Você falou sobre a importância de existirem raízes profundas dentro de nós, habitando
nossos corpos. O que quis dizer com isso?
O corpo pode se tornar um ponto de acesso para o domínio do Ser. Vamos nos deter mais
profundamente nisso agora.
Ainda não tenho certeza se entendi o que você quer dizer com Ser.
“Água? O que você quer dizer com isso? Não estou entendendo nada”. É o que um peixe
diria, se tivesse uma mente humana.
Por favor, pare de tentar entender o Ser. Você já teve lampejos significativos do Ser, mas a
mente vai sempre tentar espremê-lo dentro de uma caixa e colocar-lhe um rótulo. Isso não
dá certo.
O Ser não pode se tornar um objeto de conhecimento. No Ser, o sujeito e o objeto formam
uma coisa só. O Ser pode ser sentido como o eternamente presente Eu sou, que está além
do nome e da forma.
Libertará do quê?
Libertará da ilusão de que não somos nada mais do que o nosso corpo e a nossa mente. É
nessa “ilusão do eu interior”, nas palavras de Buda, que está o erro central. Libertará dos
inúmeros disfarces do medo, que é uma conseqüência inevitável dessa ilusão, o medo que
não vai parar de nos torturar, enquanto continuarmos extraindo o sentido do eu interior
exclusivamente dessa forma efêmera e vulnerável.
🤔Não gosto da palavra pecado. Ela pressupõe um julgamento e uma atribuição de culpa.
Posso entender isso. Durante muitos séculos, foram se acumulando interpretações erradas
em torno de palavras como pecado, devido à ignorância, à incompreensão ou a um desejo
de controle, embora todas contenham um fundo de verdade. Se você não for capaz de olhar
para além de tais interpretações e, por isso, não reconhecer a realidade para a qual a
palavra aponta, então não a use.
Não se prenda às palavras. Uma palavra nada mais é do que um meio para atingir um fim.
É uma abstração. Tal qual um letreiro em forma de seta em um poste, uma palavra aponta
para além dela mesma. A palavra mel não é mel. Você pode estudar e falar a respeito de
mel pelo tempo que quiser, mas não vai saber o que é enquanto não prová-lo. Depois de
provar, a palavra perde a importância e não ficamos mais presos a ela.
De forma semelhante, podemos falar ou pensar sobre Deus, sem parar, pelo resto da vida,
mas será que isso significa que conhecemos ou que tivemos uma rápida visão da realidade
para a qual a palavra aponta? Ela não passa de um apego obsessivo a um letreiro no poste,
um ídolo mental.
O contrário também acontece. Se, por alguma razão, não gostamos da palavra mel, pode
ser que jamais o experimentemos. Se você tem uma forte aversão à palavra Deus, o que é
uma forma negativa de apego, pode estar negando não só a palavra como também a
realidade para a qual ela aponta. Você estará se privando da possibilidade de vivenciar
essa realidade.
Tudo isso tem, naturalmente, uma relação direta com o fato de estarmos identificados com
as nossas mentes.
Portanto, se uma palavra não significa mais nada para você, jogue-a fora e use outra que
signifique. Se você não gosta da palavra pecado, chame-a então de inconsciência ou
insanidade.
Essa atitude talvez lhe aproxime mais da verdade – a realidade que está além da palavra –
do que um longo uso equivocado da palavra pecado, deixando pouco espaço para a culpa.
🤔Essas palavras também não me agradam. Elas pressupõem que existe alguma coisa
errada comigo. É como se estivessem me julgando.
Claro que existe alguma coisa errada com você e ninguém está julgando nada.
Sem querer ofender, mas você não pertence à raça humana que matou mais de cem
milhões de membros da própria espécie, somente no século vinte?
Atente para a crueldade e o sofrimento abomináveis, em uma escala jamais imaginada, que
os homens infligiram e continuam a infligir a outros homens, assim como a outras formas de
vida. Você não precisa condenar, apenas observe. Isso é pecado. Isso é insanidade. Isso é
inconsciência.
Acima de tudo, não esqueça de observar a sua própria mente. Busque nela a raiz da
insanidade.
🤔Você disse que a identificação com a forma física faz parte da ilusão. Então como é que
o corpo pode nos levar à realização do Ser?
O corpo que podemos ver e tocar não consegue nos conduzir para dentro do Ser. Mas esse
corpo visível e palpável é só uma casca, ou melhor, uma percepção limitada e distorcida de
uma realidade mais profunda. Em nosso estado natural de conexão com o Ser, essa
realidade mais profunda pode ser sentida, a cada momento, como o corpo interior invisível,
que é a presença viva dentro de nós.
Portanto “habitar o corpo” é sentir o corpo bem lá no fundo, de modo a sentir a vida dentro
dele e, assim, realizar que somos algo mais além da forma exterior.
Mas isso é só o começo de uma jornada interior, que nos levará ainda mais fundo para uma
região de grande serenidade e paz, embora também de grande poder e de vida palpitante.
No início, talvez você só consiga ter rápidas visões dessa região, mas, através delas,
começará a perceber que você não é apenas um fragmento sem sentido em um universo
estranho, levemente suspenso entre o nascimento e a morte, com poucos momentos
prazerosos de curta duração seguidos de dor e, no final, de devastação.
Por baixo da forma exterior, estamos em conexão com algo tão grande, tão incomensurável,
tão sagrado, que não pode ser concebido, nem compreendido através de palavras, embora
eu esteja falando sobre ele agora. Estou falando não para dar a você alguma coisa em que
acreditar, mas para mostrar de que modo você pode conhecê-lo. Enquanto sua mente
absorver toda a sua atenção, você não conseguirá estar em conexão com o Ser.
A mente absorve toda a sua consciência e a transforma em matéria mental. Você não
consegue parar de pensar. O pensamento compulsivo se tornou uma doença coletiva. Tudo
o que você achava que sabia a seu respeito passa a se originar da atividade mental. Sua
identidade, como não tem mais raízes no Ser, se transforma em uma construção mental
vulnerável e indispensável, que cria o medo e este passa a ser a emoção oculta
predominante.
Fica faltando, então, a única coisa que realmente importa em sua vida, que é a percepção
do seu eu interior mais profundo, a sua indestrutível e invisível realidade. Para se tornar
consciente do Ser, você precisa ter de volta a consciência aprisionada pela mente. Essa é
uma das tarefas mais essenciais na sua jornada espiritual. Ela vai libertar grandes porções
de consciência que antes estavam presas nos pensamentos inúteis e compulsivos.
Uma forma eficaz de realizar essa tarefa é desviar o foco da atenção do pensamento e
dirigi-lo para o interior do seu corpo, onde o Ser pode ser percebido, numa primeira etapa,
como o campo de energia invisível que dá vida àquilo que você entende como seu corpo
físico.
Vamos fazer uma experiência agora. Talvez ajude fechar os olhos para este exercício.
Depois, quando o “estar dentro do corpo” se tornar algo fácil e natural, isso não será mais
necessário.
Dirija a atenção para dentro do seu corpo. Sinta-o lá no fundo. Está vivo? Há vida nas suas
mãos, braços, pernas e pés, em seu abdômen, no seu peito? Você consegue sentir o
campo de energia sutil impregnando todo o seu corpo e fazendo palpitar cada órgão e cada
célula? Percebe o que está acontecendo em todas as partes do corpo ao mesmo tempo,
como se fosse um só campo de energia?
Mantenha o foco, por uns momentos, sobre a sensação que passa pelo seu corpo interior.
Não comece a pensar sobre ela. Sinta-a. Quanto mais atenção você der à sensação, mais
clara e forte ela ficará. É como se cada célula se tornasse mais viva e, se você tiver uma
forte percepção visual, talvez obtenha uma imagem do seu corpo ficando luminoso.
Embora uma imagem assim possa lhe ajudar temporariamente, preste mais atenção ao que
você está sentindo do que a qualquer imagem que possa surgir. Uma imagem, não importa
o quanto seja bela ou poderosa, já tem uma forma definida, e, por isso, deixa menos espaço
para penetrar mais fundo.
A sensação dentro do nosso corpo interior não tem forma, não tem limites, não tem um fim.
Sempre podemos penetrar mais fundo. Se você não consegue sentir muito bem esse
estágio, preste atenção ao que consegue sentir. Talvez exista um leve formigamento em
suas mãos e em seus pés. Já basta para o momento. Focalize apenas a sensação. O seu
corpo está se tornando vivo. Praticaremos outras vezes, mais adiante.
Por favor, abra os olhos agora, mas mantenha alguma atenção no campo de energia interior
do corpo, mesmo que esteja olhando a esmo. O corpo interior está na fronteira entre a
forma e a essência, que é a sua verdadeira natureza. Nunca perca o contato com ele.