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MEMORIA PAULISTANA: OS ANTROPONIMOS QUINHENTISTAS NA VILA DE SAO PAULO DO CAMPO Maria Vicentina de Paula do Amaral Dick (*) RESUMO A Antropontmia no Brasil em suas ratzes na onomdstica portuguesa, princi- ‘palmente. Quando Martin Afonso de Souza desembarcou em Sao Vicente, no ‘século 16, rouxe na esquadra companheiros da terra, alguns de origem fidalga, outros ndo; no porto eno planalto formaram os roncos mais ilussres das pri- meiras familias pauliscanas. Seus riomes significam o aco memorialisia ¢ a heranga, ‘de um povo ¢ de seu tempo, no sistema nominativo do outro, que formaram. Unitermas: Antropontmia; Nomes de Familias Antigas; Sobrenomes; Alcunhas, Nome ¢ Mandria. Introdugio Compete a Toponimia e 4 Antroponfmia uma parcela ponderdvel na preservacdo dos fatos culturais de uma 4rea geogrdfica. Nao ha, real- mente, ao que se saiba, discordancia entre os te6ricos onomAasticos quanto a fungSo que desempenham as duas disciplinas como elemen- tos conservadores do que se pode denominar de "meméria" de um micleo social, isto porque topénimos e antropdnimos se inscrevem como os elementos mais arcaizantes de uma Ifngua, desde que conser- vadores de antigos estgios denominativos. A idéia que se tem do pro- blema € sempre a mesma, a sociedade evoluindo com suas regras € normas € mesmo sua linguagem, € os identificadores de um lugar ou de uma pessoa alterando-se de um modo mais lento, de modo a marcat indictalmente o fator registrével, o momento hist6rico vivido, a traje- \6ria do homem na formagiio do grupo. * Professora Associada de Te nfmia Geral € do Brasil do Dey de Letras Classic Vemndeutas, da FELCHLUSE Pio. de ase 2 Rev. Inst. Est. Bras., SP, 33;112— 127, 1992 O estudo dos antrop6nimos paulistas, nesta oportunidade, preten- de mostrar a distribuigéo dos primeiros agrupamentos familiares da vila do Planalto, ent4o denominada, com certa freqiéncia, Sao Paulo do Campo, valendo-se dos registros das Atasda Camara, no século XVI; a tipologia dos prenomes; o aparecimento das alcunhas individuais e a sua formalizagio em apelidos de familia. Os primeiros povoadores. Os antroponimos Avila de S4o Paulo, instalada na segunda metade do Quinhentismo, em terras de “serra acima", também conhecida pelos locativos So Paulo do Campo — mais raramente, Sdo Paulo de Piratininga — e Pi- ratininga, fato comum na correspondéncia de Anchieta, estruturou-se em toro de comportamentos sociais controvertidos e até mesmo dis- cutiveis, de um certo ponto de vista. Isso pode ser devido 4 natureza do elemento humano que aqui se fixou, criou rafzes e constituiu, ao lado dos ind{genas, os troncos clanicos ou familiares; muitos deles entre- cruzaram-se na unido de colaterais e afins, daf se dizer que, em S40 Paulo, " todos eram parentes entre si", 0 que é explicdvel em uma socie- dade pequena, mais endogdmica que exogdmica. Conhecer, assim, a constituigdo da vila é, simultaneamente, conhecer a organicidade dos nicleos ou agrupamentos de individuos oriundos de um mesmo ances- tral que, por fim, acabaram por fazer a propria hist6ria do Planalto. O homem que aqui se instalou era, antes de ser paulista, sobretudo um europeu, mais precisamente um portugués do sul ou do norte da Pen{nsula, para cé emigrado por uma série de raz6es, explfcitas ou ndo, responsdveis, porém, pelo que Alfredo Ellis Janior considera um ver- dadeiro “processo seletivo" de formagio populacional. Um lusitano em suma, "concentrado nos nicleos formados pelos companheiros de Martim Afonso e nos que vieram apés, seguindo-Ihe a esteira"(1) € em que se pretendeu ver foros de nobreza(2), mais do que valores perso- nalistas, sobretudo coragem e aud4cia, imprescindiveis a longa travessia. A amparar a vacilagdo humana em jornadas idénticas, uma forte.dose de espiritualidade, sustentada pela béngdo papal, sempre ao lado dos navegantes. Foi assim com Pedro Alvares ¢ sua esquadra de 1500, batizadas as naus hieronimicamente, os préprios homens assis- tidos pelos franciscanos de Frei Henrique; foi assim também com 0 Capitao Mor de 1530, com duas de suas caravelas denominadas, para usufrufrem da protecdo divina, de S40 Miguel e de Sado Vicente e a terceira que se incorporou a frota, j4 em Todos os Santos, identificada por Santa Maria do Cabo. O Didriode Pero Lopes revela top6nimos de 1 ELLIS JUNIOR, Alfredo. de gigantes. A civilizagéo do Planalto Paulista. S. Paulo, Editora Helios, Tide Nowa Wale, 1926. p12. 2 LEME, PEDRO TAQUES DE ALMEIDA PAES. Nobiliarquia paulistano, historica ¢ sencoligica 51d, acrescida da pate init, com ume bibogzaia do autor ¢ estudo cxf- tico de sua obra por Afonso de E. Taunay. So Paulo, ltatiai/EDUSP, 1980. Tomos 1, IL ell. Flv. Inst. Est. Bras., SP, 33:112—127, 1992 113 origem hagiondmica: te de Sam Pedro", "monte de Santa Ana", “jlhas de Santo André" bo de Sam Martinho", “rio de Sam Joao", “porto de Sam Vicente", alguns por forga do calenddrio romano obe- decido, outros pela forga da fé, O costume, entretanto, era esse. Situado, assim, em seu contexto, esse homem deveria carregar consigo, para onde se deslocasse, toda a m{stica de um mundo ordenado teocentricamente. A coldnia d’além mar conheceu tal identificagéo; a frota de Martim Afonso era, por certo, composta por aiguns homens que comungavam tais interesses: os Gois (Pero, Lufs, Scipido) os Adornos (Francisco, Antonio ¢ Paulo Dias Adorno), os Cubas (Jodo Pires Cubas, Bras e Antonio Cubas, Francisco e Gongalo Nunes Cu- bas), os Lemes (Ant&o e Pedro), os Pintos (Rui, Francisco e Antonio), os irm4os Jeronimo e Domingos Leitéo, Diogo Rodrigues, Baltazar Borges, Bras Esteves ou Teves, Antonio de Oliveira, Antonio Rodri- gues de Almeida, Antonio de Proenga, Jorge Pires, Jorge Ferreira, Pero de Figueiredo, Cristovam Monteiro, Cristovam de Aguiar de Al- tero, Pedro Colago. Aportando em terras do antigo Engaguacu(3), alguns se estabele- ceram na marinha, a destinac4o primeira, outros, ao que parece, teriam influenciado a formagao dos Primeiros troncos de serra acima, 0 que pode ser deduzido da verificacao de apelidos comuns ou idénticos na vila de So Paulo. Assim aconteceu, por exemplo, com os Cubas, os Lemes, os Pires, os Leit6es, talvez os Rodrigues. Os Gois, sem dtivida, ficaram no litoral, amigos que eram de Martim Afonso. Seriam " 'fidal- gos da Casa Real, até ostentando um " brasdo d’armas". Pero de Gois (ou Goes), * fidalgo honrado e muito cavaleiro™, recebera do Capito Mor, em 10 € 15 de outubro de 1532, as duas primeiras sesmarias de terra, uma em Séo Vicente, fronteira a Engaguacu, € a outra, em Pira- tininga. Em So Vicente, levantou o primeiro engenho de agtcar do Sul, 0 "Madre de Deus", Loco-tenente de Martim Afonso, primeiro Capitiio Mor da Armada de So Vicente, Capitéo Mor da Costa bra- sileira, s40 seus t{tulos administrativos. Carvalho Franco, contrariando Pedro Taques, diz que ele no terminou os seus dias em Sao Paulo, o que ndo impediu de os reflexos de sua agdo, como sesmeiro no Planal- to, influenciarem toda a vila: " Ele agiu nas primeiras repressdes regulares contra os carijds € tupiniquins contrarios do Tieté, na expulsdo definitiva dos castelhanos do litoral vicentino e Principalmente na implan- tagdo da industria agucareira na capitania" (4) 3 SAMPAIO, Theodoro. Vocabulério ifico brasflico. In: O Tupina nacional. 2¥ed. cor. ¢ aument. S. Paulo, Emp poe O Pensamento, wa ile “com, ‘Ygma-guacu, baia grande, lagamar grande. * 4 FRANCO, Francisco de Assis Carvalho. Os trinta e dois companheiros de Martim Af a cidade de So Paulo, © Estado de Sao Paulo, Ed, IV Centenaro, 25.1.1954. pa 4 Rev. Inst. Est. Bras., SP, 33:112—127, 1992 Frei Gaspar(5) ¢ Pedro Taques séo omissos quanto a descendéncia de Pero de Géis. Falam que seu irmo Lufs, morador em S40 Vicente, trouxera para 0 porto a mulher, Catarina de Andrade e Aguilar ¢ 0 primogénito Scipido, mas af n&o tendo ficado por muito tempo, 0 casal partindo com a armada de Pero de Géis (1553) ¢ 0 filho aventuran- do-se no Paraguai. Gabriel, o terceiro irmdo, ficou, entretanto, na ca- pitania, administrando o engenho da Madre de Deus e dele devem pro- vir alguns dos Gois que af existiram. Hd, porém, o lado feminino do tronco, representado por Cecilia de Géis, filha de Lufs e Catarina, que dizem casada com Domingos Leitao, "fidalgo da Casa Real", e socio do engenho mencionado; ndo ficaram também na colénia, voltando para © reino, mas, antes, doaram parte da propriedade a sobrinha Isabel Leitdo, casada com Diogo Rodrigues, também da caravana afonsina, e s6cio de José Adorno na sesmaria entre Sdo Vicente e Sf0 Sebastiaio. Destes LeitGes, as honras parecem ficar com Jerénimo, "o mais ativo guerrilheiro de tndios do século XVI", na vila de Séo Paulo, Capi- t4o Mor € Governador de S40 Vicente (1572), chefiou bandeira contra 08 carij6s no sul, em incursio por mar, conseguindo envolver na em- Preitada grande parte dos moradores do Campo. Deixou filhos, dos quais a quarta se casou com Antonio Pedroso de Barros, " pessoa de qualificada nobreza" para Pedro Taques, vinda de Portugal com o ir- méo Pedro Vaz de Barros, diretamente para 0 porto. Chegaram ambos com provis6es régias, Antonio indicado para Capito Mor Governador da Capitania de So Vicente e Sao Paulo, e Pedro, Ouvidor, 0 qual,em infcios do Seiscentismo, " pela sua grande autoridade e merecimento de Sua pessoa fora encarregado de governar a gente da vila de S. Paulo e seu termo". Nao cita o cronista a descendéncia de Antonio, mas os Pedro- SOs seguramente permaneceram em S40 Paulo através dos filhos do Ouvidor Pedro, frutos de sua unido com Luzia Leme, membro de outro cla importante na genealogia paulistana. Examinando-se a nomenclatura da familia, verifica-se 0 que se afir- mara em oportunidade anterior: os nomes dos pais e tios se repetem nos filhos ¢ sobrinhos, complicando a rede onomAstica e tornando di- ficit distinguir uns dos outros. Assim, Antonio Pedroso de Barros, ou © Velho ou o Primeiro — formas de chamamento empregadas pela Antropon{mia para diferengar nomes idénticos — ocorre no‘nome do segundo filho de Pedro que, por sua vez, tem o nome repetido no quar- to descendente, ¢ que vai aparecer novamente na geracdo Seguinte; 0 apelido Pedroso, do tio, caracteriza o terceiro filho de Pedro, Luiz Pedroso de Barros eo sétimo, Hyeronimo Pedroso, da mesma linhagem. Outros dois irmaos, quinto e sexto filhos, Ferndo e Sebastifo, intro- duzem a f6rmula Paes de Barros,herdada da mae, Luzia Leme, filha de 5 MADRE DE DEUS, Frei Gaspar da. Menérias para a historia da Copitania de S. Vicente. ‘S. Paulo, Public. comemoral. sob o alto patroc. da Com. do IV Centendrio da Cidade de ‘S.Paulo, Bibl. Hist. Paulista, III, 1953. Rev. Inst. Est. Bras., SP, 33:112—127, 1992 115 Lucrécia Leme(6) ¢ Fernfo Dias Paes, de onde vem o Paes que se juntou ao Barros de Pedro Vaz; donde o novo ramo a partir daf, distin- ‘to antroponimicamente de Vaz de Barros ou de Pedroso de Barros ou de Barros, simplesmente, que sfo os apelidos caracterfsticos da famflia do Ouvidor de Sao Paulo. Os Cubas, Brés, Gongalo, Antonio e Francisco, foram filhos de Jo&o Pires Cubas, nobre portugués da cidade.do Porto, também vindo Ba armada de Martim Afonso diretamente para Sao Vicente. E fora de duvida que a presenga de Brés Cubas dominou todo 0 cendrio da ma- rinha nos primeiros anos quinhentistas. Imediatamente a chegada ao Brasil, recebeu do Capitao Mor a sesmaria de Piratininga (10 de ou- tubro de 1532), donde sua ligacéo com o Planalto. Depois, em 1536, as. terras da sesmaria de Geribatiba, "fronteiras a Engaguacu", que che- gavam, para alguns, até o Piqueri, com uma ilha que levou 0 nome do sesmeiro, também chamada do Barnabé. Brd4s Cubas é considerado 0 fundador da vila de Santos, entéo porto da ilha de Sao Vicente, ao criar, em 1543, a capela de Nossa Senhora da Miseric6rdia e 0 hospital de atendimento aos navegantes, ou de Todos os Santos, origem das Miseric6rdias brasileiras, a semelhanga das que havia em Portugal. Como retribuigao, foi nomeado para o cargo de Capitéo Governa- dor da Capitania, ao lado de outras honrarias com que foi distinguido (Provedor e Contador das Rendas e Direitos da Capitania, em 1551, Provedor ¢ Contador das Rendas, Capelas,.Confrarias, Albergarias e Gafarias de Sao Vicente, em 1563).(7) Guerreiro, participou da defesa da vila de Séo Paulo contra os ataques de 1562 e, como sertanista, or- ganizou a bandeira exploratéria de minérios, integrada, entre outros, por Luiz Martins, que encontrou ouro talvez em Jaragud. Este Luiz Martins teve, por sua vez, participagio na primeira Ata da Camara de So Paulo que se conhece, como Procurador do conselho, ao lado de outros nobres camaristas, Antonio Mariz, juiz ordindrio, Jorge Morei- ta, Diogo Vaz Riscado, Garcia Roiz (Rodrigues), vereadores. Foi tam- bém alcaide ¢ almotacel em 1563, e Nuto Sant’Anna, querendo eviden- ciar-Ihe o prest{gio, destaca o fato de ter hospedado em sua casa a Joao Ramalho, em 1564, que era o “homem de maior. ‘popularidade e poderio durante mais de cinquenta anos do século XVI" (8) O irmao de Brés, Antonio, foi juiz ordindrio ¢ administrador da Fazenda do Piqueri, onde havia a capela de Santo Antonio, uma das mais antigas da vila. Nuto Sant’Anna diz que chegou a vila vindo da Borda do Campo; em 1575, seu nome figura como vereador ao lado de 6 LEME, Pedro Taques de Almeida Paes. Ibider, Ill, p. 200 ¢ 202. Escl tronco Primitivo dos Lemes deve estar em Antio Lene, ie oninatean oes Vicente em 541, em seu filho Pedro Leme ¢ em sua neta Leonor Leme, casada rom Bi s6clos do engenho S. Jorge dos Erasmos, de acordo com Frei Gaspar nt Pet ESteve 7 FRANCO, Francisco de Arsis Carvalho, Mbidem, p. 22-23. 8 SANT’ANNA, Nuto. A mais antiga ata: le se conhece da CA: de Pe ira- tininga. © ixido de Sto Pasa do V Concanse sea Tag Paulos Pi 116 Rev. Inst, Est. Bras., SP, 33:112—127, 1992 outros prestigiados, como Antonio Preto, Jorge Moreira, "0 homem piblico mais importante da Vila de Sdo Paulo, na qual esteve em franca atividade por quarenta anos", Antonio Bicudo, Domingos Luis (Grou) e Afonso Sardinha, sertanistas; ainda aparece em 1576 e 1578 como almotacel e, em 1576, como juiz ordinério. Comentando a respeito do nome de familia, inscrito nos brasées, Carvalho Franco diz estar representado por cinco cubas de ouro que talvez tivessem origem nos seus avés que, em Portugal, eram "tonelei- ros € picheleiros".(9) Os Adornos que vieram com Martim Afonso ndo se apresentam nas primeiras atas da Camara de Sao Paulo. A ago de José Adorno tinha por centro a marinha, muito embora fosse dono de uma sesmaria em Piratininga, desde 1566; 0 mesmo sucedeu com os outros irmaos, que se expandiram pelo litoral norte; Francisco Adorno, por exemplo, ca- sou-se com Feiipa Alvares, filha de Caramuru, cuja filha, por sua vez, se uniu a Francisco Rodrigues (1552), dando origem a casa baiana dos Adornos e Cachoeiras, responsdvel pela descendéncia de varios sertanistas.(10) Os Pintos figuram na genealogia paulistana através dos irmaos Rui, Francisco e Antonio. De acordo com Pedro Taques(11), teriam chega- do na esquadra de Joo do Prado, junto com Martim Afonso, que trou- xe "vdrios homens de foro e cavaleiros da Ordem de Cristo"; entre “os mais estimados " , estavam os filhos de Francisco Pinto, fidalgo da Casa Real. O fato € que o Capitéo Mor incumbiu a Rui a construgdo de um engemho de agticar em sua sesmaria, "no fundo da ilha de Santo Amaro, ao norte do rio da vila de Santos" (1533). Colocado sob a proteg4o de Sao Jorge, o engenho recebeu o nome de Armadores do Trato, depois do Senhor Governador, até ser vendido (1550) ao flamengo Erasmo Schetz, tornando-se entio conhecido por Engenho de Sao Jorge dos Erasmos, num aproveitamento da antiga hieronfmia com a pluralizagio prenominal. Dos trés irmaos, foi Antonio quem subiu a serra para tomar assento na vereanga de 1588, como almotacel, durante a gest4o de Jofio do Prado como juiz ordindrio. Teria concorrido para a formagdo antropo- nfmica de Sdo Paulo da seguinte forma: de acordo com Frei Gaspar, sua mulher era neta de Jorge Pires, com quem teve a filha Vitéria Pin- 9 FRANCO, Franscisco de Assis Carvalho. /bidem, p. 23. 10 Idem, Ibidem, p.24, 11 LEME, Pedro Taques de Almeida Paes. Ibidem, Il, p.1. Rev. Inst. Est. Bras., SP, 93:112—127, 1902 "7 to, que se uniu a Antonio de Siqueira Oliveira, de onde procedem esses Tamos paulistas. Oreferido Jorge Pires, irm&o de Domingos Pires, também integran- te da comitiva afonsina, obteve a sesmaria de Bertioga em 1545. Para Frei Gaspar, seria cunhado de Rui Pinto, casado com sua irmé Ana Pires Missel e ascendente, para o autor, dos Pires paulistas, enquanto Azevedo Marques diz que esse tronco descende diretamente de Salva- dor Pires. As confusdes quanto 4 filiagao, talvez contraditérias, de- vem-se, como ja se viu, a repeticéo dos mesmos nomes em mais de uma geragio. Pedro Taques coloca Jorge Pires como primo de Jodo Pires, 0 Gago, natural do Porto, enquanto Carvalho Franco diz que os dois, Jorge € Joao, eram irmfos e que Salvador viera de Portugal com este Gltimo, seu pai. Pedro Taques segue este raciocinio e afirma que Jodo teria permanecido em S40 Vicente enquanto Salvador subiu a serra, instalando-se na Borda do Campo, onde recebeu terras, meia légua na "Tapera", " partindo pelo campo de Piratininga direito a serra". Casou- se com Maria Rodrigues, filha de Garcia Rodrigues e Isabel Velho e 0 filho, também chamado Salvador Pires, uniu-se em segundas nGpcias a Messia Fernandes ou Messia Assu, a mameluca descendente de Anto- nio Rodrigues, companheiro de Jodo Ramalho e genro de Piquerobi, 0 chefe de S. Miguel. Legitima descendéncia guaiand, portanto, desde que Piquerobi era um dos trés indfgenas poderosos do Planalto, ao lado de Caiubi e Tibiric4. Novamente o nome de Salvador Pires Tepe- te-se no neto, que, da unido com Ignez Monteiro de Alvarenga, cogno- minada a Matrona, gerou outro Salvador Pires, agora de Medeiros, j4 no Seiscentismo. Do casamento do Capitdo Salvador Pires com Messia Assu, a pri- meira filha, Maria Pires, veio a se casar com o sevilhano Bartholomeu Bueno da Ribeira, em 1590, tornados pais de Amador Bueno, o Acla- mado, "um dos paulistas da maior estimagao e respeito, assim na patria como fora dela”, " vassalo de tanta honra e fidelidade (12), que serviu vérias vezes no senado da Camara. Os Buenos eram "opulentos" de cabedais: colheitas, gado, cavalos e ovelhas. Quiseram por isso e pela “alianga das familias mais Principais da capitania”, fazer de Amador Bueno 0 rei dos paulistas; alguns espanhois revoltosos foram os auto- Tes da rebelido, segundo Taques, os Toledos Rendon, Gabriel Ponce de Leon, André de Zuniga e seu irm&o Bartholomeu de Contreras e To- tales, D. Joao de Espinola Gusman, mas, em nenhum momento, Bueno se deixou levar pela seducso do poder, mantendo-se leal ao Rei D. Jofo IV, refugiando-se no Mosteiro de Sao Bento até serenarem os 4nimos.(13) Ellis Junior tem opinido diferente sobre a lealdade de Amador Bueno, contestando sua escolha como capaz de fazer vingar um movimento de que S&o Paulo j&dera mostras de querer, levando-se 12 Idem. Biden, p. 75 ¢76" 13 Idem. Ibidem, p.77. 118, Rev. Inst Est. Bras., SP, 33:112—127, 1992 em conta a propalada auto-suficiéncia mameluca, sob todos os pontos de vista.(14) Saivador Pires e Bartholomeu Bueno figuram, porém, j4 nas pri- meiras Aras quinhentistas, o primeiro estando referido na sessdo de 5.11.1562, quando seu nome aparece entre aqueles que deveriam arcar com a incumbéncia de erguer os muros ¢ baluartes da vila "cd pena de cyncuo tostois" pelo néo cumprimento. No auto de ajuntamento do povo, realizado em 8,12.1562, "nas pouzadas de Jorge Moreira", esté registrado que a Camara e 0 povo fizeram “hfia precuragdo a sallvador pires p? ir ao mar a requerer couzas que sdo necesairias pa. esta vila e pr. qudoto ho dito sallvador pires queira e Ihe era nesesairo dinheyro P? gastar & aliguas couzas @ o dito sallvador pires requerer é prol e pro- veito desta vila (...) G eles se obrigavdo a dar e pagar o G cada hu Ihe viese & conta* (Atas, I, 17-18). Eleito procurador do conselho em 1563, juiz em 1573, ao lado de Jorge Moreira, almotacel.em 1579, 1583 e vereador em 1578 ¢ 1582. J4 Bartholomeu Bueno foi aferidor da Camara para o ano de 1588 e al- motacel em 1591. O nome de Jodo do Prado, que, segundo Taques e como se mencio- nou, teria vindo com Martim Afonso, ndo consta da relagdo de Carva- lho Franco, que cita trinta e dois companheiros do Capitéo Mor. Frei Gaspar também ndo 0 inclui em seu elenco de nomes; o fato, entretan- to, € que, se n&o se pode encontr4-lo nas primeiras sessées da Camara (década de 1560), pode-se ach4-lo nas subseqientes, dentro ainda do Quinhentismo. Apesar de j4 longevo, Taques diz ser ele quem partici- pou das reunides de 1588 e 1592 e nio um homénimo; estava vivo ainda nessa data, pois faleceu s6 em 1597. Com a mulher Felipa Vi- cente, filha dos povoadores Pedro Vicente e Maria de Faria, teve onze filhos; deles, a referéncia fica para Jogo do Prado, que traz 0 mesmo nome do pai, que o transmitiu ao terceiro filho, neto do povoador o qual, se casando em 1635 com Maria Chaves, repete num descendente a mesma f6rmula antroponimica (Jo4o do Prado), formadora de um dos apelidos de famf{lia mais frutuosos e reconhecidos no Planalto. Estudando-se o tronco dos Lemes, verifica-se um imbricamento na terceira geragéo com estes Prados, da seguinte forma: Leonor Leme, filha do patriarca Pedro Leme, j4 referido, era casada com Brds Este- ves, de Séo Vicente, de cuja unido nasceram cinco filhos; 0 primeiro deles, homénimo do pai, veio a se unir a Helena do Prado, segunda filha do Capitéo Jodo do Prado. Da prole do casal, trés repetem os sobrenomes paternos ¢ maternos, dando origem, assim, ao ramo dos 14 ELLIS JUNIOR, Alfredo. A lenda da lealdade de Amador Bueno e a evolugdo da psico- logja planakina 8, Paulo, Edit. Obelisco Ltds., 1962. p. 84. Rev. Inst. Est. Bras., SP, 33:112— 127, 1992 419 Lemes do Prado, ou seja, Mateus, Pedro e Jofo Leme do Prado. Mas a quinta filha de Leonor e Brds Esteves, Lucrécia Leme, doadora dessa tipologia antropon{mica a primeira filha do irm&o Pedro, veio a se casar em Sao Vicente com um tio, Ferndo Dias Paes(15), portugués de Abrantes, iniciando-se af 0 tronco paulista dos Paes Leme, de notéria significagfo para o Planalto, ainda que este Fernéo Dias nfo tenha sua origem no campo vinculada a viagem afonsina. Constituiu-se, porém, em "uma das pessoas de maior respeito" da vila, vindo a ser proprie- tdrio de grande gleba nos Pinheiros. Como camarista, foi vereador em 1588 € 1592, juiz em 1590 juntamente com Antonio Preto e Antonio de Saiavedra. Do assentamento dos sete filhos, ocorre 0 registro de f6r- mulas antropon{micas diversas, origindrias de apelidos ou sobrenomes sobrepostos mas que formaram descendéncia a partir dessa base ono- méstica instavel; assim, Isabel Paes, Leonor Leme, Fernéo Dias Paes, Pedro Dias Paes Leme ¢ Luiz Dias Leme séo as combinatérias conhe- cidas, O filho do povoador, Fernao Dias Paes, repete o nome do pro- genitor; casado com Catarina Camacho, dele disse Pedro Taques ter sido " potentado pelo dominio que teve em um grande nilmero de indios que fez baixar do sertdo com o poder de suas armas; e ‘fundou a populosa aldeia chamada de Imboht (Embu) que, depois (...) cederam aos padres jesuttas do Colégio de Sao Paulo , tornados “herdeiros dos seus bens" € “estabeleceram jazigo para serem sepultados nele, como assim se verificou ".(16) E facil, como se vé, confundirem-se pais ¢ filhos que se identificavam nao apenas nos nomes mas até na posse das terras, um em Pinheiros, outro no Imbou, as duas glebas na mesma zona do sertéo, a oeste € sudoeste da vila, Oirméo de Ferndo Dias Paes, Pedro Dias Paes Leme, casou-se com Maria Leite, filha do capitio Paschoal Leite Furtado e de Isabel do Prado. A referéncia interessa a esta Pesquisa 4 medida que, da descen- déncia de nove filhos de Pedro Dias, destaca-se 0 Primogénito, Fer- nando (=Ferngo) Dias Paes, conhecido como Governador das Esmeraldas. Se este Ferndo Dias incorpora e consagra a formula an- troponfmica do tio ¢ avd, seus irmaos Tepetem apelidos de ascendentes préximos ou mais distantes: Leite Dias (Paschoal), Dias Leite (Pedro € Verdnica), Leite da Sitva (Jodo e Sebastiana), Dias (Maria), Paes da Silva (Isabel), Leite (Poténcia). Nove filhos, sete combinatérias pos- siveis no ramo de Pedro Dias Paes Leme, vidveis apenas Por estarem dentro da eldstica composigdo da antroponimia portuguesa. Taunay resume da seguinte maneira 0 entroncamento familiar de Ferndo Dias, o Mogo, nascido em 1608: "tinha, como dissemos, bisav6 brasileira, a vicentina Felipa Vicente. E um bisavé §rande bandeirante, Jodo do Prado, o is LEME, Pedro Taques de Almeida Paes. Ibidem, III p.52. 16 Idem, {bider, Ill p. 53, 120 Rev, inst. Est. Bras., SP, 33:112— 127, 1992 famoso entradista, emigrado para o Brasil em 1531, com Martim Afonso de Sousa e falecido no sertao em 1597, no ar- raial do Capitdo Mor Jodo Pereira de Souza Botafogo (...). Pelo avé materno, o agoriano Paschoal Leite Furtado, genro de Jodo do Prado\...). Dois tios paternos seus haviam chegado até a opuléncia, Vinham um a ser Ferndo Dias Paes{...) senhor da (...) aldeia de Imbohu (...). O outro, Luiz Dias Lemes, es- tabelecido no litoral, vivia como verdadeiro magnata ",(17) Era primo-irmao dos sertanistas Luiz Pedroso de Barros, morto no Peru, em 1662, de Sebastifio Paes de Barros, morto em 1674, no Alto Tocantins, de Valentim de Barros, oficial de retirada do Cabo de S, Roque, de JerOnimo Pedroso de Barros, combatente em Mbororé (RS), 1641, de Antonio Pedraso de Barros, companheiro de Antonio Raposo Tavares e de Pedro Vaz de Barros, e Ferndo Paes de Barros. De Ferndo Dias, a atuagio como sertanista e descobridor de minas quase obscurece a de homem piiblico, documentada, por exemplo, em cartas régias citadas por Taques.(18) Taunay, diz que ele niio esteve no Guaird com Raposo Tavares, sem descartar de todo a possibilidade, mas aponta o ano de 1638 como 0 de seu aparecimento no bandeirismo. Em 1639, era Capitao das Ordenancas da vila de S4o Paulo, época em que o litoral paulista foi visitado por naus holandesas; logo acorreu para defendé-lo, inclusive com recursos préprios. Tempos dificeis esses para Sdo Paulo: brigas internas entre duas de suas melhores fa- milias, os Taques (um deles cunhado de Fernio Dias) ¢ os Camargos; © episddio da expulsdo dos jesuftas, cujo manifesto, para Taunay, néo teria sido assinado por Fern4o Dias, muito embora 0 fosse por outros de sobrenomes ilustres, o que teria certamente pesado na decisdo: Fer- nando de Camargo, Garcia Rois (Rodrigues) Velho, Matheus Grou, Antonio Bicudo (de Mendonca), Dom Francisco de Lemos, Pedro Vaz de Barros, Antonio Pedroso de Barros, Balthazar de Godoy Moreira, os irméos Toledo Rendon. Mais tarde, treze anos depois, foi um dos. que mais lutaram pela reintegragfo dos inacianos a vila. Em 1651, era juiz ordindrio da Camara: “Da leitura das Atas numerosas de 1651, tira-se a conclusdo de quanto conscienciosamente cuidou Ferndo Dias Paes do bom andamento das coisas do bem piiblico, tratando do aprovi- sSionamento de carnes e vinhos, das entradas ao sertdo, das cousas da almotagaria, etc".(19) O episédio da bandeira do Sabarabussu, em busca das esmeraldas, foi dissecado em seus Pormenores néo s6 por Taunay mas por outros estudiosos, aos quais se remete; os dissabores da empresa vivificam-se, contudo, na narrativa em que se depreende que, destitufdo da ajuda oficial, abandonado a prépria sorte, o serta- 17 TAUNAY, Alonso E. A grande vida de Femdo Dias Paes. Sto Paulo, Typograf. Diario Oficial, 1931. p, 14-15. 18 LEME, Pedro Taques de Almeida Paes. Ibidem, III p. 62. 19 TAUNAY, Afonso B. Ibidem, p. 53. Rev. inst. Est. Bras., SP, 33:112—127, 1992 iat nista, j4 idoso, s6 pode contar com os recursos proprios e da familia; nem por isso esmoreceu, continuou pbstinadamente, acompanhado por alguns, Mathias Cardoso de Almeida, primo e "nome dos maiores do bandeirantismo", seu filho Garcia Rodrigues Paes, o genro Manuel de Borba Gato, Antonio do Prado Cunha, além de José Paes, o ma- meluco que reconhecera como filho e que, afinal, acabou tramando contra a vida do pai e por ele morto, Falecendo Ferndo Dias no sertao, seu filho Garcia Paes intentou a longa viagem de volta do Sumidouro para sepult4-lo, conforme sua vontade, no Colégio de S40 Bento, que ajudara a reformar e onde tinha jazigo perpétuo; isto ocorreu a 30.12.1681: "e ainda depois de morto o perseguiram as calamidades ordi- narias do Certam porque o seu cadaver, e as amostras (das pedras) padecerdo onaufragio do Rio que chamam das Velhas, em que se perderam as armas e tudo quanto trazia de seu uso ese afogou gente porque os Indios nadadores se ocuparam em salvar as vidas, e acudir as amostras das esmeraidas como em sua vida lhes tinha recomendado o defunto seu Snr. cujo corpo se achou depois de muitos dias a diligencia de seu filho Garcia Rois Pais que o tinha ido a socorrer; e chegara ali depois de sua morte e naufragio".(20) Do casamento com Maria Garcia Rodrigues Betimk, tornado Betim, filha de Garcia Rodrigues Vetho, nasceram oito filhos, em cujos nomes se nota a mesma variagéo antropon{mica, relativamente aos apelidos: Rodrigues Paes (Garcia), Dias Leite (Pedro), Paes (Custédia, Isabel e Catarina), Paes Leme (Mariana), Leite (Maria) e Leme (Ana Maria), nenhum deles repetindo no ordenamento antroponimico o nome do pai que se tornaria célebre, mas j4 renomado na época, Restam os outros companheiros de Martim Afonso, alguns j4 mencionados, como Jorge Pires, Brés Esteves, Jorge Ferreira. Do elen- co de nomes, releva a presenga de trés Antonios, de Proenga, de Oli- veira, Rodrigues de Aimeida; aliés, Antonio é 0 Prenome mais usado na onoméstica afonsina, pois aparece também na familia Adorno, Pinto € Cubas. S’o mencionados tanto por Frei Gaspar como por Car- valho Franco, Antonio de Oliveira chegou a ser Capitéo Mor Governador de S40 Vicente, em substituigso a Gongalo Monteiro e a Brés Cubas. NSo deve ter subido a serra, ficando na marinha, onde desenvolveu acio politica, desde que Frei Gaspar nada diz em contrario. Pelo casamento, estava ligado a Domingos e Jeronimo Leitéo, uma vez que sua mulher, @ portuguesa Genebra Leite de Vasconcelos, era irmd desses povoa- dores. Frei Gaspar ff-lo ascendente do grande tronco dos Oliveiras da Capitania. 20 Idem. Ibidem, p. 169. 12 Rav. Inst. Est Bras., SP, 93:112—127, 1992, Antonio Rodrigues de Almeida recebeu sesmarias no porto de Santos, no Rio de Janeiro e em Piratininga, onde teria residido, segundo Carvalho Franco. Consultando-se as Atas da CAmara, verifi- ca-se a presenga de um Antonio Rodrigues. Ser o mesmo companhei- to de Martim Afonso, ainda ativo em 1596? De seu casamento com Maria Castanho, de Monte-Mor, 0 Novo, veio a ascendéncia de “uma das suas mais ilustres e nobres familias, quais as do titulo de Almeidas Castanhos", acrescentando Frei Gaspar a esses nomes os Laras, os Toledos, os Taques e os Morais. Sabe-se, porém, que Antonio de Al- meida se tornou parente de Antonio de Proenga pelo casamento de sua filha, a citada Maria Castanho, com esse " mogo da Camara do infante Dz Luiz", “dentre os 213 mogos de Camara que teve". Diz Carvalho Franco que Antonio de Proenga veio em degredo para o Brasil e por isso recusou nomeagSo para a Camara de Piratininga, para a qual fora eleito. Todavia, seu nome figura como vereador nos anos de 1584, 1591 € 1593, e juiz ordinério em 1587, também podendo ser encontrado no cargo de Meirinho do Campo ou do Sertdo, até 1587. De sua descen- déncia, constam registros dos Proengas, Almeidas e Almeidas Proengas. Cristovam de Aguiar de Altero era também "cavaleiro fidalgo da Casa Real" e foi sucessor de Antonio de Oliveira no posto de Capitéo Mor e Ouvidor, por nomeagéo de Dona Ana Pimentel. A respeito de seu apelido de famflia, Carvalho Franco diz que sofreu uma modifica- ¢4o na Bahia para d’Altro e, deste, em Daltro, forma pela qual se tor- nou conhecido.(21) Finalmente, pelo que registra Carvalho Franco, sabe-se que Pedro Colago néo teria subido a serra, seus cargos politicos exercendo-os todos na marinha; a ele, segundo o autor, competiu a escolha-do novo local para onde se transferiu a povoagSo de S4o Vicente a fim de es- capar da invasio das 4guas, como j4 havia ocorrido. Por outro lado, nao se ignora que, na formagao populacional de Sao Paulo, houve a presenga do elemento castelhano, nao de todo contra- Tio, assim, a agdo colonizadora portuguesa meridional. As Aras da Camara trazem alguns dos que se integraram ao cotidiano paulista, participando do rol dos "homens bons da vila" , que podiam ser eleitos Para cargos publicos. Alids, Alfredo Ellis Janior j4 elaborara mesmo uma relagéo dos que vieram de Espanha para o Brasil e dentre eles encontram-se representados nas Atas, em 1582, Antonio de Sayavedra (Saavedra), como juiz ordindrio e em 1587, como vereador; talvez André de Burgos Jesus e Francisco Teixeira Cid; em 1584/1585, certa- mente Diogo de Onhate, como escrivio; em 1588, Bartholomeu Bueno da Ribeira, o sevilhano, como aferidor; em 1592, Alonso Peres, como procurador; talvez José de Camargo, almotacel em 1592 ¢ juiz em 1595, seja o mesmo Giuseppe de Camargo registrado por Ellis; em 1594, 0 21 FRANCO, Francisco de Assis Carvalho. Zbidem, p. 26. Rev, Inst Est. Bras., SP, 99:112—127, 1992 123 aimotacel € Antonio de Zouro; em 1591, 0 porteiro da Camara € Fran- cisco Ledo, de cujo nome Ellis aponta variantes espanholas: Gabriel Ponce de Ledo e Contreras y Leon. Nao seriam, contudo, apenas esses os sobrenomes quinhentistas; as Ata deixam entrever mais, como Domingos Alves, Frutuoso da Costa, Francisco de Brito, Francisco Pereira, Joao Soares, Salvador de Paiva, Pero Fernandes, Manuel Fernandes e Manuel Fernandes, 0 Moco, Estevéo Ribeiro e Estevéo Ribeiro, o Mago. Esté claro que a época era propfcia as alcunhas, os dois Manuel Fernandes, por exemplo, se diferengavam pelo emprego cronoldgico, o Velho € 0 Mogo se contrapondo, pai e filho ou tio e sobrinho? mas sempre da mesma famflia, Em outras circunstancias, o parentesco co- lateral podia se servir de formas semelhantes, como a de Joo Sobrinho, almotacel em 1531, ou mesmo Alvaro Neto, procurador do conselho em 1584, a alcunha aqui se integrando ao prenome e acarretando a perda do apelido clanico. Em Francisco Velho também est4 clara essa tendéncia a incorporagio, capacitando a sua transmissfo como um mero sobrenome pelo decl{nio da forma apositiva (o Velho). Outras vezes, o {ndice individual caracterizador € de procedéncia geogrdfica, como em Jodo Gallego, porteiro da CAmara no ano de 1564, o proprio Belchior da Costa, almotacel em 1586; Pero do Campo, almotacel em 1595; ou indicativo de uma caracterfstica fisica, como corre em Antonio Preto (?), vereador em 1572, ou de profissio, An- dré Escudeiro. Pode ocorrer também que a imprecisio onomdstica da €poca omita o apelido de famflia, ou 0 tronco clanico, s6 aparecendo a forma prenominal composta, o segundo membro do sintagma acaban- do ele proprio por se transformar em apelido, capaz de ser incorporado como tal pelos descendentes. E 0 caso de Domingos Luiz, procurador do Conselho em 1575; seria o mesmo que figura nas Aras, em 4.1,1562, quando ofereceu sua casa para os oficiais da Camara fazerem a sessfio desde que a vila ainda no tinha acomodagées proprias para o senado? Ou em 9.3.1563, quando eleito Capitéo do gentio, "coforme a hua quarta do sor quapitdo e ouvidor" ? (Atas, I, 24) Jé foi dito que, dos prenomes, Antonio aparece com regularidade, tanto entre os componentes da esquadra afonsina, como dentre os ca- maristas de Sao Paulo, o que est em consonancia a mentalidade ono- méstica do portugués quinhentista; 0 outro prenome que vem se man- tendo com constancia nas pesquisas que sempre vimos de realizar, con- trapondo-se a Antonio, é José,-e este, mais uma vez de acordo com a freqiéncia dos nomes lusitanos, nfo se fazia notar nas duas fontes (esquadra afonsina e Aras da CAmara de Sio Paulo), isto porque o Culto do santo de onde se derivou o uso antroponfmico é de devogio mais tardia em Portugal e, conseqitentemente, no Brasil. Para nfo fugir 40 uso, entretanto, surge o ja referido José de Camargo, no fim do 124 Rev. tnst. Est. Bras., SP, 33:112~ 127, 1992 Quinhentismo. Na realidade, 0 que se empregava como prenome era de outra tipologia, que depois tende a se escassear, como Pero, Chris- tovdo, Gaspar, Afonso, Domingos, Salvador. Joao, desde essa época, continua sendo um exemplo de vitalidade onoméstica, pois j4 era o preferido em plena Idade Média, afirmativa essa justificada pelos seguintes exemplos: Joo Fernandes, Jof0 Galle- g0, Jodo Rodrigues, Joio Maciel, Jof0 Soares, Jodo do Prado, Jofo Sobrinho, e, por certo, 0" notdvel e distinto entre eles", Joio Ramalho. Sua historia 6 conhecida e chega até a misturar-se ao lenddrio; ndo h4 porque se repeti-la aqui, apenas enfatizar que, j4 em 1563, figura como Capit&o Mor da vila de S40 Paulo, eleito pelo povo. A Atade 24.6.1562 diz o seguinte: "Se ajiitardo os hoficiaes da Camara p? daré juramto. dos sdoto evdogelhos p? Gbem e verdadeiramte. servise ho cargo de Capitdo da dita vila j¢ ramaiho (...) e elle prometeo de fazer verdade (...)* (Atas,I, 14). E, logo a seguir, esté o registro da provisdo que o Capitéo Governador da Capitania de Sao Vicente, Jofo Colago, passou a Jofo Ramalho: " fago a saber aos J esta minha provizdo virem & como p® bores & eleisdo saio p* capitdo p? a gera j? ramatho ao quail eu dou todo meu poder p* a gera como eu é p* e mdodo G na dita gera se a ouver lhe obedacao é tudo ho G necesairo for a gera somte. pr. Ge tudo mais se gardara ho q tenho mdodado & minhas provizdes so pena de quallquer p? ¢ hao dito j? ramalho ndo. quizer obedecer na dita gera sera prezo e da cada pagara vite cruzados e hii ano de degredo p* bertioga. (Atas, I, 14-15). Era assim Joao Ramalho, 0 todo-poderoso chefe branco dos guaia- nd, sempre pronto a socorrer a vila quando em perigo de invasdes con- trérias; s6 em perigo, porém, em outras circunstancias, ndo, ainda que © povo assim quisesse. E o que explica a Ata de 15.2.1564, quando o conselho da Camara se dirigiu "ds casas de Luiz Martins" onde "hai estava j? ramalho pouzado", a requerer-lhe aceitasse o cargo de verea- dor para o qual fora eleito: “e pelo dito j? ramatho nos dito G ele era hii homé velho pasava de setenta anos e G estava tdo bem é hii lugar é tera dos cOtrarios da paraiba e G estava tao bem como degredado no dito lugar e q pelas tais razoes ndo podia servir ho dito quargo € G suas merses chamasé outro”, * “E chamaram, de fato, a Lopo Dias, que aceitou a substituigdo (Atas, I, 37), a partir daf no mais se registrando a presenga de Ramalho na Amara. Rev. Inst. Est. Bras., SP, 33:112—127, 1992 125 Casado com Bartira, filha do chefe Tibirig4, em crist4 Isabel, com quem teria vivido por mais de quarenta anos — o que veio a se cons- tituir em uma de suas mais 4speras rixas com os inacianos, desde que deixara mulher em Portugal, Catarina Fernandes das Vacas — deixou uma descendéncia de oito filhos, inscritos em um testamento locali- zado por Washington Luis, segundo relato de Afonso Taunay.(22) Seriam estes: André Ramalho, o mameluco de Sdo Paulo, Joana Ra- malho, Margarida Ramalho, Victério Ramaiho, Antonio de Macedo, Marcos Ramalho, Jordio Ramalho e Antonia Quaresma. Azevedo Marques difere da relacdo, apontando Beatriz Dias, casada com Lopo Dias, Francisco Ramalho, o Tamarutaca, Antonio Macedo, Vitorino e Joana Ramatho.(23) Ellis diz que Beatriz Dias, mulher de Lopo Dias, era filha de Tlbirig4, ndo do patriarca, de quem seria apenas cunha- da(24); Pedro Taques, por sua vez, diz que Joana Ramalho era irma de Joo e mulher de Jorge Ferreira, Capitio Mor de Séo Vicente, em 1556.(25) Conclusio HA controvérsias genealégicas nesse campo do entroncamento fami- liar, portanto, que escapam ao dmbito desta andlise; o que deve salien- tar, porém, o antroponimista € que, entre o portugues e os indios guaiands aldeados, estabeleceu-se um vinculo de parentesco pela unifio do homem branco e da mulher india, num caldeamento que iria se re- petir de modo constante por todo o Quinhentismo e Seiscentismo paulista, dando origem a um dos mais contundentes exemplos de mis- tura étnica que 0 Brasil conheceu — o mameluco de Sdo Paulo — capaz de, por si s6, estabelecer no Planalto um sistema de vida autdrquico e auto-suficiente, como querem alguns, independente e auténomo, dis- Unto de outros, e que alterou profundamente os rumos da histéria do pais. 22 TAUNAY, Afonso E. Jogo Ramalhoe Silo Paulo. O Estado de Sao Paulo, Ed. \- tendrio, 25.1.1954. p. 12. ° 0 Paulo, Edo NV Cen 23 MARQUES, Manoel Eutrisio de Azevedo. Aponiamentas histbricos, geogrdficos, biogrd- fics exatcos enodsinas da Provincia de Sao Paulo, idos da ja das acon- tecimentos mais a; capitania de Séo Vicente até 1876, Sto Paulo, Publ. Comemorat, sob o alto patroc. da Com. do IV cidade Publ Comemorat solo pl Centen. da cidade de S. Paulo, Bibl. 24 BLLIS JUNIOR, Alfredo. Roga de 66, Teria havido, segundo o aut tras utes de portugits com naigenan Siem de Jolo Ramee bere coor es com Terebé, filha de Tibirica, Brés Goncalves com a filha do chefe de Virapueira, Domin- 0s Lulz Grou com a filha do chefe de Carapicutba. Cf. tb. do autor, Os primetros troncos '€ cruzamento euro-americano. Sko Paulo, Cia. Edit. Nac., 1936. p. 49. 25 LEMB, Pedro Taques de Almeida Paes — Ibidem, Il, p2. Cf. também PRADO, J. F. Atpeia = Primehos povoadores do Bra! 1500 1336, SPoule, Ga Bak, Nacloal 1538, Rav, Inst. Est. Bras., SP, 33:112—127, 1992 Importa, além disto, revelar que, antropOnimos de feig&o to lusi- tana, acabaram, por um sistema de simbiose, a enraizar-se na terra, passando a assumir as caracterfsticas da vila de serra acima, como se aqui origindrios fossem. Hoje, sio to paulistas como, antes, foram Pportugueses; até as préprias alcunhas vieram a perder a cor d’além mar, misturando-se as coisas da gente, como um dado seu. Recebido em 26/03/90 ABSTRACT The Antroponimy in Brazil has its in Kompuese Onomasic, mainy. When Martin Aj ‘de Sousa inated in Seo serie, int 16th. Century, brought in his squadron land some of high bink, others not; in harbour and plateau the cra of the fi fale of Sto Pio areas md damonsnated the ccnaornay weal ihe praca hide of cultural information. Key-words: Antroponimy; Ancient Family Names; Sumames; Wick Names; ‘Names and Memory. Rev. Inst. Est. Bras, SP, 33:112- 127, 1992

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