças selvagens, que ele denegava, mas em perceber seu valor
absoluto e sua capacidade progressista natural (equivalente a das raças brancas), que os
sociólogos do egoísmo e da exploração negavam. Sobretudo pelas implicações políticas
desse pensamento, “covardemente aplicado à exploração dos fracos pelos fortes.”51
Desse modo, não é propriamente o juízo que fazem sobre a América Latina a que
Bomfim se opõe, mas àquele que considera seu uso político: “Quando os publicistas
europeus nos consideram como países atrasadíssimos, têm certamente razão; não é tal juízo
que nos deve doer, e sim a interpretação que dão a esse atraso, e principalmente as
conclusões que daí tiram, e com que nos ferem.”52 Esse aspecto é tão relevante para
Bomfim que expressa sua decepção com intelectuais que admirava, como o anarquista
francês Charles Malato, por não perceber os ideais de exploração contidos nestas
formulações pessimistas:
O pessimismo geral sobre a América do Sul vai ao ponto de induzir indivíduos
como Charles Malato, cuja vida tem sido uma luta implacável contra os fortes e
exploradores, a escrever impiedades como esta: “Abrutis par leurs moines,
mystifiés par leurs avocats, fusilés par leurs généraux, les peuples de L’Amérique
Latine ne semblent pas avoir grand’ chose à perdre en tombant sous la coupe des
Vanderbilt, des Morgan et des Rockefeller, et ces messieurs ne s’amausant pas
aux agitations inutiles, peut-être y gagneront-ils une tranquilité qui pourra leur
paraître donnée.”53

Sílvio Romero dedica atenção especial à questão “da decantada decadência das
nações ibéricas”, considerando sua “vasta literatura”, opta por analisar “quatro dos mais
correntes estudos consagrados ao assunto: os de Antero Quental, de Oliveira Martins, de
Th. Buckle e de Pompeyo Gener.”54 Nas vinte páginas seguintes, Romero sistematiza os
estudos desses autores e ao mesmo tempo em que considera verdadeiras as atribuições
feitas ao caráter atrasado e inferior dos ibéricos destaca o exagero desses defeitos pelos

51
BOMFIM, op. cit., p.268.
52
Idem, p.53.
53
BOMFIM, Idem. , p.53. [grifo do autor]. Referência a Malato: MALATO, Charles. L'Amérique Latine. In:
Les Annales de la Jeunesse Laïque. Paris: nº1, juin 1902, p.18.
54
ROMERO, op. cit., p.133.

74
teóricos: “Todas essas doutrinas, que, aliás, se podem reduzir a uma só e cujo valor
intrínseco não tenho que discutir, repousam na falta de certas distinções, que, se fossem
feitas lhes mostrariam quanto forçam alguns fatos.” Ainda sim o autor não poupa Bomfim
de críticas e desconstrói o fundamento de seu trabalho, a teoria do parasitismo:
Por mais minuciosas que sejam ou tenham pretendido ser as considerações
devidas aos vários autores citados acerca das causas da decadência das nações
peninsulares, Antero, Martins, Buckle e Pompeyo Gener, não é menos verdade
que a estes escritores não se deparou a conveniência ou a oportunidade de reduzir
aqueles povos a meros parasitas. Qualidade é esta que não pode convir a uma
nação inteira. Estava reservado ao nosso Manoel Bomfim essa maravilha
histórica e sociológica. Todos eles notaram a desorganização do trabalho entre
castelhanos; mas não chegaram à conclusão tão absurda.55

A evidente convergência de Romero para a teoria da decadência latina, ainda que


minimizada pelo autor, é colocada por ele em outros parâmetros, que visam não apenas
desacreditar a ideia do parasitismo social de Manoel Bomfim mas em descontruir as
motivações políticas nela presentes.

Colcha de retalhos e outras costuras

A partir de uma leitura ampla das obras, que privilegiasse a interlocução entre elas,
com seus afastamentos e aproximações, foi possível perceber a centralidade dos conceitos
de raça e história em meio à grande variedade de questões nelas presentes. Essas questões,
que não são apresentadas de forma explícita pelos autores, denotam a relevância dessas
temáticas na escrita social do período – consequentemente, sinalizam a possibilidade de
contribuir com a historiografia sobre o tema ao dar relevo a esta discussão que aparece de
forma tácita no debate, sobretudo, considerando-se a intersecção que os autores fazem entre
seus diagnósticos e as soluções/cura para os males que afligiriam a nação, e impediriam sua
formação definitiva, atravancando o seu progresso.
Conforme expus, tanto em Bomfim quanto em Romero há o entendimento que há
uma raça/história latina, precisamente ibérica, da qual as ex-colônias são continuadoras e
herdeiras. Uma história que poderíamos considerar, a partir destas leituras, latino-

55
Idem, p.148-149 [grifos do autor].

75
americana. Uma vez que o elemento ibérico seria o principal, tanto nas críticas de Manoel
Bomfim a esta herança funesta, quanto à valorização da raiz europeia requerida por
Romero. Este último, mesmo utilizando bastante o termo latino-americano em suas
assertivas, nega, logo nas primeiras páginas, que vá sequer tratar de América Latina:
Como se vê, é o mesmo problema abordado, por outras vias, por outros
processos, por outras doutrinas, pelo Sr. Dr. Manoel Bomfim em seu livro,
aparecido em junho de 1905, sob o título de – A América Latina. O seu quadro é
apenas mais vasto, porque ele cogita de todo o continente e eu me refiro somente
ao Brasil.56

Romero descarta de forma bastante direta a intensão de tratar sobre todo o


continente, como atribui a Bomfim. Não apenas porque interessaria ao autor pensar
somente os problemas nacionais, mas por rejeitar a identificação de nações hispânicas, ao
menos que incluam o Brasil, enquanto projeto político.
A contradição entre o entendimento de uma história/raça latino-americana e negação
da existência de uma América Latina é apenas aparente e pode ser mais bem compreendida
no significado que esta identidade teria nos projetos políticos de Romero. Para deixar clara
sua oposição à ideia de uma América Latina, Romero, que assim como Bomfim não se
detém em explicações a esse respeito, expressa de maneira veemente sua posição,
primeiramente através da grafia. A expressão América Latina, Romero escreve em
maiúsculo o vocábulo apenas quando remete à obra de Bomfim, entendida por ele nada
mais do que “manto de retalhos a que deu o nome de América Latina”57 de um desses
“novos cerzidores de remendos para essas colchas de retalhos chamadas Américas
Latinas...”58 A escolha do autor, então, ao se referir a temas latino-americanos, é por usar
América latina, coerente com a leitura a histórica e racial que faz dos povos de origem
latina. Para Romero, este seria o limite para a uma América Latina/latina, rejeitando assim
a equivalência defendida por Manoel Bomfim de que o fundamento racial e cultural dos
povos com a mesma ascendência América implicaria num pertencimento ou identidade
comum, compreendida, neste caso, em “América Latina”.

56
Idem, p.10-11.
57
Idem, p.67.
58
Idem, p.82 [grifo do autor].

76
Considero que América latina de Romero se distancia drasticamente da América
Latina de Manoel Bomfim não pela negação de uma raiz comum, mas como opção de
Sílvio Romero em renegar que houvesse uma identidade presente entre o Brasil e as outras
repúblicas latino-americanas, e principalmente uma comunhão de futuro e destino entre
elas. Esta última ideia é sustenta por Manoel Bomfim, que ao fazer seu diagnóstico tinha
em mente a cura para “as nacionalidades sul-americanas”. Para Bomfim, a América Latina
se formou a partir dos mesmos males, advindos da colonização e do caráter deturpado dos
povos ibéricos, mas simultaneamente funcionava enquanto uma projeção, pois as nações
poderiam superar o legado ibérico e alcançar o progresso:

A opinião publica europeia sabe que existe a América Latina... e sabe mais: que é
um pedaço de continente muito extenso, povoado por gentes espanholas,
continente riquíssimo, e cujas populações revoltam-se frequentemente. (...) são
questões que não se definem, sequer, no obscuro longínquo desta visão única – a
América do Sul. Mesmo quando venham nomes particularizados – Peru,
Venezuela, Uruguai... não importa: o que esta ali, a imagem que se tem na mente
é a América do Sul.59

Na citação anterior transparece a confusão entre América Latina e América do Sul,


presente em todo livro de Bomfim. A despreocupação em conceituar esses termos pode
indicar que o foco do autor era fazer referência menos a uma identidade latino-americana e
mais ao entendimento político da questão, que para ele consistia em defender da exploração
externa de que seriam vítimas os povos da América Latina (ou do Sul). Para tanto, Bomfim
utiliza dois parâmetros que definem sua escolha pela noção de América Latina, logo no
título do trabalho, mas simultaneamente a torna de passível de ser sobreposta, sem grandes
problemas, seja por América do Sul ou por, como prefere em seus escritos posteriores,
nações neoibéricas60.
Primeiramente, a utilização de América Latina faz nítida oposição à Europa, mais
precisamente aos juízos negativos dos intelectuais europeus sobre os latino-americanos, que
ele entende serem doutrinas imperialistas pensadas para justificar sua exploração. E ainda
para diferenciá-la da América não latina, ou anglo-saxônica, intuito para o qual servem as

59
BOMFIM, op. cit., p.41 [grifo do autor].
60
BOMFIM, Manoel. O Brasil na História: deturpação das tradições, degradação política. Rio de Janeiro,
Belo Horizonte: Topbooks, Ed. PUC-MG, 2013 [1ªed. 1930].

77
duas denominações. É possível perceber esta escolha no uso de expressões que denotam
essa oposição como “nas duas Américas”, “americanos do Sul” e “esta América”, as duas
últimas implicitamente se referem aos americanos do Norte e à outra América. Estas
opções de Manoel Bomfim reforçam o entendimento de que a América Latina a que se
referia, deriva não somente da origem comum que atribui a essas nações, mas a dimensão
projetiva do trabalho intelectual do autor, interessado em implementar projetos que
superassem a condição de atraso que percebia nelas, sobretudo frente a Europa e a outra
América – os Estados Unidos –, como afirma: “Façamos a campanha contra a ignorância;
não há outro meio de salvar esta América.”61

Repercussões e debates: leituras das Américas Latinas

O aprofundamento da pesquisa demostrou a relevância de se pensar esse debate


além da polêmica restrita aos livros de Bomfim e Romero. Primeiramente, ao constatar a
ampla divulgação quando da publicação de América Latina, de Bomfim, em 1905, seu
primeiro trabalho de expressiva repercussão. Entre os periódicos consultados, sobressaem
algumas resenhas críticas sobre livro de Bomfim. Apenas uma semana após o lançamento
da publicação, Alcindo Guanabara, sob o pseudônimo de Pangloss, comenta A América
Latina em artigo no jornal diário O Paiz (autointitulado “a folha de maior tiragem e de
maior circulação na América do Sul”), destacando, segundo o autor, seu aspecto inovador e
sua qualidade como obra de protesto:62
Esse quadro do estado das populações do nosso continente é pintado diariamente
na imprensa dos grandes centros diretores das nações chamadas fortes e os seus
filósofos e publicistas, verdadeiros batedores dos exércitos para as conquistas
concluem apressadamente desses fatos o que esses povos são inferiores,
ingovernáveis, inadaptáveis à vida civilizada e consequentemente devem ser
escravizados ou eliminados pelos povos civilizados que são os que têm o direito

61
BOMFIM, 2005, p.361.
62
Considero o primeiro anúncio do livreiro-editor Garnier, de 8 de junho de 1905 n'O Paiz: “A América
Latina - O parasitismo social e a evolução, males de origem pelo Dr. Manoel Bomfim: É um largo estudo das
condições atuais – econômicas, políticas e sociais – dos países sul-americanos, estudo onde se demonstra que
todos os males e dificuldades presentes derivam imediatamente das condições de formação destes mesmos
países. O autor estuda todos os vícios e defeitos reais das nacionalidades sul-americanas, principalmente do
Brasil mostra como todas elas são remediáveis. Tudo depende de que elas se resolvam romper com um
passado de rotina e ignorância, e queiram preparar-se para a vida moderna, de acordo com as suas
exigências.” [Preço anunciado: 5$000]. In: O Paiz (jornal). Rio de Janeiro: nº7548, 08/06/1905, p.6.

78
de deter os territórios, porque são os que sabem colher todos os proventos deles.
É contra essa conclusão que se rebela a alma de americana do Dr. Bomfim: esse
livro é um grito de protesto, um brado de alarme e um evangelho de civilização. 63

Alguns dias depois, também n’O Paiz, Pedro do Couto critica exageros da obra de
Bomfim, mas destaca seu valor como obra sociológica e, assim como Alcindo Guanabara,
destaca sua importância política, como prática de “(...) reação necessária contra a
exploração de que fomos e somos vítima, e bem assim contra labéo [sic] imbecil de povos
decadentes que o velho mundo, através de escritores ignorantes até de geografia, lançam à
América latina [sic].”64
No semanário carioca Os Annaes – Semanário de Literatura, arte, ciência e
indústria, o crítico Nestor Victor dedicou três das dezesseis páginas, dispostas em colunas,
da edição nº51 da revista para resenhar América Latina. Mais moderadamente, Victor
considera que a obra não é “(...) uma apologia sistemática do sul-americano e da sua obra,
muito pelo contrario (...) ele reconhece, mesmo com severidade algo demasiada, a parte de
verdade que existe nesse conceito.” Para ele, a injustiça a que Bomfim se refere “está em
nos atribuírem uma obra que não é propriamente nossa”. Nesta resenha, Nestor Victor tece
elogios à obra, mas marca diferenças significativas em relação à concepção de Bomfim
sobre os problemas latino-americanos. As maiores críticas do jornalista referem-se à
questão racial, para Victor é essencial considerar o atraso das nações como fruto de sua
formação racial, ideia rechaçada por Bomfim; e à solução incompleta dada pelo autor de
América Latina, que postula a democratização da instrução primária. Além dos aspectos
educacionais e culturais, para Nestor Victor são necessários a povoação do território, o
armamento e fortalecimento da defesa do território, para afastar a possibilidade de qualquer
domínio externo e “mostrar, numa palavra, que somos povos que merecem viver e que
estão aptos a defender-se, mesmo, se tanto for necessário, a agredir.”65

63
Alcindo Guanabara utilizou este pseudônimo em seus artigos publicados nos jornais O Dia e O Paiz.
Personagem do romance Candide (1759), de Voltaire, Pangloss acreditava que o mundo era perfeito e que o
mal é apenas o caminho para um bem maior, o personagem funciona como crítica ao otimista exagerado que
distorce a realidade. GUANABARA, Alcindo (pseudônimo Pangloss). O Dia. In: O Paiz (jornal). Rio de
Janeiro: nº7551, 11/06/1905, p.2.
64
COUTO, Pedro do. América Latina (Manoel Bomfim). In: O Paiz (jornal). Rio de Janeiro: nº7593,
23/07/1905, p.3.
65
VICTOR, Nestor. A América Latina. In: Os Annaes (revista). Rio de Janeiro: nº51, 05/10/1905, p.4.

79
Ainda nos Annaes, Nunes Vidal, ao resenhar Alemanismo no sul do Brasil, obra de
Romero publicada em 1906, tenta dirimir a disputa entre os autores, destacando o que ele
percebe como essencial dos trabalhos de Bomfim e Romero: sua importância política.
Voltados para a compreensão daquilo que era percebido como limitações do progresso,
tanto brasileiras quanto latino-americanas (dependendo da ênfase), os autores estariam
contribuindo para tirar os povos da inépcia e inopia, que de acordo com Vidal seria “a
causa principal de uma merecida catástrofe para a nossa raça nesta parte do continente.”
Segundo Vidal:
São trabalhos [América Latina e Alemanismo no sul do Brasil] estes dos mais
indispensáveis entre nós no momento atual. É preciso que o Brasil inteiro se
convença de que a época dos expedientes passou; que, ou trabalhamos, de
verdade, e nos mostramos capazes, sem mais delongas, ou então inevitavelmente
sucumbimos, por um modo ou outro. Esta, tudo faz supor, vai ser a época mais
decisiva dos nossos destinos como nação entre quantas temos atravessado até
aqui.66

Mais duas críticas elogiosas foram publicadas no importante jornal carioca, Gazeta
de Notícias. A primeira, não assinada, aparece na primeira página da edição do dia 10 de
junho de 1905. Ao final da resenha, que destaca o grande valor intelectual do livro, o autor
recomenda: “América Latina é um livro magnífico. Devem lê-lo todos os que pensam. Há
nesse volume aquilo que o filósofo considerava o maior dos bens: a revelação das
verdades.”67 Na seguinte, Frota Pessoa faz uma resenha bastante detalhada de América
Latina e corrobora também com a solução dada por Bomfim aos problemas nacionais, a
democratização da educação: “A casa Garnier acaba de publicar, com este título, um livro
do Dr. Manoel Bomfim, cujas ideias urge propagar de toda a forma, porque encerram a
verdadeira e única solução de um complexo problema social relativo às nações sul-
americanas.”68

66
VIDAL, Nunes. A LIVRARIA – O “Alemanismo no Brasil” [sic], por Sílvio Romero. Os Annaes (Revista).
Rio de Janeiro: ano III, nº81, 17/05/1906, p.13. No período, era bastante difundida a compreensão de que
existia apenas duas alternativas possíveis para os povos: civilizar-se ou desaparecer. Colocada de forma
categoria por Euclides da Cunha, em Os Sertões: “Estamos condenados à civilização. Ou progredimos ou
desapareceremos.” CUNHA, Euclides da. Os Sertões – Obras completas. vol. II. Rio de Janeiro: Aguilar,
1966 [1ª ed. 1902], p. 141.
67
Sem título. In: Gazeta de Notícias (jornal). Rio de Janeiro: nº161, 10/06/1905, p.1.
68
PESSOA, Frota. A América Latina - Estudo do parasitismo social. . In: Gazeta de Notícias (jornal). Rio de
Janeiro: n.173, 25/06/1905, p.5.

80
Todavia, a obra não perdeu seu potencial polêmico e, dez anos após sua publicação,
ainda seria lembrada pelos exageros de Bomfim – interpretação que pode ter sido
provocada pela crítica sistemática e imediata de Romero, ainda que ponderassem o valor do
autor. Ao comentar o livreto de Bomfim, A obra do Germanismo, de 1915, um jornalista da
Gazeta lembra América Latina e destaca a seriedade e os elevados propósitos que julga
haver na obra, atributos que persistiam no trabalho do autor:
Desde a publicação da “América Latina”, o Sr. Manoel Bomfim ocupa um lugar
de destaque entre nossos mais festejados publicistas. (...). Certo que num ou
noutro lanço da “América Latina”, não nos parece esteja o Sr. Bomfim com a
verdade; mas seria injustiça negar-lhes os nossos aplausos, sobretudo pela
elevação e pela seriedade de sua arte. O livro de que ora nos ocupamos, sobre a
obra do germanismo, em nada desmente as qualidades já reveladas pelo escritor
sergipano.69

Apesar da diversidade de críticas acerca das obras e da polêmica entre Manoel


Bomfim e Sílvio Romero, os críticos convergem ao considerar a relevância política destes
escritos, sobretudo porque atuariam na resolução do atraso, como evangelho de civilização.
A pesquisa feita nos periódicos brasileiros da capital Federal (Rio de Janeiro) no período da
polêmica levantou problemáticas importantes. Entre os periódicos analisados, escolhidos
devido a sua abordagem político-cultural, destaco as revistas Renascença, Kosmos e Os
Annaes e os jornais diários Gazeta de Notícias e O Paiz.
Chama atenção a indefinição de termos como América Latina e América do Sul,
aparecendo inclusive como sinônimos, sem que fossem problematizados, além do
predomínio da percepção, independentemente do conceito utilizado, de que a união das
nações americanas (aspecto definido de forma mais ou menos abrangente de acordo com o
autor) seria uma necessidade política. N’O Paiz, Leôncio Correia inicia seu artigo em 1904

69
Bibliografia - A obra do germanismo de Manoel Bomfim. In: Gazeta de Notícias (jornal). Rio de Janeiro:
nº178, 27/06/1915, p.1. A obra do Germanismo foi editada a partir de dois artigos publicados por Bomfim no
Jornal do Commercio, em agosto de 1914, sobre o perigo das pretensões expansionistas da Alemanha. O
autor destinou o rendimento da venda da publicação à Cruz Vermelha da Bélgica, o que lhe valeu, ao final da
guerra, uma condecoração pelo rei Alberto I da Bélgica com a Ordem Leopoldo. Cf: GONTIJO, Rebeca.
Manoel Bomfim. Coleção Educadores - MEC. Recife: Fundação Joaquim Nabuco, Editora Massangana, 2010,
p.152. Romero, morto em junho de 1914, não chegou a ler tais artigos de Bomfim, mas relembrando as
pesadas críticas dele a ausência do tema do germanismo em América Latina, consideraria, talvez, uma vitória
frente ao adversário que havia declinado ao combate intelectual. BOMFIM, Manoel. A obra do germanismo.
In: Jornal do Commercio (jornal). Rio de Janeiro: 17 ago. 1914; BOMFIM, Manoel. A obra do germanismo.
Rio de Janeiro: Typ. Besnard Frères, 1915.

81
fazendo referência às hostilidades entre Rússia e Japão, mas se dedica em especial a afirmar
a necessidade de uma fraternidade americana:
Sem nos deixarmos dominar de veleidades hostis a respeito de nação alguma do
mundo, o que nossos destinos nos aconselham, e até nos impõe - é a aliança geral,
a concórdia de todas as nacionalidades latino-americanas, uma espécie de liga
continental, de modo que todos, unidos e confraternizado, não fiquemos no risco
de que a tormenta nos venha encontrar despercebidos.70

Para os propagandistas da solidariedade americana, o desconhecimento recíproco


dos latino-americanos era danoso e precisava ser superado, tendo como amálgama o afeto
mútuo. A jornalista Júlia Lopes de Almeida sintetiza essa ideia no seu artigo Boa ocasião,
no qual se refere à boa oportunidade que o Pan-americano de 1906 oferece para o
estreitamento dos laços entre os latino-americanos: “Para nós, o segredo americano
principia da fronteira do México para cá, exatamente onde começam as afinidades de raça!
(...) É que não basta a política para que os países se amem; é preciso também que se
conheçam.”71 Os congressos são vistos como meios eficazes contra esse desconhecimento:
“A ideia da reunião periódica desses congressos foi sugerida naturalmente para por um
termo feliz a essa situação [de afastamento] (...)”72. Dessa forma, a imprensa atribui um
grande valor simbólico aos congressos mesmo quando sua relevância científica, ou prática,
é questionada. Alcindo Guanabara faz a seguinte avaliação sobre o Congresso Científico
Latino-americano:73
Os resultados desses congressos estão visivelmente muito abaixo do que deles
legitimamente se poderia esperar. O único efeito algum tanto prático que eles
podem ter, é o que, aqui há dias, acentuamos: será um ensejo para que homens de
vários países do continente se aproximem, se conheçam e se estimem; foi para
nós uma oportunidade para mostrarmos a representantes das várias repúblicas
vizinhas o que temos feito e como temos progredido moral, intelectual e

70
CORREIA, Lêoncio. A semana. In: O Paiz (jornal). Rio de Janeiro: nº7251, 15/08/1904, p.1.
71
ALMEIDA, Júlia Lopes de. Boa ocasião. In: O Paiz (jornal). Rio de Janeiro: nº7969, 29/07/1906, p.1.
72
Congresso Científico Latino-americano. In: O Paiz (jornal). Rio de Janeiro: nº7617, 16/08/1905, p.1.
73
Esse entendimento, predominante, mas não único, no jornal O Paiz se afina com o posicionamento oficial
da diplomacia brasileira, de acordo com o discurso de Rio Branco, reproduzido no periódico: “(...) [os
participantes dos congressos] pelo que podem ver e estudar, ficam habilitados para em sua pátria, embora
incidentalmente, no terreno da política, desfazer preconceitos e dissipar mal entendidos, colaborando assim na
grande obra da pacificação dos espíritos e da amizade entre as nações. Nenhuma forma de propaganda oficial
e tendenciosa vale essa, espontaneamente exercida por homens de valor, convencidos, e alheios às paixões
políticas.” In: Congresso Científico Latino-americano. In: O Paiz (jornal). Rio de Janeiro: nº7608,
07/08/1905, p.1-2.

82
praticamente. (...) [No mais] Em suma, o congresso foi um simples pretexto para
uma quinzena de festas.74

A solidariedade americana, especialmente latino-americana para esses


propagandistas, é uma das feições que assume o tema das relações exteriores para os
letrados da época. Entretanto, não é o único entendimento da questão, na qual se destacava
também os sentimentos europeístas, que priorizavam a proximidade com a Europa e o
rechaço à ideia de América Latina. Essa abordagem, menos comum nas páginas dos jornais,
afasta-se da orientação defendida pelo ministério do chanceler Rio Branco e é mais
cuidadosamente veiculada nos periódicos. O artigo Política continental, de Joaquim
Vianna, publicado em março 1906 na Gazeta de Notícias, registra a seguinte posição do
autor: “A América latina, sem um ridículo imenso, não é possível que se pretenda
representar esses ideais de tendências e afirmações continentais.” Atentando para a grafia
minúscula de latina, como em Sílvio Romero, o autor nega que o Brasil seja ou possa ser
um país latino-americano.75 Ainda que publicado na primeira página, o editor do jornal
deixa como prólogo o seguinte alerta, que se destaca pois incomum nas colunas assinadas
por colaboradores:
Abaixo publicamos um interessantíssimo artigo do nosso distinto colaborador Dr.
Joaquim Vianna, sobre política continental americana. Tratando-se de assunto tão
importante, não é demais repetir, ainda mais uma vez, que deixamos aos nossos
colaboradores a inteira liberdade das suas opiniões. 76

Além de afastada da orientação oficial do Ministério das Relações Exteriores no


período, o anti-americanismo ficou marcado como um posicionamento identificado ao
monarquismo. Esta pecha, que foi tensionada pelo próprio Rio Branco, ainda rendia
desconfianças e polêmicas na primeira década do século XX, como abordarei no próximo

74
GUANABARA, Alcindo (pseudônimo Pangloss). A indicação Acevedo. In: O Paiz (jornal). Rio de
Janeiro:nº7619, 18/08/1905, p.2.
75
Joaquim Vianna argumenta ainda que a ideia de uma “América latina” não passa de um francesismo,
danoso ao pensamento nacional: “Pois não significará também um enfeudamento à mentalidade francesa a
persistência do ideológico e sentimental latino-americanismo?” VIANNA, Joaquim. In: Gazeta de Notícias
(jornal). Rio de Janeiro: n.87, 28/03/1906, p.1. Esta ideia também é cara a Sílvio Romero, crítico em sua
América Latina aos galicismos que aponta em Manoel Bomfim.
76
VIANNA, Joaquim. In: Gazeta de Notícias (jornal). Rio de Janeiro: n.87, 28/03/1906, p.1[grifo meu].

83
capítulo. Considerando, à guisa de conclusão, o debate entre Bomfim e Romero nesta
perspectiva de leitura.

84
CAPÍTULO IV – América Latina no Brasil dos anos 1900

As análises feitas por Manoel Bomfim e Sílvio Romero, interessadas na


compreensão histórica e racial da nação e em estabelecer seu caminho para o progresso, ou
seja, um aspecto notadamente projetivo, possuem de forma inextricável uma relação
dialógica com as questões políticas contemporâneas. A reflexão a seguir visa atentar para
algumas das questões mais candentes na época a partir da análise da atuação do Ministério
das Relações Exteriores, que dominava a pauta da imprensa num período de acirramento
das tensões nacionalistas, da explosão das correntes migratórias da Europa para a América
e, para o Brasil, de resolução de seculares problemas de fronteira. Esta proposta de leitura
não se fundamenta em uma compreensão dicotômica das obras dos autores, mas em seu
caráter ambivalente, ao se considerar que a própria necessidade de se pensar a nação
configura uma demanda política central para os autores e os contemporâneos. Desse modo,
não se pode dizer também que sejam leituras complementares, no sentido de compreender
uma suposta totalidade, mas de ampliação das possibilidades interpretativas. Sobretudo
acerca das questões identitárias compreendidas na locução América Latina que, requerida
ou censurada, é lida de forma indireta e pautada por temas diversos, perante os quais os
autores se posicionavam.
Para entender os desafios que estavam postos no período, a escolha foi por
investigar as referências da imprensa dos primeiros anos do século XX, e as questões mais
abordadas por ela acerca das relações internacionais do país, sob a notória égide do Barão
do Rio Branco. Investigação que levanta outras possibilidades de compreensão da noção de
América Latina no período.

E queremos ser americanos...


No Brasil, as discussões identitárias americanas passaram por transformações
relevantes a partir de 1889. A rejeição do Império brasileiro a vínculos e relações
diplomáticas com os países vizinhos foi evidente, segundo Luís Cláudio Villafãne Santos,

85
nas sucessivas ausências de representação brasileira nos Congressos Pan-americanos
durante o século XIX – fundamentado em uma postura que oscilava entre preocupação e
desinteresse.1 Segundo Santos, a diplomacia imperial tendia a considerar os congressos
como um ambiente hostil, capaz de criar contexto para que os vizinhos fizessem causa
comum de suas disputas com o Brasil, expor a singularidade da monarquia brasileira no
continente e levantar questões delicadas para o país, como a escravidão e, até 1850, o
tráfico de escravos. Em linhas gerais, com o avanço da propaganda republicana no Brasil, a
partir de 1870, o tema foi apropriado politicamente para reforçar a ideia republicana do
estrangeirismo do Império, bem sintetizado na famosa frase do Manifesto Republicano:
“Somos da América e queremos ser americanos.”2
Entre denegações e afastamentos, a autoimagem do Império fundamentou-se em
uma alegada superioridade da civilização que seu regime político representaria (próximo às
monarquias europeias), portanto, distante das repúblicas vizinhas, tidas como instáveis e
desorganizadas. Assim, propostas recorrentes surgidas nos congressos, como a bastante
discutida união ou confederação entre os Estados americanos, contrariavam a conformação
desta identidade:

A ideia de união e confederação com os vizinhos hispano-americanos seria a


própria negação da autoimagem do Império. Identificado com a ideia de

1
Com diferentes participantes e objetivos aconteceram os congressos do Panamá (1826), Lima (1847-1848),
Santigo e Washington (ambos em 1856), Lima (1864-1865), Caracas (1883), Montevideo (1889) e
Washington (1889-1890). Cf. SANTOS, Luís Cláudio Villafañe. O Brasil entre a América e a Europa: o
Império e o interamericanismo (do Congresso do Panamá à Conferência de Washington). São Paulo: UNESP,
2004. A prática das conferências internacionais, crescente na primeira década do século XX, foi acompanhada
do interesse do Estado brasileiro em se representar oficialmente nas reuniões. É longa a lista e variedade
temática desses encontros para os quais o país enviou representação, não apenas aqueles de caráter
diplomático, por exemplo: em 1904, Congresso Sanitário de Montevidéu; em 1906 – Conferência de Genebra
sobre a Cruz Vermelha, Conferência do Açúcar em Bruxelas e Conferência Internacional de Radiotelegrafia
em Berlim; em 1907, Conferência de Paz de Haia; em 1908 –, Congresso Geográfico Internacional de
Genebra, Congresso Médico Pan-Americano na Guatemala, Congresso Internacional dos Americanistas em
Viena, 4º Congresso Internacional de Pesca em Washington, Congresso Internacional de Irrigação de
Albuquerque-EUA, Congresso Internacional de Indústrias de Refrigeração em Paris, Congresso de Unidades
e Padrões Elétricos em Londres, Congresso Científico Pan-Americano de Santiago e Conferência Telegráfica
Internacional de Lisboa ;em 1910 – Quarta Conferência Pan-Americana de Buenos Aires. In: PINHEIRO,
Paulo Sérgio [et al.]. O Brasil republicano: sociedade e instituições (1889-1930). v.9. Rio de Janeiro:
Bertrand Brasil, 2006 (1ª.ed 1997), p.425-426.
2
Manifesto Republicano (3 dezembro 1871) apud BONAVIDES, Paulo; AMARAL, Roberto (org.). Textos
Políticos da História do Brasil. Vol II. Brasília: Senado Federal, 2002, p.495.

86
civilização europeia, ele via na anarquia que projetava nas repúblicas vizinhas ‘o
outro’ que confirmava sua identidade.3

Apenas em 1889, já sob a bandeira no pan-americanismo, a diplomacia imperial


enviou representantes para a Conferência de Washington. O termo pan-americanismo,
criado na década de 1880, foi capitaneado pelos Estados Unidos como forma de liderar as
iniciativas interamericanas no final do século XIX. Entretanto, as orientações levadas pela
delegação do Império à Conferência eram, em geral, contrárias a qualquer acordo
multilateral em temas específicos como: questões aduaneiras, patentes e autorias, sistema
de medidas, padrões de higiene, extradição de criminosos e meios de comunicação. Os
vários documentos da diplomacia imperial analisados por Luís V. Santos possuem o mesmo
tom assertivo de afastamento, como este exemplo relativo ao item da uniformização de
pesos e medidas: “O Brasil adotou há muito tempo o sistema métrico, que é evidentemente
o melhor. Nada mais tem que fazer a este respeito.”4
No entanto, durante os meses em que a Conferência aconteceu (de outubro de 1889
a abril de 1890) a delegação brasileira foi surpreendida com a mudança de regime.5
Adotando ainda nesta conferência novos parâmetros nas relações internacionais com os
países do continente de acordo as orientações do governo republicano:

(...) o Estado brasileiro (...) passou a ver de modo positivo a ideia de reforçar uma
identidade americana, que era o corolário do republicanismo. A participação do
Brasil na conferência de 1889-1890 é emblemática dessa evolução. (...) Passava-
se de uma situação marcadamente isolada e contrária a qualquer avanço no plano
interamericano para uma atuação de destaque, consonante com o peso que o
Brasil passaria a ter nas iniciativas futuras no âmbito da União Pan-Americana e,
depois, na Organização dos Estados Americanos. 6

3
SANTOS, Luís Cláudio Villafañe. O Brasil entre a América e a Europa: o Império e o interamericanismo
(do Congresso do Panamá à Conferência de Washington). São Paulo: UNESP, 2004, p.101.
4
AHI/RJ, 273/3/5 apud SANTOS, op. cit., p.122.
5
A Conferência de Washington (1889), sob a bandeira do pan-americanismo, foi a primeira convocada pelos
Estados Unidos, da qual se sucederam outras periodicamente, resultando na criação de um escritório de
comércio para as repúblicas americanas. Cf. DULCI, Tereza Maria Spyer. As Conferências Pan-americanas
(1889 a 1928): identidade, união aduaneira e arbitragem. São Paulo: Alameda, 2013, SANTOS, Luis Claudio
Villafañe. Las relaciones interamericanas. In: MORA, Enrique Ayala; CARBÓ, Eduardo Posada (org.).
Historia General de América Latina VII: Los proyectos nacionales latinoamericanos: sus instrumentos y
articulación. Madrid: Ediciones UNESCO/Editorial Trotta, 2008.
6
SANTOS, 2004, p.128-129.

87
Ao destacar esta reorientação da política internacional brasileira relacionada ao
advento da República não entendo que haja uma alteração súbita nos significados dessas
relações para o país ou uma pronta aproximação com os países do continente. Entretanto,
traz elementos que tensionam o debate intelectual e coloca em pauta na imprensa,
juntamente com as polêmicas fronteiras brasileiras, as relações americanas no Brasil.
O caráter americanista do posicionamento republicano e antimonarquista, remetia
aos tempos de propaganda, como do Manifesto de 1870, encampada por republicanos
históricos como Quintino Bocaiúva e Salvador de Mendonça. Mas ganhou outras nuances
com as contendas políticas da década de 1890, e seguiu forte nos primeiros anos da
república, sendo aprofundada nas crises do período. Sobretudo no governo Floriano Peixoto
(1891-1894), com a irrupção da Revolta da Armada (1893), os florianistas, especialmente
os jacobinos, exploraram o antilusitanismo associado ao republicanismo e ao
antimonarquismo como pilares da identidade nacional.7A ingerência europeia era
considerada por esses grupos nativistas como um perigo eminente de restauração
monárquica.8 A instabilidade desses primeiros anos do novo regime fomentaram as disputas
políticas e o endurecimento do governo com os oposicionistas. Temor monarquista que não
era subestimado pelos contemporâneos, segundo Maria de Lourdes Janotti, “(...) temeram-
no como uma constante ameaça ao regime republicano e, por isso, consequentemente,
tomaram medidas de defesa contra os chamados subversivos do regime, isto é, os
monarquistas.” 9

7
A Revolta da Armada foi um movimento de algumas unidades da Marinha Brasileira contra o governo do
presidente Floriano Peixoto em 1893, acusado de permanecer irregularmente na presidência após a renúncia
de Deodoro da Fonseca em 1891. A eclosão da Revolta ocorreu em setembro de 1893, quando a cidade do
Rio de Janeiro foi cercada pelo arsenal da Marinha, que trocou canhonadas com as tropas governistas em
terra. Em março de 1894, com a atuação do Exército e o apoio decisivo de marinhas estrangeiras, os
revoltosos foram derrotados.
8
Segundo Amanda Gomes “Foi, entretanto, no governo de Floriano Peixoto que o termo [jacobinos] adquiriu
um sentido ímpar, ao ser aplicado aos jovens que se alistaram voluntariamente nos batalhões patrióticos
quando da irrupção da Revolta da Armada, a 6 de setembro de 1893. (...) E esse era o sentido atribuído à
palavra tanto pelos autodenominados jacobinos quanto por seus desafetos.” GOMES, Amanda Muzzi.
Monarquistas restauradores e jacobinos: ativismo político. In: Estudos Históricos. Rio de Janeiro: vol.21,
n.42, jul/dez., 2008, p.287.
9
JANOTTI, Maria de Lourdes Mônaco. Os subversivos da República. São Paulo: Brasiliense, 1986, p.7.

88
Nesse período, a relação com os portugueses é especialmente problemática, às
antigas desconfianças somou-se a percepção que os portugueses eram potenciais
conspiradores monarquistas, como esclarece Lúcia Lippi de Oliveira:

Após a República, aumentaram as tensões entre portugueses e nacionais, e novas


formas de rejeição passaram a ser inscritas no imaginário nacional. À antiga
imagem do português, visto pela população brasileira como colonizador
explorador, acrescentou-se a de estrangeiro, monarquista e conspirador. O
momento político da Revolta da Armada, em setembro de 1893, produziu mesmo
o rompimento das relações diplomáticas entre Brasil e Portugal. Isso gerou uma
onda de indignação popular contra Portugal, considerado inimigo da causa
nacional republicana e, por extensão, do povo brasileiro.10

A intervenção norte-americana na Revolta da Armada, com sua ação naval


contribuindo decisivamente para o desfecho favorável a Floriano Peixoto, teve implicações
duradouras na política externa dos dois países e reanimou a identidade americanista da
república.11 Ao aprofundar, segundo Steven Topic, a ideia de que os Estados Unidos e a
política americanista representavam a salvaguarda da república e da nação que, para os
grupos nacionalistas, estava fundada no paralelo histórico com aquele país e a percepção de
uma especificidade continental:

Os nativistas distinguiam os Estados Unidos das potências europeias pelo fato de


o país ser igualmente americano, ser uma ex-colônia e uma república. Como
estado americano, os Estados Unidos podiam ajudar a rechaçar a ameaçadora
influência política e econômica da Europa.12

Esta importante apreensão do americanismo ganharia outras conformações na


década seguinte, mas que estava muito longe de ser unânime, como aponta claramente a
obra A Ilusão Americana (1893) do monarquista Eduardo Prado, obra que mais de dez anos
depois continuava a incomodar americanistas, como seu antigo partidário e então

10
OLIVEIRA, Lúcia Lippi. Nós e eles: relações culturais entre brasileiros e imigrantes. Rio de Janeiro:
Editora FGV, 2006, p.128.
11
Cf. BUENO, Codoaldo. A República e sua Política Exterior (1889-1902). São Paulo/Brasília: Ed.
UNESP/Fundação Alexandre Gustão, 1995; DORATIOTO, Francisco. O Brasil no Mundo – Idealismo, novos
paradigmas e voluntarismo. In: SCHWARCZ, Lilia Moritz (org.). A abertura para o mundo 1889-1930 –
História do Brasil nação 1808-2010. Vol.3. Rio de Janeiro; Madri: Objetiva; MAPFRE, 2012.
12
TOPIK, Steven C. Comércio e canhoneiras – Brasil e Estados Unidos na Era dos Impérios (1889-97). Trad.
Angela Pessoa. São Paulo: Companhia das Letras, 2009, p.189-190.

89
embaixador brasileiro nos Estados Unidos, Joaquim Nabuco13: “No tempo em que foi
escrita [A Ilusão Americana], era um desabafo inocente. Hoje, que há uma política mundial
ativa por toda parte, seria um auxiliar das cobiças estrangeiras.”14

O Barão da República
Na primeira década do século XX, a diplomacia brasileira passa por importantes
transformações sob o comando de José Maria da Silva Paranhos Júnior, o Barão do Rio
Branco. Segundo Luis Villafañe Santos, a chefia de Rio Branco à frente da chancelaria
brasileira entre 1902 e 1912 (ano de sua morte) “consolidou uma determinada visão da
identidade internacional do país e o papel que a política externa deveria desempenhar na
construção e reafirmação dessa identidade.”15 A relevância dos parâmetros de Rio Branco

13
É preciso lembrar que, segundo Izabel Marson, a crítica de Joaquim Nabuco ao republicanismo
fundamentava-se naquilo que o autor percebia como inadequação deste regime à América do Sul. Para
Nabuco, as experiências republicanas no continente eram instáveis, “degeneradas” e “anárquicas”, pois
aplicadas a populações incapacitadas para a vivência de uma prática republicana aceitável, sendo presas fáceis
de ditadores. Exceção feita aos Estados Unidos, de matriz anglo-saxã, e ao Chile, com sua república
parlamentarista de caráter aristocrático. Para criticar os regimes republicanos latino-americanos, e brasileiro
em particular, Nabuco escreve Balmaceda [1895], defendendo a bem-sucedida Revolta da Armada chilena e a
instauração da república parlamentarista. De acordo com Marson: “Dessa forma, Nabuco se vale do evento
para realizar um estudo comparativo de supostas experiências históricas – a chilena e a brasileira no século
XIX e das repúblicas instauradas nos dois países – para apontar o distanciamento entre elas e reconhecer os
motivos da ‘solidez’ da ‘única república parlamentarista’, sul-americana; ainda e especialmente da
inadequação do regime republicano ao Brasil.”. In: MARSON, Izabel Andrade. Política e conhecimento: a
crítica de Joaquim Nabuco à república brasileira e suas congêneres latino-americanas. In: SEIXAS, Jacy;
CERASOLI, Josianne; NAXARA, Márcia (org.). Tramas do político: linguagens, formas, jogos. Uberlândia:
EDUFU, 2012, p.106-107. Para uma leitura ainda mais aprofundada sobre a atuação política de Joaquim
Nabuco Cf. MARSON, Izabel Andrade. Política, História e método em Joaquim Nabuco. Tessituras da
revolução e da escravidão. Uberlândia: EDUFU, 2008.
14
NABUCO, Joaquim. Ao barão do Rio Branco - Ministro das Relações Exteriores [Washington, 18 jan.
1908]. In: NABUCO, Carolina (org.). Cartas a amigos [Obras Completas – Joaquim Nabuco, XIV]. Vol. II.
São Paulo: Ipê – Instituto do Progresso Editorial, 1949, p.300. Nabuco que nem sempre foi americanista,
provavelmente não classificaria em 1893 o livro de Paulo Prado como um desabafo inocente. Ângela Alonso
aborda as transformações sobre o pensamento de Nabuco sobre a política externa e destaca sua atividade
mesmo quando afastado dos cargos públicos, na década de 1890. “Assim, embora Nabuco não tivesse cargo
na diplomacia durante quase toda a década de 1890, emitiu sistematicamente opiniões sobre a política externa.
O Brasil devia se manter no rumo dado pelo Império, de amizade sólida com a Europa, independência em
relação aos Estados Unidos e diferenciação crítica em relação à América Espanhola.” ALONSO, Ângela.
Joaquim Nabuco: diplomata americanista. In: PIMENTEL, José Vicente de Sá (org.). Pensamento
Diplomático Brasileiro – Formuladores e Agentes da Política Externa (1750-1964). Vol. II. Brasília:
Fundação Alexandre Gusmão – FUNAG, 2013, p.367.
15
SANTOS, Luís Cláudio Villafañe. O evangelho do Barão – Rio Branco e a identidade brasileira. São Paulo:
Ed. Unesp, 2012, p.10.

90
nas relações internacionais podem ser percebidas na forma como sua herança diplomática
seria reivindicada repetidas vezes durante o século XX como forma de legitimação de
políticas adotadas pelo Itamaraty.16 Entre os principais desdobramentos da política de Rio
Branco estaria a busca por uma relação especial com os Estados Unidos e o papel de
intermediação do Brasil entre este e a América Latina.
Segundo Luís Villafañe Santos, a opção da política externa em priorizar a relação
com os Estados Unidos respondia, a partir da leitura de Rio Branco, a necessidades
concretas do contexto internacional no período. Em intensidades diferentes, tanto para este
quanto para Nabuco, convertia-se numa opção viável para resguardar o país do
imperialismo europeu, conquistar poder regional (com o aval de Washington) e desfrutar de
certa autonomia, em tese, possibilitada pela distância geográfica da grande potência
americana.
Rio Branco difundiu a ideia de que era necessário que o Itamaraty tivesse um caráter
eminentemente prático em suas orientações e que deveria estar alheio às paixões políticas
nacionais. O Barão, seguindo a máxima de seu pai, estadista e diplomata do Império,
defendia a condução da política externa supostamente distante dos impasses e paixões da
política doméstica. Postura que revela uma alternativa a clivagem entre
americanistas/republicanos e europeístas/monarquistas, importante na época em que
assumiu o ministério, conforme abordado anteriormente.17 Princípio que, segundo Tereza
Malatian, pautou toda a gestão de Rio Branco, na qual se percebe “um jogo de duplo
movimento”, pois ao mesmo tempo em que se aproximava da esfera de domínio dos
Estados Unidos, por motivações comerciais e estratégicas, não denegava as ligações com a
Europa, de onde vinham investimentos e imigrantes.18
Visava relações amistosas mas, sobretudo, não conflitivas com os Estados Unidos,
opondo-se a iniciativas que pudessem indispor a diplomacia brasileira com o governo
norte-americano. Evita assim, por exemplo, a discussão da Doutrina Drago durante a

16
Idem, p.120-121.
17
“Não por acaso, o pai do Barão, ao aceitar a missão no Prata a ele oferecida em um gabinete liberal,
explicou que ‘sempre professei e ainda hoje professo que a política externa não deve estar sujeita às
vicissitudes da política interna.’” Idem, 2012, p.94.
18
MALATIAN, Tereza. Oliveira Lima e a construção da nacionalidade. Bauru-SP; São Paulo: EDUSC,
FAPESP, 2001, p.187.

91
Conferência Pan-americana de 1906, na qual estava presente, na primeira visita oficial de
um secretário de Estado norte-americano a outro país, Elihu Root.19 Rio Branco também
contorna a discussão na manifestação radicalmente contrária à constituição de uma liga
latino-americana, como evidencia na carta remetida a Oliveira Lima, em missão
diplomática na Venezuela, em 1905. Quando Lima acenou essa possibilidade, a resposta do
Barão foi categórica: “Devo desde já dizer que o Governo Brasileiro não concorrerá de
modo algum para que se forme semelhante liga e nela não entrará, caso possa vir a ser
constituída.”20
No entendimento de Rio Branco, uma liga desse tipo, totalmente contrária aos
interesses norte-americanos, poderia trazer hostilidade do governo dos Estados Unidos ao
Brasil, além de não considerá-la especialmente benéfica para o país. A ação do Ministério
das Relações Exteriores brasileiro pautou-se dessa forma no ideal pan-americano, para o
qual contribuiu efetivamente também em ações pontuais. Por exemplo, ao reconhecer
prontamente o Panamá em 1904, coordenando ainda com o reconhecimento da Argentina,
Chile e México; amenizando na América do Sul as prevenções contra os Estados Unidos.21

19
A importância simbólica dessa visita foi evidenciada pela imprensa brasileira. Sobre a Doutrina Drago: “A
'Doutrina Drago' foi resultado de protesto formal do ministro das Relações Exteriores da Argentina, Luis
Maria Drago, realizado em 1902, contra represálias da Grã-Bretanha, da Alemanha e da Itália, realizadas
através do bloqueio e o bombardeamento da costa venezuelana (...) em razão do inadimplemento do
pagamento da Venezuela a credores súditos dos três países. Indignado com a ação dos Estados
extracontinentais, Drago proclamou que as dívidas públicas dos Estados jamais poderiam servir de
justificativa para a intervenção armada, e muito menos para a invasão territorial do continente americano, por
parte de países da Europa, porque condenaria as nações mais fracas à ruína e à submissão perante as nações
mais poderosas.” A Doutrina Drago teve grande repercussão, sendo submetida à Conferência de Paz em Haia
(1907), sendo chamada de Convenção Porter. In: MENEZES, Wagner. A Contribuição da América Latina
para o Direito Internacional: o Princípio da Solidariedade. Tese (Doutorado em Integração da América
Latina). São Paulo: PROLAM-USP, 2007, p.119-120.
20
RIO BRANCO, Barão do. Minuta de despacho à Legação de Caracas, 23 out. 1905. apud MALATIAN, op.
cit., p.196. Tereza Malatian investiga o percurso político-intelectual de Oliveira Lima, detalhando sua adesão
ao monarquismo e as severas críticas ao pan-americanismo, asseverado após o tempo de serviço na
Venezuela. As análises de Oliveira Lima foram reunidas no livro Pan-americanismo em 1907, no qual
destaca os perigos e realizações da Doutrina Monroe e da Doutrina Drago. In: LIMA, Oliveira. Pan-
americanismo - (Monroe-Bolivar-Roosevelt). Rio de Janeiro: Editora Garnier, 1907.
21
Como destaca Clodoaldo Bueno, ainda no período de Rio Branco no ministério, a diplomacia brasileira teve
outras ações importantes na política pan-americana: “Itamaraty encontrou solução para o impasse relativo às
pretensões Alsop [1909] que ameaçavam as relações entre o Chile e os Estados Unidos, e instou com os
Estados Unidos que mandassem um representante diplomático permanente ao Paraguai.” BUENO, op. cit,
p.427. Elevar a legação em Washington à categoria de embaixada foi uma decisão aplaudida por importantes
órgãos da imprensa, como O Paiz, a Gazeta de Notícias e o Jornal do Commércio. Cf. ALONSO, op.cit.,
p.375.

92
Além da própria resolução das fronteiras brasileiras com vários países, o que poderia
representar grandes dificuldades ao pan-americanismo.22
A partir dessas contribuições, a política de Rio Branco favoreceu o fortalecimento
do pan-americanismo. Entretanto, sem a exclusividade almejada por Joaquim Nabuco na
relação com os Estados Unidos. Nabuco foi nomeado o primeiro embaixador brasileiro nos
Estados Unidos por Rio Branco, em 1905.23 Burilou, a partir de então, exponencialmente
seu americanismo monroísta: “Eu falo a linguagem monroísta.” 24 Linguagem esta que, em
diversas ocasiões, resultaria em problemas de comunicação com o Barão, de posição mais
moderada, como observa Ângela Alonso:

Mas Rio Branco não era americanista à maneira de Nabuco. Ao mesmo tempo em
que criou a embaixada nos Estados Unidos, abriu outra, no Vaticano e
representações menores no continente americano quase inteiro – excluídos Haiti e
São Domingos. Tampouco fechou às portas ao latino-americanismo e à aliança
ABC [Argentina, Brasil e Chile]. De modo que não tinha a inclinação exclusiva
pelos Estados Unidos, como lhe pedia Nabuco, antes buscava manter a linha do
Segundo Reinado, discurso de independência e alianças seletivas com os Estados
Unidos. Eram graus diversos de americanismo, o de Rio Branco mais moderado,
enquanto era enfático o de Nabuco.25

Na análise de Nabuco, o pan-americanismo pouco convicto do Barão deixava o país


em uma posição vulnerável e comprometia o prestígio junto a Washington. Enquanto para
Rio Branco um alinhamento automático com os Estados Unidos, por menor que fosse seu
pendor por aliança latino-americana efetiva, diminuía a ascendência do país na região, para
a qual tanto concorria. Nabuco, em termos bem claros, opõe a política americana a latino-
americana:

22
Exemplos sobre a resolução de problemas de fronteira resolvidos por meio dos arbitramentos foram os
seguintes sucessos diplomáticos de Rio Branco: a Questão de Palmas (fronteira com Argentina, oeste do
Paraná e Santa Catarina, 1895); Fronteira noroeste definida no rio Oiapoque (Amapá, 1900) e a anexação do
Acre (1902-1903). O diplomata fora responsável por coordenar os memorais apresentados ao arbitramento
internacional e pelos acordos diretos que, nestes casos, deram ganho de causa ao Brasil. De menos destaque,
houve acordos de fronteiras acertados com o Equador em 1904; com a Venezuela em 1905; Suriname em
1906 e com a Colômbia em 1907. Ao final dos mais de 15 anos de atuação de Rio Branco nas questões
lindeiras havia sido adicionado ao território brasileiro cerca de 885.000 quilômetros quadrados, uma área
superior ao território da França. Cf. DORATIOTO, op. cit., p.414.
23
Posto que ocupou até seu falecimento em Washington em 1910.
24
NABUCO, Joaquim. Carta de Nabuco a Graça Aranha [17/12/1905]. In: NABUCO, Carolina, op. cit.,
p.235.
25
ALONSO, op. cit.. p.379-380.

93
Nunca em minha opinião, um brasileiro teve tanta responsabilidade nos destinos
do nosso país como você [Rio Branco] ante os dois caminhos que se deparam: o
americano e o outro, a que não sei como chamar, se latino-americano, se de
independente, se de solitário.26

No trecho anterior e em várias de suas comunicações com Rio Branco, Joaquim


Nabuco rejeita com veemência a possibilidade de uma política externa latino-americana.
Para o embaixador, a política pan-americana pró-estadunidense era, para o Brasil, não
apenas a melhor alternativa como, em sua visão, a única possível:

Essa é uma política que tem a vantagem, a maior de todas as vantagens que possa
ter qualquer política: a de não ter alternativas, a de nada haver que se possa por
em lugar dela. Com efeito, que alternativa seria possível? A política do
isolamento não é uma alternativa e não bastaria para solver os imensos problemas
que espera o futuro deste país. A política de aproximação com as Repúblicas
latino-americanas à parte ou em desconfiança com os Estados Unidos seria
impossível, nenhuma nação sensata estaria nela. (...) É, repito, uma política que
não tem alternativa, porque se baseia na força inelutável das coisas.27

No período em que foi embaixador em Washington, Nabuco alerta constantemente


Rio Branco sobre o que considerava os perigos de uma política externa que não primasse
pelo alinhamento com os Estados Unidos e põe o cargo à disposição no caso de uma
mudança. Nota-se que tal oposição era considerada não apenas por sua preferência
monroísta, mas especialmente por ser direcionada contra uma opção sul-americana
(especialmente a conhecida por ABC), como expressa em carta a Rio Branco em janeiro de
1908:

(Se) Bem aceita pelo americano, a nossa tríplice aliança [Argentina, Brasil, Chile]
daria força aos desejos dos alemães aqui de que a América do Sul seja excluída
da proteção da Doutrina Monroe. (...) Mal aceita, ela seria causa de desconfiança
e atritos, impediria toda intimidade entre os dois governos brasileiro e americano
e o resultado mais certo dela seria que os países ribeirinhos superiores do
Amazonas procurariam colocar-se sob uma espécie de protetorado americano.
Sei, como você me diz, que temos o direito [grifo do autor] de celebrar as
alianças que quisermos sem dar explicações. Mas se por infelicidade
celebrássemos qualquer aliança sul-americana, penso que devemos tranquilizar
sobre os motivos e o alcance dela a nação amiga, à qual teríamos que recorrer em

26
NABUCO, Joaquim. Ao barão do Rio Branco - Ministro das Relações Exteriores [Washington, 19 dez.
1905]. In: NABUCO, Carolina (org.). Cartas a amigos [Obras Completas, XIV]. Vol. II. São Paulo: Ipê –
Instituto do Progresso Editorial, 1949, p.238.
27
NABUCO, Joaquim. Joaquim Nabuco – O banquete no casino. In: Gazeta de Notícias (jornal). Rio de
Janeiro: nº201, 20/07/1906, p.2.

94
qualquer grave emergência. (...) vá pensando em dar-me substituto, se nossa
política externa passar por transformação de mudar o seu eixo de segurança dos
Estados Unidos para o Rio da Prata.28

Na mesma correspondência, Nabuco explicita seu descontentamento com a divulgação, na


imprensa norte-americana, da América Latina de Bomfim:

Mando-lhe um número do Independent com a interpolação e um número de


Colliers, que tem uma circulação enorme, com um artigo contra nós baseado na
obra do Dr. Manoel Bomfim. Quando eu estava na Europa pediram informações
ao Amaral sobre o autor para a divulgação dos juízos dessa obra, e o Amaral
disse nunca ter ouvido falar em tal nome para não concorrer para o artigo
enunciado. Você pode avaliar o mal que essa desfiguração de tudo que é nosso,
feita por “educador” brasileiro, pode fazer à nossa reputação entre as classes
ilustradas do país. Não respondo em Colliers mesmo desde já para não chamar
maior atenção pela polêmica e prolongar o efeito do artigo. Mas procurarei que a
Colliers, sem referência a ele, dê outro ponto de vista sobre as nossas coisas. 29

“The best book we know on South America is ‘A América Latina’.” é como inicia o
questionador editorial sobre América Latina, assinado por Peter e Robert Collier, pai e
filho, proprietários da nova-iorquina Colliers, uma revista de grande circulação nos Estados
Unidos naquele período. A resenha crítica descreve a obra de Bomfim em linhas gerais,
destacando apenas a tese do parasitismo e, para situar o leitor, lembra que o estudo se
referencia nas teses do economista britânico Walter Bagehot.
A Colliers não especifica as motivações dessa resenha em sua seção editorial, talvez
por curiosidade sobre o autor e a obra, ou ainda motivada pela própria falta de informações
sobre o escritor brasileiro. Segundo a revista foram procuradas a embaixada e o consulado
brasileiro em Washington e ainda o Bureau of American Republics e nada conseguiram
apurar: “none of these can tell anything about the author of the best book on South
America.” A falta de esclarecimentos sobre Bomfim, que pode ter sido interpretada como
indisposição deliberada da representação brasileira, talvez tenha chamado atenção dos
editores do periódico, que em tom irônico, ao mencionarem de passagem a tradicional
publicação “Who’s Who”, perguntam se haveria interesse no continente sul-americano em
conhecer seus próprios protagonistas, ou “Who's Who in South America”:

28
NABUCO, Joaquim. Ao barão do Rio Branco, Ministro das Relações Exteriores. [Washington, janeiro, 18,
1908]. In: NABUCO, Carolina., op. cit., p.302 [grifo meu].
29
Idem.

95
Is not this a picturesque example of that ignorance which Latin-Americans have
of each other, no less than North Americans have of them? Say one: “Some one
should publish a ‘Who's Who in South America.’ I have tried to get a number of
people interested in it, but have not succeded as yet in getting any one take it up.”
Some sort of light ought surely to be struck in all this darkness. 30

Podemos aventar, lembrando a correspondência do embaixador a Rio Branco, o


tamanho incômodo que causou a Nabuco ser questionado sobre uma obra de um autor, que
não gostaria de modo algum que ganhasse projeção. A resposta de Nabuco à posição
polêmica de Bomfim, que em todas as letras se opunha ao pan-americanismo, foi o mais
retumbante e planejado silêncio: “Não respondo em Colliers mesmo desde já para não
chamar maior atenção pela polêmica e prolongar o efeito do artigo.”

As sutis, mas relevantes diferenças entre os posicionamentos de Rio Branco e


Nabuco apontam para a complexidade da política americanista no período, como
argumento a seguir.

Mais à pátria do que à República

A política externa brasileira na primeira década do século XX, voltada para os


interesses junto a Washington, ressignificou o slogan americanista do Manifesto de 1870,
notadamente a partir da ação de dois antigos monarquistas. A política pan-americana
empreendida por Rio Branco e Nabuco buscou relativizar a importância do teor republicano
que a caracterizava, sem deixar de aclamar a singularidade continental americana, mas com
sua bússola voltada para o norte. Como se pode perceber nas palavras de Joaquim Nabuco,
em seu primeiro pronunciamento público no Brasil como embaixador da República, durante
o discurso no banquete de homenagem que lhe foi oferecido às vésperas da Conferência
Pan-Americana, em julho de 1906:

30
O artigo não é indicado no corpo da correspondência, mas há no editorial da Colliers de 12 de outubro um
comentário sobre América Latina de Manoel Bomfim. In: COLLIER, Peter F.; COLLIER, Robert. “Who's
Who in South America”. Collier's - national weekly. New York: volume XL, n.3, oct./12, 1907, p.9. In:
Collier's. Vol.40, n.2-10, 1907. State College - Pennsylvania: Penn State, s/d.

96
Senhores, desde o dia em que a América se constituiu independente da Europa,
formou-se um sistema político americano, distinto da Europa. Temos a maior
estima, gratidão e amizade pela Europa; os Estados Unidos a tem tanto quanto
nós. Toda ela está a disputar aos Estados Unidos a sua confiança e preferência;
mas com toda essa cordialidade recíproca a Europa não tem dúvida de que para
os Estados Unidos a doutrina da órbita separada e distinta do continente
americano é um dogma, pelo qual todos os americanos estão dispostos a derramar
seu sangue como pelas estrelas da União.31

Discurso afinado com o pan-americanismo da fala do secretário de Estado norte-


americano Elihu Root e o apelo à singularidade continental americana:

Semelhantes como somos a muitos respeitos, nisto nos parecemos ainda mais:
estamos todas empenhadas em novos moldes livres das formas tradicionais e das
limitações do velho mundo, na solução do mesmo problema de governo do povo
pelo povo. (...) Em parte alguma do mundo foi este progresso mais acentuado que
na América Latina.32

A partir dessa perspectiva, a opção pan-americana era considerada apenas como


dando continuidade às relações com os Estados Unidos, e com a América, que teria sido
constituída já no Império. Ainda na noite do banquete, em seu pronunciamento, Nabuco se
refere à relação com os Estados Unidos reivindicando-a como uma tradição de inícios do
Império e sempre baseada no corolário de Monroe (de 1823):

Essa aproximação dos Estados Unidos não é uma novidade, é uma política que se
prende às mais antigas tradições do país; pois o império nascente, logo depois de
ser lançada a mensagem do presidente Monroe produz aos Estados Unidos uma
aliança ofensiva e defensiva, sob a base daquela doutrina. 33

É possível perceber que posicionamentos como o de Rio Branco e Joaquim Nabuco


buscaram reescrever a narrativa das relações entre Brasil e Estados Unidos difundindo a
imagem de uma suposta continuidade de relações estreitas entre os dois países desde a
fundação do Império. A partir dessa busca, propunham dirimir a identificação do
americanismo com a República, e como contraposição ao Império, de forma a valorizar a
diplomacia imperial, projetando-a sobre o novo regime. Resultado de uma visão das

31
NABUCO, Joaquim. Joaquim Nabuco – O banquete no casino. In: Gazeta de Notícias (jornal). Rio de
Janeiro: nº201, 20/07/1906, p.2.
32
ROOT, Elihu. [Trad. Olavo Bilac]. In: Gazeta de Notícias (jornal). Rio de Janeiro: n.213, 01/08/1906, p.2.
33
NABUCO, Joaquim. Joaquim Nabuco – O banquete no casino. In: Gazeta de Notícias (jornal). Rio de
Janeiro: nº201, 20/07/1906, p.2.

97
relações internacionais a partir da qual, políticos como Rio Branco entendiam que naquele
momento um alinhamento com os Estados Unidos era necessário, mas sem deixar de frisar
seu afastamento das polêmicas americanistas e qualquer vinculação de sua postura com
algum ideal republicano ou antimonarquista. Segundo Villafañe Santos:

O debate sobre a amizade com os Estados Unidos e a adesão ao monroísmo


confundia-se com a clivagem entre republicanos e monarquistas. O gesto de
Paranhos no sentido de priorizar, de forma bombástica, as relações com os
Estados Unidos, mais do que apenas representar sua adaptação ao americanismo
republicano, contra o qual seria difícil lutar, respondia a necessidade concretas,
com base em uma leitura pragmática do contexto internacional dos primeiros
anos do século XX.34

Rio Branco, em razão das críticas recebidas na ocasião em que elevou a


representação brasileira em Washington à embaixada, publicou um extenso artigo, bem ao
seu estilo erudito, repleto de referências à documentação histórica, a fim de justificar a
pretensa naturalidade do desenvolvimento dessas relações, calcada na longa amizade com
os Estados Unidos que teria sido forjada desde primórdios do Império. Nas primeiras linhas
do artigo, o Barão elege seus interlocutores privilegiados, os antigos monarquistas e busca
desfazer as prevenções acerca da política americanista apelando para o argumento da
continuidade dessas relações:

As manifestações de recíproco apreço e amizade entre os Governos do Rio de


Janeiro e Washington tem sido nestes últimos anos censuradas, às vezes com
bastante injustiça e paixão, por alguns raros publicistas brasileiros que se supõem
genuínos intérpretes e propagadores do pensamento político dos estadistas do
Império.

E para comprovar sua tese, cita a fala do presidente republicano Rodrigues Alves:

Concorrendo para isso [relações cordiais entre Brasil e Estados Unidos], não
tenho feito mais do que seguir a política traçada desde 1822 pelos fundadores da
nossa Independência e invariavelmente observada por todos os governos que o
Brasil tem tido.35

34
SANTOS, Luís Cláudio Villafañe. O evangelho do Barão – Rio Branco e a identidade brasileira. São Paulo:
Ed. Unesp, 2012, p.101.
35
Quando publicou este texto, em 1905, o Barão utilizou o pseudônimo de J. Penn. O artigo foi republicado
(após a morte de Rio Branco, s/d) pela Revista Americana: “Reproduzimos este artigo do Barão do Rio
Branco que foi publicado pela primeira vez nos ‘A pedidos’ do Jornal do Commercio (...).” RIO BRANCO,

98
Outrora monarquistas convictos e ardorosos defensores da necessária ascendência
política e cultural europeia, Rio Branco e Nabuco foram importantes no estreitamento das
relações com os Estados Unidos e na defesa do pan-americanismo. A despeito das ações de
Rio Branco, a defesa de posicionamentos europeístas ou americanistas como definição da
política externa continuava a mobilizar politicamente os intelectuais. Exemplo disso foi
episódio envolvendo Oliveira Lima já em 1912, quando fez declarações de cunho
monarquista à imprensa, que foram muito mal recebidas e culminaram no adiantamento de
seu pedido de aposentadoria.36
Essa questão é relevante para se compreender a desconfiança sobre a fé republicana
ou sobre a inclinação monárquica, que não poupava nem figuras proeminentes do governo
republicano, como Joaquim Nabuco e Rio Branco. Na cobertura da Gazeta de Notícias
sobre as homenagens a Nabuco, em julho de 1906, o tema é retomado seguidas vezes na
mesma semana. Primeiramente, por um colunista do jornal em sua primeira página, a
respeito da recepção popular a chegada de Nabuco. Não há, contudo, a pretensão de
defender algum fervor republicano de Nabuco, mas em suavizar suas possíveis cores
políticas em favor do valor de sua missão patriótica:

A manifestação a Nabuco foi levada a efeito como prova do reconhecimento dos


serviços que ele tem prestado, mais à pátria do que à República. Não indagamos
se Nabuco, como Rio Branco e como raros filiados ao antigo regime, tem como
melhor forma a que desde [18]89 predomina e rege o Brasil. (...) O que
escusamos de investigar são os serviços prestados pelos dois eminentes cidadãos.
O que, porém, ninguém pode negar é a natureza dos serviços prestados. Não são
serviços republicanos nem serviços monarquistas, são serviços patrióticos. (...) E
quem reconhece esses serviços, não são nem os republicanos de todos os matizes
nem os monarquistas - é o povo, é a nação.37

Barão do. O Brasil, os Estados Unidos e o Monroísmo. In: SENADO FEDERAL. Revista Americana: uma
iniciativa pioneira de cooperação intelectual, 1909-1919. Ed. Fac-similar. Brasília: Senado Federal, 2001,
p.119 e 120 [grifos no original].
36
Em 1912, já após a morte do Barão, Oliveira Lima retorna da missão em Bruxelas ao Brasil visando atender
suas aspirações diplomáticas de conseguir um posto em Londres, intento anteriormente dificultado pela
inimizade de Lima com Rio Branco. Entretanto, em uma entrevista para um jornal na qual supostamente fazia
uma profissão de fé monarquista, ainda que fosse ocupante de um cargo diplomático no governo republicano,
foi explorada pela imprensa e por seus opositores, frustrando seus interesses e culminando em sua
aposentadoria naquele mesmo ano. Cf. MALATIAN, op. cit..
37
Não assinado. In: Gazeta de Notícias (jornal). Rio de Janeiro: nº200, 19/07/1906, p.1 [grifo meu].

99
Em discurso durante o banquete oferecido em sua homenagem, o próprio Joaquim
Nabuco, desejando que a República “desminta todas as [suas] previsões do passado.”,
justifica sua trajetória monarquista. Provavelmente em resposta às prevenções de que era
alvo, Nabuco recorda que não se separou de repente do partido monarquista, mas que
demorara dez anos para fazê-lo, ou seja, não era um adesista republicano, e que desde então
“nenhuma aliança mais tive com a direção do partido monarquista.”. Explica também que
sua persistência no monarquismo após a proclamação da república se devia ao trabalho
árduo anteriormente dedicado a causa abolicionista e para aprovação do 13 de maio, que
havia fortalecido suas convicções políticas naquele momento, “sentimentos que muitos não
podem compreender, por que nunca o tiveram.” 38
Olavo Bilac, que também discursou naquela noite, reagiu à fala de Nabuco
destacando, mais uma vez, seu serviço patriótico acima e a prova de quaisquer convicções
políticas:

A suma do discurso de Nabuco foi de uma rara nobreza. Não houve uma calúnia
que não fosse rebatida, não houve um intuito que não fosse explicado. E as
explicações eram inúteis. Nabuco continuou e continuará a prestar os seus
serviços à Pátria, porque a Pátria não deve, não quer e não pode dispensar esses
serviços. Roam-se de invejas os inúteis, e trabalhem os úteis! Os republicanos
históricos (existe ou existiu realmente tal raça?) devem aplicar ao nosso ilustre
embaixador nos Estados Unidos, com justiça e propriedade, aquele verso célebre:
“Rien ne manque à sa gloire: il manquait à la notre.” [frase do poeta francês
Bernard-Joseph Saurin]39

A suscetibilidade do tema, perceptível na persistência com que aparece nessas falas,


parece desmentir Bilac e não dispensar explicações. A contraposição entre monarquismo e
republicanismo não encerra os debates sobre relações internacionais e sobre projetos
políticos neste período, mas é essencial para a compreensão dos debates analisados a
seguir.
Ainda que a política externa brasileira na Primeira República tenha se notabilizado
pela vertente pan-americanista e alinhada aos Estados Unidos, sobretudo após 1902,
marcada pela atuação de diplomatas como Joaquim Nabuco e Rio Branco, essa postura

38
NABUCO, Joaquim. In: Gazeta de Notícias. Rio de Janeiro: nº201, 20/07/1906, p.2.
39
BILAC, Olavo [assinado O.B]. In: Gazeta de Notícias (jornal). Rio de Janeiro: nº201, 20/07/1906, p.2.

100
implicou em novas percepções a respeito dos vizinhos hispânicos. Nesses diálogos se
inscreve a publicação de Manoel Bomfim em 1905 e seu debate com Sílvio Romero.

Imigração: importação de braços ou de problemas


Entre 1890 e 1929 entraram ao todo no Brasil 3.533.591 imigrantes, sendo que na
primeira década do período vieram 1.205.703.40 Além do número expressivo de pessoas e
das diferentes nacionalidades que entraram no país, a forte onda migratória para o
continente, Estados Unidos, Argentina e Brasil em particular, trouxe a questão da migração
para o centro das reflexões intelectuais sobre a nacionalidade. Conforme Márcia Naxara,
esta questão tem grandes implicações para a intelectualidade brasileira no período, em
especial em seus questionamentos sobre o futuro do país e da identidade nacional, que
ainda estaria em formação. De acordo com a autora:

(...) essas análises [de Euclides da Cunha, Sílvio Romero e Manoel Bomfim]
procuraram ver o particular – Brasil/América – no quadro amplo da história
universal, num momento em que era grande a movimentação humana decorrente
das correntes migratórias, bem como preocupantes as manifestações do
imperialismo dos povos “adiantados”, que haviam alcançado o “progresso”, sobre
os povos “atrasados”, quaisquer que fossem as causas do seu atraso. No caso
brasileiro, o pensamento preocupado com a identidade nacional, (...), pensou e
procurou essa identidade, sempre, em contraposição ao estrangeiro e à ameaça
que representava a entrada de grandes quantidades de povos considerados
superiores (racial ou culturalmente) para um povo ainda em formação, imaturo,
como era representado, na época, o brasileiro.41

A respeito da imigração, Manoel Bomfim tem um posicionamento bastante


polêmico e oposto ao de Sílvio Romero. No período, a vinda de imigrantes para o país (da
boa imigração) é requerida por intelectuais de diversos posicionamentos políticos para
suprir a carência de mão-de-obra, para ocupação de áreas do país e defesa de fronteiras e
ainda, como em Romero, para a miscigenação e branqueamento da população do país. O
posicionamento de Romero, favorável à imigração, via nos Estados Unidos um grande
modelo de seus benefícios, considerado um dos fatores mais relevantes no progresso norte-

40
PINHEIRO, op. cit., p.110.
41
NAXARA, Márcia Regina C. Estrangeiro em sua própria terra: representações do brasileiro, 1870/1920.
São Paulo: Annablume, 2002 [1ªed. 1998], p.19.

101
americano. Portanto, para o autor, o exemplo estadunidense devia ser emulado, não apenas
com a preferência pelo imigrante europeu (branco), mas com a “assimilação total” do
elemento estrangeiro através da integração cultural compulsória possibilitada pela difusão
do idioma nacional.
Bomfim rebate a argumentação corrente de que o progresso dos Estados Unidos se
deu pelo grande número de imigrantes recebidos e introduz sua principal tese para explicar
“o maravilhoso progresso da grande república”, a saber, o desenvolvimento do trabalho
inteligente possibilitado pela generalização da instrução e, apenas posteriormente, a
inserção de imigrantes.
Para o autor, a imigração, além de não contribuir para as nações atrasadas, teria
efeito contrário, por representar uma intromissão violenta e excessiva de povos refratários à
assimilação ou ainda, incompatíveis com as gentes naturais. Situação que se agravaria, pois
geraria ódio e desconfiança dos brasileiros, devido ao tratamento injusto dado pela Europa
a América do Sul. Sua crítica se estende também as classes dirigentes e aos governantes
que, ao estimular a importação de braços, “A expressão é técnica e preciosa”, reconhecia
as condições de inferioridade que se atribuía ao país e desvalorizava o trabalhador nacional
e as próprias classes dominantes, que seria responsável por educar esse povo:

Não se lembram de que, ao condenar o trabalhador nacional – o elemento povo –


como incapaz e inaproveitável, eles se condenam a si mesmos, porque, em suma,
o povo não se dirige por si, não se fez por si, não tem sido o senhor dos seus
destinos; tem sido dirigido, governado e educado pelas classes dominantes; eles é
o que fizeram, e, se não presta, a culpa é de quem não o soube educar. 42

Na perspectiva de Bomfim, os problemas ocasionados pela imigração, em especial a


não assimilação dos colonos, não se resolveria com os constantes decretos de
nacionalização aos quais eles eram submetidos.43 Estas seriam falsas soluções que apenas
encobriam a causa fundamental do atraso nacional, o problema da educação. A acidez de
sua crítica às políticas de imigração considerava o próprio ponto de vista do emigrante que,
segundo o autor, não saía de sua terra para fazer pátrias, mas para buscar uma vida melhor:

42
BOMFIM, 2005, p.199.
43
Em 1925, José Tavares Bastos reúne em livro a vasta legislação sobre naturalização no país, empreendida já
em 1890, e traz como apêndice o modelo de Formulário de naturalização para os estrangeiros interessados.
Cf. BASTOS, José Tavares. Naturalização. Coimbra-PT: Coimbra Editora, 1925.

102
“Quem emigra, emigra para melhorar de sorte, e não para organizar nações e fazer pátrias;
e quando o faça, há de fazê-lo para si, e não para quem se confessa por si mesmo
incompetente.”44
A diferença de argumentos entre os autores pode ser compreendida a partir do
caráter racial das políticas migratórias. Bomfim, coerente com sua postura não racialista,
não vê grandes benefícios na imigração, enquanto Romero percebe nela o principal meio de
melhoramento do caráter do brasileiro. No período, a questão da imigração possuía forte
teor racial. A promoção de padrões desejáveis de fluxos imigratórios através de políticas
públicas foi intensa nos inícios do período republicano. Já em 1890, o Decreto nº 528, de 28
de junho, restringia a entrada de não-brancos no país. 45
Para o migrante desejável os estímulos foram crescentes. Um mês após a
Proclamação da República, o Governo Provisório, atendendo aos interesses que tinha na
imigração e na permanência de europeus, decreta sejam considerados cidadãos brasileiros
todos os estrangeiros aqui residentes a 15 de novembro e aqueles que tiveram residência no
país por dois anos. A questão persistia em 1905, quando foi apresentado, por Carneiro de
Rezende, uma lei que desejava dar cumprimento aos decretos de naturalização anteriores. 46
No mesmo período são anunciados investimentos em políticas migratórias, como as
empreendidas pelo estado de São Paulo e comemoradas pela Gazeta de Notícias, que
tributa o desenvolvimento do estado a esses financiamentos:

Todos sabem como esses serviços são feitos e quanta atenção tem merecido dos
diversos governos estaduais. S. Paulo segue uma linha de há muito traçada para o
povoamento do seu fertilíssimo solo, linha da qual não tem se afastado um único
momento o que lhe tem valido uma prosperidade sempre crescente e
ininterrupta.47

44
BOMFIM, 2005, p.197.
45
“Art. 1º É inteiramente livre a entrada, nos portos da República, dos indivíduos válidos e aptos para o
trabalho, que não se acharem sujeitos á ação criminal do seu país, excetuados os indígenas da Ásia, ou da
África que somente mediante autorização do Congresso Nacional poderão ser admitidos de acordo com as
condições que forem então estipuladas.”
46
A lei é publicada pela Gazeta de Notícias em 19 de julho de 1905: “Art. 1 Para a excussão do §4º da lei
n.904 de 12 de novembro de 1902, o governo providenciará no sentido de serem recolhidos à secretaria da
justiça e negócios interiores - os livros de declaração instituídos pelos decretos n.58A a 14 de dezembro de
1889 e n.396, de 15 de maio de 1890.” In: Não assinado. Naturalização de Estrangeiros. In: Gazeta de
Notícias (jornal). Rio de Janeiro: nº200, 19/07/1905, p.1.
47
Não assinado. Gazeta de Notícias (jornal). Rio de Janeiro: nº295, 22/10/1905, p.1.

103
Além disso, a imprensa combatia a propaganda contra a imigração para o Brasil:
É da Grécia que se levanta agora a campanha contra a emigração para o Brasil.
(...) Já havia meses que não tínhamos o trabalho de rebater insinuações malévolas
ou embustes pérfidos, quando agora dizem-nos de Paris, em telegrama de hoje,
que a imprensa de Bruxelas assinala a campanha dos jornais da Grécia e os atos
do governo de Atenas no sentido de impedir que a população grega emigre para o
Brasil.48

A imigração também é um tema essencial para a discussão do ameaçador


imperialismo europeu, notadamente do germanismo, muito divulgado como “perigo
alemão”. Entretanto, faz-se necessário tratar a questão do imperialismo diretamente em
relação com a Doutrina Monroe que traz indícios da delicada posição pan-americana para o
Brasil, oscilante entre a adesão (e admiração) e o temor da política intervencionista norte-
americana. E pautou decisivamente a política externa brasileira e suas percepções
identitárias.

A Águia, o Chanceler e a Pantera


Eu acredito estar chocando para você e o Presidente um ovo de
águia, mas tenho medo de que levado aí ele saia gorado por
falta de calor monroísta do governo e no país.
Joaquim Nabuco para Rio Branco, 1905

A Doutrina Monroe e o relacionamento brasileiro e latino-americano com os


Estados Unidos são algumas das questões mais recorrentes e significativas de ambos os
livros. Como se pode perceber em Manoel Bomfim, a característica fundamental para a
conformação da noção de América Latina é a distinção racial e histórica das nações latinas
ao sul do Rio Bravo com a Grande República anglo-saxônica ao norte. O tema, então na
ordem do dia, é comentado pelos autores a partir de suas polêmicas mais recentes.
Especialmente por Manoel Bomfim, crítico ferrenho do imperialismo49, problemas como o

48
Não assinado. Gazeta de Notícias (jornal). Rio de Janeiro: nº149, 29/05/1905, p.1.
49
Esse conceito é bastante usado por Bomfim. Waldo Ansaldi resume o contexto de utilização e surgimento
da ideia de imperialismo: “La expression imperialismo surgió en el Reino Unido hacia 1870 para designar
originariamente a la política exterior del país impulsada por el primer ministro conservador Benjamin
Disraeli. Su uso se generalizó en los medios políticos y periodísticos a partir de 1890, cuando surgieron los
debates sobre la conquista colonial. Casi de imediato, el neologismo se convirtió en un concepto hecho suyo
por teorias de signos bien diferentes. Si bien la primera de ellas (1902), la de John A. Hobson, fue liberal, las
más difundidas fueran las socialistas – movimiento en el cual se debatió la cuestión en los 10 años que van del

104
domínio norte-americano sobre o istmo do Panamá servem para a compreensão dos males,
inclusive morais, do imperialismo estadunidense e da ameaça que também representaria
para as outras nações latino-americanas. De acordo com Manoel Bomfim:

Os sucessos do istmo do Panamá [novembro de 1903] nos mostram bem que não
são diferentes dos da Europa os sentimentos dos Estados Unidos a nosso respeito.
A ameaça é a mesma, pois que é a mesma política – a política dos fortes, ou
melhor: a moralidade do salteador que apunhala o ferido na estrada deserta para
despojá-lo.50

Bomfim, sem amenizar as críticas ao poderio norte-americano, destaca a sua


importância na contenção do apetite imperialista europeu que, na visão do autor, já teria
investido contra a América do Sul se não fosse pela Doutrina Monroe. O autor não esconde
a grande admiração que sente pelos Estados Unidos e seu progresso, “nação cujo
desenvolvimento e progresso todos os povos americanos veem com prazer e orgulho” 51.
Mas, de modo ambíguo, compreende a manutenção da Doutrina Monroe pelos Estados
Unidos como mais um efeito perverso da política imperialista europeia, que deixaria o
continente em uma situação de constante ameaça à soberania e, portanto, o caráter
humilhante da necessidade deste expediente, visto que nada garantiria a preservação do
interesse norte-americano em “proteger” a América Latina:

Por ora, preserva-nos a teoria de Monroe por detrás do poder e da riqueza dos
Estados Unidos; e é este um dos graves inconvenientes da atitude malévola e
agressiva da Europa. (...) nada nos garante que a grande Republica queira manter,
para sempre, esse papel de salvaguarda e defesa das nações sul-americanas.52

O entendimento de Sílvio Romero também converge para a importância e


necessidade da Doutrina Monroe na preservação da soberania nacional frente às ameaças de
invasões europeias. Entretanto, entusiasmado, Romero defende que a proteção norte-

Congreso de Stuttgart de la Segunda Internacional (1907) a Revolución Rusa –, tanto en la versión


socialdemócrata, especialmente en la formulación de Rudolf Hilferding (1910), como en la socialista
revolucionaria, donde descollaron Rosa Luxemburg (1913), Nicolai Bujarin (1915) y Vladimir Lenin (1917),
apareció la también liberal de Joseph Schumpeter.” In: ANSALDI, Waldo. El imperialismo en América
Latina. In: MORA, Enrique Ayala (org.). Historia General de América Latina. Madrid/Paris: Trotta,
UNESCO, 2008, p.332.
50
BOMFIM, 2006, p.314.
51
BOMFIM, 2006, p.50.
52
Idem, p.48.

105
americana ao país precisa ser reconhecida e estimada, especialmente acerca dos perigos do
germanismo, tema constante nos escritos do autor. Contrário aos que “proclamam que o
monroísmo equivale a uma tutela humilhante, e outras sofisticarias do gênero.”53, o autor
entende que apenas o receio de se indispor com os Estados Unidos estaria impedindo a
conquista e anexação pela Alemanha da parte sul do Brasil:

Só uma coisa nos salvou então, está salvando ainda agora e salvará no futuro, até
certo tempo: a DOUTRINA DE MONROE, o receio de uma complicação com os
Estados Unidos. Por isto, custa-se contar a indignação quando se a vê a
inconsciente ingratidão do mestiço ibero-americano chasquear levianamente da
doutrina de Monroe, a que devemos ter escapado da conquista alemã em terras do
sul.54

Para comprovar sua tese sobre o perigo do domínio alemão nos estados do sul do
Brasil, Romero cita vários artigos recentes da imprensa nacional e estrangeira 55. A
gravidade do problema do Deutschtum – os interesses e a fortuna dos alemães –, no Brasil,
com a difusão do idioma alemão e, segundo o autor, a total negação dos colonos alemães
em aprender o português e se deixar assimilar pelos brasileiros, precisava ser combatida
urgentemente. Nesse sentido, uma de suas críticas mais duras a Bomfim está na ausência de
qualquer comentário sobre esse problema em um livro que se propunha discutir os
problemas do futuro da nação:

Por todos esses documentos, por todas estas citações, creio que se terá
compreendido a gravidade do caso teuto-brasileiro. É vital para o Brasil ibero-
latino, e admira que o Sr. Dr. Manoel Bomfim, num livro em que discute o futuro
das gentes latino-americanas e inúmeras teses de omni re scibili, não tivesse
encontrado duas palavras para lhe consagrar.56

53
ROMERO, 1906, p.319 [grifo do autor].
54
Idem, p.280 [grifo e caixa alta do autor].
55
El Tiempo, de Buenos Aires, de 12 de janeiro de 1906; Jornal do Commercio, 11 e 13 de janeiro de 1906;
Gazeta de Notícias, de 18 de setembro de 1886; Jornal do Commercio, de 5 de agosto de 1904 (do Européen);
Jornal do Commercio, de 18 de fevereiro de 1905 (originalmente publicado no Européen); Jornal do
Commercio, 6 de janeiro de 1905; Jornal do Commercio, 14 de julho de 1904 e outro de 1886, para
demonstrar como a questão era antiga. Jornal do Commercio, 29 de janeiro de 1906. “Notícias como esta
andam nas folhas do tempo esparsas às dúzias.” Idem, p.286.
56
Idem, p.293. A expressão latina omni re scibili, divisa de Pico della Mirandola, significa “de todas as coisas
que é possível saber”. Um crítico, possivelmente para ridicularizá-lo, acrescentou et quibusdam alliis (e até de
algumas outras). Expressão provavelmente usada por Romero também de forma irônica. C.f. Dicionário da
Língua Portuguesa sem Acordo Ortográfico. Porto: Porto Editora, 2003-2014. Acesso: 24/11/ 2014.
http://www.infopedia.pt/dicionarios/lingua-portuguesa-aao/de

106
Importante ponderar que a crítica de Sílvio Romero não era direcionada à raça
germânica, pela qual possuía grande admiração. Esse seria para Romero o tipo ideal de
imigrante (branco, dotado de espírito prático e ímpeto pelo trabalho), para que “esse modo
de pensar e agir pudesse servir de REAGENTE, de TÔNICO para o caráter nacional.”57.
Mas isso desde que, e nisso se concentrava sua militância, totalmente assimilado pela
cultura nacional através da difusão da língua portuguesa. Entretanto, sua ardorosa defesa da
difusão cultural da ascendência lusitana, o colocava em uma posição delicada e muito
criticada na época, como pondera o autor:

Falo como patriota, não tendo interesses imediatos na questão senão o amor
entranhado que tenho a este desventurado Brasil. Inventaram agora de fresco que
ando eivado de violento lusitanismo... Assim loucamente apelidam o ardente
desejo que mostro de que esta pobre pátria brasileira assimile os elementos, todos
os elementos estranhos que nela se tem vindo implantar, para não perder a sua
feição histórica de povo – luso-americano, para não perder em parte alguma o uso
da bela e majestosa língua de Camões.58

Justamente a acusação de lusitanismo, da qual Romero se defende por antecipação,


é usada por Bomfim em sua carta resposta. O lusitanismo agudo de Romero era, para
Manoel Bomfim, mais uma razão para não respondê-lo.59 Em sua tréplica, Romero não
perde a oportunidade de voltar à questão e novamente se justificar, afastando a pecha que
parecia tanto o incomodar: “Meu novo e ferrenho lusitanismo. Assim chama ele o desejar
eu que as colônias alemãs do sul do Brasil sejam assimiladas às nossas populações pelo uso
da língua portuguesa! Vai sem comentários.”60 Interessante observar como a insinuação de
lusitanismo serve para desqualificar o oponente e seus argumentos. Em outra passagem, ao
debochar sobre a inveja de que Bomfim se diz vítima, Romero retribui, em forma de
gracejo, a provocação ao lusitanismo através da figura de Dom Sebastião: “O nosso ilustre
dr. Manoel — o Invejado, espécie de d. Sebastião — o Encoberto (...).”61.

57
Idem, p. 324 [grifo e caixa alta do autor]. ‘
58
Idem, p.347 [grifo do autor].
59
BOMFIM, Manoel. Uma carta: a propósito da crítica do Sr. Sílvio Romero ao livro A América Latina. In:
Os Annaes – Semanário de Literatura, arte, ciência e indústria (revista). Rio de Janeiro: ano III, nº74, 1906,
p.10.
60
ROMERO, Sílvio. Uma suposta teoria nova da história latino-americana. In: Os Annaes – Semanário de
Literatura, arte, ciência e indústria (revista). Rio de Janeiro: nº77, 1906, p.5.
61
ROMERO, Sílvio. Uma suposta teoria nova da história latino-americana. In: Os Annaes – Semanário de
Literatura, arte, ciência e indústria (revista). Rio de Janeiro: nº77, 1906, p.4 [grifo do autor].

107
Contrariamente ao que alega Romero, Bomfim consagra duas palavras a questão
da não assimilação de populações estrangeiras, sem o mesmo afinco de Romero, que tinha
escritos programáticos para a contenção do germanismo, mas com uma posição bastante
semelhante, de forte cunho nacionalista62:

No Brasil, a indiferença dos políticos por essa questão é tal que se permite às
colônias, ou zonas onde o elemento estrangeiro de uma certa nacionalidade é
grande, o terem somente escolas suas, estrangeiras, escolas que, às vezes, são até
subvencionadas pelos dinheiros públicos brasileiros. Assim, sucede que as
gerações, já nascidas no Brasil, se passam sem misturar-se com os naturais, sem
perder coisa alguma do seu estrangeirismo. O rei da Itália e o kaiser germânico
têm tão bons súditos nascidos no Brasil como os de lá, ou talvez mais fieis – que
a saudade da pátria nunca vista, suas glórias confrontadas à mesquinhez do país
onde vivem, a ausência de queixas, pois que lá não estão, tudo isto mais os
afervora no amor da nacionalidade recebida por herança. 63

Mesma crítica sintetizada por Olavo Bilac em A Notícia, também em 1906. Para
ambos, militantes pela difusão da instrução primária, apenas a popularização da escola
poderia preservar o país de qualquer perigo estrangeiro. Aqui nota-se uma pequena, mas
fundamental, diferença com relação ao que defende Romero. Este preconiza a assimilação
do estrangeiro pelo uso obrigatório da língua portuguesa e a proibição do uso público de
outros idiomas, enquanto Bomfim e Bilac entendem que a própria democratização da
educação primária já preservaria a nacionalidade das interferências estrangeiras: 64

O perigo alemão, o perigo italiano, o perigo inglês e todos os perigos que sobre
nós pairam, consiste unicamente nisto: os idiomas estrangeiros progridem,
difundem-se, espalham-se no Brasil, e o nosso idioma perde-se, míngua,
enfraquece-se, desaparece de dia em dia. A desnacionalização, de que estamos
ameaçados, não se fará pela conquista militar, nem pela conquista comercial: far-
se-á, porém, se não tivermos patriotismo e energia, pela falta de instrução. Quem
desconhece ou esquece o idioma natal perde a pátria. A pátria não é o solo, nem a

62
Entre suas propostas sintetizadas em O alemanismo no sul do Brasil (1906), há a proibição de compras de
terrenos por associações alemãs, a ocupação obrigatória por brasileiros em áreas com concentração de
colônias, a proibição do uso do alemão em atos públicos, entre outras. ROMERO, Sílvio. O alemanismo no
sul do Brasil: seus perigos e meios de os conjurar. Rio de Janeiro: Typ. Heitor Ribeiro & C, 1906. Sobre o
“perigo alemão”: Cf. GERTZ, René. O perigo alemão. Porto Alegre: Ed. UFRGS, 1991.
63
BOMFIM, 2005, p.198.
64
Romero é resolutamente contra aquilo que chama de “panaceia da instrução” que não resolveria os
problemas de índole apática e contemplativa do povo brasileiro. De acordo com o autor: “Não resta sombra
de dúvida: a INSTRUÇÃO é o remédio proposto por Manoel Bomfim aos males latino-americanos, respectivé
[sic] – aos males brasileiros. Inscrevo-me resolutamente contra essa tese. A instrução, com ser uma bela coisa
e uma arma muito útil, é ineficaz de preparar um largo e brilhante futuro ao Brasil.” ROMERO, 1906, p.254
[grifo e caixa alta do autor].

108
propriedade, nem a posição social: é a tradição, é a índole, é o passado, é o gênio
da raça, – e tudo isto reside no idioma nacional. 65

Nota-se que era um problema fundamental no período, um tema de destaque na


imprensa com posicionamentos diversos. No diário Gazeta de Notícias é desacreditado
como risco ao Brasil. Para os colunistas do jornal, especialmente nas colunas de opinião
assinadas por Joaquim Vianna, o perigo alemão era imputado apenas à propaganda da
França, como “lastimações francesas ante a expansão do comércio alemão” e não como
risco real ao Brasil.66 Na Gazeta, o tema é tratado frequentemente com ironia. Um dos
artigos de Vianna tem como título, em letras grandes na primeira página: O perigo alemão
e, logo abaixo em tipos bem menores, o subtítulo “na Europa, especialmente na França”. 67
Em tom provocador, um editor da Gazeta, ao apresentar aos leitores o projeto da nova sede
do jornal, ressalta que a “armação de ferro já está encomendada na Alemanha”, e completa:
“Ninguém veja na procedência de tais ferros uma manifestação contra os muitos adeptos do
‘perigo alemão’; fiquem tranquilos Sílvio Romero e Medeiros e Albuquerque, porque não
se trata senão de uma conveniência industrial.”68
Entretanto, o caso da canhoneira alemã Panther ocupou as páginas da Gazeta por
69
meses. Um militar tripulante da Panther, aportada em Itajaí, considerado desertor, foi
perseguido na cidade por oficiais alemães na madrugada de 27 de novembro de 1905. Os

65
BILAC, Olavo. A escola contra a desnacionalização. A Notícia (jornal), 11/06/1906. In: Cf. BILAC, Olavo.
Registro: crônicas da Belle Époque carioca. SIMÕES Jr., Alvaro Santos (org.). Campinas-SP: Editora da
UNICAMP, 2011, p.410. São vários os artigos de Bilac defendendo a difusão da instrução, como se pode
conferir na obra indicada.
66
Joaquim Vianna posteriormente foi editor da Revista Americana, mas dele “pouco se conhece. Era
originário de Pernambuco e militou na imprensa. No arquivo do Barão do Rio Branco há carta em que pleiteia
designação para um posto diplomático, pretensão a que o Ministro não atendeu.” In: FRANCO, Alvaro da
Costa. Apresentação. In: SENADO FEDERAL. Revista Americana: uma iniciativa pioneira de cooperação
intelectual, 1909-1919. Ed. Fac-similar. Brasília: Senado Federal, 2001, p.12. Foi ainda colaborador do
Almanaque Garnier. In: DANTAS, Carolina Vianna. Brasil “café com leite”: história, folclore, mestiçagem e
identidade nacional em periódicos (Rio de Janeiro, 1903-1914). Tese (Doutorado em História). Departamento
de História - UFF. Niterói: 2007.
67
“O Sr. senador Jules Méline, tão preocupado ultimamente com 'a volta aos campos e a superprodução
industrial', tendo verificado a gravidade do 'perigo alemão' para a agricultura e indústrias francesas, entendeu
dever estender esse famoso 'perigo' a todos os continentes e a todos os países do mundo.” In: Gazeta de
Notícias (jornal). Rio de Janeiro: nº104, 16/04/1906, p.1.
68
Gazeta de Notícias. Rio de Janeiro: nº113, 23/04/1906, p.1.
69
Documentos enviados pela Alemanha para esclarecer o ocorrido. In: Gazeta de Notícias (jornal). Rio de
Janeiro: nº139, 19/05/1906, p.1-2.

109
militares alemães interrogaram brasileiros e invadiram um hotel em busca do desertor,
ocorrido considerado gravíssimo, como um atentado à soberania brasileira. A troca de
correspondências entre as duas diplomacias, e a justificativa alemã enviada ao ministro Rio
Branco, em 06 de junho de 1906, foi acompanhada com atenção. No decorrer da resolução
da crise não faltaram críticas à atuação alemã, como podemos notar na seguinte charge, que
se destaca pelo tamanho que ocupa na capa da edição do primeiro domingo daquele ano, na
qual a Pantera (referência ao nome do cruzador Panther) ou a fera, é confrontada pelo
Chancelar Rio Branco.70

A Pantera – Eu ouvi dizer no louro Reno que esta terra era unicamente povoada por feras...
O Chanceler – É quase isso com uma diferença: as nossas feras não invadem hotéis, nem mesmo na hora do “avança”. 71

70
“O Ministério das Relações Exteriores recebeu da Legação Imperial da Alemanha os dois documentos
adiante publicados, sob os nº 1 e 2, ambos referentes ao incidente de Itajaí; em novembro último. O primeiro
é uma carta de informações, escrita em Mendoza por Frederico Nussbaumer, em 14 de Abril último; o
segundo, o termo de declarações feitas em Buenos Aires por Fritz Steinhauf, no dia 7 do corrente mês de
maio. Sob o nº3 é publicada a carta verbal que o Ministro das Relações Exteriores dirigiu ao Ministro da
Alemanha, agradecendo a comunicação desses dois documentos.” In: DOU – Diário Oficial da União,
19/05/1906, p.1-2.
71
Niebelungen (ou Nibelungensage) faz referência aos povos germânicos antigos. Gazeta de Notícias (jornal).
Rio de Janeiro: n.7, 07/01/1906, p.1.

110
Bastante descontente com a situação e ciente de que o agravo não poderia ficar sem
resposta, Rio Branco, em telegrama para o embaixador nos Estados Unidos, Joaquim
Nabuco, tenta resolver o impasse apelando para os ânimos monroístas da imprensa norte-
americana:
Trate de provocar artigos enérgicos monroístas contra esse insulto. Vou reclamar
[a] entrega [do] preso [e] condenação formal do ato. Se inatendidos [sic]
empregaremos força [para] libertar [o] preso ou meteremos a pique Panther.
Depois aconteça o que acontecer.72
Seguindo as orientações do Barão, Nabuco incitou a imprensa norte-americana e a
pressão monroísta foi estampada pelo The Chicago Tribune, em sua primeira página, na
seguinte charge:

Brasil desafiando uma nuvem escura.73

72
RIO BRANCO, Barão do. Telegrama 09/12/1905. (ofício n.42, 16, dez., 1905 AHI 234/01/13). In:
NABUCO, Joaquim. Joaquim Nabuco, Embaixador. Vol I. 1905-1907. Rio de Janeiro/Brasília:
CHDD/FUNAG, 2011, p.70 [destaques no original].
73
The Chicago Tribune [1847-atual], Chicago-USA: 11 dez. 1905, charge, p.1; e artigo “President of Brazil
and German Gunboat That Arouses His Ire”. Acesso: 01/01/2015. Disponível em:

111
Em destaque no horizonte se nota a grande nuvem escura que se aproxima, com o
bigode característico do kaiser Guilherme II, imperador alemão na época, do qual um
militar brasileiro parece proteger o território do país com um pequeno canhão e um guarda-
chuva com a inscrição “Monroe Doctrine” e, como um detalhe, se vê o navio. Nabuco,
prestando contas de suas ações em Washington, enviou os recortes de jornais ao ministro,
bem como toda comunicação com o secretário de Estado dos Estados Unidos, Elihu Root,
sobre o encaminhamento da questão.74
Na capa d’O Paiz, em 26 de dezembro de 1905, há a transcrição do editorial do
periódico portenho El Diario que faz duras críticas a Roosevelt e a Doutrina Monroe. E,
como um desafio, apresenta o caso Panther como uma oportunidade “indispensável aquele
estadista [Roosevelt] produzir atos que ponham em prática sua doutrina”, ao qual credita
“apenas resultados puramente econômicos (...) de modo que o Brasil não poderá contar
senão com a própria ação, com a simpatia da América Latina e com a tácita solidariedade
que existe entre os interesses de todas as suas repúblicas.”75 O jornalista argentino, conclui
com a seguinte observação, que nos permite compreender a importância da questão com a
canhoneira e sua escolha como roteiro dessa reflexão:

Esperamos, entretanto, poder julgar ao mesmo tempo a atitude das duas grandes
potências: - a da Alemanha, cujos oficiais atentaram contra a soberania do Brasil,
e a dos Estados Unidos que, ontem mesmo, apresentava-se ao mundo como tutor
voluntário do Brasil hoje ofendido.76

http://archives.chicagotribune.com/1905/12/11/page/4/article/president-of-brazil-and-german-gunboat-that-
arouses-hi-ire
74
Nabuco relacionou em anexo artigos de sete jornais norte-americanos. The Chicago Tribune, The Evening
Star, The Washington Post, The Brooklin Eagle, The New York Herald, The Sun, Baltimore American. In:
Joaquim Nabuco, op. cit.. p.79. O fato de Nabuco ter procurado Elihu Root, ainda que informalmente, sobre o
caso da canhoneira, acabou conhecido e criticado pela imprensa brasileira, enfureceu Rio Branco, pois
denotava fragilidade da diplomacia brasileira, ao que ele imediatamente desmentiu que houvesse dado tal
orientação a Nabuco. Ao ser procurado por Nabuco, Root chamou o embaixador alemão nos Estados Unidos
para esclarecimentos, o que deu mais destaque a ação de Nabuco que, entretanto, questiona a reação de Rio
Branco: “Você telegrafou que desmentira aí que me tivesse encarregado ao Departamento de Estado [dos
Estados Unidos] e estou sem atinar com a razão desse desmentido. De certo não fui lá da sua parte, mas que
pode ter havido tão desagradável na falsa notícia para você a esmagar publicamente e dar-me aviso de que o
fizera?” NABUCO, Joaquim. Ao barão do Rio Branco - Ministro das Relações Exteriores [Washington, 19
dez. 1905]. In: NABUCO, Carolina (org.), Ibid., p.236-237.
75
Solidariedade Americana. In: O Paiz. Rio de Janeiro: nº7749, 26/12/1905, p.1.
76
O jornalista d’O Paiz transcreve além deste um artigo de outro periódico argentino, que possui o mesmo
tom crítico. Entretanto, escolhe como título para sua coluna “Solidariedade Americana” e tenta amenizar o

112
O objetivo não é julgar a atitude das duas potências, mas atentar para a
sensibilidade à ideia do avanço imperialista europeu e a relação delicada e cheia de
expectativas com os Estados Unidos, fundamental no entendimento da construção
identitária da América Latina. A discussão sobre as identidades latino-americanas nas obras
de Romero e Bomfim, assim como nos diálogos da intelectualidade pela imprensa,
aparecem de forma indireta e tangencial, pautando-se, notadamente, nos debates sobre a
nação que se quer construir. Problemática complexa que, no início do século XX, tem nesse
jogo de espelhos uma das conformações mais relevantes, mas que não se encerram nas
opções americanistas e europeístas.
Ao mesmo tempo em que se pode notar a densidade que da noção de América
Latina em uma contraposição a Europa e, especialmente, aos Estados Unidos, não se pode
deixar de perceber o quanto ele enriquece e problematiza essas questões. Se constituindo
como uma opção, tangencial (ou marginal) dentro da política externa oficial brasileira e dos
escritos dos intelectuais, mas bastante relevante, que participa das mesmas relações, como
observa Rubens Ricupero: “A República descobriu a América Latina ao mesmo tempo em
que descobria a América do Norte. Na época, era bastante usual falar de americanismo
abrangendo todo o hemisfério ocidental, base conceitual do pan-americanismo.”77
Os dois debates postos em paralelo, entre Bomfim e Romero e, apenas
pontualmente, Nabuco e Rio Branco, nos possibilitam analisar as múltiplas respostas dada
as questões identárias americanas no período, a fim de perceber as nuances, além da
clivagem dicotômica entre americanismo/republicanismo e europeísmo/monarquismo e
atentar para a construção conflituosa da noção de América Latina.
Nabuco e Rio Branco, dois monarquistas de berço, artífices de destaque da política
pan-americana da Primeira República deram conformações diferentes aos seus

teor anti-panamericano que, provavelmente, contrariaria o governo e justifica sua escolha: “Certo, não
endossamos todos dizeres nem perfilhamos todas as opiniões de El Diario; apenas visamos na transcrição
feita, patentear o nobre sentimento de solidariedade com que o colega platino se colocou ao nosso lado.” E
logo em seguida, sobre o outro artigo, de La Prensa, comenta: “Repetimos: transcrevendo os trechos acima,
de artigos da imprensa portenha, outro intuito não nos move senão o por em evidência que a solidariedade é
um fato entre os povos da raça latina na Sul América.” Solidariedade Americana. In: O Paiz. Rio de Janeiro:
nº7749, 26/12/1905, p.1.
77
RICUPERO, Rubens. A Política Externa da Primeira República (1889-1930). In: PIMENTEL, José Vicente
de Sá (org.). Pensamento Diplomático Brasileiro – Formuladores e Agentes da Política Externa (1750-1964).
Vol. II. Brasília: Fundação Alexeandre Gusmão – FUNAG, 2013, p.339.

113
americanismos. Aquele imerso no monroísmo defendido apaixonadamente e este, marcado
pela moderação e pragmatismo que distinguiu sua atuação política à frente da pasta que
comandou por dez anos, a partir de 1902 com Rodrigues Alves, e para a qual foi
reconduzido por outros três presidentes.78
Republicanos, ainda que profundamente críticos à condução política de então,
Bomfim e Romero também escapam a dicotomia. A América Latina de Bomfim,
compreendida através de seus males de origem, é identificada também como possibilidade
de se evitar a política imperialista que o autor tanto criticava e o impedia, apesar de toda
admiração pela Grande República do Norte, de apoiar o panamericanismo. Sílvio Romero,
ainda que acusado de lusitanismo, não abria mão da forte vinculação cultural (e racial)
europeia e tomava os Estados Unidos justamente como exemplo dos inegáveis benefícios
de sua tese europeísta e que o afastava de qualquer possibilidade de considerar uma
América Latina, nos termos do seu adversário.

A reflexão feita neste capítulo corresponde a mais alguns fios, retomando a


metáfora têxtil de John G. A. Pocock, da complexa urdidura histórica da noção de América
Latina para a intelectualidade brasileira no início do século XX. A trama desse tecido,
inapreensível em sua totalidade, pode ser percebida até em suas costuras mais delicadas
pela investigação das linguagens ou discursos sincronicamente existentes. Como se buscou
fazer neste capítulo de conclusão, através da leitura das obras de Manoel Bomfim e Sílvio
Romero sob uma perspectiva mais ampla, atentando para outros entendimentos possíveis da
questão e suas relações necessariamente dialógicas. Sem deixar de perceber o entretecer das
outras possibilidades discutidas no decorrer do trabalho.

78
Rio Branco foi ministro das Relações Exteriores de 1902 a 1912, nos governos de Rodrigues Alves, Afonso
Pena, Nilo Peçanha e Hermes da Fonseca.

114
Considerações finais – além da Tempestade

A Tempestade, tragicomédia de William Shakespeare do início do século XVII,


possui um drama próprio. Por muito tempo considerado somente um clássico romance
shakespeariano, uma comédia pastoral ou um drama de reconcialiação, apenas
recentemente sofreu importantes releituras pós-colonialistas que hoje a caracterizam. A
primeira intepretação que remete à questão colonial surge apenas ao final do século XIX,
com J.S. Phillpot, em 1873. Contemporaneamente, há consenso entre os estudiosos, com
diferentes ênfases, de que a peça do dramaturgo inglês tinha como um de seus temas
fundamentais a relação da Europa com o Novo Mundo, a imagem que se fazia desse outro,
encarnada no escravo Caliban e de si próprio, representada pelo velho e sábio aristocrata,
Próspero.1
Entretanto, apenas em meados do século XX a reinterpretação baseada na leitura
colonialista da peça passa a ser predominante, decisivamente delineada após a fundação da
CEPAL e dos desdobramentos políticos das noções de desenvolvimento e
2
subdesenvolvimento. É importante perceber ainda que essa nova conformação da alegoria
representada pela Tempestade não se refere mais à colonização inglesa do Novo Mundo,

1
Algumas narrativas não ficcionais que circularam na época, as quais provavelmente Shakespeare tivera
acesso, sustentam essa hipótese. Além da notória utilização do anagrama Caliban a partir do texto de
Montaigne, como foi explicado no primeiro capítulo. Cf. O’SHEA, José Roberto. Shakespeare além do
estético: A tempestade e o pós(-)colonial. In: Crop – Revista da Área de Estudos Linguísticos e Literários em
Inglês – USP. São Paulo: dez./96; RODRIGUES, Fernando. A Tempestade e a questão colonial. In: Viso –
Cadernos de Estética Aplicada. Rio de Janeiro: nº5, jul-dez/2008; BONNICI, Thomas. Introdução ao estudo
das literaturas pós-coloniais. Mimesis. Bauru-SP: v. 19, n. 1, p. 07-23, 1998; Idem. O pós-colonialismo e a
literatura – estratégias de leitura. Maringá-PR: Eduem, 2012 [1ªed. 2007].
2
São de caribenhos as obras mais representativas da crítica anticolonialista a partir de 1950, além dos ensaios
de Frantz Fanon e Fernandes Retamar, já citados, e The pleasures of exile (1960) de George Lamming, o
martinicano Aimé Césaire reescreve A Tempestade. Na peça Une Tempête: d’après La Tempête de
Shakespeare – Adaptation pour un théatre négre, escrita por Césaire em 1969, Ariel é um servo mulato, e
Caliban um escravo negro e Próspero o homem branco senhor deles. Conforme Bonnitci: “O fato de que
várias reescritas ficcionais de A Tempestade e um elenco considerável de estudos críticos focalizam a
problemática metrópole-colônia mostra que a redescoberta do texto como seminal no projeto colonial inglês
forneceu o locus de assentamento de argumentos e de preparação na formação ideológica de dominação
mundial.” BONNICI, 2012, p.72.

115
como foi entendido em suas primeiras formulações, mas à América Latina.3 Trata-se de
algo já percebido por Rodó em 1900 e, talvez, em relação direta com a obra do maestro de
la juventude, sob a inspiração de inverter os sinais do arielismo, e alçar Caliban a figura de
heróis pós-colonial, como na exemplar frase Retamar (já citada), de 1971: “Nuestro
símbolo no es pues Ariel, como pensó Rodó, sino Caliban.”
Essa reflexão, iniciada ainda no primeiro capítulo da dissertação, visava explicitar a
distância da América Latina Caliban, subdesenvolvida, da América Latina debatida nas
obras de Manoel Bomfim e Sílvio Romero. Entretanto, dificilmente a América Latina Ariel
de Rodó, contemporâneo aos autores, poderia ser tida como representação das reflexões
deles. Ainda que se considere que ambos apreendem alguma noção de um ethos latino, são
extremamente críticos a ele, suas Américas Latina/latina não possuem traços comuns ao
sublime Ariel. Pelo contrário, os vícios, perversões e outras características pouco
louváveis, responsáveis pelo atraso das nações latino-americanas, em nada se assemelha ao
elevado espírito reflexivo incensado por Rodó através das falas de Próspero.
Esse entendimento não pretendeu desconsiderar a importância das personagens de A
Tempestade na discussão identitária latino-americana, mas atentar para o funcionamento
dessas personagens como vocabulário político de forte apelo, portanto, historicamente
constituído. Percebe-se, assim, estar a América Latina além da Tempestade.

3
Phillpot, em seu prefácio a Rugby Edition de 1873 se refere à Tempestade como uma metáfora específica à
colonização inglesa: “The character may have had a special bearing on the great question of a time when we
were discovering new contries, subjecting unknown savages, and fouding fresh colonies. If Prospero might
dispossesss Caliban, England might disspossess the aborigines of the colonies.” PHILLPOT, J.S [1873] apud
ASHCROFT; GRIFFITHS ; TIFFIN. The Empire Writes Back – Theory and practice in post-colonial
literatures. London; New York: Routledge, 2002 [1ªed. 1989], p.243. Cf. BONNICI, 2012.

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Dicionário da Língua Portuguesa sem Acordo Ortográfico. Porto Editora, 2003-2014:
http://www.infopedia.pt/dicionarios/lingua-portuguesa-aao/de

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Itamaraty – Ministério das Relações Exteriores [BR] http://www.itamaraty.gov.br
Mercosul/Mercosur Oficial http://www.mercosur.int/
Presidência – Palácio do Planalto [BR] http://www2.planalto.gov.br/
Proyeto filosofia en español: http://www.filosofia.org

125
126
Anexo 1
Autor Obra Leitura Sobre
cientista
AGASSIZ, Louis. Voyage au Brésil (1869) crítico suiço
filósofo
Aristóteles n/c referência grego
escritor
ASSIS, Machado de. O Alienista (1882) referência/epígrafe brasileiro
filófoso
BACON, Francis. n/c crítico inglês
sociólogo
BAGEHOT, Walter. Physics and Politics (1872) referência inglês
político
BONIFÁCIO, José. n/c referência/fonte brasileiro
político
BOURGEOIS, León. n/c referência francês
ensaísta
BRAGA, Teófilo. n/c referência português
naturalista
BÜCHNER, Ludwig. À l'Aurore du siècle (version du Dr L. Laloy, 1901) referência alemão
Mémories de l´Académie des Sciences Morales et economista
CHATEAUNEUF, Benoiston. Politiques referência francês
socialista
CLEMENCEAU, Georges. n/c referência/epígrafe francês
não
COMBES, Paul. Les civilisations animales (1890) referência/epígrafe encontrei
filósofo
COMTE, August. n/c crítico/referência francês
polemista
COURIER, Paul L. n/c epígrafe francês
Descendência do homeml (1871), Variação das espécies, naturalista
DARWIN, Charles A origem das espécies (1859) referência britânico
filósofo
DESCARTES, René. n/c referência francês
político
DRUMMOND, Vasconcellos Anotações de A.M.V de Drummond. (1836) referência/fonte brasileiro
antropólogo
FOLKMAR, Daniel. n/c epígrafe americano
escritor
FRANCE, Anatole. n/c referência francês
zoologista
GIARD, Alfred. Sur l'autotomie parasitaire (1897) referência francês
pintor
GIRAUD, Eugene n/c referência francês
filósofo
GOETHE, Johann W. n/c citação alemão
artista
GUÉTANT. n/c referência francês
político
GUIZOT, François. n/c referência francês

127
sociológo
GUMPLOWICZ, Ludwig. n/c crítico/epígrafe polonês
naturalista
HAECKEL, Ernst. n/c referência/epígrafe alemão
anarquista
HAMON, Augustin. n/c epígrafe francês
latinista,
helenista
HAVET, Louis. n/c epígrafe francês
filófoso
HOBBES, Thomas. n/c crítico inglês
dramaturgo
IBSEN, Henrik. n/c citação/referência norueguês
Estudos sobre a seleção no homem e suas relações com a não
JACOBY, Paul. hereditariedade (1881) crítico encontrei
socialista
LAPOUGE, George. n/c referência francês
geólogo
LAPPARENT, Albert. Traité de Géologia (1883) referência francês
sociológo
LE BON, Gustave. n/c crítico francês
antropólogo
LETOURNEAU, Charles n/c crítico francês
filósofo
LITTRÉ, Émile. Philosophie positive (1858) referência francês
missionário
LIVINGSTONE, David. n/c crítico escocês
Traité philosophique et physiologique de l'hérédité médico
LUCAS, Prosper. naturelle (1847) referência francês
dramaturgo
MAETERLINCK, Maurice. n/c referência francês
L´Amérique Latine. Les annales de la jeunesse laique anarquista
MALATO, Charles. (1902) referência francês
naturalista
MARTIN DE MOUSSY, Jean. n/c crítico francês
historiador
MARTINS, Oliveira. História de Portugal crítico/referência português
botânico
MASSART, Jean. Parasitisme organique et parasitisme social (1903) referência belga
psiquiatra
MAUDSLEY, Henry. The Physiology and Pathology of Mind (1867) referência inglês
escritor
MELO, Francisco M. Carta de guia de casados (1651) referência/fonte português
poeta e
diplomata
MENDOZA, Diego H. Guerra de Granada (obra póstuma 1627) referência/fonte espanhol
economista
e filósofo
MILL, John S. n/c crítico inglês

128
escritor
anarquista
MIRBEAU, Octave. n/c referência francês
historiador
MOMMSEN, Theodoro. n/c referência alemão
escritor
MONTAIGNE, Michel de. n/c citação francês
filósofo
MONTESQUIEU, Charles de. n/c referência francês
psquiatra
MOREAU DE TOURS, Jacques. Psychologie morbide (1859) referência francês
pintor e
escritor
MORRIS, William. n/c referência britânico
químico,
médico,
político
NAQUET, Alfred. n/c referência francês
filósofo
NIETZSCHE, Friedrich. n/c referência alemão
ativista
sionista
NORDAU, Max. Nouvelle théorie biologique du crime (1902) referência francês
sociólogo
NOVICOW, Jacques. La Revue (1902) referência russo
matemático
PASCAL, Blaise. n/c referência francês
naturalista
Plínio, o Velho. n/c epígrafe romano
naturalista
QUATREFAGES DE BRÉAU. n/c crítico francês
escritor
RENAN, J. Ernest. n/c crítico/referência francês
filósfofo
RENOUVIER, Charles. n/c referência francês
político
RIBEIRO DE ANDRADA, M. Carta, setembro de 1824 referência brasileiro
psicólogo
RIBOT, Théodule A. L'Hérédité. Étude psychologique (1873) referência francês
escritor
ROCHA POMBO, José. História da América (1900) referência brasileiro
economista
ROSCHER, Wilhelm. Principes d'Économie Politique (1857) referência alemão
não
ROSSETTI, Mircia. n/c citação encontrei
escritor
RUSKIN, John. n/c referência britânico
religioso
SALVADOR, Frei V. História do Brasil (1627) referência/fonte português

129
cientista
SCHAEFFLE, Albert. n/c referência alemão
historiador
SÉAILLES, Gabriel. Educação e Revolução (?)) referência/epígrafe francês
historiador
SEIGNOBOS, Charles. História da Civilização crítico francês
economista
e filósofo
SMITH, Adam. n/c crítico escocês
Não
SOTO, Máximo. n/c referência encontrei.
historiador
e poeta
SPALIKOSKI, Edmond. La colonisation et la paix (1902) referência normando
filósofo
SPENCER, Herbert. Citação direta: Princípios da Biologia (1864) crítico/referência inglês
filósfofo e
psicólogo
TARDE, Gabriel. n/c referência francês
escritor
TOLSTÓI, Léon. n/c referência russo
médico e
antropólogo
TOPINARD, Paul. L'anthropologie et la science sociale (1900) crítico francês
economista
TURGOT, Anne R. n/c referência francês
sociólogo
VANDERVELDE, Émile. Parasitisme organique et parasitisme social (1903) referência belga
biólogo
VARIGNY, Henry C. La vie et la correspondance de C. Darwin (1889) referência francês
religioso
VIEIRA, Antônio. A Arte de Furtar (1652) referência/fonte português
psicólogo e
antropólogo
WAITZ, Theodor n/c crítico alemão

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