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Quando, no dia seguinte, Nobambo retornou ao seu lugar de costume no alto das
montanhas, avistou um horizonte enlouquecido. Fumaça se espalhava pelo céu,
lançando uma nuvem negra sobre a terra. O ar queimava-lhe os pulmões. Na base
do penhasco, uma fissura gigante se abrira e emanava vapor. Nobambo se
inclinou e viu um brilho fraco no fundo da fissura.
E, por todo canto, em todo lugar, imperava um silêncio quase absoluto, como se
as criaturas da região tivessem morrido ou fugido para algum esconderijo remoto.
Mesmo assim, Nobambo sentia que não estava só. Por um breve instante, pensou
ter apanhado um movimento furtivo com o canto do olho. Olhou ao redor, em parte
esperando encontrar Korin.
Nobambo olhou mais uma vez para a paisagem horrenda à frente e se perguntou
se o futuro próximo traria o fim de tudo que ele conhecia.
Mas o tempo passou e a vida, tal como estava, seguiu adiante. Relatórios
chegavam ao acampamento sobre regiões inteiramente destruídas. Mas o mundo
sobrevivera.
Mas esse lamento logo cessava também, e nada restava além do silêncio.
Nobambo se afastava dos portões, olhando para o próprio corpo frágil, deformado
e imprestável. Ele tremia e chorava, aguardando o inevitável despertar.
Um rangido ecoou enquanto os portões se abriam lentamente. Nobambo olhou
para cima com os olhos arregalados. Isso nunca acontecera antes. Isso era novo.
Qual seria o significado disso?
Nobambo entrou, atraído pelo calor das chamas. Olhou ao redor, mas não havia
corpos, nenhum sinal da carnificina além de algumas armas abandonadas em
torno da fogueira.
Um trovão soou levemente e Nobambo sentiu uma gota de chuva no braço. Deu
mais um passo à frente e os portões gigantes se fecharam atrás dele.
A chuva persistia.
Nobambo sorriu de início, feliz em ver que um deles havia sobrevivido, mas o
sorriso logo se foi quando viu que ela ostentava um corte sangrento na garganta e
hematomas pelo corpo. O braço esquerdo dela estava dependurado e inútil. Ela o
encarava com olhos vazios, mas havia algo mais no semblante dela... algo de
acusação. À medida que a draenaia se aproximava, Nobambo percebeu que se
tratava de Shaka. Logo, outras se juntaram a ela, multidões delas, cambaleando
adiante, pelos dois lados, com os olhos vitrificados e os corpos terrivelmente
mutilados.
“Eu queria ter salvado vocês! Não havia nada que eu pudesse fazer”, ele queria
gritar, mas as palavras não saíam. Sentia os movimentos lentos e restritos.
Nobambo decidiu que o ar da manhã haveria de lhe fazer algum bem. Talvez
Korin estivesse acordada e eles pudessem conversar.
Nobambo saiu e foi até onde alguns dos demais estavam reunidos para a refeição
matinal. Perguntou se algum dos novos membros sabia onde estava Korin.
– Ela partiu.
– Há alguns instantes. Ela não disse para onde. Ela estava estranha... disse que
ia... Qual é mesmo a palavra?
Nobambo correu o mais rápido que as pernas permitiam. Mas, quando conseguiu
chegar nos picos, seus pulmões estavam em chamas. Ele tossia e expelia muco
verde e espesso, e suas pernas tremiam descontroladamente.
– Korin! Pare!
Ela olhou para trás, esboçou o mais sutil dos sorrisos e, então, olhou para a frente
e deu um passo silencioso ao vazio, desaparecendo em meio a uma densa nuvem
de vapor.
Nobambo aproximou-se do abismo e olhou para baixo, mas viu nada além
daquele brilho fraco muito distante.
Mais uma vez, ele falhara, assim como falhou em salvar as mulheres de Shattrath.
Nobambo cerrou os olhos com firmeza e chamou a Luz com a mente: “Por quê?
Por que você me abandonou? Por que você continua a me atormentar? Não fui
seu servo fiel?”
Talvez Korin estivesse certa. Nobambo sabia, no fundo, exatamente por que ela
fez o que fez: não queria acabar como os perdidos. Talvez ela tenha encontrado a
única saída.
Este mundo não tinha mais coisa alguma para ele. Parecia tão fácil dar esses
últimos passos, lançar-se abismo adentro e dar um basta ao sofrimento.
Perto dali, uma figura saiu de trás de um monte de pedras e se preparou para
chamar...
Mas, mesmo agora, renegado pelo próprio povo, ignorado pela Luz, atormentado
pelas almas daqueles que não conseguira salvar... Nobambo percebeu que
desistir não era uma opção.
A brisa, então, virou ventania, espalhando nuvens de vapor e soprando com tanta
força que Nobambo foi afastado do precipício. Em meio a isso, ele ouviu
claramente uma única palavra:
– Tudo...
Nobambo se esforçou para ouvir. Por certo sua sanidade chegara ao fim. Por
certo isso era uma ilusão da sua mente.
Mais palavras. Que loucura era essa? Isso não era coisa da Luz. A Luz não
“falava”: ela era um calor que permeava o corpo. Isso era algo novo, algo
diferente. Uma rajada de vento atravessou o platô, forçando Nobambo a se sentar.
Depois de implorar por todos esses anos, Nobambo finalmente recebera uma
resposta, uma resposta que não viera da Luz...
Mas do vento.
Nobambo já ouvira falar de práticas órquicas que lidavam com os elementos: terra,
vento, fogo e água. O povo dele testemunhara alguns dos poderes desses
“xamãs” antes da campanha assassina dos orcs, mas tais coisas eram totalmente
estranhas para os draeneis.
Ao longo dos vários dias seguintes, Nobambo retornou ao pico onde ouvira o
vento sussurrando garantias de que não estava só, promessas e a irresistível
sugestão de que uma fartura de conhecimento o aguardava. Por vezes, a voz do
vento era calma e apaziguadora; outras, era insistente e invasora. Enquanto isso,
uma dúvida persistia na mente de Nobambo: talvez ele estivesse enlouquecendo,
afinal de contas.
– Para chegar lá, terei que atravessar as terras dos incólumes, por onde não
posso passar.
– Caminhe com a cabeça erguida, pois você não mais está sozinho.
Por diversas vezes Nobambo pensou ouvir passos atrás de si, e sempre que
procurava a origem do ruído tinha a impressão de que alguém ou alguma coisa
escondia-se. Perguntava-se se seriam os elementos ou mero fruto de sua
imaginação.
– Nossas ordens são claras: é proibida a presença de krokuls nos campos. Terás
de ir a outro lugar.
– Eu avisei que...
– Então isso é o que acontece – refletiu em voz alta, sorrindo – quando se tem os
elementos como aliados.