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Por que somos corruptos?

Por Marcia Tiburi

A máxima “o poder corrompe” é a bandeira que cobre o caixão no qual velamos


a política. Ela é primeiro desfraldada por aqueles que pretendem evitar a partilha do
poder que constitui a democracia. Ela é aceita por todos aqueles que se deixam levar
pela noção de que o poder não presta e, deste modo, doam o poder a outros como se
dele não fizessem parte. Esquecem-se que a falta de poder também corrompe, mas
esquecem sobretudo de refletir sobre o que é o poder, ou seja, ação conjunta.
Democracia é partilha do poder. É o campo da
vida comum, a vida onde todos estamos juntos como numa mesma embarcação em mar
aberto. Partilhamos o poder querendo ou não, mas podemos fazê-lo de modo submisso
ou democrático, omisso ou presente. Estamos dentro da democracia e precisamos
seguir suas consequências. Democracia é também responsabilização pelo contexto em
que vivemos: pelo resultado das eleições, pela miséria, pelo cenário inteiro que
produzimos por ação ou omissão. Mas não nos detivemos em escala social para
entender o que a democracia é e, por isso, falta-nos a reflexão que é capaz de orientar
o seu sentido, bem como o sentido do poder e da política.
[...] É nosso dever hoje reavaliar a experiência brasileira diante da política. A
compreensão da política como campo da profissão, por definição, corrupta, é ela mesma
corrompida e corrupta. Ela destrói a política, cujo significado, precisamos hoje, refazer.
Esta é a ação política mais urgente. Acostumamo-nos ao pré-conceito de que política é
apenas governabilidade e deixamos de lado a ideia fundamental de que a política é
projeto de sociedade da qual participam todos os cidadãos. Reclusos em nossas casas,
acreditamos que a esfera da vida privada está imune ao político. Esquecemos que o
pessoal é também político, não como espetáculo, mas como lugar de relação e modelo
da esfera macroscópica da sociedade. [...] Na omissão praticamos a anti-política. Toda
anti-política que seja omissão e não crítica é corrupção da política por ser corrupção da
ação. A mais urgente das ações políticas na atualidade, além da punição dos que
transformaram nossa governabilidade em prostituição da ação, é refazermo-nos como
políticos no verdadeiro sentido. (Jornal Zero Hora, 30/04/2006).

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