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PERGUNTA DO ALUNO

A respeito das construções pleonásticas em português abordados na resposta


34, é interessante notar que essas formas deixaram de sê-lo na linguagem oral
do dia a dia, pois faz tempo que ouço muita gente flexionar apenas o artigo.
Acha que essa é uma tendência que deve se confirmar na forma oral, como no
caso do francês, em que basta haver a indicação do plural no artigo?

RESPOSTA DO PROFESSOR

Para que tal tendência (que se dá apenas em certas regiões ou entre algumas
camadas menos escolarizadas de nosso país) passasse a considerar-se correta,
seria preciso que o português se transformasse em outra língua DE FATO, ainda
que os falantes da nova língua a considerassem, por um sentimento de
continuidade histórica, a mesma que a anterior. Este é assunto demasiado
complexo, e trato-o extensamente na Suma Gramatical. Como seja, o próprio
da Gramática é tentar impedir, na escrita e, por reflexo, na fala, que esta ou
qualquer outra deriva linguística corrompam a língua atual.
A título porém de antecipação do que digo na Suma, vejam-se os escolhos
que uma cantiga cortesã do português medieval nos apresenta a nós, falantes e
leitores do português hodierno: “Ai, mia senhor, veen-me conselhar / meus
amigos, como vos eu disser: / que vos non servia, ca non m’é mester, / ca nunca
ren por mí quisestes dar; / pero, senhor, non m’én quer’eu quitar / de vos servir
e vos chamar senhor; / e vós faredes depoi-lo melhor. // E todos dizen que fiz i
mal sén, / ai mia senhor, des quando comecei / de vos servir; e non os crerei /
mentr’eu viver, nunca, por ũa ren: / ca, mia senhor, non me quitarei én / de vos
servir e vos chamar senhor; / e vós faredes depoi-lo melhor. // E máis me dizen
do que me vos deu / por mia senhor: que mi fez i gran mal. / Pois m’esto dizen,
dizen-m’assí al: ‘Non a serviades, nen sejades seu’. Por tod’esto non me partirei
eu / de vos servir e vos chamar senhor; / e vós faredes depoi-lo melhor. // E,
mia senhor, conselha-me mui mal / quen mi o conselha; mais farei-m’eu al”.
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Observem-se, ademais, não só palavras como “mentre” e “pero”, que perduram
de algum modo em espanhol (mientras e pero), mas palavras como “i”, “ca”,
“non” e “ren”, que perduram de algum modo em francês (y, car, non e rien).
Pois bem, só pelo referido sentimento de continuidade história é que
podemos considerar sejam a mesma língua o galego-português medieval e o
português atual.

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