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CAPÍTULO I – INTRODUÇÃO AO DIREITO PROCESSUAL PENAL

1. Litígio, Jus puniendi & Processo Penal

Com a prática do delito, surge para o Estado a pretensão punitiva, o que doutrinariamente se denomina jus
puniendi (direito de punir). Assim é que, tendo o Estado o dever de proteger os direitos mais essenciais da
sociedade, ele apreende para si o monopólio daquele direito, ou seja, somente o poder estatal encontra-se
legitimado a exercer o direito de punir, em substituição à antiga “vingança de sangue”.

Mesmo no caso dos crimes apurados mediante ação penal privada, cuja titularidade fica subordinada ao alvedrio
do ofendido ou de quem tem legitimamente a qualidade para representá-lo, cabe à vítima (ou seu representante),
tão-somente, o jus accusationis, o direito de acusar, mas não o de punir, o que consistiria em sério retrocesso do
processo penal ao tempo em que se fazia “justiça com as próprias mãos”, hoje em dia comportamento tipificado
à luz do art. 345 do CP (Exercício Arbitrário das Próprias Razões).

Tem-se, pois, de um lado, o sujeito ativo do crime (agente), que pugna, por todos os meios de defesa em direito
admitidos, preservar seu direito de liberdade, o jus libertatis.

Assim, tem-se a seguinte situação:

• O Estado apreende alguns valores como essenciais ao convívio de seus cidadãos, e protege esses valores por
meio de normas jurídicas de Direito Penal, notadamente as normas penais incriminadoras, a cuja transgressão ou
ameaça é cominada uma consequência, a sanção penal, a mais séria de todas as sanções jurídicas;

• O indivíduo pratica uma conduta, comissiva ou omissiva, descrita no tipo penal incriminador e não acobertada
por uma excludente de ilicitude, praticando, assim, um injusto penal;

• O Estado, então, que enxerga uma norma sua ser ofendida, passa a ter o interesse de punir o ofensor, interesse
este que é consubstanciado pelo jus puniendi, o direito de punir aquele que lesa um valor defendido pelo ente
estatal;

• O acusado, por seu turno, vê ameaçado seu direito de liberdade (lembremos que a liberdade, direito
fundamental constitucionalmente protegido, é a regra; a sua privação, a exceção), o jus libertatis, tendo interesse
em se ver livre das consequências previstas abstratamente pelo tipo penal incriminador que se supõe ter sido por
ele violado;

• Assim, surge entre o réu e o Estado um conflito de interesses qualificado por uma pretensão (exercer o Estado
sua pretensão punitiva) resistida (conferida pelo réu em defesa de seu jus libertatis), conflito este que se denomina
de lide ou litígio;

• Para solucionar o conflito, caberá ao Estado-juiz determinar a quem cabe razão, vale dizer, decidir se é o
Estado, para exercer sua pretensão punitiva, ou o réu, que deseja continuar em seu jus libertatis.

A lide ou litígio que se instaura entre Estado e acusado deve se desenrolar por uma série de atos coordenados
entre si que tendem para um fim, a solução ou composição do conflito, determinando o Estado-juiz, de uma vez
por todas, qual direito (de punir ou de liberdade) deve, ao final, imperar. Esse conjunto de atos coordenados
chama-se processo.

Na verdade, o conceito de lide e de processo é único, haja vista que a jurisdição é una (quanto a isso os
processualistas civis e penalistas não parecem discordar), mas, para efeitos de organização judiciária e para

melhor da prossecução da justiça é que se divide o litígio em cível e penal, e o processo, por conseguinte, em
cível e penal. O processo penal é a fórmula encontrada pelos Estados para comporem lides de natureza criminal.

2. Conceito de processo penal:

Tomando por base as informações até aqui levantadas, poder-se-á definir lapidarmente o Direito Processual Penal
como o ramo jurídico que estuda o conjunto de princípios e normas acerca da aplicação jurisdicional do Direito
Penal material.

a) Autonomia: Não se discute a autonomia do Direito Processual Penal, porquanto possui objeto, normas e
princípios próprios, características mestras que fazem um ramo possuir a própria identidade dentro da
dogmática jurídica.

Com efeito, se bem que só se fala em Direito Processual Penal se, quando e por conta da existência do Direito
Penal, não menos certo é que este último não teria qualquer aspecto de funcionalidade enquanto não pudesse ser
efetivamente aplicado aos casos concretos levados a composição pelo Estado-juiz.

b) Instrumentalidade: O Direito Processual Penal é instrumental, à medida que ele é o meio de que se utiliza o
Estado para tirar da inércia o Direito Penal, fazendo-o atuar efetivamente, e aplicá-lo na prática.

c) Finalidade: A finalidade a que se propõe o Direito Processual Penal, tendo-se em conta notadamente seu
caráter eminentemente prático, é o de tornar efetivo, real, atuante, perceptível empiricamente, o Direito Penal,
a fim de compor a lide penal que se instaura e que deve ser solucionada.

CAPÍTULO II – PRINCÍPIOS E SISTEMAS PROCESSUAIS

1. Conceito de Principio

É base e o alicerce para a interpretação das normas (lei) e um horizonte a ser perseguido para a devida
realização da justiça.

“Princípios são verdade ou juízos fundamentais que servem de alicerce ou de garantia de certeza, um conjunto
de juízos, ordenados em um sistema de conceitos relativos à dada porção da realidade”. (Miguel Reale)

Este é um tema da mais alta relevância dentro do Direito Processual Penal, sem o qual nada em nossa matéria
tem sentido ou aplicação, ou, se o tiver, com toda a certeza o processo não se coadunará com todo o espírito do
ordenamento jurídico de um Estado Democrático de Direito. Somente com a obediência a todos os princípios
abaixo assinalados é que se poderá falar em “devido processo legal”, cuja transgressão a qualquer um deles poderá
ensejar, como quotidianamente enseja, a aplicação de regras das quais, p. ex., confere-se a liberdade do cidadão
(ainda que provisória, como no caso de quem é injustamente preso, por coação ilegal ou violência infundamentada
de quem quer que seja, mormente quando se trata de abuso de autoridade ou coação ilícita contra a liberdade de
ir, vir e ficar, o que poderá acarretar no ajuizamento de habeas corpus), ou a nulidade de certos atos.

Sem o estudo aprofundado e acurado dos princípios que regem o processo penal de nada adiantará estudar os
demais assuntos que se alastram no transcorrer do curso, por um simples motivo: todo o processo penal respalda-
se, de uma maneira direta ou indireta, no conhecimento dos princípios que o regem, e isso é facilmente
corroborado à medida que em cada assunto os doutrinadores fazem amiúde referência a algum princípio do
processo penal.

Ver-se-á, entretanto, que os princípios não são absolutos — como quase nada em Direito, por sinal —, de forma
que vez ou outra, por força de mandamento constitucional ou mesmo infraconstitucional (mas com o aval da
Carta Magna), admitem-se exceções, consoante veremos.

2. Dos princípios em espécies:



2.1 Princípio dignidade da pessoa humana (art. 1º, III, CF/88)

Respeito às individualidades do homem, que deve ser tratado com dignidade independentemente de qualquer
situação.

Trata-se de um atributo que todo ser humano possui independentemente de qualquer requisito ou condição,
seja ele de nacionalidade, sexo, religião, posição social etc. É considerada como o nosso valor constitucional
supremo, o núcleo axiológico da constituição.

2.2 Princípio devido processo legal (art. 5º, LIV, CF/88)

Originado na cláusula do “due process of law” do direito anglo-americano, está consagrado na Constituição
Federal no art. 5º, LIV, estabelece que ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem que haja um
processo prévio, no qual assegurados o contraditório e a ampla defesa, com os meio e recursos nela existentes.

Segundo Eduardo Couture, “em última análise, o due process of law consiste no direito de não ser privado da
liberdade e de seus bens, sem a garantia que supõe a tramitação de um processo desenvolvido na forma que
estabelece a lei”. Desse princípio decorrem vários outros, como o do contraditório, igualdade das partes,
imparcialidade do juiz, juiz natural, iniciativa das partes, oficialidade e da inadmissibilidade das provas obtidas
ilicitamente.

A afronta ao princípio pode acarretar nulidade do processo (consequência mais comum) e até mesmo constituir-
se em fundamento para impetração de habeas corpus, por exemplo.

Não há exceções ao princípio, e nem mesmo a prisão provisória, cautelar, processual, constitui exceção ou ofensa
a ele, contanto que sejam observadas as formas tais quais devem ser obedecidas para a consecução da prisão.

2.3 Princípio presunção de inocência, não culpabilidade ou estado de inocência (art. 5º, LVII, CF/88)

O acusado será considerado inocente até o transito em julgado da sentença penal condenatória, havendo
duvida sobre a autoria do crime o réu será absolvido (in dubio pro reo).

Passou-se, então, a questionar se, respeitado em absoluto o princípio, se não seria inconstitucional a prisão
provisória ou cautelar (prisão em flagrante, prisão preventiva, prisão temporária, prisão civil, prisão disciplinar
por transgressão militar). Esse questionamento, no entanto, não tem sua razão de ser, pois a própria CF/88
excepciona-se, ao admitir a prisão processual em seu art. 5º, LXI e LXVI.

A doutrina, ainda, costuma afirmar que em decorrência do princípio do estado de inocência:

A restrição da liberdade do acusado antes da sentença definitiva só deve ser admitida a título de medida cautelar,
de necessidade ou de conveniência, segundo estabelece a lei processual; O réu não tem o dever de provar a sua
inocência; cabe ao acusador provar a sua culpa; para condenar o acusado, o juiz deve ter a convicção de que é ele
responsável pelo delito, bastando, para a absolvição, a dúvida a respeito de sua culpa (in dubio pro reo).

Cabe destacar que Supremo Tribunal Federal (STF) em decisão proferida no dia 17 de fevereiro de 2016, por 7
votos a 4, passou a aceitar que pessoas condenadas em segunda instância devem começar a cumprir pena antes
do trânsito em julgado do processo (final do processo). Com a decisão, um condenado poderá iniciar o
cumprimento da pena se a Justiça de segunda instância rejeitar o recurso de apelação e mantiver a condenação
definida pela primeira instância.

A Corte fez uma revisão da atual jurisprudência para admitir que o princípio constitucional da presunção de
inocência cessa após a confirmação da sentença pela segunda instância. Votaram a favor do cumprimento da pena
antes do fim de todos os recursos os ministros Teori Zavascki, Edson Fachin, Luís Roberto Barroso, Cármen
Lúcia, Dias Toffoli, Luiz Fux e Gilmar Mendes.

Assim, bastará a sentença condenatória de um tribunal de Justiça estadual (TJ) ou de um tribunal regional federal
(TRF) para a execução da pena. Até então, réus podiam recorrer em liberdade ao Superior Tribunal de Justiça
(STJ) e ao próprio Supremo Tribunal Federal (STF).

Conforme refere o professor Fernando Capez, o principio da presunção de inocência deve ser considerado em
três momentos distintos:

• Na instrução processual, como presunção legal relativa a não culpabilidade, invertendo-se o ônus da prova,
tal é da incumbência da acusação;

• Na avaliação da prova, impondo-se que esta seja valorada em favor do acusado quando houver dúvidas
quanto à existência de responsabilidade pelo fato imputado;

• No curso do processo penal, como parâmetro de tratamento do acusado, em especial no que concerne à
análise quanto à necessidade ou não de sua segregação provisória.

2.4 Favor Rei (CPP, arts. 386, VI, 609, parágrafo único, 615, § 1º, 617 e 621)

Por meio deste princípio, quando houver dúvida insuperável entre o jus puniendi e o jus libertatis, deve o
ordenamento jurídico inclinar-se em favor deste último. É o famoso aforismo in dubio pro reo. O princípio está
consagrado, no Código de Processo Penal, nos arts. 386, VII (absolvição por insuficiência de provas), 609,
parágrafo único (embargos infringentes e de nulidade), 615, § 1º, e 617 (proibição da non reformatio in pejus) e
621 (revisão criminal).

Também é decorrência do princípio do favor rei, a aplicação do art. 10 do CP em detrimento do art. 798, § 1º, do
Código de Processo Penal, na questão dos prazos sobre matéria mista (penal e processual penal).

2.5 Princípio contraditório (art. 5º, LV, CF/88)

Trata-se da oportunidade de ter ciência dos fatos alegados pela parte contraria, podendo apresentar sua versão,
além de provas de seu interesse na expectativa de convencer o julgador.

Por esse princípio, também denominado “bilateralidade da audiência”, garante-se constitucionalmente a ampla
defesa do acusado (art. 5º, LV). Mediante o princípio, o acusado goza do direito de defesa sem qualquer restrição,
assim como à acusação cabe contraditar os argumentos esposados pelo réu.

O contraditório envolve a isonomia processual, pela qual as partes podem atuar no processo em igualdade de
condições (ciência bilateral dos atos e termos do processo e a possibilidade de contrariá-los, nas formas e
condições estabelecidas em lei). Dele também advêm a igualdade processual (igualdade de direitos e deveres
dentro da demanda) e a liberdade processual do acusado (a ele é concedido o direito de nomear, para a sua defesa,
o advogado que desejar). O contraditório é princípio tão elementar que, lembra Mirabete, atua até quando o réu
se encontra foragido, porquanto não poderá ser julgado sem um defensor (o que não significa que ele não possa
ser julgado à revelia).

O não acatamento de direitos decorrentes do contraditório pode acarretar nulidade do processo (art. 564, III, c, e,
f, g, h, l e o, do CPP).

O contraditório, no entanto, só tem fundamento no processo criminal, ou seja, a partir do momento em que é
proposta a ação penal, de forma que na fase pré-processual (inquérito policial) não se exige (e nem mesmo se
admite) o contraditório.

Para espancar qualquer dúvida, a Carta Magna dispõe, em seu art. 5º, LV, que é assegurado o contraditório “em
processo judicial ou administrativo”, e inquérito, como salientamos, não é processo, mas mero procedimento
informativo de caráter administrativo para colheita de provas na busca da apuração da materialidade do fato e de
sua autoria.

Há, entretanto, quem entenda dever haver contraditório ficar na fase do inquérito (tal opinião, no entanto, é
minoritária). Com o advento da Lei 13.245/2016 que alterou o art. 7º do Estatuto da OAB, visualiza-se a
mitigação do caráter inquisitivo no inquérito, mas o assunto será estudado no próximo capítulo.

2.6 Igualdade das Partes (art. 5º, LV, CF)

Por este princípio, decorrente diretamente do contraditório, as partes encontram-se, em juízo, em pé de igualdade,
de forma que elas exercem e suportam idênticos direitos, ônus, obrigações e faculdades.

As partes são, pois, iguais, de forma que nenhuma é mais importante que a outra, ou merecedora de mais ou
menos direitos que a outra. No entanto, esse princípio não é absoluto, e deve ficar em posição hierárquica inferior
ao princípio do favor rei, pelo qual no conflito entre o jus puniendi e o jus libertatis, a balança da justiça deve
inclinar-se em favor deste último. Daí porque em excepcionais ocasiões o Direito Processual Penal prevê ao réu
prerrogativas processuais não concedidas à acusação, como se vê, p. ex., dos embargos infringentes, dos
embargos de nulidade e da revisão criminal, todos exclusivos da defesa, e o princípio do non reformatio in pejus,
pelo qual não se pode reformar uma decisão em desvantagem ao que foi postulado, em sede recursal, pela defesa
(a não ser, evidentemente, que a nova decisão se lastreie em recurso da acusação, o que não significa de modo
algum uma exceção ao princípio, senão uma decisão que nega provimento ao recurso da defesa e o dá ao da
acusação).

2.7 Princípio Ampla Defesa (art. 5º, LV, CF/88)

Traduz o dever que assiste o Estado de facultar ao acusado toda a defesa possível quanto à imputação que lhe
foi realizada, podendo apresentar qualquer prova admitida no direito para fundamentar sua versão dos fatos.
Este princípio guarda intrínseca relação com o direito ao contraditório.

Abrange a autodefesa, realizada pelo acusado em seu interrogatório, e a defesa técnica, que exige a representação
do réu por um defensor, que pode ser constituído, público, dativo ou ad hoc.

A defesa técnica é aquela desempenhada por profissional habilitado, com capacidade postulatória. É obrigatória
e indispensável, mesmo contra a vontade do réu (art. 261, CPP). Pode ser exercida pelo advogado constituído
pelo réu, por um Defensor Público ou, por fim, por um defensor dativo, nomeado pelo Juízo. A ausência de defesa
técnica é causa de nulidade absoluta do processo.

Ademais, o réu tem o direito de escolher o seu defensor, razão pela qual não cabe ao Juízo indicar, de logo, um
novo defensor, em caso da renúncia do defensor anterior (Sumula n. 708, STF, aplicável por analogia). Deve o
réu ser intimado para constituir um novo defensor e, somente se ele se omitir, é que o Juízo poderá nomear um
defensor dativo.

Por outro lado, a autodefesa é a defesa exercida pelo próprio réu, desdobrando-se em três vertentes, a saber: (a)
direito de presença, (b) direito de audiência e (c) direito de postular.

No primeiro aspecto, está compreendido o direito de o réu participar dos atos processuais, acompanhando o
andamento do processo e a produção probatória. Por tal razão, o réu tem o direito de ser intimado para comparecer
à audiência. Entretanto, se for intimado e não comparecer a um ato processual, poderá ser decretada a sua revelia
(art. 367, CPP), e o processo prosseguirá sem a sua intimação.

O direito de audiência configura-se na prerrogativa de o réu, se quiser, ter contato direto com o Juiz e expor a sua
versão sobre os fatos que lhe são imputados. Corporifica-se no interrogatório, que, atualmente, é considerado
meio de defesa, e não meramente um meio de prova. É essa a razão pela qual o interrogatório deixou de ser o
primeiro ato da instrução e passou a ser o último. Ora, se é meio de defesa do réu, o momento mais propício para
a sua ocorrência é após a produção de todas as provas, de maneira que o réu tenha consciência das provas que
foram produzidas em seu favor e em seu desfavor e possa formar seu convencimento sobre a melhor estratégia
para a sua defesa.

Há doutrina que enxerga o direito de audiência em duas óticas: na ótica positiva, o réu tem a possibilidade de se
manifestar sobre os fatos e expor a sua versão, a fim de influenciar a formação do convencimento do Juízo; na
ótica negativa, o réu tem o direito de manter-se em silêncio, e este silêncio não pode ser interpretado em seu
prejuízo.

Por fim, o direito de o réu postular dá-se em casos em que a legislação admite que ele formule pretensões,
mesmo sem a presença de um advogado. Por exemplo, o réu pode interpor recurso de Apelação, pode impetrar
Habeas Corpus e ajuizar Revisão Criminal. Por tal razão, o réu deve ser intimado pessoalmente da sentença
condenatória (art. 392, CPP).

A regra do art. 366, CPP, que prevê a suspensão do processo quando o réu, citado por Edital, não comparecer
nem constituir advogado, também é decorrência da autodefesa, posto que, considerando-se que a citação editalícia
é ficta, provavelmente sequer o réu terá conhecimento da Ação Penal em seu desfavor, de modo que não poderá
estar presente aos atos processuais tampouco ser interrogado.

2.8 Princípio Publicidade (art. 5º, LX e art. 93, IX, CF/88)

Garante a lisura e a limpidez dos atos processuais que em regra devem ser públicos, podendo ser acessados por
qualquer pessoa.

A regra aliás, com força imperativa constitucional é a de que todos os atos processuais são públicos, não devendo
sofrer qualquer espécie de restrição ou censura. Isso tem a sua razão de ser: como o sistema processual penal
brasileiro é o acusatório, em que os direitos humanos (ao menos em tese...) são salvaguardados, razão não há, ao
contrário do que ocorre no sistema inquisitivo, repudiado nas legislações dos povos civilizados, para que o

processo penal e o seu desenrolar fiquem às escondidas, longe dos olhos da sociedade (exatamente quem tem
mais interesse na fiscalização do andamento de seus interesses, entre eles o da correta e justa aplicação da lei
penal à espécie fática). Logo, o processo não é nem deve ser, via de regra, sigiloso.

O princípio da publicidade não é absoluto, e de fato nem poderia, pois a publicidade sem limites, e sem exceções
acarretaria, decerto, sérios problemas à pessoa do acusado ou da vítima, a depender do caso concreto (imagine-
se, dar-se a mais ampla publicidade a uma vítima de estupro).

Daí porque, tendo em vista determinados valores, que devem reinar sobre a publicidade, a Carta Política traçou
genericamente os seus limites, determinando que a lei deverá restringir a publicidade dos atos processuais
“quando a defesa da intimidade ou o interesse social o exigirem” (art. 5º, LX). Também se fazem ressalvas à
publicidade, secundando-a quando estiver em jogo o interesse público e a segurança da sociedade e do Estado
(art. 5º, XXXIII). Vejam-se outras exceções nos arts. 217, 792, § 2º, todos do Código de Processo Penal brasileiro.

Tais restrições estão alicerçadas em defesa da intimidade da vitima ou diante da necessidade do interesse
público, os principais exemplos são:

• Art. 201 § 6º do CPP, ao dispor que o “juiz tomará as providencias necessárias à preservação da intimidade,
vida privada, honra e imagem do ofendido, podendo inclusive determinar o segredo de justiça em relação aos
dados, depoimentos e outras informações constantes dos autos a seu respeito para evitar sua exposição aos
meios de comunicação”.

• Mais recentemente a lei 12.015/09, introduziu por meio do art.234-B do Código Penal o segredo de justiça
na tramitação dos processos por crimes contra a dignidade sexual.

O inquérito policial, como teremos ainda oportunidade de observar, é inquisitório, e como tal é intrinsecamente
sigiloso. No entanto, afirmemos desde já, o inquérito policial, primeira fase da persecução criminal, não é e nem
faz parte processo penal (tecnicamente falando), de modo que não faltamos com a verdade quando dizemos que
o processo penal brasileiro é eminentemente (embora não absolutamente) público.

2.9 Princípio da obrigatoriedade de motivação das decisões judiciais (art. 93, IX, CF/88 e art. 381, III, CPP)

Exige que toda a decisão proferida por órgão jurisdicional seja devidamente motivada, justificada, sob pena de
serem declaradas nulas, é garantia à sociedade de que as deliberações não resultam de posturas arbitrarias,
mas sim de um julgamento imparcial, realizado de acordo com a lei.

2.10 Princípio Vedação da Prova Ilícita (art. 5º, LVI, CF/88)

Provas obtidas por meios ilícitos, consideradas aquelas que afrontam direta ou indiretamente garantias
tuteladas pela Constituição, não poderão em regra, ser utilizadas no processo criminal como fator de convicção
do juiz. Atua como princípio ético, quer a apuração dos fatos criminosos, calcada na licitude, pois nada
adiantaria, sob o prisma democrático, buscar a justiça desrespeitando as leis.

No processo penal, são proibidas as chamadas provas ilegais. As provas proibidas são de suas espécies: ilegítimas
e ilícitas. Entre ambas há nítida distinção: as primeiras, provas ilegítimas, são aquelas obtidas com afronta a
preceito de legislação processual, isto é, violação do Direito Penal formal; as provas ilícitas, por sua vez, são as
que são conseguidas com violação a norma de Direito Penal material, ou seja, são obtidas por meio criminoso ou
contravencional.

Em todo o mundo, a única Constituição que proíbe taxativamente a obtenção ilícita de provas é a brasileira (art.
5º, VI). Assim, mesmo que o que se conseguiu apurar seja prova cabal da existência de uma infração penal e da
autoria da mesma, se tal se deu ilicitamente, como por meio de tortura (violação a disposições da Lei n.º 9.455/97),
micro gravadores dissimulados, interceptação telefônica desautorizada (afronta à Lei n.º 9.296/96), fotografias
da vida íntima da pessoa, detector de mentiras sem que a pessoa permita, etc., não é admissível em juízo, vale
dizer, não pode ser usado pela acusação, ainda que isso enseje (e realmente ensejará) a impunidade do indiciado
ou do réu. Também são consideradas ilícitas aquelas obtidas por derivação (teoria norte-americana das fruits of
the poisonous tree), quando, por exemplo, a Polícia obtém do acusado, mediante tortura, a confissão de onde está
depositada a droga, e até lá se dirige e, preenchendo todas as formalidades legais, apreende o entorpecente —
embora a apreensão seja em si lícita, ela decorreu de origem ilícita, e ilícita também, pois, deve ser a primeira
considerada, e rechaçada em juízo.

Isso porque, entre o desrespeito à Constituição Federal e a impunidade, preferir-se-á esta.

Todavia, arrimada no princípio do favor rei, existe forte corrente doutrinária e jurisprudencial no sentido de
admitir as provas ilícitas desde que favoráveis à defesa. Isso tem sua razão de ser, muito lógica e plausível: se a
prova, ainda que insofismável, da existência do crime e da sua autoria, é inadmissível, absolvendo-se o réu, com
muito maior razão não se punirá quem, sendo inocente, prova-a, ainda que com o emprego de recursos afrontantes
da lei penal. Assim, p. ex., se alguém, querendo provar a sua inocência, penetra na calada da noite em domicílio
alheio, e de lá subtrai documentos capazes de provar sua inocência, tais provas devem ser admitidas. Talvez
mesmo não seja melhor falar-se, aí, em prova obtida “ilicitamente”, senão licitamente (embora o fato seja típico
à luz da legislação penal), porque então se pode alegar estado de necessidade, cujos bens em conflito seriam, em
derradeira análise, o jus libertatis e a tranquilidade doméstica e patrimônio do morador do domicílio.

Assim, tem-se que: a acusação não pode utilizar-se de provas obtidas ilicitamente (sejam originárias ou por
derivação), mas a defesa, em tese, pode (vide, no Informativo STF nº 30, de 15/05/96, o HC 73.351-SP).

2.11 Reponsabilidade pessoal (Art. 5º, XLV, CF)



Tal princípio está previsto no art. 5º, XLV da CF. Também denominado princípio da intranscendência ou da
pessoalidade ou, ainda, personalidade da pena, preconiza que somente o condenado, e mais ninguém, poderá
responder pelo fato praticado, pois a pena não pode passar da pessoa do condenado.

Este princípio justifica a extinção da punibilidade pela morte do agente. Resta óbvia a extinção quando estamos
tratando da pena privativa de liberdade, mas o princípio da responsabilidade pessoal faz com que, mesmo tendo
o falecido deixado amplo patrimônio, a pena de multa não possa atingi-lo, pois estaria passando da pessoa do
condenado para atingir seus herdeiros. Sendo assim, sempre estará extinta a punibilidade, independente da
pena aplicada, quando ocorrer a morte do agente.

Todavia, se estivermos diante de uma responsabilidade não penal, como a obrigação de reparar o dano, nada
impede que, no caso de morte do condenado e tendo havido bens para transmitir aos seus sucessores, estes
respondem até as forças da herança. A pena de multa, apesar de ser considerada agora dívida de valor, não
deixou de ter caráter penal e, por isso, continua obedecendo a este princípio.

2.12 Juiz Natural (art. 5º, XXXVII e LIII, CF)

Este princípio tem fundamento constitucional no art. 5º, XXXVII (“não haverá juízo ou tribunal de exceção”).
Significa que nenhuma lei poderá sob hipótese alguma criar órgão jurisdicional ou designar magistrados especiais
para julgarem um caso isolado. Quer dizer, dado um fato, o órgão ou o juiz incumbido de o julgar já deve estar

previamente previsto para aquele desiderato. É constitucionalmente vedado, portanto, criação ou designação de
órgão ou tribunal após o fato. Além do mais, “ninguém será processado nem sentenciado senão pela autoridade
competente” (art. 5º, LIII, da CF/88), o que quer dizer que a cada espécie de fatos cabem processo e julgamento
a um órgão competente. Lembram os autores que não ofendem o princípio do juiz natural as modificações de
competência, as substituições, o desaforamento e a prorrogação de competência previstas em lei.

Identidade Física do Juiz: Inobstante o temos citado no rol dos princípios do processo penal, em verdade e de
fato ele não subsiste, ao menos no processo brasileiro. Segundo o princípio, num mesmo processo só poderia
atuar um único e só juiz, não se permitindo a sua substituição por outro: o juiz que pratica um ato de um processo
necessariamente deverá ser o mesmo para todo o desenrolar do mesmo, nos limites de sua competência. Não é
princípio do Direito Processual Penal brasileiro, e não foi consagrado, sequer, pelo Código de Processo Penal
brasileiro, tendo em vista que o trata do juiz como “órgão jurisdicional”, em caráter impessoal, portanto, pouco
importando a pessoa física do juiz.

2.13 Princípio Juiz imparcial (art. 5º, XXXVII e LIII, CF/88)



Não haveria, decerto, justiça (ou ao menos sempre se desconfiaria que ela se fizesse realmente presente) caso o
magistrado, ao qual é dado o poder-dever de dirimir o conflito intersubjetivo qualificado por uma pretensão (jus
puniendi) resistida (resistência do jus libertatis), fosse parcial, isto é, se o Estado-juiz não se colocasse em
situação de equidistância entre as partes, e ainda o mais se fosse movido por paixões as mais diversas que
tendessem a sempre favorecer, sem respaldo jurídico, uns, e prejudicasse outros.

Pelo princípio da imparcialidade, exige-se que o juiz, na demanda que lhe vem à tona, não julgue
apaixonadamente, movido por sentimentos que obnubilam o caráter e os valores da finalidade última do Direito,
a justiça, deixe de aplicá-la segundo as normas que se exprimem na ordem jurídica, e que necessitam de ser postas
em prática.

Assim é que o magistrado não deverá subsumir a sua opinião à própria conveniência e aos próprios interesses
que por ventura haja, direta ou indiretamente, ligação com a forma e/ou com o pronunciamento jurisdicional que
ele realizará. Não se permite, igualmente e talvez com muito maior razão, que o convencimento do juiz esteja
como que coligado às conveniências de terceiros, sob pena de nulidade do decisum.

Daí porque a Carta Magna (art. 95), desejando afastar, ou ao menos dirimir, as ingerências metajurídicas capazes
de criar óbices à aplicação das leis penal e processual penal, confere garantias aos magistrados: vitaliciedade,
pelo qual, durante os primeiros dois anos de judicatura, o juiz somente perderá o cargo por deliberação do
Tribunal a que estiver vinculado e, após o período probatório, apenas por sentença judicial transitada em julgado;
inamovibilidade, segundo a qual o juiz só será afastado ou removido de sua comarca em razão de manifesto
interesse público, evitando-se, com isso, que o juiz julgue desta ou daquela forma, conforme interesses individuais
amiúde financeiros e políticos.

Assim, ele não terá receio de julgar segundo lhe aprouver, mas sempre de acordo com os mandamentos da lei e
os princípios da ordem jurídica, nunca das pressões e influências negativas);

Irredutibilidade de vencimentos, ou seja, os magistrados poderão ter a certeza de que seus vencimentos não serão
atingidos pelos poderosos ainda que contrarie seus interesses. Logo, decida o juiz como decidir, as garantias
assegurarão que ele continue no cargo.

A doutrina defende que o juiz deve ser objetiva e subjetivamente capaz de exercer a jurisdição diante do caso
concreto.

Objetivamente, ele deve ser competente para julgar a demanda (no entanto, a preclusão do direito de alegação de
incompetência relativa implica a prorrogação da competência, isto é, de incompetente passa o magistrado a
competente). A capacidade subjetiva é, em termos do princípio em epígrafe, a que nos interessa. A imparcialidade
ficará afetada com o impedimento ou com a mera suspeição do juiz. Tanto o juiz impedido quanto o suspeito não
podem atuar no processo.

O impedimento está capitulado no art. 252 do Código de Processo Penal, e se refere aos casos em que o juiz:
tiver funcionado seu cônjuge ou parente, consanguíneo ou afim, em linha reta ou colateral até o terceiro grau,
inclusive, como defensor ou advogado, órgão do Ministério Público, autoridade policial, auxiliar da justiça ou
perito (inciso I); ele próprio houver desempenhado qualquer dessas funções ou servido como testemunha (inciso
II); tiver funcionado como juiz de outra instância, pronunciando-se, de fato ou de direito, sobre a questão (inciso
III); ele próprio ou seu cônjuge ou parente, consanguíneo ou afim em linha reta ou colateral até o terceiro grau,
inclusive, for parte ou diretamente interessado no feito (inciso IV).

Dá-se a suspeição do magistrado: está capitulado no art. 254 do Código de Processo Penal, e se refere aos casos
em que o juiz: for amigo íntimo ou inimigo capital de qualquer deles (inciso I); se ele, seu cônjuge, ascendente
ou descendente, estiver respondendo a processo por fato análogo, sobre cujo caráter criminoso haja controvérsia
(inciso II); se ele, seu cônjuge, ou parente, consanguíneo, ou afim, até o terceiro grau, inclusive, sustentar
demanda ou responder a processo que tenha de ser julgado por qualquer das partes (inciso III); se tiver
aconselhado qualquer das partes (inciso IV); se for credor ou devedor, tutor ou curador, de qualquer das partes
(inciso V); se for sócio, acionista ou administrador de sociedade interessada no processo (inciso VI).

Não haveria seriedade e imparcialidade e, portanto, tranquilidade de uma das partes, se se soubesse que o juiz é
impedido ou suspeito por qualquer um daqueles motivos, que, aliás, devem como tais ser declarados de ofício, e
se o juiz não o fizer, qualquer das partes poderá alegá-la por meio de exceção.

2.14 Iniciativa das Partes (art. 129, I, CF/88; arts. 24 e 30, CPP)

A ação penal é o direito instrumental de fazer invocar a tutela jurisdicional com vistas à composição de uma lide
penal. A titularidade da ação penal é exclusiva da parte interessada: Ministério Público, nos crimes de ação penal
pública; ofendido ou seu representante legal, nos de ação privada. De forma que, se quer o titular da ação penal
que o autor de um crime seja processado e julgado, necessitará de promover a ação penal respectiva; em última
instância, terá de tomar a iniciativa de conclamar aquela tutela.

Daí dizer-se que paralelamente ao princípio da iniciativa das partes está o da inércia do juiz, ou seja, ele só pode
tomar a primeira providência jurisdicional se e quando for “chamado” a tal, por meio da instauração da ação
penal (denúncia ou queixa-crime).

O princípio em comento é ratificado por duas expressões latinas: nulla jurisdictio sine actione (não há jurisdição
sem ação); ne procedat judex ex officio (não procede a jurisdição de ofício).

Não há exceções a esse princípio: ao Ministério Público (MP), e somente a ele, cabe a iniciativa da ação penal
pública (art. 129, I, da CF/88), sendo que nem sequer a autoridade policial ou o juiz podem propor ação penal;
ao ofendido ou seu representante legal, e somente a eles, a ação penal privada (CPP, arts. 29 e 30). Mesmo quando
o Ministério Público não intenta a denúncia no prazo legal, quando então cabe à parte ofendida a ação privada
subsidiária, o MP não perde a sua titularidade, e tanto é assim que, malgrada a propositura tempestiva da queixa-
crime, o MP volta a poder apresentar a denúncia. Nada obsta, também, que, no prazo de oferecimento de queixa-
crime, seja oferecida denúncia.

2.15 Oralidade


Por ele, a validade das declarações de ambas as partes (acusação e defesa) depende sobremaneira de seu
pronunciamento feito oralmente. Tal princípio encontra seu cume durante o decorrer das sessões do Tribunal
do Júri, em que a defesa, acusação e julgamento são realizados oralmente (salvo algumas fórmulas
procedimentais, em que se faz por escrito, mas em sua essência as sessões do Tribunal do Júri são orais). No
entanto, observa-se que de ordinário o processo penal brasileiro, tal qual o cível, apresenta-se muito mais
escrito do que oral, e apenas em um ou outro caso é que se consagra a primazia da palavra oral, verbalizada,
não gráfica, como acontece no rito sumaríssimo nas infrações penais de menor potencial ofensivo (art. 81 da
Lei nº 9.099/95). Atualmente vem ocorrendo uma tendência doutrinária em se “oralizar” mais o processo penal
brasileiro, até porque assim se procuraria desburocratizá-lo mais.

2.16 Princípio da verdade real, material ou substancial (art. 566, CPP)

Significa que no processo penal devem ser realizadas as diligências necessárias e adotadas todas as providências
cabíveis para tentar descobrir como os fatos realmente se passaram.

Esse, a propósito, o motivo que inspirou o art. 5°, LXIII, da CF e do art. 186 do CPP, determinando que o silêncio
do réu não importa em confissão.

Na esfera penal a investigação dos fatos cumpre caminho diverso ao que é trilhado na esfera civil. No Direito
Civil vigora o princípio da verdade formal, inclusive se o réu não contestar a ação, serão presumidos como
verdadeiros os fatos alegados pelo autor (art. 319, CPC).

Pelo princípio da verdade real o processo penal, ao contrário do cível, não deve encontrar artificialismos ou
formalismos capazes de criar óbices ao conhecimento cabal e verdadeiro do fato, da autoria e de todas as
circunstâncias, tais quais eles realmente ocorreram. Donde porque, com a verdade real, o Direito Processual Penal
tende a preferir o primado da justiça sobre qualquer elemento ou dado que, pela sua superficialidade formal, possa
obstruir a consecução da justiça. Procura-se, pois, averiguar cada caso concreto por meio da apuração da verdade,
não da presunção dela. Veja-se, p. ex., que, no processo cível, o réu que deixar de contestar a exordial ou admiti-
la em todos os seus termos sucumbirá, visto que tudo o que fora alegado na petição será considerado, por
presunção, verdadeiro. O mesmo não ocorre no processo penal, em que, p. ex., o fato de uma pessoa entregar-se
à autoridade policial, dizendo-se autora de determinado delito cuja autoria era até então desconhecida não
significará que, com certeza, ela será condenada por aquele crime, pois que pode ser que ela esteja faltando com
a verdade (para acobertar alguém, por exemplo). Sua “confissão” não gera presunção de verdade (como ocorreria
no processo cível), mas apenas, quando muito, uma suspeita de que fora ela mesma quem praticou a infração
penal.

Veja-se, p. ex., o princípio da verdade real sendo aplicado quando o juiz, independentemente da iniciativa de
qualquer das partes, de ofício ordena a execução de determinada diligência, a fim de que ele consiga obter a
verdade, nada mais que a verdade. Mesmo diante dos fatos incontroversos pelas partes (isto é, as partes da lide
penal não divergem a respeito de um fato) o juiz poderá, não satisfeito com o que tem diante do processo (ausência
de contestação por qualquer das partes), ordenar diligências. Mesmo quando o Ministério Público pede a
absolvição é possível que o Juiz, analisando que, in casu, cabe legitimidade ao Estado de fazer valer sua pretensão
punitiva, poderá condenar o réu (art. 385 do Código de Processo Penal).

O princípio da verdade real não é absoluto. Tenha-se em mira, a sentença absolutória transitada em julgado, que
não pode ser mais “desfeita” (tecnicamente, rescindida, modificada) mesmo que sejam apresentadas as mais
irrefutáveis provas contra o réu. Quer dizer, a regra processual penal de caráter formal de que a sentença
absolutória transitada em julgado não pode ser rescindida, aqui, constitui uma das exceções ao princípio em tela.

Diga-se o mesmo, também, na causa extintiva de punibilidade da perempção, que se faz presente mesmo quando
há provas conclusivas acerca da materialidade do fato e da sua respectiva autoria: por melhor que seja a redação
da queixa-crime, por melhores e mais incontestáveis que sejam as provas nela acostadas, a ausência de pedido de
condenação ou de citação do réu gera extinção da punibilidade, nos termos dos arts. 107, IV, in fine, do CP, e 60
do Código de Processo Penal.

2.17 Princípio do duplo grau de jurisdição

Concretiza-se mediante a interposição de recurso, decorre da necessidade de possibilitar a determinados
órgãos do Poder Judiciário a revisão de decisões proferidas por juízes ou tribunais sujeitos à sua jurisdição.
Embora não exista previsão expressa deste princípio na Constituição ele decorre de forma implícita das regras
de competência por ela trazidas.

2.18 Obrigatoriedade (arts. 5º e 24, CPP)

Mediante tal princípio, nos crimes que se apurem por meio de ação penal pública incondicionada a autoridade
policial, tomando deles conhecimento, deve instaurar inquérito policial de ofício (art. 5º do Código de Processo
Penal); e o órgão do Ministério Público, tomando deles conhecimento, deverá promover, pela denúncia, a ação
penal (art. 24 do mesmo diploma).

Em síntese: os crimes, quanto à ação penal a ser promovida, ou são de ação penal pública, ou de ação penal
privada (é a lei penal quem determina isso, seja silenciando, seja fazendo expressiva alusão à necessidade de
queixa-crime ou de representação). Os segundos, porque são da alçada privada, são de titularidade exclusiva do
ofendido ou de seu representante legal, e eles oferecem a queixa-crime se lhe convierem, vale dizer, o titular da
ação penal privada oferece a queixa-crime (peça inicial desta espécie de ação penal) se quiser, não tendo
obrigatoriedade para tal, porque o interesse na persecução penal pertencerá, tão-somente, a ele, e não à sociedade.

Os crimes de ação penal pública, no entanto, ensejam o interesse público de que sejam devidamente apurados, de
modo que não pode a autoridade policial, ao deles tomar conhecimento, deixar de instaurar inquérito policial
(embora se alegue, vez ou outra, que não seja bem isso o que ocorre na prática); e ao representante do Ministério
Público não cabe “querer ou não querer” oferecer a denúncia (peça em que se consubstancia a ação penal pública),
sendo que, antes, ele simplesmente tem de oferecê-la.

E se a autoridade policial deixar de instaurar o inquérito policial, ou o representante do Ministério Público deixar
de oferecer a denúncia? A depender do caso concreto, poderão eventualmente responder por crime de concussão
(art. 316, caput, do CP), de corrupção passiva (art. 317 do CP) ou de prevaricação (art. 319 do CP).

Doutrinadores da estirpe de Fernando da Costa Tourinho Filho e Júlio Fabbrini Mirabete têm dito que o princípio
da obrigatoriedade não oferece exceção alguma, mas uma “mitigação” (abrandamento), nos termos do que
dispõem os arts. 74 e 76 da Lei nº 9.099/95, permitindo-se a composição e a transação penais anteriores ao
oferecimento da denúncia. Fala-se, então, nas infrações penais de menor potencial ofensivo, em
discricionariedade regrada: o Ministério Público pode, desde que atendidas certas condições, deixar de oferecer
a denúncia.

2.19 Indisponibilidade (arts. 17, 42 e 576, CPP)

Esse princípio muito se assemelha ao que acabamos de tratar, mas com ele não se confunde. Pelo princípio da
obrigatoriedade, vimos, a autoridade policial, ao tomar conhecimento do cometimento de fato delituoso que se
apura mediante ação penal pública, deverá instaurar o respectivo inquérito policial (art. 5º do CPP), e o órgão do
Ministério Público, na mesma hipótese, deverá oferecer a denúncia, a peça inicial da ação penal pública (art. 24

do CPP). Assim, o princípio da obrigatoriedade diz respeito a momento anterior ao inquérito e à denúncia,
impondo que sejam levados a cabo pela autoridade a quem cabe cada um desses atos.

Pelo princípio da indisponibilidade, em seu turno, o inquérito policial já instaurado não poderá ser arquivado de
ofício pela autoridade policial (art. 17 do CPP), e o órgão do Ministério Público, por sua vez, não poderá desistir
da denúncia já oferecida (art. 42 do CPP), nem do recurso já interposto (art. 576 do CPP).

Logo, enquanto o princípio da obrigatoriedade, diante de um delito de ação penal pública, diz “instaure o inquérito
policial!” à autoridade policial, e “ofereça a denúncia!” ao representante do Ministério Público, o da
indisponibilidade diz, à primeira autoridade, “não arquive, de ofício, inquérito policial!”, e à segunda, “não desista
da ação penal já intentada!” e “não desista do recurso que já haja interposto!”.

2.20 Oficialidade (arts. 128, I e II, 129, I, CF e 144; CPP)

Pelo princípio da oficialidade, os órgãos encarregados de empreender a persecutio criminis são oficiais com
autoridade para deduzirem a pretensão punitiva in abstracto. Assim é que a apuração das infrações penais cabe à
Polícia (art. 144 da CF/88; arts. 4º a 23 do Código de Processo Penal), e a ação penal é oferecida pelo Ministério
Público (arts. 128, I e II, e 129, I, da CF/88; arts. 24 e ss. do CP). Logo, cabem a órgãos oficiais estatais
promoverem a persecutio criminis in judictio.

A chamada “ação penal popular”, que possibilita a iniciativa de qualquer do povo para oferecer ação penal por
crime de responsabilidade do Presidente da República e do Procurador-Geral da República, insculpida no art. 41
da Lei nº 1.079/50, não tem mais sua razão de ser (o dispositivo está tacitamente revogado pelo art. 129, I, da
CF/88).

A exceção ao princípio está na ação penal privada (daí porque dizer-se que, com relação à ação penal, o princípio
da oficialidade somente é absoluto quanto à ação pública). Na ação privada, a titularidade não é do Ministério
Público, mas muito pelo contrário: cabe ao ofendido ou ao seu representante legal promover a ação penal privada,
particulares e não autoridades, por conseguinte.

3. SISTEMA PROCESSUAL

É o conjunto de princípios e regras constitucionais, de acordo com o momento político de cada Estado, que
estabelecem as diretrizes a serem seguidas para a aplicação do direito no caso concreto.

No direito comparado, são encontradas três espécies de sistemas processuais penais (tipos de processos), a saber:

3.1 Sistema Inquisitivo



A origem da nomenclatura do sistema inquisitivo vem da inquisição (Santa Inquisição – Tribunal Eclesiástico),
que possuía como finalidade a investigação e punição dos hereges, pelos membros do clero, é próprio dos
regimes ditatoriais.

No sistema inquisitivo é o juiz quem detém a reunião das funções de acusar, julgar e defender o investigado –
que se restringe a mero objeto do processo. A ideia fundante deste sistema é: o julgador é o gestor das provas, o
juiz é quem produz e conduz as provas.

• Reunião das funções: o juiz julga, acusa e defende;


• Não existem partes – o réu é mero objeto do processo penal e não sujeito de direitos;


• O processo é sigiloso, isto é, é praticado longe “aos olhos do povo”, prevalecendo a forma escrita;
• Inexistem garantias constitucionais, pois se o investigado é objeto, não há que se falar em contraditório,
ampla defesa, devido processo legal etc.;
• A confissão é a rainha das provas (prova legal e tarifação das provas);
• Existência de presunção de culpa? O réu é culpado até que se prove o contrário.

3.2 Sistema Acusatório

Próprio dos regimes democráticos caracteriza-se, diversamente do sistema inquisitório, sua antítese é o sistema
processual acusatório, que possui como princípio unificador o fato de o gestor da prova ser pessoa/instituição
diversa do julgador. Há, pois, nítida separação entre as funções de acusar, julgar e defender, o que não ocorria no
sistema inquisitivo. Destarte, o juiz é imparcial e somente julga, não produz provas e nem defende o réu:

• As partes são as gestoras das provas;
• Há separação das funções de acusar, julgar e defender;
• O processo é público, salvo exceções determinadas por lei;
• O réu é sujeito de direitos e não mais objeto da investigação;
• Consequentemente, ao acusado é garantido o contraditório, a ampla defesa, o devido processo legal, e
demais princípios limitadores do poder punitivo;
• Presume-se a não culpabilidade (ou a inocência do réu);
• As provas não são taxativas e não possuem valores preestabelecidos.

3.3 Sistema Misto ou Inquisitivo garantista

Existe ainda aqueles que pregam a existência de um sistema misto, onde coexistem regras do sistema acusatório
e do sistema inquisitivo.

4. SISTEMA ADOTADO NO BRASIL

Em que pese não existir posição uniforme a respeito de qual sistema o Brasil adotou, a doutrina majoritária tem
apontado o sistema acusatório.

5. DISTINÇÃO ENTRE SISTEMA INQUISITIVO E ACUSATÓRIO
Características/sistemas Sistema inquisitório Sistema acusatório
Princípio unificador O juiz é o gestor das provas. As partes é que são gestoras das provas.
Funções acusar, defender e Separadas (promotor acusa, advogado
Reunidas nas mãos do juiz.
julgar. defende, e juiz julga).
A regra é a publicidade dos atos do
Atos do processo Escrito e sigilosos.
processo, prevalecendo a forma oral.
Réu Objeto da investigação. Sujeito de direitos.
Não há contraditório, ampla defesa Todas as garantias constitucionais
Garantias
ou devido processo legal. inerentes ao julgamento.
Taxativas, onde a confissão é a Livre convencimento do juiz e
Provas
rainha das provas. devidamente motivadas.

De culpabilidade, podendo
Presunção utilizar-se de torturas e meios De não culpabilidade ou de inocência.
cruéis para obter a confissão.
Julgador É parcial. É imparcial, equidistante das partes.

CAPÍTULO III – APLICAÇÃO DA LEI PROCESSUAL PENAL

1. Introdução

É princípio geral do direito que as normas jurídicas se limitam no tempo e no espaço, isto é, aplicam-se em um
determinado território e em um determinado lapso temporal. Com as normas de direito processual penal, não é
diferente. Neste capitulo faremos o estudo da aplicação do Código de Processo Penal e outros instrumentos
processuais, no tempo e no espaço.

2. Aplicação do CPP no espaço

A aplicação da lei processual penal no espaço passa pelo estudo do Código de Processo Penal e da legislação
extravagante que cuida dos conceitos empregados pelo legislador naquele diploma, como a noção de território
nacional, e demais regras, princípios e conceitos propagados pela doutrina que estuda a teoria geral dos processos.

O processo, enquanto cuida de regras e princípios para aplicação do Direito ao caso concreto, é manifestação
plena da Jurisdição e, ao mesmo tempo, configura limites para atividade soberana estatal, trazendo em seu bojo
uma série de garantias de caráter constitucional. Sendo assim, enquanto manifestação plena de soberania, caberia
ao legislador definir quando, onde e para quais casos são aplicáveis a legislação brasileira em seu aspecto material
ou formal.

A relevância da aplicação da lei processual no espaço é, portanto, afirmação da própria soberania do Estado, que
determinará como serão processados e julgados os feitos perante os juízos criminais brasileiros. Em sede penal,
trata-se de garantia fundamental dos jurisdicionados, já que estes se encontram em especial condição de sujeição
quando réus em demanda penal.

2.1. O princípio da territorialidade no ordenamento jurídico brasileiro

Tamanha é a importância do tema que este abre o Código de Processo Penal. Prescreve o art. 1º deste diploma:

O processo penal reger-se-á, em todo o território brasileiro, por este Código, ressalvados:
I - os tratados, as convenções e regras de direito internacional;
II - as prerrogativas constitucionais do Presidente da República, dos ministros de Estado, nos crimes conexos
com os do Presidente da República, e dos ministros do Supremo Tribunal Federal, nos crimes de
responsabilidade (Constituição, arts. 86, 89, § 2º, e 100);
III - os processos da competência da Justiça Militar;
IV - os processos da competência do tribunal especial (Constituição, art. 122, nº 17);
V - os processos por crimes de imprensa. Vide ADPF nº 130
Parágrafo único. Aplicar-se-á, entretanto, este Código aos processos referidos nos nos. IV e V, quando as leis
especiais que os regulam não dispuserem de modo diverso.

Como se percebe, o legislador adotou o princípio da territorialidade como regra em nosso ordenamento jurídico,
ou seja, ressalvadas as exceções trazidas pelos incisos deste artigo, sempre que houver uma demanda penal
tramitando nos órgãos judiciários brasileiros, aplicar-se-á o Código de Processo Penal. Sem embargo, é possível

que sejam realizados atos processuais estrangeiros no Brasil por meio de carta rogatória ou, ainda, que regras da
legislação processual estrangeira sejam aplicados a feito em trâmite no Brasil como ferramenta de integração da
lei.

Este princípio consagra, ainda, a singularidade do processo penal em território brasileiro. Nenhuma sanção penal
poderá ser aplicada sem a observância de suas regras e princípios, a não ser que o legislador o faça por meio de
outro instrumento legal. Não se admite a edição de normas com idêntica finalidade por outros entes federativos
que não a União.

Os atos processuais penais deverão, portanto, ser praticados segundo a lei brasileira, o que não significa que a
infração foi necessariamente cometida no País. Em verdade, a jurisdição brasileira será aplicável, mormente,
quando o crime houver sido cometido no Brasil, justamente por ser expressão de sua soberania. O Código Penal,
em seu art. 6º, adota a teoria da ubiquidade para determinar onde foi cometido o crime, qual seja, este é
considerado cometido no local da atividade ou do resultado, e determina aquele diploma o território nacional para
fins penais.

Assim, via de regra, cometido o crime dentro do território nacional, será a autoridade brasileira a responsável por
instruir o feito tendente à aplicação de punição ao responsável, o que não obsta a incidência excepcional da
extraterritorialidade. O crime poderá ter somente seu resultado no Brasil e, ainda assim, ser julgado segundo as
leis penais e processuais brasileiras, pois neste caso é o CP que exclui a jurisdição estrangeira.

Percebe-se, outrossim, que existe um diálogo entre as diversas fontes do direito material e processual penal. Neste
sentido, Nucci limita a aplicação do Código Penal ao âmbito internacional. Afirma o autor que “o Código Penal
destina-se, exclusivamente, ao denominado direito penal internacional, ou seja, à aplicação da lei penal no
espaço, quando um crime tiver início no Brasil e terminar no exterior ou vice-versa (…). Para delitos cometidos
no território nacional, continua valendo o disposto no art. 70 da lei processual. Em suma, conflito é somente
aparente, mas não real”.

Além do território nacional em sentido estrito, exposto acima, o Código Penal regulou o cometimento de infrações
a bordo de aeronaves e embarcações. O § 1º do artigo 5º do Código Penal inclui em território brasileiro aquelas
de natureza pública ou a serviço do governo brasileiro, onde quer que se encontrem, ou aquelas que estejam em
alto-mar ou no espaço aéreo correspondente. Em oposição, as embarcações estrangeiras de natureza pública são
consideradas território do País de origem e as privadas o são se estiverem em território neutro. É considerado
território brasileiro em sentido amplo e, sendo assim, devem ser processadas e julgadas pelas autoridades
nacionais.

É possível, ainda, que o Brasil avoque a competência de crimes cometidos no exterior. A extraterritorialidade da
lei penal pode ser incondicionada (absoluta), casos em que o mero cometimento da infração no estrangeiro, sem
o preenchimento de requisito algum, permite que o réu seja processado e julgado validamente no Brasil, ainda
que absolvido ou condenado no exterior, ou que o faça mediante o cumprimento de requisitos específicos, sendo
esta a extraterritorialidade condicionada (relativa).

Em todo o caso, percebe-se que a regra processual, em termos espaciais, é a seguinte: o crime deve ser processado
e julgado por autoridades brasileiras, aplicando-se o CPP, quando o crime for cometido em território nacional
(em sentido amplo ou estrito) ou, ainda que cometido no exterior, o Brasil avoque competência para tal como
expressão de sua soberania. Neste sentido, é de salutar importância o local de consumação do crime, pois dentre
os juízes brasileiros, o Código de Processo Penal definirá aquele que é competente para processar e julgar o feito,
tendo por regra como juízo competente aquele em que o crime se consumou (artigo 70, CPP). Prevalece, em tais
casos, a teoria do resultado, pois entendeu o legislador que a Justiça e a Polícia do local da consumação teriam
melhores condições para instruir o feito.

Fixada a competência brasileira, por haver sido o crime cometido no território brasileiro (em sentido lato) ou por,
ainda que cometido no estrangeiro, o Estado brasileiro avoque esta competência (extraterritorialidade), resta saber
qual o foro ou seção judiciária competentes para processar e julgar a infração cometidas a bordo das aeronaves e
embarcações, já que não estão no território nacional em sentido estrito.

O Código de Processo Penal resolve a questão nos artigos 89 e 90, que afirmam que os crimes cometidos a bordo
de embarcações serão processados e julgados “pela justiça do primeiro porto brasileiro em que tocar a
embarcação, após o crime, ou, quando se afastar do País, pela do último em que houver tocado” (CPP, art. 89);
e, no caso de aeronaves, “pela justiça da comarca em cujo território se verificar o pouso após o crime, ou pela
da comarca de onde houver partido a aeronave” (CPP, art. 90). Nota-se, em ambos os casos, que a competência
será do foro ou seção judiciária de chegada, se o crime foi cometido na volta para o País ou em viagens nacionais,
ou pelo porto ou aeroporto de saída, se cometido na saída do Brasil.

2.2. Exceções ao princípio da territorialidade



Feitas estas ponderações, cabe analisar cada inciso do artigo de abertura do Código de Processo Penal. O inciso
I ressalva a aplicação do processo penal pátrio se houver tratados, convenções e regras de direito internacional
que sejam a isso opostas. A subscrição do documento pelo Estado brasileiro integra os esforços internacionais
para conter determinados crimes especialmente nocivos à comunidade internacional. Mesmo que o ato seja
praticado no Brasil, haverá de ser respeitada o regramento processual internacional a que o País haja anuído.

A Convenção de Viena sobre Relações Diplomáticas, ratificada pelo Brasil por meio do Decreto 56.435/65, traz
uma série de imunidades penais aos integrantes da carreira diplomática que cometem delitos penais enquanto em
serviço de seu país de origem. Ainda que a legislação processual penal brasileira lhes seja mais benéfica, esta é
inaplicável por força do tratado.

O inciso II, por sua vez, exclui a aplicação do Código de Processo Penal nos casos de jurisdição política, quando
a conduta criminosa será processada e julgada perante o Poder Legislativo. Neste caso, é o regimento interno da
Câmara dos Deputados e do Senado Federal que disciplinarão a forma de processar e julgar tais condutas. Note-
se que o Código de Processo Penal, editado sob a égide de Constituição anterior, deve ser interpretado à luz do
atual regime constitucional, instituídas pelo artigo 52, incisos I e II da Carta Política.

Quanto ao inciso III, o Código de Processo Penal Militar (Decreto-Lei 1.002/1969) é que determinará o devido
processo legal aplicável aos crimes sujeitos à sua jurisdição. As normas processuais penais comuns podem, no
entanto, serem aplicadas supletivamente à legislação especial (artigo 3º, alínea a, do Código Penal Militar).

Já a disposição trazida no inciso IV não foi recepcionada pela Constituição Federal de 1988. Tal disposição se
amoldava à Constituição de 1937, que previa a existência de tribunais de exceção. Contudo, tendo em vista que
a criação de tribunais de exceção é vedada pelo atual ordenamento jurídico por ofender o princípio do juiz natural
(artigo 5º, XXXVII e LIII), a prescrição do inciso IV fica prejudicada.

Não obstante, verifica-se que já foram criados tribunais de exceção no Brasil, como o Tribunal de Segurança
Nacional para o processamento de crimes políticos. Em apertada síntese, Nucci afirma que este Tribunal era
previsto pela Constituição de 1937 e que os crimes outrora julgados por ele, mormente políticos, devem ser
julgados pela Justiça Federal.

O inciso V também se encontra prejudicado em face da procedência da ADPF 130-7, em que o Supremo Tribunal
Federal declarou a não recepção da Lei de Imprensa pela Constituição de 1988. O cometimento de crime, ainda
que relacionado à atividade jornalística, seguirá o rito procedimental comum. Sendo assim, as disposições

processuais penais porventura expostas naquele diploma não podem ser aplicadas, devendo ser aplicadas as
normas do Código de Processo Penal em sua inteireza.

Por fim, o parágrafo único excepciona os casos em que a legislação especial prescreve procedimento diverso. No
magistério de Nucci, "quando a legislação especial regular procedimento diverso do previsto no CCP, pelo
princípio da especialidade, aplica-se aquela e somente em caráter subsidiário este último. Ilustrando: Lei de
Drogas (Lei 11.343/2006), Lei dos Juizados Especiais (Lei9.099/95), etc.”.

3. Aplicação do Lei Processual Penal no Tempo



No nosso direito, foi adotado o princípio da aplicação imediata das normas processuais, sem efeito retroativo. É
o que estampa o art. 2º do CPP: “A lei processual penal aplicar-se-á desde logo, sem prejuízo dos atos realizados
sob a vigência da lei anterior”.

Não há efeitos retroativos na lei processual, somente na lei penal (material) quando mais benéfica. Ex.: perdão,
anistia, indulto, graça, livramento condicional etc. Aplica-se, portanto, ao processo penal o princípio do tempus
regit actum, ou seja, o tempo rege a ação. Desse princípio, derivam 2 efeitos:

1º - As normas processuais têm aplicação imediata, regulado o desenrolar restante do processo, respeitados o ato
jurídico perfeito, o direito adquirido e a coisa julgada (art. 5º, XXXVI, CF; LICC art. 6º, CPP, art. 2º).

2º - Os atos realizados sob a vigência da lei anterior são considerados válidos.

Deve-se ressaltar, mais uma vez, que a lei processual penal se aplica para o futuro, isto é, não é retroativa, uma
vez que só se aplica aos fatos processuais que ocorrerem após a sua entrada em vigor.

A lei processual "respinga" apenas no processo, sem "respingar" na pretensão punitiva. Há, porém, uma ressalva,
que diz respeito às normas mistas, ou seja, de caráter processual e material, conjuntamente – Normas
Heterotópicas. Se a norma contiver disposições de ordem material e processual, deve prevalecer a norma de
caráter material, aplicando-se o art. 2º e parágrafo único do CP: se beneficiar o acusado, retroage. Se não
beneficiar, não retroage. Ex.: prisão; Liberdade Provisória; Fiança; Progressão; se vai responder solto ou não etc.

Como toda lei, a lei processual penal também só se revoga por outra lei, seja expressa ou tacitamente (se
incompatível). Art. 2º, § 1º, da Lei 4.657/42 – LICC. A revogação, ainda, pode ser: total (ab-rogação) ou parcial
(derrogação).

4. Interpretação da Lei Processual Penal

4.1. Introdução

A Interpretação é o mecanismo através do qual é feita a avaliação de um dispositivo legal, visando atingir a
intenção que estava presente no momento de sua criação, estabelecendo a sua verdade real.

De acordo com a Lei de Introdução às Normas de Direito Brasileiro, o artigo 5º, estabelece que “Na aplicação
da lei, o juiz atenderá aos fins sociais a que ela se dirige e às exigências do bem comum”.

Ou seja, a Interpretação é o meio para atingir a objetividade jurídica almejada no momento da criação da norma,
que apesar de parecer clara, deve ser meticulosamente analisada. Pode-se dizer, então, que a interpretação é a
procura pela inteligência e vontade da lei - sendo ela de todo e qualquer ramo do Direito.

Portanto, se interpretar uma norma significa buscar seu alcance e real significado, para atingir este fim será
necessária a análise do procedimento como um todo, qualificando-o quanto aos sujeitos que elaboram, aos meios
empregados e aos resultados alcançados.

4.2. Espécies de interpretação



Interpretar a lei processual penal é procurar seu sentido, seu alcance e sua correta aplicação ao caso penal e, sendo
a lei a única fonte formal de incriminação, a hermenêutica adquire maior relevância no Direito Penal.

A doutrina moderna é pacífica no sentido de que a interpretação é indispensável mesmo quanto às normas
claríssimas, que não apresentam qualquer obscuridade. Nos ensinamentos do professor Fernando Capez
“Interpretação é a atividade que consiste em extrair da norma seu exato alcance e real significado. Deve buscar
a vontade da lei, não importando a vontade de quem a fez”.

A grande maioria dos doutrinadores subdivide a interpretação em objetiva e subjetiva. Essa divisão surge
exatamente pelas teorias antagônicas que existiam. Alguns pensadores da Escola História de Direito, defendiam
que a lei sendo clara, não necessita de interpretação, resguardando-se no princípio do “In Claris Cessat
Interpretatio” (ou, que o texto legal, quando redigido de forma clara e objetiva, não necessita de interpretação).

Outros, da Escola da Exegese, acreditavam que falar em vontade do legislador é ater-se ao sentido da lei, ou seja,
pesquisar a vontade daquele que produziu o texto legal, era inerente a qualquer dispositivo, inclusive aqueles
aparentemente claros e suficientes.

Hoje, o entendimento majoritário dos juristas brasileiros está apoiado no preceito do artigo 5º da Lei de Introdução
às Normas do Direito Brasileiro, que dispõe que qualquer norma, por mais clara e satisfeita que sua redação possa
transmitir, exige interpretação, até que seja claro o seu verdadeiro significado.

Tem-se por interpretação objetiva aquela que visa entender e atingir a suposta intenção trazida pela lei. Já a
subjetiva é a suposta vontade do legislador. Muito se discute acerca da “vontade do legislador”, sendo que deve
transmitir o interesse não só de uma única pessoa, mas um cúmulo de vontades.

Aplicam-se ao processo penal as regras usuais de interpretação da lei. O processo penal admite interpretação
extensiva, bem como o uso da analogia e dos princípios gerais de direito.

Portanto, necessário o estudo sobre a interpretação e a especificação das suas espécies.

4.2.1. Quanto aos Sujeitos



A interpretação se modifica em relação aos sujeitos que a realizam. Poderá ser Autêntica, Doutrinária ou Judicial.

A interpretação Autêntica (ou legislativa) é feita pelo próprio órgão encarregado da elaboração da lei. Ela pode
ser contextual, quando feita no bojo do próprio texto interpretado realizado no momento em que é editado o
diploma legal. Como, por exemplo, o art. 150 do Código Penal, já estabelece a qual sentido de “casa” a lei se
aplicava. Ainda quanto à interpretação Autêntica, além de contextual, há também a posterior, que é feita após a
entrada em vigor da lei.

Já a Doutrinária (ou científica) é aquela feita pelos estudiosos e doutores do Direito. Importante destacar que as
exposições de motivos constituem forma de interpretação doutrinária, uma vez que não são leis.

E, por fim, em relação aos sujeitos da interpretação da lei processual penal, a Judicial será aquela estabelecida

através das decisões proferidas pelos magistrados dentro dos autos. São exemplos as decisões reiteradas em um
Tribunal, sobre um determinado assunto ou a interpretação das Súmulas Vinculantes.

4.2.2. Quanto aos meios empregados

A interpretação da lei processual penal quanto aos meios empregados pode ser feita de duas formas: gramatical
ou lógica.

A interpretação gramatical, também conhecida como literal ou sintática é fundada em regras gramaticais e
sintáticas e interpreta a letra fria da lei, sempre levando em consideração o sentido literal das palavras.

Já a interpretação lógica ou teleológica busca a vontade do legislador, atendendo-se aos seus fins e à sua posição
dentro do ordenamento jurídico, sempre procurando a finalidade para a qual a lei foi editada.

Havendo conflito entre os tipos de interpretação, a teleológica deverá prevalecer sobre a literal, de modo a
favorecer uma visão mais humana e finalística da lei. Podemos citar a análise dos tipos penais previstos na Lei
n.º 8.069/90 (ECA). Com base neste tipo de interpretação, o exegeta percebe que os referidos tipos penais foram
editados para proteger as crianças e os adolescentes. Sendo assim, tais dispositivos passam a ser compreendidos
com base em uma visão mais protetivista.

4.2.3. Quanto ao resultado

Quanto ao resultado, a interpretação pode ser declarativa, restritiva e extensiva.

A interpretação declarativa é aquela que o intérprete não amplia nem restringe o alcance da lei, mas apenas
entende o seu sentido literal. Podemos citar o exemplo do art. 141, inciso III do Código Penal que dispõe:

“Art. 141 - As penas cominadas neste Capítulo aumentam-se de um terço, se qualquer dos crimes é cometido:
(...) III - na presença de várias pessoas, ou por meio que facilite a divulgação da calúnia, da difamação ou da
injúria”

As penas cominadas para os crimes de calúnia, difamação e injúria serão aumentadas de um terço, se qualquer
dos crimes for praticado na presença de “várias pessoas”. Ao interpretarmos o termo, chegamos a conclusão que
“várias pessoas” são um conjunto de três ou mais pessoas.

Isso porque existem situações, conforme o art. 155, parágrafo 4º, inciso IV do Código Penal, que a lei
expressamente prevê à presença de duas ou mais. Da mesma forma, por vezes exige também um mínimo de
quatro pessoas, ela utiliza a expressão de “mais de três”, de acordo com o art. 288 do mesmo código. Assim
natural que quando se usa do vocábulo “várias”, prevê três ou mais pessoas.

A interpretação restritiva restringe o significado, sempre partindo da ideia que a lei disse mais do que pretendia.
Podemos citar o exemplo do artigo 28 do Código Penal, que dispõe que a embriaguez, voluntária ou culposa,
pelo álcool ou substância de efeitos análogos, não excluiu a imputabilidade penal. Porém, a lei não atentou para
o fato de que uma das espécies de embriaguez (patológica) pode vir a excluir a imputabilidade penal, quando
interferir totalmente na capacidade do indivíduo.

Já na interpretação extensiva ocorre o posto. A interpretação vai ampliar seu significado, pois a lei disse menos
do que deveria. Podemos citar o exemplo da proibição legal da bigamia, prevista no artigo 235 do Código Penal.
Naquela ocasião, a lei também quis, de maneira implícita, proibir a poligamia.

A lei processual permite a interpretação extensiva, pois não contém dispositivo versando sobre o direito de punir.
Contudo, há exceções; tratando-se de dispositivos restritivos da liberdade pessoal (prisão em flagrante, por
exemplo), o texto deverá ser rigorosamente interpretado. O mesmo quando se tratar de regras de natureza mista.

4.3. Interpretação da Lei Processual Penal


Conforme clássica lição de CARLOS MAXIMILIANO, interpretar é explicar, esclarecer; dar o significado de
vocábulo, atitude ou gesto; reproduzir por outras palavras um pensamento exteriorizado; mostrar o sentido de
uma expressão; extrair, de frase, sentença ou norma, tudo o que na mesma se contém.

No que diz respeito ao Direito, o ilustre autor assevera que interpretar “não é simplesmente tornar claro o
respectivo dizer, abstratamente falando; é, sobretudo, revelar o sentido apropriado para a vida real, e
conducente a uma decisão reta.”. Ou seja, interpretar a lei nada mais é do que dar a ela seu verdadeiro sentido e
alcance.

Se verificada pouca clareza no texto da norma, imperiosa será a utilização de métodos interpretativos mais
engenhosos que a simples aplicação de seus exatos termos. Isto se dá, em linhas gerais, porque o direito positivado
nem sempre acompanha as mudanças ocorridas na sociedade, ou até mesmo porque o legislador não foi feliz na
edição da norma, valendo-se de termos incompletos, dúbios ou contraditórios.

Cumpre ressaltar, contudo, que não mais prospera o brocardo jurídico in claris cessat interpretatio, na medida
em que toda lei deve ser interpretada. Se a lei for clara, o operador do direito deverá interpretá-la, ainda que faça
sem grandes obstáculos. Em sentido contrário, se for obscura, deverá interpretá-la através de certo esforço
intelectual.
Neste sentido, leciona Paulo Dourado de Gusmão:

“Toda lei deve ser interpretada para ser aplicada, mesmo quando clara, porquanto não é condição da
interpretação ser ela obscura. Dessa forma, não procede o aforismo in claris non fit interpretatio, pois só
interpretando-a poder-se-á saber se ela é clara. Pode-se dizer ser mais fácil a interpretação quando clara for a
norma, mais difícil e penosa quanto for obscura”

No âmbito do processo penal, conforme entendimento de Guilherme de Souza Nucci, toda forma de interpretação
é válida, seja ela literal, restritiva, extensiva ou analógica. O Código de Processo Penal, nesta diretriz, é expresso:

Art. 3º. A lei processual penal admitirá interpretação extensiva e aplicação analógica, bem como o suplemento
dos princípios gerais de direito.

Passemos, pois, a analisar cada método interpretativo.

4.3.1. Interpretação Literal

A interpretação literal, também denominada gramatical ou sintática, impõe que a aplicação da lei ocorra nos
exatos termos determinados por seu texto. Nas palavras de Julio Fabrini Mirabete, tal método interpretativo
consiste em examinar “a ‘letra da lei’, em sua função gramatical, quanto ao seu significado no vernáculo.”.

Há que se observar que se trata de método interpretativo inicial, em que se estabelece o primeiro contato do
intérprete com a norma. Neste sentido, adverte Mario Pimentel: “é o grau mais baixo, a forma inicial da atividade
interpretativa. As palavras podem ser vagas, equívocas ou deficientes e não oferecem nenhuma garantia de
espelhar com fidelidade e inteireza o pensamento da lei”.

4.3.2. Interpretação Declarativa



A interpretação declarativa, por sua vez, se opera quando o sentido e o alcance atribuídos ao texto condizem com
os exatos termos existentes previstos na lei. Nas palavras de Maria Helena Diniz, a interpretação declarativa se
verifica quando há “correspondência entre a expressão linguístico-legal e a voluntas legis, sem que haja
necessidade de dar ao comando normativo um alcance ou sentido mais amplo ou mais restrito.”.

Na linha deste entendimento, conclui-se que a interpretação declarativa só é possível quando não há vagueza ou
ambiguidade nos enunciados normativos. Ou seja, o texto da norma admite apenas um sentido/alcance, que será
necessariamente aplicado pelo operador do direito.

Em sentido diverso, Carlos Maximiliano afirma que se a aplicação da lei se dá no exato sentido de seu texto, sem
nada reduzir ou acrescentar, ocorrerá interpretação estrita, não declarativa. Esta última, por não passar de exegese
verbal, não se trataria de interpretação.

4.3.3. Interpretação Restritiva

Há situações em que o legislador, quando da edição da lei, optou por expressões com sentido demasiadamente
amplo e incompatível com a finalidade da normal, de maneira a tornar imperativa a limitação de significado. Isto
é, o operador deverá restringir o sentido da lei com o escopo de lhe conferir aplicação razoável e justa, posto que
o legislador escreveu mais do que realmente pretendia.

Neste sentido, valiosas as lições de Tércio Sampaio Ferraz Júnior: “Uma interpretação restritiva ocorre toda vez
que se limita o sentido da norma, não obstante a amplitude de sua expressão literal. Em geral, o intérprete vale-
se de considerações teleológicas e axiológicas para fundar o raciocínio. Supõe, assim, que a mera interpretação
especificadora não atinge os objetivos da norma, pois lhe confere uma amplitude que prejudica os interesses, ao
invés de protegê-los”.

No âmbito do Processo Penal, a interpretação restritiva se faz necessária quando o exato texto da norma implique
em possível ofensa a direito fundamental. Como exemplo, cite-se a problemática que envolve a aplicação do
artigo 312 de nosso Código de Processo Penal, assim redigido:

Art. 312: A prisão preventiva poderá ser decretada como garantia da ordem pública, da ordem econômica, por
conveniência da instrução criminal, ou para assegurar a aplicação da lei penal, quando houver prova da existência
do crime e indício suficiente de autoria.

Como se vê, a norma prevê hipóteses em que será possível a restrição a liberdade, valendo-se, para tanto, de
termos demasiado amplos e ambíguos. Nos termos do melhor entendimento, a fundamentação da aplicação da
prisão preventiva apontando-se tais hipótese, sem vinculá-las a fatos concretos, é invalida e não merecerá
prosperar.

Neste sentido, já decidiu o Superior Tribunal de Justiça. Vejamos:


CRIMINAL – HC – ROUBO QUALIFICADO – PRISÃO PREVENTIVA – OBSERVÂNCIA DO PRINCÍPIO DA
PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA OU DA NÃO CULPABILIDADE – INTERPRETAÇÃO RESTRITIVA DOS
REQUISITOS – AUSÊNCIA DE CONCRETA FUNDAMENTAÇÃO – INDÍCIOS DE AUTORIA E PROVA DA
MATERIALIDADE – GRAVIDADE DO DELITO – CIRCUNSTÂNCIAS SUBSUMIDAS NO TIPO –
MOTIVAÇÃO INIDÔNEA A RESPALDAR A CUSTÓDIA – POSSIBILIDADE DE FUGA E DE INFLUÊNCIA A
TESTEMUNHAS – CONVENIÊNCIA DA INSTRUÇÃO CRIMINAL – MERAS CONJECTURAS E
PROBABILIDADES – SUPOSTA FUGA – IMPOSSIBILIDADE DE EMBASAR O DECRETO – NECESSIDADE
DA CUSTÓDIA NÃO DEMONSTRADA – RECURSO PROVIDO – A prisão preventiva é medida excepcional e
deve ser decretada apenas quando devidamente amparada pelos requisitos legais, em observância ao princípio

constitucional da presunção de inocência ou da não culpabilidade, sob pena de antecipar a reprimenda a ser
cumprida quando da condenação. Cabe ao julgador, ao avaliar a necessidade de decretação da custódia
cautelar, interpretar restritivamente os pressupostos do art. 312 do Código de Processo Penal, fazendo-se mister
a configuração empírica dos referidos requisitos. O juízo valorativo sobre a gravidade genérica dos delitos
imputados ao paciente, a existência de prova da materialidade do crime e de indícios suficientes de autoria, não
constituem fundamentação idônea a autorizar a prisão para garantia da ordem pública, se desvinculados de
qualquer fator concreto. Aspectos que devem permanecer alheios à avaliação dos pressupostos da prisão
preventiva. As afirmações a respeito da gravidade do delito trazem aspectos já subsumidos no próprio tipo penal.
Conclusões vagas e abstratas tais como a preocupação de que empreenda fuga ou influencie testemunhas, sem
vínculo com situação fática concreta, efetivamente existente, consistem meras probabilidades, conjecturas e
elucubrações a respeito do que o acusado poderá vir a fazer, caso permaneça solto, motivo pelo qual não podem
respaldar a medida constritiva para conveniência da instrução criminal. Precedentes do STF e do STJ. O Decreto
prisional carente de adequada e legal fundamentação não pode legitimar-se com a posterior fuga do paciente, o
qual não deve suportar, por esse motivo, o ônus de se recolher à prisão para impugnar a medida constritiva.
Ainda que verdadeira a condição do paciente, no momento de sua prisão, de foragido da justiça, não pode o
tribunal a quo suprir a deficiência de fundamentação da decisão monocrática, se a verificação concreta de
evasão do réu não constituiu motivação do Decreto prisional no momento em que foi prolatado. Deve ser cassado
o acórdão recorrido, bem como o Decreto prisional, para revogar a prisão preventiva do paciente, se por outro
motivo não estiver preso, sem prejuízo de que venha a ser decretada novamente a custódia, com base em
fundamentação concreta. Recurso provido, nos termos do voto do relator. (STJ – RHC 200601063462 – (19584
SP) – 5ª T. – Rel. Min. Gilson Dipp – DJU 23.10.2006 – p. 327) (grifos inexistentes no original

4.3.4. Interpretação Extensiva

Conforme observamos alhures, a interpretação extensiva é expressamente permitida quando da interpretação da


lei processual penal, por força do comando contido no artigo 3º do CPP.

Nas palavras de ANDRÉ FRANCO MONTORO, “a interpretação é extensiva quando o intérprete conclui que o
alcance da norma é mais amplo do que indicam os seus termos.”. Como se diz na doutrina, o legislador disse
menos do que deveria dizer – minus scripsit quam voluit – devendo a lei ser aplicada a determinadas situações
não previstas expressamente em seu texto.

Interpretando-se desta maneira, ao contrário do que ocorre na interpretação restritiva, se ampliará o quanto
previsto na norma, fazendo com que um caso que, à primeira vista, não estaria coberto por ela, passe a subsumir-
se a ela.

A interpretação do artigo 254 do Código de Processo Penal é exemplo recorrente na doutrina acerca desta
sistemática. O dispositivo, ao prever as causas de suspeição dos julgadores, refere-se exclusivamente ao juiz.
Óbvio, contudo, que em seu contexto deve também ser incluído o jurado, que a despeito de ser leigo, também é
julgador.

Em sentido semelhante, o Supremo Tribunal Federal já admitiu a interpretação extensiva do artigo 588 do mesmo
diploma, para que se abarque em sede não-recursal, ou, se resultante de recurso, mesmo à decisão proferida por
instância diversa ou de superior hierarquia, ainda que o paciente, ele próprio, haja recorrido. Confira-se:

HABEAS CORPUS. CRIME DOLOSO CONTRA A VIDA. CONCURSO DE PESSOAS. PRISÃO PREVENTIVA.
DECISÃO FUNDAMENTADA. CONCESSÃO DE LIBERDADE PROVISÓRIA À CO-RÉ. PEDIDO DE
EXTENSÃO INDEFERIDO NA INSTÂNCIA PRECEDENTE. AUSÊNCIA DE ILEGALIDADE.
DESIGUALDADE DAS CONDIÇÕES SUBJETIVAS DOS ACUSADOS. ORDEM DENEGADA.
1. É firme a orientação jurisprudencial desta Casa de Justiça quanto à interpretação extensiva e à aplicação

analógica da norma contida no art. 580 do CPP. Artigo que, em tema de concurso de agentes, preceitua: “a
decisão do recurso interposto por um dos réus, se fundado em motivos que não sejam de caráter exclusivamente
pessoal, aproveitará aos outros”. Isso para admitir a aplicação do efeito extensivo mesmo às hipóteses de
decisão favorável proferida em sede não-recursal (como, por exemplo, em revisão criminal ou em habeas corpus)
ou, se resultante de recurso, mesmo à decisão proferida por instância diversa ou de superior hierarquia, ainda
que o paciente, ele próprio, haja recorrido. 2. No caso, a falta de identidade objetiva e subjetiva entre as
situações jurídico-factuais do paciente e da co-ré beneficiada com a decisão benfazeja do Superior Tribunal de
Justiça inviabiliza o deferimento do pedido de extensão. 3. Ordem denegada. (STF. Habeas Corpus nº 108232,
Segunda Turma, relator Min. Ayres Britto, julgado em 18/10/2011, processo eletrônico, divulgado em
16/02/2012, publicado em 17/02/2012.)

Afirma parte da doutrina, contudo, que a interpretação extensiva não pode ser aplicada em qualquer situação.
Neste sentido, afirma Fernando Capez que determinadas situações impossibilitam a ampliação do sentido da
norma. Vejamos:

O preceito, todavia, não é absoluto, pois, tratando-se de exceções a regras gerais, de dispositivos restritivos de
liberdade pessoal, e que afetem direito substancial do acusado, v. G., prisão em flagrante e prisão preventiva, o
texto deverá ser rigorosamente interpretado, em seu sentido estrito. O mesmo quando se tratar de regras de
natureza mista (penal e processual penal).

5. Integração da Lei Processual Penal



Integrar significa tornar inteiro, complementar. Este dispositivo é de grande importância na lei processual penal,
pois apesar de não haverem lacunas no direito, existem sim na lei e influem diretamente na aplicação desta.

Nos casos em que a lei é omissa poderá o interprete se valer de alguns instrumentos, tais como a aplicação de
analogia, equidade, preceitos da legislação processual penal ou de preceitos do processo civil que se harmonizem
com os princípios do processo penal. Só na falta de preceito em qualquer destes dois ramos que possa ser aplicado,
deverá o intérprete socorrer-se dos princípios gerais do processo penal (art. 3º CPP).

5.1. Analogia

Analogia significa proporção. Esta se aplica no direito quando surge uma situação ainda não prevista
juridicamente, provavelmente por ser uma situação esporádica, rara ou até mesmo improvável, mas que naquele
momento ocorreu e consequentemente passou a precisar de uma tutela jurídica. Assim, pode-se dizer que a
analogia é uma forma de suprir lacunas legais.

Ao se deparar com um caso que não possui previsão legal, o juiz atuará de forma a adaptar uma norma já existente,
referente a um caso semelhante, à nova realidade que surge, sem esperar que haja a necessidade de se esperar
uma nova regulamentação para o fato.
Obviamente, diante do dinamismo da sociedade, a rápida evolução e a constante mudança de valores e
comportamentos, é impossível para o direito, por meio do legislador, prever todas as hipóteses possíveis.

Assim, pode conceituar analogia como a extensão de uma norma jurídica de um caso previsto com fundamento
na semelhança entre os dois casos, porque o princípio informador da norma que deve ser estendida abraça em si
também o caso não expressamente nem implicitamente previsto.

Na lacuna involuntária da lei, deve-se aplicar ao fato não expressamente regulado, um dispositivo que disciplina
hipótese semelhante. Assim, é razoável pensar que devemos nos utilizar do raciocínio indutivo para solucionar a
questão, partindo de dados particulares, suficientemente enumerados, até chegarmos a uma conclusão geral.

Importante notar que pode-se falar em analogia legis e analogia júris:

Segundo Maria Helena Diniz a analogia legis apoia-se num dispositivo legal existente, que é aplicável à hipótese
similar, constituindo-se, portanto, num argumento lógico, numa autêntica reconstrução normativa, produto, por
uma lado, de uma segurança e estabilidade jurídica e, de outro lado, da flexibilidade do direito. Procura encontrar
um fundamento valorativo na norma que permita que nela se englobe a situação não regulada, que, por sua vez,
apresenta certa semelhança com o fato contido nessa norma.

Já a analogia júris se dá quando estamos frente a um caso concreto não regulado pela lei, e é impossível a
aplicação da analogia legis, tendo em vista a inexistência, também, de regramento para o caso semelhante.

Novamente explica Maria Helena Diniz que a analogia juris é o processo lógico que, com base em várias
disposições legais, que disciplinam um instituto semelhante ao não contemplado, reconstrói a norma ínsita no
sistema pela combinação de muitas outras.

No direito penal, ao valer-se da analogia o juiz deve aplica-la de maneira a não desfavorecer o réu, este é um
princípio básico do direito penal, que garante a segurança jurídica. A analogia, em caso de dúvida, será utilizada
apena para beneficiar quem será punido. Deste modo, a analogia nunca pode ser aplicada se for contra os
interesses do réu.

Utilizar a analogia aplicando a norma penal incriminadora prejudicando o réu fere gravemente o princípio da
reserva legal, uma vez que estaria considerando um ato como criminoso enquanto este não está definido
legalmente como crime.

Ademais, o princípio da taxatividade exige que conduta delituosa esteja, obrigatoriamente, prevista em lei de
maneira clara, precisa e explícita, afastando-se a ambiguidade, sob pena de se avaliar atípica a conduta do agente.

Desta forma, se a conduta não incluir-se do tipo penal, não poderá o intérprete se valer de uma ação criminosa
semelhante para tentar enquadrar o agente e fazer incidir a sanção penal, por mais que a conduta seja repugnante.

Destarte, o sujeito ativo será punido apenas se a sua conduta possuir correspondência com o modelo penal
incriminador. É imprescindível que sua conduta esteja ajustada ao modelo legal. As normas incriminadoras
garantem a liberdade do cidadão, uma vez que a liberdade só será cerceada diante destes modelos legais
incriminadores.

Destarte, conclui-se aqui que analogia é método de aplicação do direito, baseado no princípio racional de que os
casos semelhantes se devem regular pelas mesmas normas. A analogia requer para seu uso a aplicação de uma
lei preexistente para caso similar, enquanto que os princípios gerais do direito podem ter autonomia e ser
aplicados independentemente da lei.

Importante frisar, por último, que só é possível utilizar-se deste instrumento quando se tratar de norma não
incriminadora, aceitando-se a aplicação analógica em favor do réu. Assim temos a chamada “analogia in bonam
partem”, podendo citar o exemplo da exclusão de culpabilidade do crime de aborto em gestante cuja gravidez
resultou de atentado violento ao pudor.

5.2. Interpretação analógica

A interpretação analógica por muitas vezes é confundida com o método da analogia, que busca o preenchimento
de lacunas legais para dar resposta aos casos concretos não previstos em lei.

Contudo, a interpretação analógica possui um campo de aplicação diferente, sendo o processo de averiguação do
sentido da norma jurídica, valendo-se de elementos fornecidos pela própria lei, através de método de semelhança,
conforme ensina Nucci.

Na interpretação analógica, diferentemente da analogia, o intérprete não se utiliza do sistema normativo jurídico
para a criação de uma nova hipótese legal, afim de dar solução ao caso concreto, mas busca revelar o conteúdo
da lei que se utiliza de expressões genéricas ou vinculadas a especificações, sendo que, em nenhuma hipótese,
haverá a criação de uma norma.

Nas palavras das lições de Manzano, a interpretação analógica deverá ser utilizada pelo intérprete na norma,
inclusive a norma processual penal, quando “a própria lei determinar, e o faz quando a uma cláusula genérica se
segue uma fórmula casuística; nesses casos, deve-se entender que aquela somente compreende os casos análogos
aos destacados por esta”.

É o caso, então, das situações nas quais a própria lei penal processual indica que o intérprete poderá utilizar-se
de situações ou conceitos análogos, ou seja, semelhantes, aplicando-se o referido dispositivo legais. Assim, ao
utilizar-se, por exemplo, de expressões como “por qualquer outro meio” ou “por outro motivo torpe”, a lei
disponibiliza ao intérprete a utilização da interpretação analógica.

Para melhor esclarecer as hipóteses da interpretação analógica, atenta-se para o texto do artigo 171 do Código
Penal, onde se verifica que:

Art. 171 - Obter, para si ou para outrem, vantagem ilícita, em prejuízo alheio, induzindo ou mantendo alguém
em erro, mediante artifício, ardil, ou qualquer outro meio fraudulento:
Pena - reclusão, de um a cinco anos, e multa, de quinhentos mil réis a dez contos de réis.
§ 1º - Se o criminoso é primário, e é de pequeno valor o prejuízo, o juiz pode aplicar a pena conforme o disposto
no art. 155, § 2º.
§ 2º - Nas mesmas penas incorre quem:
Disposição de coisa alheia como própria
I - vende, permuta, dá em pagamento, em locação ou em garantia coisa alheia como própria;
Alienação ou oneração fraudulenta de coisa própria
II - vende, permuta, dá em pagamento ou em garantia coisa própria inalienável, gravada de ônus ou litigiosa,
ou imóvel que prometeu vender a terceiro, mediante pagamento em prestações, silenciando sobre qualquer
dessas circunstâncias;
Defraudação de penhor
III - defrauda, mediante alienação não consentida pelo credor ou por outro modo, a garantia pignoratícia,
quando tem a posse do objeto empenhado;
Fraude na entrega de coisa
IV - defrauda substância, qualidade ou quantidade de coisa que deve entregar a alguém;
Fraude para recebimento de indenização ou valor de seguro
V - destrói, total ou parcialmente, ou oculta coisa própria, ou lesa o próprio corpo ou a saúde, ou agrava as
consequências da lesão ou doença, com o intuito de haver indenização ou valor de seguro;
Fraude no pagamento por meio de cheque
VI - emite cheque, sem suficiente provisão de fundos em poder do sacado, ou lhe frustra o pagamento.
§ 3º - A pena aumenta-se de um terço, se o crime é cometido em detrimento de entidade de direito público ou de
instituto de economia popular, assistência social ou beneficência.

O referido artigo, no texto de seu caput, além de prever hipótese específicas para a configuração do estelionato,
como meio ardil ou artifício, ele proporciona ao intérprete encaixar na situação descrita qualquer ou meio
fraudulento utilizado pelo agente com as intenções descritas anteriormente. Ou seja, a própria lei faculta ao

intérprete realizar uma interpretação analógica de situações que configurariam “meio fraudulento”.

Da mesma forma ocorre com algumas qualificadoras de homicídio, onde a lei se utiliza de expressões como “por
outro motivo torpe”, “outro meio cruel”.

A lei se recorre à interpretação analógica exatamente pela impossibilidade de prever, em seu texto, todas as
situações do caso concreto de aplicação dos dispositivos legais, assim como, igualmente, confere ao intérprete a
readequação e modernização paulatina do Direito, que deve acompanhar as novas situações que a sociedade lhe
impõe.

Sobre o tema, vale apontar o entendimento do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, que se utiliza da
interpretação analógica, na qualidade de intérprete da norma penal:
TRÁFICO ILÍCITO DE ENTORPECENTES. Apelo que pretende a absolvição por insuficiência probatória.
Circunstâncias da prisão da corré e apreensão dos entorpecentes permeadas de dúvidas. Depoimentos dos
policiais imprecisos e inconstantes. Apreensão de entorpecentes na residência de MARCELO não comprovada.
Apelo provido para absolvê-lo com fundamento no inciso II do CPP. Efeitos do recurso estendidos a CRISTIANE,
pois a insuficiência probatória quanto ao crime do corréu enfraquece a tese acusatória de que as drogas
encontradas não se destinavam ao consumo pessoal. Alteração que não se funda em motivos de caráter
exclusivamente pessoal (art. 580, CPP). Desclassificação para o delito previsto no art. 28 da Lei 11.343 de 2006,
com aplicação da pena prevista em seu inciso III, pelo prazo de 5 meses. Caso de aplicação da detração, pois o
tempo de prisão processual se estendeu por mais tempo. Extinção da punibilidade pelo cumprimento da pena,
conforme interpretação analógica do art. 42, CP.

Portanto, verifica-se que a interpretação analógica reside na verificação do sentido da norma jurídica e aplicação
em situações semelhantes equivalentes, desde que previstas no texto legal.

6. Princípios gerais do direito

Em primeiro plano, cabe ressaltar os diversos significados os quais podem ser agregados aos princípios. Betioli
sugere aos princípios duas acepções, uma de natureza moral e outra de ordem lógica.

A acepção moral é aquela relacionada às verdades ou juízos fundamentais que servem de alicerce ou de garantia
de certeza de um sistema de conhecimento, filosófico ou científico.
Já a acepção lógica, defende a existência da divisão de 3 (três) grupos, os princípios univalentes, aqueles válidos
em todas as ciências, os plurivalentes, quando se aplicam a vários campos de conhecimento, e os monovalentes,
quando são válidos só para uma determinada ciência, como é o caso dos princípios gerais de direito.

No entendimento de Miguel Reale, os princípios gerais do direito se encaixam na classificação de monovalentes,


ao passo que são disposições de valor genérico, que orientam e auxiliam na apreensão do ordenamento jurídico,
bem como na elaboração e aplicação das novas normas.

Dessa forma, a função dos princípios gerais do direito é mais ampla do que o simples preenchimento das lacunas
encontradas na legislação, mas servem como vigas mestras de todo o ordenamento jurídico, servindo como para
sua elaboração, interpretação, aplicação e integração.

CAPÍTULO IV – INQUÉRITO POLICIAL

1. Persecução Penal (Persecutio Criminis)


O Estado tem interesse em manter a paz e a harmonia entre seus cidadãos. Quando se comete uma infração penal,
põe-se em risco aqueles bens jurídicos, e surge para o Estado o jus puniendi, o direito de punir.

Todavia, para que o Estado possa punir, é preciso, de antemão, recolher elementos probatórios necessários que
indiquem a prática de uma infração penal, e apontem a autoria do mesmo. Surge, assim, a necessidade de “ir atrás
da infração penal”, “persegui-la”, investigando-a e denunciando-a, atividade a que se dá o nome de persecução
penal (persecutio criminis). A persecução penal, literalmente “perseguição à infração penal” (sua materialidade
e autoria), constitui-se da soma da atividade investigatória (inquérito policial), que é a sua primeira fase, com a
ação penal, que é a sua segunda fase. Esta última fase é chamada também de persecutio criminis in judictio,
porque a persecução criminal está já em juízo, não apenas em sua fase meramente administrativa, como o é a
primeira.

Nos itens que se seguem, restringir-nos-emos à primeira fase da persecução penal, a do inquérito policial.

2. Polícia

Como estamos aqui tratando de inquérito policial, faz-se mister que atentemos ao que se entende por polícia.

2.1. Conceito

Polícia é uma instituição de Direito Público destinada a assegurar a segurança, a paz, a incolumidade e a ordem
públicas.

2.2. Divisão

A polícia é comumente dividida em: polícia administrativa (de caráter preventivo das infrações penais) e polícia
judiciária (com o fito de reprimir as infrações penais). A primeira visa prevenir a prática de delitos e
contravenções; a segunda, que surge após o cometimento do ilícito penal, tem por fim investigá-lo, apurá-lo, para
recolherem-se seus elementos de materialidade e autoria, a fim de que seja deduzida, pelo titular da ação penal
cabível, a pretensão punitiva.

Pode ainda ser dividida a polícia em civil, federal e militar. Esta última tem caráter ostensivo, e o inquérito policial
militar (IPM) serve para apurar as infrações militares, não todas as infrações. Tanto é assim que, ainda quando
um não-militar é preso por policiais militares, será levado à presença da Polícia Civil e o que se instaurará é um
inquérito policial presidido por Delegado de carreira, não um inquérito policial militar.

A polícia federal tem suas atribuições genericamente traçadas no art. 144, caput, e seus §§ 1º, 2º e 3º, da
Constituição Federal.

3. Conceito de Inquérito Policial, Natureza e Finalidade

3.1. Conceito

Inquérito policial é um procedimento administrativo pré-processual, de caráter facultativo, destinado a apurar


infrações penais e sua respectiva autoria.

3.2. Natureza Jurídica


O inquérito policial não é ato ou procedimento processual, mas meramente administrativo, pré-processual, daí
porque não se rege pelos princípios norteadores da ação penal e do processo penal, como o contraditório e a
ampla defesa.

3.3. Finalidade

A finalidade do inquérito policial é apurar as infrações penais (investigando-as e descobrindo-as) e a autoria de


quem as cometeu, com o fito de levar ao conhecimento do titular da ação penal as informações colhidas.

4. Inquéritos Extrapoliciais

Nem todo inquérito é “policial”, havendo outros que não se regem por esta denominação, porque não são
presididos por autoridades policiais, além do que se norteiam pelos princípios do contraditório e da ampla defesa:

4.1. Inquérito Administrativo

Este inquérito visa a apurar a conveniência, ou não, da expulsão de estrangeiro do território nacional, segundo
regulamentam os arts. 70 e 71 da Lei nº 6.815/80.

4.2. Inquérito Judicial

O inquérito judicial é presidido pelo Juiz da Vara de Falências, como dispõe a Lei de Falências (Lei nº 11.101/55),
art. 192, para colhimento de informações acerca de crimes falimentares.

4.3. Inquérito Civil

O inquérito civil é presidido pelo órgão do Ministério Público destinado à propositura da ação civil pública de
responsabilidade por danos causados ao meio ambiente, ao consumidor, a bens de direitos de valor artístico,
estético, histórico, turístico e paisagístico (Lei nº 7.347/85).

4.4. Inquérito Parlamentar

Este trata do poder de investigação das Comissões Parlamentares de Inquérito, que presidem os inquéritos
parlamentares (Lei nº 1.579/52).

5. Características do Inquérito Policial

No sistema processual penal brasileiro, o inquérito policial obedece ao sistema inquisitório, de modo que, além
de não obedecer aos princípios do contraditório e da ampla defesa, apresenta-se com os seguintes caracteres:

5.1. Sigiloso (art. 20 do CPP)

O inquérito policial é sigiloso, para impedir que empecilhos ou óbices se ponham em seu regular caminho, pois
do contrário frustradas muitas vezes ficariam as investigações.

P. ex., o indiciado já tivesse, de antemão, conhecimento dos próximos movimentos e diligências realizadas pela
polícia. O sigilo, porém, não é absoluto, pois não se estende ao Ministério Público (art. 15, III, da Lei Orgânica
do Ministério Público) e ao Juiz. Na prática, igualmente, pouco sigilo existe em relação aos advogados, haja vista
suas prerrogativas (art. 7º, XIV, do Estatuto da OAB) e o entendimento da súmula vinculante nº 14, STF.

5.2. Escrito (art. 9º do CPP)

Todas as conclusões e informações a que chegou o inquérito policial devem ser deduzidos por escrito, e remetidos
ao Judiciário (no caso de ação penal pública) ou ao ofendido ou seu representante legal (no caso de ação penal
privada).

5.3. Obrigatório; Oficiosidade (art. 5º, I, do CPP)

Tomando conhecimento da prática de crime de ação penal pública incondicionada, deverá a autoridade policial
(Delegado de polícia), de ofício, instaurar inquérito policial, sob pena de responder por prevaricação (art. 319 do
CP), corrupção passiva (art. 317 do CP) ou concussão (art. 316, caput, do CP)1, a depender do caso concreto.
Não existe, e nem é possível, a obrigatoriedade nos casos de ação penal pública condicionada à representação
(porque dependerá desta para ser instaurado o inquérito) ou ação penal privada (em que será necessário o
requerimento da parte ofendida ou de seu representante legal).

5.4. Indisponível (art. 17 do CPP)

Instaurado o inquérito, a autoridade policial não poderá arquivá-lo de ofício, mas tão somente quando assim
requisitado pelo Ministério Público. Pode até se alegar que tal procedimento, o arquivamento de ofício do
inquérito, é “praxe” comum, mas isso constitui um atentado grave à lei, à justiça, e configura ilícito penal
(prevaricação, corrupção passiva ou concussão, a depender do caso concreto).

5.5. Discricionário (Art. 14 do CPP)

O delegado tem uma margem de escolha para agir, decidindo por quais diligências irá realizar segundo critérios
de oportunidade e conveniência. Tal característica não pode ser confundida com arbitrariedade, tendo em conta
que o delegado embora possa fazer escolhas decidindo quais providências serão tomadas, não pode fazê-las ao
arrepio das regras constitucionais e legais. Sendo assim não lhe é facultado ouvir o suspeito com o emprego de
tortura ou meios cruéis entre outros exemplos.

Embora o delegado tenha um livre agir, a ordem jurídica lhe impõe alguns deveres, do qual sua atuação está
vinculada: exigência de exame de corpo de delito nas infrações que deixam vestígios (art. 158 e art. 184, CPP) e
requisição do Ministério Público ou do Juiz que obriga o delegado a agir (Art. 5º, II e Art. 13, II, CPP).

5.6. Oficial (Oficialidade)

A investigação policial deve ser realizada por autoridades e agentes públicos, que pertençam aos quadros de
servidores da polícia judiciária, sendo vedada a delegação de atribuições a particulares. Frisa-se que o juiz jamais
pode presidir o inquérito, se assim proceder torna-se latente a violação ao sistema acusatório e ao princípio da
imparcialidade do julgador.

5.7. Dispensável (Art. 39 § 5º, CPP)

O inquérito policial não é imprescindível ao oferecimento da denúncia ou da queixa-crime, tendo em vista que
tem caráter meramente informativo.

É perfeitamente possível que o processo seja iniciado sem que exista a previa realização do Inquérito policial. A
esse respeito dispõe o artigo 39, § 5º do CPP, que o promotor dispensará o inquérito, se com a representação
forem apresentados indícios de autoria e da materialidade suficientes para a oferta da denúncia.

5.8. Inquisitorial

Por ser um procedimento inquisitivo, voltado à obtenção de elementos de informação que irão auxilia o titular da
ação penal, formar sua opinião sobre o fato tido com delituoso, não existe nele a aplicação dos princípios do
contraditório e da ampla defesa.

Na hipótese do inquérito instaurado pela Polícia Federal, objetivando a expulsão do estrangeiro, existe a aplicação
do princípio do contraditório, pois o decreto 86.715/81, que regulamentou a Lei 6.815/80 (Estatuto do
Estrangeiro) estabeleceu uma serie de regras, possibilitando defesa, para aquele submetido a tal procedimento.

Cabe destacar a importante mudança trazida pela Lei 13.245/16, que altera o artigo 7º, XXI, do Estatuto da OAB,
conferindo direito ao advogado assistir a seus clientes investigados durante a apuração de infrações, sob pena
de nulidade absoluta do respectivo interrogatório ou depoimento e, subsequentemente, de todos os elementos
investigatórios e probatórios dele decorrentes ou derivados, direta ou indiretamente, podendo, inclusive, no
curso respectiva apuração: apresentar razões e quesitos. Para a doutrina a recente mudança legislativa
representa uma mitigação a característica inquisitorial do inquérito policial.

5.9. Oficioso (Oficiosidade)



Em regra, o inquérito deve ser instaurado ex officio (independente de provocação) pela autoridade policial
sempre que tiver conhecimento da prática de uma infração penal. Tal regra não se aplica quando se tratar da
pratica de crime de ação pública condicionada ou ação privada, onde o inicio do inquérito esta vinculado a
existência de representação ou de requerimento da vítima ou seu representante legal, respectivamente.

6. Competência (Atribuição)

O termo “competência” refere-se, tecnicamente, no campo processual, apenas aos órgãos jurisdicionais, não à
polícia. Para esta melhor seria a expressão “atribuições”, muito mais precisa e técnica. Essa atribuição, de regra,
é atribuída de acordo com o lugar da ocorrência do ilícito penal, mas também pode se referir à natureza da infração
e à pessoa da vítima.

6.1. Atribuição em Razão do Lugar da Infração (Ratione Loci)

Esta é a regra geral. Os Distritos Policiais de Goiânia ocupam-se com as infrações penais cometidas em Goiânia;
os Distritos Policiais de Aparecida de Goiânia ocupam-se com as infrações penais cometidas nesta cidade, e assim
por diante.

Também é muito comum, principalmente em cidades maiores, que cada Distrito se ocupe com infrações penais
ocorridas em uma delimitada área de atuação, denominada circunscrição. A cidade, ou a Comarca, é dividida em
diversas circunscrições, e, pela regra da atribuição ratione loci, numa mesma Comarca poderá haver diversas
circunscrições, e para cada qual existe um Distrito Policial ao qual incumbe a apuração das infrações penais
cometidas dentro desta área.

Assim, p. ex., em regra uma Delegacia de Polícia do bairro Jardim América não se ocupa de crimes cometidos
no Novo Mundo.

Isso, contudo, não impede que a Autoridade Policial responsável por uma circunscrição investigue, em outra,
fatos de repercussão na primeira, ou mesmo que um Delegado de uma circunscrição X apure uma infração
cometida na de Y. A divisão em razão do lugar da infração é uma questão apenas de conveniência, não havendo

o que se falar, p. ex., em vício ou irregularidade na prisão em flagrante ocorrida em uma circunscrição sob os
auspícios da Autoridade Policial de outra.

6.2. Atribuição em Razão da Natureza da Infração (Ratione Materiae)

As atribuições da Polícia também podem ser conferidas de acordo com a natureza da infração penal cometida. É
muito comum, p. ex., Delegacias especializadas em roubos, ou em homicídios, ou em entorpecentes, em furtos e
roubos de veículos, etc. Quando acontece essa divisão, não importa em que circunscrição ocorreu um delito.
Exemplo: Numa Comarca existem dez circunscrições, havendo uma Delegacia de Polícia para cada uma. Na
circunscrição X ocorreu um roubo, não havendo nela Delegacia Especializada para esta espécie de delito.
Tanto pode investigar o fato a Delegacia de X quanto a Delegacia de Furtos e Roubos da circunscrição Y, por
exemplo.

6.3. Atribuição em Razão da Pessoa da Vítima (Ratione Personae)

Leva-se em conta, aqui, a pessoa da vítima da infração, independentemente do lugar ou da natureza do delito
cometido. Dessa forma, existem Delegacias da Mulher, Delegacias do Turista, Delegacias do Idoso, etc.

7. Dispensabilidade

O inquérito policial é um procedimento indispensável para a propositura da ação penal? Só se fala em processo
penal se, quando e porque houve, antes, um inquérito policial instaurado? A resposta é negativa. O inquérito é
peça absolutamente dispensável, podendo ser intentada a ação penal cabível, pública ou privada, mesmo sem o
procedimento inquisitório, se o seu titular achar estar em mãos com elementos suficientes da materialidade e da
autoria do fato. Isso é fácil de concluir pelas disposições dos arts. 39, § 5º, e 46, § 1º, do Código de Processo
Penal. O inquérito policial, destarte, não é condição alguma de procedibilidade processual.

8. Valor Probatório

O inquérito policial tem valor como prova no processo penal? Sim, o inquérito policial tem valor probatório,
servindo como prova tanto pela acusação (principalmente) quanto pela defesa, mormente quando a Autoridade
Policial procedeu ao requerimento de perícias e exames, muito preciosas para a elucidação do fato, para a
vinculação da autoria e para a formação da culpa. Todavia, como é pacífico na jurisprudência, é nula a sentença
que se respalda exclusivamente em peças do inquérito policial, visto que o decisum estaria se adstrindo a um
procedimento no qual o indiciado não teve oportunidade de defesa, ante a ausência dos princípios do contraditório
e da ampla defesa, esse entendimento jurisprudencial está firmado no artigo 155, CPP.

9. Vícios

Suponha-se que o inquérito apresente vícios e mesmo irregularidades graves, como a confissão do indiciado
obtida mediante tortura, a colheita ilícita de provas ou a ausência de curador ao indiciado menor de 21 anos. Esses
vícios teriam o condão de prejudicar, ou mesmo anular, a ação penal ou os atos processuais vindouros?

O inquérito policial é peça meramente administrativa e informativa, de molde que eventuais erros, equívocos,
irregularidades e vícios, por mais graves que sejam, não podem prejudicar a ação penal e o processo penal a ser
instaurado. A razão é evidente: procedimento administrativo não pode anular processo judicial.

Ambas são esferas completamente distintas, embora ligadas uma à outra como uma relação (dispensável, como
já se viu) de causa e efeito.

Do exposto, não se fala, de ordinário, em nulidade de ato inquisitorial, mas em mera irregularidade, e mesmo
assim não pode ela prejudicar a relação processual subsequente. Evidentemente que, na fase processual, veda-se,
sob pena de nulidade, decisão respaldada em atos viciados realizados durante o inquisitório policial. Uma prova
obtida ilicitamente não pode, sequer, ser apresentada em prejuízo do réu.

10. Notitia Criminis ou Delatio Criminis

No tema referente a inquérito policial assume uma fundamental importância o conceito de notitia criminis,
vulgarmente conhecida como “prestar queixa na Delegacia”. Tecnicamente, a “queixa” nada tem a ver com a
notitia criminis, senão apenas com a ação penal privada. Logo, daqui por diante torna-se imperioso desmistificar
algo que é popularmente falado, mas tecnicamente inaceitável: “queixa” é um instituto da ação penal privada, e
não do inquérito policial; a notitia criminis, esta sim configura a ciência às autoridades da prática de uma infração
penal.

10.1. Conceito

Notitia criminis é o ato pelo qual se leva à autoridade policial o conhecimento da prática de uma infração penal.

Vulgarmente é chamada de “queixa”, sendo que tal expressão é tecnicamente incorreta, devendo ser evitada pelo
operador jurídico, e só utilizada quanto se mencionar seu real significado, o de peça inaugural da ação penal
privada. Logo, o que popularmente se diz “prestar queixa” é, na verdade, a notitia criminis.

10.2. Espécies

A notitia criminis pode ser espontânea ou provocada.

Notitia criminis espontânea é aquela por meio da qual a autoridade pública toma conhecimento direto do fato
delituoso no exercício de sua atividade funcional. Dá-se quando, portanto, a autoridade policial toma
conhecimento de ofício do fato. Exemplo: Policiais tomam conhecimento de um assalto e avisam-no ao Delegado.

Notitia criminis provocada, que é a mais comum, é aquela transmitida a autoridade policial pelas formas
registradas na lei processual penal — Juiz, Ministério Público, ofendido ou seu representante legal, ou por
qualquer do povo. Exemplo:

Uma pessoa (não necessariamente a vítima do crime) vai à Delegacia e narra ao Delegado um furto cometido nos
arredores da vizinhança onde mora.

10.3. Autores e Destinatários

Qualquer pessoa do povo — e não apenas a vítima, seu representante legal, as autoridades judiciárias e
ministeriais — pode noticiar à autoridade policial a existência de uma infração penal. Qualquer pessoa física é,
portanto, autora em potencial de notitia criminis.

Destinatários da notitia criminis são: a Autoridade Policial (art. 5º, II, §§ 3º e 5º, do CPP), o Ministério Público
(arts. 27, 39 e 40 do CPP) e o Juiz (art. 39 do CPP).

Tratando-se de crime militar, a notitia criminis deverá ser encaminhada à autoridade militar competente (art. 7º
do Código de Processo Penal Militar). Na hipótese de crimes de responsabilidade de Governador de Estado a
notitia criminis pode ser dirigida à Assembleia Legislativa, e no caso de crime de responsabilidade do Presidente
da República, à Câmara dos Deputados ou Senado Federal.

10.4. Faculdade e Obrigatoriedade

Regra geral, ou seja, no que se refere aos particulares, a notitia criminis constitui mera faculdade, e não um dever.
Logo, de ordinário, ninguém tem a obrigação de comunicar coisa alguma a Autoridade Policial, ainda que nada
a impeça de tal.

Há quem, entretanto, tenha o dever legal de noticiar o fato, sob pena de incorrer em contravenção penal. Com
efeito, reza o art. 66 da LCP que:

Art. 66. Deixar de comunicar à autoridade competente:


I - crime de ação pública, de que teve conhecimento no exercício de função pública, desde que a ação penal não
dependa de representação;
Il - crime de ação pública, de que teve conhecimento no exercício da medicina ou de outra profissão sanitária,
desde que a ação penal não dependa de representação e a comunicação não exponha o cliente a procedimento
criminal:
Pena — multa.

No inciso I temos os funcionários públicos que, no exercício de sua função (e não fora dela), tomou conhecimento
de crime de ação penal pública incondicionada. É o caso, p. ex., dos Policiais e dos funcionários que trabalham
na área de segurança pública (ex.: agentes penitenciários e policiais).

No inciso II estão os profissionais da área de Medicina ou outra atividade sanitária (ex.: enfermeiros) que, no
exercício de sua profissão (e não fora dela), tomaram conhecimento da prática de crime de ação penal pública
incondicionada, desde que a comunicação do fato não exponha o cliente ou paciente a procedimento criminal,
sob pena de o profissional vir a responder por crime de violação do segredo profissional (art. 154 do CP). Seria
o caso, por exemplo, do médico que recebe uma paciente com grave hemorragia, vindo ela a morrer, descobrindo
o médico que a causa mortis fora o fato de há poucas horas ter ela sofrido manobras abortivas em clínica
clandestina.

No entanto, se ela não morre e se recupera, o médico não pode comunicar o fato à Polícia, pois se o fizer estará
forçosamente expondo sua paciente a procedimento criminal, haja vista que, em tendo ela dado seu consentimento
para a prática abortiva, será enquadrada no art. 124 do CP. Sob determinação judicial, porém, o médico é obrigado
a comunicar detalhes do delito perpetrado pelo seu paciente, sob pena de responder por crime de desobediência
(art. 330 do CP).

11. Instauração do Inquérito

Não existe uma única forma de instauração do inquérito policial, mas várias, a depender da ação penal cabível
para a infração que está sendo apurada, se pública ou privada.

11.1. Ação Penal Pública

A ação penal pública pode ser incondicionada ou condicionada. Para cada uma delas a instauração do inquérito
se dá de forma distinta.

11.1.1. Incondicionada (Art. 5º, I e II, do CPP): Nos casos de crimes apurados mediante ação penal pública
incondicionada (ex.: crimes contra a vida, a maioria dos crimes contra o patrimônio, crimes contra a organização
do trabalho, a maioria dos crimes contra a família, crimes contra a fé pública, crimes contra a administração
pública), o inquérito policial é instaurado:

a) De Ofício (art. 5º, I, do CPP): A Autoridade Policial, tomando ciência do delito, deverá instaurá-lo de ofício,
mediante uma peça singela e sem muita solenidade chamada portaria.

b) Mediante Requisição do Ministério Público ou de Juiz (art. 5º, II, 1ª parte, do CPP): Requisição é uma
ordem, um imperativo.

Quem requisita determina algo, ordena que algo seja feito ou realizado.

Nesse caso, o Delegado, sendo requisitado pelo Ministério Público ou pelo Juiz, deverá instaurar inquérito
policial, sob pena de responder por prevaricação, delito tipificado no art. 319 do CP (alguns autores admitem que,
na hipótese, haverá crime de desobediência – art. 330 do CP).

c) Mediante Requerimento do Ofendido ou de seu Representante Legal (art. 5º, II, 2ª parte, do CPP):
Requerer é pedir, pleitear algo, e não exigir ou determinar, como no caso da requisição.

O requerimento deverá conter, sempre que possível for, “a narração do fato, com todas as circunstâncias; a
individualização do indiciado ou seus sinais característicos e as razões de convicção ou de presunção de ser ele
o autor da infração, ou os motivos de impossibilidade de o fazer; e a nomeação das testemunhas, com indicação
de sua profissão e residência” (art. 5º, § 1º, do CPP).

Tratando-se de requerimento, pode o Delegado deixar de atendê-lo nos seguintes casos:

1) Quando já estiver extinta a punibilidade;


2) Se o requerimento não mencionar o mínimo indispensável para a abertura do inquérito;
3) Se a autoridade policial a quem foi dirigido o requerimento não for a “competente”;
4) Se o fato narrado for atípico;
5) Se o requerente for incapaz;

Contra eventual indeferimento do requerimento de instauração do inquérito policial cabe recurso administrativo
para o chefe de Polícia, no dizer do art. 5º, § 2º, do CPP).

Ainda há a possibilidade de instauração de inquérito policial via auto de prisão em flagrante, o qual analisaremos
no item 16.

11.1.2. Condicionada (Art. 5º, II, do CPP): a ação penal pública condicionada exige como condição ora a
representação do ofendido ou de seu representante legal, ora a requisição do Ministro da Justiça. Sem a
condição de procedibilidade a ação penal é inepta, e nulo é o processo penal instaurado sem a condição exigida
por lei.

a) Ação Penal Pública Condicionada à Representação: Quando o crime é apurado mediante ação penal pública
condicionada à representação, o inquérito só poderá ser instaurado se, quando e porque o ofendido (vítima) ou
seu representante legal oferecer a representação ao Delegado. A representação de uma dessas pessoas é essencial,
sem o qual o Delegado nada poderá fazer (e nem deverá!), a não ser, quando muito, indagar à vítima ou ao seu
representante legal se deseja oferecer a representação, mas jamais, repita-se, instaurar de ofício o inquérito
policial.

Nem mesmo quando tiver havido prisão em flagrante poderá a autoridade policial instaurar o inquérito sem a
representação. Se o ofendido e seu representante legal forem falecidos, a legitimidade para a representação dar-
se-á aos moldes do art. 31 do Código de Processo Penal: cônjuge, ascendente, descendente e irmão, lembrando-

nos, sempre, que, no caso de eventual conflito, prevalece o interesse de quem deseja a instauração do inquérito
policial.

A representação pode ser escrita ou oral (mais comum), sendo que neste último caso deverá o Delegado ordenar
ao escrivão que reduza a escrito tudo o quanto foi dito pelo ofendido ou seu representante legal. Lembremos que
no inquérito policial tudo tem de constar por escrito.

Suponhamos que o ofendido queira oferecer a representação, mas não o queira seu representante legal, ou vice-
versa, deseja o representante legal ver o inquérito instaurado mas não o quer a vítima.

Havendo, portanto, conflito de interesses, qual deverá prevalecer? Pela leitura do art. 50, parágrafo único, do
Código de Processo Penal, vê-se claramente que prevalece sempre o interesse de quem quer a instauração do
inquérito.

A representação deverá conter (art. 5º, § 1º):

1) A narração do fato, com todas as circunstâncias, isto é, o que ocorreu, quando, onde, como, porque, quem o
cometeu, com que arma ou instrumento, o comportamento do agente e da vítima antes, durante e depois do
acontecimento delituoso e tudo o mais que possa ser útil na descrição do fato;
2) A individualização do indiciado ou seus sinais característicos e as razões de convicção ou de presunção de ser
ele o autor da infração, ou os motivos de impossibilidade de o fazer: aqui requer-se que na representação conste
o nome do indiciado, caso se saiba, e se não o souber (o que é muito comum, aliás), ao menos aludir-se aos sinais
característicos (descrição física, principalmente do rosto, do indivíduo) e se nem isso for possível, quem oferece
a representação deverá dizer porque não foi possível identificá-lo (ex.: o ladrão estava com um capuz; o local do
crime estava extremamente escuro, não sendo possível reconhecer o rosto do sujeito, etc.);
3) A nomeação das testemunhas, com indicação de sua profissão e residência: evidentemente que só será possível
falar-se em testemunhas se realmente tiver havido testemunhas, não podendo a ausência delas impedir a
instauração do inquérito.

b) Ação Penal Pública Condicionada à Requisição do Ministro da Justiça: Como a ação penal pública está
forçosamente condicionada à existência de requisição do Ministro da Justiça, o inquérito policial, igualmente, só
poderá ser instaurado quando e porque assim ele o determinar, ainda que a autoridade policial tenha pleno
conhecimento do fato criminoso.

11.2. Ação Penal Privada

Denomina-se “requerimento” o meio através do qual é instaurado o inquérito policial nos crimes de ação penal
privada (ex.: crimes contra a honra). Sem o requerimento não pode de modo algum ser instaurado o inquérito,
nem mesmo quando tiver havido prisão em flagrante.

Exatamente como ocorre na instauração do inquérito nos crimes de ação penal pública condicionada à
representação, apenas o ofendido e seu representante legal têm a legitimidade para oferecer o requerimento, que
pode ser por escrito (mais raro) ou verbal (mais comum), sendo que neste último caso tudo o que for narrado será
reduzido a escrito pela autoridade policial.

No requerimento deverão conter todos os requisitos exigíveis para a representação (art. 5º, § 1º, do CPP).

Tudo o mais quanto dissemos acerca da representação pode e deve ser aplicado ao requerimento, como a eventual
possibilidade de conflito entre o interesse da vítima e de seu representante legal em oferecer o requerimento (que

se resolve pelo art. 50, parágrafo único, do CPP), ou de falecimento de ambos, quando então a legitimidade passa
para aquelas pessoas enumeradas no art. 31 do Código de Processo Penal.

12. Procedimento (Art. 6º, I, II e III, do CPP)

Tomando conhecimento da prática de infração penal, deverá a autoridade policial (art. 6º do CPP):

12.1. Dirigir-se ao Local da Infração (inciso I)

A autoridade policial se dirigirá ao local onde supostamente foi praticada uma infração penal, para verificar a
procedência da notitia criminis que lhe foi formulada e tomar as medidas legais cabíveis.

12.2. Apreensão de Objetos e Instrumentos da Infração (inciso II)

Isola o Delegado a área do lugar do crime, para que nada seja modificado, retirado ou acrescido, a fim de que se
tenha um exato “retrato” do ilícito talqualmente ocorrera.

12.3. Colheita de Provas (inciso III)


O Delegado deverá isolar o local e mandar que se recolha tudo o quanto for encontrado no lugar do crime, para
ser posteriormente periciado e enviado ao autor da ação penal.

13. Instrução Probatória (Art. 6º, IV, V, VI e VII)

13.1. Ouvida do Ofendido (inciso IV)

O ofendido é a vítima da infração penal, o titular do bem jurídico violado ou ameaçado. Suas informações são
muito importantes para a apuração do fato e de sua autoria, devendo ser a primeira ou uma das primeiras pessoas
a serem ouvidas pela autoridade policial.

A autoridade policial, então, notificará a vítima para que compareça em determinados dia, hora e local para prestar
esclarecimentos que elucidem o fato. Se injustificadamente não comparecer, será conduzida à presença da
autoridade (art. 201, parágrafo primeiro, do Código de Processo Penal), que determinará, se for o caso, a sua
busca e apreensão (art. 240, § 1º, g, do diploma processual).

13.2. Ouvida do Indiciado (inciso V)



O indiciado é, na fase do inquérito policial, a pessoa a quem foi imputada a prática de uma infração penal. É
chamada de “indiciado” justamente porque os indícios (pistas, testemunhas, perícias, provas, instrumentos,
objetos pessoais, impressões deixadas na arma ou no local do crime etc.) levam a crer pela sua responsabilidade
penal no caso concreto.

Os indícios têm de ser veementes, e não frágeis, não se tratando de mera suposição, de mera suspeita, mas de um
conjunto de fatos e objetos que levam muito a crer que a pessoa e não outra é autora de uma infração penal.

13.3. Reconhecimento de Pessoas e Coisas e Acareações (inciso VI)



Não raro, imprescinde-se de reconhecimento de pessoas (testemunhas, vítimas, agentes) e de coisas (objetos,
instrumentos, armas, papéis, documentos, material deixado no local do crime, pistas etc.) para que o relatório
final do inquérito policial alicerce seus fundamentos em sólidas conclusões, sem as quais o titular da ação penal
não terá em mãos elementos indiciários suficientes para a propositura da denúncia ou da queixa.

Outrossim, pode o Delegado proceder, de ofício, a acareações, ou o Ministério Público as requisitar, ou mesmo
serem requeridas pela vítima ou pelo agente. O que seriam as acareações? Acareação é o ato pelo qual se põem,
cara a cara, pessoas cujos depoimentos ou declarações são conflitantes.

Elas podem se dar entre acusados, entre vítimas, entre testemunhas, entre acusado e vítima, entre acusado e
testemunha ou entre vítima e testemunha. É errôneo, portanto, como muitos imaginam, concluir-se que a
acareação presta-se exclusivamente à presença, face a face, entre acusados.

Quaisquer pessoas que tenham ligação com o crime, quando suas declarações são conflitantes, contraditórias,
paradoxais, podem ser acareadas.

13.4. Exames Periciais (inciso VII)



O Delegado, sem que para isso seja requisitado pelo Juiz ou pelo Ministério Público, pode proceder, de ofício, a
requisição de exames periciais relativos ao crime que se apura. É muito comum, p. ex., o Delegado, em crimes
de homicídio, requisitar o exame de corpo de delito direto (exame tanatológico). Outras perícias podem ser
requisitadas (balística, grafoscópica, documentoscópica, datiloscópica, sexológica, toxicológica, traumatológica
etc.). Evidentemente que o Ministério Público pode ainda requisitar, em sede de diligências, outras perícias,
podendo requerê-las, também, o titular da ação penal privada.

13.5. Identificação do Indiciado (inciso VIII)

O Delegado deve ordenar a identificação do indiciado pelo processo datiloscópico, se possível, e fazer juntar aos
autos sua folha de antecedentes.

13.6. Averiguar a Vida Pregressa (inciso IX)

Deve ainda averiguar a vida pregressa do indiciado, sob o ponto de vista individual, familiar e social, sua condição
econômica, sua atitude e estado de ânimo antes e depois do crime e durante ele, e quaisquer outros elementos que
contribuírem para a apreciação do seu temperamento e caráter.

13.7. Colher Informações Sobre a Existência de Filhos (inciso X)



Por fim cabe ainda ao delegado, colher informações sobre a existência de filhos respectivas idades e se possuem
alguma deficiência e o nome e o contato de eventual responsável pelos cuidados dos filhos, indiciado pela
pessoa presa.

13.8. Outras Diligências (Arts. 13, 14 e 16 do CPP)

O art. 13 do Código de Processo Penal cita os deveres da Autoridade Policial, cujo descumprimento pode acarretar
sua responsabilidade criminal a título de prevaricação ou desobediência. Conforme abordaremos no item 17.

O art. 14 do Código de Processo Penal esclarece que “o ofendido, ou seu representante legal, e o indiciado poderão
requerer qualquer diligência, que será realizada, ou não, a juízo da autoridade”. Veja-se que as diligências de que
trata o art. 13 constituem um imperativo (um dever) a ser cumprido pela Autoridade Policial. Já as que são
aduzidas pelo art. 14 refere-se à mera faculdade de a Autoridade Policial proceder a diligências, quando
requeridas (observe-se: requeridas, e não requisitadas!) pelo ofendido (vítima do crime), seu representante legal
ou mesmo pelo indiciado. Evidentemente que realizar ou não diligências requeridas não pode ser produto de uma

arbitrariedade, devendo o Delegado refletir acerca de sua real necessidade no inquérito policial e na busca da
verdade real.

O art. 16 do Código de Processo Penal, por fim, esclarece que “o Ministério Público não poderá requerer a
devolução do inquérito à autoridade policial, senão para novas diligências, imprescindíveis ao oferecimento da
denúncia”.

Tendo elementos suficientes em mãos para a propositura da denúncia, o Parquet terá o dever de promovê-la
(princípio da obrigatoriedade), só não o fazendo se e quando de fato os indícios forem precários para o
oferecimento da ação penal pública, quando então devolverá o inquérito policial e requisitará à Autoridade
Policial diligências (comportamentos, atos, ações de elucidação e investigação mais apurada, mais detalhada,
como oitivas de pessoas, perícias etc.).

14. Indiciamento (Art. 6º, VIII e IX, do CPP)

14.1. Conceito

É a imputação a alguém, na fase do inquérito policial, da prática de uma infração penal. A pessoa a quem foi
atribuído o indiciamento é chamada de indiciada, e não se confunde com a figura do réu. Aliás, “indiciado” está
para o inquérito policial assim como o “réu” está para o processo penal já instaurado. Enquanto não há ação penal,
fala-se, quando muito, em indiciado; quando já proposta a ação penal, o indiciado transmuda-se para réu.

14.2. Identificação (Art. 6º, VIII)

O art. 6º, VIII, do Código de Processo Penal, afirma dever a Autoridade Policial “ordenar a identificação do
indiciado pelo processo datiloscópico, se possível, e fazer juntar aos autos sua folha de antecedentes”.

A identificação é o meio pelo qual se estabelece a identidade ou o conjunto de caracteres que individualizam uma
pessoa, destacando-a das demais, citando-se-lhe o nome, a filiação, a naturalidade, os caracteres físicos (se
necessários, principalmente quando não se sabe ao certo seu nome), sua alcunha (apelido), profissão e endereço.

Atualmente, a identificação do acusado faz-se mediante o processo datiloscópico (impressões digitais), dada a
certeza científica de que não existem duas pessoas com as mesmas impressões digitais.

O indiciado deve se submeter à identificação criminal em toda e qualquer hipótese? Em vista do art. 5º, LVIII,
da CF/88, tem-se que: “Art. 5º. LVIII – o civilmente identificado não será submetido a identificação criminal,
salvo nas hipóteses previstas em lei”.

De ordem que serão criminalmente identificados, aplicando-se-lhes o art. 6º, VIII, do Código de Processo Penal,
apenas aqueles que não estiverem civilmente identificados e nos casos previstos em legislação
infraconstitucional.

Como a própria Carta Política ressalva casos nos quais a lei permite a identificação criminal, temos que podem
ocorrer hipóteses em que serão criminalmente identificados mesmo aqueles indivíduos civilmente identificados.

Se o indivíduo se recusar a se submeter à identificação criminal nos casos previstos em lei, pode a Autoridade
Policial conduzi-lo coercitivamente para o ato; e se ele se recusar ainda assim, poderá o Delegado dar-lhe voz de
prisão em flagrante pelo crime de desobediência (art. 330 do CP).

A CF/88 não veda a fotografia do indiciado de frente e de perfil, pois tal procedimento não constitui identificação
criminal, senão apenas peça de instrução dos autos do inquérito. Acresça-se que o que a CF/88 proíbe fora dos
casos previstos em lei é a identificação criminal, de molde que mesmo em sua ausência nada impede que o sujeito
venha a ser indiciado. O indiciamento pode se dar independentemente de qualquer identificação criminal.

14.3. Folha de Antecedentes (Art. 6º, IX)



A folha de antecedentes criminais é documento de muita importância, pois é através dela que se toma
conhecimento de se o indiciado é primário ou reincidente, devendo esse dado ter influência para a aplicação dos
arts. 61, I (a reincidência é circunstância legal genérica agravante), e 77, I (a primariedade em regra é requisito
essencial para a concessão do sursis), ambos do Código Penal.

Ademais, caso o indiciado tenha antecedentes criminais, o Juiz ou o Ministério Público poderá solicitar do juízo
onde ele, no passado, fora processado e sentenciado a certidão da decisão com a nota do seu trânsito em julgado
(inexiste reincidência sem o trânsito em julgado de sentença condenatória nos últimos 5 anos, passados os quais
a reincidência prescreve).

“Art. 63, CP. Verifica-se a reincidência quando o agente comete novo crime, depois de transitar em julgado a
sentença que, no País ou no estrangeiro, o tenha condenado por crime anterior.

Art. 64, CP. Para efeito de reincidência:


I - não prevalece a condenação anterior, se entre a data do cumprimento ou extinção da pena e a infração
posterior tiver decorrido período de tempo superior a 5 (cinco) anos, computado o período de prova da
suspensão ou do livramento condicional, se não ocorrer revogação; II - não se consideram os crimes militares
próprios e políticos.”

14.4. Indiciado Menor (Art. 15 do CPP)

O art. 15 do Código de Processo Penal reza que “se o indiciado for menor, ser-lhe-á nomeado curador pela
autoridade policial”. A menoridade de que trata o dispositivo é a que vai dos 18 aos 21 anos incompletos
(indiciados dos 18 até a véspera do aniversário de 21 anos), já que os menores de 18 anos não se submetem ao
Código de Processo Penal, mas ao Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei nº 8.069/90).

Os menores, nos termos do art. 15 do Código de Processo Penal, são imputáveis, submetem-se normalmente às
disposições constantes do Código Penal e do Código de Processo Penal, porém presume a lei que, em vista de
sua relativa incapacidade civil, o indiciado naquela idade necessita de melhores esclarecimentos, por não estar
ainda totalmente formado o seu discernimento acerca dos atos de natureza inquisitorial e processual, devendo um
terceiro absolutamente capaz prestar-lhe as informações pertinentes à sua situação. Este terceiro é o curador.

Com a edição do Novo Código Civil, e a mudança da maioridade civil para 18 anos, invés de 21 anos como no
Código de 1916, o instituto perdeu relevância, pois tanto a maioridade penal como a civil são alcançadas aos 18
anos.

Quanto aos indígenas, há quem reclame para eles curador, ou mais precisamente representante da FUNAI, tendo-
se em mira que são relativamente incapazes, nos termos da lei civil. Todavia, objeta-se que a exigência de curador,
em tais casos, só é cabível quando o indígena for dotado de desenvolvimento mental incompleto, haja vista que
o Código de Processo Penal não trata de curador aos indígenas. Logo, no silêncio da lei, não há necessidade de
curador aos indiciados indígenas, a não ser em decorrência de averiguação de desenvolvimento mental
incompleto, repise-se.

O curador tem de ser um advogado? Não existe qualquer exigência nesse sentido, embora seja preferível que o
curador seja um advogado, por ser pessoa que entende de assuntos técnicos relativos ao Direito e, portanto, com
mais capacidade de prover o menor das informações e do discernimento de que ele necessita.

Portanto, não existe irregularidade quando o curador do menor é o seu pai ou a sua mãe, ou mesmo outra pessoa
absolutamente capaz, porém sem habilitação profissional da OAB. O que não pode é que o terceiro que irá assistir
ao menor, muito obstante absolutamente capaz perante a lei civil, seja analfabeta.

Qual a função do curador? É a de assistir ao interrogatório e a todos os demais atos do inquérito que venham a
exigir a presença do menor, como nas acareações, nas reproduções simuladas e nos reconhecimentos de pessoas.
Pode o curador intervir nesses atos para fazer perguntas ou participar de inquirições? Não, pois sua presença é
apenas para suprir a incapacidade do indiciado.

No entanto, poderá requerer diligências, como assim o concede o art. 14 do Código de Processo Penal, o que não
significa, segundo vimos (subitem 13.5, supra), que a Autoridade Policial deverá realizá-la.

14.5. Incomunicabilidade (Art. 136, § 3º, IV, da CF/88; Revogação do art. 21 do CPP)

Antes da Carta Magna de 1988 possibilitava-se que o Delegado deixasse o indiciado incomunicável, isto é, o
imputado, no prazo de 3 dias, permanecia preso sem que pudesse entrar em contato com familiares, advogados
ou quem mais que fosse, segundo o disposto da redação original do art. 21 do Código de Processo Penal.

Com a entrada em vigor da CF/88, pacificou-se o entendimento de que a incomunicabilidade tornou-se desde
então inconstitucional, sendo tacitamente revogado o art. 21 do Código de Processo Penal pelo art. 136, § 3º, IV,
da Carta Política. Este último dispositivo expressamente veda a incomunicabilidade do preso durante o estado de
defesa.

Ora, se durante o estado de defesa, quando o Estado passa por convulsões as mais sérias, a incomunicabilidade é
proibida, com muita maior razão sê-lo-á quando o Estado passa por período de normalidade, que é o comum de
nossos dias.

15. Reprodução Simulada (Art. 7º do CPP)

A Autoridade Policial poderá, a fim de chegar à verdade real do fato, proceder à reprodução simulada ou
“simulação” do crime, talqualmente ele ocorreu, desde que não ofenda a moralidade e a ordem públicas.

A reprodução simulada nada mais é que uma encenação da infração penal, uma “peça teatral” promovida pela
Autoridade Policial, que tem como fito o de verificar detalhes do injusto penal.

Pode o suspeito se negar a participar da reprodução simulada? Evidentemente! Lembremos que ninguém é
obrigado a acusar a si mesmo, ninguém tem o dever de produzir prova contra si próprio (privillege against self-
incrimination). Tendo o cidadão, ainda que preso, o direito de permanecer calado, não teria sentido algum ser ele
processado por desobediência à “ordem” de participar da simulação.

16. Prisão em Flagrante (Art. 8º do CPP)

Outra forma de ser instaurado o inquérito policial é através do auto de prisão em flagrante, quando o sujeito é
preso em algumas das circunstâncias elencadas no art. 302 do Código de Processo Penal:

“Art. 302. Considera-se em flagrante delito quem:


I - está cometendo a infração penal;


II - acaba de cometê-la;
III -é perseguido, logo após, pela autoridade, pelo ofendido ou por qualquer pessoa, em situação que faça
presumir ser autor da infração;
IV - é encontrado, logo depois, com instrumentos, armas, objetos ou papéis que façam presumir ser ele autor da
infração.”

A prisão em flagrante, única modalidade de prisão cautelar que não necessita de decretação judicial, deve ser
seguida da lavratura de seu auto, no prazo de 24 horas da prisão, sob pena de nulidade e cabimento de habeas
corpus.

Quando alguém é preso em flagrante delito, o respectivo inquérito será aberto justamente com o auto de prisão,
seja nos crimes de ação penal pública incondicionada, seja nos crimes de ação penal pública condicionada e nos
de ação penal privada.

Todavia, há que se considerar que nem sempre o inquérito será instaurado. Na verdade, no caso de crime que se
apura mediante ação penal pública incondicionada, em vista da prisão em flagrante do suspeito, a Autoridade
Policial deverá instaurar o inquérito mediante o auto de prisão em flagrante.

Nas hipóteses de prisão em flagrante em crime de ação penal pública condicionada ou ação penal privada, o
inquérito só poderá ser instaurado se o titular da representação ou da queixa não se opuser.

17. Deveres da Autoridade Policial (Art. 13 do CPP)

O art. 13 do Código de Processo Penal impõe às autoridades policiais deveres que, em não sendo obedecidos,
poderão ensejar sua responsabilidade penal (crime de prevaricação, de corrupção passiva, de concussão ou de
extorsão) e administrativa. Tratam-se, pois, de deveres, não de meras faculdades de que a autoridade policial
possa se abster de realizar. Esses deveres são:

17.1. Fornecer às autoridades judiciárias as informações necessárias à instrução e julgamento dos processos:

Em primeiro lugar, deve o Delegado “fornecer às autoridades judiciárias as informações necessárias à instrução
e julgamento dos processos”. Veja-se que o Delegado tem o dever de fornecer quaisquer informações requisitadas
pelas autoridades judiciárias, mas esse dever não subiste quando as informações sejam solicitadas pelo Ministério
Público. Não é que o Ministério Público não possa solicitar informações, mas o dever de sua prestação, pela
Autoridade Policial, aí não subsiste. A obediência é devida apenas aos Magistrados.

17.2. Realizar as diligências requisitadas pelo juiz ou pelo Ministério Público

Outro dever do Delegado é o de “realizar as diligências requisitadas pelo juiz ou pelo Ministério Público”. Agora
sim, o dever, que não é mais apenas o de informar, senão o de realizar diligências, referte-se tanto àquelas que
são requisitadas pelo Juiz quanto pelo Ministério Público. As diligências requisitadas podem ser a investigação
em certo local ou de certa pessoa, a busca e apreensão, reconhecimentos de pessoas ou de coisas, acareações,
reprodução simulada, interrogatório, nova oitiva de testemunhas etc.

17.3. Cumprir os mandados de prisão expedidos pelas autoridades judiciárias.

A Autoridade Policial tem, ainda, o dever legal de “cumprir os mandados de prisão expedidos pelas autoridades
judiciárias”. Isto é, dado que o Juiz expeça mandado de prisão (preventiva, temporária, por pronúncia ou em
decorrência de sentença condenatória), o Delegado não pode se furtar de sua obrigação de cumpri-lo preenchendo

todas as formalidades legais e sem excessos, sob pena de, em não o cumprindo, responder por crime de
prevaricação ou desobediência, e se o cumprir com excesso demasiado e injustificado, vir a ser incriminado por
abuso de autoridade (Lei nº 4.898/65).

17.4. Representar acerca da prisão preventiva

Por fim, o dever jurídico-legal de “representar acerca da prisão preventiva”. A prisão preventiva pode ser
decretada de ofício pelo Juiz, mediante requerimento do Ministério Público ou do querelante ou por representação
do Delegado, ou seja, enxergando este a necessidade de que o acusado não deve permanecer solto, o Delegado
representará, por escrito, quanto à prisão preventiva, declarando os fundamentos de fato e de direito sobre os
quais ele pretende a restrição cautelar da liberdade do suspeito.

18. Conclusão do Inquérito

Após toda a fase de instrução probatória, a autoridade policial deverá concluir por escrito o inquérito, para que
enfim possa ser enviado ao titular da ação penal, com o respectivo relatório.

18.1. Prazo (Art. 10, caput, e § 3º, do CPP)

Regra geral, o prazo para a conclusão do inquérito é de 10 (dez) dias caso o indiciado esteja preso (contados da
data da prisão, cuja contagem obedecerá ao que dispõe o art. 10 do CP, e não o art. 798, § 1º, do CPP), e de 30
(trinta) dias se ele estiver solto, consoante se dessume do art. 10, caput, do Código de Processo Penal. Estando
preso o indiciado e não tendo findado o inquérito naquele prazo, sua prisão terá de ser relaxada, sob pena de
cabimento de habeas corpus. O art. 10, § 3º, admite que o prazo de 30 (trinta dias) — e nunca o de 10 (dez) dias!
— seja prorrogado por igual período.

No caso de inquérito policial federal, o prazo é, para o indiciado preso, de 15 (quinze) dias, e de 30 (trinta) dias
se estiver solto, consoante se depreende do art. 66 da Lei n.º 5.010/66. Ambos os prazos podem ser prorrogados.

No caso de crime relativo a entorpecentes (Lei nº 11.343/06), o prazo para a conclusão do inquérito será, para o
indiciado solto, de 90 (noventa) dias. No caso de indiciado preso, o prazo é de 30 (trinta) dias. Os prazos podem
ser prorrogados, a pedido da autoridade policial, sempre após ouvido o Ministério Público.

LEI INVESTIGADO PRESO INVESTIGADO SOLTO
Regra, Delegado Estadual (Art. 10, 10 dias improrrogável 30 dias prorrogável no prazo
CPP) assinalado pelo juiz.
Delegado Federal (Art. 66 da Lei 15 dias prorrogável uma vez 30 dias prorrogável no prazo
5.010/66) por mais 15 dias. assinalado pelo juiz.
Lei de Drogas (Art. 51 da Lei 11.343/06) 30 dias prorrogável, por mais 90 dias prorrogável por mais 90
30 dias. dias.
Economia Popular (Lei 1.521/51) 10 dias improrrogável 10 dias improrrogável
Código de Processo Penal Militar (art. 20 dias improrrogáveis 40 dias prorrogável por mais 20
20 do Dec. Lei 1002/69) dias

Obs.: a prorrogação necessita de autorização judicial, no caso do Inquérito Policial Militar a autorização será
dada pela autoridade militar superior aquela que esta presidindo o inquérito.

18.2. Relatório (Arts. 9º, 10, §§ 1º e 2º, e 19 do CPP)


Concluídas todas as diligências necessárias à apuração do fato e de sua autoria, a autoridade policial fará
minucioso relatório por escrito, datilografado ou digitado, e o enviará à autoridade judiciária competente (a
competência é fixada de acordo com os arts. 70 e ss., do Código de Processo Penal). Acresça-se que “no relatório
poderá a autoridade indicar testemunhas que não tiverem sido inquiridas, mencionando o lugar onde possam ser
encontradas”.

18.3. Remessa dos Autos (Arts. 10, § 1º, e 19 do CPP)

Feito o relatório por escrito, a autoridade policial enviá-lo-á ao juízo competente, onde aguardará que o titular da
ação penal a promova. No caso de ação penal privada, se o requerente pedir, a autoridade policial lhe entregará
os autos do inquérito mediante traslado, ou seja, o Cartório confecciona cópia do referido inquérito, autentica e
o entrega ao requerente.

19. Arquivamento (Arts. 17, 18 e 28 do CPP)

Recebendo os autos do inquérito, pode o Ministério Público pedir ao Juiz que seja ele arquivado. A propósito,
apenas o Ministério Público possui essa prerrogativa (nem mesmo o Juiz pode fazê-lo de ofício).

O arquivamento pode se dar em função, entre outros fatores, diante da averiguação, por parte do Parquet, da
inexistência do fato, ou de inexistência de criminoso (o fato pode até ter existido, porém ausente está qualquer
dos requisitos que o tornam delituoso, a tipicidade ou a ilicitude) ou de negativa de autoria (o fato criminoso pode
ter existido, mas não pode ser imputado contra o indiciado).

Obs.: Arquivamento Indireto e Arquivamento Implícito.

Dá-se o arquivamento indireto dos autos do IP, também denominado pedido indireto de arquivamento dos
autos do IP, quando ocorre divergência entre as posições do MP e do Magistrado acerca da atribuição e
competência para determinado feito. O membro do MP entendendo que não teria atribuição para oficiar no feito
e, por outro lado, o magistrado entendendo possuir plena competência para a causa.

Na hipótese de consenso entre os comportamentos do membro do MP e do magistrado não há qualquer problema


e os autos serão encaminhados para o juiz competente.

Todavia, ocorrendo referida divergência é que ocorrerá uma série de problemas, já que da decisão do magistrado
não cabe Recurso em Sentido Estrito. Vale dizer, não cabe a solução do art. 581, II do CPP, pois, nos termos de
tal artigo, o juiz se declara incompetente e, na presente hipótese, ao contrário, ele se declara competente, verbis:

Art. 581. Caberá recurso, no sentido estrito, da decisão, despacho ou sentença:


I - que não receber a denúncia ou a queixa;
II - que concluir pela incompetência do juízo;

Assim, a questão se resolve, “mutatis mutandis” (guardadas as devidas proporções) nos termos do artigo 28 do
CPP, devendo-se encaminhar o feito para o Procurador-Geral da República ou o Procurador Geral de Justiça,
oportunidade em que este oferecerá a denúncia, designará outro órgão do MP para oferecê-la, ou insistirá no
encaminhamento do feito para outro juízo, que seria o competente.

Art. 28. Se o órgão do Ministério Público, ao invés de apresentar a denúncia, requerer o arquivamento do inquérito
policial ou de quaisquer peças de informação, o juiz, no caso de considerar improcedentes as razões invocadas,
fará remessa do inquérito ou peças de informação ao procurador-geral, e este oferecerá a denúncia, designará
outro órgão do Ministério Público para oferecê-la, ou insistirá no pedido de arquivamento, ao qual só então estará

o juiz obrigado a atender.

Há quem sustente, todavia, que, em relação ao MP Federal, a aplicação correta, nestes casos, não seria do art. 28
do CPP, mas do art. 62 IV da LC 75/93, que atribui à Câmara de Coordenação e Revisão do Ministério Público
Federal o reexame da promoção de arquivamento, quando instada a tal pelo Judiciário, verbis:

Art. 62. Compete às Câmaras de Coordenação e Revisão:


[...]
IV – manifestar-se sobre o arquivamento de inquérito policial, inquérito parlamentar ou peças de informação,
exceto nos casos de competência originária do Procurador- Geral;

Segundo o Dr. André Lenart, em artigo publicado no sítio denominado Reserva de Justiça, quanto a atuação das
instâncias superiores do MP, haver-se-iam duas situações:

a) uma em relação à esfera estadual, em que a atribuição seria do Procurador-Geral de Justiça do respectivo
Estado membro, para rever o ato do membro do MP respectivo, nos termos do aludido art. 28 do CPP e
b) outra em relação à esfera Federal, onde a Câmara de Coordenação e Revisão Criminal é quem teria atribuição
para tal revisão, nos termos não do art. 28 do CPP, mas do art. 62 IV, da LC 75/93.
Portanto, neste instante, o magistrado, após a análise do Procurador-Geral de Justiça (art. 28 do CPP) ou da
Câmara de Coordenação e Revisão (art. 62 IV da LC 75/93), tomará uma de duas decisões:

1) Reverá sua posição anterior, dando-se por incompetente, remetendo-se, consequentemente, os autos para o juiz
competente ou
2) Insistirá em sua posição anterior, oportunidade em que considerar-se-ão arquivados os autos do IP, já que, por
um lado o magistrado não pode obrigar o MP a oferecer uma denúncia que entende não ter atribuições para tanto
e, por outro, o magistrado, também, não pode ser compelido a dar- se por incompetente em feito que se julga
competente.

Ocorrendo assim o arquivamento indireto. Saliente-se, todavia que o fenômeno do arquivamento indireto
ocorrerá, também, na hipótese de o juiz encaminhar o feito para outro juiz e, caso, referido juiz entenda ser,
realmente, competente, mas o MP respectivo, assim não entender, instante em que começará toda a peregrinação
dos art. 28 do CPP ou art. 62 IV da LC 75/93.

Observe-se que o Arquivamento Indireto analisado no presente artigo não se confunde com o Arquivamento
Implícito, que possui outro significado.

O arquivamento Implícito não possui previsão legal e ocorre quando o MP (titular da Ação Penal Pública) deixa
de incluir na denúncia algum fato (aspecto objetivo) investigado ou algum dos indiciados (aspecto subjetivo),
sem manifestar-se expressamente sobre a omissão e sem qualquer tipo de justificação de seu procedimento e,
concomitantemente, caso o juiz não se pronuncie acerca da omissão ministerial, ocorrerá o arquivamento.

Percebe-se, portanto, que somente ocorrerá o arquivamento implícito quando a omissão for dupla, vale dizer, do
membro do MP e do magistrado. Registre-se que, neste caso, após o arquivamento, não mais caberá, a posteriori,
denúncia para incluir indiciado ou fato novo, salvo se surgirem novas provas, operando-se, portanto, o Enunciado
524 do STF.

A jurisprudência majoritária não admite esse tipo de arquivamento e o MP não o vê com bons olhos,
argumentando que o art. 28 do CPP exige que o MP ao requerer o arquivamento deve invocar razões para que o
juiz concorde ou discorde. Assim, apreende-se que o MP tem que se manifestar expressamente quanto ao
arquivamento. Conforme esse entendimento, uma vez não apresentado o requerimento, a qualquer tempo que se

verifique a omissão, desde que não prescrito, o fato ou sujeito poderá ser objeto de denúncia.
19.1. Princípio da Indisponibilidade (Art. 17 do CPP)

Pelo princípio da indisponibilidade a Autoridade Policial jamais poderá arquivar de ofício autos de inquérito
policial. O que isso quer dizer? O Delegado de Polícia não pode, sob pretexto ou condição alguma, mandar
arquivar o inquérito (art. 17 do CPP), sob pena de responsabilidade administrativa e inclusive criminal. O único
que pode mandar seja arquivado o inquérito é, reputa-se, o Ministério Público, e mais ninguém. Nem mesmo a
circunstância de ter a Autoridade Policial acreditado que o sujeito agiu acobertado por excludente de ilicitude
obsta a instauração do inquérito e o seu não-arquivamento.

19.2. Novas Pesquisas (Art. 18 do CPP)

A decisão que, acolhendo o pedido formulado pelo Ministério Público, manda ser arquivado o inquérito, não faz
coisa julgada, pois não se trata de decisão definitiva, de mérito. Logo, não faz coisa julgada, podendo ser o
inquérito futuramente reinstaurado. No entanto, não fica ao alvedrio da Autoridade Policial reinstaurar, ou não,
o inquérito. Para fazê-lo necessariamente deverá tomar conhecimento de outras provas que conduzam a
Autoridade Policial a instaurar novamente o inquérito. Assim, arquivamento de inquérito não é sinônimo de
impunidade garantida, podendo ser empreendidas novas pesquisas (investigações, colheitas de provas, etc.) que
levem à necessidade da instauração do inquérito.

A propósito, a Súmula 524 do STF:

“Arquivado o inquérito policial, por despacho do juiz, a requerimento do Promotor de Justiça, não pode a ação
penal ser iniciada, sem novas provas.”

19.3. Atuação do Ministério Público (Art. 28 do CPP)

Recebendo os autos do inquérito policial, pode o Ministério Público, de conformidade com o caso concreto, tomar
alguma das seguintes providências:

a) Denúncia: O Ministério Público pode oferecer a denúncia, peça inaugural da ação penal pública, quando o
crime seja apurado de acordo com esta espécie de ação e julgue que o inquérito lhe proporcione o mínimo
necessário para ser intentada a ação penal. Ou seja, quando o Ministério Público se achar satisfeito com o que
possui em mãos, então sim oferecerá a denúncia no prazo de 5 (cinco) dias, se o réu estiver preso (após os quais
ele deverá ser solto, sob pena de cabimento de habeas corpus), e de 15 (quinze) dias, se preso (art. 46 do CPP).
Não se olvide, todavia, de que o Ministério Público não está vinculado à conclusão do relatório do inquérito,
podendo oferecer a denúncia por outro crime que não aquele que consta do procedimento informativo. Do mesmo
modo, o Juiz não está vinculado ao entendimento do Parquet, podendo absolver ou condenar o réu por outro
motivo que não o alegado pelo Ministério Público.

b) Diligências: Pode acontecer de o Ministério Público não se achar satisfeito com o que foi apurado durante o
inquérito, por diversas razões. Daí então remeterá os autos de inquérito de volta à autoridade policial para que
proceda a diligências que o Parquet determinar: busca e apreensão (desde que admitida pelo magistrado),
depoimento de testemunhas ou da vítima; interrogatório do indiciado; pedido de exames periciais; acareações;
reconhecimento de pessoas e coisas; reprodução simulada; colheita de novas provas ou indícios etc. Após
realizadas as diligências, a autoridade policial enviará novamente o inquérito ao Judiciário, a fim de que abra
novas vistas ao Ministério Público.

c) Arquivamento: O Ministério Público é o único que pode pedir o arquivamento de autos de inquérito, e o
pedirá quando, p. ex., não houver autoria conhecida, não houver provas mais ou menos idôneas a respeito da
relação de causalidade ou se estiver presente causa ou condição de exclusão do crime.

O arquivamento é pedido à autoridade judiciária, que poderá concordar, ou não, com as razões do pedido. Se
concordar, ordenará o arquivamento. Se não concordar, não poderá exigir que o Promotor ofereça a denúncia,
mas comunicará o fato ao Procurador-Geral de Justiça, que nesse caso poderá, ou não, concordar com o pedido
do Promotor. Se concordar, o inquérito terá de ser arquivado, mesmo contra a vontade do Juiz. Se não concordar,
ou ele mesmo irá oferecer a denúncia, ou designará outro representante da instituição para oferecê-la.

Contra o pedido de arquivamento e sua concessão não cabe recurso algum.

d) Extinção da Punibilidade: O Ministério Público é, antes mesmo que órgão de acusação, fiscal da lei, de
forma que deverá atuar de maneira que faça atuar a justiça no caso concreto. É, pois, equívoco pensar-se que o
Ministério Público não pode agir em favor do indiciado ou do réu. E é em vista disso que pode acontecer de a
punibilidade do indiciado, inobstante inconteste a prática de uma infração penal, estar extinta, pela prescrição ou
por outra causa (art. 107 do CP). Desse modo, se o Ministério Público, ao verificar nos autos do inquérito, que a
punibilidade do indiciado está extinta, pedirá ao Juiz que a decrete.

e) Permanência dos Autos em Cartório: Sabe-se que o Ministério Público é o titular legítimo da ação penal
pública, bem como apenas ao ofendido e seu representante legal é que cabe a propositura da ação penal privada.
Daí porque, concluído o inquérito, a autoridade policial deverá remetê-lo ao Ministério Público, caso a infração
seja apurada mediante ação penal pública, ou ao ofendido mediante traslado, no caso de a infração investigada
for de ação penal privada.

Imagine-se, então, que o Ministério Público receba um inquérito no qual se perceba que o crime ali imputado ao
indiciado seja de ação penal privada. Em tal hipótese, o Ministério Público é parte ilegítima para propor a ação
penal.

Sendo assim, o Promotor de Justiça, nos termos do art. 19 do Código de Processo Penal, deverá requerer que os
autos do inquérito permaneçam em Cartório, aguardando a iniciativa da vítima ou de quem de direito.

f) Inviabilidade da Relação Processual: Existem fatos que impedem a viabilidade da relação processual, isto
é, desautorizam que, no caso concreto, seja instaurada a relação processual. Nesses casos, o Ministério Público
deverá abster-se de oferecer a denúncia.

Tais fatos são, por exemplo, a coisa julgada (o indiciado já tinha sido julgado em outra ocasião pelo mesmo fato
objeto do inquérito policial recebido), a litispendência (o indiciado, pelo fato objeto do inquérito recebido, já está
sendo por este mesmo processado, na mesma Comarca ou não) e a incompetência (p. ex., o Promotor de Justiça
de Recife entende que a competência é do juízo da Comarca de Paulista).

CAPÍTULO V – AÇÃO PENAL

1. Generalidades

Conquanto a ação penal seja parte intrínseca do âmbito de estudos do Direito Processual Penal (Direito Penal
formal) e não do Direito Penal (Direito Penal material), alguns dispositivos contidos no Código Penal, ora na sua
Parte Geral, ora na Especial, referem-se expressamente a conceitos processuais, tais como “queixa”,
“representação”, “ação penal pública”, “ação penal privada”.

De fato, se é impossível, porque anacrônico, inútil e insensato, admitirmos a existência do Direito Processual
Penal sem o Direito Penal material, sua substância, ou pressuposto lógico do ordenamento jurídico enquanto
sistema, insta afirmarmos que de nada adiantaria um Direito Penal — que define as condutas ilícitas que mais
ofendem os interesses da coletividade (infrações penais) e impõe-lhes as respectivas sanções (penas ou medidas
de segurança) — sem um sistema de normas através das quais ele pudesse se realizar, materializar-se, no plano
fático. O Direito Penal sem o Direito Processual Penal seria, portanto, em última análise, um “corpo vegetativo”.

Em virtude disso, enfocaremos nesta parte de nosso trabalho a matéria concernente à “ação penal”, matéria esta
disposta em destaque na Parte Geral do Código Penal (Título VII).

Todavia, mister é que teçamos, de antemão, considerações gerais acerca de conceitos tais como “lide penal” e
“ação penal”, para depois explicarmos a sua influência dentro do Direito Processual Penal.

Sem querermos entrar em questões e celeumas doutrinárias a respeito da definição de ação e da sua natureza
jurídica, dizemos, apenas, que uma das definições mais aceitas atualmente é aquela que afirma que ação é o
direito que o cidadão tem de invocar a tutela jurisdicional a fim de que o Estado, por meio de atos coordenados
sequenciados (processo), aplique a lei, compondo a lide que se lhe apresenta.

No Direito Processual Penal, a ideia é a mesma. O crime faz existir uma relação jurídica entre o sujeito ativo e o
sujeito passivo em torno de um objeto jurídico ofendido ou posto em perigo, e daí surge o direito de ação penal,
mediante o qual seu respectivo titular (ora, o Ministério Público, ora, o particular) invoca, pede a tutela do Estado
para que este, investido do seu poder de império (jus imperii), aplique, de acordo com a lei e com a principiologia
processualística, a solução cabível, impondo ou não uma sanção ao indigitado sujeito ativo do delito, dependendo
da avaliação de todas as circunstâncias (materiais e processuais) do crime.

Dá-se assim porque a ninguém é ofertado o direito de punir, a não ser ao Estado. Com efeito, os casos de autotutela
de direitos admitidos em lei são excepcionalíssimos (p. ex., o insculpido no art. 1.210, § 1º do Código Civil), de
sorte que, na esmagadora generalidade das lesões e ameaças de lesões a direitos subjetivos ao Estado é quem
incumbe fazer-se presente, dirimindo os conflitos de interesses qualificados por pretensões resistidas que lhe
aparecem.

Aos particulares, portanto, de ordinário, não cabe “fazer justiça pelas próprias mãos”, sob pena de incorrer
criminalmente no tipo penal do art. 345 do CP (exercício arbitrário das próprias razões), sem prejuízo de sanções
outras de natureza extrapenal.

Ora, se é assim — ou seja, que os particulares cujos interesses e supostos direitos estejam sendo lesados ou
ameaçados por alguma ilegalidade não podem, eles mesmos, vir a se satisfazerem pela autotutela —, o Estado ao
menos deve criar, como de fato criou, a possibilidade de ser ele invocado para dirimir o litígio que se instaurou.
No processo penal, o Estado criou a possibilidade de a infração penal ser levada ao seu conhecimento para que
ele, então, tome as providências necessárias para a sua justa apuração e elucidação. Essa possibilidade deu-se
com a apresentação, aos membros da coletividade, do direito de invocar a tutela estatal — a ação penal.

Após a ação penal ser promovida e recebida pelo Poder Judiciário, seja por iniciativa do próprio ofendido do
crime ou de seu representante legal (se o delito for de ação penal privada), seja do Ministério Público (em caso
de ser o crime de ação penal pública), tem se início o processo penal, que, como em todo processo, compõe-se
de uma série de atos logicamente coordenados e sequenciados tendentes a uma finalidade, a composição do
conflito de interesses que se instaura em juízo — de um lado, a pretensão do titular da ação (Ministério Público,
ofendido, ou seu representante legal) de se fazer presente, contra o réu, o jus puniendi; e de outro, a resistência
do réu, tentando evitar que fique restringido o seu jus libertatis.

Em assim sendo, comecemos, agora, a estudar a ação penal, devendo nós muitas vezes recorrermos ao Código
Penal (CP) e — como não poderia deixar de ser — ao Código de Processo Penal (CPP), sempre quando
necessário.

2. Classificação das Ações Penais

A ação penal classifica-se tendo em vista, concomitantemente, a importância do objeto jurídico do delito e o
maior ou o menor interesse estatal em que o réu seja sancionado criminalmente.

A avaliação daquela importância e deste interesse dependerão das razões político criminais que ensejam o
posicionamento estatal no sentido de admitir uma ou outra espécie de ação penal.

De acordo com o crime, o bem jurídico (ofendido ou posto em perigo pelo sujeito ativo) possui tal relevância que
o Estado reserva para si, e para mais ninguém, a titularidade do direito da ação penal e, neste caso, diz-se que
esta é pública.

De outra parte, pode ocorrer que o delito cometido ofenda um bem jurídico da mais franca intimidade do sujeito
passivo, e então o Estado acha por bem que o sujeito passivo ou o seu representante legal (dependendo da
hipótese) é que tenha a iniciativa para a instauração do procedimento policial e do processo penal, permitindo o
ingresso da chamada ação penal privada.

Expliquemos melhor. Segundo o crime praticado, este lesa um bem jurídico de tamanha importância para o Estado
e para a sociedade que a ação penal deve ser iniciada sem ou até mesmo contra a manifestação de vontade de
qualquer pessoa, devendo ser ajuizada até mesmo contra a vontade do próprio sujeito passivo do crime: a ação
penal, nesses casos, é pública. Exemplo: no crime de homicídio, há a lesão (se tiver sido consumado) ou o perigo
de lesão (no caso de tentativa) ao bem jurídico “vida”, bem jurídico este eivado de grande relevância para a
existência da sociedade.

Em sendo assim, o Estado, nos delitos de ação pública, obteve para si a titularidade para dar início à ação penal,
pouco importando se, p. ex., a sociedade, seja qual for o motivo, pronuncie-se a favor do agente, e até mesmo
que não seja da vontade dos familiares do de cujus o ajuizamento da ação penal: o direito de ação, que é do
Estado, não depende da manifestação de vontade de quem quer que seja — a autoridade policial, tomando
conhecimento da prática do homicídio, deve proceder de ofício; em juízo, a ação penal deve ser exercida pelo seu
titular (Estado) sem que se submeta a qualquer requisito. Idem no crime de roubo: a ação penal deve ser iniciada
mesmo contra a vontade do sujeito passivo, porquanto o objeto jurídico (“patrimônio”), conquanto pertença ao
sujeito passivo, é de interesse público, e deve ser resguardado a todo custo (mesmo contra a vontade do detentor
da res).

Por outro lado, pode ocorrer de um crime ofender de tal modo seriamente o foro íntimo e secreto do ofendido que
o Estado julgou conveniente, nestes casos — inobstante a gravidade da ofensa perpetrada — que o próprio
ofendido ou o seu representante legal, desejando, tomasse a decisão de iniciar uma ação penal. Dada a natureza
particularista desta modalidade da ação penal, diz-se que ela é privada.

Do exposto, concluímos que há duas espécies de ação penal:

Ação penal pública;


Ação penal privada.

3. Ação Penal Pública – Generalidades:



Como se faz para saber se a ação penal para a apuração de um crime é pública incondicionada, pública
condicionada ou exclusivamente privada?

Quando o CP, ou lei extravagante, após definir o delito, não fizer qualquer referência ou alusão à ação penal
cabível, esta será, com certeza, pública incondicionada. Logo, a regra geral é: os crimes são de ação penal pública
incondicionada, todas as vezes que a lei penal silenciar a respeito do tema.

Por outro lado, após a tipificação do delito, pode a legislação penal referir-se à ação penal pertinente, e então ela
não será pública incondicionada, mas pública condicionada ou exclusivamente privada. Assim, por exceção,
temos que a ação penal ou é pública condicionada ou é privada.

O crime é de ação penal pública condicionada quando houver um dispositivo na legislação penal que, fazendo
referência a ele, expresse-se nesse sentido: “Somente se procede mediante representação”, tendo em vista que a
“representação”, como veremos, é um instituto exclusivo da ação penal pública condicionada à representação.

O crime é de ação penal privada quando houver na legislação penal um dispositivo que, fazendo referência a ele,
expresse-se nesse sentido: “Somente se procede mediante queixa”, haja vista que a “queixa” (também
denominada “queixa-crime”) é instituto exclusivo da ação penal privada.

Esse critério é exposto pelo art. 100 do CP. Diz o caput: “A ação penal é pública, salvo quando a lei expressamente
a declara privativa do ofendido”.

Assim, quando a lei silenciar a respeito da ação penal, ela será pública incondicionada. Será exclusivamente
privada quando o Código mencionar que a titularidade é exclusiva do ofendido. O art. 100, § 1º, do CP, diz que
“a ação pública é promovida pelo Ministério Público, dependendo, quando a lei o exige, de representação do
ofendido ou de requisição do Ministro da Justiça”. Assim, a ação penal será pública condicionada quando a lei
penal mencionar a exigência de representação ou de requisição ministerial.

Por enquanto, fiquemos com a ação penal pública, que se subdivide em duas modalidades:

Ação penal pública incondicionada;


Ação penal pública condicionada;

A legitimidade ativa ad causam para a ação penal pública é, em vista do regramento da Carta Magna (art. 129,
I), privativa do Ministério Público. Mesmo nas hipóteses de delitos perpetrados contra bens, serviços ou interesses
de pessoas jurídicas, de direito público ou privado, da administração pública federal, estadual, distrital ou
municipal, é ao Ministério Público, e não a qualquer das Procuradorias dos entes acima citados, que incumbe a
propositura da ação penal. Logo, os Procuradores Municipais, Estaduais e Federais não têm legitimidade para
impetrarem ação penal pública, podendo, quando muito, comunicar o fato revestido em tese de criminalidade ao
Ministério Público.

3.1 Princípios

Os princípios que regem a ação penal pública, tanto a incondicionada quanto a condicionada, são:

a) Oficialidade

A ação penal pública só pode ser intentada pela instituição a cuja legitimidade a CF/88 expressamente conferiu.
No caso brasileiro, a ação penal pública é promovida, privativamente, pelo Ministério Público (art. 129, I, da

CF/88). Qualquer outro órgão ou instituição (exs.: Defensoria Pública, Procuradorias Federais, Estaduais e
Municipais e Advocacia-Geral da União) está impossibilitada de intentar a ação penal pública, ainda que o bem
jurídico sofrido pelo ataque realizado pelo delito seja de titularidade de alguma das pessoas jurídicas políticas
(União, Estados, Distrito Federal e Municípios). Constituir-se-ia gravíssimo equívoco.

P. ex., afirmar que quando um crime ofende bem jurídico de um Estado da federação a legitimidade da ação penal
é da respectiva Procuradoria: a legitimidade é do Ministério Público estadual. Idem nos crimes que lesam ou
ameaçam bens jurídicos do Município.

No caso de crimes contra bens, interesses ou serviços do Distrito Federal, a legitimidade dação penal pública é
do Ministério Público da União; se de titularidade da União aqueles bens, interesses ou serviços, a legitimidade
também é do Ministério Público da União.

Não há outra resposta: o Ministério Público (estadual ou da União) tem legitimidade privativa na ação penal
pública. Veremos posteriormente, no estudo da ação penal privada supletiva, que tal legitimidade é, como diz a
própria CF/88, art. 129, I, privativa, e não exclusiva.

b) Obrigatoriedade (art. 24 do Código de Processo Penal):

O Ministério Público tem a obrigação de promover a ação penal pública, quando satisfeitos os requisitos legais,
não podendo ele abster-se desse dever jurídico, sob pena de responsabilidade criminal.

Isso não impede, todavia, que, em não tendo em mãos elementos suficientes para o oferecimento da denúncia,
requisite diligências à autoridade policial ou mesmo venha a pedir o arquivamento do inquérito.

Exceção: A transação penal (art. 76 da Lei nº 9.099/95), instituto jurídico de justiça consensual, relativizou o
Princípio da obrigatoriedade (o MP tem a prova da materialidade e os indícios de autoria, mas propõe a transação),
razão pela qual, passou a ser reconhecido como obrigatoriedade mitigada ou discricionariedade regrada.

c) Indisponibilidade (art. 42 e art. 576 do CPP):

Oferecida a denúncia, o Ministério Público não pode desistir de prosseguir na ação penal, assim como não poderá
desistir do recurso que haja interposto. A Lei nº 9099/95 também restringiu este princípio, podendo ser chamado
de princípio da indisponibilidade mitigada, visualizado através da suspensão condicional do processo (art. 89 da
Lei nº 9.099/95).

d) Divisibilidade:

Esse princípio autoriza que, já havendo uma ação penal pública em face de determinado réu, será sempre possível
que o MP intente outra ação pelo mesmo fato em face de outro acusado. Ainda em razão do mesmo princípio, é
possível que o processo seja desmembrado em tantos quantos forem os réus, não sendo necessária a persecução
penal através de uma única ação.

Vale lembrar que a divisibilidade da ação penal não se confunde com uma “carta branca” para o MP se eximir de
ajuizá-la com base em critérios de conveniência e oportunidade, uma vez que o princípio da obrigatoriedade
determina que, sendo o fato punível (não alcançado pela prescrição, por exemplo), seja ajuizada a ação penal
contra todos os agentes da conduta delitiva cujos indícios de autoria sejam perceptíveis;

e) Princípio da intranscendência:

Também conhecido como princípio da pessoalidade ou da personalidade, determina que nenhuma pena passará
da pessoa do condenado (art. 5º, XLV, da CF). Assim, o que se busca com o ajuizamento da ação penal (imposição
de pena) só pode ser perseguido manejando-a contra a própria pessoa que deve cumprir a pena.

f) Princípio da autoritariedade:

Os órgãos responsáveis pela persecução criminal são autoridades publicas. Aplica-se à ação penal publica, tanto
na fase pré-processual, quanto na fase processual. Em relação à ação penal de iniciativa privada, vigora apenas
para a fase pré-processual, já que prevalece o entendimento de que ao particular, pelo menos em regra, não
foram conferidos poderes investigatórios.

3.2 Ação Penal Pública Incondicionada

A ação penal é pública incondicionada quando o seu exercício não se subordina a qualquer condição ou requisito.
Significa que pode ser iniciada sem a manifestação de vontade de qualquer pessoa, e mesmo contra a vontade do
próprio ofendido.

Exemplo: ação penal por crimes contra a vida, furto, roubo, extorsão, estelionato, crimes contra a fé pública e a
larga maioria dos crimes contra a administração pública.

Em tal caso, a autoridade policial, tomando conhecimento da prática de delito que se apura mediante ação penal
pública incondicionada, deverá instaurar, de ofício, inquérito policial, através de portaria, ou fazê-lo mediante
requisição do Juiz ou do Ministério Público (art. 5º do Código de Processo Penal). Após, quando concluído,
os autos são remetidos ao Juiz competente para o caso (art. 10, § 1º, do Código de Processo Penal) e este Juiz
abrirá vista ao Ministério Público. Este, se observar serem suficientes os elementos colhidos na fase inquisitorial,
promoverá a denúncia (art. 24 do CPP).

A denúncia, em linhas gerais, é a petição inicial da ação penal pública, seja incondicionada ou condicionada, e,
no processo comum, deverá ser oferecida no prazo de 15 (quinze) dias, se o réu estiver solto, e de 5 (cinco) dias,
em ele estando preso. Ambos os prazos começam a ser contados da data em que o Ministério Público recebe os
autos do inquérito policial (art. 46, 1ª parte, do Código de Processo Penal), não da conclusão do inquérito policial
ou de seu envio ao Juiz competente.

No caso de réu solto, se o Ministério Público devolver os autos do inquérito para diligências, o prazo começará
a contar da data em que o Ministério Público receber novamente o inquérito (art. 46, 2ª parte, do CPP).

Em estando o réu preso, e não tendo o Ministério Público, no prazo legal de 5 (cinco) dias, oferecido a denúncia,
sua prisão será relaxada, podendo o réu ou qualquer do povo impetrar a seu favor habeas corpus, visto que
ninguém pode passar, preso, mais tempo do que o permitido em lei (art. 648, II, do CPP).

Veja-se que a ilegalidade da prisão, pelo decurso do lapso de 5 (cinco) dias para a propositura da denúncia, não
elide esta: a denúncia, mesmo após o relaxamento da prisão do indiciado, será ofertada.

A denúncia “conterá a exposição do fato criminoso, com todas as suas circunstâncias, a qualificação do acusado
ou esclarecimentos pelos quais se possa identificá-lo, a classificação do crime e, quando necessário, o rol das
testemunhas” (art. 41 do Código de Processo Penal). Vejamos esses 4 (quatro) requisitos:

1º) Exposição do Fato Criminoso: Deve-se fazer uma descrição da infração penal, que não precisa ser
exaustivamente minuciosa (minucioso há de ser o processo criminal vindouro, não a ação penal), mas também
não pode ser sucinta demais. Expor o fato significa discerni-lo talqualmente ocorreu, inclusive se fazendo menção

a eventuais qualificadoras, causas de aumento e de redução de pena, atenuantes e agravantes. Como o Código de
Processo Penal fala também em “todas as suas circunstâncias”, o órgão do Ministério Público necessitará tratar
do local, ano, mês, dia e hora em que a infração foi cometida. A denúncia deve conter, ainda, o modo, o meio
empregado e os motivos aparentes do crime.

Em suma, a peça inaugural da ação penal pública, a denúncia, deve apontar “o seu autor (quis), os meios
empregados no delito (quibus auxiliis), o mal que produziu (quid), os motivos (cur), a maneira como o praticou
(quomodo), o lugar (ubi) e o tempo (quando)”

TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo Penal. São Paulo: Saraiva, 20ª ed., 1998, p. 383, § 4º. Na
mesma página de sua obra, o autor assinala: “Estas expressões contidas em antiga fórmula latina (Quis? Quid?
Ubi? Quibus auxiliis? Cur? Quomodo? Quando?) correspondem à alemã: Wer? Was? Wos? Womit? Warum?
Wie? Wann?, expressivamente designada pelos sete W dourados da criminalística’”.

A falta de circunstância acidental (ex.: data e local do crime), porém, não tem o condão de tornar a denúncia
inepta (orientação pacífica do STF): a denúncia, sem a descrição de tais circunstâncias, não está perfeita, mas
isso não conduz à rejeição da peça, sob um injustificável formalismo do magistrado.

Nos crimes culposos, como os de trânsito e os resultantes de erros médicos, o Ministério Público não poderá se
limitar a aventar que, no caso concreto, “houve imprudência, negligência ou imperícia”. Deverá, isto sim, narrar
o fato, afirmando que havia regras e normas técnicas ou de diligência ordinária a serem observadas e o seu autor,
ao não as ter observado, deu causa ao resultado ilícito.

2º) Qualificação do Acusado: A qualificação do acusado diz respeito aos seus caracteres individuais que os
distinguem das demais pessoas. A qualificação se dá através da atribuição do prenome, nome (bem como seu
apelido, alcunha ou pseudônimo), estado civil, filiação (nome dos pais), profissão e residência.

Visa a qualificação não só a definir contra quem a denúncia é intentada — já que a ação penal não pode ser
oferecida contra pessoa não identificada, não sabida, não conhecida sequer com relação ao nome completo —
como também a evitar que certos constrangimentos e injustiças sejam cometidos, como seria o de se ver
processada pessoa homônima (pessoa que, coincidentemente, tem o mesmo nome do acusado). Imagine-se, p.
ex., uma ação penal intentada contra “José da Silva”, residente em Recife, sem mais se saber dado algum acerca
de sua pessoa ou endereço. Com efeito, uma denúncia nesses termos deve ser considerada inepta, não podendo
ser recebida pelo magistrado.

Observe-se que uma denúncia bem elaborada o é com a qualificação completa do indivíduo contra o qual se
imputa a prática de ilícito penal. No entanto, a despeito da negligência ministerial quanto a algum dado da
qualificação, não é de se rejeitá-la, contanto que os dados que foram objeto de qualificação sejam suficientes para
individualizar a pessoa do réu.

Por exemplo, pode acontecer de o Ministério Público não tomar conhecimento da profissão ou da residência do
réu, e nem por isso a denúncia deixa de preencher os requisitos do art. 41 do Código de Processo Penal, porquanto
os demais dados a seu respeito já sejam mais do que suficientes para caracterizá-lo e identificá-lo, sem dúvidas,
dentre todas as pessoas em sociedade.

Alguns problemas especiais vez ou outra surgem com relação à qualificação dos acusados. Aponte-se, em
primeiro lugar, a denúncia nos crimes societários (geralmente são crimes contra o meio ambiente, contra a ordem
tributária, contra o sistema financeiro, contra a ordem econômica, contra a economia popular e contra as relações
de consumo): o Ministério Público constata que agentes, integrantes de pessoas jurídicas, praticaram, p. ex., crime
contra a ordem econômica. Daí vem um grande problema: Quem o Ministério Público deve denunciar? Todos os

empregadores e empregados da empresa? Apenas os diretores? Apenas os sócios? Apenas alguns


administradores? De fato, é muito difícil, em tais casos, saber-se exatamente quem praticou o ilícito em ensejo.
E o que é pior: muitas vezes é (quase) impossível o Ministério Público, quando do momento do oferecimento da
denúncia, saber com exatidão quem praticou qual conduta, quando, como, com quem e por quais motivos.

Em princípio, pode-se sustentar, com bastante plausibilidade, ser ilegal essa forma de agir do Ministério Público,
podendo-se advogar que o Parquet só pode denunciar quem realmente tiver praticado o injusto penal. Mas,
conforme assinalamos, é muito difícil, senão quase impossível, saber-se tudo e com tanta riqueza de detalhes já
na promoção da ação penal, até porque outras provas provavelmente só surgirão no desenrolar do processo. O
STF já tem se pronunciado, ora no sentido de que é lícito ao Ministério Público oferecer denúncia contra todos
os dirigentes (aí incluídos os diretores, gerentes e administradores), caso não tenha elementos probatórios de que
alguns deles não haja coparticipado no delito, ora no sentido de que o Ministério Público deve denunciar tão
somente os sócios contra os quais tiver indícios suficientes de autoria.
Evidentemente que se, p. ex., uma empresa é composta apenas por três sócios, e o Ministério Público tem certeza
de que apenas dois deles é que praticaram o ilícito penal, só deverá oferecer denúncia contra estes, não contra
todos.

Logo, conclui-se que a jurisprudência, inclusive a do Pretório Excelso, tem admitido (atente-se bem: tem
admitido, o que não quer dizer que sempre admita!) a denúncia indeterminada ou genérica nos crimes societários.
Todavia, essa mesma jurisprudência, em todo e qualquer caso, não admite a condenação genérica.

Ou seja: segundo várias decisões pretorianas, denunciar todos os dirigentes, pode; conforme todas as decisões
pretorianas, não pode o magistrado condenar genericamente, sem haver provas conclusivas contra todos, mas
apenas proferir julgamento de mérito condenatório contra os que realmente praticaram o delito.

Outra questão de maior relevo quanto à ação penal pública tange à denominada denúncia alternativa. Esta diz
respeito à possibilidade de o Ministério Público poder oferecer denúncia indicando que o réu praticou um fato ou
outro. Exemplo: em vista das provas colhidas, não ficou muito assentado se o réu praticou furto simples ou
qualificado; se o crime é de furto ou de apropriação indébita; se o incêndio foi doloso ou culposo. Assim, pela
denúncia alternativa o Ministério Público pediria a condenação por um crime ou pelo outro. A jurisprudência tem
rechaçado esse entendimento, orientando-se no sentido de que a denúncia deve ser certa e determinada, não
podendo o Ministério Público pedir a condenação, p. ex., “por receptação dolosa ou culposa”, mas apenas “por
receptação dolosa” ou apenas “por receptação culposa”. Logicamente que estamos aqui pressupondo que o réu
praticou uma única conduta, da qual o Ministério Público não tem certeza do tipo legal em que se enquadra. Nada
vem a impedir, pois, que, tendo havido concurso de crimes, o Ministério Público denuncie o réu por todos os
ilícitos dele resultantes. Mas então, repare-se, a denúncia não estará formulando pedido alternativo, senão pedido
cumulativo.

3º) Classificação do Crime: A classificação do crime diz respeito não só ao seu nomen juris como também ao
dispositivo penal que foi violado pelo denunciado. O Ministério Público deve, pois, além de expor o fato e
qualificar o acusado, determinar quais os ilícitos que este cometeu e, além disso, indicar os dispositivos legais
nos quais se enquadra o réu. Portanto, não basta o Ministério Público expor que o réu “disse falsamente que a
vítima havia lhe furtado, sabendo-a inocente, daí resultando a instauração de inquérito policial”, senão também,
ao pedir a condenação, deve fazê-lo explicitando o nomen juris (denunciação caluniosa) e o tipo penal respectivo
(art. 339 do Código Penal).

Logo, narra-se o fato delituoso, dá-se lhe o nomen juris e se indica o dispositivo de lei em que se enquadra.

Por acaso o representante do Ministério Público está vinculado à classificação do crime dada pelo Delegado de
Polícia no inquérito? Claro que não! O inquérito é apenas procedimento administrativo pré-processual de caráter

informativo, sendo até, como sabemos, dispensável (interpretação que se apura dos arts. 39, § 5º, e 46, § 1º, do
Código de Processo Penal). Logo, se o Delegado indicia alguém por furto simples, nada impede que o Ministério
Público, discordando dessa classificação, dê-lhe outra (furto qualificado ou roubo, por exemplo). Argumento
ainda mais plausível está em que cabe ao Ministério Público, e não à Autoridade Policial, a formação da opinio
delicti.

E se o Ministério Público tiver se equivocado na classificação do crime? Exemplo: narra um fato que se enquadra
perfeitamente no art. 155 do CP (furto), mas a denúncia requer a condenação por roubo (art. 157 do CP), crime
mais grave; ou narra um estupro (art. 213 do CP), mas pede a condenação por corrupção de menores (art. 218 do
CP), crime menos grave? Em tal caso, a denúncia não será rejeitada. Por quê? Porque, da mesma forma que o
Ministério Público não está vinculado ao inquérito policial, podendo discordar do Delegado de Polícia, o Juiz
não está vinculado à denúncia, podendo dar ao fato outra classificação, desde que a peça acusatória esteja, ao
entender do magistrado, equivocada. Contudo, repare-se que o momento oportuno para o Juiz dar a correta
classificação do delito é a dos arts. 383 e 384 do Código de Processo Penal, isto é, na sentença.

Se o magistrado, no momento já do recebimento da denúncia, desclassificar o crime capitulado pelo Ministério


Público para outro (ex.: o Juiz recebe a denúncia por furto, e não por roubo, como o desejava o Ministério
Público), contra tal decisão caberá impetração de recurso em sentido estrito (art. 581, I, do Código de Processo
Penal), no prazo de 5 (cinco) dias, visto que não receber a denúncia talqualmente formulada equivale a não recebê-
la.

E se o Ministério Público der excessiva classificação ao crime? Por exemplo, o Ministério Público narra um crime
de furto no qual o agente haja entrado no domicílio da vítima e de lá haja subtraído bens. O Ministério Público,
então, denuncia-o por furto em concurso material com violação de domicílio.

Nesse caso, o certo seria a denúncia apenas por crime de furto, porque a violação de domicílio é absorvida, como
antefactum impunível do segundo crime. O Juiz deve rejeitar a denúncia? Não. Recebe-a e, no momento oportuno,
isto é, na prolatação da sentença, faz a correta capitulação da infração, tolhendo o quantum acusatório da
denúncia.

4º) Rol de Testemunhas: Se o Ministério Público tiver interesse em arrolar testemunhas, deve fazê-lo logo na
denúncia, sob pena de preclusão do ato, isto é, não poderá mais o Ministério Público arrolar testemunhas
posteriormente, salvo quando alguma ou algumas das testemunhas arroladas não tiver sido encontrada, quando
então poderá o Ministério Público pedir a substituição. De qualquer sorte, mesmo essa substituição só será
possível se e quando a testemunha não encontrada tiver sido arrolada na denúncia (art. 397 do Código de Processo
Penal). Há, entretanto, exceção a essa regra do arrolamento de testemunhas logo na denúncia. É que os arts. 13 e
18, caput, da Lei nº 4.898/65 (Lei dos Crimes de Abuso de Autoridade), deixam margem a que as testemunhas
não sejam arroladas na denúncia (tanto, que o art. 13 não menciona a necessidade de testemunhas, ao contrário
do art. 41 do Código de Processo Penal) e as testemunhas se apresentação na audiência de instrução e julgamento
mesmo sem intimação (art. 18 da citada lei).

Essenciais, sob pena de rejeição da denúncia, são os requisitos que se referem à exposição do fato criminoso, à
individualização (qualificação) do culpado, a escrita em vernáculo (língua portuguesa), o pedido de citação do
réu, a indicação do Juiz ou Tribunal a que é dirigida a denúncia e a assinatura do Promotor de Justiça. Sem
qualquer dos requisitos acima, a denúncia será inepta, isto é, não será recebida pelo Juiz. Contudo, já houve
decisões recebendo a denúncia mesmo sem o pedido de citação do réu.

Dispensáveis são: rol de testemunhas (até porque o crime pode não ter sido testemunhado) e a classificação do
crime (tipificação, isto é, a determinação de ser o delito tal ou qual e previsto neste ou naquele artigo da legislação

penal brasileira). Porém, ressalte-se: apesar de serem dispensáveis esses dados, uma denúncia bem elaborada é
aquela em que todos os requisitos do art. 41 do Código de Processo Penal estão presentes.

Observe-se, porém, que pela leitura dos arts. 39, § 5º, e 46, § 1º, do Código de Processo Penal, o Ministério
Público pode muito bem promover a denúncia sem a instauração do inquérito policial, se achar que possui em
mãos elementos suficientes sobre indícios da existência de infração penal e de autoria do réu. Isso porque o
inquérito policial, como se sabe, é dispensável.

Com o advento da Lei n.º 11.719/08, houve uma mudança no tocante às hipóteses de rejeição da peça acusatória.
Hoje, de acordo com o artigo 395, do Código de Processo Penal, as hipóteses são:

a) Inépcia da peça acusatória: a denúncia ou a queixa não obedecem aos requisitos legais do artigo 41.

b) Ausência de pressuposto processual (de existência ou de validade) ou de condição da ação.

c) Ausência de justa causa para a ação penal: justa causa é a existência de lastro probatório mínimo
indispensável para o início de um processo criminal, demonstrando a viabilidade da demanda.

3.3 Ação Penal Pública Condicionada

A ação penal é pública condicionada quando o seu exercício depende de preenchimento de requisitos (condições).
Possui duas formas:

Ø Ação penal pública condicionada à representação do ofendido ou de seu representante legal;

Ø Ação penal pública condicionada à requisição do Ministro da Justiça.

Em ambos os casos, a ação penal não pode ser iniciada sem a representação ou a requisição ministerial.

a) Ação Penal Pública Condicionada à Representação



Quando o crime é de ação penal pública condicionada à representação, o Código Penal faz referência expressa à
necessidade dessa condição, empregando a seguinte expressão: “Somente se procede mediante representação”. É
o que ocorre no crime de ameaça. Após descrever o delito (art. 147, caput), o parágrafo único reza: “Somente se
procede mediante representação”. Outros casos: arts. 130, § 2º; 153; 154; 156, § 1º; CP.

Que é representação? É manifestação de vontade do ofendido ou de seu representante legal, no sentido de


movimentar-se o jus persequendi in juditio. Noutras palavras, a representação é um pedido-autorização para que
o Ministério Público possa oferecer a denúncia, sem o qual está, repita-se, não poderá vir a ser intentada. Nos
termos do art. 39 do CPP, “o direito de representação poderá ser exercido, pessoalmente, ou por procurador com
poderes especiais, mediante declaração, escrita ou oral, feita ao juiz, ao órgão do Ministério Público ou à
autoridade policial” (caput). Como se vê, não exige fórmula especial, bastando a manifestação de vontade.

A representação constitui condição de procedibilidade da ação penal pública. Sem ela, o órgão do Ministério
Público não pode iniciar a ação penal mediante o oferecimento de denúncia.

Quais seriam as pessoas legitimadas para oferecer a representação? Em princípio, o direito de representação pode
ser exercido pelo ofendido ou seu representante legal (CPP, art. 24, caput).

E se o ofendido é menor de 18 anos? O direito de representação pode ser exercido pelo seu representante legal
(pai, mãe, tutor, curador, e até, nalguns casos, por vizinho, tio, tia). E se o ofendido não tem representante legal?

Neste caso, a representação poderá ser feita por curador especial, nomeado pelo juiz (CPP, art. 33 – “Se o ofendido
for menor de 18 (dezoito) anos, ou mentalmente enfermo, ou retardado mental, e não tiver representante legal,
ou colidirem os interesses deste com os daquele, o direito de queixa poderá ser exercido por curador especial,
nomeado, de ofício ou a requerimento do Ministério Público, pelo juiz competente para o processo penal”). A
mesma solução ocorre quando o ofendido é enfermo mental ou colidem os seus interesses com os de seu
representante legal (art. 33).

E se o ofendido morre ou é declarado ausente por decisão judicial? Aplica-se o disposto no art. 24, § 1º, do CPP:
“No caso de morte do ofendido ou quando declarado ausente por decisão judicial, o direito de representação
passará ao cônjuge, ascendente, descendente ou irmão”.

O ofendido ou seu representante legal, exercido o direito de representação, pode retratar-se, i. e., retirá-la,
impossibilitando, assim, de o Ministério Público intentar a denúncia? Nos termos do art. 102 do CP, “a
representação é irretratável depois de oferecida a denúncia”. Assim, se o ofendido exerce o direito de
representação, pode retirá-la antes do oferecimento da denúncia. No entanto, como deixa claro o art. 102 do CP,
em sendo oferecida a denúncia, não mais há a possibilidade de retratação. Não se olvide de que, nesse tema, pode-
se falar em retratação da retratação: o ofendido ou seu representante legal, num primeiro momento, oferece a
representação; ainda sem que o Ministério Público ofereça a denúncia, ocorre a retratação; o ofendido, após,
quando o Ministério Público permanece inerte, retrata-se novamente, isto é, volta a oferecer a representação.

Qual o prazo para o exercício do direito de representação? O direito de representação pode ser exercido dentro
do prazo de 6 (seis) meses, contados do dia em que o ofendido ou seu representante legal veio a saber quem é o
autor do crime (CP, art. 103, e CPP, art. 38).

Observe-se que o prazo não é contado a partir da data do crime, nem da data do conhecimento do crime, mas sim
a partir do dia da descoberta de sua autoria, o que não é a mesma coisa. Suponha-se que alguém tenha sido
ameaçado de morte no dia 11 de outubro de 2016, descobrindo-se a autoria no dia 21 de dezembro de 2016. O
prazo para o exercício do direito de representação começa a correr a partir de 21 de dezembro de 2016, e não do
dia 11 de outubro de 2016.

O prazo de 6 (seis) meses é contado nos termos do art. 10 do CP ou do art. 798, § 1º, do CPP? O prazo do art. 10
do CP vem a ser, para o réu, mais benévolo que o do art. 798, § 1º, do CP, e então é ele que deverá ser levado em
consideração (princípio do favor rei). Logo, o prazo é contado incluindo-se o dia do começo. No exemplo que
demos acima, o prazo expira-se no dia 20 de junho de 2017.

O prazo de seis meses pode ser interrompido ou elastecido (prorrogado)? Não, porque se trata de prazo
decadencial, não admitindo causas interruptivas ou suspensivas, pouco importando, até, que o prazo venha a
terminar num sábado, domingo ou feriado. E se o ofendido distribui a representação dentro do prazo, mas ela só
é apresentada ao Promotor Público após os seis meses? A simples entrega da representação em cartório impede
a consumação do prazo decadencial. No concurso de crimes, o prazo decadencial deve ser contado em relação a
cada crime, considerado isoladamente (CP, art. 119). E se o último dia do prazo termina num domingo, prorroga-
se até a segunda-feira? Não, pois o prazo é improrrogável. A consequência do não-exercício do direito de
representação dentro do prazo legal opera a decadência do direito de representação, extinguindo-se a punibilidade
(CP, arts. 103 e 107, IV, 2ª figura, e CPP, art. 38).

b) Ação Penal Pública Condicionada à Requisição do Ministro da Justiça: Como vimos, o exercício da ação
penal pública pode estar condicionado à representação ou requisição ministerial.

É possível que, não obstante o crime atinja um bem de natureza pública, por motivo político, haja conveniência
de que o interesse de ser processado o agente seja julgado pelo Ministro da Justiça. É o caso previsto no art. 7º,
§ 3º, b, do CP, em que a aplicação da lei penal brasileira e o exercício da ação penal dependem de requisição
ministerial.

Quanto à ação penal pública condicionada à requisição ministerial, os dois únicos casos previstos no CP são os
dos arts. 7º, § 3º, b, e 145, parágrafo único, quando se trata de crime contra a honra de chefe de governo
estrangeiro.

Quando o agente comete calúnia ou difamação contra o Presidente da República, trata-se de crime contra a
Segurança Nacional, encontrando-se revogado o art. 141, I, 1ª parte, pelo que não se aplica o disposto no art. 145,
parágrafo único, 1ª parte, do CP (Lei n. 7.170, de 14/12/1983, art. 26).

Não existe prazo para seu oferecimento, e nada impede a retratação, embora razões de ordem política e de
conveniência impeçam.

A presença de requisição do Ministro da Justiça é condição de procedibilidade das ações que a ela são
condicionadas, de forma que a denúncia sem a requisição deve ser rejeitada

4. Ação Penal Privada - Generalidades

Quando a titularidade da ação penal pertence ao particular, i. e., quando o direito de iniciá-la pertence à vítima
ou seu representante legal, denomina-se ação penal privada. Possui três formas:

a) Ação penal exclusivamente privada;


b) Ação penal personalíssima;
c) Ação penal privada subsidiária da pública.

A primeira espécie ocorre quando o CP determina que a ação penal é de titularidade privativa do ofendido ou de
seu representante legal. Exemplo: crime do art. 218 do CP (corrupção de menores). Nada, entretanto, impede a
aplicação do art. 31 do Código de Processo Penal, quando falecido ou declarado ausente o ofendido. Na ação
penal privada subsidiária da pública, embora a ação penal continue de natureza pública, permite-se que o
particular a inicie quando o Ministério Público não a propõe no prazo legal. Exemplo: num roubo, o Promotor
Público não ofereça denúncia dentro do prazo legal (CPP, art. 46, caput). Permite-se que o ofendido ou seu
representante legal dê início à ação penal (CP, art. 100, § 3º).

4.1 Princípios

Os princípios que regem a ação penal privada são:

a) Oportunidade ou Conveniência:

O titular da ação penal privada não tem obrigação de intentá-la, isto é, ao contrário do que acontece na ação penal
pública, que se rege pelo princípio da obrigatoriedade, o ofendido e seu representante legal não têm obrigação
alguma de impetrar queixa-crime. Esta será, ou não, intentada, conforme sua livre conveniência. Isso é facilmente
constatado quando o titular renuncia ao direito de queixa, que causa a extinção da punibilidade (art. 107, V, do
CP).

b) Disponibilidade:

Ainda quando já intentada a queixa-crime, pode o seu titular desistir no prosseguimento da mesma, tal como
acontece no perdão do ofendido, que é causa extintiva da punibilidade (art. 107, V, do CP), ocorrendo o mesmo
no recurso que haja interposto. Também aqui o princípio é diverso daquele da ação penal pública.

c) Indivisibilidade

Esse princípio é idêntico ao da ação penal pública: não pode o ofendido escolher contra quem quer intentar a
queixa, no caso de coautoria.

d) Princípio da intranscendência:

Também conhecido como princípio da pessoalidade ou da personalidade, determina que nenhuma pena passará
da pessoa do condenado (art. 5º, XLV, da CF). Assim, o que se busca com o ajuizamento da ação penal (imposição
de pena) só pode ser perseguido manejando-a contra a própria pessoa que deve cumprir a pena.

4.2 Ação Penal Exclusivamente Privada

Quando o crime é de ação penal exclusivamente privada, o CP, ou lei penal especial, após descrever o delito, faz
referência à expressão: “Somente se procede mediante queixa”. A queixa ou queixa-crime, é a peça inicial da
ação penal privada. Exemplo: no crime de exercício arbitrário das próprias razões (art. 345 do CP), após a
definição legal (caput), o CP diz: “Se não há emprego de violência, somente se procede mediante queixa”
(parágrafo único). Outros casos: arts. 145, caput; 161, § 3º; 167 todos do CP.

A ação penal privada é promovida mediante queixa do ofendido ou de seu representante legal (CP, art. 100, § 2º,
e CPP, art. 30). Nela, o ofendido ou seu representante legal se denomina querelante; o réu, querelado.

A palavra queixa é vulgarmente pronunciada para fazer significar a notitia criminis, o que tecnicamente é um
equívoco: notitia criminis é o ato de levar à autoridade policial o conhecimento da prática de um ilícito penal;
queixa é a inaugural da ação penal privada. São dois institutos completamente diferentes. A queixa também não
se confunde com o requerimento de instauração de inquérito policial por crime de ação penal privada (CPP, art.
5º, § 5º).

O ofendido menor de 18 anos não pode impetrar a queixa por ausência de legitimidade ad processum (capacidade
para estar em juízo), devendo o representante legal fazê-lo (pai, mãe, tutor, curador, padrasto, madrasta, etc.).

Surge uma indagação: E se o ofendido é menor de 18 anos e não tem representante legal? O juiz nomear-lhe-á
um curador especial para o fim de oferecer queixa (CPP, art. 33 – “Se o ofendido for menor de 18 (dezoito) anos,
ou mentalmente enfermo, ou retardado mental, e não tiver representante legal, ou colidirem os interesses deste
com os daquele, o direito de queixa poderá ser exercido por curador especial, nomeado, de ofício ou a
requerimento do Ministério Público, pelo juiz competente para o processo penal”), não estando o curador
obrigado a iniciar a ação penal. Fosse diferente e então a lei estaria de certa forma impondo a obrigação de o
curador oferecê-la, o que se contrapõe ao princípio da conveniência. A mesma solução ocorre quando o ofendido
é enfermo mental ou colidem os seus interesses com os de seu representante legal.

E se o ofendido morre ou é declarado ausente por decisão judicial? O direito de oferecer queixa passa ao cônjuge,
ascendente, descendente ou irmão (CP, art. 100, § 4º, e CPP, art. 24, § 1º), ressalvados os casos dos arts. 236,
parágrafo único, do CP.

Em alguns crimes pode aparecer a figura da ação penal personalíssima: é aquela ação penal privada que só
pode ser intentada exclusivamente pelo ofendido, e por mais ninguém, ainda que ele venha a falecer
posteriormente. Esses crimes, ao menos do CP, são o de induzimento a erro essencial e ocultação de impedimento
(art. 236, parágrafo único). Ação penal personalíssima é a ação penal exclusivamente privada que não admite a
aplicação do art. 31 do Código de Processo Penal.

A queixa, que equivale à denúncia da ação penal pública, deve ser apresentada em juízo no prazo de 6 (seis)
meses, contados a partir da data do conhecimento da autoria do crime pelo ofendido ou seu representante legal
(CP, art. 103, e CPP, art. 38), assim como acontece com a representação. Não a supre o requerimento apresentado
à autoridade policial:

Uma coisa é o requerimento do ofendido ou de seu representante legal no sentido de ser instaurado o inquérito
policial (requerimento de instauração de peça inquisitorial), outra é a queixa, oferecida em juízo, através da qual
tem início a ação penal.

Qual a consequência do não-exercício do direito de queixa dentro do prazo legal? Ocorre a extinção da
punibilidade pela decadência do direito de queixa (CP, arts. 103 e 107, IV, 2ª figura, e CPP, art. 38).

Como já esclarecido o art. 41 do Código de Processo Penal, a queixa deve conter a exposição do fato criminoso,
com todas as suas circunstâncias, a qualificação do querelado ou esclarecimentos pelos quais se possa identificá-
lo, a qualificação legal do crime e, quando necessário, o rol de testemunhas.

4.3 Ação Penal Privada Subsidiária da Pública:

A ação penal privada subsidiária da pública é prevista no art. 100, § 3º, do CP: “A ação privada pode intentar-se
nos crimes de ação pública, se o Ministério Público não oferece denúncia no prazo legal”. Ultrapassado o prazo
sem o oferecimento da denúncia (em regra, 15 dias para réu solto; 5 dias para réu preso), o ofendido ou seu
representante legal tem o lapso de 6 (seis) meses para intentar a ação penal subsidiária por meio de queixa
substitutiva, contados a partir do dia em que se esgotou o prazo para o Promotor de Justiça oferecer a ação penal
pública (CP, art. 103, in fine, e CPP, art. 38, in fine).

Exemplo: praticado um homicídio ou um furto, não estando o indiciado preso, o Promotor de Justiça, a partir da
data do termo de vista, permanece com os autos do inquérito policial por mais de 15 (quinze) dias, sem requerer
qualquer medida. Cabe a queixa substitutiva da denúncia, iniciando-se a ação penal. Outro exemplo: encontrando-
se preso o indiciado por delito de tentativa de roubo, o Ministério Público deixa de oferecer a denúncia nos 5
(cinco) dias subsequentes ao recebimento dos autos de inquérito. Além do cabimento de relaxamento de prisão
(salvo se o juiz decretar a prisão preventiva), o ofendido ou seu representante legal poderá intentar, no prazo de
6 (seis) meses contados da data em que expirou o prazo para o Parquet, queixa substitutiva.

A ação penal privada subsidiária da pública só cabe quando o órgão do Ministério Público ultrapassa, inerte, o
prazo para o oferecimento da denúncia.

Não tem cabimento nos casos de pedido de arquivamento do inquérito policial ou das peças de informação e
quando o Promotor Público requer, tratando-se de indiciado solto, a devolução dos autos à autoridade policial no
sentido de realização de diligência imprescindível para o oferecimento da denúncia.

E se o ofendido ou seu representante legal não intentar a queixa substitutiva no prazo de 6 (seis) meses? Em tal
caso, decai ele de seu direito, mas isso não faz extinguir a punibilidade, porque o Ministério Público não perde a
titularidade da ação penal pública, e a oferecerá na oportunidade em que tiver se presenciado a decadência.

5. Ação Penal dos Crimes Complexos

Nos termos do que dispõe o art. 101 do CP:

Art. 101. Quando a lei considera como elemento ou circunstâncias do tipo legal fatos que, por si mesmos,
constituem crimes, cabe a ação pública em relação àquele, desde que em relação a qualquer destes se deva
proceder por iniciativa do Ministério Público.”

O art. 101 do CP cuida dos chamados crimes complexos, que são os delitos em cujos tipos penais há duas ou
mais elementares que por si sós constituem crimes e, igualmente, são os crimes em cujo tipo penal uma elementar
e uma circunstância sua apresentam-se, por si sós, como crimes. Como exemplo dos primeiros, cite-se o roubo
(art. 157 do CP), que se constitui do furto e do constrangimento ilegal, que, por si sós, como se sabe, já configuram
delitos (arts. 155 e 146, respectivamente, do CP). Como exemplos dos segundos há os delitos qualificados pelo
resultado, como o latrocínio (art. 157, § 3º, in fine, do CP), em que o roubo se apresenta como elementar e o
homicídio como qualificadora, e a lesão corporal seguida de morte (art. 129, § 3º, do CP), que se constitui da
lesão corporal (art. 129 do CP) e do homicídio culposo (art. 121, § 3º, do CP).

Pela redação do art. 101 do CP chega-se à conclusão de que, no crime complexo, desde que seja de ação penal
pública qualquer dos fatos que fazem parte do seu tipo penal, todo o tipo penal do crime complexo virá a ser de
ação penal pública. De qualquer sorte, não haveria, decerto, muito trabalho em se saber se o crime complexo é,
ou não, de ação penal pública, em vista do critério que determina a ação penal aplicável, ou seja, basta verificar
se a norma tratou da ação penal. Se não tratou, o crime é de ação penal pública; se tratou, é privada a ação.

Exemplos:

a) Injúria real com lesão corporal (CP, art. 140, § 2º): a injúria é de ação penal privada; o crime de lesão
corporal, de ação pública. A injúria real com lesão corporal, é de ação penal pública conforme determina o art.
145, caput. Logo, é prescindível o princípio do art. 101;

6. Ação Penal no Concurso de Crimes

Como será processado o delinquente que tiver praticado dois crimes em concurso (formal ou material) ou
conexos, um de ação penal pública e outro de ação penal privada?

Lembremos que quanto aos crimes de ação penal pública o titular legítimo é o Ministério Público, e não de quem
quer que seja, nem mesmo do ofendido ou de seu representante legal. No tocante aos crimes de ação penal privada
o Ministério Público não é parte legítima, e sim o ofendido e seu representante legal.

Nesses casos será imprescindível que se forme um litisconsórcio ativo entre o Promotor de Justiça e o titular do
jus querelandi, para que ambos os delitos sejam objeto de acusação e possam ser apreciados conjuntamente na
sentença, aplicando-se o disposto no art. 77, II, do Código de Processo Penal. Cada ação penal é promovida por
seu titular, nos termos do art. 100, caput, do CP.

7. Ação Penal nos Crimes Contra a Honra

Código Penal:

Os crimes contra a honra são, no Código penal brasileiro, a CALÚNIA (art. 138), a DIFAMAÇÃO (art. 139) e
a INJÚRIA (art. 140).

Caluniar é imputar falsamente a alguém fato definido como crime (pena – detenção, de 6 meses a 2 anos, e
multa).

Difamar é imputar a alguém fato ofensivo à sua reputação (pena – detenção, de 3 meses a 1 ano, e multa).

Injuriar é ofender a dignidade ou o decoro de alguém (pena – detenção, de 1 a 6 meses, ou multa).

Os crimes contra a honra são, regra geral, de ação penal privada, devendo o ofendido ou seu representante legal
oferecer a queixa-crime no prazo máximo de 6 meses, contados da data do conhecimento da autoria do fato, sob
pena de decadência, causa extintiva da punibilidade do agente (art. 107, IV, 2ª figura, do CP).

Em casos excepcionais, entretanto, ação penal é pública, podendo ser ela, a depender da hipótese fática,
incondicionada, condicionada à representação do ofendido ou condicionada à requisição do Ministro da Justiça.

Os crimes contra a honra, portanto, admitem todas as modalidades de ação penal, uma como regra (ação penal
privada) e as demais como exceção.

Vejamos o regramento da ação penal nos crimes contra a honra, no art. 145 do CP, verbis:

Art. 145. Nos crimes previstos neste Capítulo somente se procede mediante queixa, salvo quando, no caso do art.
140, § 2º, da violência resulta lesão corporal.

Parágrafo único. Procede-se mediante requisição do Ministro da Justiça, no caso do n.º I do art. 141, e mediante
representação do ofendido, no caso do n.º II do mesmo artigo.

Assim, o caput do art. 145 de pronto estabelece a regra geral, ao determinar que “nos crimes previstos neste
Capítulo [isto é, os crimes contra a honra] somente se procede mediante queixa”. Como a queixa é a inaugural da
ação penal privada, quer-se com isso dizer que os delitos contra a honra, de ordinário, procedem-se tão-somente
mediante queixa.

Na parte final do art. 145, caput, temos uma ressalva (exceção à 1ª parte), ao prescrever que no caso do crime
definido no art. 140, § 2º, se resultar lesão corporal a ação não será mais privada, e sim pública. O art. 140, § 2º,
trata da “injúria real”, assim definida:

Art. 140. § 2º. Se a injúria consiste em violência ou vias de fato, que, por sua natureza ou pelo meio empregado,
se considerem aviltantes:
Pena — detenção, de 3 (três) meses a 1 (um) ano, e multa, além da pena correspondente à violência.

Dá-se a injúria real quando o agente, para humilhar, zombar ofender, achincalhar, menosprezar, denegrir,
desprestigiar, desrespeitar a vítima em sua dignidade ou decoro, utiliza-se de violência (crime de lesões corporais
– art. 129 do CP) ou da contravenção de vias de fato (art. 21 da Lei de Contravenções Penais) que, por sua
natureza ou pelo meio empregado, considerem-se aviltantes. Exemplos de injúria real: jogar objetos, excremento
ou bebida no rosto da vítima; chicoteá-la em público, jogar tinta sobre ela, cuspir em seu rosto; puxar-lhe a barba,
apalpar-lhe certas partes do corpo (se o fato não constituir crime de atentado violento ao pudor); tirar-lhe a roupa
em público; empurrar-lhe o tempo todo; montar sobre ela, como se fosse um animal.

Em havendo simples contravenção penal de vias de fato, esta é absorvida pela injúria real, e o crime é de ação
penal privada. Se da injúria decorre lesão corporal, há que se observar se ela é leve (art. 129, caput, do CP) ou
grave (art. 129, § 1º ou 2º): se leve, a ação penal é pública condicionada à representação do ofendido ou de seu

representante legal, consoante se dessume do art. 88 da Lei n.º 9.099/95; se grave, a ação penal é pública
incondicionada.

Passemos ao parágrafo único do art. 145 do CP. Ele determina que só se procede mediante requisição do Ministro
da Justiça a ação penal no caso de crime contra a honra praticado contra as pessoas descritas no art. 141, I, e
mediante representação do ofendido no caso do inciso II do mesmo artigo. Transcrevamos os incisos:

Art. 141. As penas cominadas neste Capítulo aumentam-se de um terço, se qualquer dos crimes é cometido:
I – contra o Presidente da República, ou contra chefe de governo estrangeiro;
II – contra funcionário público, em razão de suas funções.

Observe-se, porém, que os crimes contra a honra do Presidente da República são os definidos na Lei n.º 7.170/83,
cujo art. 26, por sinal, derrogou o art. 141, I, do CP. Todavia, continua a ação penal por crime contra a honra do
Presidente da República sendo pública condicionadas à representação do Ministro da Justiça.

Será pública condicionada à representação do funcionário público a ação penal quando o delito contra ele dirigido
é em razão de suas funções (se o delito nada tiver a ver com o exercício de função pública, o funcionário público
é tratado como qualquer cidadão, devendo, se lhe aprouver, intentar ação penal privada).

Exceção: Os crimes contra a honra do funcionário público em regra são de ação penal condicionada, mas podem
ser de ação penal privada segundo o entendimento da súmula 714 do STF.

Capítulo VI - Da Prisão e da Liberdade Provisória

1. Introdução

Na lição do doutrinador Fernando Capez, "prisão é a privação de liberdade de locomoção determinada por ordem
escrita da autoridade competente ou em caso de flagrante delito". A prisão é um "castigo" imposto pelo Estado
ao condenado pela prática de infração penal, para que este possa se reabilitar visando restabelecer a ordem jurídica
violada.

Embora seja este o sentido técnico da palavra, no direito pátrio ela possuí vários significados diferentes, tais como
pena privativa de liberdade; o ato da captura; a própria custódia etc.

O direito divide a prisão em diferentes espécies, são elas:

a) Prisão-pena (castigo ou definitiva): imposta depois do trânsito em julgado da sentença penal condenatória.
Não tem natureza acautelatória, já que visa à satisfação da pretensão executória do Estado.

b) Prisão sem pena (processual ou cautelar): tem natureza processual, e assegura o bom andamento da
investigação e do processo penal, evitando, ainda, que o réu volte a cometer crimes, se solto. Deve satisfazer
os requisitos do "fumus bonis juris" e "periculum in mora". Nela estão incluídas a prisão em flagrante; a prisão
preventiva e a prisão temporária.

c) Prisão civil: não se refere à infração penal, mas sim ao não cumprimento de uma obrigação civil. Após a
inserção no ordenamento jurídico pátrio do Pacto de San José da Costa Rica, entende-se que ela apenas é
cabível no caso do devedor de prestações alimentícias.

d) Prisão administrativa: destina-se a forçar o devedor a cumprir sua obrigação. Nos termos da Súmula 280,
do STJ, "o art. 35 do Decreto-Lei n° 7.661, de 1945, que estabelece a prisão administrativa, foi revogado pelos
incisos LXI e LXVII do art. 5° da Constituição Federal de 1988".

e) Prisão disciplinar: é a estabelecida pelo art. 5º, LXI, 2ª parte, da CF, o qual afirma que "ninguém será preso
senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada de autoridade judiciária competente, salvo nos
casos de transgressão militar ou crime propriamente militar, definidos em lei".

f) Prisão para averiguação: é aquela feita sem autorização e apenas para investigação (exceto nos casos de
flagrante). É proibida pela lei por configurar abuso de autoridade.

Via de regra, a prisão somente pode ser efetuada por ordem escrita da autoridade competente, que é a judiciária,
por isso, diz-se que a prisão está submetida a clausula de reserva jurisdicional, porém existem exceções legais
como, por exemplo, nos casos de flagrante delito; quando decorrente de transgressão militar ou de crime
propriamente militar; quando for efetivada no curso do estado de defesa ou de estado de sítio; bem como na
recaptura do foragido.

2. Mandado de prisão

É o instrumento emanado da autoridade competente para a execução da prisão. Segundo o artigo 285, parágrafo
único, do Código de Processo Penal: "O mandado de prisão: a) será lavrado pelo escrivão e assinado pela
autoridade; b) designará a pessoa, que tiver de ser preso, por seu nome, alcunha ou sinais característicos; c)
mencionará a infração penal que motivar a prisão; d) declarará o valor da fiança arbitrada, quando afiançável a
infração; e) será dirigida a quem tiver qualidade para dar-lhe execução".

Em virtude dos requisitos supra expostos, percebe-se que haverá ilegalidade quando o instrumento da prisão for
assinado por juiz impedido. Será nulo e inexequível o mandado expedido por autoridade incompetente ou que
não esteja assinado pelo juiz.

O crime deve ser detalhadamente descrito, para que a pessoa saiba o porquê está sendo capturada. Deve, ainda,
arbitrar o valor da fiança, em sendo o crime afiançável, para que o capturado possa obter de imediato sua liberdade
provisória.

O mandado será expedido em uma duplicata e, após a prisão, o executor entregará ao preso um dos exemplares,
declarando o dia, a hora e o lugar da diligência, bem como com o motivo da detenção. Na via que ficar com o
executor, exige-se um visto do preso no verso. Se ele se recusar, não souber ou não poder escrever, referido fato
será mencionado em declaração e assinado por duas testemunhas.

A ordem poderá ser cumprida em qualquer dia e horário desde que respeite a inviolabilidade do domicílio.

Após ser detido, o preso será informado de seus direitos, podendo, inclusive, ficar calado sem que isso importe
em prejuízo a defesa. Ainda lhe será assegurada a assistência da família e de um advogado, tendo direito a
identificação dos responsáveis pela sua prisão. Caso o autuado não informe o nome de seu advogado, será
comunicado à Defensoria Pública.

Não é permitida a prisão do eleitor nos 5 dias que antecedem a eleição e nas 48 horas posteriores a ela, salvo em
caso de flagrante delito ou em cumprimento de sentença penal condenatória por crime inafiançável.

No momento da apreensão, a lei apenas admite o uso da força se esta for extremamente necessária, quando houver
resistência ou tentativa de fuga do preso, sendo que ela não poderá exceder o indispensável ao cumprimento do

mandado. Havendo excesso este constituirá ilícito penal.

Em relação ao uso de algemas, o STF, em agosto de 2008, editou a Súmula Vinculante n.º 11, a qual preceitua
que “Só é lícito o uso de algemas em caso de resistência e de fundado receio de fuga ou de perigo à integridade
física própria ou alheia, por parte do preso ou de terceiros, justificada a excepcionalidade por escrito, sob pena
de responsabilidade disciplinar civil e penal do agente ou da autoridade e de nulidade da prisão ou do ato
processual a que se refere, sem prejuízo da responsabilidade civil do Estado”.

3. Prisão em domicílio

Estabelece a CF, em seu art. 5º, inciso XI, que "a casa é asilo inviolável do indivíduo, ninguém nela podendo
penetrar sem consentimento do morador, salvo em caso de flagrante delito ou desastre, ou para prestar socorro,
ou, durante o dia, por determinação judicial".

Sendo assim, mesmo que haja mandado de prisão, este só poderá ser cumprido no domicílio durante o dia, ou a
noite com o consentimento do morador. Neste sentido, dispõe o artigo 150, § 3º e incisos, do Código Penal que
não constitui crime a entrada ou permanência em casa alheia ou em suas dependências durante o dia, desde que
observadas as formalidades legais, para efetuar prisão ou outras diligências processuais, ou em qualquer hora do
dia se houver flagrante ou ameaça iminente de crime.

Para maioria dos doutrinadores, no processo penal considera-se dia o período que vai das 6 às 18 horas. No
período que vai das 18 às 6 horas, por seu turno, o executor não poderá invadir a casa, devendo esperar o
amanhecer para dar cumprimento ao mandado e, caso adentre na residência, estará o executor praticando crime
de abuso de autoridade.

4. Prisão em perseguição

Nos termos do artigo 290, do CPP, pode o executor capturar o suspeito em qualquer parte do território nacional,
mesmo que não sendo de sua jurisdição, desde que a perseguição não tenha sido interrompida.

A perseguição ocorre quando o executor avista o condenado e o persegue, mesmo que depois o perca de vista;
ou quando sabe, por fontes fidedignas, que o capturado passou, há pouco tempo, em determinada direção.
Apreendido, o executor deverá apresentar o acusado, imediatamente, a autoridade local, que lavrará o auto e
providenciará a remoção do preso para sua apresentação ao juiz expedidor do mandado.

5. Prisão fora do território do juiz

Determina o art. 289, do CPP, que "quando o réu estiver no território nacional, em lugar estranho ao da jurisdição,
será deprecada a sua prisão, devendo constar da precatória o inteiro teor do mandado", seu parágrafo primeiro
afirma que "havendo urgência, o juiz poderá requisitar a prisão por qualquer meio de comunicação, do qual deverá
constar o motivo da prisão, bem como o valor da fiança se arbitrada.

O juiz processante deverá providenciar a remoção do preso no prazo máximo de 30 (trinta) dias, contados da
efetivação da medida. O juiz competente providenciará o imediato registro do mandado de prisão em banco de
dados mantido pelo Conselho Nacional de Justiça para essa finalidade.

Qualquer agente policial poderá efetuar a prisão determinada no mandado de prisão registrado no Conselho
Nacional de Justiça, ainda que fora da competência territorial do juiz que o expediu. Poderá, também, efetuar a
prisão decretada, ainda que sem registro no Conselho Nacional de Justiça, adotando as precauções necessárias
para averiguar a autenticidade do mandado e comunicando ao juiz que a decretou, devendo este providenciar, em

seguida, o registro do mandado no banco de dados mantido pelo Conselho Nacional de Justiça.

Efetuada a prisão, esta deverá ser comunicada imediatamente ao juiz do local de cumprimento da medida o qual
providenciará a certidão extraída do registro do Conselho Nacional de Justiça e informará ao juízo que a decretou.

6. Custódia

A prisão só poderá ser realizada com a apresentação do mandado ao diretor do estabelecimento penitenciário ou
ao carcereiro, a quem será entregue um recibo de entrega do preso com declaração de dia e hora da captura. Em
não sendo observadas essas formalidades a custódia poderá constituir crime de abuso de autoridade.

Estabelece o art. 300 do CPP: "As pessoas presas provisoriamente ficarão separadas das que já estiverem
definitivamente condenadas.

7. Prisão especial

Preceitua o artigo 295, do CPP, que "Serão recolhidos a quartéis ou a prisão especial, à disposição da autoridade
competente, quando sujeitos a prisão antes de condenação definitiva: I - os ministros de Estado; II - os
governadores ou interventores de Estados ou Territórios, o prefeito do Distrito Federal, seus respectivos
secretários, os prefeitos municipais, os vereadores e os chefes de Polícia; III - os membros do Parlamento
Nacional, do Conselho de Economia Nacional e das Assembleias Legislativas dos Estados; IV - os cidadãos
inscritos no "Livro de Mérito"; V – os oficiais das Forças Armadas e os militares dos Estados, do Distrito Federal
e dos Territórios; VI - os magistrados; VII - os diplomados por qualquer das faculdades superiores da República;
VIII - os ministros de confissão religiosa; IX - os ministros do Tribunal de Contas; X - os cidadãos que já tiverem
exercido efetivamente a função de jurado, salvo quando excluídos da lista por motivo de incapacidade para o
exercício daquela função; XI - os delegados de polícia e os guardas-civis dos Estados e Territórios, ativos e
inativos", além das hipóteses previstas nas legislações especiais.

A prisão especial consiste no recolhimento do preso em estabelecimento diverso daquele que abriga o preso
comum, sem ferir o preceito constitucional de que todos são iguais perante a lei, posto que essa prerrogativa não
é em razão da pessoa que está sendo detida, mas sim em função do cargo que ela momentaneamente ocupa.

A prisão especial perdurará enquanto não houver transito em julgado da sentença condenatória. Em havendo
sentença, o condenado o preso especial será recolhido ao estabelecimento penal comum, porém ficará em
dependência separada. Vale lembrar, ainda, que os demais deveres e direitos dos presos especiais serão os
mesmos dos presos comuns.

Se não houver possibilidade de se efetuar a prisão especial por falta de estabelecimento diverso do que abriga o
preso comum, pode o preso especial, mediante autorização do juiz e ouvido o representante do Ministério Público,
recolher-se em seu domicílio, é a chamada prisão provisória domiciliar. O acusado não poderá afastar de sua
residência senão com consentimento judicial, e ficará sob vigilância policial, que será exercida com discrição e
sem constrangimento para o acusado bem como para sua família.

8. Conceito de Prisão em Flagrante

É uma prisão que consiste na restrição da liberdade de alguém, independente de ordem judicial, possuindo
natureza cautelar, desde que esse alguém esteja cometendo, tenha acabado de cometer ou seja perseguido (ou
mesmo encontrado) em situação (ou na posse de elementos) que faça presumir o cometimento da infração penal
(CPP, art.302). É uma forma de autodefesa da sociedade.

A expressão flagrante vem da expressão latim “flagare”, que significa queimar ou arder. É o que crime que está
acontecendo ou acabou de acontecer. É o crime evidente por si mesmo.

Por sua vez, a lavratura do APF (auto de prisão em flagrante) como veremos adiante é um ato administrativo
complexo, pois inicialmente independe de manifestação jurídica.

9. Legitimidade na Prisão em Flagrante

9.1. Legitimidades ativa

Qualquer pessoa do povo poderá realizar a prisão em flagrante, estando, nesse caso, no exercício regular de um
direito, tratando a hipótese de um flagrante facultativo (CPP, art.301).

Já as autoridades policiais e seus agentes deverão realizar a prisão em flagrante, estando, nesse caso, no estrito
cumprimento de um dever legal, sendo que aqui ocorre um flagrante obrigatório ou compulsório (CPP, art.301).

Lembrando que a Prisão em Flagrante no Brasil é um ato administrativo complexo, sujeito ao crivo do Poder
Judiciário. Embora a condução coercitiva possa ser feita por qualquer pessoa (seja de forma facultativa ou
obrigatória), somente a “autoridade competente” poderá lavrar o chamado APF (auto de prisão em flagrante),
encerrando o conduzido/autuado no cárcere (GOMES e MARQUES, 2011, p.130).

Quanto à legitimidade ativa e a “autoridade competente”, existem algumas modalidades de flagrantes:

a) Flagrante policial: na maioria das vezes, a autoridade policial será o delegado de polícia. Mas existem outros
tipos de autoridades (CPP, art.304);

b) Flagrante militar: no caso de infração militar, o auto de prisão em flagrante é lavrado pela autoridade policial
militar encarregada (Tenente, Capitão, etc);

c) Flagrante parlamentar: O poder de polícia da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, em caso de crime
cometido nas suas dependências, compreende, consoante o regimento interno, a prisão em flagrante do
acusado e a realização do inquérito (Súmula 397 do STF);

d) Flagrante judicial: Se o crime for cometido na presença do Juiz de direito ou contra este, no exercício de
suas funções, será ele o competente para lavrar o auto (CPP, art.307, parte final);

Dentre outras.

9.2. Legitimidade passiva

Noutra senda, registre-se que qualquer cidadão pode ser autuado em estado de flagrante de delito. Salvo algumas
exceções.

1ª Exceção: diz respeito às pessoas que não podem ser presas em estado de flagrante. São elas:

1-Menor de 18 anos (menor é apreendido – art.106 do ECA);


2-Diplomatas estrangeiros (Decreto nº 61.078/67);
3-Presidente da República (art. 86. § 3º, CF/88);
4- Agente que socorre a vítima de trânsito (art. 301 da Lei n. 9.503/97), para evitar a fuga e estimular o socorro;

5- Aquele que se apresenta espontaneamente à autoridade após o cometimento do delito. Nada impede, entretanto,
que lhe seja decretada a prisão preventiva, se necessário e adequado.

2ª Exceção: diz respeito às pessoas que não podem ser presas em estado de flagrante, salvo quanto aos Crimes
Inafiançáveis. São elas (Ibidem, p.541):
1- Membros do Congresso Nacional (art.53, §2º do CF/88);
2- Deputados estaduais (art.27, §1º c/c art.53, §1º, da CF/88);
3- Magistrados (art.33, II, LC nº 35/79 - LOMAN);
4- Membros do MP (art.40, III, Lei nº 8.625/93 - LONMP);
5- Advogados no exercício da profissão (art.7º, Lei 8.906/94)

10. Espécies de Prisão em Flagrante

No Brasil, temos várias espécies de prisão em flagrante de delito. Algumas permitidas pela Legislação vigente,
outras repudiadas pela Jurisprudência dos Tribunais pátrios. Em uma brevíssima análise, podemos destacar as
seguintes (CAPEZ, 2011, p.310):

a) Flagrante próprio: é o flagrante propriamente dito, real ou verdadeiro. O agente é preso enquanto está
cometendo a infração penal ou assim que acaba de cometê-la (art. 302, incs. I e II, do Código de Processo Penal).

b) Flagrante impróprio: é o flagrante irreal ou “quase-flagrante”. O agente é perseguido “logo após” cometer
o ilícito, em situação que faça presumir ser ele o autor da infração (art. 302, inc. III, do Código Penal). A
expressão “logo após” abarca todo o espaço de tempo para a polícia chegar ao local, colher as provas do delito
e iniciar a perseguição. O conceito de perseguição por sua vez, encontra-se eriçado no art.290, §1º, do CPP.

c) Flagrante presumido: é o flagrante ficto ou assimilado. O agente do delito é encontrado, “logo depois”, com
papéis, instrumentos, armas ou objetos que fazem presumir ser ele o autor do delito (art. 302, inc. IV, do Código
de Processo Penal). Segundo o autor Guilherme de Souza Nucci (2011, p.608), “a jurisprudência do STJ tem
admitido um prazo razoável de até 24 horas como logo depois (RT 830/577)”. De qualquer forma, cada caso
deve ser analisando com ponderação.

d) Flagrante facultativo: é a faculdade que qualquer um do povo tem de efetuar ou não a prisão em flagrante,
conforme os critérios de conveniência e oportunidade (art.301, 1ª parte, do CPP).

e) Flagrante compulsório: as autoridades policiais e seus agentes têm o dever de efetuar a prisão em flagrante,
não possuindo qualquer discricionariedade (art.301, 2ª parte, do CPP).

f) Flagrante preparado, provocado ou induzido: é o delito de ensaio, delito de experiência, delito putativo por
obra do agente provocador. Ocorre quando alguém, de forma insidiosa, provoca o agente à prática de um crime
e, ao mesmo tempo, toma providências para que ele não se consume. No flagrante preparado, o policial ou
terceiro induz o agente a praticar o delito e o prende em flagrante. O STF considera atípica a conduta, e portanto
ilícito o flagrante nestas condições, conforme orientação da SÚMULA N. 145 DO STF: “não há crime, quando a
preparação do flagrante pela polícia torna impossível a sua consumação”.

O professor Nestor Távora (2011, p.535) chama atenção “para o crime permanente que já vinham sendo praticado
antes do delito secundário provocado ou induzido (Ex. Traficante preso por falso policial que se passa por usuário
habitual de maconha). No exemplo dado, o traficante será punido não porque vendia, mas porque trazia antes
consigo drogas para fins comerciais – art.28, da Lei 11.343/2006”. Nestes casos, segundo o autor, poderia haver
a prisão em flagrante quanto ao crime permanente anterior.

g) Flagrante esperado (famosa TOCAIA): essa hipótese é válida. O policial ou terceiro espera a prática do delito
para prender o agente em flagrante. Não há qualquer induzimento.

h) Flagrante forjado: é o flagrante maquinado, fabricado ou urdido. Policiais ou terceiros criam provas de um
crime inexistente para prender em flagrante. Exemplo: Policial que ao revistar o carro coloca/implanta
sorrateiramente droga no veículo para incriminar o motorista ou passageiro. Apesar da dificuldade prática de
sua prova, essa modalidade de flagrante é ilícita (porque o crime é inexistente) e o policial responde por crime
de abuso de autoridade (Lei 4.898/65) se o fato não constituir crime mais grave.

i) Flagrante prorrogado ou retardado: O policial tem a discricionariedade para “deixar de efetuar” a prisão em
flagrante no momento da prática delituosa, objetivando esperar o momento mais importante e adequado para
a investigação criminal ou para a colheita de provas. Só é possível em duas situações:

a) Em se tratando de crimes praticados por organizações criminosas (art. 2.º, inc. II, da Lei n. 9.034/95). Neste
casos, não é preciso ordem do Juiz ou mesmo oitiva prévia do MP. Caberá à autoridade policial administrar a
conveniência e a oportunidade da postergação.

b) Em se tratando de crimes previstos na Lei 11.343/2006 (Lei de Drogas). Contudo, diferente do exemplo acima,
é preciso ordem do Juiz e oitiva prévia do MP (art.53, inc.II, a, da Lei 11.343/2006).

11. Momento da Prisão em Flagrante

A prisão em flagrante pode ser feita tanto na fase do inquérito policial (ou mesmo antes deste) ou durante o
processo judicial (Ex. Falso Testemunho-art. 342 do Código Penal). Não se exige mandado judicial. Logo, pode
ser feita em qualquer momento, desde que um crime esteja ocorrendo em estado de flagrância (art.302 do CPP).

Portanto, não há restrições quanto ao momento: pode ser realizada em qualquer dia, horário ou local, inclusive
dentro de residência, mesmo sem o consentimento do morador (art.5º, XI, CF/88). Conforme leciona a doutrina,
“Tal fato pode ocorrer inclusive nas situações onde a polícia adentra a residência em perseguição ao criminoso
que acabou de praticar a infração penal”.

12. Requisitos da Prisão em Flagrante e as inovações da Lei 12.403/2011.

Além do aspecto material (ter sido o conduzido encontrado em estado de flagrância) é importante observar o
aspecto formal para lavratura do auto de prisão em flagrante, sob pena de relaxamento da prisão manifestamente
ilegal (art.5º, LXV, CF/88).

Isto porque, a inversão ou mesmo ausência dos requisitos (material ou formal) pode ensejar a colocação do
conduzido em liberdade, o que gera grande dissabor para as autoridades envolvidas e direito de reparação ao
conduzido (ou encarcerado) ilegalmente.

Neste aspecto, a Lei 12.403/2012 trouxe várias inovações procedimentais, estabelecendo uma sistemática própria
para lavratura do auto de prisão em flagrante. Vejamos como ficou a nova ordem, segundo os artigos 304 a 310
do Código de Processo Penal:

a) Captura e apreensão em “estado de flagrância”. Se for infração de menor potencial ofensivo (contravenção
penal ou crime cuja pena máxima seja igual ou abaixo de dois anos) será lavrado um TCO (termo circunstanciado
de ocorrência policial – art.69 da Lei 9.099/95 ) e não haverá prisão em flagrante ou mesmo inquérito policial;

b) Na sequência, o conduzido é apresentado coercitivamente à autoridade competente;

c) Neste momento, tem direito de comunicar imediatamente sua prisão a pessoa livremente indicada (art.306
do CPP);

d) O condutor da prisão será ouvido (ex. policial militar condutor);

e) A vítima será ouvida (e colhida sua representação, se for o caso).

f) O Representante legal da vítima menor será ouvido (se for o caso);

g) Oitiva das testemunhas (no mínimo duas – art.304,§2º, do CPP, ainda que seja apenas de apresentação).

h) O capturado é interrogado (a presença do advogado nesse momento é facultativa);

i) Lavratura e assinatura dos termos, autos e laudos;

j) Análise de fiança pelo delegado conforme arts. 322 a 325 do CPP;

k) Sendo negado o arbitramento da fiança, será o autuado encarcerado e recolhimento ao estabelecimento


prisional adequado (art.304, §1º, do CPP);

l) Expedição da Nota de Culpa em até 24 horas após a captura (art.306, §2º, do CPP). A Nota de Culpa deverá
conter os direitos do conduzido, a assinatura da autoridade, o motivo da prisão, o nome do condutor e das
testemunhas.

m) O auto de prisão em flagrante será encaminhado em até 24 horas ao Juiz e Promotor com competência e
atribuição, respectivamente, para conhecer da infração penal (art.306, §1º, do CPP). Será entregue uma cópia
também ao advogado declinado pelo autuado. Caso não tenha advogado, será enviada cópia integral para a
Defensoria Pública. Não havendo defensor disponível, deverá ser nomeado um advogado dativo.

13. Atuação do Juiz



O Juiz por sua vez, ao tomar conhecimento da prisão em flagrante pode/deve tomar as seguintes medidas (Novo
art.310, do CPP, com as alterações da Lei 12.403/2011):

-Relaxar a prisão em flagrante: quando manifestamente ilegal ou irregular o flagrante (art.5º, IXV, CF/88);

-Converter a prisão em flagrante em prisão preventiva: se presentes os requisitos desta (arts.310, II e 312 do
CPP);

-Conceder liberdade provisória: cumulada ou não com algumas medidas cautelares (inclusive a fiança), se
ausentes os requisitos da preventiva (art.321 do CPP e art.5º, LXVI, CF);

Para Nestor Távora (2011, p.544), salvo no caso do relaxamento de ofício da prisão manifestamente ilegal, caso
queira colocar o autuado em liberdade provisória ou mesmo converter a prisão em flagrante em prisão preventiva
deverá o Juiz ouvir antes o Ministério Público (art.282, §3º, do CPP).

Mesmo porque, o Juiz não pode mais decretar prisão preventiva de ofício na fase de investigação criminal (art.311
do CPP), pela mesma razão, não poderia convertê-la ex officio.

14. Do novo procedimento para lavratura do auto de prisão em flagrante.

Destarte, a guisa das inovações trazidas pela Lei 12.403/2011, tem-se um novo procedimento para lavratura da
prisão em flagrante. Vejamos o fluxograma.

15. Manutenção da Prisão em Flagrante e as novas exigências da Lei 12.403/2011.

O grande problema então é que o Juiz somente pode manter o autuado preso em flagrante se os “fundamentos”
da prisão preventiva estiverem presentes. Isto porque, a manutenção da prisão em flagrante só é possível diante
da sua conversão – de forma fundamentada - em prisão preventiva autônoma (TOURINHO, 2011, p.654).

Lembrando que a prisão preventiva somente será decretada ainda, se não for possível a sua substituição por uma
medida alternativa mais branda (artigos 282, §6º e 319, ambos do CPP). Em outras palavras, ausentes os
fundamentos da prisão preventiva, fica obrigado o Juiz a conceder a Liberdade provisória ao conduzido preso em
flagrante, mesmo naqueles casos onde a materialidade e autoria são incontestes. Trata-se de um poder/dever do
magistrado, notadamente, porque o conduzido possui (como regra) direito público subjetivo à liberdade
provisória.

Nesse sentido, é a redação do novo art.310 do CPP: “Ao receber o auto de prisão em flagrante, o juiz deverá
fundamentadamente: II - converter a prisão em flagrante em preventiva, quando presentes os requisitos
constantes do art. 312 deste Código, e se revelarem inadequadas ou insuficientes as medidas cautelares diversas
da prisão”.

Pode-se dizer que a conversão referida já vinha sendo aplicada na prática, ainda que a lei não fosse explícita.
Contudo, a Lei 12.403/2011 criou uma série de “fundamentos” para decretação da prisão preventiva, o que em
última análise, dificulta a manutenção da prisão em flagrante (bem como sua conversão) e enseja a colocação do
preso em liberdade.

É isso que a sociedade de uma forma geral não entende. Alguns inclusive se perguntam: Como pode alguém ser
preso em flagrante e ainda estar solto??? A verdade é que a prisão em flagrante tornou-se efêmera e por assim
dizer limitada ao prazo de 24 horas do art.306 do CPP.

Alguns doutrinadores como Eugênio Pacelli de Oliveira já chamam a mesma de “prisão pré-cautelar”, vez que
esvaziada em si mesmo quanto aos “fundamentos” para sua manutenção.

16. Dos novos fundamentos legais para conversão do flagrante em prisão preventiva.

Vejamos por outro lado, quais são os atuais “fundamentos” trazidos pela Lei 12.403/2011, “que verificados
diante do caso concreto, podem ensejar de forma excepcional a manutenção da prisão em flagrante, através da
sua conversão em prisão preventiva propriamente dita ”.

Lembrando que a prisão preventiva na verdade é uma medida cautelar como qualquer outra, assim sendo, para
sua decretação válida será necessário periculum libertatis (artigos 282 e 312 do CPP) e fumus commissi delict
(artigo 312, parte final, c/c artigos 310 e 313, ambos do CPP).

Por seu turno, analisando todos os “fundamentos” postos pela Lei 12.403/2011, podemos dizer que a prisão
preventiva tornou-se uma “medida cautelar provisória tridimensional”, condicionada às dimensões de existência,
validade e eficácia.

Os fundamentos e suas dimensões seriam os pressupostos (campo da existência), os requisitos gerais (campo da
validade) e os requisitos específicos (campo da eficácia). Vejamos a figura.

17. Pressupostos

Os pressupostos seriam aqueles inerentes à proporcionalidade da medida. Ou seja, deve a prisão cautelar (bem

como a conversão do flagrante) ser necessária, adequada e útil para o deslinde do processo. Tais pressupostos
devem constar inclusive da fundamentação posta, seja para negar ou conceder a medida.

Nesse sentido, temos o art.282, I e II, do CPP, in verbis: “As medidas cautelares previstas neste Título deverão
ser aplicadas observando-se a: I – Necessidade para aplicação da lei penal, para a investigação ou a instrução
criminal e, nos casos expressamente previstos, para evitar a prática de infrações penais; II – Adequação da
medida à gravidade do crime, circunstâncias do fato e condições pessoais do indiciado ou acusado. § 6º
(Utilidade) A prisão preventiva será determinada quando não for cabível substituição por outra medida cautelar
(art.319)”.

18. Requisitos gerais

Os requisitos gerais são aqueles do art.312, do CPP, in verbis: “A prisão preventiva poderá ser decretada como
garantia da ordem pública, da ordem econômica, por conveniência da instrução criminal, ou para assegurar a
aplicação da lei penal (periculum in mora), quando houver prova da existência do crime e indício suficiente de
autoria (justa causa(JC) = fumus boni jures)”.

19. Requisitos específicos

Finalmente, os requisitos específicos são aqueles do art.313 do CPP, in verbis: “Nos termos do art. 312 deste
Código, será admitida a decretação da prisão preventiva: I - nos crimes dolosos punidos com pena privativa de
liberdade máxima superior a 4 (quatro) anos; II - se tiver sido condenado por outro crime doloso, em sentença
transitada em julgado, ressalvado o disposto no inciso I do caput do art. 64 do Decreto-Lei no 2.848, de 7 de
dezembro de 1940 - Código Penal; III - se o crime envolver violência doméstica e familiar contra a mulher,
criança, adolescente, idoso, enfermo ou pessoa com deficiência, para garantir a execução das medidas protetivas
de urgência; IV - (revogado). Parágrafo único. Também será admitida a prisão preventiva quando houver
dúvida sobre a identidade civil da pessoa ou quando esta não fornecer elementos suficientes para esclarecê-la,
devendo o preso ser colocado imediatamente em liberdade após a identificação, salvo se outra hipótese
recomendar a manutenção da medida”.

20. Da formula genérica para conversão da prisão em flagrante em prisão preventiva.

Como dito alhures, o problema são os excessos de pressupostos e requisitos para conversão da prisão em flagrante
em prisão preventiva propriamente dita.
Por derradeiro, como consuetudinário lógico, alguns podem se perguntar: Será preciso a presença de todos os
“fundamentos” para conversão da prisão em flagrante em prisão preventiva???

Certamente que não, conforme já havia se posicionado a jurisprudência pátria. Neste aspecto, sugerimos que os
pressupostos, requisitos gerais e específicos sejam aplicados de forma lógica e razoável, atendendo à teleologia
existente por detrás das normas mencionadas.

Precisamos imaginar o que o Legislador desejava no momento da criação da norma e o fim precípuo a que se
destina. Desta forma, podemos imaginar uma formula genérica que deverá ser aplicada caso a caso. Vejamos a
figura.

Explicando: a prisão preventiva poderá ser decretada quando todos os pressupostos estiverem presentes + ao
menos 1 (um) dos requisitos gerais (salvo a Justa Causa que é obrigatória) + ao menos 1(um) dos requisitos
específicos.

Sendo atendida a fórmula acima, a prisão em flagrante poderá ser convertida com louvor em prisão preventiva.
Do contrário, não resta outra saída senão relaxar a prisão em flagrante manifestamente ilegal ou mesmo colocar
o paciente em liberdade provisória.

Lembrando que a liberdade provisória poderá ser cumulada com várias outras medidas cautelares alternativas
(art.319 do CPP), dentre elas a própria fiança (art.319, VIII, do CPP). Mas este seria um tópico para um estudo
em separado, tamanha a riqueza de detalhes.

21. Conclusão

A liberdade é a regra; mesmo após a condenação passada em julgado, a prisão eventualmente aplicada não será
perpétua, isto é, será sempre provisória. Portanto, o que é provisório é sempre a prisão, assim como todas as
demais medidas cautelares, que sempre implicarão restrições a direitos subjetivos.

Em consequência, toda e qualquer prisão deverá ser devidamente fundamentada pelo Juiz ou Tribunal, pautando-
se sempre pela aplicação dos princípios da necessidade, adequação e utilidade, a fim de que, excepcionalmente e
provisoriamente, sejam razoáveis e proporcionais para o caso concreto.

Nesta esteira, apesar do novo procedimento para manutenção da prisão em flagrante ser duramente questionado,
haja vista o excesso de fundamentos para conversão da prisão em flagrante em preventiva, tem-se que o mesmo
ainda é muito bem-vindo.

Isto porque, objetiva resguardar os cidadãos dos eventuais exageros ou mesmo dos despachos genéricos que
encerram o conduzido ao cárcere de forma não fundamentada, mesmo possuindo plenas condições de provar a
sua inocência em liberdade assistida.

De qualquer forma, é da boa aplicação e fiscalização do novo diploma que dependerá sua eficácia, assim como
os aplausos da sociedade organizada e dos operadores jurídicos. Mais do que nunca, é válida a máxima de que a
aplicação da Lei é mais importante que sua elaboração.

22. Prisão Domiciliar

A prisão domiciliar como medida cautelar é mais uma inovação introduzida pela lei 12.403/11, até então
inexistente no ordenamento processual penal brasileiro. A prisão-albergue domiciliar, de aplicação prevista na Lei
7.210/84 (LEP) constitui regime especial para o cumprimento de pena, e não medida cautelar de natureza
processual.

Em situações excepcionalíssimas, admitia-se a conversão da prisão preventiva em prisão-albergue domiciliar, por


analogia ao disposto no art. 117, da Lei de Execução Penal. Nesse sentido, há firme orientação estabelecida na
jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (HC n. 124112/CE).

A partir de agora, há regulamentação expressa para o recolhimento domiciliar do investigado ou acusado, em


substituição à prisão preventiva, quando as circunstâncias exigirem o acautelamento processual penal. As
hipóteses em que se admitirá a aplicação da nova medida estão previstos no art. 318, do Código de Processo
Penal.

Art. 318. Poderá o juiz substituir a prisão preventiva pela domiciliar quando o agente for: (Redação dada
pela Lei nº 12.403, de 2011).
I - maior de 80 (oitenta) anos; (Incluído pela Lei nº 12.403, de 2011).
II - extremamente debilitado por motivo de doença grave; (Incluído pela Lei nº 12.403, de 2011).
III - imprescindível aos cuidados especiais de pessoa menor de 6 (seis) anos de idade ou com
deficiência; (Incluído pela Lei nº 12.403, de 2011).
IV - gestante; (Redação dada pela Lei nº 13.257, de 2016)
V - mulher com filho de até 12 (doze) anos de idade incompletos; (Incluído pela Lei nº 13.257, de 2016)
VI - homem, caso seja o único responsável pelos cuidados do filho de até 12 (doze) anos de idade
incompletos. (Incluído pela Lei nº 13.257, de 2016)
Parágrafo único. Para a substituição, o juiz exigirá prova idônea dos requisitos estabelecidos neste artigo.

23. Prisão Temporária (Lei 7.960/89)

O estudo de um tipo específico de prisão acautelatória requer, primeiramente, seu desmembramento em alguns
conceitos originários, como o de prisão, cautelar e temporário.

A pena de prisão, com o advento do modelo capitalista, deflora como uma forma do Estado, pré-constituído,
manter a livre circulação de pessoas e capital, retirando do meio social certos tipos de pessoas marginalizadas,
que poderiam ameaçar o modelo econômico atual, por contrapor à máxima consumista que envolve as relações
entre cidadãos.

Portanto a prisão é pena que pretende cercear a liberdade de locomoção de alguns para garantir a liberdade de
locomoção daqueles que promovem a circulação monetária, pois estes desejam adquirir produtos, como um
celular de última geração, um carro importado, sem serem importunados por pessoas que não partilham as
mesmas condições, para tanto necessitam da atuação estatal como um garantidor da ordem econômica.

Paralelamente ao conceito de prisão como pena, aquela a ser cumprida por determinação de sentença penal
condenatória transitada em julgado, no transcorrer da persecução penal é possível deparar-nos com o tipo de
prisão a ser analisada neste ensaio, por conter características de urgência, precaução e cuidado, portanto cautelar,
positivadas pelo fato de que a liberdade do agente pode comprometer o andamento da persecução ou alterar o
status quo, causando alguma comoção social.

Finalmente temos por temporário aquilo que dura por um certo tempo, que não é permanente.

Assim Nestor Távora considera “temporária a prisão de natureza cautelar, com prazo preestabelecido de duração,
cabível na fase do inquérito policial, objetivando o encarceramento em razão das infrações seletamente indicadas
na legislação”.

Incluída no ordenamento jurídico brasileiro, através da lei nº. 7.960, de 21 de dezembro de 1989, a prisão
temporária visa a tutela das investigações policiais, só podendo ser decretada na fase que antecede a instauração
da ação penal e não pode ser decretada ex officio pela autoridade judiciária, dependendo de representação policial

ou do requerimento do parquet.

A prisão temporária será admitida nos casos expressos no primeiro artigo do dispositivo legal supra citado, qual
seja:

Art. 1° Caberá prisão temporária:

I - quando imprescindível para as investigações do inquérito policial;


II - quando o indicado não tiver residência fixa ou não fornecer elementos necessários ao esclarecimento de sua
identidade;
III - quando houver fundadas razões, de acordo com qualquer prova admitida na legislação penal, de autoria ou
participação do indiciado nos seguintes crimes:

a) homicídio doloso (art. 121, caput, e seu § 2°);


b) sequestro ou cárcere privado (art. 148, caput, e seus §§ 1° e 2°);
c) roubo (art. 157, caput, e seus §§ 1°, 2° e 3°);
d) extorsão (art. 158, caput, e seus §§ 1° e 2°);
e) extorsão mediante sequestro (art. 159, caput, e seus §§ 1°, 2° e 3°);
f) estupro (art. 213, caput, e sua combinação com o art. 223, caput, e parágrafo único);
g) atentado violento ao pudor (art. 214, caput, e sua combinação com o art. 223, caput, e parágrafo único);
h) rapto violento (art. 219, e sua combinação com o art. 223 caput, e parágrafo único);
i) epidemia com resultado de morte (art. 267, § 1°);
j) envenenamento de água potável ou substância alimentícia ou medicinal qualificado pela morte (art. 270, caput,
combinado com art. 285);
l) quadrilha ou bando (art. 288), todos do Código Penal;
m) genocídio (arts. 1°, 2° e 3° da Lei n° 2.889, de 1° de outubro de 1956), em qualquer de sua formas típicas;
n) tráfico de drogas (art. 12 da Lei n° 6.368, de 21 de outubro de 1976);
o) crimes contra o sistema financeiro (Lei n° 7.492, de 16 de junho de 1986).
p) crimes previstos na Lei de Terrorismo. (Incluído pela Lei nº 13.260, de 2016)

Apesar das divergências doutrinárias, prevalece a corrente que veste a prisão temporária com os dois requisitos
básicos da cautelaridade prisional, qual seja o fumus comissi delicti e o periculum libertatis. Devendo ser
observado também alguns princípios, tais como o da necessidade e proporcionalidade.

A temporária, como já foi tratado, possui prazo legal de duração. Como regra geral o prazo será de 5 (cinco) dias
prorrogáveis por mais 5 (cinco), em se tratando de crimes hediondos será de 30 (trinta) dias prorrogáveis por
mais 30 (trinta). A prorrogação dos prazos nos dois casos deve haver fundamentação, podendo o magistrado
admiti-la ou não, não cabendo prorrogação de ofício.

Portanto a temporária, advinda de medida provisória, é prisão cautelar que tem por objetivo ser um tipo de
“muleta” à investigação policial, não podendo ser decretada no curso da ação penal cabível, tendo que observar
o prazo legal determinado, além de sua decretação depender das situações elencadas no artigo primeiro da lei
7.960/89, quais sejam a imprescindibilidade para as investigações do inquérito policial, quando o indiciado não
tiver residência fixa ou não fornecer elementos para sua identificação ou quando houver fundadas razões, de
acordo com qualquer prova admitida na legislação penal, de autoria ou participação nos crimes enumerados no
inciso III.

USO DE ALGEMAS

1. CONSIDERAÇÕES INICIAIS: por ausência de lei federal disciplinando a matéria o STF editou a sumula vinculante nº 11,
para reger a utilização das algemas no Brasil.

2. CABIMENTO:

a) Hipótese: risco de fuga, a fuga não se presume exigindo a devida fundamentação.


b) Hipótese: possibilidade de resistência, que se caracteriza pelo emprego de violência ou de ameaça, para que a prisão não se
concretize.
c) Hipótese: pelo risco há integridade física dos envolvidos (capturado, executores e terceiros).

3. CONSEQUÊNCIAS DO ARBÍTRIO:

a) A prisão será ilegal;


b) Haverá nulidade do ato praticado com a utilização irregular das algemas;
c) Haverá responsabilidade de quem utilizou de forma irregular a algema, sendo responsabilizado na esfera civil, administrativa e na
esfera criminal (crime de abuso de autoridade).

TEORIA GERAL DA PROVA

1. CONCEITO DE PROVA: provar significa demonstrar, no processo, a existência ou inexistência de um fato, a falsidade ou a verdade
de uma afirmação.

Prova é, portanto, aquilo que permite estabelecer a verdade de um fato ou circunstância, ou seja, aquilo que autoriza a afirmar ou negar
determinada proposição.

Obs.: o objetivo da prova é formar a convicção do juiz sobre elementos necessários para a decisão da causa.

2. OBJETO DA PROVA: busca-se com o processo a reconstrução histórica do fato tido como criminoso. São objetos de prova, pois,
todos aqueles fatos, acontecimentos, coisas e circunstâncias relevantes e úteis para formar a convicção do julgador acerca do ocorrido,
para que possa dar solução à lide penal.

3. DISPENSA PROBATÓRIA: em determinadas situações existe a dispensa probatória, não sendo preciso provar.

a) Fatos inúteis para o desfecho da causa: são aqueles que não possuem nenhuma relevância na decisão da causa, dispensando,
inclusive, a análise pelo julgador.

Ex.: opção sexual do acusado de furto.

b) Fatos notórios, ou seja, verdade sabida: assim considerados os que fazem parte do patrimônio cultural. Por isso mesmo, aqui se
aplica o principio “notorium non eget probatione” – o que é notório dispensa prova.

Ex.: faz-se desnecessário provar que o maracanã fica no Rio de Janeiro.

c) Fatos axiomáticos ou intuitivos: são fatos evidentes, as verdades axiomáticas do mundo do conhecimento.

Ex.: não é necessário provar que fogo queima, nem tão pouco que cocaína causa a dependência.

d) Fatos em relação aos quais existe presunção legal: são juízos de certeza que decorrem da lei.

Ex.: inimputabilidade do menor de 18 anos (presunção absoluta).

O direito em regra, não precisa ser provado, uma vez que se presume estar o juiz instruído sobre ele (jura novit curia). Há exceções no
tocante a tal regra, devendo ser objeto de prova:

• As leis estaduais e municipais;


• Os regulamentos e portarias;
• Os costumes;
• A legislação estrangeira;

E quanto aos fatos incontroversos? Consideram-se incontroversos os fatos admitidos ou aceitos pela parte. Estes ao contrário do
que ocorre no direito civil precisam ser provados, uma vez que no processo penal vigora o principio da verdade real, não podendo o juiz
tomar como verdadeiros os fatos apenas porque as partes admitiram.

Ex: a simples confissão do réu ou a ausência de impugnação especificada acerca de uma alegação da acusação não isentam o autor
da ação penal de produzir prova do fato (artigo 197, CPP).

Art. 197, CPP – O valor da confissão se aferirá pelos critérios adotados para os outros elementos de prova, e para a sua apreciação o
juiz deverá confrontá-la com as demais provas do processo, verificando se entre ela e estas existe compatibilidade ou concordância.

4. DESTINATÁRIOS DA PROVA: pessoas para as quais as provas se destinam:

a) Imediato – o juiz é o destinatário imediato, pois as provas servem para convencê-lo no julgamento.
b) Mediato – as partes são destinatários mediatos, pois elas também vão se convencer.

5. PRINCÍPIOS GERAIS:

Princípio do contraditório: significa que toda prova realizada por uma das partes admite a produção de uma contraprova pela outra.

Princípio da comunhão: uma vez trazidas aos autos, as provas não mais pertencem à parte que as acostou, mas sim ao processo,
podendo desse modo, ser utilizadas por quaisquer dos intervenientes, seja o juiz, sejam as demais partes.

Princípio da oralidade: tanto quanto possível as provas dever ser realizadas oralmente na presença do juiz. Isto existe para que, nos
momentos relevantes do processo, predomine a palavra falada, possibilitando-se ao magistrado participar dos atos de obtenção da
prova.

Principio da publicidade: considerando a importância das questões ligadas ao processo penal, nada mais correto do que sejam elas
tratadas publicamente. Visa-se aqui, a garantir ao cidadão comum acesso e confiança no sistema de administração da justiça.

Princípio da autorresponsabilidade das partes: as partes assumirão as consequências de sua inatividade, erro ou negligencia
relativamente a prova de suas alegações.

6. MEIOS DE PROVA: São ferramentas utilizadas para prospectar a prova e levá-la ao conhecimento do julgador, classificando-se
em:

a) Provas Nominadas: são aquelas cujos meios de produção estão previstos em lei (art. 158 a 250 do CPP).

Ex: busca e apreensão, exame de corpo de delito, etc.

b) Provas Inominadas: são aquelas cujos meios de produção não estão previstos em lei.

Ex: escuta ambiental.

Obs.: em decorrência do princípio da liberdade na produção de provas, do qual se admite toda prova desde que lícita, é possível a
utilização das provas inominadas, não existindo qualquer hierarquia entre as provas, todas tem o mesmo peso para a lei.

7. PROVAS ILEGAIS (ILÍCITAS): em respeito ao principio da liberdade na produção de provas, são admitidos qualquer prova lícita. A
busca pela verdade real, no entanto, não confere aos agentes policiais, às partes ou ao juiz a faculdade de violar normas legais para a
obtenção da prova.

A vedação da prova ilícita (ilegais), isto é, daquelas provas obtidas com violação a normas constitucionais ou legais, encontra previsão
expressa na Constituição e no Código de Processo Penal.

Pelo principio da verdade real, deve o juiz criminal, buscar na audiência, reconstruir o que realmente ocorreu não se conformando com
meras especulações de verdade e podendo até mesmo de oficio determinar a produção de provas.

Art. 157, CPP – São inadmissíveis, devendo ser desentranhadas do processo, as provas ilícitas, assim entendidas as obtidas em
violação a normas constitucionais ou legais.
Art. 5º, LVI, CF/88 – são inadmissíveis, no processo, as provas obtidas por meios ilícitos;

A doutrina costuma diferenciar duas espécies de provas ilegais:

a) Provas ilícitas (em sentido estrito) – são aquelas para cuja obtenção há violação de norma de direito material.

Ex: as provas obtidas com violação do domicílio (art. 5°, XI, CF/88), das comunicações (art. 5°, XII, CF/88), mediante tortura etc.

b) Provas ilegítimas – são aquelas obtidas ou introduzidas com violação de regras de direito processual.

Ex: perícia realizada por apenas um perito não oficial.

8. PROVA ILÍCITA POR DERIVAÇÃO: com o advento da lei 11.690/08, a lei processual passou a prever expressamente a
inadmissibilidade da prova ilícita por derivação, em consonância com entendimento jurisprudencial que já havia solidificado (art. 157 §
1°, CPP).

Art. 157, CPP – São inadmissíveis, devendo ser desentranhadas do processo, as provas ilícitas, assim entendidas as obtidas em
violação a normas constitucionais ou legais.

§ 1° São também inadmissíveis as provas derivadas das ilícitas, salvo quando não evidenciado o nexo de causalidade entre umas e
outras, ou quando as derivadas puderem ser obtidas por uma fonte independente das primeiras.

Constata-se, pois, que o Código de Processo Penal, a partir da edição da referida lei perfilhou-se à teoria dos frutos da árvore
envenenada (fruits of poisonous tree), segundo a qual a prova em si mesma licita, mas obtida por intermédio d ação ilícita, deve também
ser considerada ilícita.

Ex: apreensão de maconha em veiculo abordado por policiais (prova em principio licita), porem decorrente de informação acerca do
transporte da substancia obtida por meio de interceptação telefônica ilegal.

Deve o juiz diante da contradição entre bens jurídicos tutelados constitucionalmente dar prevalência ao bem jurídico de maior
importância, em respeito ao principio da proporcionalidade. Portanto entre a formalidade na produção de provas e o status libertais do
réu, este ultimo deve prevalecer, sendo a prova ilícita utilizada para absolve-lo.

Obs.: se a prova provier de fonte independente, como tal considerada, aquela que por si só, seguindo os trâmites típicos e de praxe,
próprios da investigação ou instrução criminal, seria capaz de conduzir ao foto objeto da prova (art. 157, § 2°, CPP), não ocorrerá
contaminação.

9. ÔNUS DA PROVA: É a incumbência conferida as partes de demonstrar aquilo que alegaram ao longo do processo (Art. 156, CPP).

Obs. a condenação só será possível se o MP demonstrar a autoria, a materialidade, o dolo ou a culpa. Assim como defesa deve provar
as excludentes de ilicitude, culpabilidade e as causa extintivas de punibilidade, caso alegue.

Obs. pode o juiz ordenar de oficio a produção de provas.

Art. 156, CPP – A prova da alegação incumbirá a quem a fizer, sendo, porém, facultado ao juiz de Ofício:
I – ordenar, mesmo antes de iniciada a ação penal, a produção antecipada de provas consideradas urgentes e relevantes, observando
a necessidade, adequação e proporcionalidade da medida;
II – determinar, no curso da instrução, ou antes, de proferir sentença, a realização de diligências para dirimir dúvida sobre ponto
relevante.

10. FASES DO PROCEDIMENTO PROBATÓRIO: são aquelas etapas que compõem o procedimento de produção de provas no
processo penal. Dividem-se em:

a) Propositura da prova: a acusação vai propor a prova na queixa-crime ou denuncia, já defesa vai propor a prova na resposta escrita
à acusação.

b) Admissão da prova: cabe ao juiz admitir a prova, para que ela seja produzida ou para que ela seja inserida.

c) Produção da prova: na audiência de instrução e julgamento, sendo levada ao contraditório.

d) Valoração da prova: todas as provas devem ser valoradas na sentença.

11. SISTEMA DE VALORAÇÃO DA PROVA: podem-se classificar, historicamente, os sistemas de apreciação da prova em quatro
grupos:

a) Sistema das provas irracionais: adotado na antiguidade. A decisão acerca da verdade dos fatos era entregue a um ser
sobrenatural.

Ex: submissão do acusado à prova de ferro em brasa, manter os braços estendidos perdendo a questão quem primeiro deixasse o
braço cair.

b) Sistema legal (tarifado): a lei atribui a cada prova um valor não podendo o juiz desvincular-se de tais parâmetros.

Ex: adotada pelo CPP no art. 155 parágrafo único, estabelecendo que a prova de estado civil das pessoas, no âmbito penal, exige
idênticas restrições às estabelecidas na lei civil.

c) Sistema da intima convicção: a lei atribui ao magistrado liberdade plena para a avaliação das provas (valoração secundum
conscientiam), não necessitando de motivação.

Ex: vigora no Brasil, nas decisões do tribunal do júri.

Art. 5° XXXVIII, CF/88 – é reconhecida a instituição do júri, com a organização que lhe der a lei, assegurados:
a) a plenitude de defesa;
b) o sigilo das votações;
c) a soberania dos veredictos;

d) a competência para o julgamento dos crimes dolosos contra a vida;

d) Sistema do livre convencimento: sistema consagrado pelos modernos ordenamentos é adotado como regra pelo Código de
Processo Penal no artigo 155. Na analise das provas existentes o juiz forma sua convicção, motivando sua decisão.

Embora o sistema do livre convencimento seja a regra (art. 155, 1ª parte), existe a impossibilidade de o magistrado fundamentar sua
decisão nos elementos de informação colhidos na fase investigatória, menos no que se refere às provas cautelares, não repetíveis, e
antecipadas (art. 155, 2ª parte).

Art. 155, CPP – O juiz formará sua convicção pela livre apreciação da prova produzida em contraditório judicial, não podendo
fundamentar sua decisão exclusivamente nos elementos informativos colhidos na investigação, ressalvadas as provas cautelares, não
repetíveis e antecipadas.

PROVAS EM ESPÉCIES

1. DAS PERICIAS E DO EXAME DE CORPO DE DELITO.

1.1 Conceito: é o exame realizado por pessoa com conhecimentos específicos sobre a matéria técnica útil para o deslinde da causa.
Pode ter por objeto, escritos, cadáveres, pessoa lesionadas, instrumentos do crime etc.

1.2 Laudo pericial: é o documento elaborado pelo perito com base naquilo que por ele foi observado.

1.3 Realização da perícia: pode ocorrer na fase do inquérito ou na fase do processo, por determinação da autoridade policial (art. 6º,
VII, do CPP) ou do juiz (de oficio ou a requerimento das partes) a qualquer hora do dia, podendo inclusive ser realizada aos finais de
semanas e feriados.

A perícia deve ser realizada por um perito oficial portador de diploma de curso superior (art. 159 do CPP). Na falta de perito oficial,
devera a autoridade nomear duas pessoas idôneas (peritos não oficiais) e com formação superior na área especifica, que prestarão o
compromisso (art. 159, § 1º e § 2º, CPP).

A lei autoriza as partes elegerem assistente técnico, profissional qualificado na área objeto da perícia e que prestará assessoria à parte,
atuara somente após a autorização do juiz e depois da conclusão dos exames e da elaboração do laudo pericial (art. 159 § 6º, CPP).

Art. 159, CPP – O exame de corpo de delito e outras perícias serão realizados por perito oficial, portador de diploma de curso superior.
§ 1º Na falta de perito oficial, o exame será realizado por 2 (duas) pessoas idôneas, portadoras de diploma de curso superior
preferencialmente na área específica, dentre as que tiverem habilitação técnica relacionada com a natureza do exame.
§ 2º Os peritos não oficiais prestarão o compromisso de bem e fielmente desempenhar o encargo.
§ 3º Serão facultadas ao Ministério Público, ao assistente de acusação, ao ofendido, ao querelante e ao acusado a formulação de
quesitos e indicação de assistente técnico.
§ 4º O assistente técnico atuará a partir de sua admissão pelo juiz e após a conclusão dos exames e elaboração do laudo pelos peritos
oficiais, sendo as partes intimadas desta decisão.

§ 5º Durante o curso do processo judicial, é permitido às partes, quanto à perícia:


I – requerer a oitiva dos peritos para esclarecerem a prova ou para responderem a quesitos, desde que o mandado de intimação e os
quesitos ou questões a serem esclarecidas sejam encaminhados com antecedência mínima de 10 (dez) dias, podendo apresentar as
respostas em laudo complementar;
II – indicar assistentes técnicos que poderão apresentar pareceres em prazo a ser fixado pelo juiz ou ser inquiridos em audiência.
§ 6º Havendo requerimento das partes, o material probatório que serviu de base à perícia será disponibilizado no ambiente do órgão
oficial, que manterá sempre sua guarda, e na presença de perito oficial, para exame pelos assistentes, salvo se for impossível a sua
conservação.
§ 7º Tratando-se de perícia complexa que abranja mais de uma área de conhecimento especializado, poder-se-á designar a atuação de
mais de um perito oficial, e a parte indicar mais de um assistente técnico.

1.4 Vinculação do juiz ao laudo: o Brasil adotou o sistema liberatório, segundo o qual o juiz, fundamentadamente, poderá rejeitar, no
todo ou em parte, as conclusões do perito. O laudo não vincula também os jurados.

1.5 Corpo de delito: é o conjunto de elementos sensíveis (vestígios) deixados pelo crime.

Ex: corpo da vítima de homicídio, a arma utilizada no roubo, a porta arrombada no furto etc.

1.6 Exame de corpo de delito: é a atividade voltada para a captação desses vestígios e posterior elaboração de documento (laudo)
que registre a existência dos vestígios. Divide-se em:

a) Direto: realizado sobre os vestígios deixados pela infração.

b) Indireto: realizado sobre dados e vestígios paralelos como a ficha medica, ou testemunhas da infração.

Nos termos do artigo 158 do CPP, é obrigatória a realização do exame de corpo de delito direto ou indireto nas infrações que deixam
vestígios.

Art. 158, CPP – quando a infração deixar vestígios será indispensável o exame de corpo de delito, direto ou indireto, não podendo
supri‑lo a confissão do acusado.

O artigo 167 do CPP, uma vez inviabilizado a realização do exame pelo desaparecimento dos vestígios, a prova testemunha poderá
supri-la, desde que o estado não tenha dado causa o perecimento dos vestígios.

Art. 167, CPP – não sendo possível o exame de corpo de delito, por haverem desaparecido os vestígios, a prova testemunhal poderá
suprir‑lhe a falta.

1.7 Exame de corpo de delito complementar: a pericia que vai atestar a lesão corporal pode merecer complementação em duas
circunstancias distintas.

a) Para atestar a real gravidade da lesão em razão da alteração do estado de saúde da vitima.

b) Nos crimes de lesão grave por impossibilidade do desempenho das ocupações habituais por mais de 30 dias, será realizado exame
complementar trinta dias após a ocorrência do crime para que o delito não seja desclassificado (art. 129, § 1°, I, CP c.c Art. 168, § 2,
CPP).

Art. 129, CP – Ofender a integridade corporal ou a saúde de outrem:


Pena – detenção, de três meses a um ano.
§ 1° Se resulta:
I – incapacidade para as ocupações habituais, por mais de trinta dias;
Art. 168, CPP – Em caso de lesões corporais, se o primeiro exame pericial tiver sido incompleto, proceder-se-á a exame complementar
por determinação da autoridade policial ou judiciária, de ofício, ou a requerimento do Ministério Público, do ofendido ou do acusado, ou
de seu defensor.
§ 1º No exame complementar, os peritos terão presente o auto de corpo de delito, a fim de suprir-lhe a deficiência ou retificá-lo.
§ 2º Se o exame tiver por fim precisar a classificação do delito no art. 129, § 1º, I, do Código Penal, deverá ser feito logo que decorra o
prazo de 30 dias, contado da data do crime.
§ 3º A falta de exame complementar poderá ser suprida pela prova testemunhal.

2. BUSCA E APREENSÃO:

2.1 Conceito de Busca: buscar significa procurar, encontrar tratar de descobrir.

2.2 Conceito de Apreensão: apreender por outro lado, é o mesmo que se apropriar, segurar, pegar.

Art. 240, CPP – A busca será domiciliar ou pessoal.


§ 1º Proceder-se-á à busca domiciliar, quando fundadas razões a autorizarem, para:
a) prender criminosos;
b) apreender coisas achadas ou obtidas por meios criminosos;
c) apreender instrumentos de falsificação ou de contrafação e objetos falsificados ou contrafeitos;
d) apreender armas e munições, instrumentos utilizados na prática de crime ou destinados a fim delituoso;
e) descobrir objetos necessários à prova de infração ou à defesa do réu;
f) apreender cartas, abertas ou não, destinadas ao acusado ou em seu poder, quando haja suspeita de que o conhecimento do seu
conteúdo possa ser útil à elucidação do fato;
g) apreender pessoas vítimas de crimes;
h) colher qualquer elemento de convicção.
§ 2º Proceder-se-á à busca pessoal quando houver fundada suspeita de que alguém oculte consigo arma proibida ou objetos
mencionados nas letras b a f e letra h do parágrafo anterior.

Busca e apreensão é, portanto, a providência destinada a encontrar e conservar pessoas ou bens que interessem ao processo criminal.
Tal diligencia pode, por vezes, não redundar em apreensão.

2.3 Oportunidade: a diligência de busca e apreensão pode ser realizada a qualquer tempo, antes ou durante o inquérito ou durante a
fase processual.

2.4 Busca domiciliar: é realizada no domicilio da pessoa.

a) Horário para realizar a busca:

Durante o dia: a casa pode ser penetrada por qualquer motivo.


Durante a noite: a casa pode ser penetrada em flagrante, desastre, socorro, consentimento exceto com mandado judicial.

Art. 5° XI CF/88 – a casa é asilo inviolável do indivíduo, ninguém nela podendo penetrar sem consentimento do morador, salvo em caso
de flagrante delito ou desastre, ou para prestar socorro, ou, durante o dia, por determinação judicial.

Art. 245, CPP – As buscas domiciliares serão executadas de dia, salvo se o morador consentir que se realizem à noite, e, antes de
penetrarem na casa, os executores mostrarão e lerão o mandado ao morador, ou a quem o represente, intimando-o, em seguida, a abrir
a porta.
§ 1º Se a própria autoridade der a busca, declarará previamente sua qualidade e o objeto da diligência.
§ 2º Em caso de desobediência, será arrombada a porta e forçada a entrada.
§ 3º Recalcitrando o morador, será permitido o emprego de força contra coisas existentes no interior da casa, para o descobrimento do
que se procura.
§ 4º Observar-se-á o disposto nos §§ 2º e 3º, quando ausentes os moradores, devendo, neste caso, ser intimado a assistir à diligência
qualquer vizinho, se houver e estiver presente.
§ 5º Se é determinada a pessoa ou coisa que se vai procurar, o morador será intimado a mostrá-la.
§ 6º Descoberta a pessoa ou coisa que se procura, será imediatamente apreendida e posta sob custódia da autoridade ou de seus
agentes.
§ 7º Finda a diligência, os executores lavrarão auto circunstanciado, assinando-o com duas testemunhas presenciais, sem prejuízo do
disposto no § 4º.

b) Clausula de reserva jurisdicional: somente o poder judiciário pode autorizar a realização da busca e apreensão domiciliar
(expedição do mandado).

c) Mandado genérico: é aquele que não especifica de forma concreta o local onde a diligência será cumprida ou o objeto que esta
procurando, dando margem a ilicitude da diligência. Sendo, portanto ilegal.

Obs: Requisitos formais do mandado: estão concentrados no art. 243 do CPP.

Art. 243, CPP – O mandado de busca deverá:


I - indicar, o mais precisamente possível, a casa em que será realizada a diligência e o nome do respectivo proprietário ou morador; ou,
no caso de busca pessoal, o nome da pessoa que terá de sofrê-la ou os sinais que a identifiquem;
II - mencionar o motivo e os fins da diligência;
III - ser subscrito pelo escrivão e assinado pela autoridade que o fizer expedir.

2.5 Busca e Apreensão Pessoal: é a diligência realizada no próprio individuo, o que vai abranger a sua esfera imediata de domínio.

Ex: mochila, malas, roupas, veiculo.

a) Requisito formal: faz-se necessária ordem judicial motivada para a realização da busca e apreensão pessoal.

b) Dispensa da Ordem Judicial Motivada: (art. 244, CPP)

• Efetivação da prisão: quem for preso será revistado.

• Cumprimento da busca domiciliar: sempre que se esta realizando uma busca domiciliar, todas as pessoas presentes na casa sofrerão
busca pessoal.

• Havendo fundada suspeita: de que o individuo esteja com armas ou com objetos que integram o corpo de delito.

Art. 244, CPP – A busca pessoal independerá de mandado, no caso de prisão ou quando houver fundada suspeita de que a pessoa
esteja na posse de arma proibida ou de objetos ou papéis que constituam corpo de delito, ou quando a medida for determinada no curso
de busca domiciliar.

c) Busca Pessoal em Mulher: É perfeitamente possível, sendo feita preferencialmente realizada por outra mulher, se não for possível
será feita por um homem.

Art. 249, CPP – A busca em mulher será feita por outra mulher, se não importar retardamento ou prejuízo da diligência.

d) Medidas preventivas: As revistas em aeroportos, estádios e casas de show tem caráter preventivo e são amparadas pelo principio
da proporcionalidade, sendo que, quem não quer submeter ao constrangimento deve evitar a respectiva contratação do serviço.

3. CONFISSÃO:

3.1 Conceito: é a declaração por parte do acusado da verdade dos fatos criminosos cuja prática a ele se imputa.

3.2 Momento da confissão: via de regra ocorre no interrogatório judicial. Pode, porém, dar-se em outra faze, caso em que será tomada
a termo.

3.3 Efeitos: como elemento de prova que é deve ser apreciada como critério da persuasão racional do juiz, isto é, deve ser confrontada
com o restante da prova, porquanto, apesar de seu significativo valor, não constitui prova absoluta.

3.4 Características: são características da confissão.

a) Ato personalíssimo.
b) Deve ser livre e espontânea para que haja validade.
c) O confidente pode retratar-se.
d) Divisibilidade, o réu pode assumir a autoria de parte da infração ou parte dos crimes.

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