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ALBRES, Neiva de Aquino.

Tenha “OLHO CARO”: a interpretação de expressões


idiomáticas da Língua de Sinais Brasileira Campo Grande – MS: EPILMS 17 e 18 de
novembro, 2006.

TENHA “OLHO CARO”: A INTERPRETAÇÃO DE EXPRESSÕES


IDIOMÁTICAS DA LÍNGUA DE SINAIS BRASILEIRA.

Neiva de Aquino Albres1


RESUMO
Tivemos como objetivo desenvolver um levantamento das expressões idiomáticas da LSB e
desenvolver um estudo descritivo-analítico. Assumindo como ponto de partida a intuição de um
falante nativo da língua, registrando 243 expressões comumente usadas por seus interlocutores surdos.
Os vocábulos foram divididos em quatro categorias. a) LS e LP: expressões compartilhadas nas duas
línguas com o mesmo significado; b) Língua Portuguesa e Língua de Sinais: mesma expressão com
significados diferentes; c) LS e LP expressões diferentes com significados equivalentes, d) Expressões
Idiomáticas específicas da Língua de Sinais.

INTRODUÇÃO
A palavra pode apresentar significados diversos dos encontrados no dicionário,
conforme o contexto na qual está inserida. A essa pluralidade de significados dá-se o nome de
polissemia. Ainda assim há os significados que podem ser considerados sentidos denotativos,
uso geral, comum, literal, para finalidade prática, utilitária, objetiva, usual e outras com
sentido conotativo uso expressivo, diferente daquele empregado no dia-a-dia, depende do
contexto. Este último mais conhecido como sentido figurado.
A Língua de Sinais também apresenta conotação, pois utiliza-se das figuras de
linguagem para valorizar o texto, tornando a linguagem mais expressiva. As figuras de
linguagem podem estar relacionadas à escolha de palavras, à estruturação da frase, à
formulação das idéias ou à escolha de fonemas de um texto (expressão, frase...)
(MINCHILLO, TORRALVO, PELACHIN, 2001)
SENTIDO SENTIDO
DENOTATIVO CONOTATIVO

No Japão Os vizinhos estão


aconteceu um “quebrando o pau”
terremoto

1
Mestre pelo Programa de Pós-graduação Stricto Sensu em Educação da Universidade Federal de Mato
Grosso do Sul. Fonoaudióloga, psicopedagoga, professora de surdos, intérprete de Libras. Diretora
administrativa FENEIS/SP e professora assistente do curso de Letras/Libras UFSC no pólo USP - São Paulo.

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idiomáticas da Língua de Sinais Brasileira Campo Grande – MS: EPILMS 17 e 18 de
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Tomamos como objeto de estudo a Comparação, Metáfora e metonímia. Há uma


pequena diferença entre esses três processos Assim na comparação estabelece a aproximação
de dois seres (objetos, idéias, realidades), por se perceber entre eles uma característica
comum. Gramaticalmente, a comparação é caracterizada pela presença de conectivos e / ou
advérbios de intensidade. Já na metáfora a depreensão de uma característica comum entre um
ser e outro, pode determinar o emprego de uma palavra no lugar de outra. Toda metáfora
pressupõe uma comparação, cujos elementos de comparação (nexos gramaticais) foram
eliminados. Metáforas simples fazem simples comparações, podem estar relacionadas à
mudança de sentido de uma palavra ou frase, como meter a mão em cumbuca, fazer das tripas
coração, estão relacionadas a imagens, como fumar como uma chaminé, ficar de nariz torcido.
Já nas metonímias substituem um elemento pela citação de outro que lhe está relacionado, que
lhe é próximo.
COMPARAÇÃO METÁFORA METONÍMIA

igual a/ parece com


Dinheiro voa Cabelos brancos
Há necessidade do uso de termos Um termo substitui o outro Parte pelo todo
de comparação: como, parece, tal
qual.

As publicações existentes sobre a LSB até o presente momento apresentam o léxico de


forma dura, sem discutir sua polissemia. A tradição lexicográfica da produção da Língua
Brasileira de Sinais é constituída da produção de “dicionários” ou livros de Língua Brasileira
de Sinais que compilem os sinais por ordem alfabética ou por classes de palavras.

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Parece não levar em consideração que as palavras e sinais têm carga cultural,
aditivadas com conotações que os membros da comunidade surda atribuem.
Consideramos que pela característica objetiva e da língua de sinais, e pela menor
incidência de conectivos (preposições, conjunções) na fala espontânea dos usuários da língua,
é menos comum o uso da comparação em detrimento ao uso de outras figuras de linguagem.
Tais evidências de uso da comparação talvez estejam no uso da língua de sinais, em
suas formas de narrar as histórias e/ou de adaptar histórias clássicas, mas Karnopp (2006)
denuncia que são praticamente inexistentes textos que apresentem as narrativas que circulam
entre surdos, contadas e recontadas em língua de sinais.
Assim, para construção da análise nos detemos apenas nas metáforas e metonímias
usadas para construção de expressões de uma língua, respectivamente, que seriam
instrumentos comparativos e relação de proximidade ou vizinhança de sentidos que se
transferem.
As expressões podem recorrer a diferentes analogias, como com as partes do corpo,
com animais, com termos de percepção, termos sensoriais, termos de textura, termos de
alimentação, termos de viagem/ deslocamento, as emoções, estados mentais e atividades. Para
este capítulo apresentaremos apenas uma introdução a essas categorias e suas respectivas
expressões na Língua Brasileira de Sinais. Mas decidimos subdividir a apresentação em
quatro categorias que se referem mais ao processo analógico da Língua portuguesa do que ao
referente que é comparado. Coutinho (2000) já havia registrado que as expressões idiomáticas
da língua de sinais não são necessariamente frases ou palavras iguais da língua portuguesa.
Faria (2005) já desenvolvera uma pesquisa semelhante, todavia na perspectiva do
leitor surdo ao tomar os textos escritos em português, fez a opção por denominá-las de
‘fraseologismo’, pois são unidades lexicais com mais de uma palavra. Procurou identificar a
localização e interpretação de pistas contextuais que levavam os alunos surdos a identificar
blocos de sentidos no processo de leitura. Constatou que para um trabalho com surdos é
necessário que se mostre a eles que “dentro dos diferentes contextos as palavras mudam seu
sentido original, “ressignificam” e surgem novas possibilidades de interpretação,
normalmente aceita pela comunidade que as usa”. ( ibid, 2005, p.196)
Tomamos essa análise da interpretação, no sentido de procurar identificar o objetivo
da enunciação no contexto proferido. Consideramos que os intérpretes de libras não podem se
prender a relação palavra/sinal. Mas é agente no processo de interpretação e esta passa por
suas vivências e constroe-se na subjetividade.

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Levantamos 243 expressões e as dividimos fazendo uma comparação com a língua


portuguesa

CATEGORIA EXEMPLO
1) Expressões compartilhadas
nas duas línguas com /AMOLAR/ : aborrecer, importunar
significado equivalente:

121
2) Expressões compartilhadas /COROA/
nas duas línguas com
LP: mulher velha
significados diferentes
LS: pessoa entendida no assunto

26
Existe uma correspondência
perfeita de idéias, mas não nas
formas usadas para representar
essas idéias

3) Expressões diferentes com LP: Te peguei no flagra


significados equivalentes
LS: /VER-HORA/

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4) Expressões Idiomáticas
específicas da Língua de
Sinais

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100

50

0
Expressões idiomáticas da Libras
Expressões compartilhadas nas duas línguas com o mesmo significado;

Mesma expressão com significados diferentes

Expressões diferentes. Existe uma correspondência perfeita de idéias, mas não


nas formas usadas para representar essas idéias
Expressões Idiomáticas específicas da Língua de Sinais

Temos que aprofundar esse estudo, para tanto estamos procurando trabalhar a luz da
lingüística cognitiva. Wilcox (2004) e Wilcox e Jarque (2004) apontam achados da pesquisa
na lingüística cognitiva sobre Língua Americana de Sinais e consideram essencial a análise da
articulação entre metonímia, metáfora e iconicidade.
Devemos fazer, neste momento, uma distinção entre língua e modalidade. A língua é
um sistema de uso e produto social, é um instrumento do pensamento e de interação, está
sempre em aberto e em construção. Não há uma determinação unívoca dos significados do
léxico “justamente porque se determinam no discurso e pelo discurso adquirem novos
matizes” (GERALDI, 2003, p. 78). Ao nos referirmos à modalidades, entendem-se canais por
meio dos quais as línguas são produzidas, e os principais são: o falado, o escrito e o sinalizado
(WILCOX, WILCOX, 2005).
Para a análise, delineou-se uma hipótese de partida. Se há essa forte influencia, não
seria apenas porque a língua é de modalidade gestual visual, mas, sim, pela necessidade de
concretizar as questões abstratas trazendo-as para aspectos mais visíveis, ou melhor,
sensitíveis aos seres humanos, como uma aproximação conceitual de interpretação das
questões mais abstratas.

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Essa modalidade gestual visual propicia a construção da


língua altamente ligada a iconicidade, pelo menos no diz respeito à
motivação inicial de ampliação do léxico. Se analisarmos a
construção do sinal para /PALHAÇO/, encontramos o sentido
denotativo (artista de circo que diverte as pessoas) e sentido
conotativo (cena ou ação ridícula). Para construção do sinal utiliza-
se a representação do nariz de palhaço, relacionado à iconicidade.
Recorta-se a parte marcante da vestimenta de um palhaço, ou seja, o
nariz redondo e vermelho, e dele se constroe o léxico da língua.
Esse mesmo referente pode proporcionar em outro contexto
discursivo o sentido de prestar-se ao ridículo, ou até mesmo ser interpretado com a expressão
da Língua portuguesa “levar um bolo”, isso dependerá do contexto.

Neste exemplo identificamos um caminho para a construção da expressão idiomática:

ICONICIDADE METONÍMIA METÁFORA EXPRESSÃO IDIOMÁTICA

Cabe ao intérprete na ação de seu trabalho não usar uma leitura imediata, mas sim
pensar em uma relação entre X e Y, buscando semelhanças que viabilizem a metáfora na
língua alvo, como um processo de decifração e processamento analógico. A metáfora não
precisa ser uma mínima palavra, mas pode ser uma unidade semântica.

A metáfora é um processo pelo qual se transfere o significado próprio de uma palavra


para outra significação que lhe convém apenas em virtude de uma comparação mental, como
em: a chama do desejo, as luzes da alma. A metáfora carrega dentro de si a oralidade,
pertence à transmissão oral. (CASULA, 2005)
Lakoff e Johnson (2003) afirmam que as metáforas têm sido pensadas como
fenômenos marginais, mas refutam essa idéia, pois consideram que as metáforas são de
importância vital para o próprio funcionamento da mente humana, uma vez que sem a sua
atuação constante, o pensamento em si se tornaria impossível. Não a analisam apenas pelas
suas características relacionadas à linguagem, mas, sim, à própria atividade de cognição.
Esclarecemos que as expressões de uma língua podem recorrer às metáforas
(comparação) ou não. Por exemplo, boa sorte é uma expressão idiomática em língua

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portuguesa compartilhada na LIBRAS, mas que não recorre à metáfora, apenas é produzida
por composição de duas palavras que permanecem com seus sentidos isolados.

As metáforas podem tornar-se comum a ponto de ser considerado um sinal da Libras.

A metaforização é um processo de vasto uso na criação de léxico. Uma


metáfora pode se vulgarizar a ponto de se converter em léxico. Em muitos
casos, a percepção da origem metafórica chega a se dissipar. A metáfora
lexicalizada, a rigor, deixa de existir como metáfora. (RADAMES, 2006)

Neves (1998) observou que as metáforas do cotidiano são usadas para a produção do
humor, geralmente com conotação sexual, como simples comparação, mas como
representação de experiências vividas.
As metáforas estão presentes em fábulas, contos e piadas de surdos que geralmente
tematizam a importância da língua, cultura e identidade surda. Revelam a situação bilíngüe
social que os surdos vivem e criam humor a partir das situações mais corriqueiras.
Após a apresentação das definições sobre as expressões idiomáticas da Libras,
passamos a construção da oficina para intérprete de Libras que tematize o processo de
transposição desses aspectos da língua de sinais para a língua portuguesa e da língua
portuguesa para a língua de sinais.
O objetivo principal foi de incluir os intérpretes nesse processo de reflexão, caberia
então propiciar situações de discussões entre os intérpretes e surdos participantes, em que se
pudesse contribuir com o processo de interpretação, principalmente na interpretação da língua
de sinais para língua oral, uma solicitação antiga dos intérpretes.
Assim a dinâmica preparada para a oficina foi a formação de grupos (4 pessoas) e a
distribuição de fichas que continham desenhos com expressões da Libras e frases com
expressões em Língua Portuguesa. Incentivando os grupos a discutir e apresentar as
possibilidades de interpretação para a outra língua, ao final sendo apresentado ao grupo todo.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
A história da Língua de Sinais nos revela que ela foi por muito tempo considerada
pobre, e no período de uso da proposta educacional da Comunicação Total foi subordinada à
Língua Portuguesa. Atualmente estamos em processo de descobrimento das riquezas e
sutilezas da Libras.
Esse espaço de compartilhar as experiências dos intérpretes e surdos pode contribuir
para a melhor atuação dos intérpretes e o conseqüente acesso à informação pelos surdos. A
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tomada de consciência das figuras de linguagem existentes na Libras e a possibilidade de


discussão (compartilhar) nos leva a melhor compreensão do “mundo dos surdos”.

REFERÊNCIAS

CARRION, Wellington. Expressões idiomáticas. Imaster. Acessado em 24/03/2005


<http://www.imasters.com.br/imprimir.php?cn=3220&cc=205>

CASULA, Consuelo C. METÁFORAS - Para a Evolução Pessoal e Profissional. Rio de


Janrito: Editora Qualitymark, 2005.

COIMBRA, Rosa Lídia. Metáforas de perder e ganhar nos títulos de imprensa desportivos, in:
ABREU, Luis Machado de (coord.) Diagonais contemporâneas das Letras Portuguesas,
Avieiro, Fundação João Jacinto de Magalhães, 1996, pp. 161-169.

FARIA, Sandra Patrícia. A metáfora na LSB e a construção dos sentidos no


desenvolvimento da competência comunicativa de alunos surdos. Dissertação de mestrado
do instituto de letras da Universidade de Brasília - UNB, 2005.

_______Metáfora na LSB: debaixo dos panos ou a um palmo de nosso nariz?


<143.106.58.55/revista/include/getdoc.php?id=272&article=114&mode=pdf> Revista
Educação Temática Digital, Campinas, v.7, n.2, p.178-198, jun. 2006.

GERALDI, João Wanderley. In: XAVIER, Carlos Antonio e CORTEZ, Suzana (orgs.)
Conversas com lingüistas: virtudes e controvérsias da lingüística. São Paulo: Parábola, 2003
p.77-90.

KARNOPP, Lodenir Becker. Literatura Surda. Literatura, Letramento e Práticas


Educacionais: Grupo de Estudos Surdos e Educação.
<143.106.58.55/revista/include/getdoc.php?id=272&article=114&mode=pdf> Educação
Temática Digital, Campinas, v.7, n.2, p.98-109, jun. 2006

LAKOFF, O George e MARK, Johnson. Metáforas da Vida Cotidiana. Mercado das letras,
2002.

NEVES, Marilene. Metáforas que nos Fazem Rir. IN: PAIVA, Vera Lúcia Menezes de
Oliveira (org) Metáforas do Cotidiano. UFMG, 1998.

WILCOX, Sherman; WILCOX, Phillis Perrin. Aprender a ver. Editora Arara Azul: Rio de
Janeiro, 2005. (Coleção Cultura e diversidade)

RADAMES, Manosso. Elementos de retórica. acessado em 25/03/06


<http://www.radames.manosso.nom.br/retorica/metafora.htm>

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