Explorar E-books
Categorias
Explorar Audiolivros
Categorias
Explorar Revistas
Categorias
Explorar Documentos
Categorias
INTRODUÇÃO ............................................................................................................ 2
UNIDADE 1 – GENEALOGIA DO LATIM ................................................................... 5
UNIDADE 2 – A FORMAÇÃO DAS LÍNGUAS NEOLATINAS................................. 11
2.1 Dialetação, substrato, superstrato, adstrato, empréstimo ................................ 12
2.2 As línguas nacionais ........................................................................................ 14
2.3 Relações das línguas neolatinas com a literatura, política e cultura ................ 14
2.4 As línguas da Ibéria ......................................................................................... 15
2.5 As línguas da Gália .......................................................................................... 20
2.6 O romeno ......................................................................................................... 26
UNIDADE 3 – DO LATIM ARCAICO AO LATIM VULGAR ...................................... 27
3.1 Latim arcaico ................................................................................................... 28
3.2 Latim clássico, culto ou literário ....................................................................... 29
3.3 Latim vulgar ..................................................................................................... 31
UNIDADE 4 – FONOLOGIA DO LATIM VULGAR ................................................... 36
UNIDADE 5 – MORFOLOGIA DO LATIM VULGAR ................................................ 38
UNIDADE 6 – SINTAXE DO LATIM VULGAR ......................................................... 42
UNIDADE 7 – LÉXICO EM LATIM VULGAR ........................................................... 46
UNIDADE 8 – AS MUDANÇAS LINGUÍSTICAS DO LATIM PARA O PORTUGUÊS
.................................................................................................................................. 50
REFERÊNCIAS ......................................................................................................... 55
2
INTRODUÇÃO
Última flor do Lácio, inculta e bela,
És, a um tempo, esplendor e sepultura:
Ouro nativo, que na ganga impura
A bruta mina entre os cascalhos vela...
(BILAC, 1977, p. 268)
Nos versos acima, o poeta Olavo Bilac aborda nossa língua portuguesa, com
o lirismo romântico característico do parnasianismo e faz uma análise ‘pra lá’ de
verdadeira... Afinal de contas, no momento em que a Língua Portuguesa, última
língua neolatina formada a partir do latim vulgar (falado na região do Lácio – hoje
Itália) ascende e começa a se expandir, quer dizer que o latim vai caindo em desuso
e ‘morre’.
Também era verdade ser ainda uma língua sem lapidação em comparação
com as outras línguas formada, por isso ‘ouro nativo (...), que a bruta mina entre os
cascalhos vela’.
Não! Não é sobre a Língua Portuguesa que trataremos neste módulo! Mas
sim sobre a Língua Latina que nos debruçaremos. Debruçar no sentido de conhecer,
analisar, refletir, enfim, apreciar!
O Latim, língua dos romanos, do pensamento de Roma e de sua brilhante
civilização pertence à grande família das línguas indo-europeias (MARTINS, 2006).
Os primeiros registros documentados do Latim datam do século 7 a.C.,
falado no Lácio (Latium), região central da Itália, onde hoje encontra-se Roma, sua
capital, no entanto, não era a única língua falada na península itálica, onde também
se falava o osco, o umbro, o etrusco e também o grego. No entanto, o latim
prevaleceu sobre as demais, ajudado pelas grandes conquistas militares dos
romanos que daremos algumas pinceladas ao longo da apostila.
Os linguistas têm hoje boas razões para sustentar que um grande número
de línguas da Europa e da Ásia proveem de uma mesma língua de origem,
designada pelo termo indo-europeu. Com exceção do basco, todas as línguas
oficiais dos países da Europa ocidental pertencem a quatro ramos da família indo-
europeia: o helênico (grego), o românico (português, italiano, francês, castelhano,
entre outras), o germânico (inglês, alemão) e o céltico (irlandês, gaélico). Um quinto
ramo, o eslavo, engloba diversas línguas atuais da Europa Oriental (MEDEIROS,
2006).
Pois bem, a genealogia do Latim; a formação das línguas latinas; do latim
arcaico ao latim vulgar; fonologia, morfologia, sintaxe e léxico são alguns dos
conteúdos que veremos.
Lembrem-se:
O nome Itália, surgiu no sec. VII a.C., estendendo-se pela península no sec.
I a. C através da expansão político-militar, a pax romana, a qual impôs, além de
outras coisas, a lógica de seu Direito e, sobretudo, os padrões da língua latina
(CIVITA, 1972, p. 268).
Vale lembrar que da inteligência e do talento político dos romanos nasceu o
fruto que foi colhido por toda a humanidade: o Direito. Aquele Direito romano é uma
das grandes fontes do Direito contemporâneo em todos os países e não apenas
naqueles onde se faz sentir o efeito direto de sua cultura (NASCIMENTO, 2010).
Após conquistarem todo o mundo antigo, os romanos submeteram a língua a
todos os inimigos. Especializados na arte da guerra e não tendo mais contra quem
guerrear, deixaram se trair pelas leviandades e pelos vícios que acompanhavam a
opulência, vindo a ser derrotados pelos hunos pondo fim a uma etapa da história da
humanidade.
Com a queda do império Romano (476 d.C.), acaba a História Romana e um
século depois, mais ou menos, termina também a História da Literatura Romana,
mas o latim continua ainda, por quase mil anos, sendo em toda a Idade Média a
língua da civilização Ocidental, inspirando todas as obras primas das Literaturas
Modernas, da Europa e da América (COMBA, 1991, p. 23).
Obs:
Povos de línguas indo-europeias: germanos, eslavos, celtas, úmbrios, latinos, oscos, dórios.
Povos de origens diversas: íberos, aquitanos, lígures, etruscos, sículos.
Todos estes traços não subsistiram, tais quais em todas as línguas indo-
europeias, mas a presença da maioria dentre eles num estado antigo de uma língua
permite ligá-la ao grupo indo-europeu. Estes traços estão fortemente presentes em
latim.
Não tendo permanecido da língua europeia nenhum documento escrito, o
indo-europeu hoje não mais existe como língua, tanto que não se pode, até hoje,
determinar a sede do povo indo-europeu. O certo é que eram nômades. Levados por
seu espírito aventureiro e impelidos pela falta de lugar devido a numerosa
população, dispersaram-se em busca de novas terras.
Pelo ano 2000 a.C., um ramo do povo indo-europeu penetrou na Itália e
fundiu-se com os povos que a habitavam. Originaram-se daí dois grupos de línguas:
• o latino falisco (o latim e o falisco - muito semelhante ao latim); e,
• o óscio-úmbrico (óscio, úmbrico, sabélico, sabínico, volsco, entre outros).
diversificação regional do latim vulgar, origem dos dialetos. Alguns desses dialetos
transformaram-se em línguas nacionais como veremos adiante.
língua literária – foi por assim dizer internacional. Afonso X de Castela, monarca e
protetor das letras, escreveu em português grande parte de sua produção lírica,
conformando-se aparentemente a uma opinião corrente segundo a qual, das línguas
ibéricas, o português era particularmente apropriado para a expressão dos
sentimentos ao passo que o castelhano deveria ser preferido para a épica e a
história.
Contemporâneo do afirmar-se do galaico-português como língua da poesia
trovadoresca é o estabelecimento de uma norma galaico-portuguesa para a redação
de documentos notariais, que começa no fim do século XII (ILARI, 2004).
Entretanto, essa norma galaico-portuguesa dos primeiros séculos não
estava destinada a vingar: um efeito da reconquista portuguesa foi o de deslocar
para o sul a capital e a Corte, cujas sedes foram sucessivamente o Porto, Coimbra e
Sintra-Lisboa. Pela influência que esse centro político exercia sobre os hábitos
Iinguísticos, o português culto, que na origem apresentava fortíssimas semelhanças
com o galego, foi-se amoldando à fala culta da região que se situa entre as cidades
de Coimbra, sede da antiga capital, e da mais antiga e célebre universidade, e de
Lisboa, a capital atual.
Esse deslocamento “geográfico” da variedade adotada com norma soma-se
aos efeitos de três séculos de evolução, à experiência acumulada na elaboração de
uma prosa hagiográfica, doutrinária e histórica, às influências do Humanismo e da
Renascença, para explicar as grandes diferenças que todo estudante de literatura
portuguesa percebe entre a linguagem dos primeiros textos literários e os modelos
do período clássico.
Esse novo padrão literário consolidou-se e estabilizou-se no período
quinhentista, em particular com as obras “renascentistas” de Luis de Camões, que
permaneceram durante séculos como um fator de imobilidade do padrão português
culto. A riqueza da literatura portuguesa quinhentista e seiscentista foi também um
fator determinante para garantir a independência do português em face da influência
castelhana, particularmente no período em que Portugal esteve sujeito politicamente
à Espanha (1580-1640).
Quanto ao Castelhano, no centro da Ibéria, a Reconquista começou pela
iniciativa das monarquias de Leão e Castela. Logo, os dois reinos formaram um
único Estado que atuou ainda mais agressivamente na guerra aos árabes. Depois
da retomada de Toledo (1085), o episódio mais marcante dessa guerra é a batalha
de Las Navas de Tolosa (1212), que abriu o caminho para que fossem subjugados
os reinos árabes de Córdoba (1236) e Sevilha (1248). Com estas conquistas, os
árabes conservavam na Península Ibérica somente o Reino de Granada, que
sobreviveu até o reinado de Fernando e Isabel, a Católica (1492).
O movimento de reconquista teve o efeito de levar o castelhano – isto é, o
dialeto de Castela, a Velha, a região em torno da antiga capital Burgos – não só para
o sul, isto é, para os territórios retomados aos árabes, mas também para leste e
oeste, isto é, para os territórios leonês e aragonês.
É certo que no século XII o castelhano já devia ser o dialeto comumente
falado numa vasta região do centro-norte da Espanha; e é precisamente no século
XII que os estudiosos situam a formação de um padrão literário tipicamente
castelhano. Datam desse século o Poema del Cid, alentado poema épico de 3735
versos, com assonância mas sem métrica, a substituição do latim pelo castelhano
nos autos notariais, e o início de uma literatura hagiográfica e dramática de fundo
religioso (Auto de Ios Reyes Magos, Vida de San Millan, Vida de Santo Domingo de
Silos). No século seguinte, duas iniciativas de caráter oficial contribuem para o
estabelecimento de um padrão literário na prosa: a tradução do Forum Judicum, o
código civil da época (1241) e a compilação da Crônica Geral, sob Afonso X (rei de
1251 a 1284).
O casamento de Isabel de Castela e Fernando de Aragão, levou à unificação
de Aragão e Castela num único Estado fortemente centralizado. Esta unificação fez
com que o castelhano – enriquecido, é verdade, por inúmeros elementos dos outros
dialetos hispânicos – ocupasse espaços cada vez maiores do território anteriormente
ocupado pelo aragonês e pelo catalão. Essas regiões são hoje bilíngues; o aragonês
decaiu para a condição de dialeto, e apenas o catalão continua a desempenhar
funções de língua nacional, ao lado do castelhano.
As origens remotas do Estado em que se desenvolveu o catalão remontam à
criação por Carlos Magno da Marca Hispânica, uma espécie de protetorado franco
ou Estado-tampão destinado a bloquear possíveis invasões muçulmanas da França.
A partir dos vários condados que constituíam inicialmente a Marca, desenvolveram-
2.6 O romeno
Os primeiros textos em romeno remontam à Renascença, mais
precisamente ao período da Reforma, e são traduções de textos sagrados; nesse
período, com a imprensa, chegou à Romênia o alfabeto latino, que foi usado
juntamente com o alfabeto corrente entre os clérigos e letrados da região, o cirílico.
Mas para a definição de um padrão literário e nacional, será preciso esperar até o
século XVII, período em que foi completada a tradução da Bíblia em Bucareste.
A partir daí e, principalmente depois que as duas regiões da Valáquia e
Moldávia, formaram um único reino em 1859, o prestígio da língua de Bucareste (o
valáquio) se impôs como padrão de língua nacional.
Junto com a consciência de que o romeno era uma língua latina – uma
verdade mais difícil de reconhecer enquanto prevaleceu o uso do alfabeto cirílico –
os escritores romenos tomaram consciência de que sua língua não havia usufruído
da influência do latim literário, que nas outras línguas românicas foi bastante
enriquecedora em todas as áreas de sua estrutura e particularmente no léxico. Para
compensar essas deficiências, no século passado, voltaram-se para as demais
línguas românicas, criando-se duas correntes principais: uma que preconizava a
imitação do francês, então língua românica de maior prestígio internacional; outra,
que favorecia a imitação do italiano, a língua românica mais próxima.
Como língua nacional, o romeno é hoje falado em toda a República Romena
(ao passo que tem o status de dialeto nas áreas do megleno-romeno, do istro-
romeno e do macedo-romeno); uma variedade linguística muito próxima do romeno
é falada na República Socialista da Moldávia, que ocupa o território a leste do rio
Prut, e pertence à União Soviética desde a Segunda Guerra Mundial.
Apresentada às vezes como “mais uma” língua românica, a fala dessa
região nada mais é do que uma variedade de romeno, cuja distinção atende a
critérios políticos e não linguísticos (ILARI, 2004).
o latim culto falado (sermo urbanus), a partir do qual obteve sua origem, extinguiu-
se, com a ruína da classe social que o sustentava (MARTINS, 2006).
Quanto ao Latim culto falado, o sermu urbanus era a língua falada pelas
classes altas de Roma, certamente correto do ponto de vista gramatical, mas sem os
refinamentos estilísticos da norma literária, como os longos períodos de
subordinação e de termos disjuntos. Como língua falada desapareceu entre os
séculos V e VI, no mais tardar no séc. VI, devido ao aniquilamento das cidades e da
vida cultural que elas apresentavam, juntamente, é claro, com a classe social que a
mantinha. Este período coincide com a queda do Império Romano do Ocidente (476
d.C., séc. V) e a onda de invasões bárbaras (destacando-se os longobardos na
Itália, em 568 d.C.), na Europa, no séc. VI.
Do ponto de vista gramatical, o sermo urbanus é uma língua correta e não
apresenta os “erros” do latim vulgar; mas tampouco apresenta o exagero de
refinamentos estilísticos da prosa e poesia artísticas. Cícero, ele mesmo, nos fala da
diferença de formalidade no emprego do latim em uma carta que escreveu ao seu
amigo Paetus (Ad Fam.,IX,21):
Quid tibi ego in epistulis uideor? Nonne plebeio sermone agere tecum ...
Epistolas uero cotidianis verbis texere solemus. “Que pareço eu a ti nas cartas? Não
pareço tratar contigo na língua do povo... de fato, costumamos tecer as cartas com
as palavras do dia a dia”.
Desde as primeiras manifestações da língua latina, tem-se notícia da
coexistência de uma variedade culta falada e de outra variedade também falada,
mas pelas classes populares (plebeias). Mais tarde, enquanto a língua literária
depurava os elementos alheios ao dialeto de Roma, a língua corrente exprimia o
contato de outros dialetos itálicos. A fala rústica e vulgar era um instrumento através
do qual se entendiam romanos, faliscos, prenestinos, oscos e umbros.
A língua da sociedade elegante (o sermo quotidianus ou sermo urbanus ou
usualis ou consuetudinarius, o uso comum da classe culta) e a das classes baixas
(sermo plebeius) não constituíam compartimentos estanques. Segundo Martins
(2006), a literatura sobre o assunto é unânime em afirmar que muitas características
da língua popular apareciam no uso corrente das classes mais altas. Não é apenas
Cícero que se refere à diferença no grau de formalidade entre os seus discursos e
Uma vez que se trata de uma variedade de formas, que se ligam ao latim
falado (mas não exclusivamente), não se pode considerar que existam realmente
textos em latim vulgar. Quase nenhum texto, que contenha vulgarismos, é
intencionalmente vulgar, à exceção da Cena Trimalchionis, de Petrônio, e dos
comediógrafos, principalmente Plauto, que colocam personagens do povo falando. O
mero fato de ser escrito envolve o uso de certas convenções, e mesmo no caso de
escritores simples, sem muita pretensão literária, há pelo menos a convenção
ortográfica que eles tentam seguir.
Meillet (1948, p. 239 apud MARTINS, 2006) fala sobre o latim vulgar como
um conjunto de tendências que se manifestavam diferentemente conforme o maior
ou menor grau de educação dos que o falavam, e segundo o tempo e os lugares
onde era falado. Porém, é surpreendente que apesar da variabilidade cronológica,
social e geográfica, o latim vulgar possuía uma homogeneidade suficientemente
extensa para que fosse entendido em seu vasto território. Havia uma unidade no
latim vulgar, que fazia dele uma espécie de koiné latina. Quintiliano (Inst. Orat. 1, 5,
29) observou que a norma latina era relativamente simples, porque em latim não
havia dialetos, o que não acontecia com o grego.
O latim vulgar tinha, desde a época de Plauto, e ainda mais, a partir de
Cícero, peculiaridades gerais suficientes para dar-lhe um aspecto mais ou menos
definido em oposição ao sermo urbanus e ao sermo litterarius. Segundo Maurer Jr.
(1962 apud MARTINS, 2006), essas diferenças vinham de três fatores principais:
• o primeiro fator era por que o latim vulgar representava a língua do povo
comum, da plebe romana, enquanto o latim clássico era um produto da
sociedade aristocrática. A enorme oposição social entre essas duas classes
se refletia na língua e que era capaz de explicar as diferenças no vocabulário
e na sintaxe;
• o segundo é que o latim clássico, apesar de ter-se originado em um latim vivo
e falado, é, em geral, mais conservador e arcaizante do que o latim vulgar;
• o terceiro fator se deve ao fato de o latim vulgar ser fruto de uma população
heterogênea, que empregava mal a língua latina, corrompendo-a. Sem
esquecer que a criação da literatura é obra de estrangeiros, basta citar Lívio
Andronico, Ênio, Plauto, Terêncio. O próprio Cícero afirma que o falar da
A sintaxe da oração:
A oração do latim vulgar ganhou em concretude com o generalizar-se do uso
de artigos. A perda dos casos obrigou a buscar novos meios para indicar as funções
sintáticas, tarefa que passou a ser desempenhada pela ordem das palavras e pelo
uso de preposições.
A regência:
Com o desaparecimento do genitivo, o recurso mais importante para indicar
subordinação no interior do sintagma nominal passa a ser a preposição de, de uso
extensíssimo, ligando o nome núcleo do sintagma nominal a:
a) um adjunto que exprime avaliação (o pobre do João);
b) um aposto (cidade de Roma);
c) um complemento partitivo (alguns de nós);
d) um restritivo (a festa de ontem);
e) um adjunto que exprime qualidade (homem de 90 quilos);
f) um adjunto de matéria (vaso de ouro);
g) um adjunto de destinação (roupa de gala);
h) ao termo que representa no sintagma nominal o sujeito ou o objeto de
uma oração subjacente que foi nominalizada (ataque/medo/derrota dos inimigos).
Os principais complementos de adjetivos são o complemento do
comparativo, do superlativo, e de medida. O primeiro foi expresso por quomodo, no
caso de comparação de igualdade (grande como um gigante), por quam ou de no
caso de desigualdade (maior que um gigante, mais de cinco); os dois últimos, pela
preposição de (maior de todos, uma árvore de três metros).
No tocante aos termos essenciais e integrantes da oração, o sujeito e o
objeto continuaram a ser expressos pelo nominativo e acusativo, mas suas posições
na oração tenderam a cristalizar-se antes e depois do verbo. O objeto indireto
passou a ser indicado pela preposição ad. Os verbos que se construíam com duplo
acusativo tendem a transformar-se em transitivos comuns (ensinar algo a alguém).
De e de + ab passam a introduzir o agente da passiva.
No domínio dos adjuntos adverbiais, as preposições cum, de e outras
concorreram paralelamente:
A perda quase total da declinação dos pronomes relativos fez com que
aparecesse o tipo de construção que é hoje o mais comum no português falado do
Brasil, e que consiste em retomar o relativo por meio de um pronome pessoal,
antepondo a ele e não ao relativo, a preposição exigida pelo verbo da subordinada:
o menino que falei com ele.
Duas tendências se afirmam nas orações adverbiais do latim vulgar:
a) Perde terreno o subjuntivo, que funcionava em latim clássico como uma
espécie de modo da subordinação.
b) Generaliza-se o uso de quod/quid como conectivo de valor múltiplo em
substituição aos conectivos específicos da língua clássica.
De todos os tipos de subordinada adverbial, as que sofreram as alterações
mais profundas foram as condicionais (ILARI, 2004).
pelos pés (pes, pedis) com o cajado; era um termo de pecuária. Em sua passagem
ao vocabulário comum subsistiu apenas a ideia de obstáculo (de qualquer tipo).
d) Necessidades de denominação – a mudança de significado pode ser
determinada por necessidades de dominação, correspondentes ao aparecimento
numa cultura de objetos, técnicas ou noções novas. Quando estes são importados
de povos vizinhos, é comum que seja simultaneamente adotado o termo que os
designava na cultura de origem; quando surgem dentro da própria comunidade
linguística é mais comum criar-se sentidos novos para palavras já existentes.
Fatores psicológicos como o medo, a delicadeza ou a decência podem criar
algum tipo de necessidade de denominação. A existência de palavras tabu explica o
uso linguístico de outras palavras e a ampliação dos sentidos destas por eufemismo;
mas no confronto entre o latim clássico e o vulgar o que aparece é frequentemente o
disfemismo, isto é, a busca de expressões que desqualificam a realidade a que se
faz referência.
Quanto às dimensões da mudança de significado, elas se dão ao longo de
três linhas principais:
a) Metafórica – duas realidades são representadas como similares
aplicando-se lhes o mesmo significante. O vocabulário, aplicado a realidades
diferentes na tentativa de compreendê-las, sofre naturalmente ampliações e
alterações de significado.
Pecunia, peculium, peculatus < pecus, pecoris.
b) Metonímica – o significado primitivo e o posterior à mudança se
relacionam por algum tipo de contiguidade.
Busto – lugar onde havia incinerado algum cadáver. O hábito de plantar
nesses lugares esculturas de meio corpo representando os defuntos ilustres deu
origem ao sentido atual.
c) Especificidade – mesmo quando a reconstituição aproximativa do
significado de uma expressão é possível, não é sempre fácil apontar a circunstância
aproximativa que atuou como fator determinante.
Cubare (dormir) > ital. covare (chocar ovos).
É legítimo admitir que uma língua falada num território amplo como o
romano, em face da precariedade das comunicações do mundo antigo, manifesta
naturalmente diferenças regionais de vocabulário, sem perder sua unidade.
Algumas diferenças referentes ao vocabulário hoje observadas entre as
línguas românicas já deviam estar presentes ao menos como preferências regionais
no latim vulgar falado durante o Império. Por exemplo, opondo-se a todo o resto da
România, a Sardenha conservou as palavras domus e magnus (substituída alhures
por casa e grandis).
Ainda citando a Sardenha como exemplo, lá e no sul da Itália sobreviveu o
advérbio de tempo cras (amanhã, procrastinar). No resto da România, ele é
substituído por expressões baseadas em mane, “de manhã”, “na manhã do dia
seguinte” (ILARI, 2004).
Exemplos: Profecto=Proveito.
Todos os direitos reservados ao Grupo Prominas de acordo com a convenção internacional de
direitos autorais. Nenhuma parte deste material pode ser reproduzida ou utilizada seja por meios
eletrônicos ou mecânicos, inclusive fotocópias ou gravações, ou, por sistemas de armazenagem e
recuperação de dados – sem o consentimento por escrito do Grupo Prominas.
51
Exemplo: Lactem=laite.
c) Consonantização: substituição de uma vogal por uma consoante:
Guarde...
O latim clássico era a língua usada por uma sociedade mais prestigiada, que
tinha participação ativa na política, religião, economia e cultura da época. Essa
sociedade tinha acessos a textos escritos, podendo, muitas vezes, serem eles
mesmos os autores desses textos. Podemos compará-lo com aquilo que Saussure
chama de Langue, a língua em sua essência sem influências exteriores.
Comparado ao latim clássico, o latim vulgar é concomitante ao primeiro,
porém falado por uma classe social desprivilegiada, sem acesso a textos escritos e,
muito menos, às normas da língua. Em contraponto a Langue, poderíamos
classificar o latim vulgar como Parole, sendo a língua em ação.
Os soldados que dominaram a Península Ibérica faziam parte da sociedade
que não tinha acesso aos textos escritos e normas da língua e eram falantes do
latim vulgar. A “última flor do Lácio” como diz o próprio poema era “inculta”, ou seja,
o português é uma língua neolatina, originaria não do latim clássico, mas sim do
latim vulgar.
O latim que chegou ao território ibérico, como não possuía nenhum código
que estabelecia as normas da língua, continuou evoluindo, acompanhando as
necessidades comunicativas. O latim vulgar sofreu várias influências, dentre elas
quatro marcaram visivelmente o caminho percorrido pelo latim vulgar até ao
português. É importante ressaltar que o latim vulgar se estabeleceu nos territórios
dominados não ideologicamente ou por literatura, mas foi o resultado de invasões
Todos os direitos reservados ao Grupo Prominas de acordo com a convenção internacional de
direitos autorais. Nenhuma parte deste material pode ser reproduzida ou utilizada seja por meios
eletrônicos ou mecânicos, inclusive fotocópias ou gravações, ou, por sistemas de armazenagem e
recuperação de dados – sem o consentimento por escrito do Grupo Prominas.
54
violentas, de um império histórico, que buscando impor suas ideias e seu poderio
coagiam o povo dominado a falarem a língua do império: o latim.
Quanto aos fatores que influenciaram o latim vulgar, tanto o cronológico
quanto o geográfico caminharam juntos. O império era vasto e podemos inferir que a
distância de Roma e quanto mais contato os povos tinham com os dialetos dos
territórios conquistados, menos influências tinham do latim clássico, sobrevindo-lhes
o latim vulgar.
E ainda, devido as conquistas terem se dado em épocas diferentes, no caso
da Península Ibérica, que foi um dos últimos e mais longínquo território conquistado,
essas influências marcaram fortemente a evolução do latim vulgar que ali chegou.
Outro fator relacionado com a geografia nos leva a perceber que as
diferenças nas constituições política, econômica e linguística do império e dos
territórios conquistados contribuiu para a formação das línguas neolatinas, pois de
acordo com a dificuldade de coação, os fatores de substratos ou supertratos
apareciam.
Por último, os fatores substratos e supertratos também fizeram parte efetiva
na modificação do latim vulgar. Quando falamos de substratos linguísticos, referimo-
nos a quando os dominados falam e aceitam a língua imposta, mas deixando rastros
do dialeto outrora falado, o dominador por sua vez aceita essa mescla, pois a
vertente principal continua sendo a língua imposta.
Já supertrato linguístico é o fato do dominador, mesmo insistindo em usar
sua própria língua, no caso do nosso estudo o latim, pela dificuldade de coação
passa a usar também o dialeto do dominado.
REFERÊNCIAS
ALMEIDA, Napoleão Mendes de. Gramática latina. São Paulo: Saraiva, 1983.
BASSETTO, Bruno F. O léxico românico herança latina nas línguas ocidentais.
Círculo Fluminense de Estudos Filológicos e Linguísticos. RIO DE JANEIRO:
CIFEFIL, 2008. Disponível em: http://www.filologia.org.br/ixcnlf/16/14.htm
BASSETTO, Bruno Fregni. Elementos de filologia românica. São Paulo: Edusp,
2001.
CÂMARA, Jr. Joaquim Mattoso. História e estrutura da língua portuguesa. Rio de
Janeiro: Padrão. 1976.
CARDOSO, Zélia de Almeida. Iniciação ao Latim. 5 Ed. Editora Ática. São Paulo.
2004.
CIVITA, Victor. Geografia Ilustrada. Abril S.A Cultural. São Paulo. 1972.
COMBA, P, Júlio. Programa de latim. 1º volume: Introdução à língua latina. Editora
Salesiana Dom Bosco. São Paulo. 1972.
COUTINHO, Ismael de Lima. Pontos de gramática histórica. 7 ed. Rio de Janeiro:
Livro Técnico, 1984.
FISCHER, Steven Roger. Uma historia da linguagem. Árvore Genealógica das
Línguas Indo-Europeias. Editora Novo Século, 2010.
FOUILLÉ. Cada lição de latim é uma lição de lógica. São Paulo: Academia das
Letras, 2006.
GONÇALVES, Amanda et al. Língua portuguesa: origens da (des)construção do
latim ao português como língua nacional (2013). Disponível em:
GONÇALVES, Rodrigo Tadeu. Língua latina. Curitiba: IESDE Brasil SA, 2010.
ILARI, Rodolfo. Linguística Românica. São Paulo: Ática, 2004.
LUNA NETO, Francisco Moreira. A importância de estudar o latim para o
aprendizado da sintaxe da língua portuguesa pelos discentes de letras da
universidade estadual de Santa Cruz – UESC-BA. Disponível em:
http://www.filologia.org.br/xiicnlf/04/01.pdf
MARTINS, Carla. Estudar latim, Para quê? Rio de Janeiro: Escola Secundária
Francisco de Holanda, 2000.
MARTINS, Maria Cristina. “Um confronto entre o latim das cartas de Cícero e das
do “soldado tiberiano” e de “Rustius Barbarus”: aspectos linguísticos, filológicos
e gramaticais”. São Paulo: USP, 2004. Pesquisa de pós-doutorado.
MARTINS, Maria Cristina. A língua latina: sua origem, variedades e
desdobramentos (2006). Disponível em: http://www.filologia.org.br/revista/36/02.htm
MAURER Jr., Theodoro Henrique. O problema do latim vulgar. Rio de Janeiro:
Acadêmica, 1962. Disponível em:
http://seer.fclar.unesp.br/alfa/article/viewFile/3212/2939
MEDEIROS, Adelardo A. D. A língua portuguesa (2006). Disponível em:
http://www.linguaportuguesa.ufrn.br/pt_2.1.php
MELO, Gladstone Chaves de. Iniciação a filológica e à linguística portuguesa.
Rio de Janeiro: Acadêmica, 1975.
MIAZZI, Maria Luísa Fernandez. Introdução à linguística românica: histórico e
métodos. São Paulo: Cultrix,1980.
PITA, Luiz Fernando Dias. Latim e esperanto, via Internet. Rio de Janeiro:
Unigranrio/UCB, 2002.