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Um canto de saudade

Os versos de Saudade, música inédita e homônima ao novo disco de Alceu Valença, expressam um
sentimento quase onipresente no momento atual. Ele diz: saudade do sol, da lua, da estrada, e continua com
“saudade dos amigos, como eu, confinados / que, mesmo distantes, se encontram ao meu lado”. E, em
seguida, manda embora a saudade que insiste em permanecer - “xô saudade”, em referência direta ao
isolamento social durante a pandemia.

Para aplacar, de alguma forma, a saudade da rotina de artista da música, dos shows e também dos estúdios, o
cantor e compositor pernambucano, nascido em São Bento do Una, fez um disco inteiro, com 11 músicas,
dedicado ao tema da saudade - o que está presente em diversas canções da sua obra. É o segundo lançado por
Alceu em 2021 e mais dois álbuns já estão previstos para este ano. O disco já Saudade está disponível nas
plataformas digitais de música.

Sucessor de Sem pensar no amanhã, que chegou ao mundo no primeiro semestre, Saudade é um álbum que
revisita, em formato voz e violão, canções marcantes em sua trajetória e traz duas composições inéditas, a
faixa-título e Era Verão. Também reapresenta músicas como Tropicana, Como dois animais, Tesoura do
Desejo, Solidão e faz homenagem ao Carnaval pernambucano em Ladeiras e Olinda.

“Eu não tinha o hábito de tocar violão. Tocava apenas nos shows, alguém da equipe afinava. Só quando
morei em Paris (no final dos anos 1970). E aí veio a pandemia e, em casa, eu começo a pegar o violão para
tocar o tempo todo, sempre que posso”, diz Alceu.

Ficava, então, tocando suas músicas na sala de casa, principalmente nos momentos em que as reformas na
vizinhança diminuíam a intensidade. “As obras às vezes não me permitiam tocar. Ficava uma barulheira.
Durante o dia praticamente não conseguia tocar. Tinha uma obra que vinha de antes da pandemia e ficou até
pouco tempo”, conta.

Cantos e caminhadas
Nesses momentos, seguia para ouvir músicas de Dorival Caymmi, Luiz Gonzaga, Dalva de Oliveira, Jackson
do Pandeiro, entre outros, em plataformas de streaming, hábito cultivado na pandemia, ou então descia para
caminhar nos arredores do seu condomínio, no Rio de Janeiro “Buscava fazer alguma coisa para matar o
tempo”, afirma, lembrando, em seguida, da faixa Andar, andar, também presente no disco Saudade, em que
diz do cotidiano de compositor na cidade em que mora: "Eu compus essa canção / Andando de Ipanema /
Para o Baixo Leblon / Procurando te encontrar / No meu Rio de Janeiro”.

Quando o silêncio permitia, Alceu voltava para o seu repertório, horas e horas de revisita - ou de saudade.
Num certo dia, a esposa, Yanê Montenegro, ouviu uma sequência de canções.
“Eu pegava uma música, cantava e lembrava de outra. Fazia um roteiro, mas não estava pensando nisso, em
disco. Um dia, cantei, em caminhar, uma e depois outra, e minha mulher disse: ‘isso está lindo, é um
disco?’”, narra Alceu, que lembrou da sequência de músicas e falou com Rafael Ramos, diretor e produtor da
DeckDisk, para fazer o primeiro disco. Seguiu, assim, para o estúdio e, acompanhado do seu violão, gravou
Sem pensar no amanhã.

O projeto, então, se expandiu para a criação de quatro discos, o terceiro com o guitarrista Paulo Rafael, que o
acompanha há décadas, e o quarto com a temática do sertão. “Chamei o Paulinho para gravar comigo. E
depois comecei a lembrar da cultura do sertão profundo, de São Bento do Una. É uma cultura que vai de
Pernambuco até a Bahia”, diz.

Além de músicas marcantes na sua trajetória que compõem o álbum e ganharam arranjos mais intimistas,
Alceu gravou Era Verão, um samba inédito que fala de mudanças, tanto na sua trajetória, a exemplo das
viagens e das casas, de Pernambuco ao Rio de Janeiro, de São Bento do Una a Paris, passando por Lisboa,
como também das transições que o mundo vem passando.

O músico diz acreditar que vivemos tempos de incertezas, mas também de transformações. “Eu tenho a
impressão que mudanças podem acontecer. E estão acontecendo. Tenho visto mais solidariedade. Quando
saio, muito pouco, para caminhar ou para resolver alguma coisa, vejo pessoas ajudando outras nas ruas,
tendo um cuidado maior com o outro. Acho que as pessoas estão tomando consciência que a vida é
passageira”, completa.

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