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PSICOTERAPIAS: PRINCIPAIS ABORDAGENS E NOÇÕES

GERAIS

1. INTRODUÇÃO

A Psicoterapia é um método de tratamento para lidar com as dificuldades da


existência em todas as formas que o sofrimento humano pode assumir, como transtornos
psicopatológicos, crises existenciais, estados adaptativos, conflitos interpessoais, etc.

A Psicoterapia é também um espaço favorável ao crescimento e


amadurecimento, na medida em que ajuda a transformar padrões estereotipados de
funcionamento, reestabelecendo o processo formativo e criativo de cada um.

Em alguns casos, a Psicoterapia cumpre também uma função de educação para a


vida, oferecendo um espaço de aprendizado, com instrumentos e conhecimentos que
podem ajudar na orientação e condução da vida. Esta função torna-se fundamental em
situações de desestruturação decorrente de crises ou casos de imaturidade
psicológica, quando a pessoa se sente verdadeiramente inapta para lidar com os
enfrentamentos e dificuldades em sua vida.

2. ALGUMAS APLICAÇÕES DA PSICOTERAPIA

A psicoterapia é um processo que permite transformações profundas da pessoa, com


resultados evidentes em diversas situações como:

 tratamento de transtornos mentais como transtorno do pânico, fobias, transtorno


dissociativo, depressão, anorexia, estresse pós traumático etc.
 tratamento de transtornos de personalidade  como transtorno borderline,
transtorno esquizóide, transtorno paranóide, etc 
 trabalho sobre conflitos pessoais, conjugais, familiares, interpessoais e grupais
que podem produzir ou contribuir para o sofrimento psíquico. 
 reelaboração de crises existenciais, de transições difíceis (luto, crises
profissionais, etc) e dificuldades nas mudanças de fases de vida (puberdade,
adolescência, vida adulta, menopausa, envelhecimento, etc.).

3. PRINCIPAIS ABORDAGENS: NOÇÕES BÁSICAS

3.1 Psicanálise
A Psicanálise é um construto teórico e método terapêutico elaborado inicialmente
por Sigmund Freud, no final do século XIX e início do século XX, e desenvolvido de
maneira subsequente por um amplo número de teóricos.

O tratamento psicanalítico valoriza essencialmente o contato entre paciente e


terapeuta como forma de construção de um vínculo, no qual os problemas e sofrimentos
do primeiro serão abordados pelo segundo.

Segundo a visão psicanalítica, os sintomas são formas de comunicação de algum


sofrimento ou estado mental patológico. O sintoma é o fio condutor para a pesquisa que
será empreendida na terapia, representando as manifestações inconscientes que, em uma
compreensão mais ampliada, revelam mecanismos de defesa e resistências. O
inconsciente nasce como uma necessidade de dar conta daquilo que não poderia ser
explicado conscientemente, segundo a teoria freudiana, sendo inacessível diretamente,
mas podendo ser acessado por meio de indícios indiretos, como os sonhos, os lapsos e,
sobretudo, os sintomas. Sendo o sintoma um sinalizador, a patologia é o estado no qual
o indivíduo estaciona, perdendo o dinamismo, criatividade e flexibilidade diante de
situações vividas.

O principal aspecto técnico que ocorre nas sessões é a transferência. São os


sentimentos e comportamentos do paciente em relação ao analista. Na transferência
ocorre a atualização dos desejos inconscientes do paciente, revividos no vínculo com o
terapeuta. Já a contratransferência é o conjunto de reações emocionais inconscientes do
terapeuta em relação ao paciente e à transferência dele. O binômio
transferência/contratransferência constitui-se no eixo do trabalho psicoterapêutico
psicanalítico.

É por meio de uma atitude empática que o terapeuta busca criar condições para que
se estabeleça um vínculo de confiança, fundamental para que o paciente possa revelar
sua intimidade e adquirir liberdade para “associar livremente” suas ideias e sentimentos.
Na livre associação de ideias o paciente deve dizer ao analista tudo que lhe vier à mente,
sem qualquer censura. A contrapartida do analista é a atenção flutuante, um estado
mental que lhe permite captar a comunicação verbal e não verbal do paciente e propor-
lhe o que há de inconsciente em seus processos de pensamento e atitudes. Esse é o
trabalho interpretativo, cuja intenção é ajudar o paciente a atingir a elaboração (insight)
de distorções da transferência e, assim, aumentar sua capacidade para lidar com sua vida
com base em expectativas maduras e realistas, em vez de fantasias derivadas de sua
infância.

A psicanálise e suas variantes (terapias de orientação psicanalítica, psicoterapia


dinâmica breve, etc.), estão baseadas nos mesmos princípios, diferindo, de um modo
geral, apenas em aspectos técnicos (número de sessões, uso de divã, objetivos práticos,
participação mais ativa do terapeuta, etc). Estão indicadas para diversos transtornos
psiquiátricos, tais como transtornos de personalidade, transtornos dissociativos e
somatoformes, transtornos de humor, transtornos de sexualidade, dentre outros.

O paciente deverá reunir alguns pré-requisitos, tais como ter alguma capacidade de
formar uma aliança terapêutica, estar motivado para um processo mais longo e ser capaz
de falar coerentemente sobre suas vivências, dentre os principais.
3.2. Terapia Cognitivo-Comportamental

A terapia cognitivo-comportamental (TCC) deriva de diversas atividades


científicas e formas de atuação clínica. Sua forma mais conhecida teve início na década
de 1960 e foi desenvolvida por Aaron Beck, nos Estados Unidos.

Para entender melhor essa abordagem, o Quadro 1 apresenta alguns termos mais
usados.

Quadro 1 Definições de termos da TCC


Termo Significado
Cognição Conteúdo do pensamento e processos envolvidos no ato de pensar;
síntese de estímulos internos e externos; evidencia o modo como a
pessoa avalia uma situação; reflete a visão da pessoa sobre si mesma,
seu mundo, seu passado e seu futuro; as alterações no seu conteúdo
afetam seu estado afetivo e o padrão comportamental.
Pensamentos Pensamentos breves e involuntários que surgem de modo inesperado,
Automáticos revelando opiniões pré-concebidas sobre algo; a pessoa nem sempre
consegue perceber esses pensamentos, podendo ter apenas
conhecimento da emoção que se segue a ele; o conteúdo dos
pensamentos automáticos disfuncionais normalmente é distorcido,
catastrófico, preconceituoso, negativo e autorreferente.
Crenças Pensamentos tão fundamentais e profundos que as pessoas
frequentemente não os articulam, nem mesmo para si mesmas. Crenças
são consideradas verdades absolutas.
Self Decorrente de características inatas, da formação de crenças, atitudes
ou regras aprendidas na infância (influência dos pais e da sociedade).
Esquema Estrutura cognitiva que filtra, codifica e avalia os estímulos aos quais o
organismo é submetido e que são formados na infância, nas primeiras
experiências com o meio, com o ambiente e com os pais; são de suma
importância na vida do indivíduo, pois é com base nos esquemas
existentes que a pessoa age e interpreta as situações.

A visão teórica da TCC está baseada na ideia de que os sentimentos e os


comportamentos do indivíduo são determinados pelo modo como ele estrutura o mundo,
suas cognições. Sendo assim, o objetivo do terapeuta é produzir mudanças cognitivas,
ou seja, alterações no pensamento e nas crenças centrais do paciente com o intuito de
que ocorram mudanças emocionais e comportamentais duradouras.

O primeiro passo do processo terapêutico segundo essa abordagem é explicar o


modelo cognitivo, o que são pensamentos automáticos e como identifica-los. Ao avaliar
se os pensamentos automáticos são funcionais (condizentes com a situação) ou
disfuncionais (com conteúdo distorcido), pode-se modificar os últimos, o que promove
o alívio dos sintomas. Ao se amenizar os sintomas, o foco principal do tratamento passa
a ser as crenças (intermediárias e centrais), sobretudo aquelas que são disfuncionais. É
importante ressaltar que a modificação profunda de crenças disfuncionais mais
fundamentais torna os pacientes menos propensos a apresentar recaída no futuro.

Outro ponto importante para a abordagem cognitivo-comportamental é


conceitualizar as dificuldades em termos cognitivos, levando-se em conta alguns
aspectos, tais como dados relevantes da infância, problemas da vida atual, crenças
centrais, situações vulneráveis, emoções, pensamentos automáticos, comportamentos e
integração de todos esses itens, com os quais o terapeuta monta uma história sobre o
paciente. Para isso, o terapeuta deve ser capaz de ter empatia com o paciente, um dos
pontos mais importantes da abordagem terapêutica na TCC.

Durante o processo terapêutico, várias técnicas são utilizadas com o paciente


para que ele possa, por exemplo, identificar pensamentos, emoções, e situações, resolver
problemas e reconhecer pensamentos automáticos (funcionais e disfuncionais). O intuito
é que com o tempo o paciente não necessite mais da ajuda do terapeuta e possa enfrentar
suas dificuldades sozinho. Dentre tais técnicas, podemos citar a educação sobre o
transtorno, definição de problemas e objetivos, utilização de tarefas com avaliação dos
resultados, levantamento de vantagens e desvantagens de continuar e/ou parar com o
comportamento inadequado, realização de diários, exposição a situações fóbicas com
prevenção de respostas (dessensibilização sistemática), treino de habilidades sociais,
etc.

A TCC é útil para tratar uma ampla gama de transtornos mentais, tais como os
transtornos de ansiedade (por ex., fobias, TOC), disfunções sexuais, transtornos
alimentares, problemas de comportamento na infância e adolescência, abuso e
dependência de substâncias, etc.

3.3. Psicodrama

É um método de investigação e tratamento de problemas mentais criado pelo


médico romeno Jacob Levy Moreno no princípio do século XX. Ele reúne em sua base
teórica elementos do teatro e da psiquiatria e tem como recurso de ação a dramatização.

Formulado para ser trabalhado dentro de um enfoque terapêutico ou educacional,


o psicodrama foi desenvolvido para pacientes com comprometimento psiquiátrico ou
emocional, que eram incentivados a representar peças com textos improvisados. Moreno
acreditava que a dramatização era o método por excelência para se resgatar a
ESPONTANEIDADE e chegar ao autoconhecimento. O corpo é uma peça-chave, pois,
de acordo com a técnica, os pensamentos e as emoções se expressam em atos
organizados e representados no palco. Para Moreno, o jogo dramático possibilita que o
indivíduo entre em contato com seus conflitos, que antes permaneciam no inconsciente.
Durante as sessões de psicodrama, os participantes são estimulados a expressar
livremente as criações de seu mundo interno, seja na produção mental de uma fantasia
concretizada em cena ou numa determinada atividade corporal.

As diversas técnicas dramáticas utilizadas durante a representação foram


pensadas por Moreno em relação com sua teoria do desenvolvimento dos papéis. Cada
uma delas cumpre uma função que corresponde também a uma etapa do
desenvolvimento psíquico. O diretor do Psicodrama (terapeuta) instrumentará, em cada
situação, as técnicas que lhe pareçam mais adequadas e correspondentes ao momento do
drama, segundo o tipo de vinculação que nele se expressa.
Alguns dos princípios das técnicas psicodramáticas ilustram diferenciais dessa
abordagem:
 A narrativa é substituída pela ação.
 Falar sobre alguém é substituído pela fala às pessoas envolvidas.
 A ação das pessoas na representação tende a produzir reações mais espontâneas
e diretas.
 Concretização de situações abstratas, quando são dramatizadas cenas
específicas.
 Estímulo à afirmação de desejos, medos e intenções, com frases diretas.
 Situações do passado e do futuro são trabalhadas no momento presente.
 Valorização do potencial para revisão, renegociação e reparação.
 Atenção aos componentes mais sutis da comunicação (tom de voz, intensidade,
ritmo, etc.).
 Inclusão de aspectos lúdicos na situação.
 Personificação de símbolos e metáforas, tornando-os mais vívidos.

3.4. Gestalt-Terapia

A Gestalt-Terapia é uma abordagem que possui uma visão de homem e de


mundo pautadas na doutrina holística, na fenomenologia e no existencialismo.
Baseada no "aqui-e-agora", a Gestalt-Terapia tem como foco levar as pessoas a
restaurar o contato consigo, com os outros e com o mundo. Pode ser considerada uma
abordagem Humanista, pois acredita na capacidade do ser humano de desenvolver seu
potencial.
Foi fundada por Frederick Perls dentre os anos de 1940 a 1950.
Uma das grandes inovações da Gestalt-Terapia é o fato de compreender o ser
humano como uma totalidade. Rompendo com as psicoterapias tradicionais, a Gestalt vê
o homem no físico, mental e psíquico.
A psicoterapia da gestalt destina-se a ajudar as pessoas a se tornarem mais
sinceras em suas interações no dia-a-dia. Pode ser indicada para indivíduos ou em
grupos (grupos de encontro). A abordagem dos gestaltistas é ativa e diretiva, e a ênfase
da técnica é na pessoa como um todo. O papel do terapeuta é preencher lacunas na
personalidade para recuperar a integridade e completude da pessoa.

Os gestaltistas procuram tornar as pessoas cientes de seus sentimentos, por meio


do uso de várias técnicas. É estimulada a conversa direta, como por exemplo, ao invés
de dizer “ele me deixa com raiva”, dizer “sinto raiva quando estou na presença dele”
(Morris e Maisto, 2004). Dessa forma, a pessoa pode verdadeiramente vivenciar e entrar
em contato com seus sentimentos.

Outra técnica utilizada é a da cadeira vazia, na qual a pessoa é incentivada a


conversar com parte de si mesma imaginando estar sentada próxima a ela em uma
cadeira vazia. Por exemplo: se a pessoa sente-se envergonhada, o terapeuta pode sugerir
que ela imagine a sua vergonha sentada ao lado e estimular a pessoa a comunicar-se
com a sua vergonha. Faz lembrar a música do grupo Jota Quest na qual ele canta
“Ei dor, eu não te escuto mais, você não me leva a nada. Ei medo eu não te escuto mais,
você não me leva a nada.” Com essa expressividade, o cliente tem a oportunidade de se
tornar mais ciente de seus sentimentos conflitantes e, com o insight, pode ser mais
verdadeiro e achar soluções para seus problemas.
Perls acentuava a importância do exame da situação no presente e acreditava que
a consciência do “como” o indivíduo se comporta é mais relevante do que a
compreensão do porquê. Na visão de Perls, nenhum instinto é básico, todas as
necessidades são expressões diretas de instintos do organismo. Portanto, sugeriu que o
método psicanalítico de interpretação era usado como uma fuga da experiência direta do
material interpretativo e era, portanto, método de auto-exploração ineficiente e via de
regra ineficaz. Isso porque Perls achava que todo indivíduo, pelo simples fato de existir,
tem muito material de fácil acesso ao trabalho terapêutico; para ele a tarefa importante e
difícil é a de assimilação do próprio processo (Fadiman e Frager, 1986).

Logo, a interpretação, ao contrário da psicanálise, não é a ferramenta principal


da Gestalt. O principal é o “encontro” entre o paciente e o terapeuta, que é uma tela de
projeção na qual o paciente vê seu próprio potencial ausente (Fadiman e Frager, 1986).

3.5 Psicoterapia Interpessoal

A psicoterapia interpessoal foi desenvolvida por Klerman et al. na década de


1970, como uma abordagem individual, focal e de tempo limitado. Foi especificamente
desenvolvida para tratar pacientes adultos, deprimidos unipolares, sem sintomas
psicóticos.

A terapia interpessoal baseia-se na premissa de que a doença ocorre sempre em


um contexto interpessoal e social que influencia seu início, a resposta ao tratamento e
seu prognóstico. Alguns eventos comuns são separação conjugal, conflitos conjugais,
perda do emprego, mudança de bairro ou cidade, morte de alguém próximo,
aposentadoria e diagnóstico médico. O trabalho psicoterapêutico atua na facilitação de
aspectos comprometidos no contexto atual do paciente, visando melhora
sintomatológica, do curso da doença e do ajustamento ou adaptação psicossocial do
indivíduo.

As estratégias clínicas dessa abordagem focalizam o tratamento em quatro áreas


problemáticas: luto, conflitos interpessoais, transições de vida e déficits interpessoais.

A eficácia desta intervenção terapêutica tem sido demonstrada em vários


estudos, incluindo ensaios controlados randomizados, o que levou a sua inclusão nas
recomendações oficiais para tratamento clínico na depressão maior.

4. BIBLIOGRAFIA

- Forlenza, O.V.; Miguel, E.C. (org). Compêndio de Clínica Psiquiátrica. São Paulo.
Manole, 2012.

- Freud, S. O inconsciente. Obras Completas. 2ed. Rio de Janeiro. Imago, 2006.

- Knaap, P. (org) Psicoterapia cognitivo-comportamental na prática psiquiátrica. Porto


Alegre. Artmed, 2004.

- Louzã Neto, M.R.; Elkis, H. (org) Psiquiatria Básica. 2ed. Porto Alegre. Artmed,
2007.

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