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marilusa moreira vasconcellos

Tomás Antonio Gonzaga e César ~


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marilusa moreira vasconcellos

Tomás Al}tonio Gonzaga e César


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(Romance mediúnico)

Distribuidora
EDITORIAL EspfRITA RADHU LTDA.
Rua Maria Oliano Gerassi, 288
CEP-04284-060 - Moinho Velho - S. Paulo
F. 274-3818 (rec.) - C.G.C. 54.456215/0001-40
PALAVRAS INICIAIS
Dados Intema'cionais de Catalogação na Publicação Querido amigo e irmão:
Jesus nos abençoe.
Este foi, sem dúvida, um dos livros mais difíceis de se re-
pelo envolvimento em que nos vimos.
Vasconcellos, Marilusa Moreira
Já quase concluída a primeira parte em 1992, fomos, ines-
p(ilradamente, para o Egito, onde os locais descritos se nos
Uma mulher chamada Tii - romance mediúnico rnostraram de forma inequívoca e emocionante.
Marilusa Moreira Vasconcelos - ditado p/ Tomás Antonio reencontro carnal com alguns partícipes da trama egíp-
Gonzaga e César nos causou muita preocupação, pois o livro "Sonata" (que
1. Brasil - Narrativa -1992-1994 r!(Jscobrimos ser parabólico.) programava um desencarne e
2. Psicografia Gonzaga, Tomás Antonio (1744-1810) César uma tentativa de homicídio.
(1934/1992) Se era difícil participar e rever aquelas cenas no Brasil, e
11- Título cenário onde se deram, impossível, para nós, era encontrar
que entendesse a profunda consternação e angústia da
ACV-92-94 TAG. MMV-11134 wk1xpectativa da morte, e nossa impotência, diante dela.
19942 Foi preciso, portanto, de muita paciência e confiança, para
IHJIJOrtar o fardo de algumas revelações.
Somente agora, dois anos depois, após fazermos. urna
!;,krmsura em alguns capítulos, apesar de reconhecer a dificulda-
índices para catálogo sistemático: se compreender tudo quanto esta obra contém, nos de-
,'·d,·!'''''',.... pelo lançamento da mesma.
1. Escritos psicográfados Espiritismo Por certo, é uma obra polêmica, que se chocará com infor-
2. Relatos históricos. Literatura Brasileira rnr'lCÕ€~S clássicas ou pessoais sobre aquele período histórico.
3. Romances mediúnicos: Espiritismo Quando dr. Tomás escreveu "A moça da ilha", com o per-
l~onagem Mariita, e depois o "De Mário a Tiradentes", com Mar-
tlil, jamais imaginei que um dia, na volta' ao passado,
2 11 edição - 5000 exemplares r:hogaríamos ao Til.
Os direitos autorais desta edição foram cedidos à Realmente, hoje vemos gue esta obra estava programada
Fundação Cidade do Alvorecer do Milênio S. Paulo 1982', quando Orion, ha 10 anos, visitara o Egito e fazia
"Volta ao passado."
Todos os direitos reservados a Contudo, na mesma confiança e ideal que nos têm direcio-
Editorial Espírita Radhu Ltda. em todas as nossas resoluções, te entregamos esta obra,
R. Maria Oliano Gerassi - 288 carinho e uma certa nostalgia, na coragem de es-
Moinho Velho - CEP-04284-060 que ela se constitua em elemento renovador para todos.
S. Paulo - Fone 274-3818 (recados) Receba nossa reserva de ternura.

marifusa.
PALAVRAS DE UM DOS AUTORES.
DO AUTOR Alma amiga e irmã.
Nem sempre, na minha longa jornada de trabalho e luta,
Querido amigo e irmão: '0;"""",,,,,.,, ser o ator principal nos filmes, e nas peças. As vezes
Muita paz em Cristo. !)i,')(Ja\i'a uma ponta, mas foi como diretor que mais me realizaei,
Cada etapa vencida nos motiva a continuar nas tarefas rnergulhando fundo, na responsabilidade do que comunicava
empreendidas. demais.
Dói-nos, muitas vezes, o sofrimento causado pelo retorno Desta vez, me ofereceram uma "ponta", na segunda parte
aos processos cármicos, porque não somos isentos do senti-, livro, do qual fui protagonista real, e, neste encontro com
mento e das emoções e paixões, frente às recordações longín- passado, procuro deslindar alguns fatos, e sair mais fortaleci-
quas, que passaram a pertencer às aquisições da Humanidade neste reencontro com o Cristo, através da dor e da esperan-
Inteira.
Apesar disto, não recuamos na resolução tomada, tentan- Lendo o que com pulsei, sei que valeu a pena buscar um
do visualizar no futuro todas as bençãos que virão, destas incur- novo, com as estrelas cadentes, que marcaram meus
,,,,,,t,,,;,,,,
sões no passado, de modo a auferir forças novas, para
continuar com o mesmo amor, que nos é arrimo e motivação. É parte de minha vida que está em cartaz, sem que eu es-
Sabemos que esta obra causará mais impacto que as ou- em busca de prestígio ou mando.
tras, se for entendida em toda a dimensão em que se coloca, Espero que deste trabalho surjam benefícios novos, porque
bem como polemizará aspectos pouco explicados da História melhor resgatar os débitos com trabalho e amor, do que com
Universal, porém, famais imaginamos trabalhar, sem causar
transformações em nós e nos outros, até mesmo porque todos Venho, como quem faz um "replay" na saudade, assumin-
somos companheiros na jornada milenar, interligados nas expe- defeitos e desajustes, com um sorriso franco e amigo, e as
riências de aprendizado. de quem sofre o conflito da razão com a paixão, sem
O Egito é um berço inesgotável de beleza, magia, encanto. esquecer do Evangelho.
Retornar aqueles recantos foi uma aventura maravilhosa par "Ainda estremeço ao sentir-te a ousadia!
mim, e só por isto sou grato a todos. Ainda tenho medo por ti, mais que por mim!
No mais, ele aí fica, não sem sacrifício na recepção, com Ainda tento, em vão, ocultar a alegria,
auxílio de mais um companheiro que chega, nestes laços d
do amor encontrado a um passo do fim!"
mais pura afeição. Jesus te abençoe.
No mais, confortem por mim a quem chora, por que eu em
encontrei e reencontro consolo às minhas dores.
Tomás.
Meu abraço

César.
íNDICE
UMA MULHER CHAMADA Til
I. PARTE
CAPlTUlO I - Flor secular 9
- CAPITULO 11 - Prêmio ou castigo 19
CAPíTULO 111 - Os mistérios do poder 33
-- CAPíTULO IV - Sucesso e pureza 43
-CAPíTULO V - Amor sincero 51
- CAPíTULO VI - Som e fr~Wância 57
CAPíTULO VII - Uma so jOla 69
CAPlTUlO VIII - O grande Templo 75
CAPITULO IX - Ausência lamentada 87
-CAPíTULO X - Livre pensamento 95
- CAPITULO XI - No harém real... 1 05
CAPlTUlO XII - Brutalidades 113
- CAP!TUlO XIII - Duas tentativas 121
CAPITULO XIV - O casamento 133
CAPlTUlO XV - Beketaton ; 139
- CAPITULO XVI - Ptahmóse 151
- CAPíTULO XVII - Estrela Fonte 157
- CAPíTULO XVIII - Colossos de Memnon 163
CAPíTULO XIX - Amenófis IV 171
- CAPITULO XX - Senna e Ribaddi, Glorificação
a um Deus único 183
- CAPíTULO XXI - Adeus 187
- CAPíTULO XXII - Com Senaa e Ribaddi 197
- CAPíTULO XXIII - Dois casamentos 205
- CAPITULO XXIV - A co-regência 211
- CAPíTULO XXV - Possessões e Eje 219
CAPíTULO XXVI - Os habirus 227
- CAPíTULO XXVII - Nefertiti e Akenaton 235
- CAPíTUlOXXVIII - A construção de
Tel EI Amarna 241
- CAPíTULO XXIX - A morte de Amenófis 111 251
- CAPíTULO XXX - Revanche e Distúrbios 257
- CAPíTULO XXXI - Traição e morte 267
- CAPITULO XXXII - Morte de Aknaton 279
- CAPíTULO XXXIII - Último adeus 287
Uberaba, 16 de janeiro de 1981.

nos abençõe.

Mensageiros da Vida Maior que servem à Causa do Bem,

" '" 'A" 'Cc das suas faculdades, estão a postos, fortalecendo-a na

;Hlstentação e na continuidade das suas tarefas.

Trnbalhemos na Seara do Senhor, confiando-nos à Sua Infinita

UOlld~lde hoje e sempre.

Bezerra.

Ulflglna recebida em reunião pública do Grupo da Prece, pelo

rnt~dl;llm Francisco Cândido Xavier.)


\~ \.~ \

Uberaba, 25 de maio de 1984.


-
~ \:,~ ~"-- ...

d~ ~ v:
\.

c.\ "'--

.f\lO:;8a irmà conta com toda uma equipe de amigos espirituais

que lhe supervisionam as atividades.

da oração, receberá sempre as sugestõés e inspirações

que necessita no desenvolvimento de suas tarefas.

Confiemos no amparo de Jesus hoje e sempre.

Bezerra.

) <-~~ J q~
J

(rnensagem recebida em reunião pública no Grupo da Prece,


\--->-ve
.~~
médium Francisco Cândido Xavier, para a médium

Marilusa, como orientação para seu trabalho.)


~~ .JL~P'--

~~ ~~~-t:;:;:::::"~. ~~ NUM CORCEL BRANCO, CAVALGANDO COM íMPE-


r-: ~\M ~ _ ",,-:>' ~ 0:'- J'", &" ~ r-r'\'n ..." MEU ROSTO COM UM VÉU E MINHA ROUPA BA-
AO VENTO. GALOPO A TODA BRIDA. TENHO
-1. ~~
--)
d..... o-. "-~
~?'
~~<~ SEI PARA ONDE VOU. PARA UM ENCONTRO
r
''','.I·'' ..'L'j,'L ............ ,r'\
..:> VOU COMETER UM ADULTÉRIO, E ISTO
c-~ A/.) .r~ ..L ,,' ....... Õ"""'-'--
TANTO PRAZER QUE MUITAS VEZES ME SENTIREI
~ &.a. ~ ~ ~ .rP-- ~"r~t'~nr ESTE CAVALO, GALOPANDO RÁPIDO. MEU NOME
• • 0_ n.......
">'w::> &>--YL,..,j.,-,{_// ~t...Q..... <... «:.
.J~, C~~ ~ VV1?CM-<A roW1'
oU Fl~ ~~~,
UMA MULHER CHAMADA TIL
CAPITULO l-FLOR SECULAR.

A jovem Tií, acompanhada de seu séquito, saiu da tenda


~'l,lornada especialmente, para a abrigar da aridez e calor do de-
ililclrto próximo a Abidos, onde a caravana acampara, para des-
I!!msar.
Na fragilidade e beleza de seus doze para treze anos, a jo-
nrilnf""><:'~ dos mitânios, da dinastia Min, divertia-se em de-
às ordens paternas de permanecer dentro dos
de seu alojamento, pois a curiosidade, provocada pelos
~H)mentários de Huya e de sua irmã gêmea, com relação ao as-
!;líl'flC1to dos egípcios e, especialmente, do jovem filho de Tutmés
o coro de cegos que acompanhava a caravana, o sacerdote
Amon, o vizir do faraó e as mulheres do harém real, a curio-
Illlílalde a fizera trocar sua vestimenta cerimonial por outra mais
e, dispensando a guarda de homens, acompanhada de
por suas aias, ir esquadrinhar o terreno.
O sol estava forte. Tii cobriu o rosto com um lenço branco
os cabelos negros presos em tranças pequenas, caídos
dl",I",,.,,,...
os ombros, os olhos puxados delineados com capricho
azul, para protegê-Ia da luz solar intensa, que criava no
ondulantes oscilações vibratórias de calor, os pés protegi-
por sandálias, ricamente ornadas de pedrarias, que combi-
t!fiWam com os bordados da barra do vestido.
Embora não quisesse atrair para si os olhares dos solda-
e membros da comitiva egípcia, seus modos leves e gracio-
seu talhe esbelto, sua figura adolescente ágil, sua
d'!"!D,n6n"ii"" natural magnetizavam quem a visse.

9
Tamareiras dadivosas cercavam a paisagem, dando notí Feliz por poder demonstrar à mocinha seu conhecimento, o
cias do Nilo que, bem próximo dali, deixava suas águas verde tomou de um vasilhame estranho e transparente, que pa-
e encantadoras correrem junto aos juncos da margem, onde';!II,ôr-'''' guardar no seu interior uma massa betuminosa escura e
ela ouvira contar,os terríveis crocodilos negros viviam à esprei c eirosa, falando com certo orgulho:
ta, para apanhar suas presas. o "manto negro", que dá lume, bóia sobre a água do rio
- Tii, se seu pai sabe... - comentou baixinho Huya, segui torna s lobra a água dos poços. Mas n~o te preocupes" ~Ie
da de Nye, mas a joven,zinha fez um gesto com os dedos, peincendeia om ardor, mas não o encontraras no poço do oaSIS,
dindo discrição e s i l ê n c i o ' l q l l t o à bar aca...
Aproximou-se de um bando de jovens que, diante de um ',O ra az mostrou-lhe o enorme poço, onde os cavalariços
fogueira, preparava sua refeição. Sabia que não devia falar co tI aviam, \ om baldes de madeira, recolhido grandes porções ?e
eles, mas quis esquecer as recomendações ouvidas de seu pai: %\lgua'p/~el, sedentando h~me~s e animais. E, porqu~ ~ jO-
- Filha, temos importantes acordos comerciais a tr,atar C? .,m,/áinda com os olhos lacnmejantes, olhasse com cunoslda-
o rei egípcio. Não quero, de forma alguma, que o farao nos jul deu-o a ela, com um sorriso cumplicioso:
gue de forma diferente. Já nos basta a disparidade. de costu, _ Pode levar. temos muitos...
mes, da religião, da própria maneira de encarar a Vida, em SI Tomando aquela espécie de garrafa nas mãos, Tii cami-
além do controle que mantemos sobre o tráfico dos cavalos d em direção às palmeiras verdes e fartas, buscando as
raça, incorporados às tropas egípcias, sem que lhes dês aso rnargens do rio.
julgarem que minha filha tem liberdade excessiva em meus do
mínios. Procura manter-te longe de todo o agrupamento, guar
da-te para as reuniões em palácio e, de forma alguma, saia d Em vão suas duas acompanhantes se alternavam nas ad-
tenda, seja durante o dia e à noite, ou, no barco, estejas a vaga rnoestações:
no convés, sem minha autorização...
Sim. Ela se lembrava. Huya e Nye também, mas quem po - Olha o perigoL ..Se seu pai sabe... Pensa no que pode
dia impedir a buliçosa menina, dentro de sua natural expressã llcontecer. ..
de procura, de sair para dar uma espiada inocente, nos m~~
bros da grandiosa comitiva que cercava o faraó e seus famllla
res? Finalmente, vendo que não a podiam impedir, ~ye fe~ um
a Huya que fosse buscar ajuda, para guardar a jovenzl~ha,
Parou, portanto, frente à fogueira, observando os ramo a seguia, ainda tentando argumentar. Quanto mais o
que estalavam sob a chama, onde ardia uma comida de cheir mais se ria a jovem adolescente, aumentan~o-Ihe a vonta-
acridoce, Tangida pelo vento, a fumaça deu nos seus olhos, qu de desobedecer sentindo nisso aquele freneSI causado pela
arderam, Acudiu pressuroso um jovem, oferecendo-lhe uma es liberdade, pela ind~pendência" q,ue os jo~ens experimentam,
ponja embebida em água, do embornal que carregava. confundindo sensação com domlnlo e matundade.
- Como acendem fogo com tanta facilidade? - pergunto
ela notando como todo o acampamento estava cercado de te
Deste modo caminhou para o rio, onde a pobre Nye estre-
da~, próximas umas das outras, e no centro, uma maior, q somente 'ao pensar nos estranhos sáurios, que eram
abrigava a corte faraônica, cercada de guardas palacianos.
~1ldorados como qeuses maléficos por aquele povo estranho,

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que vinha dominando toda a região e que ela tanto temia, e qu - PapaLdeve estar nas longas conversas, de idas e vindas
desde Tutmosis 111 dominara sua raça, logo após o assassinat rn Tutmés IV, mas, pelos céus, Nye, viste ontem ,a cara de
da gloriosa rainha HachepsuC. -Amon? Ela fica olhando pelo rabos dos olhos. E disfarça-
Tii viu as lindas flores boiando à margem, abertas ao sol d como as cobras de Liu, ~ue ele sabe tão bem comandar.
quase meio-dia. Eram azuis, vermelhas, brancas. Seus miolo - Aquelas cobras me dão arrepios./Não sei como conse-
amarelos pareciam pedaços roubados do sol, e o verde contra (H;:l vê-Ias e achar graça nelas~-~/
tante de suas folhas emoldurava as corolas, presas a grosso - Não lhes acho graça. Penso que são temidas, e isto lhes
caules espetados sobre a água. poder. Liu as comanda. Quero que ele me ensine sua ciên-
_ Olha Nye! Olha! Como são lindas! Vamos apanhar alg , mas ele se faz de surdo aos meus apelos. Vou fazer-lhe ver
mas. t.lO nada lucrará com rejeitar-me. Meu pai pode se zangar.
- Seu pai pode se zangar se souber que desejas competir
- Ré a livre disto, minha princesa! Há monstros no ri Y 'liIi""UY1 Liu até no domínio às serpes... Menina buliçosa, nunca se
monstros do mal! de aprender e de remexer todas as coisas?
- Deixa de ser boba! Vem! Estás ficando velha e chata, Nye. Mas eu te perdoo, e
E Tii, sem esperar mais nada, tirou as sandáliÇ\s e cam te dou uma das flores. Escolhe, que cor preferes?
nhou resoluta em direção às flores, sem mesmo pensar e - Deus me livre de pegar algo dos egípcios, ainda que seja
como haveria de partir seus caules grossos, se não trouxera n O faraó faz cortar as mãos de quem rouba.
nhuma adaga, deixando à margem a garrafa com o conteú Ora, estás a me dizer que sou uma ladra? Atrevida que
que lhe fora entregue. flores são da natureza, são de Ré, são de todos! Não são
Nunca pensei que fosses tão medrosa e tola...
- Volte! Volte! - pedia a serva inquieta e preocupada.
E Tii, com o senho carregado, andou à frente da serva,
- Como é duro d~ quebrar.- falava a jovenzinha, torcend a correr, levando suas flores. A outra vinha atrás, tinha
o grosso caule, com cuidado, procurando não despetalar a flor. na cintura o punhal e levava à mão a estranha vasi-
- Toma! - disse Nye, entregando-lhe uma faca que trazi vidro com o betume mal cheiroso, dado à jovenzinha pelo
presa à cintura.
Embora tentasse retomar a conversa, Nye sabia que,
Feliz de poder finalmente conseguir seu desejo, Tii ap
nhou algumas flores e tornou com os pés molhados à marge Tii se zangava, tinha por hábito castigá-Ia com o des-
Sentou-se, enxugou com a barra do vestido os mesmos e c do silêncio. Isto a magoava muito, porque era um tanto
çou suas sandálias. velha e a cuidava desde a mais tenra idade, adorava-a
sentia-se como que sua mãe, embora a diferença de
- Já chega disto. - falou Nye. - Se seu pai dá por falta entre ambas não fosse de mais de uma dezena...
si. .. - Tii, deixe de orgulho, só quis lhe mostrar que estamos
terras estranhas, e que deve tomar cuidado. Já fez mal em
1 Hachepsut governou por 34 anos e construiu o famoso conjunto funerário Deir-EI-Bahari, u sem o séquito da guarda, em desobedecer seu pai. ..
barba postiça como os homens e destituíra seu sobrinho. Foi assassinada por ele. O Eg
então, dominava as ilhas de Creta, Chipre, as Ciclades, a Núbia e se estendera até o Eufrates. Mas a jovem não respondia, teimando em tornar pelo cami-
e logo avistaram as tendas numerosas, que se estendiam
próximas das outras. Percebia-se que, pelo calor, a maio-

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) Estes cavalos s~o espe~os demais, Alteza,\para se dei-
ria das pessoas buscara o recanto das palmeiras, onde os ~ni ~,rn enganar ,c?m c~lsa~ tao Inofensivas. - redarg\J~ a jove..n-
mais haviam sido amarrados, para curtir a sombra, ou dormia ,ce:m mallc:a e IrOnia na voz, - Porém, como gesto de
para fazer a digestão de: almoço. pouca~ pe~soas circulava nanlmo perdao, pode restituir-me as f l o r e s ? -
pelo areial, quando, subitamente, uma biga ricamente ornada as queria de volta sim, porque não as endereçara ao
p'uxada por uma parelha de cavalos de raça,. comandada po o moreno_de porte alti~o, ~ais alto que ela, que se lhe diri-
um homem que Tii reconheceu como Aye, o Jovem chefe da (le for~a tao pouco cerimoniosa e também tão arrogante.
cavalaricas do faraó, veio em direção às duas em disparada h

- ~relo rec:.0nhe?e-Ia. - falou o moço, ignorando seu pedi-


Apesar do sol forte, que atrapalhava a visão, Tii viu que um do <' Nao e.stara a p.nncesa dos mitânios um tanto quanto longe
homens sobre a biga devia ser da família real, devido ao tipo d "eu abrigo, castigando sua delicada pele com o sol incle-
chapéu que trazia, alto e comprido, do tipo q.ue vir~ nas !ec.ep
ções dos palácios de El Houksour (Luxor), riO abaixo, ha dias
- O s~1 não é inclemente, Alteza. O Sol é um rei maior pai
quando fora apresentada e conhecera o senhor do Alto Egito
toda ~ Vida. Quem ama Ré não o teme. Quanto as floreL.-
Tutmés IV e sua esposa Merit Amon, junto à toda a corte. Se
ITIX,""UU ainda, tentando recuperá-Ias...
dúvida, aquele era o princípe, filho do casal real, que ela achar
presunçoso e pedante. Mas quem era o jovem que ia ao se Elas têm,um significado especial. - falou uma voz pausa-
lado com uma túnica branca curta, e um chapéu azul e branc calma atra~ do grupo - Estas são as flores sagradas de
. .d:,: ~Ita su:nb?logia, minha jovem. Dá-Ias também é um
a pr~tegê-Io do sol, dando-lhe um ar gracioso.?
Os cabelos mais claros imediatamente lhe chamaram éH'I.",v"In,,,,lclatlco, p!ln.clpalmente entre duas almas... É certo que a
dos mltanlOS n~o sabia disto, quando as apanhou há
atenção. Seria ele membro dos povos que dominavam as ilha das m<=:rgens do no sagrado, e também o desconhecia
do Mar Interno? (Conhecido depois como Mediterrâneo). num Impulso, as atirou. em direção à biga real. Este~
Como que atraído por sua curiosidade, o jovem também H!ll.iUI::>US da alma regem mais a vida, do que podem supor os
olhou. Num impulso espontâneo, Tii tomou duas flor~s, um humanos.
azul e uma vermelha e jogou para o jovem, quando a biga pas É o E~ mais profundo, o Ba que comanda estas atitudes.
sou velozmente perto dela, enquanto Nye a puxava, tentand
por Isto, agora a jovem recue de seu oferecimento ven-
protegê-Ia. . em que mãos estão postas as flores. '
Foi um movimento rápido. O jovem mal ergueu as mão
Tii voltou-se ~ estr~meceu. Atrás de si, um homem quei-
para apanhar as flores, e já o príncipe a; t?mava, em seu v pelo sol, de Ida?e Ind~finida, com um estranho e magnéti-
direcionado, nas mãos. Tii revoltou-se no mtlmo: olhar, ond~ se: podia sentir uma tranquilidade transbordante e
Com um gesto ele fez com que a biga parasse. Beijou a IHna sabedOria Impares, fitava-a, como se desnudasse seus
flores, fitando a jovem com um olhar feito de curiosidade e e E, no.s olhos dele, ela via espiritualmente refleti-
panto. sem saber ex~licar como, a imagem do jovem loiro e de
_ Sem dúvida, pensa que eu lhe atirei as flores. -conclui clar.os e azu~s, a quem endereçava as flores, intercepta-
Tii mal retendo a raiva e olhando para o jovem a quem as e pelo filho do rei.
de'reçara, que havia percebido seu gesto, mas nada dizia. - Estas flore~, entre outras coisas, simbolizam amor eter-
_ Mesmo para presentear o filho do faraó, - falou o jove , um comprOmISS?, um voto ... - continuou imperturbável o
com um sorriso de pretensa inteligência, - é preciso pedir ante homem, cUjas vestes de um azul esmaecido, simples
licença. Seu gesto podia ter assustado meus cavalos ...
15
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e longas, sem outro adereço, além de um cordão trançado qu olhou para? sábio Amenhotep, para o jovem Amenófis,
lhe marcava a cintura, lhe davam um ar de despojamento e de Huya, e, num Impeto característico de sua teimosia, segu-
prendimento da terra, das coisas materiais. Um estranho " p as outras flores que trazia nas mãos, avançou para a biga
dantif" estava pendurado, por fina corrente, ao seu pescoço. e, levantando o braço, erguendo o queixo e o nariz, com
q~e não p.ermitia admoestações ou julgamento, esten-
À jovem pareceu que ele nem tocava o solo.
ao Jovem lOiro que, com um tinteiro à cintura e dois pin-
Voltando-se para o jovem filho do faraó, prosseguiu: presos ao mesmo, a fitava entre admirado e temeroso.
- Deve devolver-lhe as flores, majestade. Não pode con
tranger as pessoas, quem tem por herança o domínio de um I O ~?S!O era, sem dúvida, uma afronta. Os guardas da prin-
pério tão poderoso, quanto o Egito. A magnanimidade deve s mltarn~a es!avam. a um passo dela, o jovem Orion, escriba
infinita naquele que tem por herança reinar... Amenofls, nao sabia o que fazer, e Aye, chefe das cavalari-
enrubesceu diante daquele gesto.
- Amenhotep, - fez o jovem, com uma reverência ao estr
nho que chegara sem ser notado - sabes que nada te neg Orion olhou para o filho do faraó, que aquiesceu com a ca-
pela grande estima que temos à Tua sabedoria, e aos teus ens ordenando ass~m que ele recebesse as flores, enquanto
nos, porém seria indelicadeza devolver um presente que vei tumulto de emoçoes desencontradas ferviam em seu inte-
voando às minhas mãos, mais rápido que o falcão de Horus.
Meu filho, vindo da bela Merit Amon, filha de Rams, herd
·\Automaticamente o escriba tomou as flores, os olhos azuis
ro de Amenophis 11, que ergueu o Harén Meridional de A o
em Carnac, e que foi abençoado pelo Deus da guerra I~ont
Quem abate o voo de Ibis, tem seu corpo, mas pode perder e . ~guarda já se posicionara em torno da princesa. Olhando
tre os dedos o seu ba e o seu ka,(~. Porém, tanto quanto a j !HEísafladoramente o jovem futuro rei, seu mestre Amenhotep, Tii
vem herdeira do Sacerdote de Min, dos mitânios, obedeceu o ~ariz, e caminhou em direção à sua tenda em passos
um impulso maior e secular, ao jogar as flores, em direção a cobrindo o rosto com o lenço branco, que pendia preso a
carro real, assim também obedeceste e obedeces ao mesm urna sensela de ouro, que passou por sobre as orelhas. Era
impulso, fazendo-te surdo a mim, que os amo como pai e mã (:orno ~e ?emonstra;:;se, ao mesmo tempo, desprezo pelas flo-
acima de mim mesmo. Amenhotep não discute nem as razõe eglpclas, que ha pouco tanto admirara, pelos conceitos do
nem a vontade de seu senhor, antes o saúda e obedece. Qu ~~stre, .que a havia impressionado mais do que gostaria
jamais te arrependas, por defenderes tanto estas flores, com admitir, e fizesse agravo a recusa do jovem real em desen-
se fossem presas de guerras do sentimento... volver-lhe as flores.
Nisto, um grupo de guardas, trazidos por Huya, caminha
em direção à Nye e Tií, dando claramente indicação que o sr. d Tremendo atrás dela, Nye comentava com Huya:
Min já estava ciente da desobediência de sua filha, e a mand
- Por que demoraste tanto? Ela consegue, em pouco tem-
va buscar.
meter-se em mais encrencas do que é permitido ao mais co-
rllUn: dos mo~ais. Ofendeu o faraó, desagravou seu professor,
2 OKá era o corpo perispiritual e o ba o espírito. para os egípcios.
rebalxoru-se diante de um servo e atraiu a curiosidade do cava-
E certo que daí não virá boa coisa...

16 17
CAPíTULO 11 - PRÊMIO OU CASTIGO

Caminhando desenvolta, cercada pela sua guarda, e pelas


aias de confiança, o coração da adolescente fervia de ín-
,11"'''''''''1"'6,,", para com o jovem filho do faraó, e pensava, simulta-
mente, se seu pai, o sacerdote do culto do disco solar, que
o influenciava a classe da cidade de Anu ou On, de nome
sacerdote do Min, a estaria esperando na tenda, tendo
.l;Yí'ltladID. antes do previsto, sua conversa com Tutmés IV.
Quaisquer ~_fm>sem as admoestações paternas que a
l:lperaSsem, J~I<.(estava mais inclinada para a perplexidade cau-
da pela vi,sáo do jovem acompanhante do herdeiro do trono e
arrogâhcia dele, do que pela expectativa de prêmio ou cas-
por sua "escapada" pelo acampamento.
O sol encheu seus olhos, quando, num suspiro elevou o
ao céu e, de repente, sentiu-se arrebatada do solo, ouvin-
um nome:
- "Ua-en-Rá"!
Envolta numa onda de calor e luz, caiu ao solo, sendo am-
>!!!IIJF',I',rç>rl<:> por Nye e Huya que a levantaram com sacrifício, cha-
i.• f!(""jl"lr1n o auxílio de Liu.

O jovem encantador de serpentes tinha vindo ao encontro


grupo e carregou a menina nos braços, como se fora um far-
leve, adentrando com ela a suntuosa tenda mitânia e colo-
"","1'1,"'1"'__ '" nas almofadas.
- Tomou sol em demasia. - falou Nye preocupada.
- Foi a água do rio quem a pôs assim, ou a areia do deser-
secundou Huya, tomando unguentos e massageando as
braços e pernas da menina.

19
Uu pensara a princípio que aquele fora um estratagema lllcia, sua mãe, ou suas aias penetravam o seu eu profun-
mocinha, para ver-se livre das admoestações paternas, ma idéias que pululavam em sua mente, as visões que as
sabendo que Yuaa ainda não tornara da audiência junto a T a visitavam, seus sonhos premonitórios. Sim, os sonhos,
més IV. e, percebendo a respiração alterada dela, atribuiu à estranho modo de mexer com o futuro, como se brincasse
guma emoção mais forte seu desfalecimento., Porque ela se lembrava, perfeitamente, que havia an-
Logo foi chamado o médico que trouxe uma beberagem, Imente sonhado com aquele seu gesto; com o lançamento
qual a custo a fizeram tomar. Aos poucos, Tii abriu os olhos, r flores, em direção à biga real.
petindo: "... Estas flores, entre outras coisas, simbolizavam amor
- Ua-an-Rá! um compromisso, um voto..."
Ela mesma não sabia, então, o que estava a falar. Entont mente repetia como em eco as palavras do professor
cida, sentou-se nas almofadas e tomou a beberagem em gol sábio tão comentado, em toda a parte.
espaçados. Fitou o médico e perguntou a Huya: uvas postas diante dela, iam sendo esp.':§lmt~as em sua
-Cai? automaticamente, tanto quanto entorna,vá o vinho quente,

forte.
- Sim. Deve ter sido da caminhada que empreendeu ao a mesma automatização. I
,,- Já comeste e bebeste demais. - falpu Huya, tentando to-
- Ré não me faria mal. bandeja. .
- Então foi o leite dos sáurios. - comentou Nye.
levantou-se, caminhou para as cortinas que ocultavam
- Quanta tolice! - falou a princesinha, perdendo já o ar d
Sentia que desejava estar só, para pensar. Aturdida
solado de há pouco, para comentar, em seguida. - Minhas f
o que acabara de presenciar, aquele sonho antigo que se
res... ~ f<wt{I~!llZ'3.ra ela queria falar com Uu. Quem sabe ele' a entendes-
Huya a olhou sem entender, mas ye com o olhar ostr
que depois lhe explicaria o que a joven inha reclamava. Fora
buscar-lhe frutas, mel e tâmaras, para que se alimentass . pois, um gesto para que a seguisse. O jovem acorreu
Ela se deixou servir, imersa em p~nsamentos pro ndo A menina deitou-se e, como costumava fazer,
Desde a manhã, estava presa por um/sentimento de ansie a tinha medo, cobriu-se com um lençol de seda, tão dife-
inexplicável, uma certa angústia. Não sabia mesmo definir o q no seu estilo do linho egípcio.
sentia, senão que tudo lhe produzia uma inquietação estran ~ Liu, tu encantas as serpes ou elas é que te encantam...
o que a levava a agir por impulsos. Eu diria, sábia Tii, filha de Yuaa, sacerdote de Min, se-
Lembrou-se de Amenhotep e de suas estranhas palavras a sabedoria que me foi transmitida pela filha de Artata-
"Estes impulsos da alma regem mais a vida do que pode , rei dos mitânios, que há um acordo entre nós, difícil de ser
supor os mortais humanos...
É o eu mais profundo, o Sa que comanda estas atitude Farias para mim uma libação às serpentes, afim de que
Talvez, por isto, agora a jovem recue de seu oferecimento, ve mais meu sonho seja perturbado à noite?
do em que mãos estão postas as flores.. "
Como aquele homem podia saber que ela jogara as me uma das esposas de Amenofis 111
mas para o escriba, e não para o jovem príncipe? Como ele a
vinhara sua indignação? Nem mesmo seu pai, que tão bem

20 21
- Com o devido respeito, minha senhora, posso fazer as li- Para TU isto foi pior do que se a tivesse repreendido. O
bações que pede, antes que Aton esconda seu disco, porém, de seu pai doía-Ihe mais do que uma adaga cortante, ou o
porque não honras ao touro Mnévis, símbolo sagrado do vigor e chicote de Aye sobre os cavalos...
fertilidade, com uma guirlanda de flores, amanhã, quando de - Queria presentear-te algo. Pensei que gostarias de rece-
sua imolação pelos sacerdotes, suplicando que segurem no uma jovem nova para teu séquito. Chama-se Phtah, como a
presente as imagens dos teus sonhos? deusa, adora Isis e canta como a cotovia. Além disto, é discreta
- Quem te disse que meus sonhos fogem ao presente, e limpa. Gostarás dela...
Liu? À jovenzinha parecia estranho que seu pai a repreendesse
- Uma serpente me contou... sua desobediência e, ao mesmo tempo, lhe viesse com um
- A serpente negra que me prometeste... presente, em lugar de castigo.
- Primeiro precisas aprender a conviver com ela, para que - Meu pai, se esta jovem pode me ensinar os costumes
não te pique com seu veneno mortal, depois ela precisa apren- egípcios, pela visão de um servo ou de uma mulher; se ama
der a conversar com Tii. a verdade, está bem, para mim. Porém, melhor que salba~ que
- Sabes que lhe tenho medo. não pretendo isolar-me, desde que, assim, nad.a aprenderei que
- Vence o teu medo e serás invencível... me seja útil, nas relações com o povo que dominOU o nosso...
- Então, preciso perder o medo de sonhar com o futuro. - - Aprender vai bem, filha querida, mas desfeitear o prínci-
respondeu a mocinha. E depois, como se uma idéia nova lhe to~ é perigoso...
.masse de assalto: - Liu, em troca de meu colar de coral, ensi- A reação da mocinha foi um suspiro e um olhar de desa-
na-me a não temer a serpe negra. grado. Quem te ia contado ao seu pai o que ocorre~a .com ta_n-
- Prometo, princesa, mas primeiro devo iniciá-Ia no ritual tos detalhes? P nsou nas aias, na guarda, no sablo e nao
daserpe. soube o que dize ...
- Quando será? O que precisas? - Não procur or çelatores. Quem me _relata. o que se
passa contigo nos am . E o que importa. E nao deVias me ter
- Quando a grande lua chegar aos céus, no meio da noite, segredos, nem avançar além dos limites permitidos pela edu~a­
tu me darás uma gota de teu sangue e eu te ensinarei a não te- ção que te dei, e pela delicada missão que nos trouxe nesta via-
mer mais as áspides...
gem ...
- Que seja, Liu. Terás minha gratidão e... minha amizade. A menina abaixou a cabeça. Seu pai tinha razão, pelo me-
Agora vai. Daqui há três dias, marcaremos o local do ritual. nos em parte, pelo que podia pensar.
Liu a reverenciou e saiu. Somente então entra- Após o almoço, contudo, já não continha a impaciência e
ram, e, tomando estranhos instrumentos de tornou a sair. Num impulso estranho, retornou sob seus passos,
começaram a tocar para àdormecê-Ia. Do lado e pediu a Liu que a acompanhasse. Queria como que castigar
colocaram a estranha garrafa com o betume as aias, com a proibição de acompanhá-la, caso houves~em
molemente, embalada pelo carinho das servéls sido as delatoras a seu pai. Também a nova serva Phtah fOI en-
sonhar, ou se lembrar do que sonhara... carregada de ajeitar seus pertences, a ver se não lhe sumia
No dia seguinte, conversou pela rn~~nl-,i:l nada, e, desta forma, andou pelo acampamento, entre os solda-
soubera de sua sortida, mas tinha o tra[a~lla dos e servos, ouvindo conversas, e procurando passar por al-
solicitude e liberdade que apenas comentou guém sem projeção.

22 23
Sentou-se próximo à grande tenda. O sol estava a pino
Liu caminhou em direção ao poço, para servir-se de água, e Sua tiara caíra no poço, seus pés sangravam so~ as pe-
também trazê-Ia à mocinha. O calor era sufocante. Pela mente ,,,1,·0";<:''''da sandália rica, sua roupa estava. rasgc:da.e sUJa, quan-
dela passou a lembrança do presente da véspera, do estranho um cavaleiro, vestido como um ofiCiai eglpcl.o, apeou do
f'5i1\/all). dando ordens à alguns homens que o seguiam:
conteúdo de alta combustão, dentro do vasilhame. Abriu a tam-
pa, cheirou a massa disforme e negra, despejou um pouco no - Formem filas! Apanhem as vasilhas! Rápido! Cor~em a~
chão, ao seu lado. Observou que, com o calor, uma fumaça ne- "'''''r!<:>'''1 Retirem as pessoas! Primeiro as mulheres e crianças.

gra logo se desprendeu da lama meio pegajosa, e, de repente, L)FClnrl~m os animais!


uma chama se alteou, azulada, lambendo o ar e atingindo o secundando a jovem, aumentou a rapidez e qu.antidade
conteúdo da garrafa. Instintivamente, a menina jogou a mesma dança dos baldes de madeira, cujas tábuas se encal.xavam e
longe, e ela, dando numa pedra, rompeu com o impacto, despe- (:')sl:avam vedadas por uma espécie de betume, para eVitar o va-
jando o líquido flamejante em torno. Não demorou isto e logo a zamento da água.
chama lambia o tecido da tenda.
Com a leva de homen sob suas ordens, em pouco t~mpo,
Tii erguera-se num ímpeto. O fogo, rebentando em rápidas o fogo foi sendo dominado Apenas a tenda maior, que abng~va
chamas, atingia com avidez a tenda, e o vento tangia algumas rnuitas pessoas para a au iência real, fora totalmente ~estrUlda.
partes do tecido que, voando, iam contagiar em labaredas ou- Estarrecida Tii olhava par ela, pensando em seu pai, quando
tras tendas. O ruído do fogo devorador se confundia, com os pri- o faraó' vindo ao seu ncontro, junto ao velho sacerdote
meiros gritos de surpresa, o relinchar dos cavalos, os urros dos Yuaa Sem poder conter-se orreu para os braços paternos,
camelos e algumas pessoas já saiam tossindo ou queimando, ~al a reconheceram, cobe a de fuligem e molhada como
no meio da balbúrdia que se estabelecera. estava.
Da perplexidade, a mocinha passou a um desespero atroz. - Filha, que estavas a fazer? - perguntou assustado. .
Queria, por força, apagar o fogo. Correu para o lado de Liu que - Ela comandava a equipe de salvamento. - redargulu o
vinha do poço: jovem oficial Miufer, saudando seu comandante real. .
- Vamos! Vamos! - ordenou, correndo e tomando uns bal- A um gesto do monarca, o w~duado ~~Idado explicou, su-
des de madeira, e fazendo-os descer até a água, puxando-os, cintamente que chegara com notiCias da Sma, onde fora execu-
com força. . tar tarefas' do monarca, e encontrara o acampamento em
chamas e a jovenzinha, secundada por seu servo, a com.and~r
Tomava-os e corria em direção às chamas próximas,fa _ as pess~as no socorro a todos. Seu entusiasmo e admlraçao
çando o líquido, no tentame de apagar o fogo. Voltava e enchi
mocinha eram eloquentes demais, porén: 0r est.ado ~e ex-
outro. Liu lhe tomava das mãos o vasilhame e jogava a água,
tremo cansaço dela, seu pranto, falavam por SI so. Nlnguem sa-
correndo a apanhar outro. Algumas pessoas, vendo-os, come-
çaram a imitá-los. bia explicar como se iniciara o fogo. . .
- Talvez algumas brasas das fogueiras feitas para o almo-
Enquanto as chamas e os gritos aumentavam, mais pes- ço. - comentou um soldado. ' .
soas acorriam, e a menina começou a comandá-los. Tomava o
Percebendo o susto da jovenzinha, o farao ordenou.
balde, enchia, dava a alguém que passava a. outra pessoa, e
assim, sucessivamente, fazendo logo umafilaem que os baldes - Melhor que seja socorrida. Amanhã, quando. ~~rtirmos
iam e vinham cheios e vazios, numa dança infernal e rápida. para Tebas, preciso conversar com ambos. - falou dirigindo-se
ao sacerdote de Min.
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- Sem dúvida, meu pai, - falou uma voz atrás em triângulo, no dorso. Enrolou-a no mesmo tecido e, ao
meios de premiar devidamenta esta
('nntr,::lr,:,c> ela se transformara num colar. Sorrindo, entregou-o a
heroismo, para mim é ela já eleIta de explicando:
como nosso general deve ser como 1"""lm""nrl""nl'"
Sen-Nefer, príncipe guarda-reaL .. - Quando ordenares, ela se transformará em uma serpen-
lá, ficará como um colar, que deves levar ao pescoço.
Tutmés IV co~cordou com um sorriso. Também ele soube- - E se virar serpe, de repente, e me picar?
r':l encontro do filho c?m a menina sacerdote Min, que
vmha r~presentando os mteresses dos mitânios nas conversas. - Está sob um encantamento, como que dorme. Não te
Con~ecla seu rapaz e percebia-lhe a inclinação para a esbelta Aos poucos, aprenderás como conviver com as áspi-
menln~ de olhos amendoados, cuja beleza era mal ocultada Pode parecer a ti que nada aqui houve, porém deves ter
fuligem. pe,rcElbí<jO, durante o ritual, quando fiz os desenhos no solo, aos
pés, que estranhas forças quase te derrubaram. Tuas per-
- Brava filha de meu amigo e irmão, trata ir descansar, pareciam fragilizar-se... Eram forças antagônicas que luta-
qua~do a Tebas, saberei recompensar-te a vam. Tu foste aceita. Tua cobra virou um colar e teu colar criou
diante a bem como honrarei a bravura de De hoje em diante, ., sinar-te-ei a manipular os venenos e
nosso comandante e príncipe da guarda VU',",'''''''' das plantas. A dece aos deuses, pois foste pou-
. Não reveles os segred que te vou passar. Um dia
te ser úteis...
Tii nada disse. verdad percebera muitas coisas.
sensações estranhas e visão de uma cobra enorme,
surgia aos seus olhos, com se a fosse engolir, mas não re-
acampamento, em a cuara. A imagem parecia sair de sua mente, mas não ousou er-
a mão, pois sabia que a tocaria. Aos seus olhos ela estava

Logo amanhe~~" Liu tomou seus apetrechos e voltaram


ao palácio, que os aco dava em Tebas. Naquele dia, à tar.de,
o faraó daria uma recepÇ o especial, em homenagem aos he-
que haviam apagado fogo das tendas, no acampamento,
salvando vidas e evitando a tragédia maior.
Tii não queria comparecer. Sua consciência a acusava,
apesar de ter agido sem intenção, da morte e desdita de tantos.
Como, no entanto, recusar as honrarias, sem confessar seu de-
Ansiosa e triste, deixou que a ajaezassem para o evento,
com seu vestido mais rico, bordado a fios de ouro e azul. Uma
com pedrarias foi colocada em sua testa, e uma peruca
cabelos claros sobre seus cabelos. Riscos verdes davam realce
ao olhar. Tii estava líndíssima, mas triste. Yuaa oficiara o sacrifí-

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cio do touro, cujo corpo fora transportado com honras por Aqueles monstruosos deuses egípcios que ela conhecia,
~Us!O~ m,ancebos, de cabeças raspadas, que o levaram em próprio trabalho de seu pai na cidade de Anu ou On! Maat,
nmonla funebre para o local do embalsamento.
I%J'U;::'. Nut, Isis, Hathor, Apis, Anubis, Mut, Khonsu, Amon-Ra,

Pedras haviam vindo de local distante onde o granito e Sobek, o que tinha a cabeça de crocodilo e lhe causava
e marrom estava escolhido para a feitura d~s enormes ~+~.' ....... _ temor.
onde os restos devidamente preparados de apis seriam encer- Sob seus pés a multidão a ovacionava. Ao seu lado, um
rados. homenageado seguia com a biga ricamente ornada, plu-
rnas nas crinas do cavalo, par e passo acompanhando-a: era
Uma multidão imensa de pessoas se acotovelava no pátio. rebatizado pelo filho do fara6 de Sen-Nefer, prometido a
~xterno do templo, dedicado a Nut e a Amon. Em torno do Set-Nefer, de alta estirpe egípcia...
Imenso lago artificial, um coro entoava canções rituais enquan- Quantas coisas lhes haviam segredado naqueles dias, Liu,
to s.er:vos dos sa.ce:rdotes espargiam a fumaça de inc~nsos es- suas aias:
peclal~ na multldao, que supersticiosamente sentia nisto a - O filho do fara6 não é legítimo de Tutmés IV. - dissera-
proteçao dos deuses. Liu sob forte influência espiritual, como acontecia, todas as
vezes que ele entrava a virar os olhos, mostrando somente a
. Tii fitou a i':lensa figura de Semhret, o abutre com asas de parte branca deles - Ele é filho de Merit-Amon com o pai de
ISIS, sob. o p6rtlco da entrada e a grande fileira de esculturas Miufer, um soldado egípcio de nome Ser-Afi, que traiu o seu se-
que enfeitava as aléias.
Isto te será de grande valia, no futuro...
. As enorme:s pilastras de pedra, ricamente trabalhadas em Em seguida, entrara a falar um idioma estranho, que ela
baIxo relevo e pintadas com esmero coloriam o ambiente sob o conseguia entender.
sol. " Olhando para Miufer, ao seu lado, Tii imaginou se ele si-
quer tinha idéia que o faraó era seu irmão, por parte do pai...
Carrega~a por ~ervos escolhidos, sobre um estrado todo Sim, porque era muito difícil as informações de Liu não serem fi-
t~abalhado, a J~venzlnha mal podia conter as lágrimas, prenun- dedignas, e ele de . não se lembrava do que falara...
ciando o .que JrI~ acontecer: lembrando-se de que sonhara com A jovenzin sentia que pétalas de flores tocavam seu cor-
tudo aquilo, mUito antes, ha alguns anos, quando sua mãe fora po, e estrem ia ao toque suave delas, pensando nas labare-
acordada com seus gritos e seu choro convulsivo. Depois o so- das que haviam matado crianças e mulheres, e deformado
n~o. mau fora totalm~nte esquecido, e agora ele acontecia nos jovens e velhos... tudo era sua culpa, e o olhar de admiração,
mlnlmos detalhes: o Jov~m oficial egípcio, que a auxiliara a apa- adoração quase, que o comandante das tropas egípcias lhe lan-
.o
ga! as chamas... ;s?nba de olhos azuis... o jovem filho do fa- çava, aumentava ainda mais seu desespero.
rao.~ aquela cenmonla que vira nos mínimos detalhes, que a Pensara em c9ntar ao seu pai, a Liu, a Huya ou a Nye,
g.lonflcana sem que ela o quisesse, mudando o rumo de sua mas qual! Se o oC0rrido, por alguma razão, fosse descoberto...
Vida de um modo que não podia entender... ' Depois pensava Jm Merit-Amon e seu grande segredo... a pa-
ternidade de seu ~ilh. o, o herdeiro do trono. Alguém mais sabe-
Pensava em seu pa~s, em suas irmãs, na sua vida tão livre, ria? \
nos seus mestres e sentia como se tudo, repentinamente esti- "Se não queres perder um segredo, nunca o deixes ir para
vesse para lhe ser tirado para sempre. '
a ponta da língua" - sentenciara uma ocasião sua mãe.

28
29
. I Tutmés IV e Merlt
Agora entendia a sabedoria e o alcance daqueles palavras. sete degraus se Vla o trono rea .
Não poder falar, não poder desabafar com ninguém sua culpa a estavam sentados a lad? eu f'llho esperava.
martirizava mais, à medida que as vozes se alteavam em louvo- ab:aIX1D, em pe, S
o braço à TiL estremeceu.
res à sua pessoa, que as cabeças se curvavam, que as flores a
Deviam entrar juntos. Tudo
tocavam, que a larga escadaria se via, adiante, ladeada pelas er~m os homEmaa'Qe'8adssOoS. como se ela não soubesse
dezenas de pilastras gigantescas.
Ao lado direito uma enorme estátua de granito rosa repre-
exPllcado ,
•.,nl·",,...,i:::l("; de tu do, com
o se
~
'lã
P ela não houvesse antes sonha-

sentava a rainha Merit Amon, muito bela, com as feições redon- com tudo isto... . parando-a
das, os lábios bem feitos, o olhar firme e decidido. _ Tenha calma! - falou o jovem - Estarei am ...
- Sim - pensou Tii - aquela mulher guarda um segredo. levantou os olhos e fitou~o de perto.
Como pôde ela trair o marido, sem que ele soubesse? Estas _ Sem dúvida, era atraente .- pensou. um cadencioso
coisas entre homem e mulher podem ser dissimulados a tal Foram caminhando devag~r, ao som ocultas atrás das
ponto? Teria sido o amor ou a paixão quem haviam dado à rai- "derbak"2 enquanto jovens tangiam harpas,
nha coragem para arrostar a sentença de morte dada às adúlte~ . I E a como seu so-
ras? Lembrando o amor de sua mãe e seu pai, Ti;; pensou: mocinha tudo parecia estranho, Irrea. r
- Por que uma mulher trairia seu companheiro, seu espo- e seu pesadelo. Precisava acordar. ..
so? Seria devido aos casamentos entre irmãos no Egito, que vi-
nham provocando sempre descendentes doentes e ~~~~~:z~~~~~~~ia o~~i~o~ are~g~ d~ or (j;~ho~ic~~~re-
fragilizados? Isto explicaria a paternidade da criança? l"t,~nrll("; seus feitos heróicos, durante o Incendl ,e a
g
Olhou para o comandante que elegantemente cavalgava comandante com sua guarda...
próximo de si. Era belo, atraente, sentia por ele um sentimento difícil controlar-se. alha de ouro onde
indefinido, misto de confiança, admiração, curiosidade. Seria Miufer foi chamado a receber uma me . e inscrito seu
seu pai, na juventude, tão belo e atraente quanto ele? estava impressa em baixo relevo seus fitos,
O jovem, sentindo-se admirado por ela, fitou-a com um sor- nome com menções honro:~~ uinalmente, ergueu a cabeça e
riso. . A;~~:n~eCsh~:~~~~us. O ~raó a in.titu~ava princesa de seu
Tii desviou os olhos, temerosa. Abaixou a vista e vendo já su blU r' como Irmao real. ..
a escadaria que a, levaria para dentro do palácio, viu, ao lado do reino o comandante era prll1Clpe, ho Adiantou-se o
, r' (ncesa tal co~no son ... .
faraó, seu pai, oútros sacerdotes de Amon, e, atrás, o jovem es- Pnnclpe e P I. '.... ':v r tirou dela um colar. Um bn-
criba que lhe havia causado tanto impacto. jovem herdeiro, abnu nca ca,,,a e rnêSmo e colocou-O em seu
Chegavam. O rico estrado foi abaixado. Tii desceu, segui- estranh.? ~os olhos, tomf~t o de oUro-elápis lazuli e repre-
pescoÇO. Til VIU que ele er~ el o
da de um séquito de jovens com flores e cestos de pétalas que
lhe eram jogadas, criando um tapete oloroso no chão... sentava a flor de lótus do Nilo s:gç~~~~ a cair de seus olhos. Ela
Lágrimas abundantes com
Logo se viu diante do faraó e inclinou-se em respeito. mal podia conter os soluços.
O rei a tocou com seu báculo e voltou-se caminhando para
o interior. Todos ficaram à espera. Quando o gongo soou, foram - , COZI'd a e peIe e sticada,de carneiro
'pcio feito de argJla
2 derbak - instrumento de percuss ao egl ,
entrando devagar e se posicionando ao lado esquerdo e direito
do grande salão.

30
- Nunca vi tanta modéstia! - comentou Miufer.
Tii queria gritar que não era modéstia, era vergonha, era
medo o que sentia. Não tinha mais o domínio sobre seu destino,
como até os dias anteriores, quando desafiara o faraó.
- Escreva sobre isto. - comentou o rei para seu escriba. CAPíTULO UI - OS MISTÉRIOS DO PODER
A jovenzinha olhou para Orion e percebeu uma semelhan-
ça entre ele e o comandante. Somente então, um comentário de
Phtah lhe veio à lembrança:
- Miufer e Orion são irmãos, ainda que de mães diferentes. - Mas eu não quero!. .. Não quero!. ..- soluçou Tii, abraçada
Orion é meio grego... ao pai, tão logo se viu a sós com ele, nos aposentos riquíssimos
Nem teve tempo para refletir mais sobre isto. que lhe haviam sido designados, após esperar impacientemente
Diante da corte reunida, o faraó anunciou o pedido oficial que Huya e Nye conseguissem que o bondoso sacerdote pu-
de casamento de seu filho, solicitando a mão da jovem Tii para desse vir a ela...
esposa do mesmo. - Minha querida, não podes recusar este rêmio, com o
Emudecida, ainda banhada em lágrimas, foi ela conduzida qual a obsequia o senhor do Alto e Baixo Egito. e houvesses
por seu pai à frente do jovem que há pouco a obsequiara com ficado quieta, no acampamento, por certo, não ter'as atraído as
um colar de suas flores prediletas. graças do príncipe herdeiro... Agora é um pou o tarde, quer
Sua intuição não falhara. Sua vida nunca mais seria a mesma. para pranto, quer para outra decisão.
- E se eu ficasse doente? Se eu morresse? Tu conheces
os segredos da morte aparente, pai. .. poderias matar-me, enter-
rar-me, livrar-me dele...
- Filha, pois não te entendo. Muitas mulheres te invejam,
precisamente por esta escolha que recaiu sobre ti. ~___//
- Pelo poder que representa, não é? E quantas jazem no
harém sob a égide deste poder que não ambiciono? Quantas
damas estrangeiras, todas de elevada posição, já dormiram
com o príncipe, meu pai? Sei que uma de suas esposas é irmã
do rei da Babilônia, e a outra não é a terrível Gilukhipa, irmã do
rei dos mitânios, amiga de meu pai? Quer que eu conviva com
elas, e com as mulheres do Oriente, da Síria, da Mesopotâmia,
eu que fui sagrada a Isis, que conheço os segredos de Mitra e
de On, e de Surya?l

1 Surya é derivado de Shuwardata. deus Sol védico. de origem indo-ariana MUra é um deus da
índia, cujo culto era sagrado e vedado aos profanos.

32 33
- Cala-te, Tii! Que não te ouçam os sacerdotes de Amon!
- Não procuro os mistérios do poder. Quero os mistérios
Teu esposo será o novo faraó da décima oitava Dinastia egíp-
amor, meu pai.
cia. Seus ancestrais, os reis de Tebas, libertaram o Egito do do-
mínio estrangeiro. Desde a Síria e Núbia, há lutas e domínios. - Filha, o amor deve ser repartido com todas as criaturas
Eu mesmo vaticinei, durante seu nascimento: Criador. A escolha não é nossa!
- Que Criador maior é este, que sabedoria é esta de On,
"Esmagarás os grandes da Síria. Ficarão sob tuas sandá- não ouve o bater do coração de seus filhos?
lias"...
- E por quem pulsa o coração de Tii? Por Orion? Por fv1iu-
E é contra este homem, a quem os números apontam
como escolhido e os vaticínios de On prometem triunfo e glória - Pelo menos não pulsa pelo prepotente Amenophis, fil o
que desejas te levantar, Tii? Cuidado, minha filha! Se o Senhor bastardo de Merit Amon!
dos Mundos te coloca em tal posição de destaque, fazendo com
Yuaa teve um momento de estupefação!
que as mulheres do harém estremeçam com a escolha da filha
de Yuaa, sacerdote de Min, do culto de On, pequena e frágil, - Estás louca, minha filha? Da forma como falas, podem
como as flores de lotus, porque tu te negas a este escolha? Até ouvir-te até abaixo de quarta catarata do Nilo! Tii, pelos c~u;,
quando pretendes lutar contra o destino e o misterioso poder de ouses impor tua vontade e teus caprichos, sobre os mlste-
domínio que comanda os mortais comuns? Tii, eu não ganhei do poder. Ninguém tem o conhecimento total, nem o verda-
de tua mãe um filho, que me seguisse, e te cerquei de cuidados, amor, senão quem criou os céus e a terra, e tudo que
como o faria a um rapaz, iniciando-te nas guerras, nos conheci- neles há Não posso atender teu pedido.,Não. posso da~-te o
mentos herméticos. Te permiti o acesso às minhas anotações que não é teu, ainda que muito te ame. AI~m disto, de hOJe em
mais caras, mas sabia, desde teu nascimento, filha, que terias o diante deves tomar muito cuidado. Estaras sendo observada
cetro nas mãos, e o terás, mesmo que te custe acerbas dores por mil olhos, porque o poder do faraó é tão imenso quanto o
morais, mesmo que teu coração seja ferido mil vezes. li isto em deserto. Inútil é lutar contra os desígnios do deus dos deuse~,
tua carta numerológica, li isto nos astros, no dia em que te oscu- Além disto, filha, tu serás a primeira esposa real do herdei-
lei, pela primeira vez, vi isto na fumaça das libações a On, con- ro.
firmei isto nos sonhos de tua mãe e de tuas irmãs, e agora, que Tii arregalou os olhinhos surpresa. Não tinha sangue real
uma nação inteira celebra o pedido de casamento que te fez o egípcio nas veias, como poderia ser a primeira esposa real?
príncipe real, agora que recebes as boas vindas, que se ergue - Foi muito difícil, mas falei de tua iniciação em lsis, e
em toda a parte agradecimentos a todos os deuses do Egito por como isto impediria teu casamento...
esta aliança, vens pedir-me que te apresente morta à Corte? - Então...
Crês que os cultores de Amon são tolos? Já se ouviu falar muito
- Então, o faraó, com seu poder divino, te desvinculou de
da morte aparente de Amenenhep e de uma sala pentagonal
Isis, transformando-te, desde ontem, em princesa r~al. Deste
onde o mantiveram vivo por décadas, afim de passar seus co-
modo, minha filha, prepara-te para usar teus conhecimentos .e
nhecimentos aos descendentes e dos labirintos portentosos, as
tua juventude em prol da grandeza do povo. sobre o qual vais
duas pirâmides que ergueu no oásis, e do lago artificial de Moe-
reinar. .. Terás em mim sempre um conselheiro, a quem deves
ris. Desde Marros, que se ouvem coisas prodigiosas. Os inimi-
calar tuas dores pois calar, filha, é necessário, para vencer. ..
gos de On, os astutos sacerdotes de Amon, estariam atentos à
tua morte. Afinal, o que procuras, Tii? Estas largas pa~edes ouvem melhor e vêm ?om mais clar~za
as sacerdotizas e os iniciados... Vem a mim, quando qUlse-

34
res, e eu virei a ti, mas precisamos entender-nos, sem pala- de versos, que sabia de cor e queimou-o. O destino es-
vras ... - e o pai da jovenzinha, entregou-lhe um pergaminho, por ela, mas só aparentemente. Tii estava resolvida a dar
dando-lhe um beijo. Destino uma lição exemplar...
Tii abriu-o e leu um lindo poema que o pai lhe escrevera Caminhou pensativa pelo aposento. Enxugou as lágrimas.
anos antes. Ela quase o sabia decor: não lhe haviam os deuses mostrado seu futuro? E por
- A palmeira se curva para ver Tii, não se lembrava da continuação de seus sonhos? Teria no-
aquela que caminha sem medo, avisos à noite ao dormir? Por que dormir? Melhor sair, ver o
vence aqueles que a comandam, pensar na multidão adormecida lá fora, nos barqUei~s....
mas não comanda seus desejos... não longe dali, já que não era mais possível retroceder..'
Isis lhe empresta as asas, Tii tomou uma capa com capuz, colocou-a e saiu pela po
On lhe atira flores do Nilo Do lado de fora, contudo, o príncipe da guarda real obstou- ~/
a lua prateia sua veste clara, a passagem:
invejosa de seu brilho. _ Melhor que te recolhas aos teus aposentos, ó favorita de
Caminha, Tii, filha de Aton, Anlermtis.
como um ráio que desce na areia, _ Tens ordem de impedir-me a saída? - redarguiu ela com
aquece o que tocas, vivificas, certo desdém na voz.
dás vida a mãos cheias... I - Tenho a honra de cuidar pessoalmente estes dias de tua
Vai, Tii, qual a garça e a ibis, íHlgurança. ,
voando a dançar pelo espaço _ Tanto melhor. - fez Tii, fitando-o com um falso desdem, e
sob as bençãos sagradas de Isis, caminhando pelo imenso corredor, ornado de pinturas e murais,
deixa marca teu passo. pelo colorido se destacavam esplendidamente da parede
Leva o fogo sagrado, terrível, h,~,n"·'" forrada de um finíssimo alabastro.
a verdade calada, o destino, _ Creio não ter-me feito compreender. - fez o oficial, obs-
és um pouco menina, és mulher, rarlaCHrle os passos. - Não posso permitir que saias, expondo-
um pouco homem e um pouco menino. a perigos.
A jovenzinha apertou o papiro no peito. O poema antigo, _ Estás a me dizer que sou uma prisioneira? - perguntou a
lembrava-lhe o desejo paterno de que fosse um menino, ou pre- levantando o queixo.
nunciava que deveria ter o mando de um homem? Por que fala- _ Não, diretamente. Apenas, caso saias, minha cabeça é
va do fogo, justo do fogo que lhe trouxera aquela sensação de não ficará sobre o pescoço.
perda, de medo, de castigo? _ E a presas muito, não é mesmo? - fez ela rin_do-s~. -
Ela precisava conhecer os mistérios do poder, e, para ela, então, digo-te que me acompanhes, porque, se nao o fIze-
eles se cruzavam com os mistérios do amor, sim, porque era res, quando eu for rainha, e, pelo visto o serei, só pela lembran-
certo que o jovem herdeiro a amava, senão não a faria a primei- de hoje, tua cabeça não ficará sobre o pescoço. .
ra do seu harém real. A primeira... isto queria dizer, a favorita, a _ Isto é um capricho imperdoável, mesmo a uma rainha. -
mais invejada, a mais observada, a mais perseguida. pelo me- falou Miufer, tentando convencê-Ia.
nos aparentemente, deveria ser poderosa, sem vínculos ... Diri- _ Então, se não devo sair, para te poupar, vem tu aos
giu-se a um móvel onde a chama de uma vela ardia, beijou o meus aposentos. Quero conversar com alguém...

36 37
- E o amor, Amenhotep?
- Posso chamar uma de tuas aias, se o desejas...
. - Minhas aias não tem nada de novo para me dizer. Tu, éo poder, que o hl"l,nOim dlesc:onI1ec:e
sim. Quero que me fales do príncipe, das conquistas na Síria, da diversas e múltiplas nuances e medidas. Quem o
corte... se é o serve, quem o
"",,,,tór,r!o possuir, pode perdê-lo...
- Um soldado não é um bom conversador, majestade.
- Um soldado não. Um oficial, um príncipe, sim. Vem. para o v .....,""'",
- Não posso. Isto, por certo, me custaria muito mais do M&:,lhf1r para ela, que não a andando pelo
que meu pescoço.
- Como chegaste a oficial, com tamanho medo?
- A cautela é também um escudo, e a sensatez, princesa. .. .... , ",OIV, este é o caminho dos sacerdotes? O templo? Ou
O oficial sublinhou bem a última palavra.
- Bem, s~nto p~.lo teu p~~coço ou... o que mais desejas - Seu caminho pode ser a vida ou a morte, princesa.
preservar, - disse Til - mas Ja perdi tempo demais com esta dignada com o maior não deve constranger um
c~nversa tola. Vou sair. Se tentares me impedir, gritarei e, se que a ajudou num momento difícil, como o da /cna-
gntar, podem pensar muitas coisas... tomavam o acampamento. Pensa, sem chega-
_ O jovem oficial a olhou admirado. Til saiu andando, e ele os danos poderiam ser maiores, e, conseque temente,
I<':>r<ri ......,,,,,, também ...
nao teve o~tro recu.rso senão acompanhá-Ia. Ela seguiu pelo
corredor, at.e dar na Imensa sala onde fora recepcionada. Cami- evidente para ela, algum modo, o ábio conhe-
nhou e subiU os degraus, examinou os dois tronos onde o rei e cia a Ti! não discutiu. Cumpr!mentou-o e tornou sob
Merlt Amon haviam estado sentados, naquela tarde. Observou seus passos. Atrás grosso cortinado, o sacerdote de Amon a
os desenhos olho sob o doceI, e desceu lentamente, onde Miufer a acompanhou. Na ela lhe as
uma coluna truncada estava ladeada por três círios acesos.
- Que busca a futura rainha do Egito? - perguntou uma - Obrigada, pelo passeio. É dormir..
voz grave como que vinda das sombras.
A jovem estremeceu. Conhecia aquela voz. Era de Ame- - Se quiseres, poderei pedir ao que me permita escoltá-
nhotep. Sem titubear, contudo, respondeu: amanhã num passeio pelo rio. Verás a caça aos patos
. - Procuro. acordar Amenhotep, para que me desvende
mais sabre os Impulsos que regem os destinos dos homens e sorriu. Pos-se na ponta dos pés, e lhe deu um beijo no
os mistérios do poder. oficial esperava por aquilo. seu cons-
. Saindo da obscuridade, o jovem sábio deixou-se ver. Tra- lr""nr<im,oni'n ela se ruborizou. Entrou no quarto com o cOlraç:ao

zia nas mãos o cajado, a túnica sem adereços o estranho pe- aos saltos...
dantif: '
- la se casar - pensou - ser a rainha Egito, e estava
- O~ando qui.seres ver-me, é só me chamar. Por algumas hiJii:::lrHin um oficial no corredor .
flores, rmnha menina, ganhaste o trono do Egito. Não percas,
por elas, as obras que te competem realizar nem os tesouros amor é o poder quem o domina, se domina,
é o serve, quem o pretende possuir,
que te viráo no caminho. O maior mistério do'poder, é não que-
rer pOu~r algum, e ter todo o poder. perdê-lo"... dissera o sábio.

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_ Para aqueles que povoam seus pensamentos...- redar-
Por que beijara o oficial? Gratidão, porque lhe fora aliado
no apagar do fogo? E, por qual brincadeira do destino era ele a jO~~~~deu além do que a outra dizia. Sim. Sua jovem
meio irmão de seu futuro esposo e do escriba, ao mesmo tem-
po? ~H:jrVa amava seu futuro esposo. como presente meu cantes
Saberia ele deste parentesco com o filho do faraó? E por _ Pois bem, Phtah, quero q u e , . '
que Liu lhe informara, quando em transe, que um dia isto lhe se- mesma canção para ele. .
ria benéfico? Sentia solidão e tristeza. Por que, se estava diante _ Senhora! - exclamou a outra aturdida.
de um futuro que todos desejariam? Por que sentir-se só e per- _ Agora, se possível, Phtah! . _
E, sem esperar resposta, TU levantou-se, e chamou o 10
dida, quando fora a vida inteira preparada por seu pai para
aquele momento? Sim. Não tinha dúvidas. O velho Yuaa não
estava surpreso com tudo, não parecia desconcertado ou teme-
vem ~fi~~~~ minha serva para que distraia e sirva o jovem her-
roso, pelo menos não por ela, de quem exigia decoro, atitudes de Tutmés IV.
firmes, a quem tratara com doçura, mas preparara como a um _ Senhora, não posso ausentar-me de m~u posto. orde-
homem que precisa conhecer os povos e as leis que regem o _ Pois ordena a um de teus homens, assim como e
poder. Se ele não temia por ela, por quem ele temeria? De re- rlO a ti! - respondeu ela. .
pente, veio à sua mente, a visão do sol doirado que a envolvera, Miufer obedeceu sem entender, pensando.. es. Serví-la
que a fizera desmaiar de temor, de susto, de adoração quase: _ Esta menina é inesperada em suas atltu
- Uá-En-Rá!
Sim. Esta era a resposta, mas o que era "Uá-en-Rá? ~~~~:~~c~~soldado levou. Phtah, que a fitava ~~s~I~~~~~
perguntando se seu canto a teria desgostado, ao q
Tii, tocou a sineta. Veio Phtáh com um instrumento de cor-
da. pondera: . rflhá lo
. - Agradou-me tanto, que .d~se]o p~ I - . do malicioso
- Cante para mim. - pediu a jovenzinha, enquanto Huya e Tii olhou para o jovem oficiaI, so~nu-Ihe de mo
Nye a ajeitavam no rico docel onde a colocaram.
Phtah começou a tocar. Sua voz se ergueu calma e doce, e co~e~~~~r~eq~~~~ ~~rt~~~~~~~s~~nhos, jovem príncipe real,
em murmúrios. Tii pensava: tanto quanto já tens íncomo~ado os meus. d' 'h' à cama dor-
Onde aprendera a cantar assim? O que aquela canção lhe A porta se fechou atras dela, que se. In~lu ,
recordava, para dar-lhe tanto sentimento? mindo sem recordar seus sonhos àquela nOite...
Pediu que as duas aias saissem. Elas, enciumadas, aten-
deram.
- Traduz pra mim o que dizia tua canção. - ordenou TiL
Phtah traduziu os versos singelos, que falavam da noite,
da saudade, da solidão.
- Esta jovem guarda um segredo. - pensou Tií, e ordenou:
- Para quem cantavas, além de mim?
- Phtah cantava para TiL ..
- E para quem mais?
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CAPíTULO IV - SUCESSO E PUREZA

Quando Phtah retornou dos aposentos, do faraó, Tii perce-


que ela vinha como que transtornada. A jovenzi fla pensa-
mentos desencontrados pulularam em seu cérebro Teria feito
em jogar praticamente sua serva nos braços d príncipe do
Não lera ela nas pupilas de sua protegida ue esta esta-
enamorada? E, se ela o lera tão bem, por qu não o faria o
lovem e impetuoso herdeiro do trono, acostuma o às mesuras
corte, e a ter quem bem quisesse por compan ia?
Ao mesmo tempo que "sabia" interiormente que Amenop-
111, o futuro faraó, não perdera a oportunidade de ter uma
agradável com sua serva, Tii se irritava tremendamente,
lhe haver proporcionado tal encontro e também por haver,
com isto, de algum modo, marcado o coração de Phtah de for-
ma inimagináveL
Observou-a, enquanto esta a servia pela manhã. Estava
calad;a, como sempre, porém seus olhos estavam ausentes, da-
modo que as pessoas têm, quando mais voltadas para
seu interior que para seu exterior.
Querendo arrancar dela algo que pudesse desnudar sua
emoção ordenou:
- Canta para mim!
A jovem teve um estremeção, como chamada à realidade
sua condição, ou porque o simples ato de cantar lhe
brasse a véspera, as ordens de TiL
Trêmula tomou o instrumento de cordas predileto.
Sua voz era um cicio, a melodia transcorria singela e
sem uma letra.
- Canta-me outra. Canta-me aquela que me cantaste on-
tem.Quero ouví-Ia novamente.
. A serva a fitou com os olhos meio assustados. Não se sen- em ir ter com minha mãe, porém uma serva do harém
tia pr~parada para evocar seus fantasmas, porém a severidade me contou que ela jánão está entre os mortais. Seu cor-
da pnncesa dos mitânios não lhe deixava alternativa. descansa numa das colinas de Golan, para onde foi à minha
. ~~ posse dos seus recursos verbais, ela respirou fundo e Os horrores da guerra povoaram a minha infância e
pnnclpiou os a~ordes da ~e.lodia. Parecia querer ganhar tempo tenho para onde voltar. Não guardo rancor no meu coração,
para mudar o nt~o do propno coração e a respiração acelerada 11"'",,)... <><:, aprendi a transformar em canção todo o meu sentir.
demonstrava à pnncesa o que ela tentava mentir. Com exatidão
- Por isto te chamam de cotovia... E como meu pai te ali-
a~ palavras lhe s~íam da boca, mas a voz tremia, confirmando a
Til suas c.onclusoes. T~lvez lhe bastasse uma única pergunta,
n: as el~ :'lIa os ,f~tos, nao do ponto de vista particular, com uma
/10
- Teu pai comprou-me a um mau senhor, quando me viu
mercado de escravos. Prometeu-me tratamento humano e
slstematlca analise de quem se expressava através do canto.
, .De olhos baixos a serva continuou, até dar o acorde final à sou grata.
mUSlca. - E achas humano o tratamento que estou te dando, obri-
S.om~nte então, sem dar-lhe tempo para qualquer reação, a ir cantar para o príncipe, sabendo que o amavas?
a menina filha de Yuaa chamou: - Senhora!
- Phtah!
O chamado imperioso a obrigou a olhar para sua senhora
J
- Não te assustes! Sei que conhece os limites deste rela-
ao que esta perguntou: ' Gionamento. Terias que fazer o que ;(te ordenasse, mas foi
,,,,r.lh,,v que o fizesses por tua:von'tãêle. Teu segredo é meu se-
- Dormiste com o príncipe?
Sei da pureza de teus sentimentos e o respeito, porque
- Senhora! - falou a serva corando, assustada. P'AC·tr.V;'" que respeitassem os meus...
- Diga a verdade, Phtah! Não sejas covarde! Terei meios
de saber! - Senhora, e não os respeitam?
- Sim! - respondeu a outra baixando o olhar. - Até onde queres saber, Phtah? Que o sucesso de uma
. - Muito bem, Phtah, falas a verdade. Se metivesses men- f)e!3SCla as vezes cobra a pureza de suas intenções? Que su-
tido, eu te castig;:;ria. por isto. Sei que o amas. Não repudies teu CeSSO e pureza nem sempre andam juntos? Quem é que te põe
amor, ante~ ele e sincero como a luz de Ré. Agora me digas:' que devas invadir meu mundo interior?
Tens-me raiva por ser eu a futura esposa do príncipe? - Todos dizem que o mundo interior de Til é indecifrável,
- Senhora, a raiva não pode ter guarida no coração de um senhora. Que és inesperada em tuas resoluções, justa em tuas
servo... sentenças, imprevisível em teus desejos.
- Co~ta-me, então, tua história, de onde vens, como che- Til sorriu, reconhecendo na serva uma inteligência invulgar.
gaste aquI.
- Conta-me, Phtah, o que faz com que o príncipe domine
, -: Senhor~, ~enho da Síria, onde meu pai servia como mer- teu coração? .
c~nano C:O exercito. D~sde que meu pai morreu em combate,
minha mae se .consorclou, ou melhor, se ligou a um outro ho- - Senhora, isto é o s~gredo da vida, que nem o sábio Ame-
mem.: que, .devldo aos seus pendores, procurou ligar-me a ele. nhotep poderia decifrar. E mais enigmático que a esfinge de
Eu nao cedi aos seus rogos, e ele me entregou a uma caravana ou os cálculos de Queóps...
de escravos para servir ao Rei. Desde então, tenho pensado - Conta-me, mesmo assim. Não me omitas nada.

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- o que eu sei é que, se ele me fita, meu coração dispar Impossível à serva deixar de ficar perplexa diante daquela
que se ele me estende a mão e me dá uma ordem, eu mal a e
cuto e a obe?~ço sem perceber. O que sei, e, perdoa-me, s mensagem seria aquela? Sem dúvida, Tii a estava
nh?ra, por dize-lo, é que o acho belo, inteligente, perspic
altivo, um deus. .
Mordendo o~ lábios, a serva tomou o pergaminho e o es-
- E a mim? O que me sentes? nas dobras de sua túnica e, com uma vênia, saiu sem
F/!F'I'''',",o.

- Se~ho~a, eu a}nvejo por seres a predileta do príncipe...


-,A Inveja é ma ,companheira para quem a sente e par Dentro da princesa dos mitânios, um furacão desencontra-
quem e alvo dela, e, so por isto, eu poderia mandar-te matar. .. sentimentos estava prestes a explodir.
Phtah se fez pálida de susto. Suas mãos se altearam Por que seu pai e os deuses, por que Ré a obrigava a
direção ao peito. casamento que jamais desejara? Repudiava aquele suces-
- ~orém, Phtah, a tua sinceridade é uma arma em tua de- mundano pela vida que tivera até então. O que a aguardava
fesa maior que teu amor. Jura-me que me servirás e eu te Uma corte cheia de vícios, onde se matava a macha-
meto que sempre poderás estar com ele, com minha pelrmlissão. qualquer infiel, onde os sacerdotes solapavam o poder
A ser~a a fitou sem. entender. Como podia siquer pensar o onde a própria rainha, ela o sabia, traía seu marido? E por
que. a mAenJ~a lhe oferecia? Concubinato com o príncipe, com a ela o traíra?
aqul:scencla da sua consorte? Nem em sua pátria, onde a poli- Procurava, através de servos prestimosos, saber sobre
gamia era costume, nem entre os povos semitas encontrara tal
proposta. Pelas informações que lhe haviam sido entregues, ainda
- Jura-me, Phtah, por tua alma. Pela salvação de tua alma el\4'Utlamanhã, soube que ele fora um dos braços direitos do fa-
por teu pai. Jura! ' que comandara tropas na região de Helesponto, e que de
- Senhora, minha obrigação é servir-te. após anos de encarniçada luta, trazendo pela mão o
- Ju.ra que o farás, mesmo que minhas ordens contrariem Orion, que era um pouco mais velho que o último filho
teus sentimentos! sua mulher egípcia. Que or ficar desiludido da vida
guerras e que s fastara, par editar num longínquo
Trêmula de pavor e medo, Phtah respondeu:
mosteiro, do qual voltara diferente, totalmente alheio às ambi-
- Juro!
materiais, e que perambulara por alguns anos com uma
- N~ momento certo te cobrarei este juramento. - falou Tíi azul, comentando que precisava purificar seu Ka e seu
como se IstO não fosse tão importante. ' para comparecer diante do Eterno Poder.
Em segu~da, dirigiu-se a pequena cômoda de folhas de jun- Muitos o tinham como demente, outros apenas como mais
co com madeira e tomou um papiro. Com um tinteiro escreveu um dos místicos que pululavam pelo império. Os sacerdotes o
algo nele, e o fechou com o lacre quente sob uma vela marcan- iniciado em alguns conhecimentos na Casa dos Mortos,
do-o com seu anel de áspide. ' ele trabalhava para prover o próprio sustento, e que desa-
- Leva isto a Orion. ~ão logo ele o tenha lido, pergunta se parecera sem deixar rastro, após haver ingressado um dos fi-
!em resposta. ,?ue ~Ie a de ~e viva voz ou escrita lacrada. Faça lhos na carreira militar, como ele, e encaminhado outro para a
Isto sem que nlnguem te veja entregar este recado. Vai, e que dos Escribas, afim de servirem ambos seu antigo senhor,
os deuses do Egito te protejam. o faraó.

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-o que levaria um homem a tais excessos, fugindo do procurava entender o que Amenhot~p lhe dizia, e temia
prêmios que fizera por merecer? Tii imaginava que soment que demonstrava profundo co~heclmeflto.de seus pen-
uma profunda dor ou uma decepção muito grande poderiam t i{;ji;j""'Hê\ntr,~ não houvesse descoberto a Incumbencla que acaba-
feito com que Ser-Afi abandonasse seu posto, para entrar e a Phtah.
tal introspecção que o haviam de modificar tão profundamente. Creio que melhor faríamos, mestre, se tivéssemo.s hora~
E o sucesso teria este poder de transformar também Tii, d fl'll~r(:l~dé:l.S para as lições que pretende me dar. - f~lou a J.ovenzl-
querendo com seu modo meio deselegante, impedir que o
pureza de suas intenções, em um ser diferente? Por que a
percebesse o tumulto que lhe ia na alma.
gentilezas do jovem sucessor do trono tinham o poder de i
Amenhotep sorriu e respostou: . _
quietá-Ia, mas não a encantavam? Por que seu coração não s _ Princesa, mesmo para alguém tão inteligente, ~s lIçoes
inclinava naturalmente para ele como o de Phtah? Neste caso i'li""k.rr'o ainda não a premiaram totalmente. E um rei ou uma
como o Destino explicaria a rede que lhe armara, e da qual ela precisam utilizar mesmo deste estratagema, frente aos
vira parte em seus sonhos? j"'li!"jr'f"\~ de sua tranquilid~de..Mas T.i~ .talvez pense que atacar
Acariciou a cobra, feita colar no pescoço. Lembrou-se qu~ ",in"'oi·irl~~rlA lhe granjeie aliados fieiS... , . ,
seu prometido pedira para que ela se livrasse de tal colar, pois A jovenzinha não pode conter o estupor. Sem duvlda~ o sa-
lhe causava má impressão: linha ciência do que andara afazer, da conversa e atitudes
- Não preferes antes o colar que te dei, das flores de lotus? "'.t'lt.,ti,'-!",,, com Phtah.

- O ouro é puro, corrompe quem não o é, mas a cobra - Sê mais claro, Mestre!
lembra a morte, e isto põe sabedoria no homem que não _ Cuidado TiL Não deixes que teus sentimentos dominem
se julgar nunca todo poderoso. cérebro, ou que sirvam dele. ~uita ~ente pode vir e en . ~~
- Mas se eu te pedisse... escolhas. As pessoas nao sao bnnquedos. o peças dos J.o-
que manipulas desde a infância com as amigas, Y~aa ou Liu.
- Usarei teu colar, depois das bodas. - prometera Tii, sem, não podem ser usadas ao bel prazer dos teus deseJos...
contudo, se comprometer de tirar o outro, igual à serpente. _ E quem Amenhotep pensa que eu estou usando? - per-
E se ela desse ordem a áspide para que criasse vida?
a menina.
Poderia morrer, e livrar-se de um casamento que não de- _ No momento, nem tu sabes ao certo. Melhor fora qu~
sejara. nunca soubesses o quanto te será cobrado pelas escolhas fel-
- A morte não nos livra do Destino. Só o adia. - falou uma desde hoje... I . .
voz à porta de seu quarto. mudando repentinamente o ~umo d~ convers~, conc UIU.
A menina ergueu-se e olhou o jovem Amenhotep parado à _ Se desejas mesmo algum tipO de Info:maç~o..' d~ qual
porta de seu quarto, que a cumprimentou com uma vênia, co- PO:SSé:l.S auferir algum proveito, estarei a tua dlsposiçao a hora
1
mentando: após as preces de Aton • •

- As preocupações da futura soberana do Egito, com o su- Antes que a menina saísse da perpleXidade, ele com uma
cesso e a pu~eza são demonstração de sua elevação espiritual. retirou-se.
E as conclusoes tiradas, com relação à incompatibilidade destes TH ficou a meditar, aguardando a volta da serva com a res-
dois estados do mundo, são fluídas da análise das relações do que ela exigira.
homem do mundo. Porém, princesa, as almas escolhidas sa-
bem usufruir o primeiro, o sucesso, sem perder a segunda, a 1 As preces de Aton se davam ao meio dia, no templo dedicado a tal deus.
pureza. E um ser superior, que participa de vosso destino, já se
deu a conhecer, mostrando à futura soberana, que isto é possível.

48 49
CAPíTULO V - AMOR SINCERO

dia seguinte ao encontro de Tii com Amenhotep, a jo-


U'MF1,,.,h,,, com um fundo vinco entre os olhos, meditava soturna-
Enviara, por Phtah, uma mensagem a Orion, exigindo
-fosse ver, mas ele respondera com uma desculpa, dizen-
o príncipe requisitara seus serviços, bem como o faraó e
i',ii'll,c;~ri<> na Casa dos Escribas, durante todo o dia. Não mencio-
que estaria a disposição um outro dia. Sequer tivera a gen-
de agradecer o convite.
A princesa mitânia não podia conformar-se com a atitude
tl(iJ;SC()rtE~S
do plebeu, que vinha ocupando parte de seus pensa-
t'lín,ntr)Q desde que o vira.

Uma leve pancada à porta fê-Ia despertar para a realidade.


Huya e Nye a esperavam para acompanhá-la, junto ao
etíope a uma caçada programada pelo príncipe, a pedido
Miufer. Pela porta entreaberta, ela avistou o oficial em seu
galante, o chapéu característico de sua posição, a espada
sandálias nos pés, à espera dela.
- S. Alteza pede-me que a acompanhe, enquanto provi-
rI,..,,.... . . ,<> uma surpresa... - falou o jovem com uma vênia.
- Ele é belo, tem um porte elegante e a voz agradável -
Tii, lembrando-se da jovem prometida do oficial, uma
"'0"""'1"\1
roliça, com ares de superioridade, que parecia a todo mo-
rnento vigiar o rapaz.
- Sem dúvida, ela lhe tem ciúmes. É peluda também, e ali-
sua falta de elegância e feminilidade, com falsa maneira
descuidada. Decididamentenão gosto dela, ao mesmo tempo
ele me causa boa impressão.

51
~~~~:~:~~~~~~~~~n~~~o~r:;:t~sd~a~~~~~~~U~~~~n:P A leve ironia ruborizou as faces reais, e o jovem, beijando-
mão, deu-se pressa em descer a um dos barcos menores,
da, onJ~~~~~a:~~sc~:~ ~~~f:~~:r:~~-a uma liteira toda dour Fn01nr!~'lnrif'\ que manobrassem rumo a uma ilha que se via, no
lado, cavalgava o oficial. ngaram seu corpo. Ao se Nilo.
observou o apito que estava no peito de alguns remado-
ponte~~~~oc~~~~~~~r b;:r~?p~~i~~ ~~~ec~~eatravessou, um
ào
Com estes, eles assustariam os patos que estivessem em
a vegetação, para que, voando, pudessem ser atingidos
uma embarcação de papiro leve e ágil. ' no conves d setas do jovem herdeiro:
mosa-:as f~fi~~ed~ Nil~ se rejubilaram a~ refletir a imagem for
Muito cômodo! - pensou ela, lembrando-se dos pássaros
-, uaa. - saudou-a o nOIvo - Ve' . d ""'''''''''1"1,",<> pelos asiáticos, que eram presos pelo pescoço, por
nao esta usando o colar que lhe d . . JO que am que não lhes permitiam alimentarem-se, mas que os fa-
ponta de mágoa. . e!. - acrescentou com um "pescar" os peixes com os bicos, para os seus senhores...
- O herdeiro de A 'f ' - É um homem acostumado a mandar e a ser obedecido.
cias... - falou a jOvenzi~~noaplso~~b:o~ee o us~rei após as núp- ';";.'iIUSClIUV pelos que o cercam, pode ser cruel quando contraria-
tendia. ' na mao que se lhe es-
A este pensamento teve um ligeiro mal estar.
Levada a um canto do convé d .
protegiam-na do calor do sol sob s, ~n e cortmas de rico tecido - O vento a incomoda, princesa? - perguntou o oficial, re-
ni<otr""Clr!f,_lh,o o gesto de desagrado.
recostou-se, a ouvir a brisa' que ~~qequ~s de fortes, núbios, Tii
das águas. ues rava com o marulhar Tii o observou:
\.
- Que segredo me reserva o Destino? - perguntou a jo-
Ao lado da embarcaçã .
das por homens robustos o maIor, o~tras m,:nores, manobra- vem para si mesma, dando corda ao pensamento - Três jovens,
os caçadores que iriam ~~~ms~~~~rldOS varoe~, aguardavam irmãos por parte de pai, que conhecera no mesmo dia,
patos que faziam seus ~inhos . exa~ certeIras, abater os com os quais sonhara, e que vinham ocupando, sem parar, sua
longo do rio, ou nas margens dd~~~~:~:r~~~~~e~~s praias, ao
mente...
- Sente-se aqui! - ordenou-lhe, mostrando uma almofada
- ~ primeira ave que eu abater f I '. ao seu lado.
nossa refeição à tarde e mand . ' - a ou o pnnclpe,- será - Não me permito. - redarguiu o jovem desconcertado.
para fazer-lhe um f' arei qu~ dourem suas penas,
de lápis lazuli. en elte, coberto pelo po das pedras trituradas - Não quero ter que levantar para ouvir as respostas às mi-
nhas indagações. - falou Tii, de cenho carregado.
Til observou o olhar de Pht h Miufer aproximou-se, sentando-se num tamborete, próximo
a forma distraída como o oficial ~ ~~ua serva, para seu noivo e dela, enquanto esticava o olhar rumo à embarcação que se per-
perigo que isto podia representar. servava, sem dar conta do em meio à vegetação da ilha.
Apitos se ouviram ao longe, e uma revoada de pássaros
~:~~i~~:$~~~:n~a~o~ ~~:l~j~a~, f:I~~:-~c~;~~e~~~d~o~ ~=: deu um espetáculo de beleza ao se agitar, em contraste com o
sol. Suas asas azuis brilhantes e seu grasnar, davam um ar de
festa ao dia.
52
53
- Diga-me. Além dos torneios de caça e dos jogos e exer- GClstzlria muito de apreciar de perto sua
cícios, tem o príncipe acompanhado seu pai nas batalhas
empreende? ,;:,nl'n~n desandou em risada.
- Às vezes, princesa, quando lhe é permitido... Pn:malrel alguns torneios na ilha para distr~ir minha
- Quando lhe é permtido? Quem é que o proibe? por mostrar-lhe o quanto sou certeiro e
- O faraó as vezes o impede, pela periculosidade de desejo.
mas batalhas, atendendo ao pedido da rainha, que teme A resposta era um elogio ou uma ameaça? Til
sua vida... sentidos. Observou seu futuro esposo com
- Merit Amon comanda o marido, e pretende mandar no
lho também. - concluiu a mocinha. _ Gentil quando quer, mas como será quando for
pensou a jovenzinha, volta~do às alf!l0fadas, ~nquanto o
Estendeu a mão ao oficial para que a erguesse. Ele
interdito. cortava as águas, em direçao a uma 1.I.h~ no meio do
_ será a minha "Casa do RegOZiJO , onde
Ela insistiu. Todos o fitavam. Ele tomou sua mão delicada In""""!'" para ti, porque é o primeiro passeio que f!:l?'prrln~
e pequena e ergueu-a devagar. De pé a mocinha levantou os
"~ comentou o herdeiro.
olhos riscados com pó de turmalinas e destacados pelo Kohl, suspirou, observando a beleza do entre as rama-
com um leve sorriso nos lábios. Ele percebeu. Era um jogo de
também gostaria de sentir ..
sedução, sem dúvida. Tii apoiou-se no braço forte e comentou
com falsa inocência:
- Estou enjoada. Um pouco. Deve ser da refeição que to-
mei pela manhã. Ampare-me até a amurada, para que eu respi-
re um pouco. O Sol está forte. Não consigo ver a embarcação
do príncipe. Pode vê-Ia?
O oficial estremeceu ao contato com aquelas mãos e colo-
cou a outra sobre os olhos, redarguindo:
- Vem para cá, princesa .
- Obrigado, meu príncipe .
Til sublinhara e pronome "meu" e deu uma gargalhada ao
ver que Miufer se atrapalhara. Apoiou-se na borda do barco e
começou a agitar seu lenço branco, em direção à embarcação
que se aproximava.
Logo dela desceu o herdeiro, filho de Merit Amon, seguido
por um servo, que trazia nas mãos alguns patos:
- Está salvo o jantar! - falou o príncipe feliz.
Til tocou de leve as aves que ainda se debatiam. Sim. Elas
estavam feridas mortalmente pelas setas reais, mas isto não
queria, necessariamente, dizer que ele é quem as atirara.

54 55
CAPíTULO VI - SOM E FRAGRÂNCIA.

passava a terceira hora de Aton, quando a jovem TU,


%~c;ompanhada de perto pelo chefe da guarda, adentrou os um-
do templo, caminhando a passos decididos, em direção a
corredor lateral que levava ao interior do mesmo.
Fazia dias que ela vinha comparecendo a Sala de Estudos,
Amenhotep se sujeitava, durante mais de uma hora, a es-
e falar-lhe do que ela desejasse saber. Se a jovem lhe
f:!f&i(jlss:e notícias dos costumes dos habitantes que viviam abaixo
catarata, ou se pedia esclarecimentos sobre a religião dos
ou persas, se solicitava o estudo das plantas ou das bebe-
H'r !;"'''''''' para atingir o poder da ciência da natureza, se tentava
C

assimilar conhecimentos dos papiros mais antigos, da


de Hatsepsut, que ela parecia admirar, ou, ainda, pergun-
sobre os castigos que o pai de seu pretendente vinha ínflin-
aos prisioneiros das nações vencidas, a tudo o sábio
liêi\AJIUIQ com presteza, demonstrando paciência para com ela,e

rnínistrando noções outras, nunca pedidas, com respeito às re-


1(lç()es humanas e o destino do ser imortal, como que desejando
Inculcar em seu íntimo, neste trabalho de assimilação lenta e
progressiva, alguma coisa maior, vigiando com atenção suas
~jlXpreSsões, que revelavam o que ela as vezes parecia ocultar.
porque o sábio percebera o quanto a jovenzinha sabia
\}\A,IIIQI o que lhe ia no íntimo quando queria, embora seu olhar a

e mil pequenos senões, que a ele não eram jamais des-


porcebidos.
Antes de atingir a porta que levava à Biblioteca, a mocinha
repentinamente. Em seu rosto havia uma expressão mis-
doçura, energia e determinação. Antes que seu acompa-
nh'Olnto percebesse, ela se lhe atirou ao pescoço e deu-lhe um
beijo na boca, murmurando ao seu ouvido:
-Amor. ..

57
Olhou fundo nos seus olhos e voltou a caminhar. Desce apertando um ponto próximo à nuca de rapaz, o pô~ tão
alguns degraus e saudou o guarda que estava postado à porta i;~~~í;m€~rto que lhe era difícil lembrar-se de quando antes estivera
que a abriu, sem sequer olhar para trás, e dar conta da estupe t:>tonTn mesmo durante os combates, que lhe exigiam esfor-
fação do jovem, que mal se recuperara e, somente quando. €lI redobrado.
transpunha a entrada do aposento, é que a alcançava, sem seguida, caminhando sem ruído, o sábio entrou no
der conter o susto que seu gesto lhe causara. ~u)()sento tomou o fumegador e abafou-o. O chefe da guarda
Foi preciso que ela sentasse nas almofadas, para que o poderia saber, mas o professor admoestou a aluna:
paz, com uma vênia, se pusesse na saia ao lado, onde podi _ Não me faça arrepender de estar a lhe ensinar, prince-
ver a mesa dos pergaminhos e as estantes, sem ouvir, contudo
o que andariam a falar ali, com um tumulto de pensamentos de- Em seguida, abriu uma porta que ela não co~h~cia, entre
sencontrados a lhe bailar no cérebro. estantes, e uma corrente de ar levou a fragrancia que se
- Por certo, a jovenzinha estava a brincar com algo muito liilV(llaV'a no ambiente.
perigoso. A vida de ambos estaria a valer coisa alguma, se al- _ Queria ver o efeito da erva e se eu podia, segundo o que
guém tivesse presenciado a cena da qual fora protagonista, há ensinou em concentração, e através da essência que tomei,
instantes. O rapaz levou os dedos à boca, mal contendo a im- """"t:>L.• nc a influência... - redarguiu a mocinha, procurando ex-
pressão que aquele beijo lhe causara. Por que ela agira daquele
modo? Parecia tão sensata. O príncipe herdeiro a obsequiava _ Não pode sempre usar pe~soas como cobaias, nas expe-
com sua atenção, as mulheres a invejavam ... Então, por"que? d8,... r";<~<:
que deseja, princesa. As vezes, podemos programar
"

Viu quando a mocinha levantou-se e, tomando um fumega- determinados efeitos, porém, na maioria das vezes, o perc,urso
dor, colocou nele algo e, pegando de uma candeia que ardia a ser interrompido por algo inesperado. O ser humano e. um
um canto, deitou fogo ao recipiente. Uma fragrância doce, agra- amplo e vasto que precisamos, acima de tudo, respeitar,
dável aos sentidos, começou a se evolar no ambiente. Sen-Ne- na sua conjuntura física, o seu ka, quanto na sua estrutura
fer lembrou das coisas que as vezes ouvira sobre o efeito de espiritual, o seu ba, da qual o sentimento é a coluna mestra que
algumas plantas e da fumaça sobre o juízo das pessoas, e se o sustenta e nutre...
inquiriu se o conhecimento que o sábio vinha transmitindo a ela Os olhos de Amenhotep pareciam penetrar profundamente
não estaria, de algum modo, interferindo no seu juízo. Sim, por- jovenzinha e, mesmo que ~I~ ~ão verbaliz~sse, ~areceu­
que, sem sombra de dúvida, o gesto de instantes só podia signi- claro que ele se referia ao eplsodlo que ela criara ha pouco,
ficar que a mocinha perdera completamente o juízo. hoii~rll'1f'\ inesperadamente o chefe da guarda...
A fumaça leve e branda continuava a se evolar da candeia Tii mordeu o lábio inferior, um gesto característico de seu
e Sen Nefer sentiu as pálpebras pesadas, como se um sono o desagrado... Seu casamento estava marcado para breve e as
envolvesse. De onde estava, via a menina a sorrir-lhe, entre di- seriam extensas. Os festejos comemorativos estavam
vertida e curiosa, quando Amenhotep, surgindo atrás de si, to- trazendo ao reino milhares de artesãos. A rainha mãe e seu ma-
cou-lhe o ombro dizendo: rido a haviam presenteado com cavalos brancos e uma carrua-
gem dourada. Todos os dias, emissários chegavam com novos
- Não durmas preocupado, para que as cogitações não presentes. Estas lembranças vieram. de chofre à sua mente,
perturbem o teu descanso. como que inculcadas nela pela presença do professor.

58 59
- Pode ele ler a minha mente e colocar nela pensamento é a tua formação que me preocupa, para que, rainha
seus? - perguntou-se a jovem, tentando prescrutar o semblan não te tornes um dia escrava das tuas próprias afli-
do sábio. ao silêncio mais íntimo de tua alma que busco, ainda
procures em mim um manancial de conhecimentos teóri-
- De Simyra chegou hoje um embaixador com present
para TiL - comentou o bondoso homem, continuando - Tod te preparares para o cargo que irás ocupar.
parecem festejar o enlace do príncipe real, mas a noiva não p teve um receio imenso, naquele instante, de que o sábio
rece dar-se conta da importância disto e busca, nas fórmul p!Jlje~>se um dia trair, pelo conhecimento que parecia demons-
antigas, fugir à seriedade do momento vivido. Pensa no am que ela fazia, de como era...
que devemos a todas as criaturas e suporta o fardo de tu sorriu com tristeza, demonstrando que detectara seu
obrigações, mesmo contra tua vontade, princesa, para não t
meres mais que teus pensamentos e atitudes possam ter o jul temor, aduzindo:
gamento dos homens e estremeças que os percebam. _ De mim sempre terás o melhor, não temas. Desejo, con-
- Ensina-me, então, a adivinhar os pensamentos das pes- que penses seriamente e concluas o que desej~~, para
soas. teu desejo não se transforme num guante a te apnslonar a
t;U!t,ct::; menores, quando Ua en Rá, já se nutre de tua beleza.
- Este ensinamento não te posso transmitir, minha jovem
a espírito que evolui, a ponto de amar tanto as criaturas, as co A mocinha estremeceu ao ouvir aquele nome. Fôra isto
nhece e percebe, em decorrência deste amor. É isto que no a fizera desmaiar. Era isto que a colocava em tal estado de
permite assegurar os elementos indispensáveis a este conheci- que não sabia definir.
mento. Quanto mais se passam os anos, mil indícios novos no
- Ua-en Rá? a que quer dizer?
dão o registro dos fatos, e, atingindo o cume do conhecimento,
podemos ver mais longe e abranger a vastidão da paisagem _ a amado de "Rá", o Sol, o Deus dos deuses, a Verdade.
que nos cerca. Mas, não desejes atingir este ponto, imaginando filha do sacerdote de an, conheces os mistérios e ignoras
que ele nada custa, além da observação e firmeza nos estudos. ostas coisas? Lembra do velho deus Tem ou Atem, senhor de
À medida que o ser galga a montanha, também a solidão é Ileliópolis, cujos textos piramidais leste, que form~ trindade c?m
sua companheira, e, ao que me parece, solidão não é, no mo- representante do calor e da luz e Tefnut a agua. Este e o
mento, para Tii, o alvo principal... Ao longo de tua vida, contudo, processo da unidade, dos quais os outros deuses são apenas
se o quiseres, e o Deus Ignoto permitir, eu hei de te ensinar, ramificações, antecipado em an, através de Atem, ~al com~ o
P?UyO a pouco, que aquele que govema precisa aprender a ser sono foi decorrência da fragrância que andaste a queimar no In-
so. As vezes, completamente só. censório.
As palavras calavam fundo no coração da mocinha, lágri- É por isto que teu pai, quando ora, apenas faz oAma.ntra ~e
mas vieram-lhe ao rosto, sem que as pudesse conter, enquanto e lhe basta para entrar em transe. Sons e fragranclas sao
o homem continuava: sutilezas naturais que induzem os mortais, ou dão testemun~o
- Muitas pedras ainda terás no caminho. Embora desde a divino. Por isto, o corpo passa por processos de preparaçao,
infância tenhas demonstrado invulgar inteligência e aguda intui- com essencias e óleos, ao som de músicas próprias, na Casa
ção, embora te sejam claras as visões e os sonhos premonitó- da Luz e na Casa de Mumificação, ao lado da pirâmide Maior.
rios, ainda és suscetível ao sentimento de amor, que modifica o Mas tu já trazes em ti alguma coisa desta iniciação de vidas
teu íntimo e te altera o equilíbrio. Por mais informações eu te passadas.

60 61
Passados alguns instçmtes, a mocinha se rec~~I~e ep~o~
- Vidas Passadas? - inquiriu a jovenzinha, que já lera na vênia retirou-se para seus aposentos, seguI
anotações de Yuaa coisas a respeito, mas cuja curiosidade ai seu acompanhante permanente.
da não fôra totalmente saciada. Nefer não conseguia imaginar o que acontecera com
- O tempo é relativo, bem como o espaço. O espírito i::sltav'a diferente, como que encimesma~a: alheada ao q~~
imortal, vive antes de nascer e sobrevive ao corpo. Tu vens d m:H'cava. Caminhava de forma quase mecanlca e, quando In
longe, sei, porque te conheço, embora não possas lembrar, e s ~!~lfIJelad,a, pareceu não ouví-lo.
tenhas impressões muito vagas... Quando nas Plêiades, há s'
culos, jamais imaginamos que uma nova escola nos receberi cau:~~~~~t:~~~~~u~~~~a~e~ ~~~e~ ~~6u;~~~~~~enn~
tantas vezes quantas fossem necessárias, até que purgáss Tii entenderia? .
mos nossos erros... Não posso falar-te assim. Não entenderias ,.. N~s dias seguintes, ela não buscou a co~pan:~a:uodfêen~
Sóis, mundos, ainda é cedo... Apenas te digo que temos muita tJttJfessor À tarde recebera homenagens no sa ao
vidas... Teus sonhos prenunciam reencontros com almas qu
marcaram o teu coração... Trata-se de uma antecipação aos fa
tos que estão programados em teu roteiro, dos testes que terá Amenhote~u~'::'c~~~e':~~~lt~rrr;~~~~:d:~~~~i: ~~n~~
que inevitavelmente passar, e preocupa-me que eu não poss mitâneos, e sabia que o andamento ?o. casamento esta-
preparar-te como desejaria, porque cada um deve conquistar à tomando mais tempo do que ela deselana. .
próprias custas a sua redenção... Minha pequena princesa do Realmente de todas as partes da terra de Ke~l'he das ter-
mitânios, apesar de toda a vida maravilhosa que teu pai e tu ~ . os e embaixadores vln am pres-
mãe e tua família te propiciou, apesar de tua encantadora figur vizinhas mUitos mensagelr h' 111 e .Tutmés IV tentando
sua homenagem a Amenop IS ' dE'
e tua inteligência aguda, querida princesa e futura rainha d através de seu filho, que o sucederia no trono o ~I=

~~~~~~~~ee~~~~~t~~~~~~;:~~n~~~:~~~i~~~:i~~~~~~~fa
Egito, ainda haverão muitas pedras em teus caminhos, nas múl-
tiplas existências...
a esposa real, a prefenda. .
A jovenzinha prorrompeu em pranto convulso. Ninguém ao
O fato da escolhida não ser da família impenal, d~ Fe~en­
vê-Ia nos braços do sábio que a amparava, então, poderia reco- o dominado causava não poucas confa u açoes,
nhecer nela a mesma que há instantes, intempestiva e audacio-
samente, beijara o chefe da guarda.
a ump~~~avam desp~rcebidas a Yuaa e à futura nUb,~n~e'do
. o com a' ual era seguida pelos servos do pa aClo e
O silêncio era o único som que acompanhava os soluços CU~I~,~S dignat~rios da corte, ~elo ViZ~, pelos ~~~:r~~~~~
de Tii, enquanto uma leve fragrância de flores invadiu o ambien- (,ontribuía cada vez mais para a anSiedade a lovenzl ,
te... ela nem se deu conta de que o incensório estava apagado destino que a aguardava. . .
e de que nenhuma mão vísivel acendera ervas aromáticas no A desafiante grandeza dos templos, com seusbf~~~~~~i~-
amplo salão de estudos... Clll~ntE~scOS, seus amplos salões, suas passagens suo . ~
perícia dos artesãos que a embeleclam, as Ins
Uma interferência que vinha da elevação do sábio e de en- '''''''li~r,C.t,ecs~~ro~~~to os lagos sagrados, os jardins completando
tidades maravilhosas que se faziam invisíveis ali, causava o es- 'i m~nte a beleza da região, o coro dos cegos destacan-
tranho fenômeno que também trouxe a Amenhotep lágrimas ~~~n~~o~~'tos, a freqüente incompreensão das classes abasta-
aos olhos...
63
62
das, ao invés de deslumbrarem a menina, como que a sufoc É bom que ele saiba que não sou como as mulheres que
vamo Ela deveria ser mais importante do que tudo isto. Ela pr úll&,t,",."",t"' .....seu harém real.
cisava ser mais poderosa que aquelas construções e aquef f\IJ'lj)::;,;;\1 de, naqueles dias, sua mãe e irmãs terem chegado
corte, para não se deixar corromper com as riquezas, nem d palàciiD, isto não a fez interromper os "ensaios" para a festa
minar pelo deslumbramento. Se o faraó era filho de Osiris, tod preparava.
poderoso, ela seria a representante de Isis na Corte. punha não poucas preocupações naqueles que a ama-
Como que esquecida do gesto que tivera para com se
guarda real, a princesa resolveu dar uma festa em palácio par
seu futuro pretendente. Mandou vir músicos escolhidos por el
alguns de sua terra, e esteve com as aias ocupadas pelas s
manas que se seguiram.
Yuaa, ao saber de sua intenção, procurou alertá-Ia para
significado do que, ele imaginava ou parecia conhecer, talvez
por Nye ou Huya, o significado do que ela estava programando:
- Filha, as danças rituais nunca foram apresentadas a
olhos profanos.
- Chamaria olhos profanos aos representantes dos deuses
sobre a terra, e seus sacerdotes, meu pai?
- Também alguns dignatários da corte estarão presentes,
minha filha. Não o negues. Eu o sei e também reconheço que
tua escolha é fruto de algo que pode mesmo escapar aos teus
sentidos, ou ao teu raciocínio, querida.
- Crês, então, meu pai, que estou preparando uma surpre-
sa ao homem que os deuses, o senhor, ou sei lá quem, esco-
lheram para ser meu companheiro, com intenções outras, além
de mostrar que TU tem conhecimentos, que escapam ao comum
dos mortais, e que também é mais preciosa que todos os tesou-
ros ou presentes que lhe possam ser ofertados pelas núpcias,
ou até mesmo, que está acima de seu pretendente?
- Minha querida, magoa-me ouví-Ia falar deste modo. Quer
me parecer que este casamento não é do teu agrado.
- Eu não diria, meu pai, que pedi o rapaz em casamento.
- Contudo, o presenteaste com as flores que simbolizam o
amor. Sua mãe saiu tão silenciosamente que parecia deslizar no
Ela ia replicar que não tivera tal intenção, mas conteve-se A cabeleira negra e lisa batia-lhe na cintura, adereçada de
a custo. pequenas flores. Era esbelta, tinha os olhos puxados dos asiáti-

64 65
cos e a pele muito clara, como o leite das cabras. Os pés era nem se apresentaria como sacerdotiza de On, a bailar ~a
mimosos e pequenos, como as mãos. O rosto, ainda Iiso,·ape nudez de um tecido diáfano. Não. Ia da~çar como ~ pnn-
sar da idade, era redondo, as maçãs salientes, a boca pequena. Império antes de se tornar a futura Rainha do Egito.
e~ almofadas ela tomou sua refei.çãp ,:natinal,
TU olhou em torno. ,'Wi""f\fnr.~lnh::ui::; de perto por servos e animais de estlmaçao.
Da piscina, via as montanhas orientais e pensava em su Uma certa amargura parecia ainda ~marfanhar seu cora-
terra, e na Palestina. Além das montanhas ocidentais estava Pensou no noivo que a vinha obseqUiando com presentes,
Síria. Era um jovem bonito, musculoso, ~destrado nas lu-
O deserto do Saara, tão imenso, com suas tribos nômade seus olhos escuros pareciam conter m~ls promes~as do
e seus beduínos salteadores, os habirus. Amorreus, hititas Sol quando acordava o dia, contudo, nao consegUia con-
amoritas, persas, sírios, mitânios, babilônios, Monarcas, súditos, totalmente nele. Por que isto se dava? .,
aliados, traições, sedições, lideranças em meio à brutalidade, as Lembrou-se de Amenhotep. Desde o dia em que beijara o
margens dadivosas do Nilo, seus barqueiros, as populações não mais o vira ou mandara chamar. Logo ap6s o almoço
campesinas, as guarnições, os fantasmas das montanhas, mais que avistar-se com o rei e a rai~h~, bem c~mo com a corte.
de cem mulheres do harém real, uma sogra tão esquiva quanto sacerdotes, escribas e os muslcos e art.lstas que contra-
um peixe, um noivo tão disputado, mais reluzente que as asas No entanto, desejava ir ter com o sábiO. Deste modo,
dos gansos, e ela ia herdar tudo aquilo. Não seria como Merit l'IDlreSSO:U-s,e, deixando a bandeja de lado. .
Amon, a sombra do fara6. Já que não tinha escolha, que Ré es- Mandou que chamassem seu guarda principal e encaml-
colhera por ela, que tudo lhe fora mostrado como algo que não com alguns seguranças para a Cé'\sa da Luz, onde,
podia evitar, ela procuraria manter o império. "v',,"n;\n""'I~ o sábio estaria àquela hora. .
As mãos ágeis de Moia lhe massageavam as pernas. E não se enganava. Apesar de não haver aVlsa<!o que o
menina sentiu que relaxava um pouco das preocupações quan- ver, notou que ele não demonstrava surpresa ao ve-la che-
do elas lhe tocaram os lados, subindo até o pescoço.
_ Salve, futura Rainha do Egito, mãe maior, esperança de
As angustiqsas advertências da mãe deram lugar ao pen-
samento ágil do que andara a preparar. .. Com uma vênia o sacerdote lhe entregou um pote de mel
Com um gesto, ela dispensou Moia e levantou-se ampara- purissimocompletando: .
da por Nye. Principiaram a vestí-Ia. Desfizeram os n6s de sua _ Seus lábios sejam doces e dadivosos como o mel, pnn-
cabeleira e passaram uma mis.tura olorosa nela. Depois inicia-
ram a pintura do rosto que logo se acefinava com os cremes e cesa. é lho hino
Na verdade, meu presente de c~samento um ve
p6s, realçando os olhos e os lábios. As unhas tiveram um trata- guardei e que esperava a oportUnidade de dar-lhe... .
mento primoroso. O homem foi até um pequeno m6vel e de: uma gav~ta tirou
Ela se fitou no espelho de bronze. Estava linda, sem dúvi- um papiro, onde, em letras de ouro, se lia um lindo e antigo poe-
da. ma~amor. .
Não ia cometer nenhum crime. Não conseguia saber por- Aquele gesto para ela significava um momento de ~o~~an-
que sua mãe estava tão preocupada. Não ia descer à categoria do sábio, prontificando-se a auxiliá-Ia na jornada que iniCiaVa
das dançarinas do palácio, servas adestradas para distração da com o seu casamento.

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E, para ela, poder contar com isto era o melhor present
que recebera desde sua chegada.
. - Espero contar com sua presença na recepção que dar
hOJe, quando o Sol começar a se por... - pediu ela.
. Os olhos do sábio ficaram sérios, embora um sorriso s CAPíTULO vn - UMA SÓ JÓiA
delineasse nos lábios:
- Não devias te expor assim, princesa... Sei, contudo u
nada te .demoverá e estarei lá, se me for permitido... 'q o Grande Disco Solar estava terminando seu percurso
A J~vem ficou decepcionada. Esperava dele novas ad- azul celeste, quando o rei e a rainha tomaram seus lugares
moest~çoes, frases profundas, ensinamentos. Seu silêncio na- grande Salão do Ibis Sagrado.
quele Instante, não foi percebido. Somente muito tempo depois Merlt Amon observou os principais dignatários da corte,
quando o c~:mhecesse melhor, saberia que Amenhotep calava' Bekancos, Kes, ao lado dE' Mérira, o Chefe dos Carros
quando sabia que nada podia fazer para impedir ou mudar o an~ o coro de cegos, os instrumentistas das ceias reais, Neb,
damento. dos acontecimentos. Ela se atirava em direção aos n <:i!', u;:,,a , a chefe do harém, o sacerdote de Min, Yuaa, pai de sua
seus m~ls ~rof~~dos anseios, da forma como sabia fazer nora, em lugar de destaque, com sua família, Ramose, o
t~mpestlva, IntUitiva, corajosa. Ele não a poderia impedir ' Orion, o escriba, ao lado de Hatiay, seu aprendiz, ... Procu-
mnguém. ' o vulto de Sen-Nefer.
- Por certo, estará seguindo como uma sombra a futura
consorte.
Lembrou-se que advertira seu filho do perigo desta proxi-
rnidade, pois ela mesma conhecera o poder de sedução, atra-
do pai do jovem. Mas ele não lhe dera atenção. Rira mesmo
suas palavras:
- Ele haveria de sofrer mais do que tua escrava etíope,
apenas sorriu para meu pai..- comentou ele.
Merit Amon sabia ao que ele se referia. Mandara arrancar
um a um os dentes da serva. E por que agiria de forma diferen-
Também para com a rainha a pena podia ser cruel, caso ti-
vesse um deslise qualquer no seu relacionamento sexual.
Sua peruca de seda azul realçava sua silueta, e o decote
vestido mostrava que a formosura ainda não abandonara a
rainha-mãe.
A saia plissada longa de Eje, e suas sandálias de pontas
recurvas chamaram-lhe a atenção pelo esmero. Ele a procura-
ra, afim de que fosse permitido a outras esposas do harém as-
sistirem a festa organizada por sua futura nora, mas, ouvindo os
conselhos do professor de seu filho, resolvera que esta seria
uma cerimônia quase particular.

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- Não sei o que esta menina anda a tramar, portanto, m se viu e nela a silueta de Til. O "derbak" apenas se ouvia,
Ihor não expor meu filho aos comentários que possam surgir d .é"."".. . rln ao ritmo do coração. A própria respiração dos presen-
surpresa que ela nos prepara. &)stava suspensa.
Foi, neste momento, que as servas do séquito real fora Yuaa e sua esposa perceberam que a filha ia executar
anunciadas e começaram a entrar se posicionando no enorm das danças sagradas, que aprendera no Templo de On, a
salão. A rainha não pode deixar de demonstrar seu desagrad da fertilidade e do amor.
Enquanto ela excluíra a maioria dos membros da nobreza, tocou o braço do sacerdote de Min e ele procurou ver-
nova princesa fazia presente seus servos! Por certo, isto dari fisionomia, segurando sua delicada mão e apertando-a,
margem a muitas intrigas no harém. Por que seu filho precisav a lhe transmitir calma.
estar tão enfeitiçado por aquela menina caprichosa, quando t lado do casal real, o príncipe herdeiro observava ansio-
nha tantas esposas menores à sua disposição no harém real?
Um gongo soou e meninas bailarinas entraram jogando fi Quando Til atingiu o centro da sala, as tochas foram nova-
res que forraram o chão do recinto. Em seguida, algumas esc acesas. Elas eram giradas nas mãos dos servos, de tal
turas colocadas no salão foram acesas. Eram velas gigantesc a luz projetada pelos vidros multicores criava estranha
de cera, e de sua fumaça se evolava um perfume suave e in lillln'los;ter'a de luz e cores, no espaço, e nas vestes diáfanas da
briante. noivp. Ninguém saberia dizer qual seria a cor de seu ves-
Uma euforia anestesiante tomou conta dos presentes A música subiu envolvente e ela dançava. O ventre desn~­
Amenhotep percebeu, com impacto, que a jovem aluna usav os movimentos ondulantes, ela se fazia ali, meio mulher,
seus conhecimentos, para envolver os presentes com um fi/tr serpente. Os cabelos esvoaçantes pel~s costas, cintilavam
de amor, mas procurou permanecer impassível. Aquela essên pedras finas, os pés descalços, sustlam-na nas p~ntas,
cia ele não lhe ensinara. Então, quem? Era obrigado a assist' se deslizassem no solo... o ventre ondulava em movlmen-
aquilo sem demonstrar seu desagrado, controlando sua ansie ora lentos, ora rápidos, acompanhando o rítmo da música
dade. O bem estar causado pela essência já dominava os pre invadia o imenso salão.
sentes. Se Tii estava com intenção de ser amada, por certo Seus lábios vermelhos sorriam com voluptuosidade, e as
usava expedientes para tanto... pareciam mover-se a maneira d~ cisnes: Os volteios_do
Em seguida, núbios fortes entraram com tochas protegidas faziam as vestes girarem e os veus mOVidos pelas maos
por vidros coloridos que, a medida que eles caminhavam, im~ arabescos no ar, mostrando o corpo fino e delicado, a
"''''li'':>,,",

pregnavam de nuances e movimentos o pavimento e as pare- clara.


des, causando uma sensação de leveza tal, que ele só O olhar era provocador, acompanhava o sorriso. A peque-
conhecera quando mergulhava nas águas claras do lago do oá- princesa ia e vinha nos volteios. Ao parar diante do trono os
sis, nadando entre peixes e vegetação exótica. tllOvimentos do quadril se fizeram mais rápidos e os ombros
- Que ela não se faça adorar, a não ser pelos seus pró- acompanhavam, balançando os seios mimos~s, quase a salta-
prios recursos. - pensou o sábio. do suporte, ricamente bordado em pedranas. O tronco tom-
Foi a vez dos músicos, com alaúdes, flautas, instrumentos para frente e para trás e a agitação dos moviment~s era
de cordas e percussão, cantando alegremente, saudarem todos harmoniosa que era difícil saber o esforço dispel'ldldo, e
os presentes. E, então, de repente, todas as luzes se apaga- como se conseguia harmonizar todo o conjunto dos movimentos
ram. As tochas foram abafadas, e, na porta de entrada uma úni- membros, do ventre, dos ombros, da cabeça.

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Tii parecia ag~r~ t.omada p~la mú.sica, girava com tal graç Uma única jóia basta para enriquecer o tesouro do Egito.
e leveza que parecia ma alçar voo. FOI depois abaixando para de Yuaa, que causa Regozijo a quem a vê e encanta
solo, enquanto os movimentos dos quadris continuavam. a conhece. Daria todas as jóias só para ter Tii e desejaria
Ninguém percebera, mas no chão haviam colocado u hoje em diante, uma única jóia baste a Tii, aquela que
espada de ouro toda trabalhada. Ela abaixou-se e a tomou o seu futuro consorte.
rando com ela. Os movimentos ousados sugeriam luta, e depo sabia. Além do colar que Liu lhe dera, viera ter ao trono
colocou a mesma abaixo da cintura, de lado, e dançou, equi a jóia de Lotus. Ia o príncipe com suas mãos tocar a cobra
brando-a, sem que a mesma caisse. arrancá-Ia, quando a jovem o impediu. Ela mesmo tirou o
com cuidado, e enrolou-o nos braços. Então, ele lhe es-
Os presentes não conseguiam tirar-lhe os olhos. A músi as mãos e levou-a para a sala das Refeições onde um
evoi~ia m~is e f!lais vibrante. Ao som dos instrumentos de pe fora preparado. Tii deitou-se nas almofadas, e obser-
cussao, srncronlcamente, os quadris subiam, desciam, volte as estrelas que brilhavam no céu. Do seu lado Sen-Nefer a
vam, em ondulações longas ou curtas, e as pernas tremia Hll'l"n,,,, mas algo pareçia atraí-Ia irresistivelmente.
febricitando as vestes... t;)!)i{)decE,mcio a um impulso, ela ergueu os olhos e viu Orion,
Percebia-se que a música atingia seu auge. Tii ergueu tomando nota numa tábua de argila. Ele não lhe tirava
espada sobre a cabeça e voltou-a como contra o próprio peit Tii sorriu pensando:
Yuaa teve um sobressalto. Todos estremeceram. Iria a jove A dança seduzira mais do que um pretendente. Mordeu
«;I~;l:!KJEmrlosamlente os frutos que lhe entregavam, olhando dis-
dar cabo da própria vida? O príncipe saltou os degraus e el
atirando-se para trás, lançou-se com as pernas dobradas pa para o escriba.
trás no solo, a espada sobre a barriga, equilibrava-se, enquan O rei parecia agradavelmente surpreendido pelo que pre-
seus braços se alongavam para trás e para cima como se fo "1i"""""'''lY''' mas a rainha demonstrava, pela expmssão facial, o
sem duas najas prontas para o ataque. O príncipe estacou dia desagrado.
te dela e,' vendo-o, a menina tomou a espada e estendeu-lhe. Amenhotep se lhe dirigiu:
- Basta à futura consorte uma única jóia... -- e tentou reti-
. Erguera-se do solo como um felino ágil, e agora erguia dos braços a serpente.
dOIS braços cumprimentando os reis e seus pais.
percebeu que ele sabia o que aquilo representava.
De onde estava Yuaa respirou aliviado. Tuiu sentia o cor - Quero ficar com ela, para recordar-me que a mulher
ção aos saltos. Por que ela se expusera diante de todos, daqu ser como a flor de lotus, ou como a sE~rpente, ..
lemodo? A flor de lotus se nutre do lodo do passado, do fundo do
princesa, mas abre-se ao sol, como uma estrela de luz. As
Foi quando Amenhotep, querendo quebrar o impacto wnH· ' ' O>. para poder bailar nas águas, liberta-se do caule que a
dança principiou a aplaudir com o grito característico. Logo t ,,.''''n,,,,,,, e deixa-se matar. A serpente, porém, apesar de temi-
dos o imitavam.
, nunca é amada e pode ser manipulada pelo músico que a
i-"""',.rli,-,ôr,,,,,,, nos gestos e na música.
, .Tii com uma vênia foi saindo, acompanhada pelos se
muslcos. compreendeu. Na sua beleza e fragilidade estava sua
na sua astúcia talvez fosse vítima de algum encantamen-
Foi, então, que se ouviu a voz do príncipe herdeiro:

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.- Sábio Amenhotep, a partir de amanhã, quero saber o
segred~s dos encantamentos. Peça a Orion que me traga
pergaminhos que falem destes segredos, afim de poder liberta
medeies...
O professor suspirou profundamente comentando: CAPíTULO VIU - O GRANDE TEMPLO.
- Melhor te seria ficares com uma única jóia...
. Cumprimentou os noivos e pediu licença para se retirar. J
vira o bastante para se preocupar com o futuro dos seres q muita teimosia, pedidos e sedução no olhar, a peque-
amava, e com o futuro do Egito. nr;lnf'~~c.!:l dos mitânios conseguiu que seu noivo prome~esse
visita ao Templo Maior de Tebas, onde o rei Amenofis 11
fij@tll\lÇ>i'~ construindo doze enormes pilastras papiriformes, que
'H",U." ,:eorn ser gravadas com seus feitos.

- Porém, antes, quero que vejas as Pirâmides. Tenho cer-


que ficarás deslumbrada com o que fizeram ali Quéops,
e Miquerinos. Nem quero pensar que escolherás, entre
aquela cujo revestimento mais te agrade, para que o utilize
I que escolhi para construir nosso Palácio. Fico em dúvida
preferirias o alabastro de Quéops, ou o granito rosado de Ké-
ou que terias encantamento particular para com o granito
que reveste as salas interiores, para fazeres a Casa de

- Poderei visitar o Templo de Mumificação e a Esfinge? -


p"rguntou ela curiosa, pelo que já ouvira contar daqueles monu-
mentos antigos, tão impressionantes e ligados à História do Egi-
que uma aura de mistério e fantasia já os cercava. Havia
reconhecia na Esfinge os traços do Faraó Soséstres 111,
t'mcestral dos Tutmés e de Amenophis.
- Sim. para tanto, escolhi meus melhores homens que
nos hão de acompanhar, amanhã. Leva o que convém, para
não te ressintas do Sol. Prometo-te que, antes do final do
outra será tua impressão do Nosso Reino, bem como terás
l~cesso ao andamento das obras que meu pai faz, a meu pedi-
em homenagem a Montu, o Deus da Guerra, em EI Ouksor
(Luxor), quando voltarmos.
Com uma vênia retirou-se o noivo, enquanto Til permane-
imersa em pensamentos profundos. Precisava conhecer a
onde iria reinar.

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Tal como fora combinado, uma comitiva desceu de barc el\~UI:::~U a cortina que a protegia do sol e viu, lado a lado,
um braço do rio Nilo, em seu Delta, e depois a caravana segui ",in"'",,"l'" rente a ela, o futuro rei e seu escriba. Ficou uns ins-
em cavalos rumo às Pirâmides. observando um e outro. Havia uma certa semelhança en-
e Sen Nefer, porém nada no herdeiro lembrava
As populações ribeirinhas se alvoroçavam com a pass !UK,l'''!V","! um dos dois homens.
gem dos barcos reais, com suas velas vermelhas e os ricos d que não poderia ser diferente? - pensou - Se um
senhos de sua popa.
outro.
No caminho, a comitiva também foi alvo de apreciação p Tornou a descer a cortina para que não a percebessem a
pular. ~nl:I;,()!và-lo:S. e abriu a outra. Rente a ela Sen Nefer cavalgava.
atraí elo pelo seu olhar e fitou-a um tanto desorientado. Ru-
A jovenzinha seguia com uma guarda de honra, deitad Ela sorriu. O olhar dele foi para além da carrua-
em rica carruagem que a ocultava e protegia do Sol.
Pensava em Sen Nefer que a vinha espreitando com cui teme que Amenófis o veja agora, quando me fita... -
dado e em Orion que encontrara um dia junto a Amenhote ela, rindo-se interiormente.
quando fora ter com ele, para as costumeiras conversas. EI Desceu a cortina, para não embaraçá-lo ainda mais...
h~via lhe prometido levar papiros sob~e a história do Egito, ma Deixara sua mãe e suas irmãs em Tebas. Seu pai seguira
nao marcara hora, nem data. Por que seu coração batia diferen o Templo e ela acompanhada de servos, guardas e aias,
temente por aqueles três homens? Não seria mais fácil se el conhecer de perto as famosas pirâmides.
estivesse como Phtah, inclinada para o herdeiro? Percebeu que a comitiva parava. Muitos teriam que ficar
Tentava lembrar o que soubera sobre Tutmés 111, tetrav" Somente algumas pessoas poderiam acompanhar o prínci-
de seu futuro marido, também ele um filho bastardo, só que po os colossos de pedra que se viam ... Nisto, abriram a cor-
parte de mãe, que não subira imediatamente ao trono, send e seu noivo estendeu-lhe as mãos para que descesse um
substituído por sua tia Hatsepsut, a rainha que ela sentia atraí-I
P\}\c'ldU, apreciando a paisagem.
pela sua história de amor às artes, pelos seus trinta e quatr
TH cobriu o rosto com o lenço branco como as vestes que
anos de reinado e que fora destronada pelo sobrinho, que s
"",,,~nllho"~ naquele dia. Todo o bordado da barra e do peito re-
vingara depois, mandando raspar as inscrições que falavam
nrt:l5=;p.nt::lIValm suas flores de iotus preferidas.
dela. Usara barba postiça e roupa de homem... do pai Amenop-
his 11, que desejara ser enterrado no Vale dos Reis, com um ra- Ela desceu apoiando-se em seus braços e murmurou:
malhete de mimosas sobre o coração, num sepulcro ricamente _ Gostaria de seguir a cavalo, agora.
decorado... do futuro sogro Tutmés IV, todos eles homens guer- O rapaz surpreendeu-se. As mulheres quase sef!1pre fica-
reiros. Seu tutor e esposo também tinha profecias que o coloca- em casa, protegidas das intempéries e do sol, afim de p~-
vam como homem que alcançaria vitórias militares. Porém, rocerem mais claras ainda... Expor-se a perigos e ao sol, nao
pensava, estando a Síria conquistada, tendo os mitânios sob coisa que ele desejasse fazer, acompanhado dela. .
sua tutela, conhecendo o temor dos hititas e a suberviência da Mas o olhar da mocinha não parecia duvidar que seu pedl-
Palestina, bem como a aquiescência da Núbia, e que lhe resta- seria atendido.
ria conquistar? Teria que lutar contra os terríveis habirus, os _ Cavalgar... - repetiu ele, como que querendo entender
teadores do deserto? ';14uc;,,,, pedido.

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- Sim. - redarguiu ela, olhando significativamente
cavalo que levava Orion. comitiva também apeava e descia. Nisto, ouviram um
or vindo daqueles que haviam ficado atrás. O príncipe cami-
O príncipe enrubesceu. Não. Ela não poderia ir na sela li com os olhos a proteger-lhe o rosto, enquanto alguns ca-
um simples escri.ba. P~xou as rédeas de seu corcel, auxilian empinavam e, soltando-se, corriam de um lado para o
a a montar e subiu atras, segurando firme as rédeas.
A ca~ava~a ~ssistia a cena estupefata. O herdeiro, neto um só momento de susto, incompreensão, até que per-
Amen?phls 1/: intitulado o filho do Sol, Neb-Maat-Ra Nimúria, pelos gritos que se ouviam lá de trás.
Magnlflco, fOi descendo a leve encosta, seguido de perto p o "cherd", como chamavam os indígenas da região, o
sua gua:da pessoal, seu escriba favorito, Amenhotep, totaliza 1"41""",::'i" dos beduínos belicosos, ou o símun, dos moradores do
do deZOito pesso~s que tinham tido ordens de segui-los de p Um vento quente e impetuoso que levantava a areia,
to.
tJril:r;tlçJarldo a pele das pessoas, cobrindo ,os monumentos e ca-
. A pirâmide rosada e a maior, branca, luziam ao sol. O prí matando, muitas vezes, camelos, cavalos, e seres huma-
clpe falou, de forma que somente ela ouvisse:
- As_ tr~s. ~irâmides menores ao lado da Miquerinos pe Uma tempestade de areia desabava sobre as pirâmides de
sam os nao Iniciados que pertençam às esposas daquele fará
Contudo, uma delas guarda os segredos da grande sacerdotiz O príncipe voltou-se para proteger a princesa, mas, naque-
de Amon,. o Deus Oculto... - e acrescentou - O que sentes a momento, sua pulseira negra desprendera-se dos bra-
nos aproximarmos delas? '
no chão. Com isto, ela se moveu como se criasse vida, e o
- C~riosidade e respeito. O rosto da Esfinge parece esp ()i)I\laIO do príncipe, eriçando os pelos saltou para trás, empinan-
~ar por Re, como se tivesse um diálogo a estabelecer com ele.. as patas traseiras.
e ~m grande segredo, o de seus flancos de touro suas patas Instintivamente, o príncipe tentou segurá-io, mas ele deso-
leao, suas asas de águia e seu rosto humano... ' !;jI'Jíjec;eu seu comando pela primeira vez, com pavor, arrastan-
. O prínci~e ,s~rriu. Por certo, seu futuro sogro iniciara su e desequilibrando-o. Amenhotep e Sen Nefer amparara~ o
nOiva n~s ~Istenos, ou ela não estaria falando-lhe daquel (',d,""'''''''' que caira no solo, enquanto todos buscavam abngo
modo propno de quem sabe das coisas: aos colossos.
- Que mais Til conhece? Tii sentiu uma rajada cortante no rosto e cobriu-o com seus
- .Louvado seja aquele que sabe calar. Não estaria a quando uma mão tocou a sua. Ela retribuiu e correu para
n~a misteriosa, que veio de Hoggar, enterrada como filha d cobra no chão. Tocou-a e ela não mais se moveu. A mão tor-
~~fre.n, da IV,Dinastia, guardando para sempre o segredo das nou a puxá-Ia e ela correu, sem poder perceber bem quem as-
ClenClas ~er~eticas, dos astros e do tempo passado e futuro? a conduzia, tamanha a violência vento, a areia
lrnpedindo a visão, fazendo doer os olhos.
O pnnclpe parou seu corcel, admirado, descendo e fazen-
do-a descer. Foi assim levada até as patas da Esfinge, onde o rapaz
a conduzia empurrou uma pedra, fazendo surgir uma aber-
Sim, sem dúvida, não haviam mentido seus informantes
Entraram por ali. Um corredor se via, descendo esc~da
quando lhe haviam referido que ela sabia coisas apenas mos~
l!lb;3iX~J. O jovem tomou uma tocha que estava pendurada ali, e
tradas aos sacerdotes e aos iniciados nos mistérios de Mnévis
o touro sagrado. ' ,,,,,,~ ... rll,,, o betume que estava numa vasilha, friccionou duas pe-
e fez uma chama.
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a porta de entrada foi suspensa e, no umbral dela, o
- Estás bem? - perguntou-lhe o estranho condutor.
e Amenhotep surgiram. Logo entravam.
À luz do archote ela reconheceu o escriba Orion, qu Imaginamos que terias levado a princesa a este lugar se-
olhava com seus olhos azuis como contas, com seriedade
Amenhotep, enquanto com olhar severo recompu-
preocupação.
jovens, demonstrando que sabia o que o~or~era.
A mocinha relanceou os olhos pela câmara estreita on
estavam. Ainda bem que a protegeste.- falou o pnnclpe - Vamos,
dêm por nossa falta - acres?entou, pas.sando os bra-
- Quem te ensinou esta passagem? - perguntou ela, costas da princesa e condUZindo os amigos. - Temos
tando que as paredes estavam nuas de inscrições, e o ambie daqui de modo que não saibam por onde entramos.
era penumbroso. - Que mais sabes? Onde vai dar este cor
dor? um gesto, fez Orion tomar a tocha e iluminar o subter-
- Não podemos nos arriscar a ir além. Um dia, quand
tempestade nos apanhou aqui, o príncipe e Amenhotep se oc Desceram por estreita escada de dezenas de degraus, e
taram comigo e me fizeram jurar silêncio. Meus lábios estão s se cond~zindo por estreito labirinto. Apesar de haver ~o
lados, e, de hoje em diante, os de Tii também. várias entradas, ele sabia exatamente por onde Ir.
- Sim - respondeu ela e, naquele momento, sentiu-se ,""""hnl'OI"\ vinha atrás. ,
volver por uma doçura infinita, por algo indefinível, como se Estamos no Grande Templo da Humanidade. E como se
tempo e o espaço não existissem. Os olhos de Orion brilhava "'''.ninh~'::~P pelas veias do coração de meu povo. LO~OA a ~em­
inquisidores, a ela se sentia atraída para ele, como o pássa passa. Mister saiamos junto às pequenas plramldes.
para a cobra que o seduz, e aprisiona. ",.ne.",,''''/,"\ que nos alojamos rente às suas port~s .. : . . ,
Tii tocou o peito do rapaz, seus ombros. Ele a fitava, se firmeza do jovem, conduzindo-a pela mao, ImpreSSionara
dizer palavra.
Ela falou, como que em encantamento, a frase que se o Aquele era seu futuro esposo, o hor:nem que. deveria amar,
vira dizer nos sonhos que tivera: a frente. Precisava esquecer Orlon. Preclsa~~ vencer ~
- Sim, meus lábios estão selados... - e beijou-o suav ."ú'lw,y"", impulsividade afastar-se de Sen Nefer. A polltlca no rel-

mente. perigosa, os ;"eandros da religião intrincad?s, ~omo o


O moço não reagiu, apenas deixou-se beijar. Depois se ll!H;abl)Uç:O que ocultava os labirintos sinuosos, do Interior das
braços se ergueram e a abraçaram. Seus lábios buscaram
dela... e, de repente, como se algo quebrasse o encanto, paro Desejou olhar para trás, ver Orion, que levava a lant~rna
olhou-a admirado e assustado, dizendo: de fogo. Por que esta não se apagava? De onde Vinha
- Este lugar tem algum feitiço. Somos duas pessoas vis wmtilação do ambiente?
das. Não posso me permitir... meu senhor... não posso... _ Estás cansada? - perguntou o herdeiro.
A onda de desejo, contudo, estava nos olhos, nas mão _ Não. Sigamos. Logo a tempestade cessa. - comentou
suspensas, na fragilidade do instante... A câmara parecia iris
da por .nuances de sonho... Tii lembrou-se de que, quando s Podia se ouvir seus passos, pelo interior do grande colosso
nhara com aquilo, a atmosfera parecia irreal. Agora ela sabia
quanto era verdadeira. pedra.

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Til pensou se um dia conseguiria novamente achar a apagada num suporte. Sairam rapidamente e um novo
da tão oculta, se não percebera por quais mecanismos Or foi acionado, fazendo a pesada pedra cair no encaixe.
conseguira abrir a porta? Ensinar-lhe-iam aqueles homens a Quem estivesse fora não perceberia a entrada, tão
minhar lá dentro? Sentia que um dia poderia precisar saber n o modo como a pedra se firmara nas demais. Correram
apenas aqueles segredos, mas outros, se quisesse governar. uma duna e avistaram a nuvem de areia caminhando para
Olhou rapidamente para trás e seus olhos se cruzar direções. A balbúrdia em meio à comitiva era imensa.
com os do escriba. Ele a fitava como que intrigado, perple aram-se da Esfinge e caminharam mais adiante, afim de
enquanto iluminava o caminho. Foi um momento, mas aq ist.:3.rem quanto ao lugar onde haviam estado todo aquele
olhar ficaria ecoando em sua alma, na perquirição de seu p
prio eu. o granito rosa da pirâmide de Kéfren brilhava ao sol. Era
O suor começou a porejar da pele, a medida que caminl) se ver. A jovem sorriu embevecida, olhando-a.
vam quase a correr. Somente um instante o herdeiro parou
A pedra rósea há de enfeitar nosso palácio. - comentou
perguntar se Amenhotep o seguia. Sim. Ele vinha, como se e
rpru:::>nlt~
com um sorriso de satisfação.
vesse acostumado a grandes esforços.
Agora o caminho seguia sem galerias adjacentes, até q olhou para seus pés. Havia calçado as sandálias que
pararam rente à uma passagem que se bipartia. Til pensou: o noivo, cheia de pedrarias. Elas eram fortes, sem dúvi-
- Para onde seguiria aquela câmara? mas, se não se haviam partido durante a vertiginosa corrida
Como que respondendo às suas indagações, o futuro co se impusera, somente então, sentia o quanto haviam ferido
sorte informou: Na verdade, eles estavam sangrando. O príncipe mal
- A da esquerda tem uma saída direta na Sala de Mumi
cação. Vamos pela outra... Sagrado Amon! - exclamou, chamando uns servos para
Agora o caminho era ascendente. Tinham estado a desc a carregassem numa liteira - Jamais me perdoarei!
desde que haviam entrado ali.;. A princezinha mitânia principi Valeu cada passo! - respondeu a jovem com um sorriso.
va a cansar-se...
- Não podemos parar agora. - falou atrás deles o sábio Amenhotep foi até uma vasilha e molhou finas tiras de Ií-
A tempestade logo amaina e todos já estão preocupados co
nossa ausência. Procuram-nos... Provavelmente as apanhara na Casa de Mumificação. Mo-
- Ela não é um homem. - respondeu o herdeiro, sentin "''lu·"""",na água e embebeu-as com um líquido verde. Pe~iu li-
que a menina estava cansada. ao príncipe e com a mistura limpou e envolveu os pes da
- Posso conseguir. - respondeu ela.
Mais alguns minutos de marcha forçada, agora tendo qu - Quero voltar aqui. - falou ela de forma a que somente ele
subir, já cansados pelo esforço dispendido, eles evitavam falar. ~njVI""::>l;;;.
- Quero aprender a caminhar por estes meandros...
A jovem viu quando o herdeiro, príncipe co regente, tom
- Acaba de passar por um dos caminhos da Grande Inicia-
um tipo de marreta e quebrou um suporte. Imediatamente
onde nenhuma mulher pode penetrar. Não sejas afoita. Há
areia começou a cair num tipo de cocho e, à medida que e
preço a pagar para se inteirar dos mistérios...
chia, uma pedra se abria para fora. O sol incomodou se
olhos, habituados à escuridão daquela jornada. Orion punha - E Orion já pagou por eles?

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- A morte aparent~ para ele não tem segredos, jovem pr Não são todos os súditos fiéis o bastante. Sabes o que
cesa. Nem ele a teme. E um dos poucos que, não tendo sang Até os manjares têm seus provadores, e os servos mais
real, nem sendo sacerdote, pôde conhecer os meandros subt ~$!li!i;lg(laC)S são escolhidos a dedo. Aos meus servos eu mando e
râneos. Nem deixará de responder pelo "crime" de haver int obedecem. Para tirar a vida a um, basta que me aborreça
duzido nas câmaras uma mulher... mas aprendi a ser grata aos que me apreciam pelos
- E qual seria a sentença? - perguntou elá, o coração I..H,jit'w",C! do sentimento, e a ser inflexível com os que me odeiam,
saltos. aos inimigos não se pode tratar com brandura. Orion, é
~''','rlDlnt.a para mim, tem por ti uma adoração que foje ao co-
- O rei decidirá. Não são coisas que lhe digam respeito.
Ele te é fiel. Quanto a mim, lhe devo a vida, quando a pró-
- Isto veremos! - falou a jovenzinha profundamente aba
da com tudo o que acontecera. guarda foi impotente para proteger-me e tu te
~dJapalhaste...
Relanceou o olhar à procura do escriba, mas não o viu p Um rubor cobriu as faces do futuro rei. Tii praticamente o
ali.
irY1"nl:'\/~ numa cobrança intempestiva:
- Já o recolheram. - falou o sábio. - Preocupas-te demais com um simples servo!...
Tii não pode mais conter-se. Fez um sinal a Sen Nefer q - O que me preocupa é o futuro meu e do Egito, se as re-
a fizessem levar a presença do noivo. Ele estava comandan impostas pelos sacerdotes forem mais fortes que a decisão
um grupo de operários, cuja tarefa consistia em remover a ar Pois, se ele morre por tuas ordens, devo temer que eu
que teimava em enterrar os colossos de pedra. Para, tanto h:,,'nh,6rn venha a morrer em tua defesa, mas, se morre pelos sa-
enterravam folhas de palmeira em fileiras nas dunas. Elas d f'tu'rintoc::. de Amon, devo pensar que este reino é uma farsa, e
viavam o vento, e consequentemente, a areia ondulante. Amenofis não é a representação de Osiris, um deus encar-
- rleciso falar-te. -falou ela às suas costas. .. Além disto, ciúmes de um servo... parece-me demais!
- Já ia vê-Ia, preciosa. - respondeu ele com um sOI'ris'o. - Não precisas justificar-te. Pela dedicação dos teus ser-
Estás melhor? vos, posso aquilitar tuas decisões.
Com um gesto, a mocinha dispensou os servos, afim Aquele comentário fez com que Til se lembrasse de Phtah.
que sua conversa não fosse ouvida. sentiu que ele se referia, especificamente, ao encontro que
- Como posso estar melhor, sabendo que o homem qu lhe propiciara com a serva. Sorriu pois, com cumplicidade,
me salvou da tempestade, será por isto castigado? Que estr dulçorando a fisionomia que se fizera dura demais, numa fronte
nhas leis são estas que prejudicam a quem serve a futura R juvenil.
nha do Egito? - Falarei como meu pai. Não te preocupes. Ele me atende-
- Não são coisas que uma mulher possa...
Os servos se aproximaram. Uma tenda foi erguida no local,
- Não sou um mulher qualquer! Mulheres tu tens muita abrigar os membros da comitiva e Sen Nefer rumou para
em teu harén, e as terás até mesmo entre as escravas, poré IIn""... '!".", levando Amenhotep e uma ordem selada do príncipe. A
somente uma será a esposa real, e não o serei, se aqueles qu de Orion fora salva. Seu olhar sério no subterrâneo tinham
me salvam a vida, forem premiados com a morte! uma linguagem muda. Era um pedido por sua vida? Ela não sa-
- Quem te disse? Por que.. - ia o herdeiro completar a dizer. Seria uma declaração, uma pergunta, quanto ao
se, quando ela, num rompante, o interrompeu: ela sentia? Tii recordou-se do longo beijo que haviam troca-

84 85
do. Aquele gesto, por certo, lhe custaria mais rápido a vida,
que havê-Ia feito adentrar nos meandros de uma iniciação q
ela sabia existir, desde On.
Uma refeição foi-lhe trazida. Patos selvagens com um CAPíTULO IX - AUSÊNCIA LAMENTADA.
lho doce, costelas de carneiro, pasta de avelãs, mel, frutas, e
vinho acridoce, seguido dos pães dourados com passas...
herdeiro sentou-se ao seu lado. Til precisou desvendar seu ro Naqueles dias, o faraó foi informado que uma rebelião se
to. Huya e Nye lhe haviam refeito o penteado, já que ela se n na Líbia, e a tropa foi preparada para uma incursão na-
liiiI'IíI'H,H,/:=l

gava a rapar a cabeça, como era costume então, e, tendo território, de tal sorte, que a azáfama se percebia. De tod?
banhado, colocaram sobre sua cabeça um pote com ungue armeiros, cavalarianos, fardos de víveres, ferros, madel-
oloroso, em cera, que, com o calor, derretia e embebia os ca militares aguardando em seus alojamentos, operários, e os
los, perfumando-os. t;\(i~,llos indo à frente, em meio ao vulgo, aumentando o temor do
- Teremos que adiar a visita ao Grande Templo. - come lnily)ir'~n das desgraças, e todo o rumor que antecede os comba-
tou ele. os perigos da guerra, pelas baixezas e vilanias que provo-
- Já visitamos oGrande Templo. Perto deste, as coluna
de Amon serão pequenas. Gostaria de saber os segredos h Os soldados, educados nos exercícios e disciplinas, desde
manos e decifrá-los... eram atentos, e os mercenários queriam sobrepujá-los
- Nem nossos maiores sábios conhecem tudo o que valor, a fim de, brilhando, conseguirem aumentar seus lu-
condem as pirâmides, princesa. Mas podes aprender algo co
Orion e Amenhotep. Eu os instruirei, para que possas ombre Os marceneiros, os artesãos reforçavam a armada, pre-
comigo, afim de que me auxilies, na árdua tarefa de transform uma possível necessidade de seguir pelo Mediterrâneo
o Egito em Reino Celestial na terra. força adjunta, caso a sedição atingisse proporções maiores
- Muito folgarei em ajudar-te... os locais de entretenimento trazendo aventureiros, em busca
O dia transcorreu em amenidades. Músicos, mágicos, des lucro que teriam, ao divertir o contingente de homens que es-
canso e, à tarde, partiram rumo ao- palácio. As dores dos pé sediados em Tebas, prontos para obedecer às ordens do
haviam passado. Ela cansada quase adormecia levada pel
carruagem. Na modorna de seu sono os olhos azuis de Orion - Melhor atacar os inimigos separados, antes que se
fitavam, sem que ela pudesse decifrar sua mensagem muda. - comentara o faraó para o filho, diante da noiva. - Pre-
I)ara-~~s. desde já, para afrontar o ódio desta gente, para que tua
futura seja imorredoura!
- Sim, em nossos esforços está sediada a admiração dos
if''''''''-H'''''''' vindouros.
- Tudo está sujeito a decair, - falou Amenhotep - mas
ro,\4'-":'I'l:;;'" que resistem na adversidade, são os primeiros a subi-
rem os degraus da sabedoria. Pelos augúrios, e pelo que os co-
nheço, devo dizer que a glória presente e futura deste tempo
t,jerá imorredoura.

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Um sorriso de grata satisfação se abriu no rosto real. A ú rei leva consigo a veracidade e a força do Egito.
ca a não sorrir foi Merit Amon, que, embora acostumada per Trevas nem labaredas poderão deter o seu passo.
junções de seu nascimento a não temer as guerras, como m Leste ou Oeste os povos se dobrarão à sua passa-
estremecia de zêlo por seu filho. Sabia ela que as adagas e
tas inimigas estariam mais propensas a acabar com a vida terá repouso, mutilando os inimigos,
herdeiro que do rei, pois assim a dinastia estaria abalada.
para que não mais ergam suas mãos contra si,
Enquanto isso, em EI Ouksor, Tebas, em Abidos os sac
e pagando regiamente aqueles que o servirem.
dotes oficiavam sacrifícios pela boa fortuna dos exércitos rea
celebrando e vaticinando através de seus hierofantes. Ousado como o touro, forte como o leão, ágil como a
criativo como um anjo.
Decretos foram lidos nas principais cidades e no cam
hostes dos inimigos se curvarão sob as patas de seu
convocando o povo, e enchendo os celeiros reais com abu
dância de cereais, com o que alimentar a tropa aquartelada e seus contendores não terão sepultura..."
mais carneiros, bois e aves... Tutmés IV sorriu. Logo teria os rebeldes sitiados e não dei-
Mais de trezentas trirremes foram armadas e os home uma só agressão impune.
disputavam entre si a primazia do comando. Médicos, enferm Nisto, Tii entrou pela porta do grande salão. Vinha à procu-
ros se apressavam para acompanhar os exércitos. Generais d sua gatinha de estimação que desaparecera, e que custa-
batiam com o rei as estratégias a seguir, escribas seguiriam Phtah uma advertência séria. Ficou indecisa quanto a
faraó para anotar seus feitos, expectadores sempre tendenci quando o faraó vendo-a se lhe dirigiu:
sos, todos nutrindo desejos e esperanças, temores e desasso Que faz a princesa dos mitânios longe de seus aposen-
segos, pelos familiares que ficariam na Grande Cidade. e de seu protetor?
Naqueles dias, o grão sacerdote chegou acompanhado - Salve, ó Magnânimo! Sen Nefer foi encontrar com seus
hierofante Tir e UIi para as previsões que haviam feito, dura lll)rnandados, já que deve seguir viagem, Majestade.
as abluções e o sacrifício do touro Mnévis. Bastante fatiga Aproxima-te, minha filha. - falou o monarca sorridente. -
pela azáfama dos últimos dias, Tutmés IV os recebeu com enf Chegaste quase a tempo de ouvir os bons vaticínios do Templo
do nos suntuosos aposentos da Sala Meditação, onde muit Amon, através de seu representante Ti r. ..
vezes ouvira os conselhos sempre oportunos do professor A princesinha olhou para o homem alto e forte, cuja cabeça
seu filho. r~lspada luzia, sentiu a firmeza do seu olhar de lince, como que-
- Salve, ó magnífico Senhor do Alto e do Baixo Egito, Di nimdo prescrutar seu íntimo, e teve um estremeção. Aquele ho-
no Faraó, filho de Horus - falou o sumo sacerdote, acrescenta rnom a punha de guarda, como se representasse para ela um
do - Seu fiel representante de Amon lhe trouxe pessoalment Neste momento, sua gatinha saiu por detrás da larga
os vaticínios de Mnévis. "'>!,,,,,r.,,,,., que emoldurava uma das aberturas na parede colossal,
- Fala! - retrucou o faraó, observando a maneira prepoten rmepiando-se e correndo para sua dona, como que também te-
te dos recém-chegados, que se curvavam diante dele com fingi Hwrosa da presença do sacerdote.
da dedicação, não querendo prolongar mais aquela entrevist Chamem minha guarda! Quero saber como e porque não
do que o necessário. atento na minha segurança pessoal! - reclamou ele, dando
"Hor;or"" a um númide que saiu temeroso.
Adiantou-se Tir e desamarrou um papiro enrolado que tr
zia , quebrando o lacre que o selava, abrindo e lendo: voltando-se para Tii:

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- Sinto que tenhamos que atrapalhar os preparativos p A aluna vem perguntar ao professor, com respeito as
teu casamento, mas tornaremos logo vitoriosos, para trazer a soas que têm tanta ascendência sobre o trono, de modo a
da mais tesouros ao teu enlace. com respeito aos embates que se esperam, e que cau-
Neste momento Hatay, o chefe dos silos, pedia permis um desagradável impacto sobre ela, atenta às lições que
para uma audiência com o monarca, e, aproveitando-se dis recebendo a respeito da intuição da alma, principalmente a
TU, com uma reverência, buscou seus aposentos, através d feminina.
amplos corredores palacianos, desta vez, acompanhada de p O sábio sorriu da maneira como ela adiantava o assunto
to por um guarda númide, a quem Tutmés incumbira de pro a trazia, e respondeu:
gê-Ia. - Sem querer ler seus pensamentos, atrevo-me a concluir
la saindo, a tempo de ouvir a longa arenga de númer e UH estão, neste momento, falando com Tutmés IV...
que Hatay desfilava a sua Majestade: relação às previsões das vísceras do touro Mnésis... e não
admires, porque eu estava presente, durante a cerimônia que
- De Amki, Arved, Simyra, Ullaza, Beirute, Sidão, Tire, A
consagrou e acompanhei seu cortejo rio abaixo, rumo ao se-
cho, Biblos, Gebal ou Gírias, Niy, vieram trigo, vinho, ceva
~n,AI'J' v, que guardaria a urna de sua múmia... Porém fala-me
peles, madeira, frutas secas, ouro, ... capazes de encher os sil
do Leste e... das impressões de seu espírito.
- Aquele homem, Tir, ele me causa temor...
TU nem atentava para a enorme descrição da arrecadaç
feita, afim de armazenarem mais que o indispensável àquela Amenhotep ficou sério, como querendo ler na alma dela re-
cursão, preocupada com os' dois hierofantes que lhe havi níl:Otrf"lclongínquos...
marcado tão profundamente a alma. Apressou o passo, dan - Minha filha, - falou bondosamente - suas impressões
se pressa. Queria, a todo custo, procurar o professor que a são gratuitas. Tir é um homem ambicioso e somente isto já
nha obsequiando com sua atenção, a fim de saber mais co bastaria, para preocupar quem tem por destino governar o Egi-
respeito aqueles homens. Além disto, não fora as antipatias gratuitas um sinal de anta-
Deixou com Huya seu gatinho e foi com alguns servos ~lonismo entre os seres, percebe que não foi de hoje teu
confiança rumo a Casa da Luz, onde o sábio também prepara encontro com este homem que te causou esta desagradável im-
seus pertences e dava ordens aos subalternos. pressão. Já tive ocasião de falar-te acerca da migração das al-
de como nosso ká retoma tantas vezes quantas forem
Ele a atendeu, como sempre, dentro dos parâmetros necessárias à evolução ç1e nossos espíritos, bem como já te dis-
sua preciosa maneira delicada, acomodando-a nas almofad de outros céus e de outros sóis e luas, que percebemos nos
do amplo recinto, onde, sobre uma mesa, papiros antigos . Devo agora apenas pedir-te cuidado para com os sacer-
viam, ao lado de tabuinhas de argila, onde seus alunos anot dotes de Amon. Todos eles, pelo que te foi dado perceber, são
vam as lições que lhes competiam. tomados de um fanatismo tal que os condicionará à violência e
- Que vem fazer tão cedo a princesa dos mitânios, co artimanhas políticas, quando contrariados. Tem em mente
tanta preocupação no rosto, que o próprio sol se oculta em se também, que os conhecimentos que possuem os põem acima
semblante? comum dos mortais, e sabem utilizá-los em benefício de
TU sorriu do modo como ele punha tão às claras as inqui seus interesses...
tações de sua alma: - Todavia, fala-me mais de Tir. ..

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- É um homem de quem pouco se sabe, além de que - Tua ausência será lamentada. - comentou intencionalmente
lho de uma princesa Babilônia, com um sacerdote de retirando-se, sem dar conta do tumulto de pensamentos que dei-
que o protegeu e iniciou nos mistérios. Pertence, portanto xara atrás de si.
classe sacerdotal, tendo se iniciad\5 na arte da profecia, utiliz
do não apenas os seus dons particulares, mas o conhecime
do ocultismo que possui, com fingida mescla de mistificação
gação com os poderes invisíveis...
- Quer dizer, então, que é um feiticeiro, ou um profeta?
- Quero dizer que é um homem perigoso, quer pelos ser
que o servem e a quem serve, quer pelos conhecimentos q
possui, em várias áreas científicas de nosso povo e de outr
povos que submetemos...
Nisto, foram interrompidos com a chegada de Orion, q
vendo-a ali, demonstrou sua surpresa e emoção, através
olhar que adquiriu um brilho novo. Ao sábio não passou desp
cebida a perplexidade de ambos, que, pareciam desligar-se
tudo que os cercava, para aterem-se apenas à observação
do outro.
- Virei n'outra hora. - falou o moço, procurando control
se.
- Eu já ia sair. - respondeu a princesa, continuando-
50 saber com quem mais ele conta, além de Meúra?
- Sim, com Mutmuya, mãe de Amenofis 111, esposa de T
més IV, que o protege, pelos laços espirituais, e por Tut, o vi
rei do Norte...
Orion colocou sobre a mesa algumas tabuinhas de argil
onde se viam caracteres recém escritos. Tii observou o capric
daqueles traços, e, sem conter-se, perguntou:
- Acompanharás o contingente?
A pergunta era direta e não tinha razão de ser, de vez q
o rapaz sempre acompanhava o fara6 nas incursões militare
porém o que se sentia era a intimidade que a menina punha n
suas falas, e a ansiedade, pela modulação de sua voz. O sáb
os fitava, antevendo o perigo daquela inclinação afetiva.
moço pousou nela os olhos límpidos e azuis, respondendo:
- Nem pode ser de outro modo...

92 93
CAPITULO X - LIVRE PENSAMENTO.

No dia da partida das tropas, foi celebrado um ofício no


antigo templo de Tebas, vale dizer, no Santuário de Amón.
Trabalhavam nos canteiros de mais de trinta hectares, uma
humana de mais de 90 mil homens.
A corte, acompanhada de militares e sacerdotes, ao som
coro dos cegos, adentrou o grande templo, rodeando a en-
já que a cidade era dividida por um canal, ao sul dela fi-
cando a parte hoje conhecida como Luxor, e ao norte
estendendo-se o povo de Karnac.
O magníficotemplo, que era conhecido como o "Harén Me-
ridional de Amón", media mais de 260 metros e fora iniciado por
Amenófis 11, depois continuado por Tutmé~ 111.
A comitiva foi rodeando a entrada, onde havia dois colos-
sos de granito rosado de 15,50 metros de altura, sobre um pe-
destal de um metro.
Nele se via a figura do faraó sentado, acompanhado de
mais quatro estátuas gigantescas, que se apoiavam num pilar,
cada uma, todas em granito rosado.
Depois de passada a entrada triunfal, chegaram a um tem-
menor construído por Tutmés 111, composto de capelas dedi-
a Amon, Mut e Khonsu.
Seguia-se a imponente construção de colunas duplas papi-
riformes, à semelhança de uma imensa floresta petrificada, ini-
ciada por Tutmés IV.
Cenas religiosas adornavam maravilhosamente as colu-
nas, dando-lhes um colorido magnífico, e outros edifícios late-
rais se alternavam em luxo e grandeza.
A grande corte de Tutmés IV, estava representada com im-
ponência em EI Houksor, e o desfile dos militares se lhe igualou
em grandeza e arrogância.

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A mocinha se surpreendeu com o recém chegado, a guem
A jovenzinha, sentindo um aperto no coração, acompanho durante as recepções, e que lhe causara uma sensaçao de
o grande desfile em lugar de honra, assistiu a celebração do lli~tJI adaVl91 empatia. .
ofícios religiosos e angustiou-se ante a possibilidade de mort Como me chamaste? - perguntou CUriosa. . .
do príncipe do sul, seu companheiro que a auxiliara a apagar _ Flor de Lotus! Desde que se comenta a for~a 1n~~ltad~:
incêndio no acampamento, de seu futuro esposo e, principa qual a representante de Isis encontrou um mel?, de ,:,ed,~zh
mente, do escriba Orion, que, desde a fuga empreendida dentr irmão, encantá-lo, através das flores, que este apelido ou
da Esfinge, a fitava com olhos indecifráveis e sérios. i'P".., ,,,,mp como queiras tem sido sussurrado quando o assunto

No dia seguinte, antes mesmo que Ré começasse seu per Não vejas nisto ne~h~m mal ~u grace~o inoport~~o, de ve~
curso na sua barca solar, o contingente partiu rumo a Oest esta é a flor de maior simbologia do Egito, ou qUlça do ~un
numa nuvem de poeira, com seus carros, os barcos transport e do Universo, pelo seu alto significado. E, d~sd~ qu~ a Flor
dos pela força dos bois e elefantes, servos e escravos. Lotus" saiu da água para caminhar pelos Jardins, Isto nos
Tii observou o nervosismo de Phtah com a partida dos mili causa surpresa... d'
tares, comandados por Tutmes IV e seu herdeiro Amenófis (111). A menina sorriu e segurou a mão que se lhe esten la, con-
vIdando-a a percorrer os limites do jardim para um extenso I~~~,
- Sem dúvida, ela sofre a partida de quem ama. E eu m suas flores prediletas haviam sido transportadas a pe I o
pergunto, a quem meu pensamento segue: A Sen Nefer?
Orion? A Amenófis? Como o mundo é ingrato. Esta serva pod noivo. . 'd b 'Iha
Lá embaixo, à distância, casas de alvenana COZI as n -
olhar-me e, mesmo sem palavras, desabafar o que lhe vai n
alma. Eu, contudo, não tenho ninguém a quem entregar o vam ao Sol que iniciava seu percurso. A • T

Uma estátua deliciosa, segurando um cantaro, faZia a a.gua


amargores íntimos, porque, se os contasse, seria relacionad
como uma alma inconstante e traidora. No entanto, o cuidad descer por ele, criando borbulhas no tanque repleto de peixes
com os três me persegue dia e noite, sob o eco dos gritos das se viam. , lt ra
mulheres no cais, a lamentar e saudar seus homens de forma Percebendo que a jovenzinha punha atento a escu u ,
característica na partida, dos sistros tocados pelos músicos, e Sesóstris convidou: _
dos hinos compostos pelos sacerdotes. _ Já que pareces apreciar a arte, porque nao esquec.e~ as
preocupações com as lutas a Oeste e vens conhecer as ofiCinas
Assim pensando, a jovem afagou a cabeça da gazela que
caminhava livre nos jardins do palácio, e seguiu seu passeio de trabalho de Auta?
matinal, acompanhada de suas servas de confiança e observa- - Auta? A quem te referes? .
da de longe pelos novos seguranças, escolhidos pelo sacerdote _ A uma encantadora artista que repr~sent~ Junto aos. h.~­
de Min, da cidade de On (Heliópolis), seu pai. mens o sexo feminino, a recriar forrr: as mUito al.em da possibili-
dade maternal de Isis, princesa. Sei que apre~laste ~s relevos
O irmão mais novo de seu noivo, ao qual ela não atentara ue contam a morte dos sete reis sírios, nas m~os reais de me~
antes, Sesóstris, quebrou os seus pensamentos em se lhe diri- ~vô Amenófis 11, mas verás como Auta sabe cna:r seres, a pa~lr
gindo: pedra bruta, do calcário, ou do c~dro do lIbano. Gost~na
- Salve, Flor de Lotus! Assim como brilham as palavras do ue me acompanhasses hoje, se posslvel, agora mesmo, ate os
rei, meu pai, e bate o coração do príncipe, meu irmão, meus ~anteiros e salas onde se recria a beleza, a forma e a graça...
olhos se enchem de júbilo ao contemplar a futura rainha do Egi- Vamos?
to!
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· A inocência de Sesóstris era fresca como a manhã, e Auta observou os traços amendoados dos olhos de Tii,
pnncesa percebeu 9ue ele p~r~ci~ totalmente alheio às quer cabelos negros sedosos, sua tez alva, sua boca bem deli-
las palacianas, às disputas dlnastlcas, mais parecendo um fil Sim. Desejaria esculpir aquele rosto, enquanto o poder
sofo do que um provável herdeiro do trono. '''''f·\n'':'r..... não lhe endurecesse a expressão, tal como o fizera
Diante do convite do jovem, Tii demandou as cavalariç rosto da Rainha, que se via sendo retocado por Din.
onde sel~.ram seu cavalo branco. Acompanhada pelo príncip - Poderia um dia representar sua figura? - perguntou com
sua. comitiva, ela atravessou campos, onde mulheres plantav &\lrnplicidade e tristeza a escultora.
~. tngo e a cevada, e chegaram às construções, onde os su Tii sorriu, sentindo que, para Auta, a expressão artística
nntentes das obras palacianas trabalhavam. mais importante que tudo.
Atravessaram amplas salas, fugindo aos estaleiros e, de - Se um dia fizerem uma figura de minha pessoa, escolhe-
ce~do ~ma escada de degraus largos, chegaram a um apose
você para concretizá-Ia. - respondeu.
to Iluminado pela luz solar, onde peças as mais variad
_ Quero que vejas algo, que ando escondendo aos de-
descansavam ou eram trabalhadas por artesãos caprichosos.
- falou Sesóstris, com um ar gaiato.
Sesóstris se dirigiu a uma jovem baixa, de pele escur
Com isto, convidou-a a dirigir-se a uma sala, cuja porta
que: com um avental rústico a proteger-lhe o corpo, martela
um Imenso bloco de granito. Ao lado deste um outro bloco trancada à chave.
alabastro, inacabado, representava a Grande esposa real. Nel Auta a abriu, tirando um objeto de seu aventa!, que encai-
trabalhava Din, um famoso artífice que fora professor de Auta: xava perfeitamente no orifício.
- A esfinge já criou vida, e já lhe segredou seus mistérios Numa espécie de quarto, com apenas uma janela no alto,
- perguntou o príncipe. viu um bloco coberto por um tecido. Auta o removeu e, diante
A jovem estivera tão entretida no seu trabalho e o ruíd seus olhos, a jovenzinha viu uma escultura semi acabada.
provocado pelos artesãos no amplo espaço, havia im'pedido q Mesmo sem que lhe houvessem ultimado a fisionomia, ela per-
percebesse a chegada da comitiva real. cebeu que a mesma representava sua figura, deitada sobre al-
mofadas, e tendo às mãos cachos de uva.
Com uma vênia, juntando as mãos sobre o peito, a jovenzf0
nha saudou-os: A anatomia era quase perfeita, não tinha aquele peso e du-
reza das enormes obras que se viam nos templos, ou mesmo
- Vida longa, saúde e glória aos representantes de Amón
sobre a t e r r a ! ' no palácio.
_ É linda! - deixou escapar a princesa, mal contendo a ad-
Outros servos pararam suas atividades, lançando-se ao miração que lhe causava e o impacto, detendo-se a observar a
solo, com os rostos no chão. delicadeza das mãos e dos braços a saltarem da pedra...
Sesóstris apresentou Til, e explicou: _ Será meu presente de casamento, apesar de meu irmão
- Auta ~onversa com a pedra ou a madeira, perguntando o não apreciar meus dons. Amenófis só se preocupa com vencer,
que .el~.deseja representar, e obedece os impulsos mais íntimos se atém a tirar das pessoas o que pode. Não conhece ainda o
e pnmltlvos do seu ser, antes de compor uma obra. Também a prazer em doar, em se doar, em trabalhar. Para ele trabalho e
desenha com carvão sobre a mesa, fazendo seus projetos. humilhação andam de mãos dadas. Sinto por ti, mas, pelo que
Realmente, sob~e a mesa um desenho da esfinge se via, percebo, Tii consegue o que não busca.
em tudo semelhante aquela que a artista estava ultimando. Auta voltou a cobrir a estátua e saíram.

98 99
De lá, foram os três até a Casa da Luz conversar co (')soura conhecimentos nas artes marciais, na alveitaria, no
Amenhotep que se deixara ficar, aprofundando seus estudos. das pessoas... Tii, contudo, ainda que lustre seu pensa-
O sá~io os saudou com agrado, convidando-os à Iigeir to com o conhecimento hermético, engaiola o sentimento e
conversaçao. calar. ..
- O pensamento é o maior poder do mundo. Isto aliado a O sábio falava, quando foi interrompindo com a presença
sentimento elevado é que gera no homem um deus. - come "e, u,,"~ também conhecido como Senaa, que era o superin-
tou ele. da Grande Esposa Real.
- E por que o homem gostaria de ser um deus? - pergu Sua Alteza o tem buscado por todo o lado. - disse diri-
touTii. l"ílt'í,{V)_"",O a Sesóstris preocupado - Soube que estivestes nos

el(iJI)Ó~;itcls de sienita, trazidos de Abú e estou no teu encalço


1
- Os reis o são por nascimento. - falou Sesóstris intenci
nalmente. a manhã. ..
- São deuses, porém são mortais. - Seu bá deixa que fuj - E por que me busca com tanta insistência a esposa real,
o sopro vital e seu Ká necessita do mundo ainda. mãe? - perguntou o príncipe acostumado a deixar-se fi-
E voltando-se para Tii: livremente em palácio, por não ser o predileto da Rainha.
- Tente deixar de pensar, por um momento. - Parece-me que um raio caiu sobre o sicômoro sagrado,
representa a força universal de Isis, e tua mãe se enche de
A jovenzinha fez um esforço e redargüiu:
(iLlidados com os herdeiros do trono, vendo nisto um vaticínio
. - Inútil. _Não ,consigo. Meu pensamento parece um pássar rll,S!lléfico para sua descendência. Pediu-me que te buscasse e
~r~~co que nao para de voar para longe, fora de mim, buscand
te levasse à sua presença.
Idelas... - Creio não ser mais preciso. - falou uma voz atrás de si.
. . - Sim. Seu pensamento é como a ibis, que vence a morte Todos se voltaram. A própria rainha se via, visivelmente al-
A Ibls renasce. Assim é a alma humana. Pensar é algo livre. At à porta do cômodo da Casa da Luz.
os escravos podem pensar o que lhes aprouver. Pelo que o ho Todos se arrojaram ao chão, menos Tii, Sesóstris, e Ame-
mem pensa ele direciona sua vida. Às vezes o ser humano so ,'lI"1'')t o' ri
fre tanto, qu~ fote para um mundo só seu. Como qu, que continuas a fugir aos compromissos dos exercí-
enlouquece. Nlnguem o entende, nem ele entende ninguém. buscando a companhia de gente de sangue plebeu. - falou
que sua alma adoeceu, se sente aprisionar e não sabe como fu-
sublinhando as últimas palavras e olhando, intencionalmen-
gir, então se aliena.
para Auta e para TiL
-: Se_ o pensamento é tão poderoso, mestre, 8ntão, porque A jovenzinha levantou o rosto com altivez. Sesóstris pon-
os reis nao o levam em seu sono eterno, ou nos cofres reais
não o aprisionam? - Minha mãe, me desgosta muito trazer-lhe preocupações,
- Já isto começa a ser feito. Estes papiros são depositários nnct",,,,dias em que seu coração doe com a ausência de meu ir-
do pensamento d.aquel.es que nos antecederam. Há quem leia, e meu paL - falou ele procurando mudar o rumo e transfor-
no entanto, as lel~ maiores nos papiros naturais, na carta das !l1ar a atitude materna.
estrelas ou no catalogo da natureza. Quanto mais se adianta o
hom;m~ mais conhecimentos encontra em si e no que o cerca. ----
.~.,.-
I Abú. antiga Elefantina e atual Assuan.
Sesostns tem procurado entesourar conhecimentos através
música e das artes, faz-se amigos de todos. Teu futuro consorte

100 101
Livre pensamento é mais fácil de se encon!rar entre os
Merit Amón porém, não o permitiu: {ms livres, do que entre os reis e seus herdeiros, sempre
- Vejo que te ocupas em distrair tua futura cunhada, s favos das injunções de seus cargos. Acompanh~mos o no-
te preocupares com os comentários que, por certo, esta aus filho ilustre da família de Rabmara, seguindo os car-
cia do palácio e a convivência mais íntima poderiam gerar... liteiras reais. Tenho esperança de, um dia, contar-me
Sem poder conter a indignação, Tii interrompeu um ta os verdadeiros discípulos do livre pensar... .
irônica: A rainha fitou Til. A jovenzinha percebeu. que.um respeito
- Comentários sempre os há, majestade. Quiçá até a havia em seu olhar, ainda que um respeito feito de temor,
bela das esposas do faraó possa ser vítima deles, de vez q dar ênfase ao que sabia, murmurou:
própria rainha sabe apreciar os frutos saborosos que a vida .~ Às vezes o sangue real não é tão real assim, mas todos
rece, venham ou não da mesa reaL .. um dia se petrificam nas veias...
Os olhares das duas mulheres brilhavam de intensidad a olhou curiosa, erguendo levemente a cabeça.
o sorriso se fez mais sarcástico nos lábios juvenis, ao acres jovem artista não passara despercebido o duelo de pala-
tar: entre as duas mulheres.
-Tal como Ser-Afi se refugiou no deserto, que Sen Nef
o príncipe do sul, assim condecorado pela sua bravura, pelo
Tutmés IV, assim como Orion sustenta seu cargo entre os
diletos do reinado, assim como Amenhotep caminha entre
papiros e o templo, assim como Tir e Ali fazem suas previsõ
com as vísceras de Mnésis, a Esposa Real, deusa sobre a ter
não pode estremecer porque um raio caiu sobre o sicôm
real, sendo ela a representante dos deuses entre os home
por nada temer ou dever... Da mesma forma como o faraó
fez ter sangue real, com seu báculo, assim também o príncip
seu pai vivem, e tornarão são e salvos, para tranquilizar a Gr
de Esposa Real, e Grande mãe.
A citação intencional de Ser-Afi, as falas, indicando de
gum modo saber do parentesco intrincado entre os três jove
fizeram empalidecer a Grande Rainha.
Seus olhos antes tão determinados, revelaram um te
novo.
Voltando-se para o filho falou, afetando uma calma
não tinha:
- Que não te veja, nem à jovem filha de Yuaa fora dos
mínios do palácio sem minha ordem!
- Assim será feito, minha mãe. - prometeu o jovem.
E, afim de acalmá-Ia, despediu-se de Auta e de Amenh
tep com um gracejo:

103
102
CAPíTULO XI - NO HARÉM REAL

- Desde que Tutmés 111 uniu-se a Mitemuya, filha de Arta-


rei dos mitânios, tornando-se a esposa real, eu sou a se-
mulher, que vai estar na trono, descendendo das raças
Fld/'L.':llri""Y'''''''' - comentou Tii, para o sábio Amenhotep.
E completou:
- Pelo sei, meu consorte já tem princesas da Síria e da
MtlSO!)otâmia em seu harém, além de uma irmã do rei da Babi-
e até estudam a possibilidade de casá-lo com Gilukhipa,
do rei de Mitani. - comentou, pensando na conversa que ti-
pela manhã com seu pai.
Ele viera avisá-Ia que as tropas de Tutmés IV estavam a
r,'e"y;'..-,h" vitoriosas, e deviam chegar, estando há 5 dias de Te-
com um contingente de prisioneiros, que teriam em parte
vida sacrificada e outros as mãos cortadas, para que não
as pudessem erguer contra o poder real.
À lembrança dos espetáculos que a aguardavam, cami-
pelo aposento, demonstrando uma repulsa natural, ao
"',"~":><>r naqueles atos de crueldade, porque também seu povo
,j)(",l'ror'<:> isto, ao tempo de sua dominação.

Estes atos eram ordenados pelo Estado, com a sanção


sacerdotes, mas o que a vinha preocupando eram as outras
rnulheres do harém, e suas ligações familiares com os povos
a égide do Egito, e como deveriam sentir-se preteridas, pelo
de uma desconhecida, uma mulher de condição comum,
ser escolhida para ser a esposa real, no lugar delas.
Teria que saber a influência que teriam no palácio, com os
nobres, dignatários, e sacerdotes e no consorte real, e até onde
podiam influir no seu reinado.

105
Seu pai percebeu que os conhecimentos que tentara até elas, mas devem saber que não sou como elas!
inculcar no passado, a longa preparação na infância, esta nsou com um certo orgulho, particular de sua personalida-
brotando, através das preocupações que a jovenzinha dem mitaniana, demonstrando o alto apreço em que se
trava.
Não parecia atentar para os presentes que lhe chegav Ir conhecê-las poderia parecer que as temia, ou que a c~­
a não ser para checar sua procedência e intenções e a era tão aguda que não poderia esperar os esponsais
queria saber das relações príncipe-consorte, a ver a influ saciá-Ia.
cia das mulheres do harém real. Contudo, não se importava com o que pensassem. Sabe-
- Filha, é interessante observá-Ias não apenas pela m, desde agora, que ela não as temia e que não se importava
beleza, mas pela rede de intrigas que tecem, através de s In o juízo que faziam de sua pessoa.
contatos. Hatusa tentava ganhar tempo, para avisar as mulheres,
As tendências emocionais do príncipe estão muito arrai Yuaa foi inflexível. Queria encontrá-las na forma natural
das no pai, que representa o poder, e na mãe, que, pelo transcorria o seu dia a dia. A mulher, pela fisionomia, de-
sei, tem na chantagem uma aliada forte e na dissimulação u o seu desagrado. Tii aproximou-se dela e depôs em
atitude permanente... Além disto, é vingativa e cruel, mes mãos um rico broche cravejado de pedras opalinas:
quando se mascara de boa. .. _ Ganhei-o a um representante de Tire, e apreciaria que o
- Quer me parecer, meu pai, que as mulheres não têm Uv(~sses, em nome da solicitude que espero encomrar sempre
bre meu futuro consorte uma influência tal que me preocup ti. - falou a menina.
que devo ater-me a observar o casal real. Bem, mesmo assi A serva, tida em alta conta por Merit Amón, percebeu que
devo conhecê-Ias, para inferir até onde cada uma possa ofe queria contentá-Ia, e, embora amadurecida prematura-
cer-me perigo. percebeu que encanto suave emanava dela, mas que
Os olhos grandes e escuros de Til, que possuíam uma determinação era evidente, pela forma direta com que a ar-
veza particular, tingidos por um toque de suavidade românti e a olhava nos olhos. Ela poderia enviar-lhe depois aquele
como que pediam e o sacerdote não se fez de rogado. Mes pelas aias, porém era claro que se acumpliciava com ela,
porque sabia que não adiantava. Til não se contentava jam !:.>!Jsequiando-a e observando-a, enquanto o fazia.
com uma negativa. - Senhora... não precisas ...
- Pediremos a Hatusa que nos acompanhe ao harém sorriu:
Podemos conhecê-Ias, antes da chegada triunfal do faraó. - Eu sei o que preciso, Hatusa... Conduze-nos!
Yuaa chamou um servo e, à uma ordem sua, logo a vel Sim. Aquela jovem era impetuosa. Ousava e ordenava. A
serva do harém vinha atendê-lo. o sentiu com muita preocupação, e assim, com uma vê-
Confabularam à pequena distância de Tii que, em se obedeceu.
aposentos, escolhia a roupa adequada e jóias, preparando-s Caminharam pelos amplos corredores. Guardas palacia-
com Huya e Nye, tendo o cuidado de não se apresentar dema nos as observavam pelo canto dos olhos. Era cedo ainda.
siado bela, ou exageradamente adereçada, para não atrair a co. Do outro lado do palácio, os cozinheiros haviam preparado
biça e inveja das outras, mas não tão simples que pensasse o pão para a refeição matinal, bem antes que o sol viesse, e
poder motejar de si. estavam atarefados sob o cheiro dos temperos das espe-

106 107
cia~ias das índias, .e as av.es abatidas, que iam se juntar aos Depois de seguir pelos dois caminhos que levavam ao inte-
reaiS, e aos carneiros, cUjas postas haviam chegado do m Palácio Charuk, Hatusa os conduziu a amplo salão, en-
douro.
ricamente. Suas paredes tinham frisos de flores e seu
Nã? longe dali, os c~rvejeir?s cu~davam da bebida predi esenhos primorosos, trabalho feito caprichosamente no
ta d.o rei qu~ logo chegaria. Ment Amon ainda dormia, pelo marrom.
havia Huya Informado a ela. Ouvia-se música na sala ampla e, quando Tii parou à por-
No pátio central cruzaram com Sesóstris que saudou a uma das mulheres dançando, acompanhada com palmas
vem, tentando dialogar com o velho sacerdote: outras.
Per?ebia-se que estranhava a tríade, Yuaa, Hatusa e ao perceberem-lhe a figura parada à entrada, foram
n:~s. podia logo deduzir, pelo rumo que tomavam para onde "",I,,,,,,,,..i,,, e olhando-a curiosas.
dirigiam: ' Salve, filhas do harém real! - falou Yuaa - Venho avisá-
- Posso acompanhá-los? - perguntou curioso. em poucos dias, o faraó e sua comitiva chega à cidade
cem portas.
Tii já s~bi~ .do quanto ~s m~dr8:stas dos príncipes podia
con: suas historias e atençoes, inflUir na criação dos herdeir vozerio de júbilo irrompeu entre elas, e, conquanto fa-
reaiS, e, conhec~nd? o lado místico e sonhador, a inclinaç ao mesmo tempo, logo se calaram, observando a serie-
das artes de Sesostns, sabendo também que, em caso de m Hatusa, e TiL Foi Hatusa quem se lhe dirigiu:
te do co-regente, ?Ie poderia assumir o trono, na lembrança d Esta é Tii, princesa do sul, filha do sacerdote de On,
gran.des ancestrais da realeza do Novo Império, Sesóstris 11 da celebração de Min, que foi escolhida e tida por prince-
sentiu que o encontro não fora proverbial. que se consorciará, nos próximos dias, com Amenófis,
. - Jamais me perdoaria de interromper tua programação o 111, da dinastia gloriosa de Sesóstris, Amenófis e Tut-
,hoJe. - respondeu tratando de despedir-se, antes que ele p , que se dignou vir ate as mulheres do harém, para saudá-
desse retrucar. J como convém à preferida.

Sesóstris sorriu: mulheres se puseram de joelhos, o rosto entre as mãos,


\!llltadlas para o solo.
- Que pressa! - apen,as comentou, e deixou-os ir, embor
lhe awadasse aco~p~nha-Io~ e pudesse ir logo atrás dele Tii caminhou entre elas, em silenciosa atenção e um certo
pela lI?erd~d? de tr~nslto que tinha em palácio, mas não viu nis
to mot~vo de Importancia, nem acreditou que devesse ir referir - Que vida era aquela? Segregação, rejeitando a possibili-
sua mae o que se passava. de sair, e apreciar o que ia fora?
Sentia pela futura cunhada uma simpatia natural conheci Observou que a família real tinha extrema sensibilidade
de sobejo o despotismo :na~erno, e o quanto ela já e~tava ouri com a beleza, e considerou as diferenças raciais e tipos fí-
ç~da com a escolha do Irmao, para com uma jovem de condi que ali estavam, se atendo à delicadeza de umas, à saúde
çao obscura, quando tantas princesas lhe haviam sid juventude de outras, o exagero dos trajes de algumas e quão
ap'resentad~s, co~o pretend~ntes. Melhor, portanto, não atiça tltj~3elàv~~is seriam aquelas mulheres aos olhos masculinos, e
Til contra SI. Sabia de sobejO o que a esperava no harém o centro da curiosidade e inveja de todas.
como ela se portaria. - Podeis erguer vossas cabeças! Olhai-me! - ordenou.

108
109
buscam estar juntas em harmonia, sonhando, C: S mes-
Com espanto elas lhe voltaram o rosto. Algumas porém há outros quesão pagamentos de dlvl~as de
1,,'\ !:IÇU i:> ,
donzelas arrancadas ao lar paterno, outras, mulheres pre "'"nlrcrir.r~'<:! ou conjunções de seres, com prowamaçao es-
das para os jogos do amor e da sedução. Acredito, filha, que o príncipe te ama. Que Isto te bas~e,
Tii sentiu profunda tristeza, incapaz de compreender quantas mulheres desejariam estar em teu lugar. Nao
que tantas mulheres podiam servir ao rei e ao seu filho, se r,m}ZE~S a escolha que caiu sobre ti... ,
gustiar a Rainha Mãe. Uma tenaz lhe constrangeu o A jovenzinha pensou nas jovens que acabara de ~er no ha-
Voltou-se para Hatusa e ordenou: .das servas de Phtah, e desejou que consegUisse ~mar
- Chame um escriba. Quero o nome e a procedênci c~mpanheir~, ao menos para não fugir ao~ compr~mlssc:s
cada uma delas em meus aposentos, e estejam prontas frente ao seu pai, ao seu povo. ~abla que ~ao havia
uma entrevista comigo, para o dia que eu marcar. não. Sabia que ela mesma atralra p.ara SI as aten-
Novamente esperou que curvassem a cerviz, a um contudo, no fundo de si mesma, sentia-se profunda-
seu, e retirou-se, seguida apenas pelo pai, para seus ap roubada da possibilidade de escolha. _
tos. Somente o futuro responderia às preocupaçoes e zel~s p~:
- Estás satisfeita? - perguntou ele, tão logo se vir Porém uma coisa era certa: a posição de esco!h:da Ja
sós, dispensando os servos mais próximos. - Foi um capr nos ombros juvenis, como se fosse uma maldlçao ou
que pode incomodar a Rainha. ,'"ctíinm,::l que a ambição desejav.a, mas o.amor desprezava.

- Não creio, meu pai. A Rainha não parece preocupad pai saiu e a mocinha deixou-se ficar na ca~a, sem
zelosa de possíveis rivais. Creio que estou adentrando um conciliar o sono. Em seus pensamentos, a figura d.e
po perigoso demais. esposo estava sempre obu~blad~ p,elos olhos azUIS
- Verdade, filha. O teu casamento, embora previsto fitavam, numa linguagem muda e mdeclfravel.
mim, tem implicações que ultrapassam meu entendimento,
tem junções de tempo e espaço em demàrcações muito sut
prevejo, em tua descendência, uma luz jamais vista antes so
a terra.
Quero que tenhas muito cuidado com tudo o que fizer
daqui para a frente, a fim de não vires a chorar um dia por u
atitude impensada.
Filha, sei que não tens inclinação amorosa com o prínci
conheço a impetuosidade de tuas atitudes afetivas. Desde
nina que isto me preocupa, e à tua mãe, porém, atenta par
que te digo: a descendência que te está prevista é muito imp
tante para o Egito, e, pelo que sei, até para o mundo. Til, esq
ce os sonhos que te povoam a mente juvenil, esquece t
inclinações particulares. O casamento é algo sagrado, tão i
portante no teu caso, porque envolve muitas pessoas que est
ligadas, pela obediência ou pela ambição, ao trono real. Há
samentos que são como oásis, em meio ao deserto, de alm
111
110
CAPíTULO XII- BRUTALIDADES.

festas ruidosas e aparato inigualável a corte assistiu,


templo de Amón, em Tebas, o desfile dos carros apri-
aos rebeldes, seus cavalos, e a multidão de prisionei-
empoeirados e exaustos, caminharam diante do trono,
cialmente montado na imensa avenida, que levava aos re-
religiosos.
sacerdotes de Amón, num platô elevado, assentados
íi\UaS cadeiras e a fileira de soldados da guarda real, posta-
qualquer eventualidade, guarneciam os lados e a fren-
imenso tablado, sobre o qual Merit Amon e Tutmés IV se
mn:r;Ol\l:::lrn acompanhados da família imperial.

cada lado, Sesóstris e Amen6fis, acompanhados das ir-


da princesa Til, que se fazia guardar por Sen Nefer, que
cercado de gl6ria, pelos seus feitos. Ao lado do faraó,
e Hatay, mais Amenhotep.
A jovem mitânia observou que o escriba estava um tanto
A alegria que irrompia dentro dela com a volta do escri-
Sen Nefer, s6 se comparava com a inquietação do ca-

Artistas se revezavam frente ao trono, intermediando o


dos vencidos.
À multidão era servido um ágape, nas adjacências do
Templo.
Um número incontável de desgraçados, abatidos e sujos,
passando diante do trono real, enquanto a multidão os apu-
a.
Depois de horas, no carro principal se viam enjaulados ai-
s homens que se mantinham de pé a custo, com a intenção
demonstrar arrogância, apesar da desgraça que os aguarda-

113
va. Seus olhos buscavam fitar de frente seus vencedor proeminente, lábios grossos, olhar firme e penetrante,
diante da turba, mantinham uma atitude de desdém. Fre por longos cílios. Seu tom de voz era forte e vibran-
'\>''''''::>11''''
adversidade não se dobravam. .
Esta atitude dos líderes da rebelião que não havia sentiu uma certa compaixão, mas logo dominou-a,
cumbido na peleja, causou uma impressão muito forte e que um inimigo como aquele jamais se dobraria ou fa-
tra~gedo~a na jove~ mitânia. Ela entendeu que era pr ordos, como os de seu povo, e que, portanto, mister era
mUita altivez, para liderar os povos, e muita coragem, fYll'1~_lln pois sempre representaria um perigo.
afrontar as adversidades de cabeça erguida. Ao contrário difícil entender como um ser tão voltado para as artes,
m?ns~ação de desprezo da população, ela sentiu respeito música, para as belezas da natureza, a ponto de se emo-
mlraçao por aqueles seres, prostrados pela derrota, q com a simples visão de uma flor, com tanto atilamento
negavam a pedir clemência, ou a abaterem-se com o que aprendizagem, com tanta curiosidade para com os per-
perava.
e anotações de Amenhotep, com sensibilidade o bas-
Realmente, foram colocados em posição de dest para compreender os sentimentos de uma serva, para
diante de seus comandados, e um arauto fez ler a senten seu futuro esposo, ao ver um homem abatido pela adversi-
morte que os aguardava, sendo que se lhes permitia a pos abafasse qualquer clamor que pudesse ter para com ele,
dade da escolha, em três categorias de execução. l.íjando-Ihe a morte.
Lutando com as feras, atingidos pelas flechas dos Piedade para ele é pior do que a morte. - pensou a prin-
dos, ou a inanição nos postes de extermínio. sem se comover com a mole humana que aquele ho-
representava, nem se ater com os motivos que teriam
Adiantou-se o que parecia ser o líder daqueles pobre aqueles seres à tamanha temeridade, como aquela de
m~ns e falou, na sua língua pátria, sendo interpretado po h:mçarem contra o faraó Tutmés IV, herdeiro de Amenófis 11,
gUia: mandara sacrificar sete reis sírios.
- Poderíamos ter sido poupados do espetáculo da de A arrogância, demonstrada pelo c,hefe dos rebeldes, não
ra, se houvesse sensibilidade, naqueles que se dizem repre Ireceu causar qualquer impacto no faraó. Antes ele parecia
tant~s dos deuses sobre a terra. Lutamos por nossas mulh por aquilo.
e cnanças, 'por condições mais dignas, por menores impo Deste modo, as jaulas, com os prisioneiros, foram afasta-
BasJar-nos-la a morte em nossaterra, sem maiores imposiç para o Centro da enorme praça, e os arqueiros se apresen-
p~::>rem, aos vencedores não basta o nosso opróbrio e n H'~m para a execução, à uma ordem sua.
vida. Que esperavam? Ver-nos curvar a cerviz? Acabem de
Ouviu-se o toque ritmado dos tambores, que soaram lugu-
com isto! Usem-nos como alvos de seus arqueiros, para
ltimente no amplo local, e a multidão silenciou à espera.
possamos morrer como homens! Não desejamos entreter
os vencedores com ,as demonstrações junto às feras, nem O faraó ergueu o seu báculo e o abaixou solene e firme-
tendemos ser espetaculo aos abutres que enfeitam a coroa r tfi<~,nto Era o sinal. Os arqueiros retezaram seus arcos, ergue-
as flechas que choveram sobre o grupo dos infelizes, que,
Quem a~sim falava era um homem forte, apesar dos a pé, segurando nas barras das jaulas que os retinham, aguar-
res pelos quais passara, com a pele tostada pelo sol, com so am a morte. Um deles, iniciara um hino, que os outros tenta-
brancelhas grossas e negras, cabelo abundante e ondula acompanhar.

114
115
A multidão acompanhava a cena impassível.Quando a - É muito fácil julgar, porém, quem governa, deve saber fa-
tas atingiram os primeiros condenados, e o sangue se vi r-se temer, mais do que amar. - raciocinou ela, iniciando uma
vestes em farrapos, os corpos foram tombando e um grito d %i~\lIU\JI~ nova, que jamais antes pensara ter, quando apenas se
bilo prorrompeu entre o populacho. ~}!I;'UI,jIUl.J(:lVt:I em aprender com curiosidade natural, entre seu
Os carrascos da execução fizeram sinal de que todos e irmãs e os companheiros da corte mitânia.
vam mortos, e as carroças começaram a ser retiradas do - Sen Nefer parece mais calejado pelos labores militares.
sob o aplauso e apupo das pessoas. se dá ao luxo de julgar, porém é ambicioso e, se colocado
A seguir, um número incalculável de homens, acorrent posição de maior hierarquia, pode demonstrar pendores que
pelos pés e mãos, foi trazido diante do trono real. (;fesconhece em si mesmo.
Um a um era conduzido a um megarete que, munid observou que os abutres se banqueteavam no Templo e
um machado cortante, decepava suas mãos. o símbolo do abutre e da serpente brilhavam ao sol, forma-
Tão logo isto se fazia, um torniquete era ajustado po ouro da coroa do fara6. Idêntico emblema traziam a
médico nos pulsos do infeliz, impedindo com isto que ele vi e seus filhos.
a se esvair em sangue, e cauterizava-se o corte, de molde No portal do Templo a imagem da deusa Nekhbet, em for-
char as veias. abutre, se mostrava colorida.
O cheiro de carne queimada subia ao ar, causando Nisto, a comitiva real adentrou o templo e depois se dirigiu
estar, e as cestas numerosas, cheias de mãos humanas e hipostila, onde dois obeliscos de Tutmés I se mostravam
levadas para banquetear os corvos e abutres reais, de~tr seu peso gigantesco, mandados construir por sua filha Hat-
amplo Templo de Am6n.
A fumaça que vinha de dentro do templo, o cheiro de c Vendo-os, Tii pensou:
e do incenso, se misturavam com as libações e canções - Gostaria de ser um dia mais famosa ao Egito do que esta
ecoavam, através dos gigantescos pilares. rainha, que não escamoteou gastos em ouro e trigo, para
A visão era dantesca. A quantidade enorme de infel """",,,t,,~, à posteridade, os feitos de seu pai e os seus próprios.
para sempre condenados e aqueles outros, cuja cabeça $ Seguiram em caravana, abaixo das festas populares, para
decepada no cepo ao lado do trono, punha na festividade ta das Festas de Akh-Menu, construída por Tutmés 111.
nha vibração de horror e medo, de impiedade e de crueza, Esta sala era sustida por duas fileiras de dez colunas e
aqueles que a assistiram ficariam prisioneiros destas lemb uma fileira de trinta e dois pilares retangulares.
ças, pejos séculos e milênios que se seguiriam àquele di Não longe dali o lago sagrado, de 120 metros de largura,
euforia no Egito. de patos sagrados refletia o escaravelho de pedra, símbo-
Tii observou que Orion desviava os olhos da cena e to lo imortalidade, ao redor do qual os membros do povo gosta-
va a ela, como que hipnotizado pela fisionomia dos amputa vam de girar, crendo que trazia sorte. Neste lago, os sacerdotes
e pelos gritos que ecoavam, de dor e de revolta, cobertos p oficiavam seus cultos noturnos, quando a cidade não podia ser
apupos da multidão alucinada, que aplaudia ó evento. visitada pelo populacho, como naquele momento, durante as
- Ele não aprova, quem sabe, tais sentenças, porém el fE:1stividades da vitória.
atrae~. :- pensou a jovenzinha, imaginando o que ele faria, Flores eram espargidas sobre o casal real, por mimosas
um dia tivesse em seu destino a resolução da vida e da m meninas, enquanto seu carro triunfal desfilava, puxado por ser-
das criaturas. vos fortes.

116 117
com aqueles com os quais já estivemos, numa cobrança
A f~~ura r da. deusa Hathor, gigantesca, abria a proci
ta e intrincada, tão minuciosa, que nossa mente humana
real, e Til, atr~s, Junto ao noivo, seguida por sua comitiva, i
uena demais, para abarcar as contingências que nos se-
nava que mUito brevemente ela estaria abrindo o séquito
vernando, seja influenciando o consorte ou diretamente co imlPm3tas. na seqüência de nossas próprias escolhas.
esta constatação, ainda embrionária, que causou na
fizera a ra~nha Hatsepsut. Era evidente que a vida e ~s
cesa aquele mau estar, bem como as formas pen_samentos
dela exerciam sobre a menina uma influência fortíssima c
presença invisível da mole humana, que so~rera tao prof~n­
se ambas fossem uma única individualidade, ou como ~e j
,,,,,,,rl,,,,,,, e dores, naqueles dias, com o castigo que fora Im-
vessem se conhecido antes, e mantido contato mais estreit
admiração recíproca e amizade. ou mesmo a morte.
E tamanha foi sua prostração que ela não co~seguiu leva~-
Quando a noite caiu sobre a cidade de Tebas e os fest no dia seguinte, nem acompanhar o passeio que seu nOl-
terminaram, dando lugar ao silêncio, a jovenzinh~ se recol para reatar o convívio de ambos.
ao lei!o presa por forte dor de cabeça.
E qu~?S executados, naquele dia, se negavam a aba
nar o c?~ano. de suas lutas, e os amigos e familiares que e
vam pnslonelros, bem como o espetáculo exacerbara o Ó
entre aqueles que já haviam sido sacrificados nas pelejas.
Com rel~ção a isto, Becankos, Eje, UH e Tir, se prep
vam para realizar, com os sacerdotes de Am6n e seus hiero
tes, cerimônias que visavam liberar as almas que não teri
P?ssibilidade mais de resgatar seus corpos, para que elas
viessem a prejudicar os viventes.
Toda uma cerimônia ocultista, que era guardada a
ch~v:es pelos .iniciados, teria lugar nos dias subsequentes à c
';1~nla, acreditando qu.e elas protegeriam os reis e o povo
odlo de seus adversanos mortos, e dos deuses de seus ini
gos.
E o crédito dado à estas cerimônias, por aqueles que era
a!vos dela, ou por .aqueles que eram seus dispenseiros, env
via .em malhas mUlto fortes e particulares seus cultores. Isto
dana de tal forma, a impregnar os objetos e lugares pelos sé
los. afora, e envolver seus partícipes em vibrações sutis, que
fariam rever aquelas cenas, das quais haviam entretecido
malhas.
Quão difíceis são os caminhos da evolução humana, abe
tos a todo momento pelas nossas atitudes e escolhas pessoai
e coletivas, mas também emaranhados em outros percursos d
antanho, obrigando-nos a voltar às antigas pegadas e à con

119
118
CAPíTULO XIII - DUAS TENTATIVAS

,- Queria ver-te, mas soube que estavas dormindo. - falou


príncipe, que esperava pacientemente por Tii na Sala Doura-
segundo informações de Houia.
Quando Tii adentrou o Salão, o nervosismo do príncipe era

veio ao seu encontro o olhar brilhante, o passo firme.


que ele mandara construir o palácio Charuk para a Habi-
de ambos, e o encantamento que a possuíra ao ver sua
ff'i\n,<'t.. dias antes da chegada da caravana, ainda persistia.
Além disto, recordou o desdém das outras mulheres, da in-
que lhe tinham, recordou do casal de leões novos que re-
!ii'Jt)era de presente, e do cinto dourado que Nye colocara no
vestido, presente do noivo, e já sentiu o peso da dupla co-
sobre a cabeça.
Há dias haviam chegado e, desde então, que se espalhara
le.n"",,.,h<> euforia e a notícia de seu próximo casamento.

A alegria do faraó e de sua família, os festejos comemorati-


haviam impedido o casal de rever-se a sós.
Agora ali, naquele chão de basalto negro, com borboletas
e flores de lotus incrustradas na parede dourada, ele ob-
~()rvou a rica tiara de ouro que, com uma flor de lotus no meio,
Ilnfeitava a fronte real.
- Quem te presenteou com esta peça tão rara, símbolo es-
",,',I h ,ri,,,, por mim para te representar? - falou ele com as orelhas
vermelhas de indignação.
Tii mentiu-lhe com a vivacidade de seu pensamento ágil:
- Minha mãe e meu irmão Anem. Creio que desejaram
ilpenas enfeitar-me para tua chegada.
Amenófis sorriu. Percebera que ela usava o cinto que lhe
e suas preocupações se desvaneceram.

121
Bem outras seriam ·suas conclusões, se ele pudesse sa ela imaginara seu grito foi ouvido por outras pes-
quem presenteara a jovem com aquela tiara e como ela vi
ter às suas mãos. , e logo Nye, Houia, Phtah, Hesi, o escravo etíope, e outros
entrando no aposento, todos preocupados com sua segu-
Isto mesmo ela deduzira, com a rapidez do pensame . Seu irmão Anem, sua mãe, suas irmãs, seu pai, que es-
quando as imagens daquela recordaçã.o se fizeram vívidas em aposentos próximos.
segundos, em sua mente.
Nefer, tentava impedí-Ios de entrar:
Lembrava-se, enquanto o príncipe a conduzia para a vi
ao palácio onde habitariam, após o enlace. - Há uma cobra solta aqui. Cuidado! - dizia, procurando
. Dois dias após os festejos, soube que os sacerdotes ofi as ricas almofadas e as peças de vestuário que, delibera-
riam, àquela noite, uma cerimônia para os mortos. Muitos er a mocinha espalhara pelo chão.
as co.nversas curiosas a respeito delas, e Tii falou com Li
respeito. - Saia, Tii!- ordenou seu pai, fazendo o mesmo com as
pessoas, procurando ele mesmo com o oficial o ofídio,
i'1.M'Y,!'l!<:
Ele, c.ontudo, e~tava temeroso, e confidenciou que ja a jovenzinha dissera estar nos seus aposentos.
se atreveria a suscitar qualquer ira nos sacerdotes de A
pois, em suas incursões pelo desconhecido, já tivera cont o que ela queria, o que esperava, e sem dar tempo aos
com os seres que os serviam e, por pouco, não perdera seu tli"Hn::liic de percebê-lo ou seguí-Ia, saiu em disparada pelos cor-
e seu bá, prisioneiro deles. alertando mais guardas de que algo terível estaria
hf',,.'w,,,nrlf"\ nos aposentos da princesa.
Por mais lhe fizesse promessas e ameaças, Liu
atendeu da~uela v~z, .d~ndo a p~rceber. que falaria a resp Com isto, atingiu um ponto do pátio que dava para uma
com seu pai, se ela inSistisse, deVido ao riSCO que corria.
pf)Ssagem, usada pelos servos nos afazeres domésticos, e,
Tii fingiu mudar de idéia, atender aos conselhos do se , a chave que Phtah lhe arrumara, passou, distanciando-se
p~e~timoso, que, se a conhecesse bem, saberia que ela apen palácio, em direção ao templo, num cavalo que deixara pre-
diSSimulava, mas que a vontade permanecia vívida em seu pfarado na cavalariça. Tivera o cuidado de adormecer o bom ho-
pírito, e ela não desistiria de atender sua curiosidade. mem com ervas que conhecia, ao anoitecer, através dos
Tii sabia, por informações colhidas com Nye, o dia e a h t!.!i,nontr\c que lhe enviara. O pobre homem nem desconfiou,

em que as cerimônias se iniciariam. Deste modo ficou ate !;\ÇJI'adiecido à bondade da princesa, que o obsequiava com pas-
ao seu relógio de água, e quando a noite se fez be~ alta, obs somente servidos à mesa real.
vou que a luz estava no seu crescente, mas ainda não atin
sua plenitude, propiciando uma claridade amena. À hora terceira, chegou ao local do rio Nilo, onde ancorara
um barco e o atravessou, indo direto às trilhas que levavam à
Vestiu uma túnica de capuz e percebeu que Sen Nef posterior do lago de ofícios.
postado do lado de fora, não lhe permitiria sair. Deste mod
pôs em ação o plano que ideara. Ali a esperava um dos cegos do coro que ela comprara
Deu um grito agudo e ele correu para seu aposento: com presentes e promessas, que a levou por estreita abertura,
deram num corredor entre pilares. Ela o acompanhava, o
- Uma cobra! Uma cobra! - gritava a mocinha, apontan coração aos saltos, imaginando que terrível castigo lhes seria
para as almofadas. "
lnflingido se os vissem.

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o rapaz fora aliciado por ela, que o fizera vir aos seus Uma rica barca, toda adereçada de flores, encost?u na
sentos, com desculpas de que queria ouví-Io cantar. Ela se
do lago e nela subiu Eje e Be?ankos, ~ Pt~hmose, o
guntava como alguém desprovido de visão podia andar
sacerdote de Amón. Logo atrás, Vinham Uh e Tlr, Um be-
tanta desenvoltura na semi obscuridade, quando ela temia
der-se, naquele labirinto de entradas e saídas: ajaezado ricamente foi levado por outros aprendizes ao
reo. O animai não emitia som.
- Fica aqui! - falou num determinado momento o ra Quando o canto dos cegos se tornou mais pungente, os re-
acrescentando - Logo os verás passando a uns cinco me cadenciadamente, foram levando o barco para o cen-
de ?istânci~. Procura s~gu~-Ios, sem que te vejam. Agora pr lago.
so Ir. DepoIs torna aqUi, ve bem, nesta quinta coluna e e Archotes iluminavam a cena. O coração de Tii saltava no
conduzirei de volta. '
enquanto os hinos a Amón se erguiam no espaço. .
- Quanto tempo demora a cerimônia? - perguntou Quando chegaram ao centro do lago, houve uma movl-
confirmando suas informações. rnc,nt~U'i:I() dentro do barco e, pelo que ela pode perceber, ~ ani-
sacrificado. Seu coração foi arrancado do peito e
Ele sorriu, aduzindo:
1''''''1"'<:>1''11''\ no lago, onde peixes trataram de consumí-lo, enquanto
- Antes do sol surgir, na sexta hora, voltarei para busc ouvia a oração de Tir:
te. - Recebe, Amón, o coração do filho de Apis
E saiu sorrateiro. Engole-o sem necessidade de pesá-lo,
diminuindo o peso do coração do rei,
Ela o viu desaparecer, em instante, no negrume da noi amansando com seu sangue a ira dos seus contendores.
e, no mesmo momento, ouviu a música dos cegos. Encolh Assim como sua vida se extinguiu,
s~' teme~do ser vista, ~ dis~inguiu vultos que caminhavam p porque ousaram levantar as mãos para teu representante,
xlm~s à Imensa sala hlpostlla, levando tochas para ilumina
assim também, o sangue deste animal serve, para aplacar
caminho. Aos poucos, as vozes foram ficando mais nítidas, e
como lhe prometeram, viu os vultos dos sacerdotes passan ódio dos que ficaram e dos que partiram., ..
com longas vestes negras plissadas, que arrastavam pelo chã Enquanto dizia isto, ao lado da barca, a agua se tingia de
A letra da música era incompreensível para ela e causavam-I rubro. Pois vasos, que antes Tíi não observara à bor~o, conten-
arrepios estranhos e uma sensação de medo. sangue de animais sacrificados, eram lançados à agu,a.
Pedaços de carne, e outras oferendas eram tambem doa-
. Assim que o último membro do cortejo passou, ela se das e aos peixes.
guelrou pelas colunas, seguindo-os. Pensou como os ouvid Nisto, Tíi ouviu um gargalhar sinistro. Viu Eje, totalmente
apurados dos cegos poderiam percebê-Ia caso não estivesse transtornado sobre o convés, a rir sinistramente.
cantando seus ofícios.
- Sacia~te, ó deus da escuridão! Sacia-te para não mais
Logo se viu diante do lago sagrado e ocultou-se atrás d atormentares os vivos! - ouviu Tir ordenar.
uma cabana erguida no local, onde alguns artíficies guardava Neste instante, sem que a jovem percebesse de onde ha-
seus pertences de trabalho. surgido o novo personagem dos ofício~, Tii viu uma s~cerdo­
de On, erguer seus braços em direçao a el? Ela tinha os
Assistiu, então, a algo que jamais haveria de esquecer
cabelos soltos sobre os ombros G usava roupa dláfana e longa,
mais seu espírito vivesse, em experiências multifárias. '
que era balançada pelo vento da noite.

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a puxou com força e ela o seguiu, pela mesma trilha
A mocinha quase advinhou o que se seguiria, .... U" .... Il.l11
qual viera. Como ele saberia? Não era possí.vel que a h~u­
- Ainda bem que o coro é cego! seguido. Os ouvidos aguçados de seu gUia o denuncla-
Eje rodeou a mulher com os braços, mas não era mais
Alguém terrível se assenhoreara de suas faculdades psíqui Queria fazer tantas perguntas, mas ele não a deixava falar.
A. mulher também parecia dominada por forças invisíveis, e
Deste modo, voltaram para o ponto onde deixara o barco.
diante dos sacerdote e seus hierofontes, no meio do lago,
bos rolaram pelo convés em espasmos e lamúrias. Quando atravessarem o lago, ela tentou dialogar:
bos se ergueram tinham as vestes ensopadas pelo sangue _ Como me encontrou? - perguntou grata, porém curiosa.
em parte caíra na embarcação. _ Todos te procuram no palácio. Imaginei. que tinhas vind?
A mulher foi então golpeada pelo punhal de Tir e lanç cá. Conheço e sei caminhos. Vi o cavalanço dopado e adi-
no lago. E a embarcação, retomou, tal como fora, para a o resto. Estava a caminho, quando vi o rapaz se ocultan-
gem, onde seus ocupantes desceram afim de terminar sua c atrás de uma coluna. O som de seus passos fez com que ele
mônia macabra. percebesse minha presença. Você corria tão apavorada,
Tii teve medo. Correu, o mais silenciosamente que po que adivinhei que vira a cerimônia. Também já.a vi antes com
quando o canto se ergueu em ondulações plangentes, como Amenhotep. Ele não aceita isto. Estava me ensmando e lev?u-
um coro de mil vozes se erguesse nos céus. Ela acreditou me um dia. Se te pegassem ali, era morte certa. Agora, fiCO
aquele canto plangente a acompanharia pelos séculos afora, pensando o que deduzirão quando encontrarem o jov~m morto.
que era ele que punha tanto medo no vulgo, a ponto de ni Ainda bem que não lhe deixei nas costas o punhal. Sena denun-
guém tentar descobrir como ocorriam os ofícios. ciar-me. Vamos. Tenho que levá-Ia antes que aconteça o pior.
- E seu pai saberia? E os membros da família real, sa Nefer pode pagar com a vida tua imprudência!
riam? Alguém teria idéia do que ela assistira, do sacrifício que Chegaram à outra margem e tomaram os cavalos, saindo
nha havido ali, após aquela relação sexual tão animalesca em disparada. Logo amanheceria. Urgia tornar rápido.
dantesca aos seus olhos? Aquela mulher deveria estar, sem d _ Como me encontraste? O que fazias em palácio altas ho-
vida, fora de si, e Eje também. Que estranhos sortilégios era
aqueles? Saberia deles Amenhotep? E se a descobrissem? P _ Não conseguia dormir. Ia pedir a Sen Nefer que te obse-
que não ouvira Liu? quiasse com um presente. No dia ~a vitória, muitos objetos f?-
Chegou arfante à quinta coluna, esperando o jovem que ram colocados numa enorme pilha e os membros mais
levara, e a quem pagara alta soma. chegados à família real tinham o direi~o de pilha~e~ o .q~e qui-
Encostou-se na coluna temerosa e olhou para o lado sessem, depois a soldadesca acabana com ~ dlstnbUlçao dos
onde viera. Nisto, ouviu um ruído gutural e um baque surdo. Vo pertences dos vencidos. Quando chegou a mmha vez de esco-
tou-se. lher algo, corri para a pilha, pensando em I~var al~o para casa,
Caído aos seus pés estava o cego que a conduzira, tend e tomei alguns pertences. Dentro de uma anfora ncamente tra-
na mão uma adaga curta, e, atrás dele, Orion a fitava ::Irlmi"::!r1in balhada que escolhi para mim, encontrei a tiara, e ia levar-te...
- Fujamos daqui! -falou ele, puxando-a pela mão. - Que tiara? - perguntou perplexa.
- O que fazes? - quis saber ela. _ Este. - falou ele, tirando da túnica o adereço que agora
- Não temos tempo para conversar. Vamos! ela levava à fronte.

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Haviam apeado do cavalo. Orion guardara o cavalo :,u,,,,,,,,<> de confiança. Correram atrás dela, mas não a puderam
cal cert?, e a luz do luar se fitaram bem próximos. Ela saíra pela janela, retornando depois ao cofre de
- E linda! - disse Tii - Levá-lo-ei sempre comigo. Ti i.
Seus lábios roçaram o rosto do rapaz, fosse por "",.,,..<:Irl': Somente Uu o percebeu, mas nada diria.
mento de haver-lhe salvo a vida, fosse por motivos que lhe
giam ao entendimento. mesmo Tii lembrou-se, enquanto viam os aposentos,
Orion, contudo, beijou-lhe os lábios, tal como já havia f viria a morar após seu enlace.
no subterrâneo, no dia da tempestade de areia. Depois, s Servos prestimosos abriam as portas, mostravam armá-
mais uma palavra, empurrou-a em direção ao portão pelo q pertences, baús, cortinados.
saíra, ficando a olhá-Ia, enquanto ela maquinalmente voltava Os olhos do príncipe brilhavam de satisfação ao verem os
bre seus passos. noiva luzirem, demonstrando agrado, diante de uma prenda
Encontraram-na, quando se dirigia para seus aposen graciosa, ou um objeto mais artístico.
bem a tempo de impedir que Sen Nefer viesse a perder a Num dado momento, iam adentrar um cômodo, quando
ça. SO~5ós;tris apareceu inopinadamente, seguido de perto por Sen
- Onde estiveste? - perguntou seu pai pálido.
- Sim. Onde estiveste? - perguntou o noivo atrás de si. - Cuidado! - gritou.
- Estava testando as saídas e entradas do palácio e ve
o que fariam em caso de emergência, meu querido. - falou Um enorme vaso de alabastro, que estava no alto de uma
- Imaginei o que se passaria, caso tivesse que fugir precipita !il$c;ada despencara bem na direção da jovem. Sen Nefer mal
mente daqui. tempo de empurrá-lo, recebendo parte do choque da pesa-
- E por que teria que fazê-lo? - perguntou o noivo. - peça de adorno, ferindo o ombro e caindo ao solo.
guém se atreveria a fazer-nos mal, não sabes? Por isto, Ouviram-se passos no corredor que levava às escadas.
Nefer perderá a cabeça! Amenófis correu atrás, seguido de Til. Logo alcançava uma
O oficial, pálido, a olhava assustado e enraivecido. nerva, ou o que parecia ser uma serva. Quando seu véu foi ar-
- Deste modo premias o homem que tentou me I'f]"'\f"'<:l,rlf'\ pelo príncipe, ele reconheceu nela uma de suas espo-
ofídio que ameaçava minha tranquilidade? sas do harém.
- Não havia cobra alguma! - falou o noivo demonstran Tii também a reconheceu. Duas tentativas em poucos dias
zanga. contra sua vida. A princesa não tinha dúvidas que seu casa-
- Não acreditas em mim? Pois lhe digo que havia e ne rnento não aconteceria sem transtornos. Amenófis olhou-a
me a dormir neste lugar, até que a tenham encontrado! Não como a perguntar que atitude tomar. Percebendo-o a jovem
senão o medo que me fez fugir! Alguém está querendo me ajoelhou-se em prantos aos pés da menina, suplicando por sua
tar! E tu não te preocupas! vida.
Amenófis não sabia como agir. Com um gesto fez soltar Tii lembrou-se do seu condutor cego, de como também
oficial, ordenando que revistassem o aposento. Disfarçadame Cllt:,nl'::l"'~ contra si. De onde partiria os dois atentados? De uma
te, Tii tirou seu colar de cobra do pescoço, dando-lhe uma pessoa? Que gênios do mal tramavam contra ela? Não. Não
demo Logo viram o ofídio rastejar rapidamente pelo aposen poderia titubear ou ter medo, nem piedade. O poder exigia ris-
em direção à porta lateral que conduzia aos aposentos de su cos, e mantê-lo exigia pulso firme.

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Olhando a mulher, que deixara de se debater nas _ Que isto não se perca pela· dureza das criaturas. - falou
príncipe, para suplicar-lhe clemência, TU fez um gesto cara w.J!t>nç,e: _ Temo, contudo, que isto seja prematuro...
rístico de condenação.
A jovem deu um grito e desmaiou. Ela se lembrava daq Tii, preocupada com os fatos da semana, .não atinava com
la jovem. Era a mesma que estava dançando, quando ela en presença das três entidades. Contudo, sentiu um certo des-
ra no harém real. ao lembrar a sentença lavrada a um gesto seu. Logo
Alguns escravos a carregaram, para providenciar qua do pensamento tais inclinações, falando alto:
às ordens reais. Naquele mesmo dia, antes que o sol se pus
se, ela soube que a moça tinha morrido. Por mais que tenta _ Não se pode governar com piedade, pois isto é o mesmo
descobrir a ligação entre os dois atentados, TU não pode c perder o trono.
cluir nada. A jovem condenada à morte jurara que só fizer
atentado por ciúmes, contra sua futura rainha. Antigas experiências pesavam demasiadamente em sua
Nos próximos dias, se celebraria seu casamento.
TU, contudo, só pensava em Sen Nefer e no beijo do es
ba Orion. Além disto, as preocupações com o poder é que Menés lembrou-se da época distante, quando haviam esta-
mavam seu pensamento. juntos e ela tentara impedí-Io de ser condenado pelos seus
Em vão seu pai ou Amenhotep, entidades amigas qu Inimigos. 'Da morte aparente que: fora usada .~ara livrá-lo do~
conheciam tentavam mudar o endurecimento que se plasm contendores e mantê-lo oculto, afim de transmitir seus conhecl-
nela, pelo ocorrido. Temerosa quanto a si, ela se fazia sur '''cc,nTr'C' aos ancestrais queridos.
aos seus argumentos e ao carinho no qual a envolviam. U
linda rapariga e um rapaz, que se preparavam para o reenc Afagou a cabeça de TU e um sono apaziguador tomou-lhe
ne, conversavam com o grande e antigo faraó Menés, no Pia
Espiritual: sentidos.
- Ela parece esquecer a programação ideada.
A princesa mitânia adormeceu, in_do a? encontro dos com-
, - Crês assim? - confabulava o jovem - Confio tanto
panheiros, para reavivar a programaçao feita antes do reencar-
E meiga, inteligente, prestativa.
- Também sabe ser cruel quando quer. Viste como cond ne.
nou a esposa do harém à morte.
Através dela, os dois jovens tornariam ao campo físico com
- Verdade, mas foi o temor quem ditou isto. Logo estar
tarefas específicas. Mister tudo fazer, para que eles e.nco~tras­
mos ao seu lado e ela entenderá que nos encaminhamos pa
sem campo apropriado, ao desenvolvimento daqueles IdeaiS.
uma nova era, onde instituiremos sanções novas, com mais h
manidade, com mais fraternidade e coerência divinas...
- Não me pareceu. - redarguiu a moça - Porém tudo far o sono foi profundo e restaurador.
de minha parte, para atingirmos nosso desiderato.
- Minha querida, - ponderou o rapaz com um sorriso cu No dia seguinte, Tii acordou com um ce~o remorso pela
plicioso, abraçando-a. Muitos se engajam nesta perspectiva . morte da sua rival, mas procurou afugentar tais pensamentos,
atingirmos nosso sonho de tantos séculos... buscando a companhia de Sen Nefer.

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CAPíTULO XIV - O CASAMENTO

Os barcos ajaezados de flores e fitas coloridas, precediam


nave nupcial, na qual Tii seguia, para o encontro de
futuro esposo.
Ela estava colocada numa plataforma de quinze metros de
cercada pelas aias reais com seus leques de plumas,
num palanquim dourado, e nas escadas que sustentavam a es-
de madeira, guardas do séquito real, com seus chapéus
!"Hnplumados, permaneciam imóveis, guardando-a.
Sua familia vinha do lado leste do rio Nilo, enquanto a do
príncipe seguia pelo lado oeste, ambas convergindo para Tebas.
Os sacerdotes haviam oficiado ao romper da alva, e pre-
lilentes haviam sido distribuídos ao povo, em nome do faraó,
futmés IV, em sinal de regozijo pelo casamento de seu filho,
Amenofis 111, que passaria a governar com ele.
Merit Amón e o rei esperavam nos seus tronos na Grande
Praça, para onde haviam sido transferidos, e Anem, seu irmão,
participaria da tradição, por ser o "Grande Vidente do templo de
On," junto com seu pai Yuaa e sua mãe Tuiu, bem como suª_
irmã e demais membros da sua família.
Tii, de onde estava, observava os remos prateados que
conduziam ritmicamente a embarcação, e os turíbalos que es-
pargiam através dos incensórios a fumaça olorosa na procissão
de barcos.
Há dois dias que o desfile dos presentes, enviados pelos
súditos reais, maravilhara a multidão que se postava nas entra-
das do Templo de Amón, ou nas imediações do palácio Charuk.
Os festejos durariam todo o mês e iniciavam-se bem a
tempo do começo das chuvas de março, que haveriam de trazer
depois o renascimento ao Nilo.

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· N? primeiro dia de sua preparação, Tii com o príncipe ravam Amón e que haviam feito a estátua do deus, durante
viam vIsitado uma povoação, onde agricultores cultuavam o cerimônia pública, reverenciar o bastardo herdeiro do tro-
go dadivoso, usando cântaros de barro, que eram coloca Tutmés 111, e fazê-lo, deste modo, ascender ao poder. A his-
numa rod~ rústica, cujas engrenagens, postas em funcionam a, que lhe fora contada por seu pai e ratificada por
to por bOIs mansos, enchiam-se de água e a derramavam enhotep, a haviam predisposto à aversão aos áulicos de
sul~os abertos, para levarem água, através deles, aos cam e, a cerimônia assistida às escondidas fortalecia aquela
cultivados pelas mulheres.
Também visitaram campos de cevada e de uvas e as Seu pai e seu irmão tinham razão quando falavam dos cu1-
per:dências onde as tamareiras eram aproveitadas pa;a afim antigos que davam prevalência a Min, deus da fecundidade
taçao, forragem animal e tecidos rústicos. Aton, senhor da criação.
Aos POUc?S, o prínci~e a instruía com relação aos co Atrás dela vinham as barcas dos deuses, como que ampa-
mes e economia de seu paiS, e ela aprendia depressa, fazen e abençoando aquele enlace. Osíris, Maat, Nut, Anubis,
lhe perguntas e completando-as nos contatos com Amenhot Set, Phtah, e a representação característica de cada um
a quem ela aprendera a admirar mais do que temer. com seus hinos típicos e toda sua inconografia.
E agora ia ao encontro de seu destino. Devia sua vid Nas margens a população a saudava.
Orion e devia-a a Sen Nefer. Mas o Egito exigia dela fidelid Era sobre este povo que ela iria reinar, e sobre todas as
ao herdeiro.
n(;H~OE~S que haviam feito acordos com o Egito, desde as ilhas
Por mais grata fosse ao rapaz, contudo, no fundo de \:lrE~qas. a Síria, a Fenícia, a Babilônia, a Palestina, Mitani, sua
alma uma rebeldia a acicatava:
- Po~ que e.ra obrigada a casar-se com quem não amav Estaria ela preparada para as armadilhas políticas dos em-
Por que nao haviam os deuses escolhido para faraó um dos baixadores, para as intrigas dos persas e dos hititas, para as se-
mens pelos quais sentia tão forte atração? Se havia várias diç()es palacianas e para a crescente intervenção da religião
das, como ensinara seu pai e Amenhotep, não seria mais ju nos assuntos do Estado? Se aquela rainha que viera antes dela,
q~e elas fossem programadas para que as pessoas que foss política e amante das artes, que erguera o conjunto funerá-
afins, pudessem encontrar-se e fortalecer seus laços de amor de Deir EI Bahari, tivera seu nome execrado pelo seu suces-
A jovenzinha lembrava-se do beijo que dera em Sen Nef sor e fora destronada, ela, que não era de ascendência nobre, e
do casamento d.este, que s~ daria dai há dois meses com a j fora vítima de dois atentados naqueles últimos dias, conse-
vem sua prometida, e.de ~non, que a beijara tão impulsivame manter a hegemonia do trono? Seu futuro sogro parecia
te por duas vezes, pnmelro dentro do caminho subterrâneo ty,""fi<,r muito nela, e também seu futuro esposo, mas a Rainha
esfinge, e depois, quando a salvara da morte, pelas mãos a via com uma certa aversão. Talvez ela, como mulher,
cantor cego que a conduzira ao Templo de Amón. percebesse que Tii não amava o herdeiro. Talvez ela soubesse,
Sentindo que o herdeiro a cumulava de atenções ela pr porque também não amara somente seu marido.
curava ~uf~car interiormente seu desagrado, fazendo' prome A barca dos tocadores de sistros se aproximou da dela e
sa~_ de fidelidade ~o seu consorte e procurando sublimar aquel chegavam ao porto, onde ela devia desembarcar.
umao pela devoçao ao seu povo e à grandeza de seu reinad Sua guarda de honra postou-se adequadamente. Suas
Pensava sem parar em Hatsepsut, rainha amada por seu pov aias ajeitaram seus vestidos, o véu cobriu-lhe o rosto, e ela veio
que fora destronada por um expediente dos sacerdotes q descendo em direção ao cais.

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Nele uma carruagem preparada por Aye, toda de
o casal real conhecerá a essência espiritual dos deuses.
intensamente a luz de Osiris-Rá, e que esta luz, emanada
aguardava, com um condutor vestido magistralmente.
de Horus, seu filho, que tudo vê, brilhe e ilumine vosso
. Aquilo parecia um sonho. E tudo iniciara quando ela com amor grande e poderoso, cumprindo a promessa
ve~ldame~te, saír~ para bisbilhotar no acampamento rea{. , desde o nascimento, se lançou sobre vós..."
tarla de n~lO ter feito nada daquilo, mas agora não havia c Calou-se o representante das vozes divinas.
tornar atraso Como era difícil não sentir-se dona de si me A cerimônia continuou em todo seu esplendor. Til e seu
Pe~sara em morrer, em fugir, mas tudo era inviável tudo e desceriam até Biblos, afim de visitar e conhecer a região
veria pessoas que poderiam sofrer com sua rebeldi~. Egito, depois tornariam atéMenfis, passando por Hermó-
Ajudada por suas aias, ela entrou na carruagem qu e acabariam seu périplo retornando à Tebas.
send? conduzida ao Templo. Os cavalos estavam arreados noivos foram conduzidos triunfalmente ao santuário de
metais nobres, e sedas guarneciam as janelas por onde os quarenta regentes os receberam com hinos triunfais.
acenava ao povo postado nos caminhos. O Conselho dos Velhos os reverenciou, por primeira vez,
Guardas impassíveis ladeavam a carruagem e herdeiros do trono egípcio, e todo o Egito celebrou a Con-
#"CM''''''';:;'''' dos Campos, enviando frutos para os celeiros reais,
eram-lhe atiradas à passagem. '
de regozijo.
Logo ela se veria diante de Ramose o vizir e do Gra Amenofis 111 foi cognominado O Touro Forte, e seus olhos
S.acerdote F!ahmó~e, porém ao menos s~a prof~cia não s pousaram com carinho e desejo sobre sua esposa.
ditada por Tlr ou Uh, e sim por seu irmão Anem. Enquanto isso, mais de mil bois eram sacrificados, enquan-
. TE, depois, quando os pássaros foram soltos no es a os noivos rompiam o cântaro de argila, diante do santuário, e
~Ia j~ dera as sete voltas ao redor de Isis, dizendo as ~12v nomes eram inscritos nos registros do Templo de Amón.
rituais, quando o .faraó a tocara com seu báculo e as irmãs Enormes escaravelhos de pedra esculpidos com seus no-
nov~ re~e~te haViam tocado seus sistros, quando seu cunha rllBS enfeitavam as ruas, e o povo parecia feliz e orgulhoso de
Sesostns fizera-lhe presente de sua estátua, quando suas má nova rainha, comentando sua graciosa figura, sua boca
~e tocaram, ~ _um sinal da rainha, que Tii ouviu, como se fos e destacando os comentários, que se faziam, de uma,
Irreal, a prevlsao ditada pelos altos planos através do grande que ela celebrara em palácio, onde demonstrara ser tão
dente, do Profeta de On, seu irmão Aném: <'V',10r,"'\c><:> e bonita quanto a deusa Isis.

"- Reinarás sobre todo o Egito, nova Rainha Tii J'unto TH, com os olhos negros avivados pelo bistre dourado, sor-
teu esposo Amenofis 111. ' quando levantaram seu véu, para que o noivo esfregasse
lilua testa na dela, e depois a beijasse.
O ?asal ~eal conhe?erá as alegrias do poder e deles h Próximo de ambos, o guarda real e o escriba assistiam a
de surglr.os filhos, que Inscreverão para sempre seu nome
Grande LIVrO da Vida. cena.
Os noivos se retiraram quando o sol chegava, para seu pa-
Radiante serás Tii, sobre todo o mundo. lácio em Charuk. Dias seguidos depois, viajaram descendo o
As solas. de_ teus pés se moverão sobre o pó, e a serpen Nilo.
do mal, ApOpl, nao se apossará de ti. .. Muitos servos os acompanhavam.

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Meses depois tornaram, e o príncipe assumiu suas atri
ções governamentais, junto ao seu pai.
Tii procurava acompanhá-lo nas reuniões em paláci
que irritava profundamente Merit Amón.
Ela desejava tornar real as profecias a seu respeito. CAPíTULO XV - BEKETATON
Durante as recepções, Orion trazia as tabuinhas de ar
com as inscrições cuneiformes, gravadas nos caracteres típi
de cada povo, e as traduzia, transcrevendo-as em papiros.
As respostas eram transcritas em papiros e transform
o Egito atingia uma nova dimensão Histórica. Til o perc~­
. e temia os efeitos que o poder do clero causava na adml-
em linguagem característica de cada povo ou região conqui
do Império, e no intercâmbio entre os poyos, nas
da, demonstrando o alto cunho diplomático e a gentileza
internacionais, e nos grandes projetos concebidos pela
caracterizava as lides governamentais. Tii não entendia
real.
este ponto, porque sempre achara que não se podia ser
descendente demais com os povos conquistados mas, pelo então, o trono havia sempre respeitado as religiões dos
to, ainda teria muito que aprender. submetidos e era inconcebível que um absolutismo faná-
viesse, em ra~ão disto, a expandir-se, com suas malhas si-
,\I",l'r""" no meio das classes dominantes.

Demasiado lúcida, a jovenzinha percebeu a ameaça que


i'fHJlrp.~;p.nta"'a o poder religioso, e conversou a respeito com Tut-
IV:
- Creio que é preciso lembrar que eles conseguiram d~s­
uma rainha legítima, e substituí-Ia por alguém escolhido
eles... - comentou ela, sem se referir diretamente à bastar-
Tutmés 111, ancestral de seu sogro.
Ele sorriu, ao perceber como ela se preocupava em não
rnagoá-Io, e respondeu: .",
- Tem razão, minha filha. Folgo que o percebas, pois t~m-
a Amenófis a Sesóstris e às princesas já adverti do pengo
os padres representam.
A morte de Mery foi uma providência divina, pois, em suas
estivemos em perigos extremos. Creia que tentaram en-
venenar-me além de outros expedientes. E só não lograram êxi-
porque uma rede de homens e mulheres fiéis ao trono,
€Jlspiões muito atilados, me avisaram a tempo.
Não podendo, contudo, provar, fiq~ei à espr_eita, p~ra ~er
como agir, para desbaratar suas armadilhas... Nao podia cnar
um conflito aberto com o clero, pois eles manobram o povo

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bem, e provavelmente, um confronto aberto, haveria de Aprofunda-se, cada vez mais, no conhecimento e na ver-
a desgraça do Egito. As castas sacerdotais têm uma estru diversas civilizações.
que não se pode desprezar.
Enquanto isto, sabe que o rei se diverte com suas favoritas
- Então, meu pai, como governar sem sofrer-lhes a ma
no intercurso das viagens que faz.
ca manipulação? Sem aumentar-lhes ainda mais o poder, c
se agasalhássemos uma cobra no ninhodoméstico? pensava num herdeiro. Muito depois que a vida s~ e~­
- Eles são gananciosos. O ouro os corrompe e compra nela, preciso fora que deixasse. uma descen~en?la
vidindo-os e cedendo apenas no indispensável, com agilida meditava, mergulhando numa piSCina, onde essenclas
sem força, podemos harmonizar os poderes. Quando um d omáti<::as haviam sido colocadas.
se sobressai e pode vir a constituir perigo, afastá-lo, usand A jovenzinha se enfeitava para seu consorte, que promete-
recursos empregados em todos os tempos: a morte "natural.' com ela àquela noite.
Tii quedara-se pensativa. Sim. Não era a maldade d Uma lanterna prateada iluminava o aposento. Phtáh se dili-
quem ditava aquelas assertivas. Ela o sentia. Ela mesma p ""M'1",i",u.:> com Nye, propiciando-lhe o melhor.
sava assim. Então, Mery talvez não houvesse tido uma m Havia recebido uma carta de Aném, informando que, em
proverbial, ditada pelos deuses.
visões, fora-lhe transmitido a nova de uma criança em pa-
- Nós somos os deuses! - falou seu sogro, como que int
pretando seus pensamentos.
- Que esta criança venha de meu ventre, antes que de ou-
Tii estava'preocupada, mas se sentia sozinha. Seu esp esposa do harém - pensara ela, então.
saíra para inspecionar a construção do terceiro pilar de Karn
e estudava a construção de Medinet Habu. TU mergulhou na água tépida e limpa, e depois ergueu sua
CEII)eç:a respirando profundamente.
O carinho da viagem de lua-de-mel dera lugar a ausênc
prolongadas. Sempre que ela reclamava, ele se desculpava, Pensara tornar da viagem de núpcias grávida, mas tal não
mando o argumento que ela devia ser grata pela sua escolh Sabia que seu esposo já havia engravidado antes ou-
pelo fato que ele estava trabalhando pela grandeza do Egito, mulheres. Então, por que ela não fizera germinar sua se-
consequentemente, dos louvores à sua lembrança. .mente em si?
Afim de vencer suas suscetibilidades, ele lhe entregou Olhou para o alto. Viu a estrela de Isis brilhando no firma-
cuidados com a correspondência real. Isto lhe pareceu um bom sinal.
Ela, sem outro jeito, perspicaz como era, tratou de pas Phtáh, ao lado do tanque, aguardava com um~ toalha
mais tempo junto ao escriba, ditando as respostas à Babilônia para secá-Ia. Ergueu-se.: observo~ a serva. Nao. Pelo
aproveitando para estreitar as relações entre Mitani e aqu olhar podia saber que ela nao engravldara. Enxugaram:na.
reinado. [)eitou-se à beira da piscina e Moia começou a massagea-Ia,
Os contatos religiosos e políticos com o exterior a preoe primeiro pelos pés, até atingir o pescoço e nas costas.
pam sobremaneira. Ela, num sentido atilado para as verdad Foram interrompidas com a entrada no recinto de uma ser-
ras razões de cada pedido ou perlenga, entre povos e facçõe va etíope, que vinha anunciar a presença do sacerdote na ala
começa a afinar seu senso crítico. pedindo para vê-Ia.
Deste contato com as civilizações, encanta-se com a Gr Tii teve um estremecimento. Ptahmóse, ali, sem ser cha-
cia. Aprende a fazer relações com as raças e povos sem atrito mado? Sem nenhum evento novo, que o instigasse a isto?

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Deu por encerrada a massagem e pediu que a trocas Tenho comigo as contas e o controle dos pagamentos. -
Preparara uma vestimenta especial, para apresentar-se d estendendo-lhe umas tabuinhas de argila com anota-
do marido. Uma túnica cuja barra era vermelha, decresc , que ela sabia serem cópias de outras secretamente guar-
em matizes, até o róseo, e finalmente, o branco. A sai
pontas, e plissada dava-lhe um andar ondulante e gracioso A futura rainha do Egito correu os olhos pelos números e
pois de maquiada e ajaezada, caminhou para a sala de au ti a disparidade. Aquilo podia destruir Sen Nefer, levá-lo
cias, onde, lhe disseram, o sacerdote aguardava. !1'~l"'U"U e ao descrédito, bem como à morte.
Estou certa de que deve haver algum engano. - ponde-
Ao vê-Ia chegar com seu séquito, que foi logo dispens procurando sopitar, no íntimo, as emoções desencon-
o homem alto e magro a saudou maquinalmente: que aquelas notas lhe provocavam. - Peço-te,
- Salve, princesa do sul! Venho interromper seu ban móse, que deixe estes dados comigo e não te apresses em
peço desculpas. - falou com uma vênia, cruzando os braç nclusões, nem leves isto até o faraó, pois eu mesma resolve-
bre o peito, gesto típico entre os mais graduados do Egito. {.lstas pendências. Estou certa de que posso contar com tem-
Tii observou o corpo magro, porém atlético, as faces discrição de tua parte.
e firmes do sacerdote, seus olhos sombreados pelas pálp O sacerdote ficou meio perplexo, mas achou melhor não
semi abertas, o nariz aquilino, a saia plissada, amarrad concluindo apenas:
frente, caindo em bico, as sandálias de pontas,recurvas. F Não disponho de muito tempo. Sou administrador real e
rugas marcavam o canto da boca e dos olhos. dar conta de meus estudos ao rei.
Pode esperar até amanhã? - perguntou ela, o coração
- Fala! A que vieste? - perguntou ela, preocupada saltos.
algo houvesse ocorrido com o esposo.
Farei o possível, majestade. - ciciou ele, cumprimentan-
- Ó escolhida dos deuses, o que me traz é algo e saindo, como a cobrar com o olhar aquele favor, e tam-
rio. Trata-se da segurança real. a inquirir porque a jovem senhora se preocupava com o
- Sê mais explícito. A que te referes? da guarda real.
Tão logo ele saiu e ela resolveu mandar vir à sua presença
- A Sen Nefer, majestade. Ele, aproveitando mal a Nefer. Deu ordens, neste sentido, aos servos que a aten-
ça sua e de seu esposo, está administrando muito malas e aguardou.
dos de sua guarda, e vem enriquecendo de forma ilícita.
As horas pareciam correr depressa. Logo chegaria seu es-
Tii estremeceu. Não via Sen Nefer há dias. Não pergu e ela decidira não lhe contar nada. Tinha apenas um dia,
ra. Imaginara que alguém o designara para alguma missã resolver aquele caso.
se prometera esquecÊHo, desde que se consorciara com - Tolo! - comentou em voz alta. - Pode perder o pescoço
Nefer, enquanto ela viajara com Amenófis, festejando isto!
das. Aguardava em seu quarto, quando Phtáh entrou.
- Que provas têm? - perguntou ela, dominando a emo A agitação da serva era evidente. Seria devido à chegada
e lembrando-se da esposa do príncipe do sul. palácio de Amenófis III?
- Ela me pareceu ambiciosa, mas não pensei que o - Phtáh, o que ocorre?
graçaria -pensou de si para si. - Nada, senhora!

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- Não mintas, mulher. Estás mais quente que as dúvida, Houia percebeu depressa o sentido dos pen-
"dentas do deserto. Teus olhos estão manchados pelo pran ft"@l.nU'Cda menina que ela vira crescer e que adorava:
que te constrange? Fala! ele é tolo. São coisas passageiras dos homens...
- Senhora! - murmurou a pobre, desfazendo-se em intervenção carinhosa da serva fez sentir, ainda mais
mas. a atitude do companheiro que a magoava daquele
- Fala, ou mando açoitar-te! - comentou a jovenzinha não era tolo de pensar que os boatos não chegas-
dendo a paciência, preocupada pelo fato de que tudo, de r sua frente.
te, parecia sair do controle. de chorar, Phtáh! Arruma-te. Vai para o harém tocar
não virá! mulheres. Observa tudo e me conta! Anda! E que não
- Quem não virá? - inquiriu a princesa, sem atinar chorar!
serva se referia a Sen Nefer ou ao herdeiro. ordem era imperiosa. A serva saiu quase a correr. Houia
- Amenófis! - respondeu ela em soluços. algo, quando a figura alta de Sen Nefer apareceu à por-
- Quem te avisou? E por que eu não fui informada?
Nisto, Houia adentrou o recinto e vendo a serva - ordenou Tii à aia, fazendo um gesto para que o
tos, aos pés de Tii, como que advinhou. entrasse.
- Preciosa, - comentou após os ademanes costumei estava pálido. Por certo, sabia ao que era esperado.
sua condição - seu esposo manda avisar que não poderá
hoje, pois tem um encontro com o vizir e o administrador, Senta-te! - falou ela, depois dos costumeiros cumprimen-
tratar de assuntos urgentes.
Um olhar Houia e Til percebeu: Estendeu-lhe sem uma palavra as tabuinhas de anotação,
- Que me escondes Houia? guardara, tomando-as de uma gaveta. Ficou a observar seu
- Nada, menina, sossega. e a expressão que tomava, à medida que se inteirava do
- Tão rápida quanto te coloquei no harém para me s
res, que perderás o posto e a vida, apesar do carinho que t ~ Sabes o que isto significa? - inquiriu, procurando manter
nho, se me ocultas algo. fIl tom de voz impessoal.
- Os deuses me livrem... _. ia dizendo a serva, qu - Senhora, eu posso explicar.
Phtáh a interrompeu com seu pranto desordenado. Então, explica! Ou tua vida não valerá mais do que o dos
- Fala, Phtáh, o que acontece? i,;i{)l"')jO,irn'Cl ou dos escravos da mais ínfima categoria!
- Ele trouxe outra esposa, uma mulher linda! Tem os o A fisionomia da jovem era firme, mal demonstrando a tra-
cor do céu. - falou em soluços entrecortados. ia íntima que lhe varria a alma.
Til olhou para ambas e desejou morrer. Não podia ad - Explica! - repetiu com veemência.
que se enfeitara para o marido e ele lhe vinha com descul
- Quem trouxe estas anotações?
enquanto se preparava para um encontro com uma nova
sal - E isto importa? Se importa, saibas que foi o administra-
r bens reais, e por ele, tua cabeça já teria rolado hoje
Sentiu-se humilhada, ferida em seus brios. Não eraum ~3smo do pescoço.
guete" nas mãos do' esposo. Ele nem deveria sequer pe
que ela desempenharia um papel menor do que o da preferi - Deve haver um engano! - falou o oficial suando frio.

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. - Sim. Um engano de tua parte, se pensaste que Roubaste para ostentar diante de tua esposa? - inquiriu
agir sery1 qu~ Ptahmóse o percebesse. Como podes hlJrnbrando-se de como não simpatizava com Set Nefer.
tulto? E assim qu~ demonstras a gratidão, pela conside
A
Não. Foi um acontecimento, na festa última, que me le-
que te tem em palacio? ambicionar subir mais no conceito da corte.
A situação era constrangedora. Explica-te!
- Onde ?oloca~te .este valor que foi desviado? - per só tinha olhos para Orion!
ela, sem dar lmportancla aos protestos de inocência de S A jovem princesa fitou-o nos olhos. Estaria ele sendo sin-
fer. Mil pequenas lembranças afloraram em seu pensamento.
- Senhora, usei-o na construção de uma mastaba e Lembrou-se do beijo que lhe dera, às portas da sala de es-
casa. Amenhotep, dos encontros que vinha mantendo com
- 8~sta~ia a construção do túmulo, pois, agindo n, afim de responder às cartas dos representantes das di-
logo precisaras dele e prescindirás de moradia entre os vi" nsas facções.
. - Eu trabalharei. Restituirei tudo! - prometeu ele, con Pensou em Anem a lhe informar que uma criança logo viria
gldo por ter que se humilhar. palaCIO. Como, se seu esposo não tinha tempo para ela?
. -. Sim. Falo-ás, porque eu mesma estarei a cobrar-t Agora pensava entender a Rainha mãe. Contristada com
Flc~ ciente que tua vida não valerá nada, se pensares e ela sentiu-se envaidecida com os zelos do oficial.
faze-lo. - Estás com ciúmes de Orion? Com que direito? Não pen-
- Como contas livrar-me nisto? - perguntou o eu traio meu marido...
desalento. - Sei que não o trais, mas passas mais tempo junto ao es-
-. Pens~rei em algo! - ponderou ela, com uma idéia do que ao meu lado. Nem olhas para mim, enquanto cuido
emergir no cerebro; um acordo com Ptahmóse. tua segurança nas cerimônias oficiais...
Havia orden8:d? que não a interrompessem, enquanto - Pensas em comprar-me favores, através de serviços de
v~rsa~a com o ofiCiaI. Ele deveria. esperá-Ia na ante sala, liiHC,OVér( - perguntou Til com uma leve ironia na voz.
rem,. I:rompera no quarto, talvez já adivinhando ao que - Penso que uma rainha não deve conformar-se com uma
requIsitado. ,',\!r'''Int<:> nem controlar os impulsos ou desejos, por quem não a

Til caminhou até a porta e observou que os guardas e


v~m post~dos do i~do de fora. Se seu esposo chegasse, o Era evidente que o rapaz usava argumentos sedutores,
clal e~tana em serios apuros, porém, era certo que rnas também ficava claro para ela, que ele se aproveitava da si-
chegaria... >,,'UI,<,<.4'V, para desabafar o que lhe ia na alma.

Era irônico o momento. O Destino punha diante de si - Estás encantadora! És a mais bela flor do reino e a mais
homem pelo qual sen~ja tanta atração, no momento em que preciosa jóia!
?esprezada pelo mando, para quem se ajaezara. Olhou-o c Sen Nefer abaixou-se e osculou-lhe os pés.
Interes~e. Ele se erguera do chão, onde estivera ajoelhado Til permitiu que ele continuasse com as carícias.
seus peso ' Sabia que a única pessoa que os poderia interromper era o
- Nunca poderei pagar-te pelo que está fazendo por llerdeiro, seu esposo, maseie, por certo, teria outras ocupações
- falou o moço com sinceridade. àquela noite.

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Uma 'p~ofunda emoção tomou conta de seu ser. Lem
a refeição matinal e foi para os jardins,
se da poslçao que ocupava, de seus deveres muitos
o fizessem saber que ela queria falar-lhe. Ocultou as
sonhos, enquanto seus lábios correspondiam ao beijo do ofi
com as anotações.
Estava lúcida. Queria apenas sentir-se um ser hum demorou muito tempo e o vulto esquálido do sacerdo-
sem o peso excessivo das responsabilidades que lhe ca entre os sicômoros reais. Ele caminhava sozinho em
sem as mágoas que vinham amarfanhando seu ser. direção.
Por um .momento, a lembrança do pai e de Amenh saudou-o com um sorriso, imaginando se ele teria
quase a sustlyeram. Mas pareceram-lhe longínquas, dista de se inteirar do que ocorrera na noite anterior.
Aquela conquista era um perigo mortal, de conseqüências i - Chefe da Casa de Ouro e de Prata, - falou, assim que
peradas.
rcebeu que ele aguardava uma decisão sua. - todos os bens
Tii não pensou. Deixou-se envolver mais e mais. Aq foram desviados das contas o foram por um servo, encarre-
!or~ o .homem pelo qual ela sentira estranha atração, des o das anotações e prestação de serviços da guarda.
I~,?e~dlo no acamp~~ento. Sem dúvida, aquela era uma e - Neste caso, seu nome e a informação para onde foram
r1enCla ~ue nunca Iria esquecer, e que alteraria o rumo UIlllzac]Os estes tesouros resolverão o problema.
acontecimentos.
- Sen Nefer não deseja entregar seu subalterno, antes
Indiferente ao arroubo dos dois amantes, a noite des clemência e eu entendo suas razões. Ele ficará em nos-
suas horas e o tempo, para resolver o impasse com o sumo mãos, para servir-nos, pois sua vida depende disto.
cerdote, fez-se cada vez menor. •
- Mas, neste caso, onde buscar ressarcimento, e como ex-
A e~trela de Isis tinha já atravessado o céu, quando ao rei? Piedade com os erros, acaba por ampliá-los, Alte-
Nefer s.alu dos ap?s~ntos re<:tis. Transformações profun
aconteciam em seu intimo. Sentia-se feliz, realizado. A jovem percebera que o sumo sacerdote não acreditara
Trabalh~ria ~ara provar à futura rainha que não era de suas palavras, mas não ousava dizer-lhe isto.
~est? ~Ia o IIvrana e ele se redimiria. Set Nefer não teria m Também sabia de sua cupidez.
influencia em suas decisões. - Ouça-me, Pthamóse. Eu mesma ressarcirei a dívida, e tu
Venderia o m~terial q.ue adquirira, para a construção ficarás com meu cavalo de estimação, para que entendas que,
mastaba. S~ desfana de objetos da casa, mas cumpriria sua para a frente, eu tenho o oficial maior sob meu controle,
lavra com Til. Seu amor era mais importante que tudo. entendeste?
Ti! adormecera. Não o vira sair. Acordou com o sol dan Deliberadamente, ela punha no tom de voz um sentido am-
nas coberta~ e suas aias à espera para o banho matinal. bíguo. O homem passou a língua nos lábios, sinal característico
olhos delas Iam da cama em desalinho para o rosto e o pente seu de malícia, nas conclusões a que chegara.
do desfeito da princesa. - Ele me livrou de um espetáculo dantesco no acampa-
- Ti.ve maus sonhos! Debati-me! - comentou ela, deixand mento. Devo-lhe isto. Quanto a ti, fico a dever-te, daqui em
que a CUidassem. diante, discrição para com este nosso acerto.
Ti! tomou de uma caixa de madeira que descansava ao
, Alinhou na mente os argumentos que teria frente aPta
mose. seu lado. Eram jóias de alto valor. Ela as separara para, com
elas, pagar o desvio das verbas feitas por Sen NefeL

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- Leva isto. Deve bastar. Hoje mesmo Aye te onJfro.....'
cavalo. Considera-o um presente, para lembrar-te de
ser generosa com os amigos, tanto quanto sei ser CAPíTULO XVI- PTAHMÓSE
aqueles que pretendem me derrubar.
- Vejo que sabe resolver todas as questões de E
majestade. - falou o homem com uma vênia, tomando en
mãos a caixa e retirando-se. Naqueles dias de repouso e reclusão, quando TU se recu-
TH ficou a meditar se não seria melhor dar cabo dele. no palácio Charuk, do nascimento de Beketaton, a me-
Com o passar do tempo, seu corpo adquiriu formas confiada às mãos de uma ama de leite, de nome Surya,
dondadas. O reino festejou a gravidez da princesa, aguar para este fim pelo esposo, Amenófis 111.
por um herdeiro, mas, no ano seguinte, quando as c nesse período difícil, para ela, devido à decepção com
abundantes estavam prestes a chegar, ouviu-se em pai r f1i'lscímento de uma menina, ao invés do varão desejado, que
vagido de uma criança rosada e forte, uma menina que re Tutmés IV adoeceu repentinamente.
o nome de Beketaton, indicando que a nova rainha bus membros do Conselho dos Magos, o Conselho dos Ve-
para seus descendentes, o amparo do antigo deus Ré ou os sacerdotes de Amón, de Tebas, comandados por Ptah-
ou o deus solar, colocando seu nome no da criança. e, os médicos, foram chamados às pressas à cabeceira do
Profundo abatimento acometeu a princesa. Ela des
muito um herdeiro do sexo masculino. Suas aias se rev'eSi:t\ Merit Amón, preocupada com a provável morte de seu con-
ao seu lado. cercou o filho de cuidados redobrados, comportando-se
Temendo que alguma outra esposa do co-regente uma maneira firme e decidida, reservando-se o direito de co-
plantasse, ela exigiu que Houia permanecesse como w"'lnrl~.r todas as providências. Ordenou que o regozijo pelo
perintendente do harém real. i'u;c"'f'írno .... tf'\ tivesse andamento, afim de não causar entre o
mais humilde inquietação desnecessária, e não açular a
,'!UI,IIU'C'L e cobiça dos adversários para com o trono, que poderia

"""Y'" """'fragilizado.
Desde o tempo do sumo sacerdote Mery, que ela vinha se
com as intervenções políticas dos sacerdotes de
e seu esposo Tutmés IV havia comprado sua conivência
preço de muito ouro.
Também o marido, em que pese ela o haver traído, devido
paixão de que fora possuída por Ser-Afi, pai de Sen Nefer, era
~\lvo de suas constantes preocupações, e tinha nela uma aliada
Inteligente, perspicaz e à altura do cargo ocupado.
Deste modo, devido ao momento crítico vivido, ela tratou
ordenar todas as providências, para que o companheiro ti-
vesse os melhores recursos, e, ao mesmo tempo, apressou as
cerimônias, dando-lhes uma preparação para o caso do filho ter

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que assumir o comando do Egito. Tendo em vista a condi faraó, se se tentasse voltar à posição escolhida por
Tii, ainda lhe passou pela cabeça a idéia dela mesma ass através de Ptahmóse, sendo o sumo sacerdote "gerente
comando, porém, como seu filho vinha assumindo a co-r os trabalhos do rei", o futuro poderia ficar sombrio para
cia, isto poderia acerbar os sacerdotes contra sI. h""'r!o;rf'\'" do trono.
Tii, recostada, alimentava-se de pato assado e mel jovem rainha levantou-se e caminhou pelo aposento,
do H~uia entrou inopinadamente no aposento, sem f' tando-se a seguir nas almofadas, sobre os joelhos flexiona-
anunciar:
- Preciso falar-te. - pediu com o olhar cheio de Não conseguiu ficar muito tempo nesta posição e logo vol-
ção. caminhar. Estava inquieta. A situação se agravava. Vol-
- Algo com a menina? - perguntou Tii levantando-s para Houia e disse:
ansiedade. ' - Fala a Liu que busque meu pai. Quero vê-lo o mais rápi-
- Não. Ela está bem. Surya cuida dela, como de um possível.
sa. Dorme. Logo virá ver-te. Descobri que o rei está à mort E fica atenta aos cochichos do harém. Pressiona a serva
muito movimento próximo ao seu quarto, e a entrada e ue dizem é amásia do sumo sacerdote. Usa Sen Nefer para
dos médicos e seus auxiliares, denuncia que ele está muit e pede a Amenhotep que venha me ver.
I~t? quer dizer que haverá mudança no governo, Til. Te - Mas, senhora, desde o parto que deves ficar em repou-
vira ver-te, logo mais, e pede que tenhas cuidado com o
sacerdote, pois ele é ainda pior do que Mery. - Se o sumo sacerdote vem ver-me, como posso repou-
Tii pôs-se a recordar ,o que lhe dissera o pai com rela Anda! Não percas tempo, Houia!
Mery, que se tornara sacerdote e chegara à mais alta f A serva prestimosa saiu quase a correr. Tii olhou pela jane-
em suas atribuições.
Fora diretor da Dupla Casa de Ouro, e da Dupla Ca dia pode estar lindo, e a morte pode chegar sem aviso.
Prata, ~hefe dos Celeiros de Amón, dos rebanhos, e estav pensou ela filosofando.
absorvido em comandar toda a administração, feitorar os De repente, lembrou-se que a noite tivera um sonho estra-
pos, que mais parecia o Chefe do Tesouro do que o Chef Vira uma linda garça voando sobre o Nilo. Ela pousara
Religião. num ramo e não percebeu que um sáurio a espreitava. Ele deu
Cada vez mais seu poder político expandia-se. Nunca Um salto e a abocanhou.
um homem passivo, porém procurava organizar tudo par Isto poderia ser uma visão profética. Tutmés IV era um ho-
mandar. Só pensava em amealhar poder, preso ao di~heir !'nem guerreiro, mas seu reinado tinha a graça da ave do Nilo. O
ambiç~o.:. Não sabia se nele a vaidade era maior ou o egoís do mal, Sobek, representado pelo crocodilo, poderia estar
a am?l~ao. Mery, por sorte do povo Egípcio, morrera, s espreita, para abatê-lo.
substltuldo pelo novo administrador Amenhehep, o que d TH fechou os olhos, como sempre fazia, quando estava à
gradara profundamente a classe sacerdotal tebana. Ho de uma solução. Era como se garimpasse no interior.
simples, religioso sincero, Amenhehep estuda a teologia do Às vezes lhe vinham idéias, outras vinham visões, que ela
to por amor, sem pretensões, atém-se às práticas do cult buscava entender. Nunca falara disso a ninguém, a não ser seu
acompanha Amenófis 111, procurando auxiliá-lo a ampliar a e Amenhotep. Eles a compreendiam. Diziam que ela tinha
tância entre o poder real e o poder sacerdotal. Agora, co IC'UlI.IIIV do Alto. Então, o que lhe diriam suas visões?

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Começou a ver o raiar de um lindo dia, e paisagens É controlado demais. - pensou Tii, sentando-se diante
paradisíacas. Algumas lembravam a Ilha do Regozijo, ond
caçar patos selvagens com o príncipe, agora seu esposo, Creio que é meu dever vir vê-Ia, não ape~as para cum-
as verdejantes plantações, as pastagens. Sem dúvida, el fnclnt~~r o casal real pela benção de uma he~delra, c.omo tam-
Egito, e tudo era muito belo. alicerçar nossa confiança de uma Vida glonosa, .com
Depois um vento começou a rugir, balançando o leq Templo de Amón, para os futuros monarcas do ~glto.
palmeiras, elevando a poeira, e nuvens escuras toldaram Por que o Chefe dos mistérios de Karnac se antec~pa, ao
biente, até que tudo ficou muito negro. As visões sumira a dupla coroa na cabeça de meu esposo? Acredita que
esperou alguns segundos. Depois abriu os olhos. Não tinh se preocupar em nos lembrar de nos~os deveres, ou
vida. Seu esposo ia ficar órfão de pai, e o período seria fne que algum mal venha a acontecer, nos pnvando da sabe-
para todos. de Tutmés IV e Merit Amón?
Nisto, um servo entrou, pedindo a permissão para int O sumo sacerdote não esperava aquela atitude direta e
zir no recinto o sumo sacerdote Pthamóse. fUlca, e ponderou:
O que ela poderia recusar a um clero tão fabulosa Queria apenas explicar à "princesa do sul", que? clero
rico e poderoso? Ela, iniciada nos mistérios de Isis, que fiz sido complacente, pois tem o direito sempre de confirmar a
caminho dos sacerdotes, que penetrara no tabernáculo (n rIIJilflc,:tÇéIO do herdeiro.
do templo, e que tivera a ousadia de apresentar em palá Tii estremeceu. Sabia. Os sacerdotes tinham conhec~m.en­
dança da sacerdotisa? escapavam do vulgo e quando tinham ,alguma d~vlda,
E por que ele vinha a ela, se deveria, isto sim, estar j à paternidade de uma criança, presumlvel herdeira ~o
ao rei e a rainha, ou confabulando com seu esposo? Ela nã com o sangue do mesmo e do filho, c,omprovav:am ou nao
bia, mas imaginava que alguém ou alguma coisa o atiçar paternidade. Nestes casos, a mulher adultera podia ser con-
sua direção. Não podia recuar, nem temer. t!c"'::lt"l::l à morte, de diversas formas.

- Diga-lhe que me espere na ante-sala. - falou a jo O que ela não conseguia atinar era que, se a ame:aça v,ela-
pensando: - Não lhe permitirei entrar nos meus aposentos. era dirigida a ela, e à sua filha, Beketaton, ou a Ment Am?~ ~
É possível que esta recusa causasse algum conflito, herdeiro, Amenófis 111, seu esposo. Tant~ se lhe fosse ~ln~l­
ela não cederia, nem se precipitaria. Era preciso manter o e ou à rainha, o perigo era imenso para, -r: 1I e a descendenc2a
brio que Tutmés IV conseguira"até ali. Se fosse preciso, pa Ela sabia que muita gente em palaclo e em Tebas nao
com riquezas a manutenção do poder. ~lpreciara seu casamento, porque era de origem m~is obsc~ra.
Tii chamou Phtá e arrumou-se cuidadosamente. A mate Prefeririam uma irmã ou meia irmã carnal de Amenofis. Raplda-
dade lhe arredondara as formas, mas lhe dera uma certa " articulou seus pensamentos e preferiu demonstrar Igno-
suetude. Quando acabaram de maquiá-Ia, ela se adereçou
o colar de lotus e a cobra de Liu, colocou seu cinto de our _ A vida de meu sogro corre perigo? - perguntou como se
seguida de seu séquito, compareceu a ante sala. o soubesse.
O clérico estava à janela, observando o horizonte. Volt _ Os médicos pensam que é questão de_horas e foram fa-
se e saudou-a respeitosamente. O brilho de seu olhar era zer-lhe o benefício da última ajuda, a trepanaçao.
Não demonstrou desagrado pela espera, nem pelo fato de Àquela palavra a jovem sentiu um grande mal.estar. Gosta-
ter sido recebido nos aposentos reais. va de Tutmés IV. Ele sempre lhe fora bondoso, amigo.

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- Farei minha oferenda por I .
tand~ilndicar àquele homem terrí~e~qa~et:::~o~;;. ~~~:r
e entendeu, porque seus olhos brilharam Til
afast ar a ameaça. .
- Agradeço por vir me avisar - falou I
que ~Ita não fora ~ intenção do ho'menzinh~~r~v~~mo s
CAPíTULO XVII - ESTRELA~FONTE I
nova R:inah~~~~~~~rtou e saiu. Ela sabia. Fora' aceit
atingira uma posição invejável na corte, apesar de não
ao rei um filho varão. Isto é que a amargurava, porem
se deixou abater. Suas preocupações, contudo, foram su-
IJt'lradclS pela dor que atingiu a família imperial.
Após dois dias de longa agonia, a comunidade foi abalada
o pranto das carpideiras, que em procisão subiram o rio,
"-'I"'i!:lnrin a morte. O grande gongo do Templo de Amon já
tocado, e os sarcedotes haviam acendido a pira de ervas
erguera ao céu uma densa fumaça negra, informando a to-
a morte de Tutmés IV.
Seu corpo seria acompanhado em cerimônia fúnebre até a
casa de mumificação, onde os artífices cuidariam dele durante
)3etenta dias.
Til sabia que o sarcófago já estava há muito construído,
como o próprio sogro escolhera cada uma das jóias, das
\;;sculturas, da barca da Rá, dos cereais, utensílios, uchabti 1 ,
que haveriam de acompanhá-lo na nova morada.
Lembrou-se de que vira com o esposo os paramentos, a
rnáscara real, toda em ouro e lápis lazuli, e imaginou quantos
metros de linho seriam usados como atadura, após o preparo
corpo, enfaixando-o para sua viagem pelo Caminho Escuro
Morte.
Cinco classes de operários trabalhavam na casa da morte,
mas não eram os lavadores das rezinas, e sim, os donos dos
segredos de mumificação, e os sacerdotes leitores da liturgia,
quem mais se destacavam, no conhecimento e importância dos
mistérios.

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1 Uchabti eram estatuetas de madeira, que assumiriam tarefas específicas, para servir o faraó,
depois da morte.

156
Os canopus de alabastro guardariam as vísceras do Grave e relutante ela fechou o livro e ergueu os olhos, pou-
Tii meditou naquela certeza, que ditava as normas o-os no friso do quarto, onde se viam patos selvagens
bals.amam~nt? ? da continuidade da vida. A certeza de que do, em meio de flores de lotus. Os desenhos eram encan-
tegndade Individuai subsistiria após a morte necessit res, coloridos, e seu marido havia mandado que os escul-
preservar seu corpo físico, para a continuidade de seu apr e desenhassem, para lembrar-lhe do passeio pela ilha,
zado. caçada dos patos.
Me~~alme~te, acendendo uma vela no seu oratório Aos poucos sentiu-se entontecida. As cerimônias em palá-
quarto, Til repetiu a prece que aprendera dos lábios materno a tristeza que acometera a todos, o silêncio que dominava
- Escutai-me, ó deuses! Tutmés IV corredores, os ofícios que se estenderiam, dia após dia, dei-
Rei do Alto e Baixo Egito, ' ;"'.1i~'I'~rn uma melancolia feita de fragilidade em todas as coisas.
seja protegido de Osíris e Isis Sempre que morria um faraó, o perigo de sublevações nas
sendo levado à estrela-fonte' 1~i1Çliõ€~s conquistadas era quase certo, mas, com Tutmés IV não
onde brilhe e seja feliz. ' assim.
Que teu bá, meu rei, permaneça Sua firmeza em manter, tanto no plano externo, quanto no
entre os deuses, e teu ká brilhe, {)i;.lmpO interno a hegemonia do Egito, dividindo o governo com
como uma estrela, fonte de vida. filho, fazendo-o participar das decisões e das lutas, de-
Que siga, em busca de Horus monstravam sobejamente a todos que o Quplo País não estava
tanto quanto ora por ele, na t~rra, de seu rei, que outro o substituiria à altura, preparado que
a Flor de Lothus. sendo, para tanto.
Tii olhou para o céu e viu Shotis, a estrela de Isis no A vista de Tii pareceu embaçar-se. Ela esfregou os olhos.
zonte. ' Era real. Ela estava tendo uma visão, sem nem ao menos
f""lh.., .. os olhos.
Exatamente setenta dias ela ficaria sobre o céu do Egit
Era como se aquela estrela-fonte de luz e amor quise Uma leve fumaça ectoplásmica começou a se formar, entre
permanec:er~ guardando o corpo do faraó, no seu repouso e a mobília do quarto, e os desenhos ornamentais do friso
sal e natrao, enquanto todo o Egito o acompanhava, no cor na parede.
vozes de seus sacerdotes, no ofício ao Senhor das Terras Por estranho que possa parecer, Tii não teve nenhum re-
Poente. mas a curiosidade a mantinha alerta e lúcida, observando
:ii_sorteou o ~ivro dos Mortos e leu ao acaso: o fenômeno, como se isto fizesse parte da sua própria essência.
Tao verdadeiramente como Osiris não está morto A fumaça foi se condensando, atingindo colorido e consis-
não está ele morto. ' tência, até que ela viu, diante de si, como se vivo fora, a figura
T~o verdadeiramente como Osiris não está aniquilado seu sogro, cujo corpo estava imerso no tanque de mumifica-
nao está ele aniquilado. ' ela o sabia.
Um dos braços de teu espírito vital está atrás de ti Adereçado com as jóias reais, tendo à mão o báculo, ele a
Um dos pés de teu espírito vital está diante de ti. olhava de forma séria, e entristecida.
o outro pé do seu espírito vital está atrás de ti. Tii quis perguntar como ele estava, tão nítida era sua pre-
Tu sobes para o céu, tu te afastas da terra." sença, que, por momentos, quase esqueceu que morrera.

158 159
- Filha, fico feliz por poder ver-te, e peço-te que sob as lágrimas a lhe embaçarem a visão, olhou para a
Amenófis, em todo o longo percurso que ele deverá no seu sono inocente e calmo.
nando-se a coluna mestra da construção de um futuro de
para todos. Estou bem. Logo Merit Amón virá fazer-me co A pequenina era botão de carne em flor, cheirosa pelo
nia, e Sesóstris não tem tino para auxiliar o novo faraó. Tu f matinal os longos cílios a realçarem o rosto pequeno e
escolhida, minha filha real, irmã real, esposa real, pelo t ~ãos de dedos finos e delicados, a saltarem da co-
mento que deixei. Cuidado com os sacerdotes de Amón. R lábios grossos e queixo afilado. Os olhos amendoados
acompanhe, dando-te a luz da sabedoria! h1;r,~hr""\I'~m os de Til. Os cabelos eram escuros.

Til ouvia cada palavra, registrava-as, juntamente com - Minha pequena princesa real, meu amor~inho, nosso pai
sensação de saudade indefinível e tristeza sentida. morreu, mas não nos deixará ~Ie voltara. pa~a que lev~­
Como era possível ouvi-lo assim, vê-lo com ta! tangibili Inos adiante o sonho de um grande paiS, onde reine Imperturba-
de, se o sabia morto, sabia que Seu corpo estava sendo pre o deus sol, dando fertilidade e calor, luz e amor a todos
rado, para os funerais que se dariam ? habitantes...
Levantou maquinalmente o braço para tocá-lo. Ele - Choras pelo faraó? - perguntou à porta seu esposo, que
deu a mão e a tocou docemente. Ela o sentiu com um c dos campos, onde fora inspecionar o andamento das co-
como se fosse de carne e ossos.
- Pai!-cl.amou emocionada, pois tinha em Tutmés um a
go particular, que, naquele tempo que durava sua permanêri - Choro mais por nós que por ele. Ele está livre, a nós
em palácio, sempre a ouvia com agrado, preparando-a par a tarefa de governar o Egito.
difícil tarefa de reinar. Merit Amón não demonstrava simp O rei que iria ser sagrado a abraçou com carinho, olhando
para com ela, tratando-a como se fosse inferior, pelo fato, a pequena filha adormecida. N~qu~!e m0r:'en~o, esqu~­
não ter sangue real nas veias. Seu sogro, ao contrário, qua suas divergências, o gênio autontano do rei, a Impetuosl-
podia, gostava de comentar as atribuições de sua mãe, co da futura rainha.
Supervisora do harém de Amón, falar de Min, dos cultos a
gos, da tradição que seus pais tinham sabido tão bem incul TU desejou confidenciar-lhe sua visão de instantes" m~s
nela, e que eles presavam demasiadamente. melhor relatar isto ao pái, a Amen~ote'p o~ .a Sesostns.
11C1üUU

- Pai! - clamou ela, com a saudade a lhe constranger também devia estar sofrendo a ausencla flslca p~tern_a.
alma. disto, a princesa dos mitânio~ não tinhc:: uma expllcaç,:o
A figura sorriu-lhe e desvaneceu ante seu olhar. para o ocorrido. S~n;pre ~u~lra, em criança, fatos taiS,
mas não tinha deles uma Idela obJetiva.
Era como se nunca tivesse estado ali.
Nunca, como naquele momento, sua ausência foi tão Pelo que sabia dos mistérios, o morto somente abriria os
da, tão pranteada. TU caiu em choro convulso. e a boca depois dos ritos de abertura dos olhos e da
Assim a encontrou Huia, quando entrou no quarto acom boca, pelos sac~rdotes; ~uando já estivesse ajaezado, para ser
nhada de Surya, trazendo-lhe a mimosa Beketaton para vê-la. colocado na urna funerana.
-O que ocorre, Til ?- perguntou Huia, colocando-lhe Enquanto isto, ficaria adormecido, lentamente seu Ká e
braços a pequena adormecida candidamente. seu bá seriam desligados.

160
·~ntão, como explicar a visão de instantes? Que a alm
bfevlVla e'~ acreditava, sabia, mas que ela pudesse interfe
v!da dos VIVOS, que ela pudesse aparecer, ser tocada, com
~~~a fora, era-lhe totalmente incompreensível, naquele mo
CAPíTULO XVIU - OS COLOSSOS DE MEMNON
Imaginou um foco de luz tão lindo e brilhante que ineb
se a quer:t o visse. Acreditava que o fara6 estari~ se prep
do, para Ir em busca desta luz, e que se transformaria n Beketaton principiava a dar seus primeiros passos, quando
estrela, das muitas que brilham no firmamento. Atn,pn,<,fic: li' resolveu construir um palácio magnífico, à margem
Uma saudade interior, que não saberia definir do que ~;Ji;"eIU""1 UQ do Nilo, numa vasta planície que se estende ao redor
trangeu-Ihe as fibras mais íntimas da alma, e lágrimas c~ir entre as águas e o Vale dos Reis.
lhe dos olhos. Um templo erguido à majestade do faráo, era antecipado
Amen6fis abraçou-a ternamente, osculando-lhe a face. larga avenida, e mandou que se erigisse à entrada da mes-
J~ntos ficaram _observando a pequenina que dormit rna duas gigantescas estátuas de sua figura.
tr~nqulla, co~? se nao pudesse ser atingida pela partida do Foram lavradas em blocos de rocha monolíticos, e o repre-
tnarca da famlha real. ~;entavam sentado. Somente os pés da estátua mediam dois
No a~osento, seres invisíveis aos dois acompanhava de largura por um de altura.
cena, meditando quão difícil era para eles saber toda a real Para tal empreendimento vários artífices foram transferidos
de do mundo espiritual. o canteiro de obras e, além do palácio, um recanto paradi-
de repouso foi erigido, com um imenso lago de dois quilô-
tnpl'r,.,~ e meio de comprimento por meio quilômetro de largura.
O arquiteto-mor do projeto foi Amenhotep, que o desenhou
nomeou de liA moradia de Amenófis 111 é o esplendor de
"
Tii estava grávida e, para alegrá-Ia, o rei mandou construir
um barco, cujo significado era Aton brilha, ou Esplendor de
Aton, ou ainda Aton é resplandecente.
Ao mesmo tempo, mandou erigir um templo a Aton em
Menfis, e participou, junto a TU, das cerimônias a Harmaktis, o
antigo deus de Heliópolis, suscitando não poucas preocupações
e desentendimentos entre os membros do clero. Amenófis
aguarda o nascimento de um herdeiro, e, como pedira isto em
ofícios religiosos, um sonho lhe viera.
Via seu pai, Tutmés IV, e atrás dele o dístico de Aton, com
seus 13 raios terminados em forma de mãos. Nisto, os braços
se moviam e lhe estendiam uma criança. Ele ouvia distintamen-
te falarem:
-Uáem Rá!

162
163
Amenófis sofre com a simpatia crescente entre ambos,
A palavra significava "O filho de Rá.", o Filho do Sol.
não tem respaldo para interferir. Com as doações de Sen
Como Tutmés IV tivera um sonho, no qual a iFõ ... " .......
j;;; ...
Til recupera uma a uma as jóias entregues em penhor a
pedia para livrá-Ia das areias do deserto, que ameaçavam
mergí-Ia e ele a atendera, conseguindo sempre numerosas
rias militares, Amenófis 111 entendeu que o deus Aton o décimo sexto dia do terceiro mês, quando, em so-
reservava um herdeiro. nld,jde faustosa, o lago do palácio é inaugurado na Festa dos
Logo após o sonho, TU engravidou.
As construções se fizeram em rítmo cada vez mais O barco "Esplendor de Aton" é aj~ezado de flores e bailari-
rado e, com isto, o faraó aumentou seu desejo de grandeza abrem o séquito real, trazendo gUirlandas de fiores, que de-
ambição e de beleza, não medindo esforços para dar ao pai aos pés dos colossos de Memnon, na entrada do
tudo o que houvesse de mais grandioso e de melhor. Ele qu
suplantar seus ancestrais em seus feitos. Estes coiossos de mais de 20 metros de altura, q~e mos-
Tinham recebido a visita de Tuiu, a mãe de Tii, que t/n o faraó sentado, com as mãos pousadas sobre os joelhos,
nome poético de "ornamento real." Antes da morte de Tut o oriente de forma misteriosa.
IV ele proclamara a futura nora com o nome de "grande her
ra, filha real, irmã real e esposa real." Alguns anos após Parecem esperar por promessas vindouras.
partida, Tii era, sem dúvida, reconhecida pela administraçã Um contingente da infantaria ~esfila di.ante da população, e
religião egípcias. (lür:10IS o chefe das carruagens reaiS, Aye, Junto a Sen Nefer co-
Sua vida é, de certa forma, apaixonante. Não descansa iH"'''''''''' a evolução da cavalaria.
mais. De uma vitalidade contagiante, está sempre presente Jaulas com leões, macacos, tigres da índia e elefantes le-
viagens do rei, e se destaca em todas as solenidades.
vam a multidão ao delírio.
Enquanto o rei manda construir o palácio de Memnon,
manda construir, para si mesma, um palácio no Sudão. S Fechando o cortejo, os padres e o regente do templo. de
escolhas a colocam na mesma posição de um Mestre de Obra saudam seus sacerdotes, erguidos em altos palanquins,
O faraó Amenófis 111 tenta manter uma certa distância ent a cerimônia adredemente preparados.
a autoridade faraônica e a representada pelo sumo-sacerdote. Tii em adiantado estado de gestação, acompanhada da
Enquanto isto, Sen Nefer se desdobra, no sentido de c , Beketaton, assiste impassível à demonstração de po-
seguir cumprir suas promessas junto à rainha. Mais que tem e....'riqueza, que seu consorte desfila, ante seus ,ol~os. Ela
1J'"\.I ....

o que o incita é a lembrança da noite que passara junto dei despreza aquela o~tentação, mas s~be 0A quanto a propna plebe
Amando-a secretamente, quer que aquela mulher impetuos o admira por isto. E dia 16 do Terceiro mes.
não lhe sinta desprezo. Quando a música atinge seu apogeu, ela desce ~o palan-
Vende parte de sua propriedade, trocando-a por outra m em direção ao barco, junto do consorte e ~e sua filha. Sua
nos luxuosa, apesar dos protestos de sua esposa. Desfaz-se a instruíra para não fugir às etiquetas palaCianas.
parte dos tesouros que trouxera das campanhas militares,
ocupa seus servos na lavoura, para auferir lucros. Tudo o Ela participara da Fes~a do ~ed, quando um conju~to.de ri-
amealha deposita nas mãos da rainha, que o cumula de de diversos dias segUidos, tinham por escopo revltalizar o
ções, percebendo-lhe o esforço. poder mágico do rei.

165
164
Agora era a vez da Festa dos Tanques. O vinho tinh Escravos haviam preparado uma refeição esmerada, que
preparado para a cerimônia. Vasos de argila tinham tr """""'1'1<:> à bordo.
água da quarta catarata, que fora despejada no tanque, O soi já deambava no poente, quando lanternas foram ace-
como a água do templo de Rê-Harakhti, e do lago de Temp
Amón, em el Houksour. margens, 08 cantores de Amón entoavam 8eus hi~os.:
Remadores escolhidos esperavam que o casal real su o em represália ao nome do barco "Esplendor ~~ Aton. Til
ao convés, para levarem-no através do lago. Seus rem . profundamente, lembrando-se de <;lue fora.~ltlma de um
ouro luziam ao sol. Itado de um daqueles homens, que Onon sacnflcara. Olhou
Amenófis se ajaezara com um peitoral de safiras e so Untívamente para Ptahmóse. _
manto o avental de sua iniciação. Trazia à cabeça a coro parecia feito de pedra, pois seu rosto nao demonstrava
pia, com o lírio e a coifa, e o ureus do abutre e da cobra. sentimento. Til lembrou-se do que lhe contara Ame-
Til estava usando uma longa bata plissada verde, sobre a criação do mundo.
peitoral de opalas, e a pequena Beketaton trazia um ve~~tidlo o criara e tivera por descendente Ge~, o ~e~s da terra
go e sandálias de pontas recurvas. a deusa do céu. Desanimados com a Ingratl?ao dos. ho-
O povo prorrompeu em saudações características, e partiram para o reino celestial, até que um dl~, Paml~~s,
mos iniciaram a travessia. de Tebas, ouviu sua voz, informando que 181.S ~ OSlr~s,
Altos membros da nobreza acompanhavam o casal re filhos voltariam a terra para continuar sua missao. ISIS,
viu Sen Nefer ao lado da mulher e de duas filhas, Orion, divina: teria simbolicamente a figura d~ Hathor, a vaca sa-
Amenhotep, o construtor do palácio, Phtamóse, UH e Tir, A viria do céu para dar-Ihe~ se~ leite: lembro.u~~e q~e
seu irmão, Sesóstris, Ipy, governador de Menfis, Bek, chefe f\nr,,:,nhf"'lton lhe explicara que do ceu, tinha vindo a CiV.lliz~?ao

escultores, filho de Men, e Ramos, o vizir do rei com sua fa &ilCJípCla, através da Via láctea, das Plêiades. Toda a slgnlflca-
Aye, e Senaa ou Kermef, que lhe era fiel. lenda da morte de Osiris e da busca de seu corpo por
Com preocupação a rainha via seu esposo inclinand represe~tada por Venus, veio-lhe à lembrança, observando
mais e mais para a ganância com as riquezas, para com a estrelas que começavam a coruscar no firmamente. A barca
monstração de suntuosidade, numa egolatria típica. Isto era papiro flutuava aureolada de luz.
prio de todos seus ancestrais. A rainha sentiu que algo a atraía. Virou-se devagar. Os
Cada um levantava templos, fazia inscrições, elogia de Orion a observavam. Acompanhando-os ela p~rcebeu
seus feitos, esculpia estátuas gigantescas de sua pessoa. se detinham no decote, onde uma flor de lotus enfeitava os
A rainha observava as pedras de cantaria de Medi' logo abaixo do peitoral. Ela sabia porque esta flor ~hama­
Habu, onde uma verdadeira cidade de artífices se va a atenção do escriba. Ela lhe fora dada por ele, na ~espera,
lado do palácio do faraó. durante o encontro que haviam tido, para porem em dia a ?or-
Ela se perguntava o que o Grande Todo, represent respondência real. Tii corou, e abaixou os ~Ihos. Em se~U1da,
para ela por Aton, pensaria de tudo isto, Se ele aceitava ou tomou a flor e beijou-a. Na sua cadeira de ebano o farao nem
as transformações religiosas dos homens. percebeu. ., d T'
Do ponto onde estava, ela assistiu a apresentação dos Quando a travessia terminou, o povo fOI dl~pensa .o e. 11
sicos e das bailarinas, cantando uma velha canção síria, que viajou para Tebas, onde, no palácio Charuk, sentiU as pnmelras
achou um tanto quanto bárbara para a ocasião. dores do parto.

166
o já amanhecera, quando Tuiu chegou junto Impossível que seu m~rido não conhecesse e vivenciasse
e suas irmãs. Beketaton ganhara mais uma irm t~hnbologia de seu cargo. E preciso manter a dignidade a qual-
contra todos os prognósticos e sonhos do faraó. Nascera custo. A dignidade deixada por Tutmés IV. Naquele mo-
prematuramente, devido aos excessos dos festejos, que h TU sentiu uma certeza: a de que seu sogro sabia da
cansado a rainha. deliidéide da esposa, mas que amara tanto seu filho que ele
t,~"n"",,·<> mesmo seu.
Huia e Nye, Phtá e Surya se revesavam ao seu lado,
ao médico da corte. O rei. não podia acreditar que Til Ih É que Tutmés a amparava naquele momento, preocupado
outra menina. Como explicar seu sonho com seu pai? Co as atitudes desiquilibradas do faraó, frente ao nascimento
ele demonstrara sua adoração a Aton, de acordo com ferindo os brios e os sentimentos de TiL
tos do sonho, depois do acontecimento que fora a ao lado dele, uma figura esplendorosa, com sua simples
Tanques? Devia haver alguma coisa errada naquilo tudo. a amparava também. Era o futuro rei Amenófis IV,
formado bebeu imoderadamente, vindo cumprimentar a reconhecido no futuro como Aknaton, quem preparava
e a filha em estado deplorável. mãe, para os eventos que ainda a aguardariam.
Não foi precis? que dissesse nada. Ela entendeu. A rainha se lembrava de uma visita de Aném, meses antes
- Aton não mente! - ela lhe disse. - Terás um filho nascimento de Sitka.
Eu te prometo. Pode não ter vindo desta vez, mas virá de Seu irmão vinha preocupado e reticencioso. Quando se vi-
Aton quis prímeiro testar-te. O sonho foi simbólico. Assim a s6s, tendo a pequena Beketaton ido passear com o tio
és o terceiro Amenófis, também teu herdeiro será nosso til~)~~óstrjs ele finalmente lhe dera a conhecer porque viera.
filho. - Tii, - ponderou escolhendo as palavras. - sei do desejo
E ela tinha razão. Não era uma desculpa que se ali ambos de ganharem um herdeiro, porém, querida, consultei
em seus lábios. Era uma certeza interior, que ela não sa oráculo do Templo e todos os meus compêndios. Eles foram
onde vinha, e que lhe dava forças, para suportar r)rG~cis;os e unânimes na resposta. Por ti não virá um menino ao
maior, o estado deplorável de seu cônjuge.
Orion e Sen Nefer apoiaram o faraó e Amenhotep o - Que dizes? Estás louco? Como podes saber?
dali, para descansar longe da rainha. Beketaton dormia, - Eu te afirmo e sabes que eu não mentiria com relação a
aposento contiguo ao seu. Tii fez com 'que levassem para O que vim te propor é algo sério. Sabes que teu marido
recém nascida Sitka, depois de beijar-lhe as faces rosadas. no seu harém mais de trezentas mulheres, muitas de san-
real. Se alguma delas concretiza o seu sonho, isto poderá
Em seguida, pediu que a deixassem dormir sozinha,
voltar contra ti.
Tii começou a vizualizar mentalmente a claridade da pe - Estás me propondo o que? Adultério?
a pureza das formas, a arquitetura deslumbrante do templ
- Achei que devia te informar. Pensei muito antes de vir,
Soleb, a margem oeste do Nilo. lembrou-se dos colossos
Memnon, transmitindo a mensagem clara da bravatice de A rnas a decisão é tua.
n6fis 111. Ela precisava ser o conhecimento da realidade, a fo - Papai sabe? Por que ele nunca me disse nada?
ágil da beleza, impedindo o isolamento do país, segundo os - Nosso pai ignora que eu vim. Pensa que o fara6 se con-
ceitos dos sacerdotes de Amon. formará, como ele, a princípio, até que nossa mãe me adotasse.

168 169
~im e~a verdade. Tuiu somente dera a Yuaa uma
era Til. Anem era filho de outra mulher chegara antes
quandO a .sacerdotiza soubera que nã~ viria mais nenh
bento de SI, o fora buscar.
CAPíTULO XIX - AMENÓFIS IV
Seu pai s~mpre fora mais achegado a ela
se fora um memno, nas atribuições. '
A rainha passava agora a maior- parte do tempo no palácio
oeste de Tebas, onde, num jardin cheio de estátuas, uma
. :- Outra c~isa, minha irmã. Meu pai não sabe ue
Jamais aprovana o conselho que te dei... q piscina de granito negro fora construída, para os banhos

o nascimento de Sitka tinha arrefecido o amor do seu es-


TU sorriu. A~ém era seu irmão mais velho, filho de que passava a maior parte do tempo em viagens ou junto
tra m_ulher que nao sua mãe. Realmente era quase () harém real.
:i~ n~~ aprova~s.e um~ relação extra-conjugal da rainha, d Medinet Habu havia mandado levantar uma estátua
I a 11, como unlca salda para dar um menino ao trono!
e da esposa real, juntos. Beketaton tinha ido com ela, para
cerimônia de descerramento da estátua, e, depois que todos
:- Agradeço-te por vir me avisar. Faça com que ao retiraram, havia rido muito, ao ver que a menina queria por
P~P~I possa, com seus c~nhecimentos, ratificar ou não os subir no pedestal, para alcançar o colo materno. O faraó a
nostlcos e, nE.:ste ?aso, Insista em que ele me venha co levantado e erguido até colocá-Ia no seu colo. Com isto, a
para que eu nao seja obrigada a cobrar-lhe isto. princesa batera as mãozinhas feliz.
Eram tão poucos os momentos de felicidade, que Tii vivia
- Eu o f~rei. - prometeu Aném e, reverenciando-a lado do marido, que ela ficava rememorando este fato longín-
Ih e o rosto saindo. ' para auferir forças.
Fazia meia hora que ela se banhava na piscina, procuran-.
. :ni ficou .imersa em tristeza. Nos dias subse uentes apaziguar os pensamentos de desencanto, depois de um
P~lI viera confirmar as informações de Aném e dei~ I ' passeio pelo sul. Passara pelos amplos salões da resi-
na~ aconselhava senão que ela se dobrass~ aos de~ígC~6s dência para atingir os fundos, onde a água a enternecia e pare-
penores. chamar, para refazer as forças.
Deixara Beketaton e Sitka aos cuidados das aias no Tem-
à O destino é comandado por Forças inteligentes super de Charuk, em Tebas. Uma de suas aias, junto a Phtá,
res n~ssa. Toda a vez que as desobedecemos ~ofrem aguardava que ela saisse do banho. Observou a núbia de car-
:i~~:~d6~to. Lembra do que te ensinei. - falou o sacerdote nes rijas e firmes. Parecia feita de ébano. Trazia uma túnica
clara, à moda das servas, e a espreitava silenciosa e séria.
O esposo lhe tinha praticamente impingido a serva. Ela não ha-
simpatizado com a jovem, demais calada. Sabia que a mes-
A rainha concordou, apenas maquinalmente Sua alma
cordava. . ma dormia com o faraó, êmas não sabia que o traíra com Tir e
que estava grávida.
170
171
As roupas retiradas das arcas reais, deSCéms~av,am
serva estranhou, pois sempre Tii usava o colar ganho
banco de jardim, à espera de uma ordem sua. Toalhas
jaziam ao lado, para enxugar-lhe o corpo. Traga-me também a peruca clara. ..,
serva obedeceu e, em instantes, voltava do Intenor co~
Eram tão poucas as horas que podia sentir-se e a peruca, que colocaram nela. Tii observ?u-se, atraves
meditar na vida a que fora lançada, de um momento formado pelas águas, no fundo da piSCina.
tro. Tantas ocupações diferentes. trazia um certo encanto da adolescência, apesar da
Há dias recebera uma carta de Dushratta, rei de Mita rnidade. Seus olhos eram sérios, seu rosto redondo. A pe-
dereçada ao seu esposo, sobre o crescimento do poderio destoava de seu todo. Riu ao ver-se assim.
Por que Amenófis não a o\-!via? Diziam que estava a sentir o cheiro do incenso que queimavam
çado por uma nova mulher, que fora enviada pelos jude de mirra, e a música que a aguardava no salão. .
Palestina. Povo estranho aquele! Nômades, com seus Dirigiu-se a um arranjo no jardim e, no tanque adjacente,
nhos, tinham um orgulho peculiar. flores de lotus.
Ouviu os passos leves de Phtá e voltou-se. Precisavâ .. Vocês começaram tudo isto. - falou ela, como se as flo-
Tinha muito a fazer. As tabuinhas de argila, no quarto de pudessem entender. . _ .
dos, esperavam pelas suas respostas, para serem trans Demandou o interior, onde tomou sua refe~ç~? sozln~a, ê
na linguagem de cada povo, pelo escriba e enviadas para caminhou até a sala de estudos, onde IniCIOU a leitura
versas regiões. Doía-Ihe a indiferença de Amenófis às pon
cartas. 'd d
ções de Dushratta. Aos poucos, começou a se conc~ntr~r ~o conteu o e
- Os hititas jamais ousariam erguer-se contra o uma delas. Ia respondendo as mais facels. As outras pu-
respondera ele às suas argumentações, apressado em ir lado, esperando que a inspiração viesse:
harém, de onde sairia com uma carruagem para um oásis, seu lado uma taça de vinho era esvaZiada lentament~,
passaria o final do dia, junto a sua nova esposa hebréia. medida que a noite corria. Tii recostava no encost.o da cadel-
Diante da pressa do esposo, ela preferiu silenciar. Reti , fechava os olhos, meditava uns momentos, depOIS tornava a
se do seu palácio, acompanhada dos membros mais fiéi t%crever.
sua comitiva. A lâmpada de óleo tremeluzia sobre a .m?sa. .
Fazia um ano e um mês que ela aSSistira aos festejOs da
Ergueu-se à beira da piscina, inteiramente nua. A s
acorreu, pressurosa, com a toalha, para enxugá-Ia. Deito lilsta do Tanque, naquele lugar. -
num banco alto, sem espaldar, e massagearam-lhe o corpo As lembranças doiam-lhe profundamente, mas ela nao
óleos aromáticos. Olhou para as vestes escolhidas por Pht raiva do marido, Antes, estava com pena dele, porque
apontou uma de tom claro, que lhe foi vestida. Calçaram-Ih que sua virilidade diminuía e que isto o levava a buscar
pés com sandálias douradas, e colocaram-lhe o peitoral de I ,·","',-7t::"rc:>c com outras mulheres.
lazuii, que mais pareciam asas de borboletas de tão finas Eram ambos jovens ainda, mas ele estav~ estafado, ou
gramaturas nos bordados. Por fim, a ajaezaram com o colar pelas lutas ou pelas muitas mulheres_do har~m. ,
lotus. Um leve ruído chamou-lhe aatençao. HaVia alguen;, por
- Não, Phtáh. Não quero este. Traga-me aquele que na sala contígua, o que não era de se espe,rar, ~OIS so-
sua guarda devia estar do lado de fora e Phta, mais Nye.
deu o vice rei do sul.

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não respondeu. Que lhe importava Amenófis naquele
Tii levantou-se um pouco ansiosa. Olhou através d
dupla e não viu ninguém no postigo. lento?
Saiu e atravessou o cômodo adjacente e à porta Seus lábios se encontraram. Ela se abandonou às suas ca-
guarda adormecera.
- Poderia morrer por isto! - pensou, mas passou o jovem observou que Tii tinha os pés machucados, o que
inquieta quanto ao ruído que ouvira. pedia de andar. Provavelmente luxara o tornozelo, quando
Deste modo, deu no pátio interno e atravessou-o à Tomou-a nos braços e a carregou para seus apo~entos.
de lunar, encaminhando-se para a piscina de granito pret viue levou para longe a escrava núbia e as outras alas.
Uma larga escadaria levava a ela e inadvertidam Pensava a serva que Tii também tinha o direito de ser feliz.
tropeçou em algo, perdendo o equilíbrio. brou-se como sua dona lhe permitia sempre estar com o fa-
Um animal atravessara-lhe a frente. Ela não sabia d sabendo sua inclinação para com Orion, afastou a pre-
fora um lagarto do mato ou um gato, mas fora o bastant de curiosos. Tii estranhou quando viu seu quarto deserto.
que ela rolasse, enquanto tentava alcançar as pedras q tristeza imensa apoderou-se dela.
viam de corrimão, para quem descesse. O que sentes por Amenófis? - perguntou Orion, colocan-
la caindo, quando alguém lhe interceptou a qued no leito.
teve tempo de gritar e braços fortes a soerguiam do solo. Lembrando que o marido não tinha o herdeiro desejado,
e viu Orion. Ele a erguera e seus rostos estavam bem pró seu amor, Tii respondeu:
um do outro. Os olhos da rainha pintados com malaquit
des, os cabelos claros, tal como usara nae bodas. A sa - Pena.
dourada se partira, caindo. Ela trazia os pés desnudos. _ É um sentimento horrível, este. - falou admirado o escri-
Orion desceu uns degraus carregando-a e a' coloco
cadamente sobre um banco de pedra: _ É o que eu sinto, por ele. Por ti, tenho amor.
- Que fazia Vossa Alteza fora dos aposentos, se Não precisou dizer mais. Orion a abraç?u e esqueceu a
guarda? IIr,t~~nCla que havia entre eles. A morte poderia ser o preço da-
- A guarda dorme. - comentou ela em voz baixa. momento, mas nenhum dos dois pensou nisto.
- Ainda bem que chegaste a tempo de impedir que Nos dias que se seguiram, Tii teve que trazer o pé direito
lasse toda a escadaria. - completou. ()So por bandagens. Mesmo as.sim, preparou sua v.lagem de
- Poderia morrer por vos haver tocado. - falou ele ,"I"'l'nf'\ ao palácio de Charuk. Urgia estar com Amenófls. .
pondo-lhe em cima o~ olhos, como a perguntar muda _ O que tens, divina? - perguntou Phtáh, observando a In-
através deles. uletação de sua senhora.
- Poderias? - falou a jovem senhora, como a tirar da __ Phtáh, preocupa-me o desgaste do rei, seu senhor. A~
um sentido novo. - Serias capaz mesmo? ulheres do harém só ternluxúria, e, quando o possuem, ? del-
Orion entendeu perfeitamente o que ela dizia. Preferiu m mais fraco do que a lua minguante. Quero que tu o Sirvas,
ponder agindo. Ergueu as mãos e tocou-lhe os ombros. Ap ue lhe transfiras o segredo da força de teu amor, que tragas
mou-se. Tii o fitava como que magnetizada por ele.
antigo sua semente!
- O rei não deveria deixá-Ia só. - falou o moço,
entender que conhecia bem as amarguras reais. _ Senhora! - fez a serva, ruborizando-se.

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- Que espanto é este, mulher? Acaso te peço o dois sacerdotes, após as abluções da noite, despedi-
vel? Sei que sonhas ter um filho do faraól Pois bem. retirando-se para seus aposentos. O sumo sacerdote
lhe darei ao jantar, afrodisíacos. Depois que ele tiver eles colocaram o grande tambor sobre o altar, e se
do, quero que estejas com ele.
- Por que? o que trama esta mulher? - perguntou de si para si Ptah-
- Já te disse, Phtáh. O faraó quer um filho. Pois qu
seja isto para mim ou para. ti, que para qualquer outra, Somente Tii poderia responder, mas se ocupava com er-
des? Todos sabem o quanto ele deseja este menino. As colocava nos pratos, com os quais se banquetearia
res do harém têm feito promessas, buscado feiticeiros, e seu esposo Amenófis 111.
o rei com seus encantos. Que nenhuma delas ganhe est Meses depois o reinado prorrompeu em festas incomuns.
ouviste? Antes isto seja para mim e para ti. Se o filho vi cera, finalmente, o herdeiro do trono real, que recebeu o
nós duas trocaremos a criança. seu pai, Amenófis 11I.
- Senhora! - exclamou temerosa a serva. Naqueles dias, Phtá osculava um menino, com as feições
- Não sejas covarde, Phtáh! Dou-te o que mais des taraó, temendo as ameaças concentradas do~ s~cerdotes
ficas aí, medrosa como uma corça diante de uma serpe? falavam em adultério, tendo em vista uma denunCia de uma
ra-te para esta noite. E que os deuses abram o caminho servas da rainha.
nascimento de um novo deus! que o populacho soubesse, dentro do ter:nplo de
Phtáh queria retrucar, mas conhecia Til de sobra. A os padres se preparavam para desmascarar a rainha.
que já dormira com o chefe da guarda, que não temera Til' durante uma cerimônia íntima, a acusara frontalmente.
retas de Ptahmóse, que estivera há dias junto a Orion, , em' represália, aceitara a disputa dos sacerdotes, ?xigi~do
também amava, queria partilhar com ela uma noite de nas que lhe entregassem seus acusadores, caso salsse InO-
onde esperava o início de uma nova vida, a do novo rei
to. Não. Por mais medrosa que fosse, ela não podia recu Quando todos dormiam, ela foi ter até o aposento onde ha-
sabia e ela também. ocultado por Huia e Nye a serva Phtáh com seu filho. A ser-
Phtáh correu para dentro, afim de ajaezar-se e perfu chegar mal sopitando o terror.
para aquela noite. As demais servas não entenderam, qü Quando Tiilhe explicou que não sabia se o faraó era ~ec:'­
Tii as dispensou logo após o jantar. Amenófis chegava o pai de seu filho que precisava, para tanto, nas cenmo-
cio a um convite seu. dos padres, da pre~ença do filho de, ~htáh, afim de provar
No Templo de Amón os sacerdotes confabulavam: paternidade do menino, a serva fez-se hVlda:
- Se ela traiu o faraó, não há como não de1smasc;an3- _ Senhora, tenho ouvido coisas tais! Se nos descobrem,
falava UIi a Tir, que fora informado disto pela serva bas seremos lançadas aos crocodilos sagrados do Templo.
amante. o quero ser devorada por Sobek!
- Ela planeja algo. - falou Tir - Eu o sinto. _ Não sejas covarde, Phtáh! Quando te propus um fi~ho,
o que eu pensava. Não f!lintas.: Mesmo assl~ o desejas-
- Melhor aguardar. Vamos repousar, e quem sabe, à Nenhum mal se fará ao meninO, nao vês? DepOIS nós os tro-
nossos espíritos encontrem ajuda junto aos efrits amigos. remos de novo. Aliás, são tão parecidos...

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- Arranje outro meio. - suplicou a serva, ,cujo fugir, mas não lograra êxito. Tentara encontrá-Ia, escon-
no olhar. vão. Sabia que a usavam para a assustar, como
- Não temos outro meio, Phtáh. Ou é isto, ou am
remos, O que significa isto? - perguntou com arrogância.
. porque
. - se algo acontecer ao meu filho ' nem tu ,
menino vlverao. Senhora, esta mulher foi quem a denunciou e, de acordo
O que ocorria é que os sacerdotes tinham levado tileU desafio, merece a morte.
suas s~speitas, d~ que o herdeiro não teria seu sang observou Ptahmóse. Ele tentara incriminá-Ia, através
conheciam um meio de provar isto, através do sangue profecias de Tir. Ele, com certeza, comprara a defecção da
ça e do sangue do faraó. Para tanto, espetavam agu
sol~ dos pés do menino. ,Misturavam com o sangue
~als alguns ele':lentos qUlmicos. Se o sangue coagula Durante meses a rainha ocultara Phtáh de todos. Quando
sinal de que a rainha prevaricara. perguntara por ela, informara que estava servindo sua
Seu pai, Yuaa, a conservara num subterrâneo.. Em Tebas,
Tii já ouvira. falar disto. Amenhotep a advertira, e, a luz, aos cuidados de um médico de confiança da fa-
tratou .de engrav~dar a serva, de acompanhar-lhe o part Nem este homem, contudo, sabia a importância daquela
anunciar o nascimento do herdeiro, somente quando
dera a luz. Agora ia apresentar, aos sacerdotes, o filho d
como sendo o seu. Naqueles dias, Orion, durante sua estada com e~a, lhe in-
À noite, !'Jye e Huia fizeram a troca. No dia seguint mara que a serva núbia a denun.ciara, que, se: a rainha con-
as vestes reaiS, o pequeno bastardo foi levado ao templ uisse provar a paternidade da criança, ela sena apresentada
a cerimônia do sangue. culpada pelo constrangimento real.
Apesar do todos os rituais, de toda a certeza de Ti Em razão disto, Tii diligenciou-se no sentido de livrar a ,nú-
apesar do risco que corria Ptamosé, eles tinham tudo tã Não desejava a morte dela, embora esta a houvesse traido.
planejado, que os crocodilos já estavam à espreita noj meteu-lhe que a libertaria e urdiu um plano" comprando àl-
enorme, cujas escadarias mantinham presas as corrente servos e utilizando-se de Hesi, seu servo etlope.
o supliciado era prisioneiro. Sabiam onde os sacerdotes guardavam a mulher e, apoia-
Quando as duas amostras de sangue foram mistur pela guarda, invadiram o recinto, com alguns homens.
sem que acontecesse a reação esperada, Tir se fez pálid Infelizmente, para Tii, e, mais ainda, para a serva, Ptahmó~
tes ~ue a rainha pudesse exigir sua condenação, uma ser havia mudado o local onde guardavam a mesma, e tudo fOI
trazida. Era a mesma núbia que estivera presente no palá
Memnon, e que, por certo, sabia do adultério de TiL vão.
A escrava olhava para a rainha com os olhos esbugalha-
- Perdão, poderosa! - gritava a serva em gritos deses
de terror, como a cobrar da mesma a promessa feita de sua
dos,. quando prenderam seus braços e pernas' nas alg
contidas nas correntes do tanque de Sobek. ()Itura.
De pé, diante do mesmo, a rainha sentiu em seu í Seu olhar apavorado incomodava TiL Sabia que, se a ma-
piedade para com a pobre mulher. Afinal, ela não mentir em diante de si, o fariam mais para assustá-Ia, para pres-
sejara sua perdição, mas era uma pobre coitada. Tii +0"'+""'''' loná-Ia, mostrando a sentença que teria a adúltera.

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- Não concordo. - falou ela, olhando para o es o sumo sacerdote, em razão disto, foi encontrado morto,
Quem me desafiou foi Tir, o profeta de Amon, através seguinte em seus aposentos, sem nenhum sinal evidente
sacerdote, para esta prova de sangue, que fez sofrer o qualquer intervenção externa. Amenófis III tinha poderes que
real. Não desejo condenar uma pobre demente, mas dEjsconhecia.
fez meu acusador, nas ligações com os deuses! sacerdotes de Amón o enterraram, certos de que esta-
Tir e Uli se fizeram pálidos. Pthamóse, ....1"I .... trt'\I<:lf'il'1 diante de alguém que não se dobraria, diante de seus re-
decera. nws e artimanhas.
- Acabem logo com isto! - ordenou o faraó. encontros de Tii com Orion passaram a se dar junto ao
da piscina de granito preto, toda a vez que o faraó se
- Não desejo a morte desta infeliz! - falou a rainha
e a rainha não o acompanhava. Quem poderia sa-
do um castigo por aquela sentença cruel.
r, a não ser Phtáh, cujo filho crescia sob os cuidados da rai-
Os olhos da serva suplicavam, desmesuradamen
junto do seu?
tos, aos seus pés. Tii queria, a todo custo, livrá-Ia, mas - Ele é filho de Amenófis, não é? - perguntara um dia a
seguiu. rva, acariciando o pequeno Amenófis, que seria o IV da di-
Pthamóse, querendo livrar-se da acusação, soltou
rios. - Ele me foi prometido como uma benção do céu, no dia
Suas figuras negras emergiram no tanque, quando til no meu leito, fui banhada pela estrela Sótis e visitada
levantou-se. Todos olhavam para elas magnetizados d lo meu sogro. Não me importa de qual semente tenha surgi-
A serva tentou livrar-se dos ferros, arrastando-se pela Veio no momento certo, para a glória do Egito e será sem-
ria. Suas pernas, contudo, imersas no último degrau, 109 ouviu bem, o filho de Amenófis 111. Sempre, ouviu bem,
abocanhadas pelas feras famintas. Seus gritos de terr
encheram o aposento. Tii não queria olhar, mas seus 01 - Até mesmo para Orion? - quis perguntar a serva, mas
tavam como que presos à infeliz, que, voltando-se para a pergunta, lembrando da morte da serva núbia no
clamou: de Amón, segundo ouvira contar.
- Maldito! Você me prometeu! Hei de me vingar!
Tir, sem poder ouví-Ia, deu-lhe as costas e retirou-s
O corpo era agora puxado pelos répteis em fúria,
disputavam os despojos. Tii ficou a ver os olhos assust
serva, naqúele mar de sangue. Por mais milênios pass
jamais esqueceria aquela cena, aqueles olhos acusa
apavorados.
O menino foi levado ao palácio, onde novamente f
do. Bandagens foram colocadas nos pés do herdeiro,
monstrar ao pai seus ferimentos.
Quando, no dia seguinte, Tii saiu em procissão d
rumo ao Templo, ela exigiu do faraó, a cabeça de Pt
como desagravo à humilhação que sofrera. Amenófis,
quis se divertir à custa dos sacerdotes.

180 181
CAPíTULO XX - SENAA E RIBADDI-
GLORIFICAÇÃO A UM DEUS ÚNICO

anos transcorriam amenos. As regiões pareciam domi-


as totalmente. Palácios e templos, artesãos e artistas pulula-
1 pelo império, e após os testes feitos no "herdeiro", a
seguição dos sacerdotes havia, aparentemente, arrefecido.
Alguns anos já se haviam passado, desde a morte de Tut-
IV, pois Tii não engravidara logo após seu enlace.
Sitka, Beketaton e Amenófis, cresciam sob o amparo dos
~)uses opulentos e poderosos, comandados por um deus úni-
, O Increado, o Oculto. Tii se acostumara a esperar as cheias
em maio, após as chuvas de abril na Etiópia, inundando
rnargens até outubro.
Era nesta época de alegria que a estátua de Osiris, feita do
do rio e de palha brotava com as sementes plantadas: Acá-
sicômoros, árvores madereiras, bosques de palmas, plan-
aquáticas como o papiro e o lotus reverdeciam então os

Seu esposo adorava Amenófis, o filho varão tão esperado,


Merit Amon, a quem a morte do esposo e a idade vinham
pesando, não olhava de bom agrado para o neto, tendo dado a
~"',lo""",o .. muitas vezes à nova rainha, que ele 'era "diferente."
Por mais Tii o comparasse com Beketaton, com a qual ele
profunda semelhança fisionômica, a antiga rainha mãe,
mudava de atitude.
Foi numa das viagens de Amenófis, para supervisionar o
trabalho de retirada das areias das pirâmides e observar a tare-
de irrigação dos campos, que Tii foi visitada por Senaa, ou
Keruef, que pedira-lhe uma audiência particular.
A jovem rainha conhecera-o quando da viagem ao estúdio
escultura de Auta, antes do casamento, quando saíra com
Sesóstres, seu cunhado.

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- Fala, Senaa, eu te escuto. espero servir-te com a mesma dedicação com
. O homem forte, acostumado aos exercícios, que er meu pai, antes mim, serviu a mãe do rei, com minha
penntendente da Grande Esposa Real, curvou-se res ~HC,:lÇEIO e experiência, sendo que serei uma "Câmara Inviola-
mente, pedindo: os segredos que me forem confiados.
- Salve, Tii, esposa de Amenófis Ill, o Touro Forte, homem sentiu que Til perscrutava-lhe o íntimo, esperan-
ra do Alto e Baixo Egito, que levas o látego e o cetro de outra resposta que não se fez esperar:
Venho oferecer-lhe meus serviços, pois fui dispensado pe à rainha mãe, sabe que meu coração e meu es-
nha Mãe, na cerimônia diária do amanhecer. "'r\Y~I"Yl em sintonia com "Uá en Rá", filho de Tii e Amenófis.
A soberana fitou-o com assombro. Sabia que, pela
quando o faraó ia ao templo, cerimônias e decisões impo em Rá? - perguntou ela.
as vezes se davam.
Sim, majestade. Todos os seguidores de Aton sabem
Seu casamento durava alguns anos, e a animosidade Amenófis é "Filho de Rá", o criador do mundo,
ela e a antiga rainha não arrefecia, antes parecia aument :flOr:::l'-!,.., pelos ascetas das montanhas orientais, desde tempos
a dia.
Tii percebia que a outra lhe tinha ciúmes, mas estra A emoção punha nos olhos de Keruef ou Senaa lágrimas
oferecimento de Senaa. porém a jovem rainha não se deixou envolver por
int'Clr:::l<::e

- De quem partiu esta resolução? Da Rainha Conhecia a dedicação dele à rainha-Mãe, sabia de sua
riu ela incisiva. Hu;,tra,C81:), de sua agilidade como membro da guarda, nos es-
- Receio, senhora, que o rei, como de costume, militares, porém, quem lhe poderia garantir que ele não
""",,'onu escolhido para espioná-Ia? O que a abalara "fôra a refe-
decisões cabíveis.
ao pequeno herdeiro, tão esperado durante aqueles anos
E Senaa estendeu-lhe um papiro onde se viam as matrimônio, da forma peculiar que lhe lembrava a visão do
reais.
quando de sua morte, e o desmaio no acampamento, an-
Para Tii ficava evidente que o herdeiro, atual soberan incêndio.
mava partido dela, ou, quem sabe, ligado à mãe, usaria S - Ua em Rá! - repetiu a rainha.
para espioná-Ia em palácio, quando ele se ausentasse.
- Se desejas, poderosa, posso bem mostrar-lhe os inicia-
Se antes estava à vontade para encontrar-se com Ori nos mistérios de Aton, com suas previsões.
falar com Sen Nefer, agora, com a presença do antigo supe - Previsões já me custaram aborrecimentos antes. Se as
sor da Rainha, ela temia ser descoberta.
quisesse ouvir, faria vir a mim Aném, o profeta de Amón.
Em palácio, comentava-se muito sobre as visitas de Ori Senaa ouviu cabisbaixo, e ponderou ainda:
~as, devido a correspondência ser feita por ela, os boatos
tinham respaldo. - Posso levá-Ia a ver um anjo de Aton, que, quando em êx-
tem a fala do céu.
- Como te sentes, diante de tal resolução? E como a re
beu a esposa de Tutmés IV, minha sogra? - Está bem, Senaa. Marcaremos esta entrevista, e tu farás
esta pessoa no palácio de Charuk, mas somente depois da
Senaa a observava com olhos absortos, e meditou inst cheia. Até lá, deixa-me ficar como estou e serve a mãe de
tes antes de responder: meu marido.

184
1
~enaa curvou-se e saiu. Tii ficou a pensar que
~~~:~~a encontrar com Orion, e enviou a este um
CAPíTULO XXI - ADEUS

Quando a lua cheia subiu aos céus e os hinos de Amon se


~m::lm mais intensos dentro de Tebas, em Ouksour, em Men-
até a quarta catarata, Senaa novamente buscou TiL
- A que vens, Senaa? Não te disse que te ocupasses em
à Rainha?
- Senhora, Merit Amon descansa e eu vim para lembrar
(Issa Alteza que um "anjo", um iniciado poderia levá-Ia ao co-
ecimento maior das vontades de Aton. Nada pode ser feito
seu concurso. Ele é o deus que tudo pode, que faz revives-
as plantas e aquece animais e homens. De seus raios vivifi-
ht~nlto<:o brota todo o ardor para os seres.
Tii observou o olhar sincero do Superintendente da Grande
I"s!)os.a Real, que a vinha servindo, acompanhando-a em suas
''''''''''''yVv'', e que demonstrara, mais de uma vez, sua destreza
com os carros reais.
Ela o reconhecia valente, e agora o sentia um homem reli-
dedicado às suas devoções, expondo-as a ela.
- Tinha me esquecido, Senaa, Porém, quando contas tra-
zer-me este homem iluminado, que me recomendas?
- Posso trazê-lo imediatamente, pois me acompanhou em
palácio, porém, as iniciações a Aton não podem ser realizadas
num local profano, majestade.
- E onde se dariam?
- Num templo antigo, junto ao oásis de Faioun.
Tii ficou a rememorar as lendas que contavam do lago
Moeris, de mais de 600 kilometros de diâmetro, construído por
Marros.
As areias inclementes, dizia-se, quase haviam submergido
o local, tal como o haviam feito à Esfinge, que fora resgatada
delas, pelo sonho e pela persistência de Tutmés IV.

186 187
- Muito bem, Senaa. Faça-o entrar. Aguardem-me Novamente o nome que a incitava, era levantado com res-
de Audiências. Logo irei ter com ambos. aquele homem que não parecia tão asceta assim, de
sua espada se podia ver à cintura.
E a rainha tratou de vestir as vestes cerimoniais Percebendo. que a rainha o observava, Ribaddi tomou a
ber os súditos, tomando o cuidado de levar o látego e o
e a depôs aos seus pés dizendo: .
bem como a coroa dupla sobre a cabeça em forma de líri
_ Minha vida, minha audácia, minha ousadia, meu devo~a­
papiro. Somente depois que se sentou no trono faraônico,
nto estão aos pés de Tii, e do herdeiro real, desde hOJe.
permitiu a entrada, no aposento, do superintendente
"mago" que ele lhe trazia. suas ordens.
A rainha meditou uns instantes. Queria conversar com seu
Viu entrar um homem que a princípio não lhe parec com Liu a respeito. Lembrou-se também que a noite ~eria
expressão, levando à mão um cajado, e uma veste curta ,:>n,~.... r,trt"l com Orion, um encontro doloroso para ela, pOIS se
pa. Os cabelos desciam-lhe atrás das orelhas e a testa que não mais se vissem, na c~ndição d~ dois ~man-
uma tira com estranhos caracteres, que ela não pode ident O risco vinham correndo era mUito eela nao queria ser
entre os muitos que conhecia, da correspondência que UÜ'nr,,~"''''';\/OI pela morte de quem amava. .
nha por todos os países limítrofes. Calmamente, ele se _ Que seja! - respondeu. - Antes que a lua mude, estarei
ao trono e prostou-se com o corpo no chão. Neste instant Pd..,~tí"',t"I em Montet.
respeito estranho envolveu a rainha. _ O rei Unas senhora, da 5ª dinastia, que reinou ali mil e
- Levanta-te. Quem se dirige à rainha? '" ,inhon1tf'l~ anos ~ntes de Tutmés 111, a aguardará, junto aos reis

- Um peregrino, um asceta, um devoto, ou se queres 1 . dinastia, no templo que erigiram a Hathor e a Rá. .
gestade, um súdito. Meu nome é Ribaddi, e venho de _ Vem a mim, Senaa, depois de amanhã, para comblnar-
sou formado em lutas marciais e iniciado nos mistérios de I rnos tudo. ~ falou Til.
do Deus Único. Uma confiança nova surgia nela, ao conhecer Ribaddi, ~ra­
Senaa. Porém mesmo assim, sabia, por seus espias,
- O que vens pedir? como o faraó andav~ intrigado com a crescente ligação entre
- Venho oferecer a Sua Majestade, a Rainha Tií, Sen e Orion.
do Alto e Baixo Egito, a iniciação junto a Montet, revivend Deste modo, apesar de não o desejar, ela precisava sepa-
conhecimentos de Menés, agora que Ptahmóse, como des rar-se dele.
a representante de lsis, repousa no seu túmulo e Meúra, Adiaria por uns dias o encontro com aqueles dois homen~,
amigo de Aném e Yuaa, assumiu o comando do Templo. que seu coração tivesse forças para enfrentar novos cometi-
- Toda iniciação implica num compromisso e num vot mentos.
falou Tii, procurando saber por que aqueles dois homens, Senaa e Ribaddi a reverenciaram e sairam.
naa e Ribaddi vinham lhe oferecer o conhecimento de cultos Tii desceu os degraus e caminhou maquinalmente para
eretos, vedados a muitos homens. seus aposentos, acompanhada de Sen Nefer, que a aguardava
- Quem somos nós para repudiar Tii, a mãe de Uá em na entrada.
sobre a terra? Nós o esperávamos e nós o vimos surgir, nó Desde a morte de Ptahmóse que ele se sentia grato co~
serviremos, na esperança de dias gloriosos, sobre a terra permanecer ao lado dela, e seu olhar a cercava de· amor e cari-
Egito e sobre o mundo! nho.

1
188
Nem por um momento, passaria pela cabeça dele - Melhor chamar o médico. - falara a serva.
rainha pudesse sentir algo por Orion. Ele se sentia amado
lhe bastava. que Tii, rapidamente ponderara:
Em seu quarto, Tii mandou que o dispensassem. Qu - Vai em busca de Uu e avisa meu irmão Aném que desejo
buscasse sua casa e sua família. Outros estariam a p Corre, mas não permita que o saibam, que desconfiem.
guardando-a. Seu marido, o grande faraó do Egito, estava inconsciente.
Mandou que preparassem sua carruagem, e partiu I colocou-lhe sob a cabeça uma almofada, no instante mesmo
palácio onde Beketaton, Sitka e Amenófis IV, cresciam m Phtáh irrompia no aposento, assustando-se.
amparo de amigos e servos fiéis. - Vem cá, anda! - ordenou a jovem senhora.
Seu esposo partira para a Síria, numa viagem de - Eu os mato! - falou com voz estranha o marido, em con-
cimento.
Era o momento ideal, para despedir-se sem testem - A quem ele se referiria? - perguntou-se ela.
inoportunas de Orion, de fazê-lo ver que não poderiam ma Os olhos, agora desmesurada~ente abertos, dele, pare-
encontrar, pois o faraó desconfiava dela. fitar o vazio, ou algo que a ela nao era perceptlve!.
Apesar do desafio de sangue, apesar da morte progr Phtáh trouxera água e com ela banharam-lhe o rosto, te~­
da de Ptahmóse, apesar de ser agora Meúra quem é reanimá-lo. Depois Tii foi até seu toucador e tomou um VI-
como sumo sacerdote, apesar de tudo, Orion jamais tiver que continha uma essência forte, que costumava fazer a~
instante a sós com seu filho. t)O~3SClas tornarem a si de desmaios, fazendo com que a chel-
Aquele dia, Tii preparava este encontro, que sabia ha nElsse.
de marcar profundamente as lembranças de quem amava. Seus esforços, contudo, não obtinham nenhum resultado.
Deixou que a banhassem, após a viagem e que a aja Aconteceu que, neste instante, sem esperar ou saber por-
sem com uma roupa toda trabalhada em escamas dour Sesóstris, seu cunhado, irrompeu no quarto, e, tomand~
Queria ir ao encontro dele bela. urna toalha e um pedaço de madeira envolveu o rosto do farao
Uma tristeza imensa tomava conta de seu ser. Se ela t impediu que ele mordesse a língua, em seus espasmos. Com
se uma só esperança de que poderia manter os encol"l. inesperada, para alguém sempre tido à conta de sonha-
como até ali, então, não marcaria aquele adeus. e com gestos precisos, ele massageava os me~bros retor-
Porém, seu esposo vinha apresentando sinais estran e soprando-lhe as têmporas e a cabeça, par~cla ex~cut~r
de comportamento. rnovimentos que conhecia, afim de reativar as funçoes raCionaiS
Há dias, diante dela, perdera totalmente o controle de s monarca.
músculos e, em espasmos, caíra aos seus pés, rilhando os Tii achava absurdo o que estava acontecendo. Em tantos
tes e virando os olhos. Tii sabia que aquela "doença", era c anos ao lado de Amenófis e nunca antes assistira àquela rea-
derada como prêmio dos deuses, mas sempre pensara qu . estranha e irracional. Haviam compartilhado o leito, as via-
fora provocada pelas sessões, junto aos sacerdotes, que pr filhos, e agora, como explicar o que ocorria?
ravam alongar o crânio real, dizendo que tais práticas eram - O que ele tem?- perguntou, tentando manter a calma.
prias para ampliar a ligação com os deuses. - É o mal dos deuses! Logo passa. Não te preocupes. - fa-
. - Não sei, Nye, como acudí-Io! - falava ela em desesp Sesóstris, continuando em sua tarefa.
tentando fazê-lo voltar a si.
- Mas, porque nunca antes...

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- Ele evita tua presença, quando sente que Descanse. O sol deve ter te feito mal, ou, então, a longa
algum ataque. Dizem os sacerdotes ocorre - comentou ela, como' se não quisesse aborrecê-lo
c~m ~s deuses. Fecha a Que o vejam ~c<:,irnl
o Irmao, puxando-lhe o corpo por cima do leito. seguir, deixou-o aos cuidados de Nye e Phtáh e foi para
Aos poucos, os membros voltaram ao "'r. r ",I I'Y'I cômodo, ouvir o que Aném tinha para lhe contar.
nomia ainda demonstrava alheamento. Suado e deco irmão demonstrou já conhecer os estranhos ataques
monarca egípcio causava consternação a quem o o tinha, dizendo que isto se dera, na maioria dos tem-
chorava a um canto. com todos os que haviam subido ao mais alto comando da
tem isto desde quando? -perguntou Til !'l1"'l"co",C'j Acalmou-a, explicando que, passado o efeito do que
- Desde pequeno, pelo que me lembro. consideravam um transe, a pessoa as vezes trazia lem-
de seus contatos com os deuses.
. - Por que não me contaram? - redarguiu ainda. _
vieste? - acrescentou, embora mantivesse com o cunha Como profeta de Amon, aconselhou-a a não se preocupar
ções amigas e gentis. com o fato, e de, como esposa, não fazer comentários
pudessem criar suscetibilidades no monarca.
Vendo que o irmão voltava a si, Sesóstris
banho reavivara aquelas lembranças dolorosas que ha-
não queria soubesses. Achou acontecido aqueles dias. A guarda fora obrigada a ficar
salão, e as servas estavam na outra ala do palácio.
Além disto, para ver-te e colocou a roupa que escolhera, preparou com tranças
Estás sendo seguida. Precisas a cabeleira escura, e aguardou uns instantes. Logo
é ciumento,' e alguns boatos, chegaria.
nófls, não cessam de o lncornodar.
- Trouxeste o menino? - perguntou ela a Phtáh.
quando acordar. F::lIArI:li f'il"lntinr'l aelools.
A jovem assentiu com a cabeça.
E Sesóstris saiu quase a correr
A noite mostrava-se em todo seu esplendor. A lua cheia
alguns instantes e Amenófis a "',..,""..",'''' o jardim, onde as plantas deixavam uma fragrância
que seu segredo desvendado.
Nye e Aném que aqueles dias passando assentou-se à beira do banco de mármore, as mãos so-
tos com a irmã, entraram no quarto.
os joelhos, quando viu o vulto elegante de Orion aproximan-
Aném tocou-o firmemente. auxiliando-o a da piscina. Logo ele chegava, e ajoelhava-se aos seus
ciência de si mesmo. ' como sempre fazia, naquele sinal de profundo carinho e
- Estás melhor? - perguntou ate!nCiIOS'D,
de surpresa, pelo ocorrido. Colocou a cabeça no seu colo, beijou-lhe as mãos.
O faraó assentiu com a cabeça. em retribuição, acariciou seus càbelos com profunda
- Melhor repousar um pouco. pouco tempo, estavam aos beijos e abraços e logo
Percebia-se que o monarca fazia um esforço para dia! ep()us:avam num leito macio, improvisado à beira da piscina.
querendo, de algum modo, explicar-se com Til, mas estava encimesmada. Orion o percebeu:
seu modo habitual, procurava demonstrar o sentia. -O você tem?

192 193
- Tenho uma surpresa pra ti. - e ela fez um gesto
que ~alu e logo tornava com uma criança, envolta na m O escriba tentou abraçá-Ia, mas Tii se esquivou:
dormir, em sono profundo. Surya, a ama de leite, vinha c Precisas ir. Vejo-te amanhã, antes da recepção da tarde.
O ~eni!10 nos braços da serva, parecia um anjo qu "- TiL .. jamais te esquecerei.- comentou o escriba. - Você
se descido a terra. Os olhos do escriba se encheram d IIlH)On:an:le demais para mim.
mas. - Também não te esquecerei. Não poderia. - falou ela.
. Tii. sorria tristemente. O jovem aproximou-se, e tome> dois mal se controlavam, prontos para se lançarem um
SI_ a cnança adormecida, beijando-a delicadamente braços do outro, quando Sesóstris irrompeu, no alto da es-
• . J co

nao a qUisesse acordar. O menino suspirou naquele mo


quilo dos inocentes que se entregam. ' Saia daqui! Rápido! - falou para Orion, indicando Phtáh
. Foram momentos de imenso júbilo para ele, no entan o aguardava. E para Tii:
Amenófis não foi viajar. Estava oculto, à espera de um
sabia que aquele momento era de despedida. O aviso
teu. Vem para cá. Mas somente me encontrará junto a ti,
sóstris, as intrigas da corte. Ela não podia por em risco
sua e daqueles que amava. incando com as sobrinhas. Vamos.
sem esperar resposta, enquanto a serva providenciava
Quando, finalmente, Phtáh tornou a levar a crianç do escriba em seu cavalo, ele se fazia de menestrel, no
dentro do palácio e eles ficaram a sós, ele disse:
dos brinquedos, para Beketaton e Ti i.
- Então, ele é meu? Como posso te agradecer por Quando Amenófis chegou, era como se nada houvesse
afagá-lo, segurá-lo nos braços?
<~lc(mtE3ci(ja em palácio.
- Agradecer-me? Depois de dois dias, Senaa novamente veio ter com a rai-
Tii ergueu-se e caminhou em direção a piscina. As e, com isto, ela viajou para ir ao encontro de Ribaddi, para
refletiram-lhe a figura ainda esbelta e delicada, e o escriba, iniciação ao deus Aton.
gando por trás passou-lhe os braços à cintura, com afeto.
Ela voltou-se levemente, fitando-o nos olhos. Como
jaria jamais causar-lhe a dor, que tinha que impor a si mes
- Quis que tu o visses, e como ele é lindo, porque...
podemos mais nos ver. Não como até aqui, não como
pessoas que se amam...
- Eu bem que senti que estavas diferente. Então, hoj
uma despedida? Havia tanta tristeza em nós.
Tii se conteve a custo.
- Não havia tristeza. Não pode haver tristeza, quando
pessoas se amam. Não me parece uma despedida. Nos
m_os sempre. Teu cargo e meus encargos o exigem. Amen
nao gosta de responder às cartas e isto é importante para o
no. Nós dois faremos esta tarefa, e, deste modo, nos verem
- Sim. Nos veremos, mas não mais poderei tocar-te e
poderei siquer beijar meu filho, nosso filho, como há pouco.

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CAPíTULO XXII - COM SENAA E RIBADDI.

De acordo com o que fora combinado, anteriormente, an-


que a lua cheia abandonasse naquele novo mês os céus do
a rainha encaminhou-se para Montet, onde já a aguarda-
alguns dignatários do Templo de HoraKti.
Acompanhou-a, nesta empreitada Aye, chefe das cavalari-
Ramós, o vizir, que desde Tutmés IV fora elevado àquele
sempre ocupado anteriormente por algum sacerdote.
Esta atitude de Tutmés, alijando do cargo pessoas impor-
ligadas ao clero de Tebas, preparava o advento de uma
era para o Egito, era de fraternidade e paz, lideradas pelos
i''ü'nnrl",c> iniciados, de ambos os planos da vida.

De Menfis e de Heliópolis vinham a seiva da espiritualidade


~)qípcí;a, que Tebas tentava obumbrar. Sabedores que os sacer-
de Tebas haviam, no passado, alijado do poder os reis
pudessem se insurgir contra sua influência, Amenófis li! e
tudo faziam, no sentido de não criar maiores choques, com
~;;!'4~'v'"'''' poderosos e terríveis homens da religião de Amón.
Contudo, após as cenas dantescas, dentro do templo de
com o sacrifício da serva núbia, amante do faraó e de
Amenófis se enchera de rancor. Parecia um desvairado, e à
custo Tii controlava seus acessos de fúria. Vinha ele sendo per-
!>""~IUIUIV pelo espírito de Ptahmóse.
Em Menfis, Amenófis mandara erigir um Templo ao deus
e em Tebas despojou o clero de algumas prerrogativas
políticas. Entre estas, a de terem a seu cargo, a escolha do vizir
rei, que ele elegera entre alguns nobres de sua confiança,

Na Núbia também, onde fora buscar a serva que fora sacri-


ficada, no mesmo local onde esta nascera, manda erigir um
InITl, .... If'\ a Aton, e passa a maior parte do tempo no seu palácio,
A alimentação levada a rainha aqueles dias foi muito fru-
à margem esquerda do Nilo, ao sul dos colossos de Me
ao qual dá o nome de Esplendor de Aton, ou a morad Quando a lua se fez enorme nos céus, Suti e Hor, com
Amenófis 111. guarda de homens encapuçados, foi buscar a rainha.
Desde a Festa dos Tanques, quando nascera Sitk Eles a levaram diante de um sicômoro enorme, a árvore
ele demonstrara sua inclinação para o antigo deus egípci que representava a força universal de Isis, onde a dei-
tuado em Heliópolis do Sul.
ram por instantes.
Um novo apelo em favor da pureza, um novo movi
Logo uma guarda de honra, com as espadas erguid~s so-
varria a alma egípcia. Ramós era o primeiro profeta do
o ombro direito, vieram buscá-Ia, para levá-Ia, atraves do
de Tutmés I. Isto implicava em dizer que ele tinha o dom
lar a voz do antigo fundador da XVIII dinastia, e represent templo.
ligação com os altos planos. Sua esposa Sat-Amón, co Tii seguia no meio deles, lem_brando-se dos ri!os que assis-
não recebera de Tii demonstrações de simpatia, pois lhe com o pai na cidade de On, tao semelhantes aquele que se
denciara Senaa que ela estava muito ligada aos dignatári ~losenrolava, 'percebendo que se dava uma ligação superior,
Amón, em Tebas. seres que ela percebia acompanhando-os, enquanto aden-
A rainha ficou muito surpresa, quando, entre os me entre as doze colunas, representativas dos meses do ano.
de sua guarda real, durante a viagem, deparou-se com Ela observou no céu a estrela Sothis, que nascera com o
Hor, dois arquitetos muito célebres, que, embora dirigiss que ela vira quando do prognóstico da vinda de Amenófis,
construções dedicadas a Amón, tendo, portanto, a seu caf filho. Ela sabia que este fenômeno só se dava em temp~s
tas funções no Estado, e tendo por nomes o dos deuses-ir r&Jsr)ec:iai:s, sendo que, no período de 5 mil anos, só se dava tres
da mitologia egípcia, não lhe haviam demonstrado antes vezes.
quer inclinação para com Aton. Pensou nos povos semíticos e núbios sobre os qua~s reina-
Após a jornada, a rainha repousou numa vivenda, ao como rainha, nos quase sete milhões de pessoa~ r~gl~t~adas
do templo erigido pela XII dinastia. Este templo, cercado representantes das diversas regiões, sob a Junsdlçao do
cômoros, fora iniciado na dinastia do vizir Amenemés, e or desde Keft, em Creta, até os povos além do Mar, na Pa-
com o ouro de Uadi Halfa, nas minas que haviam propicia e a Oeste, na Siria e Ubia.
Sesóstris I construir a fortaleza de Buhan.
Centenas de reis haviam se sucedido no trono, em deze-
Com Sesóstris 111, daquela dinastia, a Palestina e a N nas da dinastias diferentes. Por que, ela se inquiria, a estrela a
haviam sido anexadas ao Império egípcio. tinha vindo avisar da vinda do herdeiro, por que isto havia ocor-
Isto mesmo foi que rememorou Tii, ao ver seu cunh com ela?
Sesóstris, assim nomeado em homenagem a seus ancest
cujo sucessor Amenemés 111, dera origem a construção d Ela passou, dando a direita ao Livro dos Morto~, ~scrito em
moso labirinto e do palácio de Mauara, imaginando se aq folhas de papiro e protegidas por capas de ouro punsslmo, com-
dias não haveria de encontrar também Amenhotep ou, q pêndio e essência da sabedoria hermética.
sabe, o próprio esposo, pois, pelas pessoas que haviam ido . Til subiu os três degraus que a levaram diretamente ao al-
Montep, ela imaginou que sua "iniciação" não era tão sec depois de passar pelo aposento de mosaíco, subindo outro
assim, pelo menos não entre os membros mais importante lance de degraus.
sociedade egípcia.
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- Assim como Isis representa o solo fértil do Egito,
dado pela inundação do Nilo, assim Til foi fecundada, porque agora que estava sob o docel da sa.la, após
tando uma vida nova! os sete degraus, sua mente estava como que limpa de
ranças, e as constelações pareciam mais próximas de seu
Acordes de harpas e liras, de sistros e tambores s
ramo
A emoção como que lhe toldava o raciocínio, frente ao ros-
À mesa da reunião secreta, o Venerável Mestre ~1S(::;etilco de Ribaddi e Amenhotep, e uma energia nova, feita
tep a aguardava, com um malhete ou dupla acha, feita de ~;(Henlldade, invadia seu ser.
que ele bateu cadenciadamente sobre a mesa. Parecia que nada ligava seus pés ao ch~o. T

Por Ribbaddí fora dado o passe da palavra perdidâ A verdadeira iniciação é um processo interno, que te sera
que Tii pudesse ser entronizada, e o Sol já surgia no H"\fC>I"11"\ no instante devido. - falou Amenhotep.

quando Suti e Hor entoaram a saudação: símbolos dos arquitetos mandavam-lhe mensagens
- Cumprimentemos Amon-solar que se ergue qual repetidas pelos caracteres esculpidos do zodíaco, e pe-
no horizonte. cordas em nós, que ela já conhecia sobejamente. .
O chefe dos trabalhos, Suti e Hor fizeram uma homen e Hor estavam ladeando as duas colunas encimadas
aRê: frutos.
- "Ouro puro do dia, estava fragilizada pela alimentação precária tomada, e
sede.
que jamais foi esculpido senão por si mesmo, Duas taças lhe foram servidas. Uma tinha um líquido es-
e cuja roupa dourada ele mesmo confecciona. rdeado, de gosto amargo, que ela bebeu com dificuldade. A
- Todos os olhos vêem graça em ti, era doce como os vinhos de sua terra, mas sua cor era
dás vida a todos os seres, como a dos frutos da romã.
De lá Til foi levada para uma sala, cujas paredes eram re-
trazes a luz, Mestre Único,
ve:3tlclas de cristais e pedras preciosas. No centro, havia uma
Olho que tudo vê, coberta de manjares.
que visitas todas as extremidades da terra. Apesar da fome, Tii passou por ela e encaminhou-se a
- repetiram em coro os doze homens perfilados, porta aberta no fundo. .
ção que delineavam a estrela de cinco e de seis pontas, for Adentrou e teve que pisar numa enorme concha marinha,
do um ideograma no chão. foi invadida por uma sensação de morte.
- Poder, Bondade, Inteligência te sejam ministradas, - Heis que não te deixaste vencer nem pela ambição das
[)m,S6:S terrenas, nem pelos prazeres do mundo! - falou uma
lou o Venerável, entregando a Til uma túnica toda branca,
um cordão para amarrá-Ia e uma espada. voz.
Mas a rainha sentiaque virara pura ene~~ia, que em on~a~
A rainha observou que a mesma era igual aquelas us subiam e desciam em volteios. Nisto viu um Ilrlo de brancura inl-
pelos membros seletos da reunião tão respeitável, que ela rnaginável. Ela tentava tocá-lo, mas não sentia mais ter mãos...
era capaz de lembrar de todos os seus lances, desde que
Em meio à luz que a invadia por inteiro, uma imensa rosa
em desdobramento, os três braseiros serem acesos no amb
vermelha, símbolo do Ç\mor eterno e de Isis, se projetou sobre
te. Teriam aquelas ervas algum poder de transtornar seu juíz
inscrevendo-se em seu coração.

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Tii passara pelas duas antecâmaras, pelo altar e c
ao naos escuro, onde a morte e a loucura, o renascime Importante é que descanses e que te recuperes para tor-
despojamento eram evidenciados por cada iniciado, de - falou ele com um gesto delicado - Teu coração está
interior diferente, e aquelas visões simbólicas a penetrav amor divino.
profundamente, dando-lhe uma sensação de abandono As duas taças... - ela ainda quis comentar.
za, que ela sentia que estava num estado de liberdade a - Esquece as tristezas e a alegria, e aproveita o momento
no seu ba e de letargia profunda no seu Ka. repousares, como os fortes merecem.
Uma voz, como que vinda do espaço cósmico, rep Tii tentou erguer-se do leito macio, mas estava entonteci-
eco profundo:
Sesóstris a serviu com carinho, depois beijou-lhe as mãos
- Sabedoria, Amor, Poder!
rotirou-se.
Tii sentiu que caía num vórtice indefinível, que parec:' A noite desceu sobre ela. Acordou com a luz de Sothis e
tar o rumo de seus pensamentos. o oiho que tudo vê, aquecendo as cobertas.
Todo seu ser vibrava num ritmo diferente, ao som Levantou-se disposta e feliz. O Império esperava por ela,
voz. us filhos, seu marido. Deu ordens para que a preparassem
- Aton, Grande Arquiteto do Universo! - clamou arai o retorno ao palácio de Charuk.
sentiu que tombava numa inconsciência muito funda. Em silêncio Ribaddi, Senaa, e Sesóstris a acompanharam
Quando deu acordo de si, o sol estava já quase a retorno. Segredos novos que ela guardaria para a humanida-
no horizonte. Encontrava-se novamente em seu leito, no futura, a acompanhariam no longo trajeto rumo à própria per-
ao lado do antigo templo e, ao seu lado, Sesóstris cuidava quando o Esquadro se poderia colocar totalmente à
Ela ainda se sentia como pétalas de uma rosa imens do compasso.
púrea. Ela estava em seu coração e Tii repousava dentro
Dois dias ela havia passado naquele estado de letarg
Fora, Senaa e Ribaddi aguardavam que ela voltasse
que estivesse disposta, para a levarem de retorno a Tebas,
Memnon, onde seus filhos a aguardavam em palácio.
- Parece-me que voltei da morte! - falou ela, sor
brandamente para o cunhado.
Ele nada disse. Chamou uns servos para lhe servire
refeição restauradora. Fazia dois dias que ela perdera os
dos.
- Você imagina o que senti? - perguntou ela, depois
inteirar de que estivera desacordada tanto tempo.
- Sim. Eu sei. - respondeu Sesóstris, com um sorriso
do.
- Parece-me que eu morria e que meu bá voava
pássaro, sem necessidade de asas.

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CAPíTULO XXIII - DOIS CASAMENTOS

Mais um ano de lutas se passara, quando a rainha foi


por Houia que Orion iria se casar com uma estrangeira,
de KefC.
A antiga serva da adorável princesa mitânia, conhecia-a
sabia que ela não esquecera o escriba, embora só o
para organizar a correspondência.
faraó o obsequiou com uma vivenda, do lado norte do
hWtllnln de Karnac, para morar com sua esposa, Orign. veio
com sua família há algum tempo. Seu pai pertence a
de mercadores que comercializa nas cercanias

- Quem deseja saber? - perguntou Til, mal contendo o


%\\borrecimento que aquela informação lhe causava.
Sem se importar com o comentário, Huia, que a conhecia
sobejo, continuou:
- Ela é alta e magra, como o junco, e tem os cabelos da
palha seca, ou do trigo quando maduro. Tem lábios
e pele clara, os olhos também o são e, pelo que sei, é am-

jáavi?
Huia ficou rememorando a enorme quantidade de pessoas
vinham em palácio, minoenos, micênios, cipriotas, babilô-
judeus, gregos, fenícios, persas. Não se lembrava de ne-
nhuma ocasião em que Drlgn houvesse participado de qualquer
lestividade, junto a Orion.
- Penso que não. Eu e Nye a vimos outro dia, quando saí-
mos do palácio, à porta da loja de seu pai, na cidade.

1 Antigo nome de ereta


- Sabe c?mo se conheceram ou quando? _ antes para o fato de que ela lhe fora trazida pelo espo-
procurando nao demonstrar maior emoção. quem sabe, ela pudesse não ser tão fiel como ela espera-
- Pelo que sei, as mulheres comentam que foi dur
Festa do Sed, no ano que passou. - Que esperas? - perguntou-lhe.
- Naquele tempo, eu ainda estava com ele. - pen
com uma certa amargura, mas não o disse. Surya desculpou-se e levou a menina que reclamava ain-
- Quer que procuremos saber mais sobre isto? _
tou a ser:'a, percebendo-lhe a inquietação interior. - Vem logo, mamãe. Vem logo!
- Nao. Refere-me o que descobrir. Quando contam Huia entrava com um rico baú, todo trabalhado em escultu-
se?
baixo relevo. A rainha o abriu e principiou a escolher uma
- Pelo que sei, dentro de alguns meses, o suficiente . Esta lhe fora dada por Ipy, aquela outra pelo vizir Ramós,
dote e o ~nxoval. estarem prontos. O faráo, porém, provid a ainda por Merit Amón, cujo nome de nascimento era Mut-
quanto a Isto, pOIS faz muito empenho em demonstrar sua outra pelo príncipe sírio, e aquela viera da Mesopotâmia.
zade e galanteria ao escriba.
Tomou o último colar de ouro, com desenhos de deuses
_ - Sem dúvida! - pensou Tii - Meu marido faz muita O adereço pesou-lhe nas mãos. Não gostava daque-
h'/"'h"",~,",,,,
ta? de apressar as bodas, pois teme perder o controle
mim. colar, pois lhe lembrava religiões que respeitava, mas que
conseguia aprovar no seu íntimo. Sim. Aquela jóia era de
- Tambén; eu, Huia farei ao escriba e sua noiva valor, mas, para ela, era pesada, feia, de má imantação.
sente. Pensarei em algo. Traga-me as jóias que guardo
de cedro. - Leva-a a Senaa e faze-o saber que, obedecendo os pro-
, - Senhora! - exclamou a serva, percebendo o esfor tocolos do palácio, deve entregá-Ia a Orion em meu nome, para
magoa que a rainha sentia. à sua noiva.
- Anda, Huia, antes que eu perca a paciência! - Mas...- ia dizendo a serva.
. A ~ondosa mulher correu aos aposentos reais. Enquan - Vai! - ordenou Tii, fazendo um gesto de entrega do baú,
fa~la,. Sltka c.hegou acompanhada de Surya, a ama de leite contendo seu pequeno tesouro de presentes reais.
prlnclpes reaiS.
- Mamãe, mamãe, a gazela deu cria a um lindo veadin Huia sabia que não adiantava reclamar. Ela, nem ao me-
Vem ver! - falava a menina, batendo palmas e puxando a r nos podia, como nos tempos de menina, dar-se ao luxo de de-
nha. sabafar o que lhe ia na alma. Sua menina agora era uma rainha
-:- Logo irei, meu bem. Vai com teus irmãos até lá Irei e agia como tal.
seguida. Tii .beijou a filhinha e observou Surya que per~ane A serva saiu e Tii dirigiu-se ao jardim, onde, em companhia
de olhos baiXOS, esperando por suas ordens que eram clar dos seus três filhos, teve o cuidado de dar-lhes carinho e con-
no momento. ' versar com eles, da mesma fomla que sua mãe fizera com ela
Nunca ante~ a via como naquele instante. Lembrou-se antes e com as irmãs e seu mano Aném, sobre a vida e a bele-
que el? ,com Ph~ah estavam presentes, na noite em que deixa za da natureza. Incutia neles, sempre que podia, a crença num
~menofls, seu filho, nos braços de Orion. Na noite em que ser superior que dirigisse tudo, e que, em Heliópolis e On, era
via se despedido do escriba, como mulher. Sem dÚ~ida, ela representado como Rê.

206 207
Enquanto brincava con: eles, aproveitou também p vir repartir comigo tua felicidade. - comen-
gun~ar a Surya sobre sua Vida, de seus filhos, de seu
com um novo no olhar. - Talvez agora pm,samcls
nhelro. A ama de leite respondia com evasivas e um
mais ainda a influência religiosa e econômica
se coadunava com sua posição:
uma pequena propriedade, e um rebanho vaiores fundamentais precisamos entre
. nos permite ter algum sossego, quanto conquistados.
nossos dias.
povos poderão aprender a se conhecer, e COiml:lar!tilha
- Teus estão aos cuidados de quem?-
com eles o grande ideal dos "filhos "
estão com minha mãe. - A tua visão interior te conduz a um belo sonho,
- O que você sonha para eles? Mas cuida dos informantes, que terão papel chave nestes
- Não o que sonhar. Eles seguirão as pegadas Aliás, também vim ser o portador de um
Servem ao faraó. - falou a serva com amargura na vo amigo Ribaddi prepara seu casamento, dentro pouco
assim dialogando, quando Aném veio ao en ,Ele é um homem valioso para nós, pelos valores morais
com um sorriso. tem demonstrado, pela fidelidade nos compromissos, além
- Boas novas, Akhtii! - saudou-a o irmão com uma seu atilamento mílitar e coragem.
nova no olhar. - Então, Ribaddi também se casa? - falou de si si a
dizes? - perguntou ela, afastando-se das crian
bUSCéllldo um para sentar. - AkhTii?2
- Sim. dizer deste modo, desde que agora é -- Também? E quem mais? - o
novo ser, que a luz traz no seu interior. Soube de tua inici Orion. _. falou Ti, num fio de voz.
em Montet, querida. Só não pude comparecer, para aliar
ao porque também eu recebia novas atribuiç- Aném já o sabia, mas não tivera coragem comentar.
- Ora, pelo que percebo sou a rainha menos informad , ele mais do que qualquer outro, tinha razões para """''>''0''
o escriba era o pai de Amenófis, que seria sagrado o
",,..,,,..~,P) - comentou ela com um sorriso. -=- Que a~ribuições
dinastia.
- elevado a categoria de Segundo Profeta de Amón - Cuidado, minha irmã. A Administração Egito se
templo de Tebas. com os desejos do e.or;3.ção,
ficou pensativa. Seu irmão era o Grande Vidente de em seus
E Aném a abraçou ternarnente, A rainha
IiÓI)olis. e ~gora, como Segundo Profeta de Amón, ele se to
v~ um elo Importante de duas P?munidades religiosas do Eg
Sim. Aquele:; era uma boa notiCia, que poderia auxiliar muit poucos os momentos em que podia desabafar com
do pais. seus íntimos penares. Depois ela se e
----
2 Akh - expressão que significa 'filho da luz'.
- Busca saber o que Ribaddi precisa. E nós faremos
um régio presente.
- Serei teu espia neste caso. - prometeu Aném.

208
CAPíTULO XXIV - A COeREGÊNCIA

- Eu não a quero mais aos meus serviços! - falou TU pe-


ao faraó.
',"""'y,,ntr-rj-=>

- O que ela fez que te desagradou? - perguntou ele enrai-

- Minha mãe me enviará outra mulher, que demonstre


cultura e maior afetividade, para com nossos filhos.
- Não gosto da interferência de tua família nos nossos as-
familiares!
- Pouco me importa que gostes ou não. Amenófis, Sitka e
~3eketaton merecem o que há de melhor, e tua serva Surya não
enquadra no que eu considero de melhor.
- Por que? Talvez porque é sabido que ela já dormiu com
r\.' ,__ n _ falou com malícia o esposo, tentanto ver o que aquele
comentário causaria nela.
- Eu não sabia disto, e vejo que estás bem informado das
preferências sexuais de nossa serva. Isto é muito mais do que
podia suspeitar. ..
- Pensava que as preferências sexuais de nossas servas
fossem controladas por ti, minha querida. - falou com acrimônia
o esposo, demonstrando saber que TU forçava sua ligação com
Phtáh.
- Sim, é verdade. Procuro sempre saber o que devo fazer
para agradar o faraó, e espero que ele também saiba o que
deve fazer para agradar-me. E, posto assim, fica decidido que
Surya está dispensada. E que isto seja bom para ela. Há outras
formas mais drásticas de se dispensar um serviçal.
O faráo entendeu que ela se referia à morte, que poderia
dispensar a qualquer pessoa do reino, direta ou indiretamente.
A rainha sentou-se com calma. Um meio sorriso aflorara-
lhe nos lábios. Ela era dona da situação. Dera ao rei um herdei-
ro, conhecia todos os segredos do Estado e suportava sozinha

211
o fardo de muitas resoluçõe S
político aumentavam dia adia ~ii S~ub.bom senso submetesse como uma criança aos caprichos maternos.
Mutmuya andava . f . ia que a mãe via mais o faráo que sua esposa. Era admirável
certeza de que o ~~~i~u lar ~ faraó con!r~ si. Tinha ta tivesse se consosrciado sem sua aquiescência.
até ele, como irmão da ~rsabia de sU':l .ultima iniciação. Após o jantar, Tii buscou os aposentos de sua sogra e,
gostava de estar por trás d~~~dOa proplcla.ra, quem sabe, r dos protestos desta, fez-se receber na sala que levava
como se fosse divertido par I s os movimentos que aposentos reais.
estes o soubessem. a e e comandar os outros,
Sinto incomodá-la, mas serei breve. - falou ela, ante o
- Um homem como t enfadado e descontente da antiga rainha. - A senhora
do, não deveria se ater à q~'e~~~~:r:o p~~acomandar orE~cisa gostar de mim. A senhora não precisa demonstrar
tando apaziguar seu ânimo. mes Icas. - falou pelos meus filhos. O que eu posso entender, e até onde
- São os servos domé r . posso perdoar, lhe direi que isto me fortalece, porque so-
os maiores segredos _ falousellco~ mUlt~S vezes que con os laços de carinho é que me prendem, e, portanto, sua
,. " e, in tenclona/mente. me liberta de qualquer influência que poderia me ter.
- E posslvel mas tamb" ,
espiões que sola' a em e posslvel que sejam Janto aos meus filhos, eu lhes ensinarei a respeitá-Ia, sem es-
que nos fogem a6 e~e~d7~ssa tranquilidade, com fins rar nada de si. Isto também os fortalecerá, pois valorizarão a
para os serviços junto ao prín~~to? ~r que encaminhaste pelo que ela representa, mais do que os laços de famÍ-
M' h - Ipe. uem a recomendou? muitas vezes nada significam, se não têm o respaldo do
- In a mae. - falou o faraó. . $'I)r.timloni~1"'\ O que eu não lhe perdoo é o que faz ao seu filho,
Sim. Por que ela não f homem brilhante, em posição de relevo no mundo. A senho-
perguntara, se tinha inform:nlt~~r: a~t~s com isto? Por qu o destrói, e isto eu não vou perdoar-lhe nunca, ouviu bem? E
sou sangue ferver nas veias E t m o os os lUGares? Tii s que não mais permitirei sua interferência em meus assun-
preciso ~or um fim nas interv~nç~:;~~~~~a ha dez Se quer ser respeitada, aprenda a respeitar-me também.
- Fica decidido Ou ela . b uya. - Como ousa falar-me deste modo? - falou a mulher er-
vem senhora, ergu~ndo-se :~ e~ ora, ou morre! - falou guendo-se. - Eu não lhe permito! Farei saber a meu filho!
fosse servido. an o ordens para que o j - Não fará não! Ele jamais saberá desta nossa conversa,
guns D~~~~~t~sreJ:i~~~, r~ crianças, o" f~r~ó e ela Tlve:'r~ ..
rt
terei que apresentar-lhe a versão nova de seu nascimen-
e filiação! - respondeu Tii, com as faces rubras de indigna-
estes momentos. g e descontraçao. Eram tão pou
Sua sogra permanecera - Olha como fala! Posso também levantar suspeitas!
com alguns acha ues r' . em .seu.s. aposentos. Estava - Já foram testadas suas suspeitas e as dos sacerdotes de
era tão diferente d~ Til ~ ~~~~s ~ahlnatlvldade que exercia. Amón, e já custaram uma vida! Não me obrigue a cobrar mais
campos, apreciava as iutas na:~1n aJosta~a. de cavalgar pe uma!
minhas na Casa da Luz' t ças o palaclO, revia os per antes que a rainha se recuperasse da estupefação, Tii a
palácio, para as aUdiên~i~~n o ~ ~menhotep, comparecia, fitou com sombranceira indignação e saiu do aposento.
C_ontentava-se em manipular ~~~ imp0.rtante:s. Mutmuya n- Nos dias subsequentes, quando o escriba compareceu à
l
çoes. Tii não podia suportar que o, hem Intervir ~m suas resol sua presença com as tabuinhas de argila, ela comentou a dis-
um omem, gUindado a tal c
pensa de Surya.
2
ment~~I~ ~~~s~ie9:çUtevsocz, ele percebeu.que ela tivera
om a ama de leite. Deixe-a vir, Não nos convém incitar desconfianças,
- Perdoa-me. Eu não pude evitar. Revelar fatos, manter segredos, aprender a levar uma
- Por certo, não me deves sarsf - O. rainha sãq atribuições minhas. Tu me ajudarás a admi-
Ihastes diante da ama-de-leite de M~U ~ii~~s~ rTI?n. a correspondência. Procura ser feliz. Saiba, porém, que
pronome meu .t - , e 11 su te creio.
- mas IS o nao podia ser evitado Ela te a
CUoso~ os. recursos de sua inteligência brilhant~? _ acr
m lroma cortante. .
TiL .. - falou o moço em desalento.
fez um gesto para que se retirasse.
- Tu me deixavas quase louco "-. Volta amanhã, logo cedo. Hoje não estou disposta para
como estavas com o faraó. Eu a usei p~r:~o~ea~~~~~ma dos assuntos do Estado.
tomou seus apetrechos e saiu. À porta cruzou com Sen
I Apesar do. argumento ser sedutor, a rainha não
evar por ele. Rindo nervosamente, informou: que vinha trazer a ela as informações colhidas entre as
com relação aos belicosos habirus. Por um momento,
porq~e ~~;; ~.I~u~ã~r~~:r::r~~~e~ :~::e ~~o:~~i~os, olhou para seu meio irmão, que ele não o sabia, com uma
de desconfiança. Não ouvira dizer que aquele militar
qg~~t~~vem
Alem disto, ?aqui para a frente, estas Sã~ pre~:u
ser creditadas a Drign, não é?
amante da rainha? Se-lo-ia ainda? O sorriso com o qual a
berana o recebia deixou dúvidas no espírito do escriba, que
TU O0qriOn forou. Seus olhos azuis mergulharam fundon retirou cabisbaixo.
. ue e a esperava? Que lhe fosse fiel para sempre? Tii, na verdade, se preocupava em preparar Amenófis para
- O que esperas de mim? - perguntou com a voz alt co-regência, o que se daria, quando o menino chegasse à ida-
de oito anos.
tavas-p~e~~~a~sd~~~~ ~~~:'n~~~~oe~~~~espedimos, tu Realmente Tii estava com a razão. Surya era uma mulher
lfrUnbiciosa, invejosa e profundamente calculista. Seu afastamen-
- Não fica bem uma m Ih d . -
modo! Todos te amam te ad u er e tua condlçao falar das crianças reais causaram muito bem a todo grupo familiar.
0
uma tarefa inportante ~as m~~:méiu~:e ~m 0do o E~it.o..
nos mistérios, comandas o hom~m m .a~ e a en Ra, Ime.
Em seu lugar foi enviada Nanua, uma mulher do coro de
Amón, culta e instruída, que, apesar da idade mais velha que a
- ia dizendo Orion. ais Importante do mun como as crianças já haviam passado da fase de ama-
rnentação, propiciou mais equilíbrio e alegria.
do-s; Não preciso ouvir teus conselhos! - falou descontrof Mutmuya não gostou nada, porém o segredo que Tii pro-
metia revelar era decisivo, na formação de suas atitudes.
- Há momentos em que m Ela continuava a insuflar o faraó contra a esposa, mas
pirando fundo _ É verdade C e causa~ medo! - falou ele,$
feliz. . aso-me sim. Pretendo tentar seus argumentos eram frágeis, e a atividade perene da rainha
fazia com que o marido ficasse ciente do verdadeiro valor da
- E tu~ noiva gostou de meu presente? - perguntou Til. mulher que escolhera por esposa. Ela não se conformava de
não sentir nela uma total entrega, nem de ter certeza de sua fi-
cer-t; i~~:~~~~i~a~ca~taedalpor ele. Vir~ pessoalmente delidade. Também precisava dela para as decisões a serem to-
'" xc amou num fio de voz. madas. Mais de uma vez seu tino político havia escolhido a
maneira certa de agir, em circunstâncias delicadas. Por conse-
214
215
FIitladidj para juntos buscarem um sítio, onde, em companhia
guinte, se as relações internacionais estavam em bo de Liu e de Sesóstris, Tii assistiu a mais incrível demons-
mento, a parte administrativa do governo e as informa imortalidade que ela podia lembrar.
Ihid~s propiciavam um ~rogresso e felicidade a todo pai
que Isto se devesse mUito a ela, sempre era creditado a habitação rupestre um homem simples, tido como
Hi",,,irA por uns, santo outros, mago ou adivinho, de_ nome
ao casal real. Além disto, ela mantinha uma aparência
de total felicidade, e isto contribuía muito para a vai(jadle vivia dos parcos recursos retirados da plantaçao que
narca, e satisfazia seu orgulho ferido. Itlvav;a. e dos peixes que conseguia pescar no Nilo, ela foi re-
~)()t)ld'3., com efusiva demonstração de respeito e solicitude.
Ela era sua única confidente, quando ele entrava e
c~ ~epressão. Era o único ombro em que podia desabaf convidara Amenófis a participar da reunião, mas ele não
duvidas, o pedestal onde ele erigia seu próprio valor. Ni Contudo, sabia que não podia impedí-Ia.
mais, senão ela, conhecia os aborrecimentos mais íntimo O homem rude fez com que entrassem na habitação de
Ela suportava sozinha seus ataques epileptóides, iH'"""""", um cômodo de chão batido. Acendeu num braseiro er-
mantendo-os em segredo. aromáticas, e i~iciou uma oração cantada que se repetia,
Administradora ímpar, era seu braço direito. no som, quer nas falas.
, ~aqueles dias, tão logo Nanua iniciou seus serviç Aos poucos Ti! ficou entontecida. Sentada num banco rú~ti­
palaclo, e Surya, profundamente enraivecida, foi dispe mal conseguia manter-se sem cair. Foi preciso que Sesos-
sendo-lhe dado presentes que visavam acalmar-lhe o e a amparasse.
invejoso, e prometido-lhe alguns prejuízos se não se acom cômodo iluminado peio sol que entrava pela única porta
se às decisões reais, Mutmuya teve um mal súbito que a uma fumaça começou a condensar-se. Diante da co-
tou de cama. real, a figura grave de Tutmés IV apareceu em todo seu
Sua fala ficou enrolada, e seus membros não a ob(~dElé ôe,,,lonti,"'lr Tii o via, sob uma névoa torpor.
Apesar dos cuidados dos médicos, ela não ........"................ _ Meus amados! -'" o antigo faraó. - Meu filho, minha
melhoras. logo Mutmuya virá fazer-me companhia. Não podem impe-
Mas podem, em deferência a mim, evitar que ela sofra nas
Eje, chamado em palácio, falou de uma operação no dos médicos. A partir de hoje ela entrara num estado de
bro. sono profundo. Deixem-na dormir, até seu Ká cesse de res-
. Til sabia que aquilo seria demais doloroso e que, na n1 Enterrem-na junto de mim. Cuidem do faraó e de seu her-
na dos casos, não surtia efeito. Apesar de não gostar da s que será a luz do mundo, Ua en Rá
e não querer interferir no andamento de seu tratamento caminhou e tocou transmitindo-lhe forças. Sesós-
ajudar. ' "'....... "',.,.;"'...,"",.;11"\ chorava quase, quando ele se lhe dirigiu:
Deste modo, ela aceitou a oferenda dos sacerdotes _ Filho, perdoa se teu pai não pode fazer por ti o que dev~­
culto, para leva~tar ~ saúde da rainha, enquanto procura e também se tantas dores íntimas te foram cobradas, em Si-
com Llu e com Rlbaddl, outros meios de ser-lhe útil. lêncio e dedicação. Hoje vejo como te fiz sofrer. Perdoa-me.
Rea~n:~nte os c~lto~ foram efetuados no Templo Sagra O príncipe real prorrompeu em soluços e a visão desvane-
com sacnflclos de animaiS e a rainha participou dos ofícios r
glosos. Tão logo estes terminaram, Senaa esperava-a com A ceu.

216
o dono da moradia voltou a si. Estivera deitado n
simples e adormecera. Dele tinham sido retirados os r
indispensáveis, para a tangibilidade da aparição.
Tii deixou com Senaa um pecúlio para dar ao anciãO CAPíTULO XXV - POSSESSÕES E EJE
deceu-Ihe. pediu licença para oscular-lhe as mãos
ainda:
- Nobre Tii, que coisa horrível que fazem com Sua
Se é difícil calar, senhora, pensa que ao Deus Maior Com imensas festas Amenófis IV foi intronisado no grande
oculto. Estarei orando, para que a dignidade da rainha à frente dos ad~inistradores, dos banqueiros tebanos,
encarregados das funções religiosas, da Escola dos Escri-
seja atingida e que possas encontrar alguma alegria,
percurso. e dos Médicos, dos governadores das diversas regiões, do
'{,nQolhf\ dos Velhos dos batalhões militares, e seus chefes, do
A caravana real saiu da vivenda humilde, e, por
sacerdotes insistissem na trepanação, Tii não o permitiu. da comunidade mais política, religiosa e militar de seu tem-
que vivia criando um sistema de intrigas, cada qual tentando
Logo o pequeno Amenófis atingiria a idade de
w.I{''''n'f'~r o máximo de autonomia.
Com a morte de Mutmuya, a co-regência caminharia de
natural. Que seu bá não pudesse impedir ninguém de Naquele momento, o menino como que recebia publica-
os planos de Rá. Hiente a herança de seu pai. Ninguém pode ignorar a voz ,de
fi;t:lUS ancestrais que fala, através do Segundo Profeta de Amon,
das estátuas gigantescas dos ancestrais, ao lado das co-
papiriformes e das esculturas do rei e da rainha.. .
Antecedendo o séquito real, o fogo sagrado de ISls havia
levado e teria que ser mantido aceso sempre, represe~tan-
o poder e a vida do novo faraó, intronisado junto ao paI. Fa-
Aném:
- Nas muralhas e nos Templos se proclama a procriação
rei Amón o recebe em seus braços, recebe-o como Filho,
consagra-o seu Herdeiro, desde seu nascimento.
Tu és a força do pensamento de On.
Tu és a Coluna Central, manifestação da Verdade!
Teu espírito é iluminado de um fogo divino, teu corpo é
puro como o de uma criança. ,.
Tu honras Ra-Harmakis, filho da Luz, Ua en Ra, Alegria do
país de Kemi, filho do senhor do Alto e Baixo Egito! .
Ultrapassarás em glória e poder todos os teus ancestrais,
"favorito das Duas deusas," "bem amado de Amón-Rá"
Quando Aném terminou sua saudação em transe, o coro
cegos levantou sua voz harmoniosa, e um falcão foi solto no
espaço, representando o deus Horus.

218 219
Neb-Maat-Ra, isto é, Amenófis 111, seu pai, colocc)u-I não cruze teu caminho em destruição.
cabeça infantil uma coroa em forma de lírio, e o povo pr Que aprendas a ser o bem amado de Tot,
peu em gritos de louvor, diante de toda a corte. Que Ptah, e os deuses de Menfis
Ninguém, naquele momento, poderia vislumbrar a possam conservar o teu reinad~. ,
za da criança que estava sendo coroada, nem o trágico Que saibas prestigiar Khonsu, filho deAmon, .
cho de sua jornada, a não ser os videntes do Templo e Sobek o deus crocodilo, divindade solar antiga,
temiam e seu tio Aném. tu que vi'este no 13º dia do quarto mês,
Até sua mãe, que o vinha cumulando de atenções, bu não desprezes Amon, "o Oculto",
do junto com Amenhotep auxiliar o desabrochar daquela "Aquele que é e que não é,
gência e sensibilidade ímpares, conquanto muitas Amenófis IV, "Amón está satisfeito." , .
houvesse se surpreendido com as perguntas e conclus- Eje terminou a saudação e Tii ficou a observa-io: da POSI-
menino que adorava, não podia imaginar como sua imag em que se encontrava, no altar, quatro degraus aCima dele.
mostraria extraordinária para o mundo inteiro. . Os hinos se ouviram, sem que se pudesse:: ver os seus
O infante foi levado à naos do templo, junto com seus üxecutores e as bandeiras desfilaram, sob ~. aboboda de aço
Ali, a rainha percebeu o mesmo desenho iniciático do espadas dos membros da seleta Assembela.
tagrama, que já tivera ocasião de ver em On e na sua pr Quando o pequeno co-r~ge!1te tive~se. ~ais idade, outras
iniciação, junto a Ribaddi, Senaa e Sesóstres. na,-,,,,.n as cerimônias e as iniclaçoes e atnbUlçoes dele.
Inquestionável por seu alto significado, a cerimônia No entanto, sua figura pequena e ~eli~adc:.: m.ostrava aos
que se seguiu, tinha, pela primeira vez, a presença de um pais uma concentração, uma introspecçao Impropnas para um
Iher.
Esta era uma mudança importante na nova ordem. infante. Ih bl'
Ele observava, através dos imensos cHios,e dos o. os o 1-
Tii viu que, entre os doze homens que ali estavam, quos, a figura ostentosa de Eje, e, deste, se,u olh~r cor~la para a
monstrava sua identificação com o lado sombrio da naos e figura paterna, para Sesóstfis, para Ramos, ~Ibha~dl, Senaa,
fluência palpável dos sacerdotes tebanos. Aném, Amenhotep, e os outros partícipes da cenmon!? ._
Amenófis era o efetivo soberano do país. Seu poder Til também observava os mesmos homens, porer;n aVisa0
mitado, e os sacerdotes não lhe fizeram oposição, devi de Eje lhe causava um impacto diferente. Como nlnguem nunca
morte de Pthamóse. O fanatismo religioso daqueles hom pudera levantar as provas dos crimes cometidos p~l? clero?
contudo, se fez presente na saudação final, feita por Eje, Uma ocasião comentara com o esposo sobre a posslblll?ade de
parecia possuído por uma força descomunal, e cuja voz soo existirem sacrifícios humanos, nas cerimônias noturnas, Junto ao
ambiente, como um eco repisado dos cultos noturnos qu lago do Templo. Amenófis rira-se dela: "
assistira, no lago da Houksour, quando Orion a livrara da mo _ São coisas que o vulgo inventa, para dar asas as suas .
- Saudação ao Horus dos dois horizontes, crendices e à sua imaginação!
que tens a cabeça de falcão! Incrível que o faraó não tivesse ciência .disto. ?u~nt;s ve-
Que ninguém atravesse tua grandeza, zes tais práticas eram exercidas? Em qu~ clrcunstanclas. ~u­
nem ultrapasse tua vontade. rante as guerras? Pela morte de alguem? Chegava ate a
Amóm, deus patrono de Tebas, duvidar do que assistira. Chegara a p~nsa.r que tudo fosse uma
que elevaste e destruiste faraós, encenação exótica. Mas não. Vendo EJe ali, percebendo que ele

220
f~lara como Aném, sob influência, mas que eram
nlca~ que se manifestava!TI, ela teve certeza de que, .- Que o templo facilita para mim ver as coisas. São tão be-
longlnqu~ a~o, em que salra do palácio, na sua curiosid Havia um sol radioso atrás de tio Aném. E, quando papai
tural, assistira um momento de total possessão de Ej trouxe a coroa, ela parecia brilhar como Ré, o Sol.
forças inferiores e animalescas, que comandam os c: À medida que o menino falava na sua naturalidade infantil,
com o mundo invisível. angústia se apoderava da rainha. Ela mesma tivera visões,
os premonitórios, mas o menino era tão novo e aquilo po-
O que assistira, então, fora tão diverso da manifesta
tangibilidade do faraó, seu sogro, Tutmés IV. indicar algum tipo de desequilíbrio mental.
Amenófis pareceu ler-lhe os pensamentos, porque se fez
Nisto, iam saindo do Templo e seu filho tocou-lhe
sorrindo: ' por uns instantes, e tomando com as suas mãos as da
exclamou:
- Olhe, mamãe!
- Oh, não te preocupes. Não contarei a ninguém o que- vi.
Tii voltou o rosto na direção que ele lhe mostrav estou acostumado a não falar. Sei que os outros não podem
nada, nada viu. Só titio e meu professor Amenhotep sabem disto.
- O que é, meu filho? ra tu também sabes, mas não deves pensar que estou
- Você não vê? É vovô! Meu avô Tutmés! Ele flne,nto Beketaton tem medo. Deve ser porque é mulher, mas

me entrega um bouquet de flores de lotus. São lindas. disse que o ká não é homem nem mulher, e que é preci-
.A rainha teve um sobressalto, temendo pela sanid saber estas coisas, senão como vamos reinar sobre os ho-
memno. Mãezinha, eu te assustei?
T Apressou os passos, levando-o pela mão. Ele ficou - Um pouco, meu filho. Um pouco.
gUI-la, olhando para trás, como quem se despede de uma - Seria tão bom sé as pessoas não fizessem umas às ou-
encantada. sofrerem. - exclamou ele, dando-lhe um beijo. E acrescen-
A sós, com ele, no quarto, ela tentou dialogar com cal
- Se queres, não conto mais o que vejo, porque assim so-
~ - yocê disse que viu seu avô? Como pode ser ist e eu não quero.
voce nao o conheceu, meu filho?
Tii sentiu uma profunda ternura, por aquele menino que de-
- Oh, mamãe, eu não o conheci antes, mas já c conh monstrava tanta inteligência, mas que às vezes a preocupava
- Explique-se, meu filho. pureza excessiva, que não era comum, mesmo entre as
- Ele é muito parecido com as figuras que desenh crianças.
de!e. Sua roupa é toda de ouro e ele se parece muito com - Amenófis, tens razão, filho, quando dizes que os homens
paI. Mas eu o conhecia antes de nascer. fazem sofrer uns aos outros. Nunca te esqueças disto. Precisas,
- Ele está aqui, agora? - perguntou ela preocupada. como futuro monarca, aprender a não ficar apenas triste com
~ Não. Ele ficou no templo, mas não deves ficar aflita m Precisas ter pulso firme, para impedir injustiças, para co-
nha. Vovô é bom e nos ama, não nos faria mal. Não c é mandar e para castigar, devidamente, aqueles que possam
comprometer a integridade e o poderio do Egito. Entendes o
aquele homem magro e terrível, que falava pela boca do sa
dote Eje. que venho te dizendo?
- Que dizes? - Entendo. A cerimônia foi linda. Posso contar a Beketa-
ton?

222
223
- Pode, querido. Vai. o sono não vinha. Revia todos os lances do dia. Como Eje
O menino saiu a correr pelos corredores do paláci(). ara falar-lhe daquele modo? Passou a mão no rosto íncon-
Tii saiu dos aposentos das crianças e procurou Sentiu-se humilhada, ao se reocrdar das palavras
quarto. Aquele homem terrível acreditava que ela estava.c~rente
A noite ia alta. Passou por uns guardas postados n 8atisfação de seus instintos, e que isto lhe dava o direito de
d?r, e dirigiu-se ~o jardim. Sentou-se num banco e pôs-s ou testá-la?
dItar ~o que assistira, preocupada com o filho, que lhe Não conseguia dormir. Dispenso~ as serviçais. Saiu para.o
demais sonhador, para um futuro soberano. rraço, depois tornou pelo corredor. A porta de seu quarto, VIU
haviam rendido a guarda da noite. Seus olhos cruzaram os
Estava tão absorta que não ouviu passos se aproxi
Quando deu conta de si, Eje estava parado, à sua frent Nefer.
manto plissado, suas sandálias recurvas, sua cabeça ra _ Precisas de mim? - perguntou ele, notando a agitação
sua estatura esbelta, os olhos frios e firmes postos nela.
Tii colocou a cabeça em seu ombro e chorou sentidamente.
- Salve, Tii, Rainha do Egito! - falou ele. - Que faz
ge de teus aposentos?
- Meditava no que ouvi. - respondeu ela, erguen
pensando em fugir à conversa.
Eje embargou-lhe os passos e tentou agarrá-Ia
um beijo inesperado. '
- Solte-me! - falou ela, afastando-o.
- .Eu poderia ter-te a hora que eu quisesse. Aqui
Bastaria tocar um ponto de teu corpo e te dominaria! - su
rou ele fora de si.
- Sei que podes usar a força física, mas não ficarias
com isto! - falou Tii empurrando-o.
- Pensei que fosses mulher e como mulher deves
cessidades comuns, Sei que o faraó é muito ocupado. -
nhou o sacerdote. - Nós poderíamos...
- Não, Eje! Não poderíamos! Para mim, todo relaci
mento tem respaldo no sentimento. Eu não te amo!
- Poderias vir a amar. - ciciou ele tentando novam
abraçá-Ia. '
- Se me tocas, mando matar-te! - falou Tii, num ímpeto.
antes que ele se desse conta, afastou-se dizendo:
- Nossas necessidade não são comuns! Somos diferent
~ rainha voltou aos seus aposentos. No quarto, Amen
dormia profundamente. Tii chamou as servas e recolheu-
noutro aposento.

224
CAPíTULO XXVI - OS HABIRUS

ganhara um lindo corcel branco, presente de Ipy, o go-


mador do sul.
Estava mais animada, desde que seu menino iniciara sua
regência e vinha desabrochando em inteligência e viço. Não
is lhe falara de suas visões e, há algum tempo, seu esposo
apresentava acessos.
Logo ele faria doze anos, e tudo indicava que se casaria
a mais bela menina do harém real, Nefertiti, filha de Sesós-
com uma das mulheres da corte. Til tivera outra filha de
nome Sit-Amon. Os sacerdotes tinham feito tudo para tentar im-
a irmã como esposa do herdeiro, mas Tii queria a felicida-
seu filho. Sabia que ele adorava Nefer, desde que a vira
nascer. Tinha para com ela um carinho especial e tratou de pre-
parar-lhe as bodas. Os dois infantes se casariam, antes que
Âmenófis completasse doze anos.
Para intensificar os preparativos do casamento, Tii resol-
veu falar com Hatay, o chefe dos silos, e fazer uma arrecadação
maior de impostos, desde Amki, Arvad, Simyra, Ullaza, Sidão,
Beirute, Accho, Biblos (Gebal ou Gusla) Niy, na curva do
Eufrates, até a região dos dois desertos que margeavam o
grande Nilo.
Chamou Mahu, chefe do funcionalismo, e Yankhamu, vice-
do norte, para escolher o local onde erigiria a moradia dos
noivos.
Era a época da Festa do Soleb, e Amenófis 111, que, desde
a condenação à morte da serva núbia, vinha se indispondo com
os sacerdotes Tir e UH, acabara por construir um templo a Aton
em Menfis outro em Tebas, e despojara o clero da capital de
certas prerrogativas políticas. A insistência no casamento de
Amenófis IV com a pequena Sit Amon muito influíra na decisão
do rei. Afinal, Nefertiti, desde o nascimento, recebera aquele

227
nome, por escolha de Amenófis IV, que ao vê-Ia isto, Tii caminhava para ir ao encontro do esposo, no
meara. Nefer queria dizer em egípcio bela, justa, *,,'' ' "HA'-' , na data programada. .
bela que chegou". Ele parecera esperá-Ia e agora, que Sua caravana, bem equipada de dignatários ~ bem protegl-
duas criaturas tão amadas pelo rei e pela rainha, iam se c tropas reais, atravessava uma das regloes,. onde es-
dar, a interferência dos sacerdotes na escolha, fosse por lil,cl:ssElavam as montanhas e onde o deserto se fazia ver em
diência à tradição, ou pela voz dos hierofantes, só sua extensão, quando os gritos de guerra do~ habirus se fi-
indispor, mais e mais, o faraó contra eles. ouvir, em meio aos ventos quentes que agitavam ao lon-
Logo Amenófis IV subiria ao trono. Isto fora decidid as palmeiras.
rei e pela rainha. Amenófis li! estava cansado, o poderi Logo a guarda se pos na defensiva, e. um grupo se desta-
crescia, ele recebera em palácio mais atribuições, levando a rainha em sua carruagem, Junto a membros da
problemas do que poderia imaginar.
Tii não queria afastar-se dos membros da comitiva, mas
Tii empreendeu sua viagem de reconhecimento se
",('.'('01"\01 que eles a queriam prisioneira, e obedeceu ao co-
pelas diversas regiões, acompanhando com seu séquito
vantamento dos impostos, e analisando pessoalmente os fY'í~4nrl ..... de Sen Nefer e Senaa.
gressos de cada região. Logo deixava para trás seus homens, em luta sangrenta.
habirus foram afastados e, num oásis, segundo o que fora
As duas crianças, enquanto isto, em palácio, eram p combinado com Orion, Hatay e Aye, finalmente a rainha pode
radas para o casamento. De toda a parte, os presentes
çaram a chegar. respirar aliviada. , .
Estavam há poucos dias da festa do Soleb. No palaclo d?
Tii estava com vinte e nove anos, e desobedecera VUUv<'V, Tií se recuperava do ataque atrevido dos hablrus.' medl-
todas as regras de etiqueta aprendidas à mãe. Adorava c em como aquelas tribos pod~ria~ se tornar. pe~lgosas,
gar, vivia em contato com a natureza, ajaezara os palácios r caso resolvessem se aliar a algum pnnclpe e~t~ang~lro, mtere~­
com fontes, esculturas e jardins, que mais pareciam labirint em poderio, quando viu adentrar o pal~~lo EJe. Ela sab~a
A medida que viajava, Til observava como as "Duas ter Ramós, o vizir do rei, viria para as fes~lvldades, mas nao
eram ricas e como, apesar de alguns aparelhos rudiment esperava pela presença do sacerdote de A~on. .
serem utilizados nas construções e nas plantações, isto Ele demonstrou agitação quando a VIU. Perce?la-se q,u~,
cumulava de benefícios o povo. apesar de não ter podido estar ~om el~ como ~ostana, seu. an}-
Ela sonha, durante a viagem, com um país, o Egito, mo e desejo não haviam arrefecido. apos sauda-Ia, com cenmo-
centro do mundo, com uma civilização inigualável. Se ela nã fingida, Eje falou, como quem não tem intenção de tocar em
realizasse, seu filho, suas filhas o fariam, pois para tanto os assunto particular:
nha preparando, dia a dia. Ninguém mais do que ela conhe _ Lembra-se, Alteza, da serva que foi sacrificada no Tan-
agora todo o império egípcio, sua força e fragilidade. de Sobek?
Nesta época, tinha subido ao trono de Mitanni, o rei T _ Por que me faz pensar em assuntos qu~ só podem causar
hratta, que substituira Dushratta. Ele prometera estar present aborrecimento a ti e a mim? - perguntou ela, animosamente.
Festa do Soleb no Sudão. Amenófis 111 resolvera que aqu _ Foi uma lembrança direta, ao vê-Ia tão bem, tão bonita,
ano a festa se daria ali e não em Tebas, em represália à inte tão desejável. - exclamou ele sublinhan?o a ú~ima pal~vra. -
rência dos sacerdotes. Pena que tenhamos perdido uma oportunidade tao agradavel. ..

228
Quando percebeu que todos dormiam, três dias depois,
sei onde quer chegar, Eje. o após o almoço, ela mandou que Aye selasse seu cavalo
O sacerdote a fitava com um sorriso maroto nos nco e saiu a toda brida do palácio, com uma veste branca,
pressentiu que ele queria, de algum modo, magoá-Ia. erta por véus a protegerem-lhe do sol. Não quis que nin-
viera ao Sudão? Quais seriam seus planos? a acompanhasse, e deu ordens no sentido de informarem
- Vossa Alteza devia saber, desde aquele ton'l ....,., estaria repousando.
serva núbia era uma espiã em seus domínios. Após meia hora chegou ao local marcado. O.rion não che-
- A mando de quem? Sempre o via em palácio, mas nunca haviam estado a
- Da rainha, ou quem sabe, de Tir, de quem foi desde o casamento dele. Ela estava furiosa. Aguardou uns
de q~em estava esperando um filho, ou, ainda, de Orion. impaciente.
Logo viu poeira no horizonte, e Orion chegou num cavalo
- Orion? - pensou TiL - Sempre ele. Porque tinha q
frer de novo por sua causa? tiunbém branco, o mesmo que ela lhe dera de presente, por
()Cêl.SlcIO de seu casamento. Tão logo ele se aproximou, ela sen-
- Sim, - continuou Eje - porque, por certo, a rainha n
nora que foi por ciúmes de Orion, desde a gravidez de Am que ainda o amava.
_ Me chamaste? Não vês como é perigoso ver-nos? - fa-
IV, que a serva resolveu denunciar TiL ..
ele chegando perto.
Finalmente, o sacerdote dava a saber ao que viera
Tii sentia uma fúria imensa dentro de si, e partiu para cima
fora tocada, sem dúvida. Como não imaginava jamais que
estivera com sua serva núbia, além de Surya? Como dando-lhe murros no peito:
sentira amada por ele? E qual o interesse de Eje em vir ad _ Miserável! Miserável! - falou totalmente fora de si - ~or
la daquele modo? Er9 por que o rejeitara, repudiando sua fizeste isto? Não te bastava andar com Surya? Por que aln-
te? O homem diante dela saboreava sua investida nos dormiste com a núbia, pondo em risco minha vida e a de
reais. TH não poderia deixar que percebesse seus sentimen Meu filho?
como a feria fundo. Orion assustado, quase nem percebeu do que ela falava.
- Aquela pobre mulher morreu indevidamente, para sa _ Pare, Tii! Pare! - gritou com os olhos marejados. - Eu
o pescoço a Tir, Uli ou a quem mais pudesse interessar. S sabia!
muito por ela, mas parece-me que os deuses logo lhe fizer _ Como não sabias? - gritou ela com pranto incontrola?o -
justiça com a morte de Pthamóse, não é? Meu sogro, Tut Como não sabias? Eu pensava que tu me amavas, e tu te diver-
IV, sempre me disse que os deuses é que decidem, mes tias com minhas servas! - e a rainha esmurrava o rapaz, sem
quando os homens pensam em manipular as pessoas... - r conter-se.
pondeu ela, num sentido dúbio. Ele lhe segurou os punhos, abraçou-a com força.
Eje teve um brilho no olhar. Demonstrava nele a admiraç _ Tu me deves duas frases! E vais dizê-Ias! - gritou ela em
que a inteligência dela lhe causava. Cumprimentou-a e retiro
desespero.
se. Ao invés de responder, Orion beijou-a. Ela se debateu em
TH respirou aliviada. Tinha a impressão de que, de um m seus braços, mas logo se lhe entregou.
mento para o outro, ele podia agarrá-Ia à força. _ Ela desconfiava de nós. Eu precisava de uma desculpa.
Tão logo pôde, procurou Nye e enviou um recado a - falou o escriba.
Que ele a fosse ver à tarde do terceiro dia, no oásis oriental.
231
230
Estavam neste colóquio, quando uma seta SIDIIOU seis anos durou a
vou-se no braço do rapaz. Tii olhou horrorizada e viu os anos. e i\',.,,'fcrl-ifi iam
com o arco retesado, pronto a disparar mais uma fiec ",\t~,rl",,::,,:, quanto a mãe! Meritaton, Meketaton, An lksem!=>aaton
deu um salto e se pôs à frente do escriba.
- Páre, Amenófis! é teu irmão! sem ânimo, vivia
O faraó ficou a olhá-Ia sem entender. O choque de ürso em tristeza, e em o trono ao Já
trá-los fora grande demais para ele. E a revelação que se o menino era seu. Mas o amava.
de ouvir o deixava mais perplexo ainda. Tii dirigiu-se ao e Tutmés IV. Saberia ele que não seu
e tomou-lhe das mãos o arco. Sesóstris chegava num
logo atrás do irmão e levou consigo Orion. Ramós fora substituído por Nakt, no cargo de . Senaa
- Tua mãe morreu sem te contar. És filho de .-'QC_'-'.n agora à nova rainha, Nefertiti, então com dezesseis ano~.
tanto, és irmão de Sen Nefer e Orion. - explicou-lhe a rain sacerdotes de Amon tudo haviam feito para destrUir
lIf'nonl"'ti~ 111:
- E Amenófis? E Amenófis? - gritou ele em desesper
_ Nós o preparamos com para dominar o mundo,
- Ele é teu filho. Precisas crer em mim. Vim enc osta "mulherzinha" faz o quer com ele! - comentava
Orion, porque Eje ainda me ameaça e ao nosso filho.
- Tu nunca me amaste. Não é possível que não magia negra vampirizavam as forças já depaupera-
lembranças boas de mim, dos filhos que tivemos ... monarca. Ele se sentia ameaçado, sem saber porque:
- Tu sempre escolheste tua mãe, acima de mim! - _ morro, - dizia com os olhos endoidecidos - mas levo
Tii. - Tuas mulheres, tuas viagens, tuas decisões. ou quatro comigo! - e desembainhava sua espada,
- Vamos embora. - falou ele - Jamais te entenderei. quem visse pela frente.
ca saberei o que fazer para ter o teu amor. A rainha cuidava dele e todos com uma dedicação
- Eu nunca aceitaria um lugar que não fosse o
Mas me basta que cuides bem de nossos filhos. - respo se recuperava do ferim.ento e servia ao novo rei.
ela. Durante $) ataque dos habirus, um militar se destacara na
O rei tentou tocá-Ia, acariciá-Ia. rainha, o general Horemheb. Este homem h~v;r.ia de
- Nunca mais ponhas as mãos sobre mim! Nem de~)ojS uma importância muito grande no desenrolar da hlstona do
morta! - falou a rainha. - Nem depois de morta, entendeste? Grata a ele, contudo, Tii não percebeu o que ele repre-
Ela se sentia humilhada, pelo esposo que não a acarici c'r,,·"""'.''''' então, em perigo para a família real.
por Eje, que a julgava, por isto, presa fácil, por Orion que
ra.
- Como estás amarga! - falou o faraó.
Tii ergueu-se e tomou seu cavalo, saindo em disparada.
O rei seguiu-a logo atrás, em sua biga, comandada
Aye.
Nos meses que se seguiram, com grandes festas, reéilizO\
se o casamento de Nefertiti com Amenófis IV.

232 233
CAPíTULO XXVII- NEFERTITI E AKNATON

Definitivamente Tii desistira de ser feliz.


Sen Nefer declarara-lhe seu amor. Isto realmente dava-lhe
se sentir mulher. A dedicação do militar fora de-
fflr\n~tr,;:jri,;:j mais de uma vez. Ele lhe causava um profundo bem
era-lhe fiel, dispensando-lhe atenções especiais, que so-
os dois percebiam, pois haviam combinado uma forma
hif""rl,;, que s6 eles entendiam, para revelarem um ao outro as
l1lutile:i~as de seus sentimentos.
Além disto, era um homem corajoso, e podia-se sentir o
estava distanciado de sua esposa, pelos laços afetivos,
se demonstrava ser dedicado com os filhos, e irrepreensí-
diante da sociedade, bastava uma simples análise, para se
perceber o quanto era infeliz com esta união.
Tii observava a cerimônia que ocorria no palácio de Malka-
onde Amen6fis nascera.
Eleincorporaratanto a religião de Rê, (que passara a cha-
mar-se Rá) que resolvera mudar seu nome definitivamente.
O oficiante falava em voz alta:
- Salve o novo co-regente, com seus cinco nomes sagrados:
Uá em Rá (uno com os raios solares) Amen6fis, (aquele
satisfaz Amon) ,
Nefer-Kheperu-Rá (Bela Essência do Sol)
Amun-mer-sa-rá (Senhor dos Diamantes,)
Poderoso touro, favorito das duas deusas,
Salve grande sacerdote de Ra Harakti,
Senhor da Palavra Perdida...
Tii alongou o olhar além do Templo, lembrando-se do lago
Tjajrukha que seu esposo havia mandado construir para ela, a
Grande Esposa Real, e que traduzido significaria o Lago dos
Prazeres e seus olhos se inundaram de lágrimas.

235
o real. Nefertiti e ,Il,.,."on,hfi", Tii continuou ouvindo a oração e saudação, observando
se consorciado ainda tão novos, mas, desde (a bem amada de Aton), que fazia um sinal para Ne-
que os dois, pareciam se entender, como ruaton, para que se mantivesse acordada.
se conhecessem 'e se respeitassem. Um sacerdote usava a máscara de Toth. A rainha meditou
Suas meninas chegavam a ter uma certa animoso ciência oculta que os faraós conheciam tão bem. Toth, prote-
inveja, do carinho do irmão para com sua meia irm dos escribas, dos estudiosos, da escrita.
Sesóstris, a quem ela respeitava e que, com o encont Alongou a vista e viu Orion. Ele a fitava, daquele modo indefi-
qu~le dia, no oasis, durante a Festa de Soleb, no Sudão, j de quem quer dizer algo, mas ela estava magoada demais
Onon, quando, por pouco o faraó não matara o escriba, p decifrar a linguagem muda daqueles olhos azuis. Por isto,
a ser seu confidente. rjf1~;VI(lU sua atenção e fitou Sen Nefer, ao lado de Aye e Senaa.
O oficiante continuava a repetir os nomes e 'VUIVVil<::;:) Seu marido sabia agora que Orion e Sen Nefer eram seus
filho, e uma escudela de ouro era esvaziada nas Irmãos. Ela o havia informado, após uma discussão havida en-
das águas do tanque sagrado, sob acordes finais eles. Desde então, só se falavam o estritamente necessário.
ca maravilhosa, entoada por vozes masculinas. O faraó estava apático, e seu filho havia assumido, junto com
A rainha observou com que amor Nefertiti observav as atribuições do Estado.
. esposo, e o encantador quadro formado pelas O militar a observava com um brilho no olhar, que Til tradu-
princesas reais, nascidas uma após a outra. Merit Amon como amor. Os capitães da guarda do faraó levavam os es-
em primeiro lugar, era a primeira. Ela adorava dançar, e tandartes, que traziam bordados os símbolos da realeza egípcia:
ensinava, cheia satisfação e orgulho. Depois Meketaton abelha, o carneiro, o lotus e o escaravelho.
era muito miúda e tímida. Havia uma sombra de tristez - Ainda bem que eles não sabem as visões de Amenófis IV. -
.desta princesa. Til estremecia de pensar que mistério pensou TiL - Mesmo que tenham ouvido falar dos ataques do Touro
estariam reservados. Anksempaaton era a terceira, buli Forte, o faraó, sempre levam isto a conta de "mal dos deuses."
como uma gatinha nova, alegre e palradora como um pa Os estandartes dos sacerdotes traziam a cor de Set, o ver-
nho, curiosa e inteligente. Já Neferuaton, a sua quarta neti melho, e a rainha pensou naquele maléfico deus que havia ma-
demonstrava ser um pouco insegura e medrosa. Osiris.
O sufixo "aton" nos nomes das princesas vinham teste Um arrepio passou-lhe pelo corpo, ao se recordar de que
nhando as inclinações filho para com a religião antiga de Liu, e quem os anos estavam pesando, havia lhe confidenciado:
e, por que Tii e até mesmo Amenófis 111 estivessem - Os sacerdotes adoram Aat-Jeru, que guarda o submun-
trás desta sua predileção, ela se preocupava que isto não e Amemet, o devorador dos mortos, e Tar, que confunde a
sasse mais choques, entre o clero de Tebas e a família mente dos homens.
- Glória e louvor a Hathor, de belas formas, - Sim. Liu tinha razão, pois o faraó parecia estar com a
Senhora céu, dona dos cetros, mente alterada, sendo levado de momentos de profunda triste-
Grande senhora de Punt, za, alheamento a total raiva, acessos de furor e violência, que
somente ela conseguia dominar. O oficiante continuava:
que guarda.o semen de Rá,
Senhor absoluto do Império,
Dama do sicômoro sagrado, Divino faraó Amenófis Amenhotep IV,
amada de Horus.. salve, leão de dupla força,.

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_ Quatro meninas e nenhum varão ... - pen~ou.Tii com tris-
A soberana desviou o olhar para observar o Consel _ Contudo, Semenkharê é irmão do farao, filho d.e uma
Velhos, onde seu pai, já bastante depauperado, participa do harém, também princesa, e Aknaton pode vir ~ ter
lado de mais sessenta e nove escolhidos. menino de uma das outras esposas... Que Ra tenha pieda-
Um grupo de jovens esperava para ser introduzido de Nefertiti. ..
cinto, trazendo os ramos de flores de lotus, como estrel
se deixassem abrir na terra, ao término daquela alocução.
Tii estava temerosa da reação ao nome novo que
corporado aos títulos do filho. Porque, para os egípcios,
mes eram muito importantes. Eles passavam a represe
ligações ocultas, a influência, a fidelidade de alguém.
Se um nome de um deus era incorporado acima d
mais, demonstrava a predileção real e um direcionamento
Ela se recordou da lenda que dizia que Rá fora mordid
uma cobra, e pedira a deusa Isis, a melhor das magas,
auxiliasse na cura, ao que ela respondeu, exigindo dele
nome oculto, que era o segredo de sua força.
A grande áspide de ouro reluzia nas forntes reais, dê
esposo e de seu filho, junto as coroas de lírio e papiro. Tam
nas cabeças de Tii e Nefertiti se viam diademas iguais.
- Glória de Aton, Akenaton,
o amado de seu pai Aton,
Atenkenaten, o espírito do Sol,
e Kuenaton, o resplendor do Sol!
Profundamente perturbados ante esta última saudação,
sacerdotes se fitaram.
A reunião chegava ao fim. O oficiante terminava sua alo
ção e, diante do trono faraônico, os membros mais important
desfilaram e se inclinaram.
- Hipócritas! - pensou TiL - Lembro-me de Amenemh
que foi por todos traído, segundo me contou meu pai. Como.Ç)
reis são solitários ...
As princesas cansadas saíam ao lado da mãe, junto ao
séquito.
239
238
LO XXVIII - A CONSTRUÇÃO DE TEL
AMAR NA

Mekefrê, escriba do rei mitânio, que fora aluno de Amóses,


em palácio ao lado de Orion, cruzando com Apy, que era
administrador real, desde o quinto ano do reinado de Akena-
como era, desde a última celebração religiosa, conhecido o
novo faraó do Egito.
O movimento em Tebas era imenso. Negros de Kuch, en-
viados de Ratenu, assírios, e siríacos do Norte, todos que ha-
viam participado da coroação de Amenófis IV, em Heliópolis do
e das celebrações de inauguração do Templo ao deus re
Harakti em Karnac, e do pequeno santuário a Aton em Houksor,
vinham para a abertura do Templo de Sesebi, no Sudão, onde
seriam construídas as criptas num templo solar.
Parvah, um dos grandes videntes de Aton, faria a alocução
em lugar de Aném, Phahesi, o etíope, amigo de Akenaton, Ra-
nufer, Hatiay, Merirá, um dos sacerdotes de Aton, todos compa-
reciam, incorporados à corte por deferência real.
Til pensava nas imensas construçãesfeitas em seu reina-
do, com Amenófis 111, dentro do templo de Karnac, no palácio de
Malkata, em Menfis, no Sudão, ao longo do Nilo, e nos milhares
de homens utilizados, para a realização de tais projetos.
Agora, contudo, seu filho, que mandara erigir na Núbia, em
Kawa, o templo de Gem-Aton (Aton foi encontrado), ideara uma
nova cidade, Tel EI Amarna, a meio caminho entre Tebas e
Mênfis.
O momento era difícil. Akenaton estava a cada dia radicali-
zando mais sua posição religiosa, e isto se devia às influências
de Nefertiti, e de Sesóstris.

241
ME!kefrê e Orion haviam sido incumbidos por Tii - Estas cifras podem ser ainda superiores, Majestade,
rem u.m levantamento dos bens dos sacerdot~s de ' se confirme alguns expedientes de chantagem, típicas de-
quantidade de pessoas que trabalhavam para eles be
de seus bens no campo, de suas possessões agrfcola Fora apenas um momento, em que suas mãos se roçaram,
rebanhos, suas riquezas. bastou para que Tii perdesse a concentração, olhando-o e
Aquele trabalho de espionagem que ela encome transportando mentalmente, às recordações mais caras de
ambos, de~~e c:: cidade de Tis\ de Tentiris 2 , de Helióp ti passado.
Norte a Hehopohs do Sul, Badari, enfim em todo o impé Orion ficou também constrangido, e tomou um estilete so-
savam dar-lhe uma visão total da influência deles pois a mesa, fazendo um vinco numa tabuinha de argila, compa-
por .Amenhotep, que eles não ficariam indiferentes ~os a\l os números:
do filho.
- Estas outras anotações - falou, esforçando-se para não
Alé~ di~so, Aném lhe informara, durante o último c demonstrar sua agitação - foram feitas por Hatiay. Comparan-
que haviam tido, que estava muito preocupado com uma podemos tirar algumas ilações...
estranha. - Bem, sabemos que eles podem confiscar, num conflito,
Aném vi~ o S.ol em todo seu esplendor ser engolidq mais do que já possuem, e, se conseguirem insuflar as
Lua, e trevas invadirem o dia. populações, então, o desastre poderá ser imenso. - comentou
Tii, procurando guardar as emoções, assumindo a incumbência
Amenófis IV subira ao trono com quinze anos já es qual o Destino a havi p empurrado. Afinal, o destino, cujo
com q.~atro filha;" Dushratta era seu cunhado, filho da m nome no Egito era Shay, era filho de Aton, o sol, tal como a ter-
~~!ertltl, e .tambem seu primo, e implantava cada vez mais ra, e já havia demonstrado a Tiicomo era poderoso, destruindo
IIglao do DIsco em solo egípcio, criando cada vez mais cho todos seus sonhos de amor.
com o clero. Akenaton acabara por se cognominar o "Segu
da Verdade." - Guardarei comigo estas anotações, porém, caso haja al-
guma dúvida ou mudança, venham a mim. Agora, é preciso que
Manobrando com firmeza as tabuinhas sobre a mesa tratem de fazer o oposto. Quero um levantamento de todo o po-
guntando o sig~ificado de um ou outro traço cuneiforme Ti tencial militar do faraó Akenaton, de nossa arrecadação total
nha um fundo VinCO na testa, indicador de sua preocupação. nos impostos, deste Keft, até o Norte, das diversas províncias e
- Pode-se ~onfiar nestas informações? - perguntou dos países com os quais mantemos contato, e, dos campos e
estendendo ,a Onon um papiro onde ele, com sua mão fir rebanhos, bem como o tesouro real, aliados à arrecadação dos
traçara os n~meros certos da arrecadação dos sacerdotes templos de Aton, e a fidelidade de seus sacerdotes, o número
mente atraves dos templos. ' de nossos aliados.
Orion tocou-lhe a mão sem querer pretendendo aesta.Ci Mekefrê, você se encarregará do levantamento dos países,
uma de suas anotações, ao responder: ' seu potencial e força, e as referências todas de seus príncipes,
sua corte. Orion condensará nas mãos as informações do Egito.
1 depois conhecida pelo nome de Abidos Desde que meu filho mudou seu nome para Aknaton, que
2 depois conhecido como Dendera venho sentindo, dia a dia, a pressão do clero de Tebas crescer
mais e mais. As Lojas Negras do Oriente, e o grupo de Magos
Negros, nos dois planos da vida, ameaçam meu filho, através

242 243
das visões dos hierofantes e as minhas próprias, meus s ser um poderoso aliado. Os sacerdotes vendo
,.",·"rjor'''' ele
deria substituir Aknaton, não veriam nisto motivos as-
~ o~ de Beketaton. Ele, contudo, não parece perceber a r
Ela fizera bem em manter-se ligada aos príncipes
Intrigas e maldade que tecem às suas costas sonhan
filhos de Amenófis 111 e de outras princesas. Isto poderia
um mundo edificado na Fraternidade entre os s'eres, fund
tado na crença de um Deus único, que trata a todos cOm útil. Sem dúvida, a companhia de Amenhotep junto
, , , " ' · . ".... 0

dade. insuflando-lhes um pouco de sabedoria da Irmandade Bran-


ca, e a amizade que pairava entre eles e suas filhas e seu filho,
Imóvel, os olhos fixos nela, Orion a fitava com tanta d
"Afiori""....... ser benéficas ao rei.
e admiração que, quando Tii o fitou, teve um estremecime
EI~ já sentira aquel~ olhar antes, e percebeu que o p _ Ainda uma coisa, majestade. - falou Orion. Sei que não é
so sentimento que a atralra para ele ainda não havia morri minha alçada, porém crês se pode confiar em Horem-
Fugindo a si mesma, chamou-o brandamente às preo
ções daquele momento: _ Pelo que sei tem sido fiel ao trono, e é um militar capaz.
- Sabes com quem contar? Haja de modo a não que o tenhamos de nosso lado, caso contrário, como f~­
11/1">1"""'"

suspeitas. Aknaton não tem tido maiores cuidados com a preparaçao


. Ori?n .se recompôs, balançando a cabeça emsin seus homens para a guerra. Há poucos líderes belicosos que
aqulescencla. I)O~;SaITl nos servir caso os hititas fiquem mais ousados. Nunca
- Procurem saber também quem pode ser compra confiar neles', nem na Síria. Afinal, Tutmés III destruiu par-
quem deve ser eliminado, a benefício do casal real. Ent te da Síria, e Amenófis 11. Os países não costumam esquecer
ram? estas coisas e podem se sublevar com os séculos. Nes!a cons-
telação de militares, penso que Horemheb se destaca, Junto de
Aquela última ordem era terrível, e exarava, através
palavras, a certeza de que o perigo era muito maior do qu Ribbaddi e outros ...
poderia supor. _ Ribaddi é fiel. Horemheb acho meio estranho, majestade.
- Não se deixem apanhar com· nenhuma anotação, confiaria nele...
possa comprometer o trono. - falou ela ainda. Tii ficou a fitá-lo com um leve sorriso.
E~a ~erd~de. Orion e Mekefrê sabiam que o perigo - Confiar... palavra difícil.
das propnas vidas. Mas o escriba da rainha e do rei atual s Ela, como rainha e como mulher, encontrara no seu per-
que era capaz de dar a vida pelo filho que adorava.
curso alguém em quem confiar?
, ~o can!o mais escuro do cômodo, contudo, Mutmuya,
Enquanto isto, Aknaton, junto de Nefertiti, estudava com os
esplnto, ouvia as ponderações de Til, com profundo rancor a
arquitetos e engenheiros a construção Tel EI Amarna, que
atrave~sar o cO,ração. Ela nem pensava que, odiando-a, est
faria erguer no deserto, próximo das pedreiras de alabastro,
destruindo o proprio filho.
num prazo recorde de dois a, no máximo, quatro anos.
Tii sentiu sua presença com um incômodo mal estar.
Olhou para a porta, onde Sen Nefer aguardava suas Granito vermelho, marfim, ouro, lápis lazulí, granito rosado
dens, para dar continuidade às viagens dos emissários rea e o cinza, alabastro, pórfiro, cedro da Síria seriam utiliz~do~
para as construções, que teriam ruas suspensas para se atln~lr
Pe~sou nos do~s eunucos que guardavam o harém real, e q
haviam lhe trazido algumas informações preciosas sobre a m o palácio. Uma grande avenida em forma de cruz se, formaria
com a sua perpendicular, e a direção Leste-Oeste seria obede-
de Semenkaré, o meio irmão de seu filho. Sim, aquele jov

244
cida na urbanização. Lagos, jardins com plantas ex6tic "_ Gostaria de falar-te em particular, e a Nefertiti. - comen-
a rosa vermelha, vinda de Creta, animais seriam utiliz
construção de Akhetaton, a "Cidade do Horizonte de Ato A alegria pareceu tisnar-se na face real: ,
Todas as coisas dentro dela seriam dedicadas a _ Tem que ser agora? - perguntou ~ farao.
desde as casas populares, feitas de tijolo cozido, até as _ Quanto antes melhor. - falou a rainha. s er
cias dos nobres, os templos e palácios, bem como a ne Nefertiti demonstrou desawad,? pelo? olhos rasgado, -
tudo era discutido, em detalhes, com o casal real.
O Pescoço esguio, em dlreçao a rainha. t
Til, tão logo dispensou os dois escribas, tratou dei . d com suas ano a-
A um gesto os arquitetos foram sam .0, .
cura do filho. Queria ver como andavam os preparativos feitas em tabuinhas de argila, ou madeira, ou em p.a~~ros.
construção e edificação da cidade, e, dentro do POSSíVê _ Fala-me, mãe, porém depois quero ouvir tua opmlao so-
ver ao casal real os perigos em que incorriam.
Fez-se acompanhar de sua guarda, e, ao fazer-se a cidade..; . . tou ela chamando-o pelo nome
ciar, foi recebida com expressões de contentamento p
das netas. Meritaton estava encantadora com sua roupa
~~~~~~i:~~~~~'c~nc~~~nas ~ta~aSPti'~À~~sr:eet~~ce;~~~~
parente, dançando ao som dos sistros, e foi dançando q
ao seu encontro. As outras a receberam querendo falar a
mo tempo, contando dos seus animaizinhos de estimaçã
~~~:m~~:~~~~~!:fi::~~~:~;~t~~a~t~~S~;:~~~~:n~as.
jogos que estavam entabolando. As princesas nuas brin - Fala minha mãe. d' e
_ Ané~ viu o Disco Solar ser engolido pel~. lua e o hl,a sm
e dançavam sob a vista de Nanua e Huia. Elas eram par . P ra mim isto quer Significar que a u
com TiL Beketaton estava com elas, bem como Sitka e Sit transformar em nOite... a At "ndo de Amon de seus sacer-
para ti que adoras on, VI , .
A rainha deu-lhes uns momentos de atenção e pergu com u~a mudança radical na ordem das COIS~S. _
Pahesi onde encontrar, naquele momento, o rei, seu filho. ; - d Aném podem não se realizar ou nac:
- Ele está na ala Norte, majestade, no Salão de - As, al~?,naçoes e d Nefertiti observando que o rei
este Significado, - pon erou ,
Douradas. calara e mergulhara em pensament.~s profundos.
Ela se apressou a ir-lhe ao encontro. _ E que significado teriam, Nefertlti? .
Tão logo foi anunciada, recebida com expressões - . falou a jovem rainha desconcer-
- No momento nao sei. - os magos do
pelo casa real, Tii observou a maquete da cidade sobre a Deves perguntar aos hierofantes, ou a . t
sa mesa de reuniões. As ruas eram paralelas, traçadas e Mas por que teríamos que temer, se Aknaton tem VIS o
mero igual, seis, cruzando-se na direção norte-sul e leste-o e este lhe dá forças? . , I e
O palácio real ficava a oeste, numa planície e sua entrad _ Não há dúvida que Aton é um deus maior, PC: iS e e e qu
dava por uma avenida suspensa. Além dele, ficava a Cid I 'dade dele que vem a vida para todas as cna~uras ....

:;:~~~~ ~fh:: ~~~~:g:f~':;~~i~~~etOrP~~oi:~d' ue~~~~p~~~~!~~~


dos Mortos. Era uma visão de sonho, parecia uma Cidade
lestial, erguida como uma flor, na planície.
- Veja, minha mãe. Este é a futura sede do governo d ' m movimento in ern
Egito. Ficando a meio caminho entre Menfis e Tebas, agiliz ~o po de scr~aj:á ~os basta o crescimento do poder hititB, e o
mais as riquezas do reino e a felicidade do povo. Illespera a , Az' d Síria
pouco que confio no príncipe Iru, a .

246
A do faraó· parecia toldada pelas infrwrn-::;,,-.i' - Ah, meu filho. Quando falas assim, penso que teu pai
rainha-mãe. Amenófis estava certo, quando me dizia que eu te criava de-
- Amenófis, - falou ainda - tenho an mais sonhador e pouco prático. Nem imaginas o que represen-
importantes dão contá da fortuna amealhada pelos a para o Poder Divino no Mundo, pelo que me diz teu tio
de Amón. apenas seus sacerdotes, mas a casta Aném. Confias demais nos homens. Os seres humanos podem
za lhes é afim. E os números dão conta que temos tJer perversos ou tolos.
de sobra para preocupar-nos. - Esquecerás isto, quando mudares para o Palácio que fa-
- Os números não são mais importantes do que construir para tua moradia... - comentou com um sorriso Ak-
exclamou Nefertiti. naton.
A rainha perdeu a paciência: - Jamais me mudarei de Tebas! - falou Tii, sem querer, fa-
- Minha filha, governar é mais difícil que ter filhos zendo uma previsão inesperada, que chocou profundamente
que amar e ser amada seu marido. Governar exige Aknaton e Nefertiti. - Melhor que seja assim, pois do palácio
cia, administrativa, e uma certa malícia... Amenófi dourado poderei ser-te útil, na observação dos sacerdotes de
estou dizendo que não deves construir Tel Amarna ne Amon. Mas, ajudar-te-ei a erguer a Cidade do Horizonte, e tam-
não podes dedicá-Ia a mas quero que não o faças bém irei visitar-te sempre...
ma a acicatar o orgulho dos seguidores de Amon, nem q
o dos deuses vários cidades, porque o po Nisto Beketaton entrou no aposento, ficando deslumbrada
se inclina para uma veneração diferente, e com a maquete sobre a mesa:
nharás ferindo os brios desta gente! Ç/ue me dizes? - Como é linda! - deixou escapar.
- Minha mãe, estávamos tão felizes com nossos pro Tii observou seu filho, com o peitoral de ouro e pedrarias, a
- falou Akenaton desalentado - Não sei porque sempre
coroa dupla, onde a áspide real brilhava, seu corpo moreno
nhora vem para, com suas desconfianças, toldar nossa ale
quase sem pelos, e sua irmã, com o queixo afilado e os olhos
- Por que os projetos que para ti são de ordem ceies amendoados. Como eram em tudo parecidos os dois. A face
facilmente incorporáveis à ordem material, não são facilm quase imberbe do rei e a boca perfeita, os lábios grossos da
realizáveis, como tu pensas. não sou alguém interes princesa, pareciam feitos pelo mesmo cinzel. E eles dois se da-
em destruir tua alegria, antes quero ajudar-te a realizá-Ia.. vam tão bem. Beketaton era mais prática do que ele. Ambos pa-
. eu, contra todos os prognósticos da corte e teu pai, reciam aureolados por uma luz celestial. A rainha sentiu
afirmou ligação com Nefertiti? Não fui eu quem tem adi profunda emoção ao fitá-los.
apresentação de teu herdeiro, na esperança ambos
sam um menino? Não sou eu quem tem cuidado da - Os deuses não têm sido generosos para mim no amor, -
respondência com os outros países, e aindasido a intermed pensou ela - contudo, me têm sido dadivosos com os filhos...
entre o trono e os sacerdotes de Tebas? Como, então, À porta seus servos esperavam. Tii deu por finda a conver-
sequer pensar que tua alegria me cause qualquer desagrad sa. Daquele dia em diante, precisava ter mais cuidado, e teria
- Perdoa-me, minha mãe. Mas as vezes penso que que ajudar Aknaton na construção da cidade. Que aquele Deus
ras a influência e periculosidade dos sacerdotes. Afinal, Rei nãofosse abatido nos seus sonhos, como o Destino abatera
rakti é o deus mais antigo seu coração de mulher...

248
CAPíTULO XXIX - A MORTE DE AMENÓFIS lU

No ano nono do governo de Aknaton, já Amarna resplendia


em meio ao deserto, e, sendo aniversário do rei, seu pai, ele o
obsequia com uma festa. Tii, contudo, não quer comparecer.
Pai e filho parecem se dar muito bem. Ambos aceitam a
supremacia de Aton, representado às vezes pelo disco solar, e
outras pelo olho que tudo vê.
O deus criador, está sempre presente em todas as resolu-
ções reais, e o faraó crê que, sob sua proteção, jamais conhe-
cerá a miséria e a dor.
Contudo, apesar dos poemas sublimes, que o rei escreve
sobre inspiração mais alta, dias antes das festas, a pequena
Meketaton foi tomada por uma febre inesperada.
Desesperado com o estado da menina, o rei compareceu
ao Templo de Aton para fazer suas oferendas e orações do cul-
to, para a melhora dela.
Observando a deusa Maat, que representava a Harmonia,
ele suplicou pela vida da menina, pensando que o dia também
tem suas horas de sombra, mas que elas cediam à força do sol.
Ele substituíra muitos deuses e até nos sarcófagos, no lugar das
deusas Isis e Neftys, ele colocara representações da rainha Ne-
fertiti. Ele modificara as decorações das sepulturas e dos palá-
cios e templos, colocando neles referências a Aton.
Os sacerdotes tinham receio que ele quisesse impingir sua
religião universalista, para todo o Egito e fora das fronteiras.
Amenófis 111 sempre fora tolerante com as religiões dos po-
vos conquistados, mas, há alguns anos, ampliara as constru-
ções dos templos de Aton, e diminuíra a influência e
prerrogativas do clero.
A idéia de igualdade entre os seres, proclamada pela reli-
gião do disco, segundo os sacerdotes, diminuía ou até anulava
o poder do faraó e dos representantes dos deuses.
EisllelélS marcavam a cidade, e todos os que havia - É um mistério para mim que ele não me revele nada,
no dia .de sua instalação, no início das obras, I
rlt"li((:>(,lfin meu coração está tão atribulado. - falou o faraó, com a
vam-se da alegna com a qual Aknaton atravessara a pIa pesada pela tentativa que se impusera de conectar com
seu carro de eletron, puxado por cavalos brancos, e todo divino.
do, fizera seu sacrifício em oferendas no altar de Aton. A esposa sabia de suas visões, tanto quanto seus pais. Às
Na sua alocução, o rei fizera um pacto divino e hu elas eram claras como o dia, de outra forma pareciam em
com seu Deus, com os homens e com a terra do Egito. .i{),')t,rlf'l simbólico. Difícil era entender porque, no momento de

angústia, Aton não se mostrava nem por sonhos, nem por


Agora, contudo, ele era afetado diretamente com a
Vlove,:>. Em vão ele apertara sua cabeça, da mesma forma que
de sua segunda menina.
sacerdotes lhe faziam, desde a infância, tentando alongar-lhe
Comungando suas esperanças do refazimento da nas iniciações religiosas do transe artificial. Aton pa-
Nefertiti, abatida por noites insones, viera pelo eixo princi surdo aos seus apelos.
cid~de, ou caminho real, até o grande templo, ao norte d Não adiantara chamar, orar, flagelar-se.
palacio.
- Queres ficar ainda aí? Vim buscar-te, porque Meketaton
No templo da pedra germinada, ou Benben, depois de chama, em meio ao seu delírio.
sar pelos salões a céu aberto, Nefertiti penetrou a pequena O faraó ergueu-se, profundamente abatido e consternado.
escura, representando a naos, onde ela sabia encontraria - Se ela me chama, irei ao seu encontro. - respondeu ele,
rido.
completando rapidamente o ritual da entrega, e afastando-se,
O~ 365 pilares estavam cheios de oferendas, dando as mãos a Nefertiti, em passos largos.
tabeleclmento. No quarto a pequena agonizava, sem que ninguém pudes-
A corte se instalara definitivamente em Amarna se saber a causa de seu sofrimento.
vinha às vezes e era recebida, com festas efusivas. ' Enquanto isto, a quilômetros de distância, Tii acordara. Por
momento, pensou estar sendo vítima de alguma alucinação
Aknaton estava imerso em suas orações, procuran da continuidade do sono. Aos pés de sua cama a figura de
contato com o divino poder, que governa os homens. Corr Tutmés IV com sua mãe Tuiu, que partira há alguns anos, se
12º ano de seu reinado.
mostrava séria, olhando-a.
Um mensageiro fora enviado às pressas para Tebas, - Mãe, pai, o que ocorre? - perguntou ela em voz alta,
de avisar Tii, e os sacerdotes de Aton, e os hierofantes e m acordando a aia, que adormecera aos pés de sua cama.
trabalhavam, no sentido de se conseguir a melhora da princ - Filha, prepara-te, porque uma dor muito grande abalará o
nha.
real. - falou-lhe a mãe.
Merit Aton se casara com Semenkaré, fazia já um an Tii olhou para o faraó e este confirmou o prognóstico com a
Beketaton era cobiçada por muitos príncipes, sendo que o cabeça.
neral Horemheb a havia, mais de uma vez, tentado conquistar A rainha começou a chorar.
- Querido - falou a rainha, com seu chapéu de duas p que acontece? - perguntou Nye, sem entender.
mas, tocando-lhe o ombro. - Teu pai nos espera, junto aos - Ah, Nye, Nye, - falou Til - alguém muito querido a nós
dicos. Conseguiste uma resposta de Aton? morrerá.

252 253
- Que os deuses nos livrem disto' - ro"' .....,.,'... ri,,'" _ Fala, Akshi! Não temas! - ordenou ela, temendo a reve-
consternada. . que adivinhava.
. Q~ando o mensageiro chegou com a notícia da _ Majestade, a princesa Meketaton trazia uma criança em
pnn~eslnha em Amarna, TU se surpreendeu com a tJU ventre, ainda em início de gestação...
destino, e pre~arou-se para a viagem à nova capital. Uma criança, um bastardo, que ninguém sabia existir. -
Qu~tro dias durou o sofrimento da princesa. Quat Tii lembrando-se do semblante triste da menina, e per-
em que as vezes, voltava a si do transe, e pedia ao pai .Int:::ln(-jo-~p' interiormente, quem seria o pai da mesma.
que a perdoassem. Eles não atinavam porque. Suas irm - Tem certeza, Akshi?
ravam ao ~eu lado e Semenkatê seu meio irmão e cunha _ Infelizmente, senhora, minha profissão me faz conhecer
. .DepoIs, quando o sol se punha, enquanto o rei fazi pormenores do corpo humano, que muitos desconhecem. Gos-
ntuals, el.a entregou sua alma ao Eterno Poder. taria de desmentir isto, mas estou ciente que a pequena Meke-
_ A tnsteza c.obriu ~ palácio. Aknaton não podia ent estava grávida.
Nao recebera aVISOS, nao tivera respostas de seu deus Nisto ouviram um baque surdo à entrada da sala. Nefertiti
As cenas rituais do sepultam ente foram esculpida~ t> ..... tr<>,''''' a tempo de ouvir as palavras do sábio, e, atrás dela,
dem r~al, no túmulo da princesa. Tii chegara a tempo d Aknaton também demonstrava que estava ciente do que era o
com v!~a._ EI~ despedira-se do mundo em seus bra os •. segredo do Chefe dos Mumificadores.
Nefertltl nao tinha mais forças para assistir seu sOfrimÇent~J Tii tratou de chamar servos que acudissem a rainha, e pro-
Uma dor maior, contudo, estava programada para; curou fortalecer o ânimo do filho. Tratou de ordenar ao homem
rea.I não deixasse, de forma alguma, que mais alguém ficasse
Nos dias que se seguiram à mumificação da princesa sabendo daquela tragédia.
tro de tO??S os rituais em curso, TU foi procurada pelo ' Meses depois, o corpo da princesa foi levado ao local de
dos Mumlflcadores, em palácio. Este pedia audiência espe seu sepultamento.
ela. Por que? Certo seria avistar-se com o casal real TU O abatimento de Aknaton era imenso. Nefertiti quase per-
que entrasse. . dera uma criança que esperava, em início de gestação. Eles se
PercebendC? que o homem estava constrangido, ela inquiriam quem seria o responsável pelo provável neto de Akna-
~~e todos se retirassem, ficando a sós com ele, mais
tono
Quando, meses depois, em palácio, nasceu a quinta filha 1
. - Senhora, o que me traz à sua Augusta presen a
qu~
de Nefertiti e Aknaton, ele a nomeou de Nefer-Neferou-Rê •
mUito doloroso e sério. Talvez mais doloroso ainda a Anos depois, veio a sexta filha, que recebeu o nome de Setep-
de Meketaton.
em-Rê2 •
~ .TU pen~ou que o profissional encontrara em sua neta Estes nomes demonstravam que Aknaton voltava à adora~
tancla ou ?bJeto que pudesse indicar um assassinato ao lhe ção ao antigo deus de Heliópolis, ferido pela morte da filha.
parar as Vlsceras, ou o cérebro. '
- Fala, Akshi. 1 Neler.Nelerou·Rê quer dizer 'Beias são as belezas do deus RÊ
. -_Majestade, somente eu sou o guardador deste se re
P91s nao permiti que ninguém mais, além de mim, fizesse ~ 2 Setep-em·Rê, quer dizer 'a eleita do Deus Rê."

sao na pnncesa, para a retirada de suas vísceras ...

255
254
Após o sepultamento da neta, voltou a Tebas.
de jubileu do rei se mantiveram, porém sem a alegria que
se esperar, quando ele fora para lá durante o jubileu
pai que os habitantes de Amarna, querendo homenagea
grar seu rei, entregaram-lhe uma inscrição, onde se lia, u - REVANCHE E DISTÚRBIOS
a Aknaton:
QUE VIVA AMARNA, ATÉ O CIS
TORNE PRETO E O CORVO BRANCO, AS As homenagens ao antigo faraó foram inigualáveis. Ele
TANHAS SE LEVANTEM E SE PONHAM A ANDAR amado por seu povo. De toda a parte chegavam as ,ca~as
A ÁGUA FLUA ~TÉ A MONTANTE. .. ATÉ QUE SUÁS condolências à família real, e, por onde passara seu seq~lto,
populações inteiras se postavam, para demonstrar seu cannho
ZAS SEJAM TAO ABUNDANTES COMO OS GRÃO
antigo monarca. ..
AR~IA NAS MARGENS, COMO AS ESCAMAS DOS P
Haviam sido trinta e seis anos de governo, nos quais. a arte
ATE QUE ELE CELEBRE TANTOS JUBILEUS COMO
o poderio egípcio haviam se solidificado. Beketaton sentiu pro-
NAS DOS PÁSSAROS E AS FOLHAS DAS ÁRVORES.
fundamente sua morte, bem como Sitka e Aknaton.. .
O carinho exarado pelo povo teve o dom de ae'/Oi"re rememorou os momentos em que pudera sentir-se feliz
pouco de alegria ao semblante de Aknaton. ao seu lado, do nascimento dos filhos, até .0 d.esenc~ntro q~e os
Logo após as festas de jubileu de Amenófis 111 ele mantivera longo período dialogando o mdlspensavel, nao se
ceu repentinamente. Alguns dias depois, a vez de'seu "lh::::lnrll"l quase. . _
dor oficial dos manjares adoecer também. Isto punha Onde estaria aquela jovem cheia de vida e determma9ao
não poucas desconfianças. ela fora, onde andaria seu ideal, tão massacrado por atnbu-
As dores abdominais fortes, os vômitos eram inf"f"In!~r; laç()es de toda sorte? , .
veis. Eje oficiaria as cerimônias se:pultamento de Amenofls
11i, que, ao morrer, estendera-lhe as maos. ,.
A vida familiar ficou logo afetada novamente. Til não podia deixar de se lembrar do ultimo gesto dele,
bem. tinham
. . se recuperado da morte de Meketaton ,. como a pedir-lhe algo. Ela lhe tocou as mãos, .sem, contudo,
antigo rei veio a falecer.
deixar de perder o grande ressentimento que lhe la n";l alma, pe-
Conversando confidencialmente com Tii, Akshi infor humilhações ele lhe in11ingira durante t~da a Vida..
que o cheiro das vísceras reais não davam margem a dúvi Sentia pena. A recordação seAtor~ava mais forte, OUVindo a
Ele fôra envenenado! repetição Declaração da Inocencla, falada quando de sua
Diante disto, a antiga rainha firmou a certeza de que morte:
vam tentando, por todos os modos, solapar a dinastia r "Jamais pequei contra os homens.
Guardou, contudo, para si mesma as informações do sábio Não fiz mal a ninguém. Jamais atentei contra o trono da
Casa de Mumificação. Não queria aumentar ainda mais o so verdade.
mento de seu filho. Nenhum mal cometi.
Nada que mereça abominação do deus Osiris.
Em contrapartida, condenou à morte todos os rA":nfl:n~~ Jamais caluniei um servidor junto ao seu senhor.
veis pela alimentação do monarca.
Não fiz ninguém sofrer de fome.
256
Jamais fiz lágrimas correrem. Ela sabia que podia contar com Ribaddi, suas t~opas, j~nto
Não matei. a Síria, com Pahenesi, o etíope, com Senaa, que artlculava,lun-
Não mandei matar. to aos conselheiros forças militares para guardar as fronteiras,
Mas temia a conspiração dos sacerdotes, o i?~al sonhador de
Nunca nada fiz de mal a homem algum.
Amenófis IV e de Nefertiti, e a sanha dos ambiCIOSOs, mercená-
Nunca diminui os repastos sacrificiais dos templos. e salteadores de todos os tempos.
Nunca deitei mãos aos pais sagrados dos deuses. Com expressão triste no olhar, Til_acompanhava a múmia,
Nunca roubei os bolos dos bem aventurados. era motivo de grande demonstraçao de pesar popular, se-
Nunca me entreguei a orgias antinaturais. guida de cavalarianos, com seus penachos vermelhos.
Nunca aumentei nem diminui as medidas dos Fazia tão pouco tempo que acompanhara o séquito que le-
cidos ao povo. Sou puro! Sou puro!" , vara Meketaton para sua última morada.
Os soldados marcharam em Tebas anunciando _ A nação de Hati é traiçoeir_a como uma c~bra coral. - es-
nova. As carpideiras iam à frente dos barcos reais, com crevera-lhe Ribbaddi, nas anotaçoes que lhe enviara.
mentos. As mulheres do povo cobriam suas cabeças com Mais de uma vez alertara Aknaton contra o príncipe Aziru.
ro das margens do Nilo, acompanhando as lamentações. Não entendia porque ele não a ouvia, nem a Ribaddi, d~s­
O vizir Ramós e Nakt, vizir de Tel el Amarna, estav de que, tanto ele quanto Nefertiti, haviam sido iniciados nos mis-
lado do velho professor Amenhotep. térios do Templo Sagrado.
Um sopro de dor parecia varrer todo o território de Kem A mente da rainha revivia cenas antigas, guardadas na
Setenta dias já duravam as cerimônias de preparaçã memória e nas lágrimas que vertera em silêncio e sozinha, na
corpo, e outros se estenderiam em homenagens, diante d maioria das vezes.
quife do morto, com sua máscara de ouro e seus canopu Quando o funeral terminou, ela estava com o ânimo abati-
alabastro. e com até mesmo inveja de Amenófis 111.
Til assumira o trono em Tebas, usando a barba postiça _ Eu deveria partir antes dele, para não ter que assumir
cauda de touro, para demonstrar firmeza. Observou Mek sua herança - ... pensou ela em profundo desalento.
que lhe trouxera uma mensagem, em linguagem acadiana, O palácio estava às escuras. A praça, não longe dali, esta,-
Dushratta: va deserta. Nisto, ouviu um barulho de carros que paravam a
"... quando soube da morte de meu irmão Nimuria Nem porta da imensa construção.
Amenofis 111, chorei dia e noite todas as lágrimas de meu cor Não era possível que não a deixassem descansar um pou-
Fiquei muito tempo prostrado, recusando beber e comer... co. - pensou, aguardando o chamado de alguém.
quando soube que Napkururiya Amenófis IV, o grande filho Não demorou muito e um de seus conselheiros se apre-
Nimmuriya e de sua esposa TIi assumira o poder, Nimmu sentou ao lado de Sen Nefer, dizendo que os representantes de
não morreu!" Amón pediam audiência especial.
As palavras do parente próximo eram sinceras, mas Til teve um mau pressentimento. Aknaton e Nefert!ti ha-
não poderia afirmar o mesmo das que recebera de Shibililium viam partido na véspera em direção aTei EI Amarna. \edlu que
príncipe hitita, de Jopa, de Jeruzalém; de Aziru, da Síria, de B chamassem Sesóstris, e ajaezou-se para comparecer a Sala de
nariash, rei da Babilônia. Audiências.

258 259
Aqueles homens n~~ ousariam incomodá-Ia, logo _ Senaa tentou impedir-nos de chegar a Orion. - falou Tir.
sepultamento de Amenofls 111, se não tivessem trunf _ Pelos céus! Pelos deuses do Egito! Quem vos deu autori-
maos. dade para aprisionar os súditos reais? Uma só satisfação vos
Quando, finalmente, após colocar a dupla coroa e farei e é a de que vos faço um desafio. Lançaremos a rainha
nhar o látego e o cetro, Til permitiu que eles entrassem aos crocodilos e eles não lhe farão nenhum mal.
sobressalto. Eles lhe traziam aprisionados Orion, e Sen'aa.
Til ficou apavorada com o desafio de seu cunhado. Por um
- Que significa isto? - perguntou a rainha. instante, pensou que ele estava, daquele modo, tentando alçar-
- Majestade, - falou Eje, dando um passo a se no trono, no lugar dela e de seus descendentes. Antes, po-
mos provas que o faraó, herdeiro de Amenófis 111 é um que tivesse tempo de retorquir, UH e Tir aceitaram o
do! ' oferecimento. A cerimônia ficou marcada para o dia seguinte, e
- Explique-se, Eje! - respondeu a soberana sem ent Senaa e Orion foram soltos.
e percebendo o quanto isto também aturdia Ses6stris.
-, ~izemos a análise do sangue encontrado no co Tão logo se viram a sós, e Sesóstris desandou a gargalhar.
Amenofls 111 e, tendo o novo rei se submetido a uma ",,,,yv,d _ Ficaste louco? Se me condenas já me tens por adúltera,
te~ dias, recolhemos seu sangue. O resultado foi de:sa~~t e se executas a sentença o que resta ao Egito? Tu e Semenka-
pOIS nos atesta que estamos diante de um homem que junto a Merit-Aton? Já não temos inimigos demais, para ter-
poderia ser filho do nosso soberano. mos que nos indispormos entre nós?
- Pelo visto, Eje, a vontade de condenar a rainha
_ Acalma-te, Til. Confia em mim. Sabes que jamais te men-
algo que seguramente não fez, tem alimentado tua ambi
ti. Amanhã os sacerdotes terão o que merecem. Ninguém pode
p~de~ desde o nascimento do herdeiro, desejado por tod ser julgado duas vezes pelo mesmo crime e ser sentenciado
to. Nao posso aceitar esta decisão dos sacerdotes mas
duas vezes. Eles querem tua morte, e a terão, mas, mesmo as-
podemos acabar de vez com esta farsa, condenando Til
lançada, de uma vez para sempre, aos crocodilos do T sim, não morrerás.
Sagrado, ou até do Nilo, afim de saciar tua sede de À noite daquele dia e, no dia seguinte, Tii não pode des-
Como r~pre~entante do faraó, e irmão do rei morto, orde cansar. Confiar em Sesóstris? Melhor lhe fora morrer, bastava
s?,tem Imediatamente estes homens, fiéis à família imperia ordenar à áspide que a mordesse e estaria livre. A tentação do
digam porque os mantém prisioneiros. suicídio foi muito forte.
. - A antiga denunciante do adultério da rainha ap Na hora demarcada para a cerimônia de sua condenação,
Onon, como pai do novo faraó. Pensamos em fazer a anális Til ajaezou-se com seu melhor traje. Colocou no pescoço seu
seu sangue e do herdeiro. colar -de flores de lótus e o da cobra de Liu, e dirigiu-se com
,- ~ara impingir mais humilhação à sua rainha, - Orion e Senaa para o Templo. No subterrâneo onde vira pere-
Sesostns - melhor seria que fizessem um edital, para cer a seNa núbia, a lembrança daquele longínquo tempo amar-
nar, pelo. sangue, quem seria o pai de Aknaton, que é, ele
fanhou seu espírito.
mo, o Filho do Sol, o filho de Aton. E por que pelos c'
mantém Senaa também preso? ' Sesóstris chegou logo. Trazia com seus servos um ataúde
Seria ele também um presumível candidato à patemi de vidro finíssimo. Diante de Eje, Tir e UH e de Mérira, ele assim
de Aknaton? . se expressou:

261
260
_ Amenhotep, Aknaton não deve ~aber. - falou ela em es-
- Para que não paire mais nenhuma dúvida qua
cência da rainha, ela se submete a ser entregue aos c totalmente desdobrada e apreensiva. .
Nisto Tii viu Meketaton, imersa, em profunda tristeza e de-
do deus Sobek e que esta sentença caia sobre aquel
proferiram, se ela sair com vida do tanque, no tempo
_ Pobre menina. - murmurou ela, tentando alcançá-Ia.
do pelo grande Deus Oculto.
_ Não podemos aceitar esta farsa! - gritava Eje ~ossesso.
Em seguida, aproximou-se de Tii e segredou-lhe: _ A sentença foi cumprida! A rainha, contudo, nao morrerá
- Não temas. Tome este líquido que Amenhotep te eu ganhei o desafio. - falava Sesóstris, ordenand,o que as
Confia em mim. comportas do tanque fossem abertas, para que suas aguas de-
Tii segurou o frasco que ele lhe entregava. A segui rnandassem o Nilo, lá embaixo. .
sóstris abriu o ataúde transparente de um cristal finíssimQ O barulho da água era forte e os sáurios tentavam destrUir
locou-a dentro do mesmo. proteção do cristal. ,
Apesar dos protestos dos sacerdotes, ele empurrou Aos poucos, o esquife era suspenso ate os degraus do
mo em direção ao tanque. O esquife caiu na água e foi afu Imenso tanque. , . '
do com o peso do corpo da rainha. Submersa, ela to Sentiu que abriam seu ataude de vidro. TI!a.vam-na ador-
líquido do frasco. Sentiu um torpor invadindo seu corp9 mecida dele e carregavam-na de retorno ao palaclo.
sono tomou-lhe os sentidos. Sabia que Amenhotep tinha
. nhecimento da morte aparente. Seria este o segredo?
estava realmente morrendo, como desejara aqueles dias?
º _ porq~e permitiram tal coisa? - ouvia per~untar a voz de
Aknaton. Lágrimas desciam-lhe dos olhos. Queria fal~r-Ihe, mas
podia. Seu corpo não obedecia às ordens mentais, embora
Tii sentiu que, a medida que o esquife afundava, ela ouvisse tudo o que se passava ao seu redor.
gulhava mais e mais num mundo novo. Formas diáfanas a _ Ela está morta? - inquiria Nefertiti.
tinham, enquanto via o rosto de Amenhotep, muito :... Não! Apenas dorme. Logo torna a si do sono. - respon-
clhMd~~ . dia Amenhotep. . .. .
- Às vezes forçamos o Destino, pensando manipula _ Que devo fazer, para ajudar? - mqUlrla HUla. .
criaturas, mas somos prisioneiros das próprias malhas qu _ Fique ao lado dela. - respondeu Sesóstris. - Nunca mais
cemos. - falava o sábio. a poderão condenar por nada do que al~gam ..Ela se sub~ete~
Tii sentiu que, enquanto o esquife descia, ela subia, à sentença e saiu ilesa. Os sacerdotes nao mais se atreverao.
às estrelas, para um plano inatingível aos olhos humanos. - Mas, meu pai...
va num plano diferente, numa cidade que lhe lembrava _ Teu pai é Rá, e na carne é Amenófis 111. Nunca te esque-
Amarna, construída pelos seus queridos Aknaton e Nefertiti. ças disto. - respondia Sesóstris.
receu-Ihe ouvir a voz dele a dizer: Til viu o rosto de seu esposo sob uma névoa, ao ,1~do de
- Onde está minha mãe? Do que é acusada? Tutmés IV. Pensou em Orion e Sen !'J.efer, em ~menofls IV e
Nefertiti, e estendeu as mãos, ~m esplflto, para aJ~dar sua neta
Em verdade, Aknaton fora avisado por Senaa do que cc Meketaton. Acariciou-lhe o rostmho moreno e desejOU ~orrer.
ria em Tebas e voltara, invadindo o recinto sagrado. O nível
Lágrimas continuaram a cair-lhe no rosto ador,me?ldo.
consciência dupla fazia com que a rainha absorvesse o ambie _ Tu a mágoas duvidando dela. - falou Sesostns a Akna-
te espiritual para onde fora levada, sob a orientação de Am
nhotep, e as falas que aconteciam à superfície. tono .- Deixemos que descanse.

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- Melhor que todos saiam. Eu esperarei pelo seu d Com um traje negro e dourado a rainha saiu do templo,
ao lado de Huia. Ela os escuta e sofre. - comentou Ame indo tomar seu almoço junto das netinhas. Um mês passou em
Tii ouviu o barulho de passos se afastando. Queria companhia da família, recuperando-se da morte do_rei e da acu-
não podia. Sentiu-se deitada nas macias almofadas de lllação dos hierofantes. Depois retornou a Tebas, nao sem antes
O expediente do cunhado a livrara da perseguição comentar com o novo faraó:
dotal. _ Filho, dispensa menos rigor às questões religiosas e en-
Amenófis IV, Aknaton, contudo, somente esperou q mensageiros e embaixadores aos diversos países, bem
tornasse a si no dia seguinte, para partir para Tel EI como espias que nos dêem informações precisas dos movimen-
onde, na presença do Conselho dos Velhos, fez ler u de Sibililiuma e Aziru. Atende os apelos que nos chegam de
real. Ribaddi e de Jopa.
- Deste dia em diante, o nome de Amon deve ser Amenófis, contudo, estava cheio de furor com os sacerdo-
de todos os monumentos e um só deus será venerado e tes e resp~ndeu:
o império: O deus Aton! Todos os sacerdotes de Amon - Meu pai Aton cuidará de mim e do Egito! Estarei acima
seus bens confiscados, caso se neguem a cumprir minh
paixões humanas!
dens!
Aknaton parecia outro. Quando Nefertiti tentou falar - Aknaton, não és mais uma criança. Beiras os trinta anos!
ele, parecia enlouquecido: Logo não estarei mais aqui para alertar-te, com rel~ção ~ fideli-
dade dos príncipes e aliados. Envia Horemheb e Rlbaddl contra
- Eles denigrem a memória de meus pais. Ferem-m
os habirus. Toma providências para que os hititas não incom~­
soai mente e a condenam. Não posso ficar indiferente a
dem o povo mitânio. Cuida da Síria. Tenho ouvido dizer qu~ AzI:
me fazem.
ru invade nossos domínios, saqueia cidades. A paz nao e
- Talvez Tii possa explicar-se... - tentou argumentar N Indolência mística. A paz exige ação. Teu pai o sabia, jamais
titi.
afrontou os sacerdotes de Tebas!
- Ela se deixou condenar, não viste? Se deixou conde
- exclamou o rei, dando a certeza de que isto o conder) - Meu pai... - comentou Aknaton - não sabia tudo.
como bastardo. Tii viu que não podia argumentar com ele. Resolveu voltar
E Aknaton chorou nos braços da esposa. Ele não se i para Tebas, portanto, mas deixou Orion em Tel EI Amarna:
gia contra a figura materna, porém descia sua vingança _ Cuida dele por mim. Prepara o espírito de Nefertiti, para
os sacerdotes. assumir suas funções ao seu lado. Mantem-me informada atra:
Seu ideal de fraternidade se fracionava em seu íntimo. vés de Sen Nefer, pois, de hoje f::m diante, tu e Senaa servem a
podia perdoar a afronta feita à mulher que lhe dera a vida. nova rainha.
Tii o soube e não pode impedí-Io. Compareceu a T Quando seu séquito real partiu, Orion se adiantou e entre-
Amarna e ele lhe sugeriu uma cerimônia, onde a parte neg gou-lhe um ramo de flores de lotus, apanhadas no jardim real.
dos raios solares, aquela Aque causava os desertos, fosse Ela o olhou profundamente entristecida.
tada dela pelo leque de RE.
- Voltarás? - ele perguntou baixinho.
Ela se submeteu, orando junto ao sacerdote de Aton,
naos encoberta em sombras. A voz de Mérira soava lúgu - Voltarei... um dia. - respondeu ela.
aos seus ouvidos. E seu séquito se afastou numa nuvem de poeira...

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CAPíTULO XXXI - TRAiÇÃO E MORTE

Tii se recolhera a Tebas, e, quando ia aTei EI Amarna,


sentia, dia a dia, a intransigência crescer no espírito de Aknaton,
a grande mudança que se apoderava dele, antes tão refletido
*)} tranquilo.
Ela agora não tinha mais o apoio de Orion e até mesmo
Nefer fora afastado por ela, que lhe pedira ficar na nova ca-
pital.
Amenhotep falecera, não sem antes chamá-Ia para a des-
pedida última.
Quando ela chegara ao seu leito, o valoroso funcionário do
Egito, o sábio, que a cumulara com sua atenção e dedicação to-
aqueles anos, lembrou-lhe a estela comemorativa e os di-
zeres simbólicos que ela guardava:
- Tii, princesa do sul, flor de lotus, rainha do Egito - falou
com os olhos ainda vivos e um sorriso indefinível. - Conse-
guiste, junto a Amenófis 111 construir uma grande nação, herda-
da de seus ancestrais e gerar uma época de paz e
entendimentos. Contudo, difícil te será ver teus descendentes
prosseguirem com o que vens construindo dia a dia, sob o pre-
ço da própria felicidade, filha. Meu Senhor sabe quanto me feli-
citaria esperar e ajudar-te, na continuidade desta tarefa, mas
meu tempo está findando. De onde eu estiver, contudo, conti-
nuarei a amparar os amigos e companheiros que ficarem. Ua en
Seguidor da Verdade, conseguiu despertar os mais acirra-
dos inimigos contra ele, e estes homens terríveis, aliados aos
magos negros de todos os tempos, encontrarão outros que se
lhes ligarão, para a perda do reino sonhado.
O velhinho tinha dificuldade para continuar, e Tii para ouví-
pois sabia que nunca antes ele errara um prognóstico e
aqueles demonstravam que tudo fora em vão. Portanto, tentou
fazê-lo calar-se, ao que ele se opôs, continuando:

267
- Ele ficará como o Filho do Sol, e seu reinado Tii não conseguiu entender o que o sábio dizia. Os anos
quecível. Um marco para todos os homens, em muitos rolavam sob o reinado de Aknaton, porém ele não se diligencia-
Tu também, filha, retornarás até que aprendas a submi va em guardar os países sob sua tutela, e ela sabia que as car-
leis maiores, sem que te libertes da afetividade que te las e pedidos de Ribaddi e de outros príncipes não eram
ao Egito. Eis que eu parto e comigo irá Itakama, "o ho respondidas, nem atendidas.
Kadesh", ao Norte. Infelizmente para ti, Abdashirta ao S Durante uma briga, haviam seus alidados podido matar Ab-
bém não mais reina e sim seu filho Aziru. Dois centros pri rj<>,,,hirt<:IJ mas porque o filho continuava acreditando nos protes-

se levantarão contra o Egito, a terra do amor, ao norte d de estima e dedicação de Aziru? Tii pensou que deveria ir
a Planície de Jezreel, na Palestina. Aknaton não desê uma vez aTei el Amarna, afim de interferir, de uma vez
entre os homens. Ele pensa que pode, com lealdade e todas, no rumo dos acontecimentos.
ção, segurar a fidelidade destes príncipes. Sei que Abi- - Yankhamu não poderá ajudar Ribaddi, como ele suplicou
Tire, bem como Biridiya de Megido são fiéis, porém, até ao faraó. - falou baixinho o ancião.
poderão suportar junto com Ribaddi, rei de Gebal? Com TU lembrou-se do jovem que vencera a luta entre as pare-
fiar em Abdikhipa, de Jerusalém? de cavalos, roubando a Senaa a grande medalha de honra,
sempre fora dele. O bravo rapaz, junto com Phaesi, Ranu-
- Eu sei, meu pai. Descansa... - respondeu Tii em Hatiay, não haviam conseguido mudar o pensamento de Ak-
lento. naton.
- Que posso fazer para impedir a queda do Egito? - per-
- Quanto mais traiçoeiros, mais lhe juram fidelidad Tii, esquecendo a piedade para com o moribundo.
cartas que enviam. - ponderou o velhinho com tristeza. _ Orienta Beketaton, que assuma, caso Aknaton não pos-
acredita que falam a verdade. Julga os outros por sa. Se houver tempo, ainda... - falou o sábio.
atraiçoado por todos, Por todos ... - repetiu como se Tentou ainda articular palavra e não o conseguiu. Seu es-
tatação lhe doesse mais do que tudo. pírito livre não mais podia comandar o corpo.
Tii saiu abaladíssima. Fazia algum tempo que seu mano
Tii segurou-lhe as mãos e lágrimas vieram-lhe aos C> Aném também partira, através da morte, e Parvah era agora o
Sim. Ela sabia. Desde Amenófis 111 que Aki-izzi, de Katnaf grande vidente de Aton, o único que fazia previsões, mas esta-
de uma aliança entre os chefes do norte e os hititas, preteh va em Amarna.
do atacar Damasco, e se não fosse o amparo de um oficial Afastou-se do corpo do sábio que ela tanto admirara, e cu-
mado Amenemapet, que junto com sua guarnição recup sábios conselhos não mais ouviria. Por que ele falava coisas
Simyra, das mãos de Abdashirta, os conflitos se ampliar impossíveis? Parecera-lhe ouvir que ele pe?i~ que Be~eta­
Por que Nefertiti não fazia seu trabalho como ela fizera o ton assumisse em lugar de Aknaton? Como sena Isto posslvel?
junto ao marido? Afinal, não o amava? Não fora preparada resolveu ir até Menfis, para conversar com a filha e depois,
sua função? lá, seguiria para Amarna.
A viagem foi apressada, pois seus espi~s ?avam c~nta de
- Nefertiti está envolta por poderosos magos que a s levantes em toda região. Melhor falar com a Irma do farao, a ver
zem. - comentou Amenhotep com sacrifício. - Ela não nos se podia, com a ascendência que tinha sobre ele, fazer valer
de ajuda... apesar de continuar fiel ao culto de Aton ... sua autoridade.

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- Então, o nosso querido Amenhotep ao
Foram dias de marcha e, por todo o território, se
clima de incerteza e insatisfação. Os boatos seguiam meu pai e meu avô. - falou a jovem com t~istez~. - ,
me trarias alguma nova que me magoana, pOIS sonhei
dando conta de que Aziru e os hititas pilhavam sem p
guerra se alastraria rapidamente se Aknaton não envia o de Set cobria a visão de Horus. - comentou
gióes, parelhas de cavalos, navios, homens e manti - Filha, devemos ir para Amarna, onde ajudaremos teu
para dar proteção aos vassalos ainda fiéis. a tomar as decisões que lhe competem.
- Inútil, mãe. Aknaton está totalmente fanatizado pelo culto
Til abriu um papiro e leu o patético apelo de Ribaddi. Aton. Crê que nada poderá impedir a fraternidade entr~ o~
"Não queria incomodar a Grande Rainha, mas, ten povos e religiões, e não deseja ser um comandante dos exercl-
viado meu filho a Amarna, para falar pessoalmente com tos ...
Aknaton, seu filho, nada obtive em resposta aos meus Vendo que a rainha abaixava a cabeça já embranquecida
Creio que esta seja a última carta que escrevo, porque me alguns fios brancos, a princesa ponderou:
migos darão cabo de mim, se a ordem dos acontecimentos - Mesmo sabendo que não dará certo, irei contigo.
for alterada..." Tii teve um meio sorriso confiança. E a conversa pros-
As palavras de Ribaddi eram carinhosas. Ela não o vi seguiu.
algum tempo. Se culpava interiormente de não haver ficad Menfis, a rainha quis ir até as pirâmides. Sentiu que
Amarna, para auxiliar o filho. Mas como? Ele não era um vez seus olhos carnais não mais pudessem avistar o Grande
do dos deuses? Não era um escolhido? E precisaria de Templo, onde tantas recordações haviam lhe marcado a alma.
tão infeliz como sua mãe, para comandar o Egito? Beketaton acompanhou-a pressurosa.
Os prognósticos de Aném lhe vinham a mente, sem Quando chegaram perto da Esfinge, Tii pediu que seu sé-
lhe alcançasse o significado. quito ficasse longe e a pé demandou a grande pirâmide. Corry
Após a viagem, Ti! recolheu-se em palácio e alguma dificuldade, encontrou a abertura onde se es?ondera, ~a
mensageiro para conversar com Beketaton, aguardand tanto tempo, durante a tempestade de areia, aos pes da Esfl~-
Huia, sua aia de confiança fora enviada para Amarna, a se Ensinou a filha como fazer para entrar abertura e expli-
Nefertiti e o rei, e somente Nye estava ainda com ela. Seu cou das galerias subterrâneas:
Yuaa também partira, meses antes da morte de Amenhotep. - A da direita leva à pirâmide das rainhas menores, e a
esquerda à sala de mumificação, ao lado da esfinge. - explicou
Beketaton veio tão logo pode, feliz por abraçar a mãe, ela, sentindo estranhamente que parecia estar sendo comanda-
quela cidade de Menof-Rá, fundada por Menés1 • da por alguém, na ida até ali. Sentia-se estranha. como
Ambas, abraçadas, olhavam as grandes muralhas bran se outra pessoa comandasse sua:s palavras. , . cor:no se
que guarneciam a cidade, famosa pela construção de suas guém a direcionasse.' Profunda tnsteza e angustia vmham se
gas, de seus carros de guerra. Resolveram sair pela larga a abatendo sobre ela..
nida, guarnecida por esfinges gigantescas de alabast - Mãezinha, que tens? Nem pareces a mesm~. Sempr~
representando a figura Amenófis 11. foste mulher batalhadora, capaz de enfrentar os maiores peri-
gos e as maiores insidias. Não estou te ..
i Atual Menfis - Não sei, minha filha. Também não ando me reconhecen-
do muito ultimamente...
A rainha rumou com a princesa para o palácio - Tua máe te aguarda. Mister seguir sem demora para
que as abrigaria, ficando acertado entre ambas que, n tI,",,"""'''' pois os acólitos de Amon prepararam uma armadilha
guinte, partiriam rumo a Amarna. o faraó.
Em seu quarto, depois do banho e das massagens A filha de Tii saiu, acompanhando de perto o antigo nobre,
conseguia dormir. Um pressentimento estranho tomav da cavalariça real, subindo escadas que os conduziram
de seu ser. junto de Nebamon.
Neste mesmo momento, Beketaton era manietada e Neste momento, a jovem só pensava numa coisa; sair de
prisioneira para o Templo Amón, por seus sacerdote M.a,ntic: buscar Amarna.
também haviam recebido orientação de que a princesa Em sua roupa de dormir branca, com as algemas de ferro,
de algum modo, auxiliar seu irmão, o faraó do Egito. pulseiras largas e pesadas, que ainda sustinham restos da
Num cárcere de pedra, subterrâneo do templo, Bek f'",·rc"...to a princesa tomou o cavalo seguindo Aye e Nebamon,
presa por correntes, temia por sua vida e pela vida do~ fi rumaram céleres pela escuridão da noite.
Não conseguia atinar com o porque de seu rapto e rec:
Fazia três anos que morava em Menfis, e que tudo faz Logo o sacerdote se separou de ambos, indicando a dire-
descobrir a rede de intrigas que se armava contra o irmã a tomar. Na semi escuridão, avistou as pirâmides ao
magias que se faziam pela sua total destruição. Lembr Nisto, uma seta sibilou no ar, indo cravar-se no ombro de
que alguém entrara em seu quarto. Não sabia como havia
minado a guarda, nem passado pelas suas servas, sem q - Fuja! - gritou ele - corre para longe, que eu os despisto.
pressentisse. Acordou súbito, com alguém ao seu lado, q queria dizer não. Tinha receio de ficar sozinha, agora
não conhecia. Nem tivera tempo de reagir. Haviam lhe percebia que estavam sendo seguidos, mas não havia tem-
algo a cheirar e desmaiara, acordando naquele local estr para discutir ou pensar. Aye golpeou o cavalo da princesa,
Quanto tempo se teria passado? Onde estaría? E sua mãe saiu em disparada, e seguiu em direção oposta. A princesa
taria também dormindo, esperaria por ela, conforme h rumou para o lado dos colossos de pedra.
combinado, ou o tempo para aquele encontro já se teria
No plano espiritual, Amenhotep tudo fazia para auxiliar a
do?
antiga protegida de seu espírito de escol, auxiliado por outras
Beketaton não sabia. A cabeça lhe doia, e oarec:la-Ihe entidades, afínizadas com o grupo.
rossímel a situação em que se encontrava.
Nisto, ouviu passos apressados e uma silueta se rloco."It Em razão disto, a princesa lembrou-se do passeio que fize-
na semi-escuridão: ra com a mãe. Sim. Dentro da Esfinge quem a encontraria?
- Princesa? - perguntou o vulto, em cuja voz ela Na semi escuridão, correndo descalça, sob o frio da noite,
ceu o fiel Aye, amigo de sua mãe. rum ou para o local da abertura secreta, e logo a pedra deu
- Aye? És tu? - perguntou ela, enquanto o vulto se a espaço para sua passagem.
rava e, com ferramentas, soltava a corrente que a prendia, Na camara escura ela avistou uma tocha, acendeu-a com
las mãos, à uma pedra. as pedras de fricção que estavam ao pé dela, encontrou o em-
- Fujamos. O sacerdote Nebamon me ajudou a chegar bulo que permitia o fechamento da abertura na rocha e cami-
você e Horemheb. Estamos próximos da pirâmide. Fujamos. nhou pelo longo corredor. Parecia que alguém a acompanhava
- Mas, que dia é hoje? E minha mãe? e mais de uma vez parou assustada, temendo estar sendo se-

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Na bifurcação seguiu pela esquerda. Não Nisto, tomou a cobra que estava em seu pescoço e orde-
contar com o cavalo que montara, pois o deixara que atacasse. .
Como estaria No chão o réptil rastejou silenciosamente e com rapidez
Obedecendo o influxo da vontade, caminhou temer o calcanhar do homem, antes que ele pudesse esboçar
encol")trar uma saída, dentro do Templo de Mumificação. llU'~iI.lU~1 reação.
Aquela hora da noite, as salas estavam desertas. Logo ele caía ao chão, em dores lancinantes. Tii agachou-
ela observava os corpos de nobres que haviam morrido, e rastejou até ele.
les dias, em diferentes estágios de conservação. _ Quem te mandou? - perguntou tentando arrancar uma
O ambiente era terrível, o cheiro das essências us confissão - Fala e mando embalsamar-te.
sangue, as vísceras, os canopus abertos, tudo ampliava O olhar teve um brilho estranho. Sim. Servos não podiam
mais o terror e a insegurança. contar com a mumificação e a morte assustava pelo que podia
A jovem desejou ficar ali escondida para "''''''.... 0'''1''0 representar.
que precisava continuar sua fuga. Porém, para _ TiL .. - falou o moço desconhecido, com um olhar espe-
como? rançoso.
Principiou a chorar baixinho, sem atinar com que ata E mais não disse, pois o veneno fizera efeito rápido.
mar. Depois andou cautelosamente pelo ambiente, poi Til procurou o réptil e novamente o colocou no pescoço,
mais do que provável que algum servo ali ficasse "<:l\inrlf'\ em busca de sua guarda. Mister partir o quanto antes, e,
guarda, e não poderia ser encontrada. isto, precisava ir em busca da filha.
Enquanto isto, Aye despistava seus perseguidores e Estava saindo, quando Aye a encontrou. Prov~d~nciou que
rava avistar-se com Til. . o levassem em seu coche e saiu às pressas do palac1o .
Auxiliado por Horemheb, a quem buscou, eles rum _ Nas pirâmides é que a deixaste? - arfando.
para o local onde Til não conseguia conciliar o sono. _ Pareceu-me que se dirigia para lá - respong eu .Aye,
Neste mesmo momento, um homem penetrava os apo sendo atendido por um médico da corte, que conseguira tirar a
tos reais. Com ervas haviam adormecido os servos, poré flexa e estancar o sangue.
rainha pressentia o perigo. Lembrou-se de como levara Se _ Creio que agora entendo porque tive que levá-Ia lá - fa-
a adormecer na ante sala de estudos de Amenhotep. de si para si a rainha, dando ordens severas para que ru-
dúvida, a mesma essência era utilizada, naquele moment
massem para a Esfinge de Gisé.
se dava com alguma intenção oculta. Tomou de um fras Procurou com seus homens ali a princesa, somente encon-
sorveu seu conteúdo, utilizando-se também dos exercício
tais e respiratórios, que aprendera ao antigo amigo e sá trando o cavalo, perdido em meio as dunas.
morto a tão pouco tempo. Rumou, pois, para a Casa de Mumificação, on?~ um servo
atarantado, sem compreender o que se dava, permitiu-lhe a en-
- Logo chegarão aquL - pensou ela. - Mas não
com encontrar-me lúcida. trada, temeroso.
Em meio aos corpos semi abertos, encontrou a princesa,
TU ajeitou as cobertas de modo a pensarem que algu
estava adormecido, e escondeu-se o melhor que pode. aturdida, quase desmemoriada pelo susto.
Viu quando um homem entrou, indo diretamente à Horemheb vinha se juntar a ela, e, sob sua escolta, ela ru-
cama. mou para Amarna.

274
Enquanto isto, em Amarna, Nefertiti se de~sccmtl'ol~lr; - Chega o momento tão esperado. Ele aceitará o desafio.
a morte da filha. Aknaton tinha tido, com uma das es "lá enviamos um mensageiro a Amarna. A única coisa que me
harém um novo filho, um menino! preocupa é que não chegam notícias de Menfis, dando conta da
- Aton não era justo - pensava a nova rainha. - L morte de Beketaton e Til.
seis meninas e nenhum varão. - Mesmo que ambas estivessem vivas, nada poderiam fa-
Aconselhada por aias de sua confiança ela se ler para livrar Amarna de nossa vingança. O povo nos obede-
de que só teria um filho, se coabitasse com outro hOime!m, cerá. Já estou a antegozar a cena: Aton engolido por Amon. -
Dizia-se que, desde Tutmés 11, que os filhos que UIi. E Tir concordou com ele.
sempre ao trono eram bastardos. Tutmés 111 o fora e t Enquanto Tii demandava Amarna, junto de Horemheb,
pelo que ela sabia, Tutmés IV e seu próprio marid~, des e Beketaton, o faraó recebia um desafio, para, num dia e
a rainha fora atirada ao tanque de Sobek. demarcados pelos sacerdotes de Amon, dentro da cidade
Instigada por pessoas inescrupulosas, que vinham Aton, evocarem cada qual seus deuses, a ver quem respon-
introduzidas nas relações entre os nobres, envolvida, bem deria com feitos maiores e grandiloquentes.
o esposo por entidades tenebrosas, enviadas seguidame Profundamente abatidos, o rei respondeu, atendendo ao
los sacerdotes de Amon, Nefertiti resolveu que pediria a desafio deles. Em poucos dias, tudo se daria. O povo aguarda-
do pequeno Tutankaton, afastando-o do harém e de va impaciente, e das regiões vizinhas muita gente acorreu a ver
natural, criando-o como se fosse seu, e, ao mesmo t,....,.".. ,,'"' o espetáculo.
mou um amante, Yamkanum, o chefe da guarda real. Em caminho, Tii soube do que acontecia, e tratou
Tal como haviam combinado os áulicos de Amon apressar o passo. Aye se recuperava e lhe confiden-
ela estava num encontro idílico com seu amante, eis q~e ciava:
ton foi ~"isado. - Lembra-te de Orion, minha rainha. Ele não confiava nem
Para ele, era viável um relacionamento com as mui nos sacerdotes nem em Horemheb. Por que ele não nos avisou
do harém, mas não era aceitável a traição de Nefertiti. antes sobre estas questões? Que falta nos fazem Aném e Ame-
Era contra seus princípios o uso da força e da vinga nhotep.
Mas a visão da mulher sempre amada, ao lado de outro Um arrepio perpassou pela mente da antiga rainha. Aném
mem, em atitudes de afeto num relacionamento mais profu previra que o sol seria engolido pela lua. Teria sua previsão a
feriram-no profundamente. ver com o que se programava para Amarna? Prouvesse aos
Poderia matar os dois, contudo, não queria fazê-lo. céus chegasse a tempo.
Nefertiti tentou explicar-se em vão. Com as filhas Lembrando-se do aviso de Amenhotep, confidenciara suas
se para o palácio ao sul, junto do pequeno Tutankaton, e apreensões a filha.
lha Meritaton junto com Semenkarê assumiram o poder ao I - Mas, mamãe, como pode ser isto? Se o sol for engolido
dofaraó. ' pela lua o mundo se acaba. - falara a moça.
O nome de Nefertiti foi apagado, por ordem de Pah - Há alguma coisa que eu não sei nisto tudo. Seja como for,
Parvah, do templo e substituído pelo de sua filha mais vel prepara-te para tomar o lugar de teu ·irmão, se algo lhe ocorre.
Meritaton. . - Mas como?
Sentindo a fragilidade do monarca, Eje, Tir e Uli, confa - Como se fosses tu um homem. - falou Tii sem titubear.
lavam em Tebas: - Não sei se conseguirei. ...., soluçou a moça temerosa.

276 277
- Ou isto, ou todos morreremos! - respondeu TiL
. E a caravana estugou o passo, parando o indispe
nOite para o descanso dos animais, e fugindo às invest
quadnlhas.
CAPíTULO XXXII - MORTE DE AKNATON

Estavam a um dia de Amarna, quando Orion, acompanha-


de Senaa, Sen Nefer, Hatay, e Parvah assistiam o entrevero
se daria em praça pública, bem no centro de Amarna, entre
o faraó e os sacerdotes que haviam vindo de Tebas, para a ce-
rimônia demarcada.
O sol estava a pino. O povo se acotovelava, querendo as-
aos lances mínimos daquela contenda.
Muitos estrangeiros haviam vindo para assistir o desafio e
crentes de diyersos cultos e deuses das regiões egípcias, que-
riam, por força, compactuar com os sacerdotes, descontentes
com a privação de seus cultos e com a insegurança que se sen-
por toda a parte, devido aos movimentos de sedição, enca-
beçados pelos antigos súditos do Egito.
O ambiente na Cidade do Horizonte era terrível. Nuvens
escuras no poente, prenunciavam chuvas abundantes, caso os
ventos soprassem naquela direção.
O sol brilhava em todo seu esplendor e Parvah acabara de
realizar uma cerimônia de sacrifício do touro Mnésis a Aton.
Jovens haviam trazido oferendas de flores e alimento, e
Semenkarê e Meritaton se viam no trono real, enquanto Akna-
ton assumia o cargo de sumo sacerdote dos ofícios.
Adiantou-se o faraó e orou ao seu deus:
- Salve Aton, Senhor do Disco,
Que estabeleceste o mundo,
e deste, através de teus membros,
o reinado a Aknaton, teu filho,
senhor do Alto e do Baixo Egito.
Tu que comandas os destinos, pelo teu filho Shay
e os países estrangeiros da Síria e a Núbia,
provendo as necessidades de cada um,
Tu, que estás em meu coração,

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que me fazes pacífico e sábio, _ Destruamos Aton! - gritou uma voz na multidão.
tu que tens o mundo em tuas mãos, _ Fora com Aton, antes que ele destrua o mundo! - logo
mostra o teu poder! outra a secundava.
O povo amarniano que amava seu rei prorrompeu _ Onde está Aton? - perguntou Uli, ao que Tir respondeu:
tos e aplausos, e as mulheres em seus lamentos prolong - No coração do faraó!
estridentes. Não era preciso mais. Agora o sol já estava. qu~se toldado
Adiantou-se Tir e fez a saudação: lua e a escuridão avançava em pleno meio dia, sobre a
Amon, deus oculto, praça cheia de gente que gritava de horror, correndo de um
que te apresentes diante de todos, lado para o outro, e partindo para cima do tro~o. .
para mostrar teu poderio e tua força, May o pressentiu e tratou de correr a tirar do trono Ment-
destrua teus inimigos, Aton e Semenkarê. Parvah tentou fazer o mesmo com Akn~ton,
restaurando tua dominação. mas este não o seguia, como que hipnotizado pelo espetaculo
Uma grande quantidade de pessoas ovacionou natureza.
dotes. Orion tentava chegar a ele, quando viu um fanático dentre
Olhando-os, Orion foi tomado de um temor íntimo, u os sacerdotes golpear com um punhal o peito do faraó.
gosto que não saberia definir. Por que seu filho não o d - Não! - gritou o escriba em desespero.
Por que teimava em não lutar com os exércitos, e fragi A multidão agora corria, derrubando o templo de Aton, co-
seus verdadeiros amigos e seguidores? E onde andaria locando fogo em suas estruturas, e virando de pernas para o ar
heb, no qual ele não conseguia confiar? as bancas dos mercadores da praça.
Nisto, um vento começou a va.rrer a praça principal. Alguns corriam sem saber para onde ir, pisoteando ho-
Os sacerdotes se olharam. Eles não queriam que ac mens e mulheres.
apagasse o evento que aguardavam para aquele moment Animais assustados se transformavam em algozes de
tanto tempo esperado. crianças e homens. . . , .
Aos poucos, uma sombra começou a cobrir o sol. Velhos tentavam se ocultar em vão, em meio a balburdla
soas apontavam com o dedo, falando alto, gritando. Algu instalada.
nham verdadeiros ataques de pânico e histerismo. May conseguiu levar os herdeiros a salvo para sua casa, e
Aknaton olhava para o sol, sem entender o que ocorriá; tudo se transformava numa praça de guerra, onde os último~
tinha conhecimentos astronômicos que lhe permitiam saber soldados fiéis comandados por Senaa, tentavam com suas bl,-
a lua, algumas vezes no passado, tinha empanado o brilho gas, dominar a situação, escoiceando quem se lhes pusesse a
sol, mas sempre achava que eram parte de lendar aquel frente.
narrativas e as atribuía ao fanatismo dos sacerdotes, que Yamkamu e Senaa lograram chegar até o faraó numa poça
mandavam os arquivos em palácio, muitas vezes. de sangue e o carregaram para o palácio de Nefertiti.
O espetáculo de um eclípse total, que fora informado Muita gente abandonava a cidade, acreditando que tudo
áulicos das trevas, tomava de inopino a praça, transtornand seria destruído pela fúria de Amon.
mente das criaturas. Mas o eclípse total se dava além da cidade dc:s Horizon~es
- Amon é o Senhor, Amon mostra sua força! - gritou e, aos assistí-Ia, Ti! entendeu que a natureza dos ceus conspira-
para o povo, causando ainda maior tumulto. va contra os ideais de seu filho, na terra.

280 281
Tiveram que parar, e, somente quando terminou o Seus olhos se embaçaram e ele entregou sua alma nos
com o coração em turvação profunda, eles avistaram os c braços fortes de seu antigo professor e de seu avô.
nos da cidade do Horizonte, de onde multidões em desvar A consternação cobriu a família e os amigos mais chega-
giam às pressas. dos.
Obedecendo ao influxo da força maternal que a dire Tii levantou-se e deu ordens a Akshi que providenciasse a
va, a antiga princesa dos mitânios atravessou a cidade, on mumificação do soberano, sem que ninguém ficasse ciente de
cos de incêndios se viam aqui e ali, vendo as pessoas mo sua morte. Em seguida, voltou-se para os que a olhavam admi-
feridas, e encaminhou-se ao palácio real. No caminho e rados e falou:
trou Senaa, que, emocionado, após as saudações de prax
- Aknaton não morreu, porque a Verdade não morre. E o
formou que Orion e Sen Nefer haviam levado o monarca p
susto de seus inimigos será o de vê-lo surgir novamente, na
palácio de Nefertiti.
próxima reunião pública.
A rainha seguiu com seu séquito e a filha, e ambas
nham coragem de falar nada, porque o pensamento Todos pensaram que ela enlouquecera. Mas não, Ti! final-
ocorria era o de não encontrar o faraó com vida. mente entendera o conselho que Amenhotep lhe dera ao mor-
rer.
Na sala do trono, Tii assistiu a cena mais dolorosa
sua vida. Tudo foi feito conforme ela decidira. Orion a olhava entre
Com a cabeça no colo da esposa, cercado pelas surpreso e encantado. Onde ela encontrava tanta resistência,
pelo genro e pelo filhinho de três anos, Aknaton respirava em meio às dores que lhe acicatavam o ser?
dificuldade. - Eu não acredito no que vejo. - comentou ele para Senaa.
Ao vê-Ia, parecia implorar com o olhar que ela se Quando, finalmente, o corpo do faraó dormia seu sono no
masse, como se estivesse esperando que ela chegasse. tanque da Casa da Luz, ela pôde chorar. No dia seguinte, cha-
Segurando o pranto, ela se ajoelhou ao seu lado e a mou ao quarto sua filha Beketaton.
ciou-Ihe a cabeça, retirando-lhe a coroa. - Assumirás o lugar de teu irmão. Te apresentarªs em pa-
- Mãe, perdoa. Eu devia ter ouvido as previsões lácio e Semenkarê e Meritaton governarão ao teu lado. Ele pas-
Aném. sará a dormir em teu quarto, para guardar-te a vida. Os
A túnica branca, totalmente coberta pelo sangue dele, sacerdotes não perceberão a troca. Pensam que morreste nas
conta do ferimento fatal. ~ pirâmides. Não te viram chegar. Somente voltarás a assumir tua
- Não fale. ficarás bom. - comentou NefertitL identidade, quando isto se fizer necessário e, então, a notícia da
Beketaton, abraçada a ele, deixava-se envolver por morte de Aknaton poderá ser levada aos quatro cantos. É preci-
dolorido, e ele, já sem forças, falou-lhes: so agilizar a tropa, com Horemheb, Senaa, Aye e outros, porque
temo que Ribaddi já esteja entre os mortos.
- "O reino eterno não pode-ser colocado dentro dos limit
terren?s. Tu?o retornará ao antigo. O medo, o ódio, e a injusti - Não dará certo, minha mãe. É uma loucura! - falou a
voltarao a reinar e os homens sofrerão novamente." princesa temerosa.
Voltando o olhar para a mãe e para Orion, ajoelhado - Ou isto, ou todos seremos mortos.
seu lado, concluiu: - Ribaddi já morreu. - falou uma voz à porta.
"- Teria sido melhor não ter nascido, para que não A rainha e a filha olharam. Era Nefertiti, profundamente
todo o mal que há sobre a terra." abatida.

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- Sua última carta dizia que tinha entregue tudo a "Ao escriba do rei, meu senhor, fala o seu servo Abdikhipa:
ta, para conservar sua vida. Um mensageiro chegou a torne essas palavras claras para o rei, meu senhor: Todas as
desafio dos sacerdotes, ontem, dando conta de que a ci terras do rei meu senhor, serão perdidas."
Tire caiu, logo após 8imyra. Em vão, seu rei Abi-Milki Tii podia ver agora com clareza, perceber as falas últimas
pas ao rei. Pakhura se passou para Aziru e dizimou filho, mas também as multidões que deviam estar marchan-
que poderiam ajudar Ribaddi. Ele foi traído pelo próprio do para o Egito, fugindo às represálias dos ~ona~cas que ha-
pela esposa e pelos seus servos e foi assassinado. Os fil viam se acumpliciado para a derrota de XVIII dinastia.
Abdashirta tomaram Gebal, confiscaram todo o ouro e pr Quanta gente, naquele momento, estaria sendo sacrific~­
das as riquezas. aprisionada, escravizada. Quanta gente morreria ou sena
- Como morreu Ribaddi? - quis saber a rainha. massacrada moralmente.
- Contam que ele caiu vivo nas mãos dos inimigos, - Onde estão os arquivos de Amarna? - perguntou ela a
podemos deduzir... foi entregue aos amoritas, que Orion.
vam pela sua fidelidade ao Egito... Imagino quanto foi tortu - Os papiros foram levados por Ranufer e Hatiay, mas eu
Tii lembrou-se. Desde que lera uma carta vinda de guardei os originais em Amarna, comigo. - falou ele.
karradu, ao rei do Egito, na sua última viagem, que pon - Os testemunhos da incompetência do rei e da rainha. -
com Aknaton da desconfiança que os elogios e os protes disse 'ela olhando para Nefertiti. Depois, como se quisesse ame-
vassalagem dele lhe causavam. Provavelmente todos os nizar as conclusões a que chegara, aduziu: - Talvez o reinado
tos haviam se iniciado na planície de Jezreel, com os fil de meu filho tenha sido o mais luminoso da humanidade. Seu
Labaia, insuflando todos contra o povo de Gina1 • pacifismo era prematuro para seu tempo.
Os habirus atacavam nas estradas. Tantos apelos, d TU fez do palácio de Nefertiti seu quartel general.
nha Ninur, de Addu-dani, Dangatala, vários monarcas locai Quando, na reunião pública, os sacerdotes compareceram
viam ficado sem respostas. para destituir a família imperial, foram surpreendidos com Nefer-
O correio egípcio fora interceptado a 14 milhas de Je titi e o faráo Aknaton sentados nos tronos régios. Ninguém po-
lém. dia entender.
- Pregar amor às feras sem malha para as prender, Sob a perplexidade dos presentes, que sabiam o faraó
mas para as destruir é temerário. toca de lobo, morto, pelo golpe sofrido, Beketaton, travestida como se fosse
ovelha não dá recado. ele, decretou:
TU olhou para a rainha que a substituíra com profunda _ Passam a me substituir no governo do Egito minha filha
Ela cansara de avisar o filho e a nora do perigo Merit-Aton, que, em deferência com Tebas, passa a se chamar
mas não a tinham ouvido. Mer!t Amon e Semenkarê.
Nisto, a figura de Orion se destacou atrás da jovem Em todo o Egito, os templos de Aton eram queimados e
- Também eu recebi recados. - falou ele, estendend saqueados, em decorrência do desafio ocorrido em Amarna.
uma tabuinha onde se viam os caracteres do servo de Abdkhi Com a mudança do nome da neta, Til tentava ainda salvar
a dinastia.
Com seu ouro comprou a participação de mercenários e de
1 na Bíblia - Grannim
Horemheb, que procurava agradar, para chegar a Beketaton.
A morte do monarca mudava o rumo dos acontecimentos.

284 285
Beck, o escultor de Amarna, tendo feito duas
gantescas de Aknaton, com o cinzel tirou o falo a uma
Para um artista observador como ele, alguns detalhes n
tos e fisionomias do monarca no trono, mostraram-lhe q CAPíTULO XXXIII - ÚlTIMO ADEUS
ketaton assumira o lugar do faraó.
Esta estátua atualmente no Museu do Cairo intriga o
diosos, que não encontram explicação para uma figura Til iria regressar a Tebas, onde pretendia ser enterrada ao
naton num corpo de mulher. lado dos seus ancestrais. O tempo de esplendor do Egito pare-
cia terminar. Mandara vir à sua presença Sen Nefer e Orion.
Olhou-os com profundo carinho. Sabia que não mais os ve-
de novo, pois pretendia partir da vida física brevemente.
Antes de partir, contudo, pretendia pô-los a salvo da perse-
guição que se instaurara.
- Comandante, príncipe do s'ul, - falou dirigindo-se a Sen
Nefer. - Mitani foi invadida e poucos lugares nos restam para
refúgio. Tenho amigos fiéis em Sudão e para lá enviei um men-
sageiro, que saberá guardar os testemunhos do governo de
meu filho. Ordeno-lhe que, com uma guarda fiel, acompanhe até
fora das fronteiras, para o local que determinei, Orion e sua fa-
mília. Vocês viajarão incógnitos, como refugiados em busca de
abrigo, mas preparados para qualquer ataque. Estarão entre
esta multidão de sujos e maltrapilhos que são alvo de ataques
nas estradas, e buscarão o deserto, seguindo a trilha que lhes
indiquei.
- Não pretendo ausentar-me de Amarna. - falou Orion com
sobranceria.
- Você fará o que eu mandar! - respondeu Tii. E com um
gesto despediu Sen Nefer, ficando a sós com ele.
- Você me deve duas frases, Orion, e um dia vai dizê-Ias.
Por enquanto, me contento que acompanhes o oficial do rei e
que leves uma mensagem minha, para ser entregue a um ami-
go que os albergará, para evitar que sejam mortos pelos sacer-
dotes de Amon. Não tenho nenhuma dúvida que eles destruirão
toda a família imperial. Não precisas ficar aqui, assistir ou parti-
cipar disto.
- Tii, gostaria que tudo fosse diferente. Te preocupas comi-
go, mas tua vida é que corre perigo.

286 287
-: Minha vida perdeu todo significado, Orion, há Beketaton voltava a assumir seu lugar de princesa, e Beck,
po. VIVO apenas para os outros. E tu não tens senão o escultor de Amarna fazia duas estátuas gigantescas, uma
cer. í:1presentando Aknaton como homem e outra como mulher,
Orion estendeu-lhe um escaravelho 1"'l"Y,hr."'nr'~ que tinha de contar o que sabia daquela troca.
que guardara com carinho. Ele leu a i~scrição:
A população abandonara Amarna.
Anu", um dos títulos de seu filho.
Tebas voltou a ser a sede do governo.
. - O~r.igado. - falou ela contendo o pranto. - Os
Jam proplCiOS. Tii foi enterrada num túmulo num barranco de Darb EI-Ma-
lek. 1 Quando Merit Amon e Semenkarê foram assassinados pe-
- Eu não pude evitar. - falou ainda o escriba.
membros do clero infiltrados em palácio, o corpo de ambos
- Creio que ninguém poderia. - respondeu ela.
mumificado e transladado para lá.
Orion beijou-lhe as mãos, fitou-a dentro dos olhos Ankhesenamon, que antes tivera o nome de Anksenpaton,
. No outro dia partia. Quando chegaram ao seu desti sob a orientação de Nefertiti, casou-se com Tutankamon, ainda
pOIS de uma longa jornada, entregaram a missiva da infante, e ambos subiram ao trono. O príncipe, filho de Aknaton,
Com surpresa, foram informados que ela continha outr tem nove anos, quase a idade com a qual seu pai assumira a
lhes era dirigida.
regência.
~a r::issiva, Tii cOrn~ava a Sen Nefer e a Orion que
Para evitar a influência de Nefertiti sobre os novos reis, ela
e~am Irmaos de Amenofls 111, e se despedia deles, pedin
nao retornassem mais ao Egito, pois suas vidas corriam ri é assassinada, durante um passeio pelo Nilo.
Durante nove anos governa Tutankamon, nome pelo qual é
- E a vi~a d_ela? Não correria risco também? - perg
Sen Nefer ao Irmao que o seguia tardiamente. - Ela quis s reconhecido, agora que os editais dos sacerdotes banem da
te! história do Egito a lembrança de Aknaton, tratanto-o por herege
- ~Ia sem dúvida, deve estar dando sua vida por e louco.
pelo Egito. - respondeu Orion. No plano espiritual, Tii sofre tremendamente.
E não se enganava. Para diminuir o poderio de Am Apesar do domínio ostensivo que eles exercem sobre to-
se ligava a Eje, aceitando-lhe a corte. dos, não se contentam e ainda insuflam no novo faraó as idéias
. Meses depois foi encontrada morta em sua cama. mais demoníacas.
trlS a pro~urara. Encontrou-a agonizante, no leito: - Tii, o q Fazem-no participar dos sacrifícios humanos no templo,
ze:te? Nao m~rras! E o cunhado tentava recuperá-la. A r conduzem-no às ligaçóes com as trevas, as quais servem.
o flt~u ~om magoa e falou com dificuldade: - Pobre e qu Beketaton tudo faz para impedir que a irmã e o meio irmão
Sesostns..Desta vez, chegaste tarde. - Não morras, Tii! E chafurdem mais e mais na influência e domínio sacerdotais. Inú-
amo!. - gritou ele. Os olhos dela demonstraram surpres til.
Querido, perdoa-me. - murmurou - descobrir teu amor tão Quando o faraó completa dezoito anos, tenta romper com
de... Ninguém deu falta de seu colar de cobra. Somente N eles.
Liu é que procuraram em vão por ele. Havia desaparecido.
O ~orpo de Aknaton foi enterrado em Amarna, porém s 1 o túmulo de nO 55 pelos pesquisadores não continha mais o corpo de Tii. quando foi descoberto.
perseguldor~s descobriram e queimaram a múmia, que Temendo-a. mesmo depois de morta. os sacerdotes haviam surrupiado a múmia.

traram. Temiam-no mesmo depois de morto.

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Começa a pensar na infância junto a Nefertiti, a Tii assistiu seus últimos momentos, sem poder fazer nada.
cender o ideal do pai. Eles sequer a viam.
- Ele caminha para a própria destruição. - coment Também, do mesmo modo, o palácio em Tebas foi invadi-
nhotep para Tii, fragilizada com os acontecimentos. do pelos sequazes dos sacerdotes.
- Para que nascer e viver assim? - pergunta ela. - Tutankamon fugiu em sua biga, pensando atingir um local
deixar o mundo entregue aos maus. onde pensava em refugiar-se. Perseguido por duas bigas, seu
- Não diga isto, minha filha. O mundo nunca estar carro foi interceptado. Seu corpo, arrastado pelos cavalos, so-
mãos do mal. Apenas o livre arbítrio permite ainda aos inq freu várias fraturas, e, sob forte hemorragia interna veio a fale-
as ações que os farão chorar no futuro. - cer.
Aguardemos trabalhando no bem. Um milênio para o Enterrado com todas as imantações terríveis dos sacrifícios
dor é um instante. sangrentos, sua múmia, quando encontrada, trouxe a mort~ a
. - Quantos milênios terei que esperar até ver Orion,$ mais de dez pessoas, em seqüência, tal como fora prometido
tns e Sen Nefer, novamente? E, se voltar a vê-los, lembr aqueles que violassem seu último repouso.
que aconteceu entre nós? Ankhesenamon tentou ainda se consorciar com um prícipe
- Os fatos que mais marcam nosso espírito ficam gray hitita, que Horemheb assassinou a caminho do Egito.
e são lembrados nos reencontros, quando estamos prepar
Inconformada, a terceira rainha, filha de Nefertiti e Aknaton
para passar pelos mesmos testes de amor e resistência.
jarias relembrar tudo? consorciou-se com Aye, pelos seus títulos de nobreza. Por qua-
tro anos governou ao seu lado, mas ele já tinha idade, e veio a
- Eeu posso esquecer? - perguntou ela.
E rumaram para buscar notícias de Orion e Sen falecer.
Infelizmente, os sacerdotes haviam procurado pelo Neste tempo, para vencer a invasão egípcia, Horemheb em
e pelo comandante, e lograram descobrir-lhes o paradeiro. acordos e pela sua força militar, tinha certa ascenção sobre o
Estavam os dois conversando num oásis: clero.
- Escondi as tabuinhas de argila em minha casa Ele sempre soubera que uma dia seria faraó. Aliás, sua
pero um dia possam encontrá-Ias, para que se saiba: pelo ambição não pedira outra coisa. .
nos em parte, o que aconteceu com Aknaton no final de Deste modo, ele se casou com Beketaton, prometendo, dai
reinado. - falava Orion. ' em diante, impedir mais assassinatos na família imperial.
- Você o amou muito, não é? - perguntou Sen Nefer, Em 1314, sem herdeiros, eJe decidiu entregar o trono, an-
rendo entrar em perguntas que vinham lhe amarfanhan tes de morrer, a um novo faraó, que é nomeado de Ramsés I.
alma. - Por que o "Rei-Sol" lhe fora tão querido, por que Tii
No governo dos ramassidas, o que restava de Aknaton foi
preocupara com sua segurança? Teria havido entre eles um
mance? destruído sistematicamente.
-: Ela ordenou que me guardasses, para, com isto, livr' Porém, como acontece com todos os usurpadores, os edifí-
tambem! - respondeu Orion nervoso. cios, templos e construções foram erguidos sobre as pedras
Mas não pode completar o raciocínio. foram cercados reutilizadas das obras de Aknaton. Seus próprios detratores lhe
soldados mercenários, que, em luta, os subjugaram e assas imortalizavam indiretamente os passos, mantendo as inscri~
naram. ções.

291
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Somente no século XX as tabuinhas do escriba quezas dos versos de Aknaton são tão abundantes .quanto os
guardadas em Amarna, eram encontradas, e ele, grãos de areia das margens ou as escama: ~os peixes. ~eus
vista televisiva informava: jubileus são milhares. O corvo do Deus faraonlco branquejou e
- Sei como foi destruída Tel EI Amarna. Foi duran o cisne branco que dançava se vestiu do preto do luto.
eclípse do sol, dando supremacia aos sacerdotes de A Fim da primeira parte.
lua. Hoje, um novo buraco negro descoberto em Cygrus (Cis-
E diante dos incrédulos, não temia em continuar ne), pelo telescópio americano Uhuru, o <?ygrus X-i, tem !"1.assa
munho, dizendo. estimada em 8 vezes a do sol. Ele estaria sugando materla da
- Eu estava lá! Eu fui o escriba do faraó Amenófis estrela 226868.
Sensível a esta corajosa afirmação, Tii, e seus comp
ros de luta e de evolução observavam o escriba redimid
antigos sacerdotes de Amon, o comandante da guardê
muitos reencarnados, sem a possibilidade de uma recor
tão forte e tão massacrante, quase quatro mil anos depois.
E TH, onde andaria? Lembrar-se-ia ela da longa jorna
dor, sofrimento e obstáculos, em busca de uma nova luz?
Onde estaria UH e Tir, Sen Nefer e Eje?
A lembrança daqueles fatos lhes seria permitida?
E, em caso afirmativo, quanto isto lhes custaria?
A inscrição de Tel EI Amarna dizia:
" Que ele viva em Amarna, até que o cisne se
e o corvo branco, até que as montanhas se levantem e
nham a andar, até que a água flua até a montante, até que
riquezas sejam tão abundantes, como os grãos de areia
margens, como as escamas dos peixes. Até que ele ce.
tantos jubileus como as penas dos pássaros e as folhas d
vores ...
A múmia de Aknaton ficou em Amarna até ser desco
queimada por Sayce, um egiptólogo inglês. A múmia de B
ton enterrada em seu lugar com o braço direito ao longo d
po foi um enigma para seus descobridores. Pens
encontrar a múmia de um faraó, mas a postura do corpo er
minina.
O cisne não se tornou preto nem o corvo branco, ma
montanhas onde foram construídos as gigantes estátua
Ramses se levantaram e andaram para não serem encob
pelas águas. As águas do Nilo por sua vez, subiram. Hoje

292 293
11 PARTE

1 -CAPíTULO I - Ulisses e o Cairo (Tomás).


2 -CAPíTULO II - De Keruef ou Senaa a
(Tomás) ..............................
3 -CAPíTULO 111 - De volta ao passado (César) .•.
-CAPíTULO IV - Ave César! (César) ................. CAPíTULO I - ULISSES E O CAIRO
5 -CAPíTULO V - Reencontro com Joaquina
(Tomás) ................................
6 -CAPíTULO VI - O Grande teste (César) .........
7 liA MULTIDÃO AGORA CORRIA, DERRUBANDO O
-CAPíTULO VII - O terceiro milênio (César) . TEMPLO DE ATON, COLOCANDO fOGO EM SUAS ESTRU-
8 -CAPíTULO VIII - O galope da Esperança TURAS E VIRANDO DE PERNAS PARA O AR AS BANCAS
(Tomás) ........................... DOS MERCADORES DA PRAÇA..•" (trecho deste livro-capí-
9 -CAPíTULO IX - Faça-me chorar (Tomás) ......... tulo A Morte de Aknaton.)
10 -CAPíTULO X - O Parapsicólogo (Tomás) ........ Corria o dia 12 de outubro de 1992. Protagonistas vários
11 -CAPíTULO XI - Em S. Francisco do Sul daqueles longínquos anos, desde o reinado de Amenofis 111, até
(César) ..................................... a morte do último faraó da XVIII dinastia, Tutankamon, em pere-
12 -CAPíTULO XII - Palavras de Abraham grinações diversas, em múltiplas existências, tentam concretizar
lincoln .................................. o ideal fraterno, numa nova grande nação, o Brasil, marco reno-
13 -CAPíTULO XIII - Marcus Tullius Cicero, Roma- vador de tantas jornadas, para o qual os grupos reeditam, com
55 A.C...................................... sacrifício e determinação, os sonhos de antanho.
Quatro anos durara a construção de Tel EI Amarna, e, sin-
cronicamente, cinco anos levara para que se erguesse, no Pla-
nalto Central, uma nova urbis, qual ibis que erguesse suas
asas, renascendo na esperança de um homem, Juscelino Kubs-
tchecl< de Oliveira.
As construções monumentais, em tudo parecidas aos
imensos templos e monumentos egípcios, a determinação, a
garra, a vontade férrea, o entusiasmo popular, o rosto moldado
no corpo carnal à feição das múmias faraônicas, as regras no-
vas trazendo a industrialização, querendo gerar empregos, tes-
temunhando uma predisposição, no concerto das realizações,
demarcadas pela espiritualidade, a concretização da profecia de
João Bosco...

295
Tomás Antonio Gonzaga Uma mulher chamada Til

No dia 22 de agosto de 1976 um opala prateado, Orion, que escreve os últimos capítulos deste nosso ro-
pelas circunstâncias traiçoeiras criadas na Dutra, atré3.ve: mance, partiria dia 3D de novembro do mesmo ano, vítima de
pista e vai de encontro a uma carreta Scania Vabis, uma isquemia cerebral, seguida de derrame, depois de ter leva-
seus dois ocupantes. a mensagem do Cristo, onde lhe permitiram seu gênio e sua
vontade férreos.
Forças militares queriam acabar com as lideranças
A estrada, um ônibus vazio, um helicóptero? O que i Doze de outubro de 1992. Nuvens escuras toldam os céus
quando a morte é o fim colimado? Acaso a morte ""r~,,,,i<'<:l próximos a Angra dos Reis (enseada, ou baía dos Reis.)
gica? Acaso ela conspira secularmente, ultrapassando Ulisses Guimarães, Severo Gomes e suas respectivas es-
tes humanos? posas, levados pelo piloto Jorge ComeraUo, embarcam no heli-
cóptero que os conduziria numa viagem sem relorno.
Março, abril, agosto. Meses demarcatórios de gr
acontecimentos na nacionalidade egípcia, romana e brasil Estiveram hospedado na casa dos Guinle.·
Próximo dali, outro personagem importante nas lides brasi-
Agosto marcara a Independência, a morte de Getúli
leiras dá entrevista aos repórteres e jornalistas; o piloto Aylton
gas, impedindo o avanço do totalitarismo, novamente
Senna da Silva1 •
pela presença de LoU, ao dar o golpe para a posse de
no seu carro prateado, ele encontrara a morte. Da Angra dos Reis, em vôo para a morte.
"Ainda bem que estamos vivendo política". Última frase re-
Quantas dúvidas levantaria com sua partida,
branças do passado, todas ressarcidas com a ",,,..,...h, gistrada pelos que o viram com vida.
ibis nacional, no coração do país. Em S. Paulo, a previsão de sua morte como acidente, sem
o ser, e a impossibilidade de recuperação de seu corpo é feita
Saltemos até o dia doze de outubro de 1992. Nosso numa reunião mediúnica. Pessoas dão testemunho da informa-
de amigos se divide em facçóes diversas. Uns buscam o ção e arquiva-se o registro, orando pelos envolvidos na trama.
de lembranças tão antigas e tão próximas, outros rode
O helicóptero é arrastado pelo vendaval.
país, no itinerário de companheiros que labutam nas host
píritas, outros demandam a praia do Sono, onde aguar No Cairo, no bairro de Heliópolis, e na cidade próxima de
desfecho de um emedo mirabolante. Giza, equipes espirituais se articulam, para aplacar a violência
de um terremoto que, em vinte segundos, levaria à morte mais
No Rio Grande do Sul, um artífice da imagem, junto de quatrocentas e cinquenta pessoas, deixando ao desabrigo
CEF articula o seu "Criança Esperança", voando de lá p outras milhares.
cife, afim de participar de um Forum de Debates, on
Edifícios vêm abaixo numa nuvem de poeira; mais de du-
tribuna, tal como César o fora no Circo Romano, é ovacio
zentas edificaçóes se transformam em armadilha mortal para
Olhos espirituais vêem no palco uma biga toda branca, pu
seus ocupantes.
por cavalos brancos, guardada por um centurião.
As grandes e trágicas cenas inscritas no espírito de Interessante observar que o piloto tem no sobrenome o final Alto e o piloto de fórmula um o
tem no primeiro nome - Aytton - Aton. Ulisses tem Silveira e Aytton o Silva no sobrenome
o escriba de Amenófis !li e Amenofis IV, demarcam a rota
levaria de Ave César a Ave Cristol

296 297
Tomás Antonio Gonzaga
Uma mulher chamada Til

Mulheres egípcias choram em desespero homens


controlam, crianças perplexas conhecem o d~samparo Vargas do Amaral Peixoto, também neta de Getúlio e Amaral
Peixoto, ele, Ulisses, que fora namorado da neta do Visconde
fandade, a C~uz Vermelha se articula, e algumas estát
do Rio Branco.
Museu do Cairo e nos templos de Luxor, antiga Tebas sã
rubadas. ' Em Brasília, Ibsen Pinheiro suspende emocionado a reu-
Danos em escolas, monumentos históricosdesabri nião na Câmara dos deputados2 .
m.ortos,_desespero nas cidades superpovoadas.' Turistas Os brasileiros nem percebem o que ocorre, com a partida
lelros na? estavam no Cairo na hora do terremoto sendo do homem da coalização nacional, quando aquela comunicação
do catachsma que atingiu 5,9 pontos na escala Ri~hter. oficial cai sobre o plenário.
sobre a cidade e sobre Angra, como que uma tel Equipes de salvamento varrem a costa, em busca do corpo
gantesca mostra a figura de Til lendo as anotações de Orio que deverá receber honras de chefe de Estado. Todos resistem
. - Ele conta com quatrocentos e cinquenta asseclas em admitir sua morte. O homem que superara, durante toda a
tre~nados, para interferirem a qualquer momento, afim de vida, tantas atribulações, não podia simplesmente desaparecer
trulr a fa~lha dos reis... Quatrocentos e cinquenta fiéis seg em meio a uma nuvem, numa tempestade, engolido pelos pei-
res de Uh, do Templo de Amon, em Tebas. O mesmo nú xes. O homem do impeachment, que fora o mesmo das Diretas
do coro do templo. Coincidência também terrível. Já, o homem da pacificação. Como admitir-lhe a morte, daquela
forma trágica, seguido pela esposa e pelos amigos, bem como
A adoração a Amon, se transformara em amor, identifi
nas letras do nome da companheira Mora. pelo seu piloto?
. Escombros no Cairo e Giza, planície de Gizé onde as Os olhos trágicos da escrava núbia, no tanque sacrificial do
n~:des assistem impassíveis o desespero que se' instala n Templo de Tebas, parecem cobrar, no momento derradeiro, jun-
glao. to de Tir e UH, Eje e Mérura:
Zahi. HTawass, encarregado da conservação dos monurr) - Maldito! Você me prometeu! Hei de me vingar!
tos de Glze, repete a frase milenar: "O homem tem medo Ela, no entanto, nem podia assistir aquele fecho trágico de
tempo, mas o tempo teme as pirâmides.". tantas mortes, causadas pelo sonho de Aknaton e sua família.
Lui~ Gutemberg ~ompara Ulisses a Moisés, que quer Ela desconhecia o envolvimento final, que levara Tiradentes ao
chegar a terra prometida, leva seu povo até lá, mas não cadafalso do Rio de Janeiro, com o corpo esquartejado e devo-
penetrar nela. rado pelos abutres, e Ulisses, na praia do Sono, sincronicamen-
.U~isses não realiza o sonho de ser presidente da ~~~..'."'I:< te com mais de quatrocentos e cinquenta pessoas que partiam
braSileira por voto popular. também, rumo a novas conquistas no Plano Espiritual.
Artic~lista polít~co desde Getúlio, passando pela Brasil e Egito, em ponte direta, faziam a ceifa de vidas,
de forr:n a lrrepreenslvel, articuiador das leis constituintes, numa cobrança terrível dos antigos acontecimentos, registrados
panhelro de Tan?redo.~e~es, e de Freitas Nobre, (o antigo fil na tela mental e psíquica de Tii, Orion, e tantos outros.
bastardo de Jose Bonlfaclo.de Andrade e Silva, no século p
sado,) elTe almoçara no domingo numa casa fantástica, constr 2 Ibsen. cujo nome lembra a Ibis egípcia.
da no seculo XVII e trocara impressões com sua neta' EUa
Tomás Antonio Gonzaga

Nas manobras do Destino, outro protagonista


nação brasileira, preparando-lhe novos golpes de
O restaurante Piantela, da "turma do poire" fecha
Egito, Itália e Brasil sincronizam seus relógios, para
branças cole~iyas e pessoais, e o sol reassume seu po CAPíTULO n- DE KERUEF OU SENAA A SENNA
tando seus raios sobre as ondas de Parati e os escom
Cairo e Gizé.
E, enquanto Orion se despede triunfalmente da trib
píri~a, deitando se~s manuscritos das lembranças co
amigos paranormais, Juscelino se prepara para o rel? No Vale dos Nobres, a tumba de Rakmara mostra os tribu-
com Ulisses, o antigo amigo de tantas jornadas, comenta tos pagos pelos povos estrangeiros ao Egito, desde o pais de
- Eu tenho meu "sarcófago" na nova "cidade dos Punt, de Keft (Creta) , negros de Kuch, Assírios e siríacos do
tes", onde se pretende planificar um mundo novo meu Norte, enviados de Ratenu.
querido amigo, enquanto tu, qual Moisés, não poderás Já a Tumba de Keruef ou Senaa mostra cenas de festas e
na "Cidade Sagrada" banquetes.
Tal como outrora Moisés reeditou o sonho monoteí
Depois que Aknaton foi destruída, os nobres muraram suas
Aknaton, estes homens reeditam no Novo Mundo o sonho
co e religioso, filosófico e cultural do mundo antigo. residências e transferiram seus mausoléus para Tebas. O Su-
perintendente da Grande Esposa Real, d!3 Amenofis 111 e ~me­
nofis IV, (conhecido por Aknaton), tambem rumou para la. As
quatro jovens filhas de seu rei são retratadas, conversando e
dançando na sua tumba, tal como ele as lembrava com ~auda­
de. Tutmosis, o arquitetos escultor, junto com Beck, contlnua~
nas anotações iconográficas as denúncias e as lembranças feli-
zes.
Dando um salto no tempo, em 21 de março de 1960 nascia
Aylton Senna da Silva. No mês seguinte, a 21 de abril, Juscelino
inaugurava Brasilia, sonho inconfidente.
Tímido, corajoso, sincero, um novo herói brasileiro estendia
a esperança do modo como sabia, pelo vídeo, pela tela da ~ele­
visão do mundo inteiro, inserindo o Brasil atraves de sua açao e
tremeluzindo sua bandeira.
O retorno às ruas se daria num dia de despedia, triste e so-
frido, quando o povo usaria a bandeira como lenço de pranto.
No centro de um círculo gramado, a urna saudada pelo mundo
todo, demarcava a fronteira entre o sonho e a. realidade, em
seis vias que unidas formariam uma estrela de seis pontas.

300 301
Tomás Antonio Gonzaga Uma mulher chamada Tii

, Tal como no Egito a alma se torna uma estrela, Aylton


E o circo humano se prepara para dar continuidade aos es-
zara, quem sabe, uma delas da Constelação de Cocheiro.
petáculos, que lhe rendam a emoção pública e o dinheiro entre-
um Silva é feito espetáculo público com sua morte pelas
Desde Silva Xavier, Ulisses da Silveira Guimarães até S sonhado.
Silva, o perigo fazendo parte da vida e dos sonhos. ' O sangue derramado de ontem e de hoje não acorda as
consciências dos adoradores de Mamon. (Amon) O país de mi-
Prestígio nas pistas, tal como outrora, coragem, deste lhões de deserdados e sonhadores pranteia o herói do pódio,
exemplo aos moços, e o cortejo fúnebro acompanhado sem dar-se conta de que pranteia por si mesmo. A versão de to-
mundo todo, obrigando políticos e militares a carregarem-Ih dos os acontecimentos, desde a morte de Juscelino, de Ulisses
despojos. de Senna, nas anotações sumaríssimas dos interesses, nos en-
C~valarianos .guardam seu ataúde levado pelo corp sina a sobreviver cada dia, carregando o sonho vergastado pelo
bombeiros, com OitO cavalos brancos à frente ricamente golpe de 1964, ou interrompido na destruição de Tel EI Amarna,
zados, e oito de cada lado do cortejo e mais oito atrás eme ou reacendido pelo mineiro de Uberaba, que contribuiu pela te-
los marrons. levisão, com programas dedicados à infância e à Espiritualida-
Penachos vermelhos e capacetes na cabeça, eles fá de.
parte da homenagem sentida, ao ídolo que fora imolado nâ Posições de mando, prestígio, sem recuar jamais, e a co-
lia. (em Imola) brança inapelável da morte trágica, derramando o sangue dadi-
, Saudado em todo lugar onde aporta, reverenciadq voso, para as gerações futuras. Homens prodígios, crianças
ceus, ele atravessa o Atlântico rumo a S. Paulo, que nãod promessas, épocas áureas, caminho de sucesso, marcados
esperando-o, P?ra demonstrar, em nome de todo o pa pela incompreensão e pela dor, as bigas atravessam a fronteira
quanto ele significou para todos. do desconhecido rumo ao alvore.cer do terceiro Milênio.
E sabemos que Além da Vida, a participação de pessoas
O sol se ~cumplicia com jovens, velhos e crianças,
envolvidas em múltiplos acontecimentos planetários, deve-se
saem em corteJo, pelas ruas e avenidas. O luto se mescl
realizar com calma e tranquilidade, aceitando os fenômenos que
verd~ amarelo das novas cores, e as lágrimas e palmas r acontecem, na programação nem sempre suave dos milênios.
renclavam o homem que, de macacão vermelho subira ao
dio tantas vezes, para brindar a vitória nacional. ' E a medida que os fotogramas invadem nossa tela mental,
em sucessivos "flashes," a noite que invadiu durante o dia a Ci-
Lágrimas, chuva de papel picado, a impossibilidade fam dade do Horizonte de Aton, parece novamente invadir nosso
da contrição solitária, da intimidade na dor. Suicídios, sínc6 ser, nas lágrimas que toldam a visão, como nuvens negras a in-
atropelamentos, desmaios, comoção levada às raias do de verter os papéis de algozes e vítimas, sob o som das patas dos
pero, flores, declarações e o imenso silêncio do sono resta cavalos que cadenciados ecoam, no meio dos aplausos e do
dor, para alguém superespecial. pranto das mesmas testemunhas da queda final da XVIII dinas-
Honras de herói finalmente espargidas, a quem soube tia egípcia.
bem seryir ao seu ideal, com dignidade e firmeza. Orações O início vitorioso, através da Lothus, é hoje a partida brus-
entretecidas no mundo inteiro, para quem está acima de t ca e a consagração do herói, que desfila no carro vermelho, no
agora,. se!TI saber do adeus de gente simples ou não, cumpri país abrasado de dor.
sua mlssao de levar alegria e fé, através do esporte que Senaa, Aketaton, Senna, Brasil!
honrar.

302 303
CAPíTULO lU - DE VOLTA AO PASSADO

(RODA VT.) TAKE 8


"A noite chegava. Enquanto companheiros alojavam o
equipamente na Kombi J coloquei-me em frente à pirâmide
de QueópsJ e me preparei para uma oração. Uma oração de
5 mil anos guardada no fundo do coração. me sentia
preparado para gritar alto Jcom todas as minhas forças: "eu
já vivi aqui antes.".
CORTE DIRETO
...Caminhei por uma grande sala J onde algumas pes-
soas trabalhavam com papiros e conchas. Era eu o respon-
sável pelo registro de todas as conquistas do faraó
Amenófis IU Jsuas glóras J o seu amor pelas artes J o seu go-
verno, que trouxe para o Egito uma época de esplendor
apogeu e paz...
CUE
... Amenofis m era fisicamente diferente dos outros ta-
raós. A minha regressão me revelou ser ele o filho da rai-
nha com um soldado do exército egípcio.
CUE
...Os vencidos em batalhas eram trazidos com as mãos
cortadas Jnum desfile macabro diante do grande conquista-
dor. Essa visão provocou-me grande mal estar.
CUE
...Minha paixão pela princesa Site-amon fica clara em
minha viagem ao passado. Ela era casada com um irmão
que padecia de convulsões. As convulsões eram tidas pe-
los sacerdotes J como uma manifestação positiva dos deu-
ses... "

305
César
Uma mulher chamada Tii

_ (trecho do livro "Meus amigos Paranormais", nrirnoi,r<:l


çao Casa do autor, pg. 26 e 27/2ª edição Editora DE
CESAR ':' AVE CRISTO - pg. 45 e 46 - autor Augusto C
Vannuccl.)
_ 1. Roda VT - Ordem que precede o início de uma gr
çao. Rodar o video-tape.
:2 - Corte direto - mudança brusca de uma para o
cena.
3 - Cue - interrupção num ponto determinado da ...A noite chegava. Fazia dez anos que eu estivera no Cai-
por qualquer motivo, para retomada, em seguida a ro, onde, ao lado da pirâmide de Queóps, durante as filmagens
desse mesmo ponto. ' do especial com Fábio Junior, tivera uma visão marcante de
uma vida passada, quando eu fora escriba do faraó Amenofis
111.
Em minha casa, junto de amigos e familiares observei uma
pessoa em que eu revia alguém importante para mim, naquele
período.
Apesar de saber que outras pessoas têm percepção extra-
sensorial aguçada, eu perguntava a mim mesmo:
- Ela, lembraria daqueles fatos tão longínquos e marcan-
tes?
Fui até minha estante, tomei uma enorme pedra, que eu
guardava, e estendi-lhe:
- Você faz psicometria? Faça desta pedra.
A mulher, em questão, tomou o objeto curiosa. Eu estava
testando sua mediunidade?
Aceitou o desafio, brincando:
- Costumo colocar o objeto em questão na testa. Esta pe-
dra tão pesada, vai ser difícil. Que bonzinho, que você é!
Colocou-a sobre o braço do sofá, a testa sobre ela, e todos
aguardamos.
- Vejo montanhas. Estou voando sobre o oceano. Passei
pelo porto de Tanis, por Marrocos. Estou nas pirâmides... um
momento... não dá para entender... Vejo Minas Gerais! Não
pode ser o Egito e Minas ao mesmo tempo... Geologicamente,
impossível... Deve estar havendo alguma interferência... acho
que não consigo.
306
307
Uma mulher chamada Til
César

Estou impossibilitado de prosseguir. Como é que ela con-


- Não pare! - falei o coração aos saltos. - Esta segue se controlar, como se o que vê não tivesse a ver com
nha. Eu a trouxe de Queóps. Paguei 50 dólares ao ela? Acabara por sentar-se na mesma posição em que a jovem
roubá-Ia para mim. Eu sou mineiro. Agora ela é egípcia, quando esperava pelo seu amante! Não me contenho.
nue!
Exclamo:
. - Vejo uma biga egípcia, e dois homens nela. Um _ Olha o jeito dela sentar! Olha o jeito dela sentar! Eu não
cintura um tinteiro e dois pincéis... o outro tem aspecto re aguento!
- Este sou eu! Este sou eu! - gritei, mal contendo - Onde está a terceira cobra, César?
dade. - A terceira cobra é a mulher, Marion!
. - Vejo batalhas, cenas terríveis ... agora estou _ Não esta mulher, César. Esta mulher eu conheço. A ter-
CIO... ao lado de uma piscina de granito preto... Uma ceiracobra está no ureus que ela carrega na cabeça. Mas... se
sentada, com muita elegância, num banco do jardim. está vendo a cena, não há necessidade que eu a conte para
- Esta é você! Esta é você! - interrompi de novo. você...
Ela me devolve a pedra, muda de assunto, como se nada
A mulher, de olhos fechados teve um instante
ção, depois controlou-se e pergunt~u:
houvesse acontecido. Eu não posso acreditar!
Desde que eu a vira, há um mês atrás, durante um Con-
- Você está vendo também? Se está vendo me gresso, eu a reconhecera imediatamente. Fiz questão que ficas-
coisa. Aos pés da jovem, você vê, há um animal de esti se a maior parte do tempo comigo, com meu filho, com minha
dela. Que animal é este?
mãe.
- É uma cobra! - respondi sem hesitação. Contei-lhe alguns fatos de minha vida, falei de meus de-
Ela .pareceu meditar, uns instantes, como que sur sencontros amorosos. Meu espírito também observa agora os
que eu tivesse descoberto, enquanto a cena se desenr "flashes" da conversa:
aos olhos de ambos. _ Apaixonei-me seis vezes, mas amar acho difícil. Não
- Chegou o hO,mem que eu vi na biga. Veio até ela. creio no amor que você coloca nos seus livros.
versam. Trocam cancias... chegam duas servas com uma _ Não acredito no que estou ouvindo.
ça nos braços... Em "flash back" revejo sua preocupação comigo, sua sim-
- É uma cena triste. - eu falo - É uma despedida. patia irradiante com todos, sua sinceridade, sua discrição.
No vôo lotado, despede-se carinhosa, deseja-me felicida-
- Não me parece uma despedida. - retruca ela. E
nua. - Ela toma a criança nos braços. Realmente estão des:
Mas... há mais uma cobra nesta cena. Sabe onde está? _ Espero que encontre o que procura.
Seguro suas mãos. Olho-a dentro dos olhos. Hoje aqueles
Concentro-me álguns momentos, admirado por ver
segundos ficam rodando em "stop motion" no meu espírito.
ela se controla, quando eu, quando vi as mesmas cenas há
_ Já encontrei! - respondi, retendo suas mãos nas minhas.
anos atrás, quando ainda não a conhecia, chorei e soÚi h
Em,e1ose seu rosto assustado. Em e10se seu rosto disfar-
res. Percebo o que ela pergunta. Respondo:
-Atrás da piscina há uma escultura de uma cobra. çando a emoção...
Roda o VT do meu coração. Cinco mil anos de desespero
- Acertou. - completa ela - Mas ainda há uma outra c e procura! Por que meu Deus? Para que?
nesta cena. .
S09
S08
César

BLACKOUT
Interrompe-se o curso do meu pensamento.
cada palavra, cada gesto são como punhais distantes
chucam ainda. Preciso entender... '
CAPiTULO IV - AVE CESAR
Nota de rodapé:
Flash-back - um simples take, ou a seqüência
passados, em relação ao contexto atual.
Stop-motion - parar o movimento, interromper. TAKE10
Roda VT - Rodar o teipe. ..•Três noites sem dormir. Ao gravarmos em frente ao
Black out - escurecimento súbito. Coliseu, a equipe pede para fazer uma visita ao famoso cir-
Close - tomada bem próxima do rosto. co romano. Entrei a contragosto. Um profundo mal estar
me assaltou:
- Ave César! Os que vão morrer te saúdam!" ...
Insert-1
...0 quebra cabeça começava a se fechar.
A peça final foi fornecida pela médium Mariluza Vas-
concellos, que em seu livro "Miguelangelo" - romance me-
diúnico ditado pelo espírito de Tomas Antonio Gonzaga,
que fala de Pietro Vanucci (o perugino), artista amigo de
Leonardo da Vinci e Miguelangelo, que saindo da Perugia
para Florença se tomou um mestre das artes escultura e
pintura.
Na leitura do livro Miguelangelo me reencontro com
Pietro Vanucci - o artista da Perugia. E sabendo através
obra de Mariluza ser Miguelangelo o nosso Aleijadinho, en-
contrei respostas para perguntas que estava por aos
amigos espirituais: Por que sou tão fascinado pela obra do
Aleijadinho? "Por que todas as vezes que gravo em Ouro
Preto, Congonhas ou Tiradentes, sinto aquela sensação de
que todos os recantos desta cidade, igrejas, contam hist6~
rias de espíritos ligados à minha alma?... etc. (livro Meus
Amigos Paranormais - edição casa do Autor - pgs. 31 e 33
e 34. - 11 edição - IDe Ave Cesar a Ave Cristo - Editora
- pgs. 53, 55 e 56.)

insert- - o mesmo que inserção.

310 311
César Uma mulher chamada Tii

- Não! Este é o homem de comunicação, famoso. Todos


estão à sua volta. Todos o bajulam pelo cargo que ocupa. E eu
não estou aqui para falar com ele.
- Ora, Marion, então, quem eu sou para você?
Um largo sorriso no rosto, a mão direita erguida em sauda-
ção, pareceu-me vê-la ainda, desnudando meu ser:
Novamente o impulso, aquele velho companheiro - Ave, César!
mais me abandonou e a quem devo tantos erros e tant
tos... Fiquei estupefato. Ela sabia algo mais de mim. Até onde
saberia, até onde me permitiria adentrar sua alma?
Queria vê-Ia de novo. Ela, por sua vez, manifestavª,
de de conhecer o trabalho de outras pessoas. Preparei-I CORTE DIRETO.
armadilha. - Vou escrever um livro. Sobre meus amigos paranormais.
Parece-me vê-la ingênua, preciosa, bela, num colocar você nele.
, Tão inteligente, tão perspicaz para tantas coisas, - Não te permito! - falara incisiva. - Não sou tua amiga!
calra nas armadilhas que eu lhe pregara, querendo sab Nunca vibrei positivo para teu trabalho. Não sabia de tuas difi-
opinião sobre fatos e pessoas. culdades. Para falar a verdade, não me simpatizava contigo.
Era só comentar algo de forma desairosa, e lá vir"l Além disto, não permito que conte sobre a princesa egípcia, que
com desculpas, para a pessoa. vimos. Esta história Tomás está escrevendo...
- Penso em separar-me. Não aguento mais. - Não direi nada do que não puder. ..
- Não está na hora de parar? Já não chega de ta - Devo-te desculpas. Eu nã9 sabia de tuas dificuldades,
dança? Pense bem. Sua mulher conhece os macetes para levar a mensagem espírita. E que fiquei furiosa quando vi
profissão, ampara seus filhos, é jovem, bonita... que identificava os profetas, de forma incorreta.
- Não aguento mais... - Fizemos pesquisa. Uma historiadora...
As imagens se sucedem na minha alma em "flash - Historiadora, que nada! Ela nem sequer encheu um livro
cessivos... com sua tese. Precisou compor mais da metade com as Cartas
- Como é que vai me chamar? Pelo primeiro nom Chilenas! Eu te enviei um livro para Ubatuba, onde você passa-
sobrenome? va as férias com sua terceira mulher e filhos. Você nem o leu!
- Não. Pelo primeiro nome, para uns, você é amigo, O susto não podia ser maior. Fiquei sem resposta.
o filho, o irmão, e eu não sou nada disto. Além disto, não
tuas custas. Levei-a a passear. Todos sempre a requisitavam para tare-
fas, para trabalhos. Parecia-me cansada, desiludida, preparada
Seu riso claro fica ecoando na minha alma. A cena il apenas para servir os outros, sem cuidar de si. Fomos almoçar,
da se repete com o destino ordenando: Gravando!
depois ao cinema. Ela nem imaginava as idéias que me passa-
- Então, me chame pelo sobrenome. vam pela mente, ou, se imaginava, fingia não ver.
A superposição de duas imagens, uma nítida e real, outra
2 Fad?2n -:- imagem ocupando a leia gradualmente, com suavidade em geral para retratando um passado distante. Pudesse naquela hora medir a
sequenclll.
pulsação e não me surpreenderia com os batimentos cardíacos
acelerados.

312 313
César Uma mulher chamada Tii

De volta à minha casa, a conversa amena, Obedeci, como um menino que não quer outra coisa. Aos
os dela se cruzavam. Eu não sabia o que dizer. Os qua poucos, seus dedos massagearam minhas têmporas, comen-
passado se sucediam de modo vertiginoso. Era como tando:
dado em "fast-motion." - Precisa tomar cuidado. Pode morrer. Está muito tenso.
Cuidei do jantar, mandado vir, tentando fazê-Ia be Relaxe. Suas mãos afagavam meus cabelos. Senti que mergu-
percebia meu jogo de sedução e me olhava, como se eu lhava num passado longínquo, tão desejado, tão inesquecível.
uma criança pega em falta. Ela, contudo, via novas cenas, no Cairo, durante a invasão,
-- Adoro a vida de Tiradentes. - comentei - Li o "Mar na época das Cruzadas, eu, no seu colo, como naquele mo-
um fôlego esta noite. Não consegui dormir a noite toda... mento, num oásis e ela falando-me um poema de amor.
você é Marília de Dirceu? Enquanto eu adormecia, ela recitava o mesmo poema de
- Não disputo isto com ninguém, César. outras cenas, de outras vidas, que não me foram reveladas, en-
- Esta resposta tem sentido duplo, Marion. tão, e somente a ela num "replay" vertiginoso eram exibidas...
- Sem dúvida que tem, César. Acordei envergonhado, assustado. Seu corpo tão próximo,
Ah, por que não se dobrava? Por que não se dava seu rosto tão sereno, suas mãos tão ternas, seus lábios tão de-
nhecer? Por que me martirizava, como se não soubesse sejados...
eu também sabia? - Desculpe-me. Não sei como dormi. Quase não durmo.
CORTE DIRETO Que vergonha!
- Vou me separar de Surya... - Isto acontece, César, para quem tentou embebedar um
- Pelo menos o César da antiguidade foi diferente. EI médium com vodka, e lhe pede um passe! - brincou sorrindo.
deu a vida por Cleópatra. No outro dia, ela parecia outra. Desenvolta, alegre, diverti-
não perdeu a vida por Cleópatra! Não foi bem a da, prestativa com todos, confidenciou alguns problemas vivi-
- Você acha pouco que ele se casasse pelos rituais dos.
dos, que a levasse para Roma com seu filho, que a esfre Não parecia, contudo, abater-se com eles.
praticamente na cara dos patriotas e de Calpúrnia? Ach Eu me lembrava dela na piscina de casa.
sar? Acha, realmente, que isto e Cesarium, o filho de a Ela, atenta, num momento em que nos vimos a sós, per-
pesou? guntou de chofre:
- Mas ela? Amava César ou Marco Antonio? - Satisfaça minha curiosidade; Naquelas cenas que vimos
- Ela amava o Egito, César. Porém penso que <::lInt'l'<:l\1<::l1 da pedra de Quéops, você dizia:
César, pois escolheu seu filho para ser seu herdeiro e n - "Este sou eu!" Sei que se referia a você mesmo.
que teve depois de Marco Antonio. Usou, inclusive, A Depois dizia: "Esta é você!" - falando da moça. A quem
para tanto... você se referia?
Eu revia as cenas no Egito. Chegava a sentir na - Diabos, Marion! A quem eu me referia? Eu me referia a
contato da água da piscina, de seu corpo... você! A você!
Os "flashes" da conversa na sala se superpõem. - A mim? E me diz isto assim, como se não fosse nada?
- Não consigo dormir. - falei sem jeito. Eu a via agora alterada, perplexa, mas falando devagar,
- Deite-se. Ponha a cabeça no meu colo. - ela sublinhando as palavras.
doçura. - Eu queria ter um caso com você, mulher!

314 315
César

- Eu não sou mulher de caso, César! Você me


frases, está ouvindo? Você me deve estas frases há q
anos! E vai dizê-Ias...
- Uma eu até já sei qual é. Não estou preparado.
me. CAPíTULO V - REENCONTRO COM JOAQUINA
- Bem. Começou pela segunda. É "perdoa-me".
saindo muito bem, César! Quem sabe, depois de
cria coragem para dizer a outra! "Quando Gilmara, tal como um felino, avançou para a
Ela se retirava. Estava furiosa comigo. eu podia
Síria, Tomar, valendo~se da posição onde estava, empur~
rou~a e ficou bem na direção da lâmina: "Com a cabeça do
Fora leviano. Brincara com seus sentimentos. Armara-I
armadilha, ficando sozinho, tentando conquistá-Ia. Ela poeta ao colo, Nejma Uz Amar ocultava as lágrimas, procu-
doaria? rando aliviar~lhe o sofrimento. (Sonata de Amor a 4 mãos -
pg 199)
"após as festas, partiu Toba Loro Tei Mont com Samira
para o Egito. Presente do rei aos queridos amigos. (Sonata
de Amor a 4 mãos pg 232).

Estávamos trabalhando no reequilíbrio das emoções dan-


tescas do período amarniano. Prognosticara uma tentativa de
assassinato, em meu livro Sonata de Amor a quatro mãos, es-
crito há. dez anos, seguida da morte de um dos personagens,
tudo parabólico, preparando um evento futuro, para amenizar as
dores das pessoas que se envolveriam no processo...
E o mómento se aproximava. Após a viagem de minha me-
dianeira ao Egito, a visão das cenas deste livro, durante a tra-
vessia do Nilo, eu percebia a ansiedade, o medo, a decisão
firme de impedir a profecia contida no livro. Sem dúvida, ela ati-
nara antes que eu previra com o significado parabólico do livro e
isto a angustiva, pois não tinha ninguém, além de mim, para de-
sabafar suas preocupações.
Viagens, palestras, trabalhos mediúnicos, auxílio a muita
gente, em todos os campos onde desenvoJvera sua sensibilida-
de: psicografia, psicofonia, psicometria, 'psicopictografia, desdo-
bramento, vidência etc.
Por fim, no retorno, a viagem a Volta Redonda. Numa resi-
dência, após as reuniões, acoplamos um espírito na dona da
casa, que percebe o envolvimento:

316 317
Tomás Antonio Gonzaga Uma mulher chamada Til

- Estou me sentindo. estranha. Parece-me que vou - Ele... - ela tem dificuldade para verbalizar o que desco-
Limãlíngua diferente. brira, mas, por fim, sua voz sai em grito e pranto de dor - Ele
O fenômeno da xenoglossia ampliaria o auxílio a entid era meu pai!
Marion percebe e propicia o auxílio: Sim. Estávamos diante de Joaquina, a filha do alferes Xa-
- Dê passividade. Deixe-a falar. Eu falo com ela. Marl vier e Maria Antonio do Espírito Santo, que ele repudiou por jul-
Mara dialogam em dialeto copta. Os presentes se admiram. gar que o traíra, sem nunca saber se a criança, a menina
Joaquina, era ou não sua filha.
Depois passam a expressar-se em português.
Triste ironia do destino. Aquele espírito cheio de rancor, a
A cena é dantesca. A entidade comunicanterevê-se cada jornada terrena, retornava ao Plano Espiritual, as lembran-
mente no passado como Phtáh, temerosa do que vão fazer ças dantescas daquela vida egípcia, e buscava Til, seu algoz,
seu menino. Chora em desespero. para uma vingança. Ele lhe tirava a vida. Ele a devolve, no pa-
A outra entidade revê as cenas dantescas de sua m pei de filha. Ele fizera a condenação de adultério, ele se julga
sacrificial no templo de Amon, em Tebas, devorada pelos cr traído pela companheira. O reencontro com a verdade, quando
dilos sagrados, o deus Sobek. as barreiras do ódio caem ruidosamente, no fragor de sentimen-
Gritos, imprecações, lágrimas. A antiga Tii os doutrina, tos contraditórios e profundos.
pondo a Phtáh mudanças drásticas. Não mais o medo, e si - Não! Eu não queria! Ele era meu pai!
coragem de assumir posturas, de escolher seu destino. Todos choram entendendo a trama. Imagens tenebrosas
O diálogo se faz enriquecedor. Coincidentemente, o fil de morte e de ódio, de amor e de reencontro.
de Mara que assiste, tem os pés envoltos em bandagens. Joaquina resgatada por Til de um ódio represado há quatro
chucara-os na véspera da chegada de Marion. mil anos, desvencilhando-se do rancor através de novos laços
Ah, sincronicidade de reencontros e testemunhos, leva de amor com seu próprio amásio e pai.
pessoas em diversos locais, do Egito, Espanha, Portugal ~ Marion percebe a sincronicidade dos reencontros, a proxi-
sil a se reencontrarem, em diversos estados, para0 deslin midade da morte programada no Sonata, há dez anos.
de fatos marcados a ferro e fogo nas suas individualidade im Faz uma ligação interurbana para César:
recíveis... - Como você está? - pergunta ansiosa.
A reunião continua. - Como eu poderia estar? Lançaram meu livro a minha re-
velia! Vou processar todos. Não me dão resposta sobre meu
Agora, através de Marion, a antiga serva núbia reedita
contrato de trabalho. Estou me separando. Como acha que pos-
maldição:
so estar?
- Quero vê-lo morrer e ser despedaçado como eu! - Por favor, controle-se. Você está se matando. Pára de
Ideoplasticamente criamos o cenário da morte do alfer brigar com todo mundo!
Xavier, seu esquartejamento, seus quartos devorados por a - Controlar-me? Para que? Eu dormi com aquela princesa,
tres, nos caminhos. As imagens se sobrepoem magistralmen ouviu bem, Marion. Eu dormi com ela!
A morte da núbia, a morte do alferes. A entidade grita horrori - Como se eu não soubesse! Mas enganou-se com o
da pela voz da médium: nome. O nome dela não era Site-amon!
- Não! Eu não queria isto! Eu não queria! -: Quer saber mais do que eu? - perguntava César quase
- Você o desejou por tantos séculos! Como não queria? gritando. - E se fosse Seti-Amon?

318 319
Tomás Antonio Gonzaga

- Site Amon era a frase que você devia a ela: Sim,


As lembranças reencarnatórias te pregaram uma peça,
Mesmo que mudasse o nome ficaria: Se Amo. O no
era Til, César. Você traiu seu amigo, o homem que voe CAPíTULO VI - O GRANDE TESTE
rava, o faraó Amenofis 111, seu amo e senhor, César. A
ouça. Por favor, te cuida. vi trabalhos de magia negra
Não os pude desmanchar. TAKE 12.
- Se cuida você, mulher. Tem muita gelnte Qllen~ndló "O carma tem batido à minha porta, me convidando
truir você. sempre a resgatar velhas dívidas do passado. Principal-
Os companheiros espíritas não entendem o deses mente no campo das paixões. Mas de uma coisa eu tenho
Marion. E como poderiam entender? A morte compareci convicção absoluta, que sempre tentei passar para as pes-
suas previsões e ela tentava impedir. soas, com quem estive ligado, ~mocionalmente, os funda-
Ninguém, infelizmente, revê seu passado sem chor mentos da doutrina do Cristo. As vezes levanto os olhos
resgata seus débitos sem muito sofrimento. para o alto, contemplo as estrelas, e acredito que morando
Marion sabia. Tii sabia~ César adivinhava e Joaquina num ponto brilhante de uma estrela chamada Capela, al-
bara por descobrir esta verdade aquele dia, bem como a guém com muito amor vibra e ilumina a minha estrada.
serva Phtáh. Para que um dia eu possa alcançar a libertação, tão ataba-
Sesóstris, Tir, UI!, Amenhotep, o Venerável, auxiliav lhoadamente procurada pelo meu espírito devedor.
processo do reencontro doloroso, em ambos os planos da ... Me surpreendia ver um homem com a aura de Adolfo
Bloch ser tão mal cercado...
fUSÃO:
Entrecortado com esses momentos.da minha vida pro-
fissional, eu tinha um encontro marcado com a dor. (Meus
amigos paranormais -1ª edição - Casa do autor -- pgs. 51 e
52 de Ave César a Ave Cristo -- Editora maio - pgs. 85 e 86.)
Augusto Cesar Vannucci.)
CORTE DIRETO.
Dois anos depois, na cidade de Campina Grande, num
encontro de religiões que aconteceu nos dias de carnaval,
tive a oportunidade de conhecer vários médiuns, paranor-
mais e pesquisadores. E entre eles a sensitiva Mariluza
Vasconcello. E foi na noite de sua sessão de psicopictogra-
que recebi um presente, que muito me deixou emciona-
O presente era de Aleijadinho, que pintou o retrato de
meu filho Gabriel, com roupas romanas. A dedicat6ria era
simples e clara para minha alma: "Somos velhos amigos. Aí
está seu filho Gabriel. Abraços. Antonio Francisco Lisboa."
(idem referência anterior, pg. 56 e 94/95).

320
321
Uma mulher chamada Tii
César

- Por que não perguntou por mim? Por que me deixou


fora?
- Me fizeram entrar pela cochia, pelos fundos, mulher.
E~ não sabia onde estava. Quero falar com você em parti-
cular. E muito importante.
Ficamos de nos falar no vôo do dia seguinte. Impossível.
Colocaram-nos em aviões diferentes.
CENÁRIO. CORTE DIRETO.
O telefone tocou e sua voz clara e objetiva me perguntou:
Marcara um encontro com Marion em Recife.
- O que está acontecendo aí? Preciso falar com você.
grava vê-Ia. Não estava no Hotel, não a vislumbrei
adentrei o largo e imenso salão em degraus, repleto de - Estou desesperado. Não dão resposta sobre meu contra-
to de trabalho. Separei-me de Surya. Vendi a Casa na Barra.
Havíamos combinado levar o que tivéssemos de
Chorei a noite toda lá em espírito. Levaram o meu filhinho. A
de mais moderno, de mais audacioso e falar das dificuld
mãe falou com ele. Ele chorou a noite toda. Foi embora. Coloca-
se levar a mensagem espírita de forma aberta, franca e
ram minha filhinha contra mim...
sa, fosse nos meios de comunicação, fosse no Centro
Seu silêncio demonstrava não poder acreditar em tanta
No programa o debate dar-se-ia com nós dois. No
onde estaria ela? coisa junta.
- Seu filho volta, César. Vocês se amam muito. Por favor,
Iniciei minha prédiga. Estava feliz embora I'<:l'n",~,rl",
fique calmo. Está pondo em risco sua vida. Pode fazer o que
dormir há dias. '
quiser. Tem o teatro, tem seu talento.
Enquanto passava o vídeo de Danielia Perez eu a vi e
descendo os degra.us, decidida. Em "flashes" a via espiri
mente sobre uma bIga romana, cercada de crianças. No
confidenciou:
- Deixaram-me lá fora. Não queriam deixar-me entrar.
receio do que posso dizer.
Soltei um palavrão. Mudei dali para a frente meu
Tomei-lhe a defesa literalmente, comentando as alegrias
presas de nosso reencontro, depois de tantas reencarnaç
Atrapalhei-me. .
FUSÃO.
Ela os enfrenta, preocupada com minha vida. Pas
um bilhete. Rio-me. Não creio que corra tanto perigo as
também não'posso solicitar que passem seus vídeos da da
do ventre do Egito e do rock no Centro Espírita.
Eles não estão preparados, querida.
Incito-a a que fale de sua experiência na pintura mediúnic
CORTE DIRETO. CLOSE EM MARION:
323
322
CAPíTULO VII - O TERCEIRO MilÊNIO

TAKE25.
... Sinto o alvorecer do terceiro milênio em meu cora-
ção. Estou tentando me preparar para o novo tempo. "Mui-
tos os chamados, mas poucos os escolhidos." Estou me
esforçando para ser um dos escolhidos. "Os últimos serão
os primeiros." Esperançosa frase do Cristo inunda nossa
alma de alegria...
Ah!! O orgulho, a vaidade, o poder, a sensualidade-ve-
lhas companhias de milênios que eu preciso aprender a ex-
pulsar de minha alma.
Diante das moradas do pai se curvam a alma de Cape-
la, o historiador egípcio, um orador do umbral, o general ro-
mano, o padre inflexível, o revolucionário francês, aos
quais se somam mil vidas, perdidas nas lembranças de mi-
nha alma, mas que fazem de mim agora um espírito tomado
de grande vontade de ter como meta de vida o amor de Je-
sus. Capaz de transformar corações empedernidos em
mensageiros de seu amor. A casa de meu Pai tem várias
moradas, e em uma dessas moradas de paz lá estarei, mo-
dificado, empunhando o estandarte do Cristo eterno, ini-
ciando uma etapa rumo à estrada da libertação.
Que venha o 32 milênio, pois acredito estar morando
em mim um novo homem.
-- Viva Jesus!
(Meus amigos paranormais -- 1l! edição -- Casa do Au-
tor-pg.16en.
De Ave Cesar a Ave Cristo -- editora maio -- pg.
130/131.Augusto Cesar Vannucci.)"

325
César Uma mulher chamada Til

Vontade mesmo era de tê-Ia ali, à minha frente, diante de


minhas mãos.
A ligação cai de novo. Caiu cinco vezes! Alguém tentava
desesperadamente interromper minha conversa com ela. Final-
mente ela consegue:
- Nem que eu gaste todas as fichas do mundo, eu falo!
TAKE25. Ninguém vai me impedir, ouviu? Sente-se para não cair. Está
BLACKOUT. sentado?
- Veja um nome bom para um programa, para algo. - Estou! Diga! Diga!
- ~or que nã~ P?de ser o nome da Cidade que - Eu te amo, sua grande porcaria! Eu te amo, César!
c?nstrUlr e.que voce VIU, erY! sc:nhoAà n,oite? Olha. Vejo ag O vento varre a cidade. Um temporal está prestes a cair.
ceu se abnndo em luz! Voce nao ve? E o Alvorecer do 3 2 Com a voz sumida respondo:
nio! - Não fui César, mas o filho dele.
- Alvorecer e Milênio são duas palavras muito 1\.111,'<:>;;:). - Você se julga o idiota do Otaviano? Filho César teve ape-
podemos usar as duas juntas. nas dois: Cesarium, com Cleópatra, e Brutus que ajudou a
- Isto é um preconceito, César. matá-lo, com Servilia. Otaviano era adotivo. Está explicado por-
O carro corre, rasgando as avenidas do Rio de Janeiro. que eu não gostava de você. Se se identifica com o "cretino" do
O sonho é passageiro arisco, pronto a descer em cadâ Otaviano, que destruiu o Egito, que levou Marco Antonio e Cleó-
quina, na 90brança do tempo. patra ao suicídio, está explicado porque eu não gostava de
FUSAO. você. E agora, está feliz? Vai te cuidar, ao menos?
Observo a última foto de meu livro. Eu pousara ao - Você é maluca, Marion. Faz muito bem ao meu cora-
estátua de Augustus, em Roma. ção...
. Diante de uma estátua igual, na Espanha, Marion come Ela desliga. Volta-se para Sesóstris e diz:
ra, nndo: - Dizem que só o Amor derrota a morte. Eros versus Ta-
- Queria colocar César do lado desta estátua e tirar u matus. Você pensa que tenho medo? Estou tentando!
foto. BLACKOUT
No mesmo tempo, as imagens se superpõem. Marion Dramática conclusão. Eu que acusava os sacerdotes de
a foto. Eu olho a mesma foto. Amon da destruição do Egito, ali, enfrentava uma voz do passa-
É noite. A escuridão é total. Uma chuva ameaça abater- do a me cobrar atitudes. Alguma coisa me ligava aquele Otavia-
sobre Rio e S. Paulo. O telefone toca. Atendo. no, aquele Augustus Otavianus Caius Julio Cesar!
- Alo, César! Cléo amava mais Marco Antonio ou César? "Me vi diante do meu próprio espírito vestido de padre,
exorcizando o povo inca, empunhando a Biblia como se
Meus pensamentos repletos de perguntas me fazem gritar
fosse uma espada. A imagem se fundia com a de um tribu-
- Voce quem deve responder. Diga! Diga!
no romano, orientando as tropas na perseguição de solda-
Cai a ligação., Fico furioso. O telefone toca outra vez. dos que traíram a glória do poder romano para abraçar a
- Alô César. E Marion! Caiu a ligação! causa do Cristo." (Meus amigos paranormais -pg. 31 .. De
- Diga! Diga! - volto a gritar. Ave Cesar a Ave cristo .. pg. 54)

326 327
César

FLASH BACI<.
Lembrei-me de Marion, em minha casa junto ao meu
go Helcio, da CBS venezuelana, falando: '
- Vejo os dois como padres. Você - mostrava o Hélci
bebe demais, abusa das índias. Oh! Vocês dois fazem coi CAPíTULO VIII - O GALOPE A ESPERANÇA
terríveis...
A cobrança chegava por alguém que jamais desejaria
la. Após a palestra e o convívio com o povo na praça, durante
Tive medo. Eu não poderia falhar desta vez. a feira de livros, o carro leva Marion para a Rodoviária, numa ci-
dade próxima de Pontal.
O casal amigo, com seu filho, cantam as músicas das fitas
K-? que levam. Tudo é alegria, festa.
Porém, enquanto o carro rápido rompe a estrada, na ma-
drugada, Marion vê o espírito de seu avô. Faz-se séria, compe-
netrada. Sua amiga Regina pergunta:
- O que aconteceu? Você está séria.
- Estou vendo meu avô. Quando ele vem, é porque al-
guém vai partir para o Outro Lado. Ele nunca me diz quem.
Acha ruim que eu fique triste ao vê-lo. O que para eles é festa,
para nós é pranto...
- Quem sabe desta vez é diferente? - insiste a amiga, ten-
tando modificar a impressão dolorosa.
- Sesóstris acaba de me colocar no coração uma pequena
cruz de madeira e me diz:
- A dor, desta vez, te virá de César...
- Deus nos livre! - fala a companheira.
As músicas enchem de alegria e emoção o espaço peque-
no do carro, atravessam os vãos das janelas, expulsam as tris-
tezas.
Chegam à Rodoviária. Marion quer pensar na visão e no
aviso durante a viagem, mas não lhe permitimos.
Aguardam a chegada do ônibus. Nós, atentos às necessi-
dades de amigos queridos reencarnados, instamos alguém a
que se aproxima deles. Um mendigo se aproxima do grupo. Al-
gumas pessoas fingem não vê-lo, outras buscam alguns troca-
dos, com o que livrarem-se de sua presença.
Marion abre a bolsa, tira o dinheiro, puxa conversa:

328 329
Tomás Antonio Gonzaga Uma mulher chamada Tii

- O senhor não está bem, não é? Tem onde dormir - Claro que pode.
noite? - Posso saber o seu nome? Quero lembrar dele.
O homem, de aparência mal tratada, um olho vazado b Ela o diz. Ele repete.
ba longa e bigode, barriga enorme, observa-a com um só olh Algumas pessoas assistem a cena. Todos choram. O men-
- A vida é difícil. Quem me vê pensa que eu sou pobre digo também. Afasta-se. Marion informa:
_ Ele partirá esta noite. Juscelino o amparará e sua mãe.
bo. Um bandido. Eu já tive família, mulher, filhos, trabalhei mu
Ela não podia sequer ater-se às preocupações com César,
com estas mãos.
ou quem é que fosse partir, pelo aviso do avô. Muitos outros
Mostra-lhe as mãos calosas, aproxima-se, ergue a cami companheiros a buscariam, pelas estradas que devesse palmi-
No abdomen vê-se longa incisão purulenta.
- Acabei de sair do hospital. Não tenho para onde ir. .. lhar ainda...
Os cavalos brancos, alados ou não, sobre rodas ou sobre
-: .Há albergu~, n.a cidade. Procure o setor de informaçõ asas, agora a conduziam num galope suave e cadenciado, so-
a policia da Rodovlana que o encaminhe para ter um local on
dormir... ' frido e dorido da esperança.
~este m.omento eu e outros companheiros, entre os qu
o antigo presidente Juscelino Kubstichek de Oliveira nos tor
mos visíveis aos olhos de Marion.
- Eu trabalhei na construção de Brasília. - fala o mendi
E há um orgulho na voz, feito da satisfação de ter vivenci
um m~mento nacional importante. - Eu estava lá, quando o
Juscelino e dona Sara carregaram o primeiro carrinho de c
ereto... - ele usa termos do jargão dos candangos ... - A senh
ra me lembra minha mãe...
N~ste momento, a genitora do pobre irmão aproximara-
de Marlon. Ela abraça o mendigo. Beija-lhe a face.
Tod~s estão ?omovidos. Marion percebe que o pobre
mem, ~sta de: partida para a Verdadeira Morada. Aquela
sua ultima nOite entre os mortais.
- O senhor, hoje, antes de dormir, onde estiver, faça u
prece tome um copo de água, que Deus há de lhe ajudar.
- Mas eu não tenho rádio para rezar... como vou fazer?
- Não precisa de rádio, nem de prece decorada. Só diga
Deus que precisa de ajuda. .
O ônibus encosta. Marion abraça o mendigo quase chora
do.
Ele deixa cair lágrimas dos olhos machucados. Pede:
- Posso dar um beijo na senhora? Eu olho para a ... ,...""1-0......'"
e vejo minha mãe.

331
330
CAPíTULO IX- FAÇA-ME CHORAR

- Por favor, se cuida, mulher, fizemos uma sessão para


você. Vieram espíritos terríveis. Como você tem inimigos. Como
você está?
- Eu estou bem, César. Vaso ruim não quebra, não se
preocupe.
E a senhora deu uma cristalina risada.
- E ela ri! E ela ri! - falou a voz do outro lado.
- Sei que atentaram contra sua vida. Se cuida. Como es-
tão as coisas?
- Isto é problema meu, César. Não se preocupe.
- Estou ensaiando uma peça. Vou fazer um programa no
sul. Você me ajuda?
- O que deseja que eu faça?
- A pintura mediúnica.
- Ainda não se encheu de pintura mediúnica? Está bem.
Chame. Eu vou.
- Vou aí em S. Paulo. Preciso falar com você em particular.
- Mineiro, quando diz amanhã é nunca!
- Vou sim. Quero ver sua menina dançar. E o projeto da ci-
dade?
- Você está fora.
- Como posso estar numa semana no projeto e no outro
fora?
- Não sei. São ordens. Meus amigos não mentem. Não sei
porque isto.
- Pus um anúncio no jornal: "Vovô assustado quer uma
companheira que não peça pensão nem nada."
- Você vai ficar com uma loira linda, de olhos verdes.
- Oba. Onde está ela? Manda logo!
Uma sonora gargalhada fora a resposta. Depois uma fala
apreensiva.

333
Tomás Antonio Gonzaga Uma mulher chamada Tii

- Se cuida, por favor. De olhos fechados ela registra nossa presença. Inquire-se
- Um beijo, amor. admirada:
... Com sua roupa branca, com as nove cobras que _ Que César está fazendo aqui? Ele está vivo, no Rio. O
tam sua veste, com as flores de lotus que eu bordara no que você deseja, César?
vestido, montada num pégasus alado, Marion voa rumo às Ele não responde. Como dizer-lhe que viera dizer ad~us?_
nas de Natal. Termina a meditação. Ela aturdida não encontra exphcaçao
Novo Congresso, novos e antigos amigos que se reenc para a visão. No dia seguinte, uma amiga lhe diz: . .
tram, lutas e ligações fraternas... _ Sonhei com você esta noite. Me estendia um IMO de
Inicia-se o conclave. É manhã, bem cedo. No Rio de J capa azul e me dizia: .
ro, após noite insone, César dorme. _ Preste atenção neste livro. A pessoa que o escreveu vai
Chego até ele. Trago minha antiga veste egípcia, e morrer.
acompanhado de Amenhotep, meu amigo, e Tiradentes, c No último dia, eu lhe escrevo um poema. Ela se assusta
panheiro valoroso. com seu teor:
Rumamos para o espaço sideral, em busca de resoluç- Faça-me chorar,
importantes. Mostramos-lhe os compromissos assumidos a pois não há felicidade,
do reencarne. que se compare a este pranto novo,
- Então, não tenho escolha. - comenta César, fitando- com o qual eu brindo a taça da Verdade,
com seus olhos azuis rasos de lágrimas. - Passei no teste? Seu espírito eterno em velho amor renovo!
- A escolha é sua. - comento por minha vez. - Só q No dia seguinte, ela retoma, em seu Pegasus alado bran-
qualquer que seja a sua decisão, deve partir para cá Se ren co, para S. Paulo. Fico rememor~ndo ~s cavalos que velozes
cia a ela, parte para não fazê-la sofrer, se não renuncia, pa correram pelas dunas, naquele Egito antigo, marcando o encon-
para não correr o risco de cair de novo. O que decide? tro de Orion e TiL
- Posso vê-Ia? - pergunta ele aflito. Meus olhos espirituais vêm Orion num outro transporte
- Pode. Vamos. branco indo para um Hospital, com fortes dores de cabeça. ,
Nossos espíritos rumam para a cidade de Natal. Numa rua escura, uma mulher leva na mão um pr~to. E o
No salão coberto de luz, espíritos em quantidade coroamento de uma obrigação de magia. Numa encruzllha~a o
assistem a abertura do conclave. prato é quebrado. Velas derramam su_as lágrimas de cera. Dian-
Do lado de fora, soldados da época das Cruzadas, cq te de uma rosa branca e de uma maça... .,.
suas lanças, suas malhas, seus cavalos brancos, guardam Quando a vela terminar de derreter, sua parafina tera dei-
enorme edifício. xado o desenho de um pavão. , .
Dr. Bezerra de Menezes ampara a senhora que faz a m Marion vê tudo mediunicamente. Recorda do comentarlo
ditação na tribuna. feito por César: A I
Aproximo-me de Marion, na primeira fileira, em prece. _ Você parecia uma fera, mulher. Todo mundo adora voce.
sar se adianta, os olhos rasos de lágrimas, estende-lhe _ E você parecia um pavão. César na tribuna, o povo ova-
mãos, de pé, à sua frente, segura as dela, em silêncio a fita lo cionando, com o polegar ora para cima, ora para baixo, mas
gamente. quem ia ser lançada às feras, de novo, era eu!

335
334
Tomás Antonio Gonzaga

Em desdobramento, ela assiste Surya tentando In\l~:lrUr


apartamento de César, com sua antiga chave, para pegar
nheiro. Em espírito, ela vê a corrente de orações, tenta auxili
filhos, ex esposas, irmãos, mãe. CAPíTULO X - O PARAPSICÓLOGO
Seus pés desenham e suas mãos, enquanto ela alça v (Tomás Antonio Gonzaga)
tentando um acordo através de Leonardo, Aleijadinho e Bez
ra, amigos de César. Quando torna do transe, as imagens
Cristo Morto e de Bezerra, pintado com os pés, tendo nas i A discussão entre nós fora acalorada. Nunca pensei que
gens paralelas a figura da mulher egípcia a cavalo, com outr uma pessoa encarnada pudesse encontrar tanto~. recursos,
árabes, saindo do quadro, no mar do Rio, e do outro as figur para trocar impressões e argumentos com um esplnto desen-
dos incas massacrados, ela responde à pergunta ansiosag carnado! ,
amiga: _ Se era para encontrá-~o e não. o aju~ar, e se e para v~r
- Então, você conseguiu? um projeto sem poder realiza-lo, mUito obrigada, mas preferia
- Não, Mafalda. Ele morrerá antes das seis horas da tar não saber nada!
.de segunda. Dr. Bezerra virá buscá-lo. Em vão eu tentava mostrar-lhe o lado positivo do~ eventos,
as provações e testes pelos quais passara, ? aprendizado dos
Quanto ela me fizera chorar, tentando trocar seu lugar co fatos ocorridos. Ela estava irredutível. Eu podia entender, embo-
ele.
ra não pudesse concordar. .
Ninguém sabia. Ela aguardava, enquanto trabalhava, _ Parece-me que eu não te pedi nada, ner:' demonstrei
dava e se desdobrava, como se o não soubesse; medo em coisa alguma. Eu não merecia isto, OUVIU? E, se ~ro­
- César, querido. Escuta. Consegui uma moratória. vares que eu merecia, mesm~ assim ~ão_ace~to, de vez q~e ~sto
ficará com algumas sequelas. Conseguiremos curá-lo, de[)ois não teve utilidade para ninguem. Eu Ja nao disse gue desl~tI de
Terá que ter um pouco de paciência. tudo? Que me bastava trabalhar pelos outros? Entao, me diZ:
Era a última ordem emanada do Plano Maior. Ela '''''''''''''~~ E por que tinha que passar por tudo isto?
guira ainda uma interceção. Ele, contudo, estendia-lhe as _ Se ao menos você me desse algum tempo, .
- Não quero, querida. Estou tão cansado! Me deixa partir. _ Ora, e de quanto tempo precisas hein? Quatro. mil anos é
pouco para ti? Só digo uma coisa. Vou continuar m~n~h~s ta.re-
Segunda feira, ela assiste uma aula. Uma amiga chega fas. Quanto ao Projeto da Cidade do Alvore~er do Mllemo, diga
pranto: ao Monteiro Lobato que sinto muito! Eu desl.~to! Me f~zem en-
- Você viu quem morreu? Acabam de dar a notícia. contrar a pessoa que tinha condições d; v.iablllzar c~mlgo o pro;
vida! jeto, me fazem passar por testes hornvels, e depOIS a levam.
Ela não demonstrava nenhuma dor, nenhuma emoção. Eu não toco mais o projeto, entenderam? . ,
sabia. E não havia como argumentar. Ela estava Irredutlvel, ma-
Levando-o adormecido muitos companheiros de ontem goada. . I' S
de hoje amenizam as saudades. Entre eles, uma linda ..... "lh,,,Y _ Mas, Marion, eu te avisei parabolicamente no, MO on~-
loira de olhos verdes. Maysa Matarazzo canta: ta e devias estar esperando por esta morte, logo apos a tentatl-
- Foi a noite, foi o mar eu sei, foi a lua que me fez pensar... vá de homicídio contra ti...

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336
Tomás Antonio Gonzaga Uma mulher chamada Tii

- Gosto de receber avisos para impedir o mal, não andares. Se tem algo !e esperando no qua,rto andar, aco~tece
bancar a boba. onde deve acontecer. E coisa do passado. E como se voce fos-
~ Avisei para que soubesses que não podias evitar, se um marco de um caminho ao tesouro. No passado uma pes-
que nao sofresses. soa tinha um caminho paralelo ao seu. Esta pessoa não era de
- Calculaste mal. Sofri, estou sofrendo e vou continuar sua família, mas havia entre vocês uma ligação muito forte. A
frendo, ouviste? O que vocês queriam, heim? Sentir até sua morte aconteceu na frente da dele, no passado. Se algo,
um ser humano pode suportar? hoje, tivesse que existir, a morte veio antes. Vocês se veriam,
- Você não entendeu. se encontrariam. Cada pessoa tem um tempo de viver. Ele tinha
- Não posso entender e nem quero! - foi a incisiva re coisas a concluir, mas praticamente seria te ver. Ao te ver, seu
ta. final estaria chegando. Tudo iria acontecer, mas na marca
Não adiantava. Fiz-me invisível aos seus olhos. O t (você) ele estaria no fim. Você seria uma razão de ele parar na
talvez repusesse tudo no lugar, mas eu ainda tentaria... sua vida. Terminou uma tarefa. César apegou-se demais a
Marion dirigiu-se naqueles dias a uma livraria. Pensava você. Apego muito forte, além do seu conhecimento. Tinha uma
distribuir livros espíritas ali. Era uma Livraria esotérica. De amizade, mas algo mais, além de seu sentimento, que não era
ram a atendê-Ia. Observo. Ela se intriga com pessoas conhecido por você. Queria colocar pra fora algo que estava
aguardam, para uma consulta com um parapsicólogo. Perg.\.! guardando. Foi um carinho muito grande por parte dele. Tinha
o preço. Paga. Aguarda. um motivo para esconder o que ele sentia por você. Não sentia
Aguardamos juntos. Ela entrou, pediu papel para assuntos familiares, nem profissionais. Teve um sentimento e
nota. não pôde desfrutar, porque ele chegaria até você e não passa-
Um rapaz bem moço à sua frente, olha de lado, e s ria além de você.
olhos se mexem como se corressem sobre um papel a ler No seu ideal, a gente nunca anda sozinho, e sim, através
a mesa está vazia. Ele fala: ' , de muletas, de ajudas, porque sozinho a gente não tem cora-
- "Existe um prosseguimento em sua vida. Você está gem --de seguir. Você sente que não tem mais coragem, nem
sando por um momento carmático, com acontecimentos obrigação profissional. Não deixe que cesse. 11

cantes na parte sentimental e familiar. Quanto mais estes fa


não possam ser aceitos, são totalmente carmáticos nos qu Marion, aturdida anota aquelas palavras meio desconexas,
existe um motivo. ' mas tão claras para ela...
. Um pedra, um fato, um motivo, vem de um modo que n - Antes você tinha pessoas ao seu lado, hoje você terá a
aceita, mas tem que existir. São marcos espirituais. Em volta força espiritual mais ao seu lado. Esta força extra tem a ver to-
você há problemas familiares. Você vê o porquê do que acont talmente com esta pessoa que morreu, porque desde que ele
ce com os outros. Sim. Hoje você vê mais o que é de outr se foi, você sentiria muitas coisas diferentes, porque espiritual-
pessoas. Seu passado teve um fim, na parte espiritual." mente ele estaria por perto, e vai te ajudar. Vejo vibrações espi-
Ma.rio~ perc~be que o rapaz fala num Iinguajar diferent rituais dele virem a você, de forma que você se abriu. Você
sem mUita Instruçao, e anota curiosa. Ele continua. tinha mais garra, mais virtudes, mas vontade do que ele, e vo-
"- Agor~, há momentos que dão tristeza, dor, raiva, m cês sabiam o que era, e que era mais importante, e terá uma
xem com q sistema nervoso. Por muitos passaste e a pouc ajuda dele. Você pode pensar mudar o rumo, porque aconteceu
chegaste. E como se você tivesse que subir um prédio de d tudo isto. Não deixe que isto mude sua vida. Você vai ter ajuda

338 339
Tomás Antonio Gonzaga

e não terá problemas mais difíceis. Você antes estava em d


mas, mesmo com pessoas que não te apoiam, há alguém
frente que você vai ver.
Dentro de você tem uma pedra tão grande! Ela apag
que você pensa, e coloca peso no seu pensar e no seu an
Este peso é uma pedra de tristezas e mágoas, quando v
acredita que o mal vai existir. No seu caminho não há nada CAPíTULO XI - EM SÃO FRANCISCO DO SUL
gativo. Uma pessoa nasceu e morreu. Ela está na sua frent
pode te ajudar. Ela tem a prova, mais forte, e pode te ajud
tem certeza de que alguém está ajudando. Ele só poderá c
nhar, quando você o seguir. Se você parar ele também par
A luz está na sua frente. Mesmo que a pedra pareça gra TAKE 18 - O NAZARENO.
apenas uma luz você vai ver, porque esta alma tirará a me~
te dando uma força do que você jamais teve em sua vida. E ..•0 chamamento para a transformação de minha alma
minhar e não parar. Ele está na frente e dizendo: - Venha, tem sido uma constante em minha vida... De minha cober-
vai dar certo! tura a visão da Baia de Guanabara e da Igreja Nossa Senho-
Vieram mais pessoas a você do que a união famíliar..." ra da Glória. Olhei para o Céu e senti o meu espírito passar
Eu e César usávamos o rapaz, para levantar novament para o meu corpo físico uma energia que circulava da cabe-
projeto ideado por Monteiro, e para alicerçar, na companhe ça aos pés ininterruptamente. Me desprendi lentamente, no
nha, as certezas do que lhe vínhamos afirmando. início. E logo a seguir, numa velocidade espantosa para os
Quando a "consulta" do parapsicólogo terminou, Marion meus s~ntidos, fui levado a um plano espiritual. Na minha
vantou-se meio aturdida. Ficou um tempo longo pensativa, s frente surge o rosto de um homem... Lá embaixo, distante,
tada numa mureta na rua. Quando tornou à casa, decidira-se a Terra. Da cabeça do Nazareno partiam ráios de luz, e es-
Retomaria o Projeto e faria o que pudesse por ele. tes ráios apontavam no planeta Terra vários locais, como
César, feliz, se preparava para dar-lhe novas provas se ali, nos pontos onde osráios chegavam, morasse um
brevivência, e ligação afetiva. seguidor deste homem que transmitia amor e paz..•

Despertei com a lua banhando a cobertura onde mora-


va. Chorei. Compreendi que era um convite ao trabalho. A
transformação mental que necessitava impor à ':linha ~Ima
milenar. Quantas estradas de Damasco em mmha Vida...
mas eu queria vencer, ser um grande diretor de televisão,
ganhar dinheiro, não abrir mão das minhas paixões. Deste
encontro com o Nazareno, até o momento em que escrevo
este livro, somente a dor 'oi minha companheira, me em-
purrando para a frente, tocando minha alma, para que eu
possa alçar o vôo da libertação. (Meus amigos paranor-
mais, pg. 65/De Ave César a Ave Cristo, pgs. 111 e 112)

340 341
César
Uma mulher chamada Tii

- Ela também. E do mesmo santo. - respondeu-me ele. -


Prepare-se que logo a veremos nesta praia.
- Não é melhor vê-la enquanto dorme?
.:.. Não adiantou muito, não foi? Ela se nega a acreditar no
que lhe diz. Mas, não receies. Estarei presente, ajudando. Des-
ta vez, ela terá a prova que precisa.
. ... Eu tinha consciência de que havia morrido. Tod
comp~nheiros que haviam me antecedido, me vinham sa Não demorou muito e logo a avistei, chegando com outra
M~u filho ad?rado que eu desejara vivo entre os homens jovem. Descansou numa cadeira de praia, observou a beleza da
tal~, me sor~la aquele seu riso lindo... Tanta gente boa, natureza.
COIS~ maravilhosa para festejar, mas lá atrás, as lágrima Meu "diretor de cena"parecia manobrar-nos como atores
eu via serem ve~idas por mim, os pensamentos desesper de uma cena demarcada.
de saudade, os filhos... quanta coisa boa também me atraía. Ela se levantou, alongou o olhar para a direita, ao longo da
. Ne~av~-me a descansar. Queria poder ajudar mais e praia, longe, tudo deserto. A vontade de buscar refúgio na soli-
realizar Ideais, desfazer equívocos. dão era um chamado magnético fortíssimo. Pediu licença para
Já se haviam passado um mês e alguns dias de In caminhar. Foi se afastando de todos. Quando sentiu que estava
"Vi~ge~" para o Mu~do dos Espíritos, quando Sesóstris, o sozinha, deitou-se na areia de bruços.
go Irmao de Amenofls 111, veio me visitar. Eu já o vira alg Era a minha deixa. A um sinal da equipe invisível aproxi-
vezes, mes~o ante~ ~o ~esencarne, mas percebi que o a mei-me dela. Ela sentiu a presença de alguém. Ergueu-se. Ver-
to que o trazia era seno, Importante para nós dois. balizou:
- Acredita que está preparado para enfrentar seus - Ah! Não! Não posso ter um minuto de sossego?
mas? - perguntou-me ele, com um modo de quem deseja Depois, controlando-se, resolveu auxiliar a "entidade", pos-
brar o constrangimento entre nós.
sivelmente necessitada.
N~o precisou explicar. Entendi o que ele desejava diz
- Está bem. Eu ajudo você. Diga o que quer, vamos.
aprestel.-me a fazer a volta, para reatar o que ficara atrás.
Todo seu amor me inundou e tive vontade de abraçá-Ia
. Sal!;I~S numa car~v~~a de espíritos, junto com pintores,
tlstas, medlcos... uma Infinidade de gente prestativa e dispos com força. Era me difícil conter-me, mas percebi que podia me
em tarefas específicas. ouvir. Falei:
.Meu espírito sobrevoou as praias brasileiras, ae1tendo-ml -Agora...
analisar a beleza do dia que principiava a nascer. Pássaros E ela repetiu, para me animar, sem ver o espírito que esta-
ondas verdes de Santa Catarina. ria auxiliando.
- Onde estamos? - perguntei ao meu cicerone. - Agora... o que?
- São Francisco do Sul. - foi a resposta. - Agora, eu acredito!
O lugarejo era encantador. - Agora eu acredito? - perguntou ela, vendo-me finalmen-
- São Francisco? - perguntei rindo. - Sou devoto de te, com o esforço concentrado de toda a equipe que se fazia in-
santo. Aliás, já viu um espírita ser devoto de um santo? visível aos seus olhos.
sou deste.
- Agora eu acredito? - repetiu, entendendo a mensagem.

342
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César Uma mulher chamada Tii

Não podia continuar. O pranto a tomou de assalto. Caiu Maisa se prepara para uma viagem de auxílio. Marcamos
bruços novamente na areia, na praia totalmente deserta de vir buscar Marion a noite. Chegamos com a amiga cantando:
carnados e chorou convulsivamente. - Ai, tristeza me desculpe, estou de malas prontas, hoje a
Em flashes simultaneos revi meu livro, a informação poesia veio ao meu encontro, vamos espalhando música no
que ela fora casada com um irmão que tinha convulsões. R ar..."
mente era um irmão, mas não dela, e sim meu! Marion semi-adormecida após um dia exaustivo de tarefas,
Ela pensa: sorri:
- Não lhe dei nada. Queria dar-lhe alguma coisa, mas - Você me dizia que eu era poesia pura...
houve tempo... e você também não me deu nada. Agora sei onde se encontram todos, inclusive meu meio ir-
Afago seus cabelos, acalmando-a, e respondo: mão Sen Nefer! Mas não posso contar segredos que não me
- Como não dei nada? pertencem.
Em "Flash back" ela revê a cena já esquecida: Eu retorno para escrever, para lutar, para desenhar, como
- Tome este livro. - eu lhe dissera, quando pela quando fui Pietro Vannucci. Sesóstris sorri e lhe diz:
vez fora a minha casa. - Eu cumpri o que te prometi, Marion. Coloquei César aos
Ela ficara a noite a ler e pela manhã tentara devolvê-lo: teus pés.
- Não deu tempo de ler tudo, mas tomei nota do título Minha câmera faz uma panorâmica pelo passado, pelo pre-
Editora. Em S. Paulo compro um. sente e se alonga para o futuro.
- Fica com ele. Degas, o grande retratista francês, com os pés, para pre-
- Está me dando? Então ponha uma dedicatória. sente aos meus amores, me retrata mais jovem, no Teatro Van-
- Não. Ele é meu. Você guarda para mim. nucci, no relançamento do meu livro.
A revelação é forte demais para ela. O livro que eu I Como homenageado e convidado especial, olho meus
dera para "guardar para mim" se referia ao "Filho do SoL" companheiros de longas jornadas e aplaudo de pé:
- Miserável! - ela fala num ímpeto. - Você sabia que i - Bravo! Bravíssimo!
morrer. Como pode fazer isto comigo?
Sorrio e lhe jogo um beijo, tornando-me invisível aos seu
olhos.
Sesóstris, vendo que eu me oculto, brinca dizendo:
- Este sumiço foi um truque muito covarde!
Todos nós estamos emocionados. Mas eu tornaria muitas
vezes mais, para alicerçar minhas novas certezas...
Muitos foram os fatos marcantes que teria a relatar, de
meu retorno a minha casa, ao teatro, aos amigos, mas isto daria
um novo livro e não é programação para esta obra.
Deste modo, recolho-me agora ao som da voz de Francis-
co Alves, quando a noite cai:
"Na carícia de um beijo, que ficou no desejo, boa noite,
meu grande amor."

344 345
ESTOU NUM CORCEL BRANCO, CAVALGANDO
PETO. COBRI MEU ROSTO COM UM VÉU E MIII\IH.Q.
BALANÇA AO VENTO. GALOPO A TODA BRIDA.
PRESSA. SEI PARA ONDE VOU. PARA UM ENC
CLANDESTINO. VOU COMETER UM ADULTÉRIO,
ME DÁ TANTO PRAZER QUE MUITAS VEZES ME SE CAPíTULO XII-
SOBRE ESTE CAVALO, GALOPANDO RÁPIDO. MEU N
É Tii! PALAVRAS DE ABRAHAN UNCOlN.

"Não criarás a prosperidade se desestimulares a poupança.

Não fortalecerás os fracos se enfraqueceres os fortes.

Não ajudarás o assalariado se arruinares aqueles que o


pagam.

Não estimularás a fraternidade humana se alimentares o


ódio de classes.

Não ajudarás os pobres se eliminares os ricos.

Não poderás criar estabilidade permanente baseada em di-


nheiro emprestado.

Não evitarás dificuldades se gastares mais dó que ganhas.

Não fortalecerás a dignidade e o .ânimo se subtraires ao


homem a iniciativa e a liberdade.

Não poderás ajudar os homens, de maneira permanente,


se fizeres por eles aquilo que eles podem e devem fazer por si
próprios."

347
CAPíTULoxm

"O ORÇAMENTO NACIONAL DEVE SER EQUI-


LIBRADO.
AS DíVIDAS PÚBLICAS DEVEM SER REDUZI-
DAS, A ARROGÂNCIA DAS AUTORIDADES DEVE
SER MODERADA E CONTROLADA.
OS PAGAMENTOS A GOVERNO ESTRANGEI-
ROS DEVE~ SEF! REDUZI DOS, SE A NAÇÃO NÃO
QUISER IR A FALENCIA.
AS PESSOAS DEVEM NOVAMENTE APREN-
DER A TRABALHAR, EM VEZ DE VIVER POR CON-
TAPÚBU6A.

Marcus Tullius Cícero, Roma, 55 A. C.

349
conjunto de Congonhas do Campo. Autora: Marilei Moreira
Vasconcellos.
OBRAS JÁ LANÇADAS 10- Duda- romanc~,que narra a vida de uma mendiga que se torna
a orientadora espiritual de todo um grupo. Pela pena impar de
Machado de Assis.
11 - Com a palavra a Criança - Abordagem de alunos de diversas
faixas etárias, traduzidas com rara felicidade por professores,
em pesquisa inédita nos meios espíritas.
12 - Cíntia e Cassandra - O retorno do espírito do dr. Tomás
Antônio Gonzaga, relatando o romance que fora prometido
no livro "Confidências de um Inconfidente" em cenários da
Espanha.
13 - História do Cristianismo...,. Com apanhados da Bíblia,
observações agudas sobrá o Cristo, seus intrincados laços
familiares, seus seguidores e conterrâneos.
14 - Abolição - Um livro polêmico e emocionante, onde se vê a luta
nos dois planos davida, pelas leis que lavassem a mácula da
consciência brasileira, libertando irmãos queridos e
massacrados. Com o grupo inconfidente, narrativa de Tomás
A. Gonzaga.
15 - Miguelangelo - Pela pena do espírito de Tomás Antonio
Gonzaga, os dramas, a autenticidade, a graça de Aleijadinho,
na Itália, cheia de encantos e lutas pelo poder.
16 - Pérolas caídas- Numa abordagem sublime, pensamentos que,
meditados no dia a dia, levarão o leitor a um futuro abençoado,
abrindo o coração e a mente com a chave da bondade. Edson
Machado, autor de outros livros, lançados com pseudônimo, o
entrega àqueles que desejam um Mundo melhor.
17 - No Vale dos Unicórnios brancos - Encantadora e envolvente
história criada pelos alunos da Escola Espírita, na faixa de 7 a
13 anos.
18 - Um pirata rouba a guerra- livro cheio de aventuras, movimento
e surpresas, para jovens adolescentes.
19 - O Pequeno Imperador - Saint Exupêry - com a mesma graça
e encantos de sua literatura filosófica e pura o autor retoma,
para alegria de crianças e adultos.
20 - Inconfidências de uma confidente - relatos interessantes e
graciosos sobre a experiência mediúnica de marilusa moreira
magistral de Zé Bento, com capa a 4 cores, 4 textos, ilustrações
vasconcellos durante a recepção do livro Confidências de
Inconfidente. e partituras.

21 - TAl, TCI !- Espíritos diversos em magistrais comunicaç-


através do Brasil e do mundo e uma análise estatística
transcomunicação, trazidos através de mediunidade COLEÇÃO MEIMEI
Marilusa Moreira Vasconcellos.

1- A Visão de Joaquina - Mais uma semente que o espírito de


Meimei lança no coração das crianças do Brasil, por via
COLEÇÃO MICROCÓlUS. (ZÉ BENTO) mediúnica, num instante de profunda ternura e beleza..
2- Retalhos do morro - Na graça de Meimei, a provação de uma
criança com o socorro do Centro Espírita, para a felicidade e
equilíbrio de todos.
1- Microcólus - O primeiro livro que abre a série dos infantis. 3- História de André - Retirada da vida real, na promessa de uma
preciosidade da amizade é o tema abordado. Ilustração, text mensagem de ternura para sua avó, o pequeno André vê-se
e teatro musical. retratado aqui, qual estrela que se machucasse ao cair naterra.

2- Pingo, Ebonite, Fungo-No campo vasto e múltiplo da!litel'atLlra,


voltad~ para a criança, pouca coisa se tem visto que se
possa Igualar. 4 textos, 71 ilustrados, 3 partituras, capa a OBRAS EM LANÇAMENTO
cores.

3- Benedito doAmor Divino- Obra única no campo literário


retratando, através do desenho e texto, com graça, ""'li U''''V~~ 1- Encontro com Tiago - Mensagens atualizadas, abordando
acerca da mediunidade e desdobramento espiritual. 4 temas antigos nas inesquecíveis cartas apostólicas de Tiago,
partituras, 61 ilustrações, capa 4 cores. ditadas pelo espírito do Conde Hugo de Segni.
2- Sem tempo para chorar - baseado em fatos reais, as lutas de
4- Z~m e a formiguinha hippie - Personagens curiosos, uma mulher por seus ideais.
cnança uma abordagem cristã e espírita do cotidiano, 4 3- É isso aí, ó meu - páginas de luz vindas de um jovem
3 partituras, 68 ilustrações, capa a 4 cores. desencarnado prematuramente.
5- Robôs Perdidos da Capadócia- ensinando a reencarnação, 4- João Marchese, inesquecível - Fatos, fotos, textos e
Mundo Espiritual e fazendo uma abordagem de crítica ensinamentos de um missionário do Espiritismo.
ambição e leis humanas, Zé Bento, o autor espiritual, mais 5- Num Mar de luz - Estudo, testemunho, e análise dos fatos
vez, mostra sua maravilhosa verve literária. 4 textos 70 relacionados a anos de dedicaçáo no campo da
ilustrações, capa 4 cores. ' psicopictografia.
6- Paraliteratura na USP - Tese que demonstrou nos meios
6- O Rato Canguru - Falando da vida em outros planetas e acadêmicos a literatura espírita. Thais Montenegro Chinelatto
abordando temas modernos e antigos, mais 4 textos conseguiu esta proeza, com nota dez, numa das maiores
ilustrações e músicas, na graça de Zé Bento. Universidades do Mundo.
7- Castro Alves e Tomas A. Gonzaga (Uma aproximação
7- ZIXV - Mais um novo personagem que chega para
semântica - Thais Montenegro Chinelatto) (uma aproximaçáo
encantamento dos petizes de todas as idades, pela pena
aurática - Samuel Mártins de Uma) - dois profess
universitários abordam com profundidade as linhas
identificação entre os 2 momentos reencarnatórios de
mesmo espírito.
COLEÇÃO TIMSÓ
S- Cartas de um Terráqueo a um poluxeano - ficção científica,
projeção de como estará o Brasil e o mundo no anos de 2.5
ao mesmo tempo em que se ensina como escrever cartas
forma elegante, leve e diferenciada. 1- Timoo-Aventuras na selva brasileira de um grupo de curumins,
que vêm encantando gerações.
9- Uma mulher chamada Tii - Thomaz Antonio Gonzaga e Ce
Vannucci se unem para contar neste romance a Saga de u 2- Timbú - 4 histórias engraçadas e belas do indiozinho mais
princesa egípcia e o amargo despertar no século XX. querido da garotada e seus irmãozinhos.
3- Árvore - Mãe - Um precioso ensino ecológico e OSc percalços
de Timoo rumo ao seu futuro.
4- Por um Triz - A longa jornada de Timoo rumo à civilização e
COLEÇÃO MICROCÓLUS suas liçóes preciosas.
5- Nas Ruas - Baseado em fatos reais, Zé Bento levanta mais 4
aventuras do curumim querido, para deleite da criançada.
1- Na escola - A seqüência das aventuras de Microcólus com m
4 Textos e ilustrações.

2- A Rosa falante - Encerrando a 111 parte dos livros de Zé COLEÇÃO MEIMEI


este livro vem completar as 33 histórias de en1:reteni!mento
aprendizado e beleza.
1- Wan Ching - Com poesia o espírito maternal de Meimei nos
revela mais um episódio de raro brilho.
COLEÇÃO CASIMIRO CUNHA

1- A minhoca - Em versos graciosos e simples, lições


acompanhadas de ilustração despojada e encantadora.

2- Gaudêncio - Uma estória marinha escrita no Ano Internacional


do Deficiente Físico - ilustrado.

3- Toninha Tortinho - Nova abordagem sobre o deficiente em


quadras de rara beleza - ilustrado.

4- A mola - Vercejando o autor brinca com as palavras e traz


conceitos de forma gracil - ilustrado.
Impresso na~Mjf<H""fl"ifk:"ltdJt
03043 Rua Martim Burchard. 246
Brás - São Paulo - SP
Fone: (011) 270-4388 (PABX)
com filmes fornecidos pelo Editor.
Este livro foi composto em
duas etapas.
-Numa volta ao passado, ele
J::,elata a história de Tii, mãe de
Akenaton, da XVIII Dinastia,
em toda sua complexidade,
desvendando fatos nunca antes
explicados.

Tii, desenhada por Sesóstris


que se assina Soséstres
MeritAton a maior bailarina de
dança do ventre do Brasil

A Saga desta princesa egípcia e


o amargo despertar no século
XX, compõem as malhas da
segunda etapa, narradas pelo
escriba do faraó Amenófis 111.
Imperdível, em todos os
sentidos. Você não pode deixar
de ler.

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