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BIBLIOTECA
MILITAR CRISTÃO

O SOLDADO CRISTÃO:
CONQUISTANDO O
REINO DOS CÉUS
PELA VIOLÊNCIA

PARTE 1

Por
Thomas Watson

1ª Edição
2010
54 07/1

Fazem parte desta Coleção 07/1


VIDA NOVA COM JESUS: A FÉ DO MILITAR BIBLIOTECA
Volume 01 – Manual do Orientador
Volume 01-A – Manual do Membro MILITAR CRISTÃO
Volume 02 – UM CATECISMO PURITANO
Volume 03 – OS SOLDADOS PODEM SER SALVOS TAMBÉM?
Volume 04 – UM MILITAR CRISTÃO
Volume 05 – INICIANDO UMA ASSOCIAÇÃO MILITAR QUE TRANSFORMA
Volume 06 – SOBRE A VIDA CRISTÃ
O SOLDADO CRISTÃO: CONQUISTANDO O REINO DOS CÉUS
PELA VIOLÊNCIA
Volume 07/1 – Parte 1
Volume 07/2 – Parte 2

O SOLDADO CRISTÃO:
CONQUISTANDO O
REINO DOS CÉUS
Militar Cristão. Edificando na caserna. PELA VIOLÊNCIA
Todos os livros da coleção podem ser baixados,
gratuitamente, através do sítio da Internet -
http://www.militarcristao.com.br.
Procure na seção Download – Documentos. PARTE 1

Por
Thomas Watson
Tradução: Cleber Olympio
Editor responsável pelo sítio e por esta coleção: Cleber Olympio
© 2003-2010 Cleber Olympio. Todos os Direitos Reservados.
Permitida a reprodução total ou parcial, desde que mencionada a fonte. 1ª Edição
BIBLIOTECA MILITAR CRISTÃO
2010
07/1 53

MILITAR CRISTÃO
http://www.militarcristao.com.br

Especificamente, a finalidade desta página é:

I. “Prover conteúdo relevante e adequado ao usuário final, qual seja, militar das Forças Ar-
madas ou Auxiliares do Brasil, cristãos evangélicos ou não;
II. Promover integração entre os militares cristãos de todo o Brasil, com possibilidades de
se reunir irmãos que não se veem há muito tempo;
III. Auxiliar nos cultos e reuniões evangélicas, promovidos pelas associações militares nos
quartéis, provendo material, como estudos bíblicos, além de discutir ideias para o aperfeiço-
amento desse trabalho;
IV. Fortalecimento e difusão da fé militar, respeitadas a hierarquia e a disciplina”. (NGA
1/2006, art. 4º).
PREZADO LEITOR
Agora, ponderando, considere os seguintes fatos:
Todo auxílio é bem vindo a este ministério, bem como o
 A extensão do nosso efetivo, bastante considerável;
aperfeiçoamento destes Manuais. Caso tenha alguma su-
 O fato de o militar ser, por muitas vezes, o braço do Estado onde nem o Estado vai,
gestão, dúvida, comentário, crítica ou contribuição a dar ao sobretudo em áreas de fronteira;
nosso trabalho, encaminhe-os para nós através do sítio Mi-  As diversas movimentações que ele sofre ao longo da carreira;
litar Cristão, seção Contato, ou diretamente ao webmaster  O contato diário com pessoas dos mais diversos rincões do País;
pelo webmaster@militarcristao.com.br. Sua mensagem se-  A possibilidade de atuar junto a outras nações, com seu exemplo, nas missões de
paz;
rá analisada e poderá constar de futuras edições. Caso
 No caso específico das Forças Auxiliares, o contato mais próximo e diário com a
queira também contribuir com textos inéditos, seja de ins- população, em situações de tensão e perigo;
trução para os grupos militares evangélicos, testemunho  As dificuldades inerentes à carreira, como exposição diária ao perigo (inclusive de
pessoal ou doutrina cristã, utilize-se dos mesmos modos de perder a vida), de se formar um patrimônio familiar, a instabilidade de relações pes-
contato já mencionados. Os critérios de publicação estão soais duradouras por conta das movimentações, o prejuízo na educação dos filhos e
na área profissional do cônjuge;
na seção Estrutura. Que Deus te abençoe.
 O preparo e o emprego da força militar, em situações extremas;
 O elogio que a Bíblia dá ao compromisso, benevolência e fé de militares, como o
centurião Cornélio;
 As imensas e evidentes semelhanças entre a vida cristã e a militar.

Diante desses fatores, nota-se o quanto o povo de Deus tem negligenciado o enorme
potencial de atuação do evangélico militar. Quando limitamos nossa área de atuação ao lou-
vor e à EBD, não percebemos que, à nossa volta, pode estar alguém que será um homem de
Deus a frente de uma batalha, quem levará até as últimas consequências seu compromisso
com Deus e com a nação brasileira. Um aluno de um curso de formação hoje pode ser o Ma-
rechal, Almirante ou o Brigadeiro amanhã. E ao menos que a Bíblia esteja equivocada (falo
como homem), nação se voltará contra nação. O que será do homem da caserna? Quem irá
até aquele povo? Quem os ajudará?
A resposta pode estar dentre os civis, que até hoje não descobriram essa missão dada
pelo Senhor, ou especialmente dentre o próprio pessoal militar, que ainda encara sua incor-
poração como uma mera profissão, sem considerar o caráter de missão que ele tem, como
integrante das Forças Armadas ou Auxiliares.
Esta é a nossa visão, que compartilhamos todos os dias com você, seja por meio de es-
tudos, artigos, informações, bizus ou, inclusive, por entretenimento nos momentos de folga.
Este é o Militar Cristão.

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gem: ouvir novidades, novos conceitos que agradem sua fantasia, mas e- ÍNDICE DOS ASSUNTOS
les não vão à palavra como uma questão de vida ou morte. Eles não vão Parte 1 – Vol. 07/1
ao encontro com Cristo numa cerimônia, para terem o sopro do seu Espíri-
to e as infusões de seu amor. Infelizmente, quão pouca violência para o Pág.
Céu é vista na adoração da maioria das pessoas! Em todos os sacrifícios
da lei não havia fogo. Como podem tais deveres serem aceitos se não têm APRESENTAÇÃO ...................................................................................... V
fogo em si mesmos, nem oferecimento de violência?
PREFÁCIO À 2ª EDIÇÃO INGLESA......................................................... VI
4-5. UM CORRETO DISCERNIMENTO SOBRE A MODERAÇÃO
PREFÁCIO DO EDITOR, PARA A 1ª EDIÇÃO PUBLICADA NOS
Se deve haver essa oferta de violência para o céu, então isso nos mos-
ESTADOS UNIDOS ........................................................................... VII
tra quão perigosa é a moderação espiritual. Violência e moderação são
duas coisas diferentes. Na verdade, a moderação nas coisas do mundo é
louvável. Devemos moderar nossos desejos aqui, e “os que usam deste CAPÍTULO 1 – CONQUISTANDO O REINO DOS CÉUS PELA
mundo, como se dele não abusassem” (1 Co 7:31). Nós podemos, como VIOLÊNCIA.......................................................................................... 1
Jônatas, mergulhar a ponta da vara no mel62, mas não ir longe demais.
Neste sentido a moderação é boa, mas a moderação em matéria da práti- ARTIGO I – ANÁLISE DO CONTEXTO NO EVANGELHO DE MATEUS ... 1
ca piedosa é pecado: é contrário à violência a ser oferecida.
Moderação, no sentido mundano, não significa ser demasiado zeloso, ARTIGO II – A VIOLÊNCIA NO COMBATE E NA CONQUISTA.............. 3
nem ser demasiado forte perante o céu. Ser moderado não é aventurar-se CAPÍTULO 2 – OFERECENDO VIOLÊNCIA A NÓS MESMOS .............. 11
espiritualmente mais além do que aquilo que possa confrontar com a au-
topreservação. Como disse o rei de Navarra a Beza, ele não iria se lançar ARTIGO I – PARÂMETROS DE AUTOVIOLÊNCIA ............................... 11
tão distante no mar, sem que pudesse ter a certeza de um retorno seguro à
terra. Manter-se no lado quente da cobertura é um artigo principal na carti- ARTIGO II – FUNÇÕES DO CRISTIANISMO E A AUTOVIOLÊNCIA.... 14
lha política. Moderação, no sentido mundano, é neutralidade.
A pessoa moderada encontra um meio-termo entre o zeloso e o profa- CAPÍTULO 3 – OFERECENDO VIOLÊNCIA A SATANÁS E AO MUNDO. 41
no: ele não está nem tanto para o deboche, nem tanto para a pureza. Foi
ARTIGO I – AS MANOBRAS DE SATANÁS CONTRA O CRENTE....... 41
esse o conselho de Calvino a Melanchton: que ele não devia se impres-
sionar tanto assim com o título de moderado, para que ele, ao final, não ARTIGO II – A RESPOSTA DO CRENTE A SATANÁS ......................... 43
perdesse todo o seu zelo. Ser indiferente em matéria de espiritualidade é
estar longe de oferecer violência ao Céu, conforme Apocalipse 3:19: “Sê, ARTIGO III – A RESPOSTA DO CRENTE AO MUNDO ........................ 44
pois, zeloso e arrepende-te”. Se qualquer um pudesse nos perguntar por CAPÍTULO 4 – OFERECENDO VIOLÊNCIA AO CÉU............................. 47
que somos tão violentos, diga-lhes que isso é por causa de um reino. Se
qualquer um pudesse nos perguntar por que somos tão urgentes quanto ARTIGO ÚNICO – DO USO CORRETO DE VIOLÊNCIA AO CÉU........ 47
às coisas espirituais, diga-lhes que estamos em uma corrida celestial, e
um ritmo fracamente moderado nunca vai ganhar o prêmio. A moderação
tem feito muitos perderem o Céu, pois eles não empregaram urgência su-
ficiente, uma vez que chegaram tarde demais, como as virgens loucas,
quando a porta foi fechada.

CONTINUA NO MANUAL 07/2…

Referência a 1 Sm 14:27-29 (N. do T.).


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IV 07/1 07/1 51

descrever , e nos mostram como eles são rápidos no serviço de Deus. Se


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os anjos do Céu estão ocupados nesse emprego nobre e honrado, quão


diligentes devemos ser ao buscarmos alcançar o topo do monte de Deus,
não tendo ainda chegado a um estado de glória? É a salvação um traba-
lho tão fácil? Um homem pode ser salvo por um salto? Ele pode pular para
fora do braço do Diabo para o seio de Abraão?
Ah, não se deve oferecer violência… Alguns acham que a livre graça
irá salvá-los, mas isso deve acontecer pela utilização de meios. “Vigiai e
orai”. Outros dizem que as promessas vão conduzi-los ao céu, mas as
promessas da Palavra não devem ser separadas dos preceitos. A promes-
sa nos fala de uma coroa, mas diz o preceito: “Corra” (1 Co 9:24). As pro-
messas são feitas para incentivar a fé, e não para acalentar a preguiça.
Outros dizem, entretanto, que Cristo morreu pelos pecadores, e assim dei-
xam-no para que faça tudo por eles, enquanto eles mesmos não fazem
nada. Assim o texto estaria fora de contexto, e todas as exortações à luta e
ao “combate o bom combate da fé” seriam em vão. Nossa salvação cus-
tou o sangue de Cristo; ela nos custará suor. O barco pode também che-
gar à margem sem remo, assim como podemos chegar ao céu sem ofere-
cer violência.

4-4. ASSUNTOS PARA OFERECIMENTO DE VIOLÊNCIA AO CÉU

Isso nos mostra o grande erro das pessoas ignorantes, que pensam
que a realização básica de deveres, embora de uma forma tão discreta e
superficial, seja suficiente. O texto nos diz de oferecer violência:
Fig. 1. Tropa de Cavalaria de Guarda na coroação do rei britânico Carlos II (1661).
(a) No assunto “oração”. Eles pensam que é suficiente proferir algu-
mas palavras, enquanto o coração está dormindo o tempo todo: que vio-
lência se oferece aqui? Cristo estava “em agonia” na oração (Lc 22:44).
Muitos quando oram estão, sim, mais em uma letargia do que em uma
agonia. Jacó lutou com o anjo em oração (Gn 32:24). O incenso era para
ser colocado sobre as brasas, (Lv 16:12). O incenso era um tipo de ora-
ção, e o incenso sobre as brasas era uma espécie de fervor na oração.
Poucos sabem o que significa o espírito de oração, ou o que é ter os sen-
timentos transbordantes. Quando estão no mundo são todos como fogo,
mas quando estão em oração, todos eles são como gelo.
(b) Na oitiva da palavra. Muitas pessoas pensam que é suficiente tra-
zer os seus corpos para a assembleia, mas nunca olham para seus cora-
ções. Eles se certificam de que estiveram na igreja, embora não tivessem
estado com Deus ali. Outros comparecem a um sermão para uma recicla-

Literalmente: “hieroglíficas” (N. do T.).


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4-3. CONQUISTAR O CÉU NÃO É TÃO SIMPLES QUANTO PARECE

Deve haver uma oferta de violência quanto a essa aptidão e propen-


são em favor de se crescer espiritualmente omisso. Quando elas forem le-
vadas a efeito em uma obrigação, elas estão aptas a crescer mortos.
Quando elas foram aquecidas no fogo de uma cerimônia, elas estarão ap-
tas a congelar de novo; portanto, devem oferecer violência, ainda. O cora-
ção, como o relógio, é capaz de ficar exausto e, portanto, deve ser conti-
nuamente manutenido por meio da oração e da meditação. O fogo de de-
voção em breve sairá se não for expelido.
A própria experiência de um cristão em sua inconstância no bom de-
sempenho é convincente o suficiente para haver a sã violência.
Se deve haver essa oferta de violência, isso nos mostra que não é algo APRESENTAÇÃO
tão fácil chegar ao céu, como os homens imaginam. Há tantos preceitos
para obedecer, tantas promessas para crer, tantas pedras para evitar, que
é uma situação difícil ser salvo. Alguns imaginam uma forma bem mais fá- Certa vez, o Excelentíssimo Senhor General-de-Exército Leônidas Pi-
cil para o céu, um desejo ocioso, uma lágrima no leito de morte, mas o res Gonçalves, ex-ministro do Exército Brasileiro, proferiu, em entrevista a
texto nos diz para oferecer violência. Infelizmente, há um grande trabalho a um documentário, a seguinte frase: “o soldado é o cidadão uniformizado
ser feito, o viés do coração deve ser mudado. para o exercício cívico da violência”. Com toda razão: a violência é matéria
O homem, por natureza, não somente rejeita a graça, mas a odeia. Ele tão inerente ao militar, com a qual ele lida em todo momento no seu quo-
tem um espírito envenenado contra a bondade e está irritado com a graça tidiano e, por isso mesmo, não lhe é estranha. Ele deve exercer violência
da conversão: e é mais fácil ter o coração metamorfoseado? Para que o contra o inimigo da Pátria e das Instituições Democráticas, quando para
coração orgulhoso seja humilde? Para que o coração da terra seja trans- isso for convocado. Na vida cristã não é diferente: assim o autor apregoa,
formado em celestial? Isso pode ser feito sem o uso de violência? Está tu- ao manifestar a importância do uso da violência em vários aspectos, so-
do acima do monte que vai para o céu, e ele vai nos fazer suar, antes de bretudo para com o Reino de Deus.
chegar ao topo da montanha. De fato, o inferno será tomada sem tempes- A comparação do cristão com um guerreiro, permanentemente em
tade: as portas do inferno, como o “portão de ferro” (At 12:10) aberto por campanha contra o mundo, sua própria natureza pecaminosa e o diabo, é
sua própria vontade; mas se quisermos chegar ao céu, temos de forçar inevitável e bastante própria. As lições trazidas por Thomas Watson ao mi-
nosso caminho, temos de nos cercar com suspiros e lágrimas, e conquis- litar de Jesus, que lida habitualmente com a violência, são muito precio-
tar a escada dimensionada pela fé para atacá-lo. sas. O subtítulo original deste Manual define a obra de Thomas Watson
Não devemos apenas trabalhar, mas lutar. Como os judeus que cons- como “um manual prático sobre a vida cristã, demonstrando que a sã vio-
truíram o muro de Jerusalém, segundo Neemias 4:17: “cada um com uma lência do cristão o move a lutar pela Glória”, aquela que o autor entende
das mãos fazia a obra e na outra tinha as armas”. O cristão é ordenado um ser o significado da expressão “Reino de Deus”.
serviço violento: ele deve se imbuir de todo o apronto de seus desejos, Escrito em 1669, o livro de fato se prova, a cada página, como uma ver-
cada um dos quais é mais forte do que Golias. Um cristão não tem tempo dadeira “Instrução Individual para o Combate” da Fé, altamente bizurado
de descanso: ele deve estar ou orando ou vigiando, quer no monte ou no sobre o assunto “Vida Cristã verdadeira”. Bastante abrangente, o autor diz
vale, no monte da fé ou no vale da humildade. As coisas do mundo não muito de modo sucinto, sempre com o enfoque na necessidade de o crente
são obtidas sem trabalho: e os que labutam na loja? E os que suam no oferecer violência para com os assuntos espirituais. É uma questão funda-
forno? e pensamos que o Céu será obtido sem trabalho? Os homens ca- mental de sobrevivência para o cristão, num mundo permeado pelo pecado.
vam para vermes, e não para o ouro? Aqueles que estão no Céu estão Viver em campanha não é fácil; tampouco a vida cristã autêntica o é, e para
empregados, muito mais que os que estão a permanecer por lá. Os anjos que ela seja plena, o crente deve usar de boa violência contra si, contra o
são espíritos ministradores, (Hb 1:14). As asas dos serafins são difíceis de mundo, o inimigo de sua alma e ao reino dos Céus. A salvação nos foi ou-
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torgada, mas a sua realização em nossas vidas depende de esforço contí- nunca deu um passo no caminho. Quem espera uma colheita sem arar e
nuo e de um compromisso genuíno por nossa parte. semear? Como podemos esperar a colheita da glória sem trabalho? Em-
A tradução que aqui se apresenta foi elaborada conforme a primeira bora a nossa salvação quanto a Cristo seja uma compra, no que diz res-
edição estadunidense, e a segunda inglesa, impressas em 1810, trazendo peito a nós ela é uma conquista.
os respectivos prefácios de seus editores e revisores. Adaptamos sua es- 3. Temos de oferecer violência ao Céu levando em conta a dificul-
trutura, de modo a facilitar a consulta e aprendizado dos tópicos. Salvo in- dade do trabalho: Tomando um reino. Primeiro, temos de ser puxado
dicação em contrário, os textos bíblicos foram extraídos da versão Almeida para fora de um outro reino, o “reino das trevas” (At 26:18). Sair do estado
Corrigida e Fiel; os demais são da versão Almeida Revista e Atualizada, natural é difícil mas, quando isso é feito e nós somos cortados da oliveira
indicados pela sigla “ARA”. Enriquecemos o material, ainda, com notas brava, e implantados em Cristo, há um novo trabalho ainda a fazer, novos
explicativas, e ilustrações de soldados da época, de diferentes nações. pecados a mortificar; novas tentações a resistir, e novas graças a restau-
rar. Um cristão não deve apenas receber a fé, mas ir “de fé em fé” (Rm
O Editor 1:17). Isso não será feito sem violência.
4. Temos de oferecer a violência para o céu em relação às agressões
violentas feitas contra nós.
PREFÁCIO À 2ª EDIÇÃO INGLESA
(a) Nossos corações se opõem a nós mesmos. Esse é um estranho
paradoxo: o homem, que naturalmente deseja a felicidade, opõe-se a ela;
ele deseja ser salvo, mas odeia que a sã violência o salve.
Para a Edição Inglesa
(b) Todos os poderes do inferno se opõem a nós. Satanás está à
Ao Leitor
nossa destra, assim como o fez a Josué. (Zc 3). Não devemos agir de mo-
do tão sério para salvar nossas almas, assim como o dragão o é para de-
Não vou fingir que tenho renome para conferir celebridade a um autor vorá-las? Sem atitudes violentas nunca resistiremos às tentações violentas.
cuja fama não está estabelecida ainda, nem tenho a menor intenção de 5. Temos de ser violentos, porque esse é um assunto da mais alta
promover o interesse de um partido, que muitas vezes coloca uma espada importância. Um homem não bate com a cabeça sobre ninharias, mas
na mão de um cristão para violentar a paz alheia. Minha tarefa é a de dar sobre assuntos em que a sua vida e os seus bens estão em xeque. A vio-
introdução a um livro, que parece ser bem calculada para promover a prá- lência é oferecida se considerarmos:
tica espiritual e da piedade genuína – promovendo um intercâmbio entre o (a) O que devemos guardar: a alma preciosa. Que cuidados vamos
Céu e a terra – e que a alma, ao se aproximar de Deus, possa ser trans- tomar com a alimentação e com o enriquecimento do corpo, a parte bruta?
formada da mesma forma pelo Espírito do Senhor. Então, o que devemos usar a violência para a salvação da alma? O corpo
O que agora escreve ficou muito admirado pela energia de estilo des- é apenas um anel de barro; a alma é o diamante. A alma é o espelho onde
se autor, e pelas suas ilustrações fáceis e familiares. Muitos que leram a a imagem de Deus é vista. Há na alma algumas sombras e fracas repre-
vida do coronel Gardiner1 desejariam ter visto este tratado, que ele tinha sentações de uma divindade. Se Cristo pensou em espírito que valeu a
em mãos quando aprouve a Deus operar nele a maravilhosa transforma- pena o derramamento do seu sangue, da mesma forma podemos pensar
ção, a qual o Pr. Doddridge2, em sua biografia, assim relata: que vale a pena gastar o nosso suor.
(b) Considere o que havemos de ganhar: um reino. Qual violência é
utilizada para coroas terrenas e para impérios? Homens passam pela co-
roa através do sangue. O céu é um reino pelo qual deveríamos nos esfor-
Referência ao coronel James Gardiner (1688-1745), militar escocês que lutou pelo Exército
1

Britânico, cuja biografia foi escrita pelo pastor Philip Doddridge, que narra inclusive a çar – non ad sudorem tantum sed sanguinem60 – até mesmo pelo sangue.
experiência de conversão dele ao Evangelho em 1719 (N. do T.) As esperanças de um reino, como diz Basílio, devem compensar um cris-
2
Referência ao inglês Philip Doddridge (1702-1751), pastor puritano e compositor de música tão com alegria por todos os trabalhos e sofrimentos.
sacra, que fazia parte do movimento das Igrejas Não Conformes da Inglaterra e País de
Gales, que não se submetiam ao alinhamento com a Igreja Anglicana, determinado pela
Coroa Britânica (N. do T.) Literalmente: “Não apenas pelo trabalho, mas até mesmo pelo sangue” (N. do T.).
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colocar diante de si toda a força do corpo, um esforço incomum para que “Mas foi de maneira muito acidental que aconteceu, que ele pegou um
todos os homens possam avançar com toda a rapidez para obter o prê- livro cristão, que a sua boa mãe ou tia colocou, sem que ele soubesse,
mio. Assim, Paulo prosseguia para o alvo (Fp 3:14). Afinal, onde está essa na sua maleta. Era chamado, se bem me lembro, de ‘O Soldado Cris-
sã violência para ser encontrada? tão: Conquistando o Reino dos Céus pela Violência’, e foi escrito por
(a) Muitos tornaram-se incapazes de executar esta bendita corrida, Thomas Watson. Adivinhou, pelo título, que ele deveria conter algumas
pois estão embriagados com os prazeres do mundo. Um homem bê- frases espiritualizadas de sua própria profissão e, como se pudesse
bado é incapaz de executar uma corrida. encontrar nele alguma deturpação, ele resolveu mergulhar no livro,
(b) Outros negligenciam executar esta corrida por toda a sua vida, mas não reparou em nada sério de qualquer coisa que houvesse lido
e quando a doença e a morte se aproximam, aí eles se põem a come- e, no entanto, enquanto este livro estava em suas mãos, uma impres-
çá-la. Um homem muito doente é incapaz de andar, muito menos de cor- são ficou gravada na sua mente – talvez só Deus saiba como –, que o
rer. Eu reconheço que o verdadeiro arrependimento nunca é tarde demais, conduziu a um sem número das mais importantes e felizes consequên-
mas quando um homem mal pode mover sua mão, ou levantar os olhos, cias”3.
agora é um momento muito impróprio para começar a corrida da terra ao
Céu. Que este livro possa agora lhe atingir com as mesmas felizes conse-
(c) Essa seriedade para o céu é comparada à luta, o que implica quências. Esta é a oração fervorosa de
violência. De acordo com 1 Timóteo 6:12 (ARA), “combate o bom comba-
te da fé”. Não é o suficiente que sejam trabalhadores; eles devem ser guer- R. ARMSTRONG.
reiros. Com efeito, no Céu, nossa armadura deve estar pendurada como
um símbolo de vitória, mas agora é dies prælii, um dia de batalha, e nós
temos de “combater o bom combate da fé”. Assim como Aníbal forçou um PREFÁCIO DO EDITOR,
caminho para o seu exército sobre os Alpes e as rochas escarpadas59, da PARA A 1ª EDIÇÃO PUBLICADA
mesma forma devemos forçar nosso caminho para o céu. Nós não deve- NOS ESTADOS UNIDOS
mos apenas orar, mas orar fervorosamente (Tg 6:16). Esta é a oferta de vi-
olência para o céu.
Robert Moore, Editor para os Estados Unidos
4-2. RAZÕES PARA O EMPREGO DE VIOLÊNCIA AO CÉU Nova Iorque, 26 de março de 1810.

As razões pelas quais deve haver essa violência oferecida ao Céu são
as seguintes: Numa época em que tantos parecem ser influenciados por um forte
desejo de buscar a rota para Sião, será sem dúvida aceitável para aqueles
1. O indispensável comando de Deus. Ele promulgou uma lei, que que têm seus rostos transcendentes, que tenham em suas mãos e diante
quem comer do fruto do paraíso deve comê-lo com o suor de sua fronte. de seus olhos os escritos de tão eminente e piedoso ministro do Evange-
Segundo 2 Pedro 1:10, “guardai com firmeza a sua vocação e eleição”. lho, como foi o reverendo Thomas Watson.
2. O decreto de Deus. O Senhor em seu decreto eterno uniu o fim e Quem está familiarizado com os depoimentos contidos nas Sagradas
os meios no mesmo conjunto: trabalhar e entrar, a corrida e a coroa. E um Escrituras – que entre os protestantes são universalmente aceitas como o
homem não pode mais pensar em vir para o Céu sem oferecer violência, único padrão verdadeiro de nossa fé e modo de agir –, deve reconhecer
assim como ele não pode pensar em chegar ao final de sua viagem se que a vida de um cristão é uma vida de guerra: assim encontramos regis-
trado em Mt 24:42: “Vigiai, pois, porque não sabeis em que dia vem o vos-
59
Referência ao general e estadista cartaginês Aníbal (247 a.C. – 183 a.C.), que empreendeu so Senhor” e em 2 Coríntios 10:3-5: “Porque, embora andando na carne,
campanha contra o Império Romano por meio de um exército misto de cartagineses,
númidas, gauleses e iberos, utilizando a travessia dos Alpes e dos Pirineus a fim de con-
quistar o norte da Península Itálica, com um efetivo de 50 mil homens e 37 elefantes de Esse episódio é narrado no Capítulo V da biografia desse oficial (veja nota 1), intitulado “A
3

batalha. Essa campanha fez parte da chamada Segunda Guerra Púnica (N. do T.). Conversão do Coronel” (N. do T.)
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não militamos segundo a carne, pois as armas da nossa milícia não são
carnais, mas poderosas em Deus, para demolição de fortalezas; derriban-
do raciocínios e todo baluarte que se ergue contra o conhecimento de
Deus, e levando cativo todo pensamento à obediência a Cristo”. Não há,
até agora, quem não reconheça prontamente que a oposição suscitada
pelo mundo em nossos dias não é igual àquela vivida pelos nossos irmãos
da Igreja primitiva. Portanto, temos a promessa de igualdade: em Mateus
6:34, “basta a cada dia o seu mal” e, novamente, em 2 Coríntios. 12:9: “a
minha graça te basta, porque o meu poder se aperfeiçoa na fraqueza”.
Mas, apesar dessas preciosas promessas, é por demais temer que, embo-
ra haja muitos fiéis e ministros da palavra de Deus nestes nossos dias, se
a aberta confissão da nossa fé deve nos sujeitar ao cadafalso ou à foguei-
ra, são poucos – infelizmente! – muito poucos, que agiriam de modo igual
a um Almondus, ou a um Apprice, a um Ardley, a um Arethusius, a um CAPÍTULO 4
Rodgers, ou a um James Askew4, e ainda assim, arriscariam afirmar que
tanto a vida como os escritos deste autor não sejam, em prol da excelên- OFERECENDO VIOLÊNCIA AO CÉU
cia, uma ínfima parcela da vida de qualquer um destes.
Apesar de, na opinião de alguns leitores descuidados, não ser possí-
vel, em princípio, que algo se pareça com o estilo do trabalho que se se- ARTIGO ÚNICO
gue, com o objetivo de atrair a atenção dos importantes ou o conhecimen-
to do mundo – ainda que diante de uma leitura séria do assunto grande e DO USO CORRETO DE VIOLÊNCIA AO CÉU
terrível de que se trata – aqui se encontrará uma linguagem fundamentada
numa verdade forte e irresistível, que é capaz de fazer tremer até mesmo
um Félix5, e que aqueles que são chamados os “homens do mundo”, não
4-1. EMPREGO DO CONCEITO DE VIOLÊNCIA AO CÉU NA BÍBLIA
poderão nem contradizer, nem suportar.
Neste pequeno trabalho – confessa-se de plano – que há algumas ex-
Em quarto lugar, temos de oferecer violência ao céu. “O reino dos
pressões que podem ser interpretadas como uma manifesta inimizade em
Céus sofre violência”. Embora o Céu nos seja dado livremente, temos de
particular a uma determinada seita. Se alguém viesse a pensar assim, dei-
sofrer por ele. Canaã foi dado a Israel livremente, mas eles tiveram que lu-
xe-os recordar as palavras dos apóstolos em Atos 5:29: “importa antes
tar com os cananeus. Não é um desejo preguiçoso, ou uma oração sono-
obedecer a Deus que aos homens” e, tal como os apóstolos, parece que
lenta que nos levará ao céu: temos de oferecer violência. Portanto, na Es-
os cuidados de nosso autor foram dirigidos para definir constantemente
critura nossa seriedade para o Céu é mostrada por essas alegorias e me-
diante de si o temor ao seu Criador e o que ele entregava no púlpito ou
táforas que implicam violência.
publicava na imprensa, para que ficasse muito mais preocupado em ga-
nhar mais almas para o Reino dos Céus, para promulgar verdades sérias e
1. Às vezes, por empenho. Segundo Lucas 13:24, “Esforça-te para
entrares pela porta estreita”. No grego isso significa “esforça-te como se
4
Alguns desses mártires são citados no livro “História Resumida dos Mártires – Uma Nuvem estivesses em agonia”.
de Testemunhas; ou As Imagens do Sofrimento” (tradução livre de The history of the 2. Luta, o que é um exercício violento. Conforme Efésios 6:12, esta-
martyrs epitomised: A cloud of witnesses, or, The Sufferers Mirror, sem título em portu- mos lutando contra um corpo de pecado, e contra os poderes do inferno.
guês), do reverendo Thomas Mall, publicado em 1747 nos Estados Unidos. Pela ordem
3. Correndo em uma corrida. Conforme 1 Co 9:24, “correis para que
são mencionados os três primeiros: Almondus a Via, John Apprice (que era cego) e
John Ardley. Todos são mencionados em lista alfabética, contendo inclusive detalhes de alcanceis o prêmio”. Temos uma longa corrida da terra ao céu, mas pouco
suas execuções e as respectivas últimas palavras (N. do T.) tempo para correr: em breve haverá o pôr do sol. Portanto, corra. Em uma
5
Referência a At 24:22 (N. do T.). corrida que não é só deixar de lado todos os pesos que a dificultam, mas
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46 07/1 07/1 IX

prejuízo a si mesmos ao conquistarem o mundo. Acabe teria a vinha de importantes, do que para agradar seus leitores e ouvintes, pelo modo deli-
Nabote, embora ele nadasse até ela com sangue57. cado e estético agora em uso, o que é chamado de composição elegante,
3. Ele está perecendo. Conforme 1 Coríntios 7:3158, “a aparência des- e com períodos acabados em grande estilo. Ele foi servo zeloso e fiel de
te mundo passa”. O mundo é como uma flor que murcha, enquanto ab- seu Senhor, e no desempenho dos deveres sagrados que sobre ele pesa-
sorvemos seu aroma. vam em virtude de seu trabalho, ele pouco ou nada se importava sobre o
que os homens poderiam lhe fazer, ou dizer a seu respeito.
Na presente edição deste trabalho, as alterações foram feitas na orto-
grafia do autor, de modo a adequá-la à utilizada nos dias de hoje. Algumas
expressões, que estavam obsoletas, foram igualmente modernizadas, mas
o cuidado foi tomado para que nenhuma expressão perdesse parte algu-
ma de sua energia, força ou significado. As notas marginais na edição an-
tiga, que foram escritas principalmente nos idiomas grego e latim, foram
omitidas na presente. A propriedade desta omissão deve ser evidente por
si só, pois essas notas tendem a mais a confundir do que a instruir a gran-
de massa de gente em cujas mãos este pequeno trabalho poderia cair e,
ao mesmo tempo, uma melhoria significativa do preço.
O editor, bem informado do valor do tratado que oferece agora, tem
estado ansioso para torná-lo o mais barato possível, e espera sinceramen-
te que isso possa significar, com alegria, a conversão de alguns, das for-
mas miseráveis do pecado e da morte para os caminhos da justiça e da
vida eterna.
Que este possa ser o grande deleite de todos em cujas mãos este livro
possa chegar, é o desejo sincero de

O editor [para os Estados Unidos].


Nova Iorque, 26 de março de 1810.

Referência a 1 Rs 21 (N. do T.).


57

O original grafa Jó 2:17, outro erro de tipografia, marcando um versículo inexistente (N. do T.).
58

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X 07/1 07/1 45

mamos o mundo, segundo Jó 31:24: “Se no ouro pus a minha esperan-


ça”, ou como diz a Septuaginta, “Se eu fosse casado com o meu ouro54”.
Muitos são casados com seu dinheiro, pois vivem juntos como marido e
mulher. Ora, deixe-nos estar atentos para não sermos enredados neste
agradável armadilha. Muitos dos que escaparam da rocha dos pecados
escandalosos ainda têm-se afundado na areia movediça de ouro do mun-
do. O pecado não está no uso no mundo, mas sim no amá-lo. Conforme 1
João 2:15: “Não ameis o mundo". Se somos cristãos, devemos oferecer
violência ao mundo.
Os crentes são “chamados para fora do mundo”: eles estão no mun-
do, mas não são dele (Jo 17:16). Como dizemos acerca de um moribun-
do, ele não é um homem deste mundo. Um verdadeiro santo é crucificado
em seus afetos ao mundo (Gl 6:14). Ele está morto para as suas honras e
prazeres. Que prazer um homem morto tem em pinturas ou música? Jesus
Cristo deu a si mesmo “para nos livrar do presente século mau” (Gl 1:4).
Se somos salvos, devemos oferecer violência ao mundo. Peixes vivos na-
dam contra a corrente. Temos de remar contra o mundo, senão seremos
levados para o córrego, e cairemos no mar morto. Para que possamos ofe-
recer violência ao mundo, vamos nos lembrar disso:

1. Ele é enganoso. Nosso Salvador dá nome a isto de “a sedução das


riquezas” (Mt 13:22). O mundo nos promete felicidade, nada menos que
isso. Ele nos promete Raquel, mas nos deixa esperar com os olhos tenros
de Lia55; ela promete para satisfazer os nossos desejos, mas só os multi-
plica; ele nos dá pílulas envenenadas, só que envoltas em açúcar.
2. Ele é profano. De acordo com Tiago 1:2756, “a religião pura e ima-
Fig. 2. Soldados franceses escoltando um trem de artilharia (1660). culada para com Deus, o Pai, é esta: (...) guardar-se da corrupção do
mundo". É como se o apóstolo sugerisse que o mundo é bom para nada,
senão para manchar. Ele em primeiro lugar mancha as consciências dos
homens, e em seguida os seus nomes. Ele é chamado de “torpe ganân-
cia” (1 Pe 1:7). porque torna os homens sujos demais. Eles vão causar

Tradução literal do inglês. A tradução da Septuaginta nesse idioma, entretanto, traz preci-
54

samente “Se fiz do ouro meu tesouro”. Watson, aparentemente, baseou-se no original
grego para assim elaborar seu comentário. Septuaginta, ou “versão grega dos LXX (se-
tenta)”, é o nome da versão bíblica em grego popular (ou koiné), que segundo a tradi-
ção foi composta por 72 sábios de Alexandria (Egito) em 72 dias, daí seu nome. Ela in-
clui livros canônicos e os apócrifos, tais como os 4 livros de Macabeus (sendo os dois
primeiros parte da bíblia papista), Sabedoria, Baruque, Tobias e Judite, igualmente ado-
tada pela bíblia papista (N. do T.).
Referência a Gn 29:17, com base na história de que Jacó trabalhou sete duros anos para
55

ter Raquel em casamento, mas seu sogro Labão, embora a tenha prometido, deu Lia em
seu lugar, fundamentando sua decisão em costume de seu povo (N. do T.).
O original grafa Tg 1:17, outro erro de tipografia (N. do T.).
56

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44 07/1 07/1 1

usar cada componente da armadura espiritual, como segurar o escudo,


como usar o capacete, como usar a espada do Espírito51. Senhor, fortale-
ce-me na batalha, deixe-me morrer antes por um conquistador do que ser
preso e conduzido por Satanás no triunfo. Assim, temos de oferecer a vio-
lência a Satanás. Há “um leão nas ruas”52, mas temos de resolver isso na
luta.
E que isso nos incentive a oferecer violência a Satanás. Em parte,
nosso inimigo já é vencido. Cristo, que é “o capitão da nossa salvação”,
deu a Satanás sua morte dolorosa sobre a cruz (Cl 2:15). A serpente logo O SOLDADO CRISTÃO:
é morta pela sua cabeça. Cristo feriu a cabeça da antiga Serpente. O diabo CONQUISTANDO O REINO DOS CÉUS PELA VIOLÊNCIA
é um inimigo acorrentado, um inimigo vencido; por isso não tema em con- (The Christian Soldier; or, Heaven Taken by Storm)
frontá-lo. Resista a ele, e ele fugirá53, ele não conhece outros meios de fu-
gir a não ser sair correndo.
CAPÍTULO 1
ARTIGO III CONQUISTANDO O REINO DOS CÉUS PELA VIOLÊNCIA
A RESPOSTA DO CRENTE AO MUNDO
ARTIGO I
3-4. CARACTERÍSTICAS DO MUNDO: O PROBLEMA DA COBIÇA ANÁLISE DO CONTEXTO NO EVANGELHO DE MATEUS
Temos de oferecer violência ao mundo. O mundo exibe sua maçã de
ouro. Faz parte do nosso voto no batismo o lutar sob a bandeira de Cristo
1-1. A LUTA PELO REINO DOS CÉUS: O COMBATE E A CONQUISTA
contra o mundo. Acautelai-vos de serdes afogados no melado das delícias
dele. Uma cabeça deve ser forte, para que possa suportar o vinho inebri-
Mateus 11:12 –
ante; ela tem necessidade de possuir uma grande dose de sabedoria e
“E, desde os dias de João o Batista até agora, se faz violência ao reino dos
graça, para que saiba como manter uma grande propriedade. Os ricos
céus, e pela força se apoderam dele”.
inalam inebriantes vapores, que fazem a cabeça dos homens vertiginosas
pelo orgulho. “E, engordando-se Jesurum, deu coices” (Dt 32:15).
João Batista, ouvindo na prisão sobre a fama de Cristo, envia-lhe dois
É difícil subir a colina de Deus com medidas demais de ouro. Aqueles
de seus discípulos com esta pergunta: “És tu aquele que havia de vir, ou
que querem as honras do mundo, querem as tentações dele. O mundo é
esperamos outro?” (versículo 3). Não – como Tertuliano pensa – que João
blandus Dæmon, um inimigo lisonjeiro. É dado a alguns, tal como ocorreu
Batista não sabia que Jesus Cristo era o verdadeiro Messias, pois ele foi
de Mical para Davi, como uma armadilha. O mundo exibe seus dois seios,
confirmado nessa passagem tanto pelo Espírito de Deus quanto por um
o do prazer e o do lucro, e muitos caem no sono com o peito em sua bo-
sinal do céu (Jo 1:33). Aqui, entretanto, João Batista se esforçou para cor-
ca. O mundo nunca nos beija, exceto com uma intenção de trair-nos. É um
rigir a ignorância dos seus próprios discípulos que tinham um maior res-
enforcamento delicado. O mundo não é amigo da graça: ele sufoca o nos-
peito por ele do que para com Cristo.
so amor às coisas celestiais; a terra apaga o fogo. Naturalmente, nós a-
No quarto verso Cristo responde a sua pergunta: “ide, e anunciai a
João as coisas que ouvis e vedes: Os cegos veem, e os coxos andam; os
51
Referência a Ef 6:13-17 (N. do T.). leprosos são limpos” etc. Jesus Cristo demonstra-se a ser o verdadeiro
52
Referência a Pv 22:13; 26:13 (N. do T.). Messias por seus milagres, que eram provas reais e visíveis da Sua divin-
53
Referência a Tg 4:7 (N. do T.). dade. Os discípulos de João se afastam e Cristo profere um grande elogio
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e louvor a João Batista, no versículo 7: “Que fostes ver no deserto? uma 4. Satanás incita o homem a começar bem e terminar mal. Se ele
cana agitada pelo vento?” Como se Cristo dissesse, João Batista não era não pode feri-lo por ações escandalosas, ele vai cair por ações virtuosas.
um homem inconstante, flutuando em sua mente e sendo sacudido como Assim, ele tenta alguns a defenderem a exclusão da espiritualidade sobre
um caniço, de uma opinião para outra, ele não foi como Rúben, instável a política para obter preferências, ou de dar esmolas visando aplausos,
como a água, mas foi corrigido e era resoluto no que cria, e nenhuma pri- para que outros possam ver suas boas obras, e canonizá-los. Essa hipo-
são poderia fazer alteração alguma nele. crisia é fermento para os deveres espirituais e os faz perder sua recom-
Versículo 8: “Sim, que fostes ver? um homem ricamente vestido?” Jo- pensa.
ão não saciava seus instintos: ele não usava sedas, senão pelo de camelo, 5. O Diabo persuade os homens para o mal por aquilo que é bom.
nem desejava viver na corte, mas sim num deserto (Mt 3:3,4). Isso define um brilho a suas tentações, e as torna menos suspeitas. O dia-
Mais uma vez, Cristo elogia João como sendo seu precursor, que pre- bo tem feito uso, por vezes, dos homens eminentes e mais santos para
parou o caminho diante dele (versículo 10). Ele foi a estrela da manhã que promover suas tentações. O diabo tentou a Cristo pelo apóstolo, para que
fez preceder o Sol da Justiça, e quando Cristo poderia honrar o bastante Pedro o dissuadisse de sofrer49. Abraão, um homem bom, tratou sua es-
esse santo homem, Ele não só traça um paralelo consigo, mas o prefere an- posa equivocadamente, ordenando que ele dissesse a ela: “tu és a minha
irmã”50. Essas são as sutilezas de Satanás na tentação.
tes como o chefe dos profetas. Versículo 9: “Mas, então que fostes ver? um
profeta? Sim, vos digo eu, e muito mais do que profeta”. Verso 11: “Em ver-
dade vos digo que, entre os que de mulher têm nascido, não apareceu al-
ARTIGO II
guém maior do que João o Batista”: ele era eminente tanto pela dignidade
do cargo quanto pela perspicácia doutrinária, e assim o nosso texto tem iní-
A RESPOSTA DO CRENTE A SATANÁS
cio com: “E, desde os dias de João o Batista até agora, se faz violência ao
reino dos céus, e pela força se apoderam dele”. Nestas palavras há:
3-3. OFERECENDO RESISTÊNCIA AO INIMIGO
(a) O prefácio, ou introdução: a partir do dia de João Batista até ago-
ra. João Batista era um pregador zeloso, um Boanerges – ou o “filho do Desse modo, temos de oferecer a violência a Satanás:
trovão” – e, após sua pregação, as pessoas começaram a ser despertadas
para libertação de seus pecados. 1. Pela fé: 1 Pe 5:9. – “Ao qual resisti firmes na fé”. A fé é uma graça
Daí a saber que tipo de ministério é provavelmente o que faz mais o sábia, inteligente: ele pode ver um gancho debaixo da isca.
bem, ou seja, aquele que trabalha sobre as consciências dos homens. Jo- (a) É uma graça heroica: diz-se dela como acima de tudo, para apa-
ão Batista levantou a sua voz como uma trombeta, ele pregou a doutrina gar todos os dardos inflamados de Satanás. A fé resiste ao diabo.
do arrependimento com poder, segundo Mateus 3:2 “Arrependei-vos: o (b) Assim como sustenta o castelo do coração, a fé faz com que
reino dos céus está próximo”. Ele veio para eliminar e lançar fora os peca- ele não ceda. Não é ser tentado que o torna culpado, mas dar-lhe o seu
dos dos homens, e depois pregou Cristo a eles. Primeiro, ele derramou o consentimento. A fé declara seu protesto contra Satanás.
vinagre da lei; em seguida, o vinho do evangelho. Esta foi a pregação que (c) A fé não só impede a produção da tentação, mas a rebate. A fé
faz os homens diligentemente buscarem o céu. John não pregou nem pa- mantém a promessa de um lado, e Cristo do outro: a promessa anima a
ra agradar tampouco para lucrar, mas preferiu evidenciar os pecados dos fé, e Cristo a fortalece. A fé lança o inimigo para fora do campo.
homens a mostrar sua eloquência. O melhor espelho não é aquele que 2. Temos de oferecer violência a Satanás por meio da oração. Nós o
mais brilha, mas o que mostra a verdadeira face. A pregação é tanto me- venceremos sobre os joelhos. Da mesma forma que Sansão clamou ao
lhor quando faz a verdadeira descoberta dos pecados dos homens e mos- céu por ajuda, assim um cristão traz do céu forças auxiliares pela oração.
tra-lhes os seus corações. João Batista era uma ardente e brilhante luz: ele Em todas as tentações, vá com Deus pela oração. Senhor, ensina-me a
a fez queimar em sua doutrina e brilhar em sua vida, e, portanto, os ho-
mens eram pressionados para o céu. Pedro, que foi preenchido com um
espírito de zelo, humilhou seus ouvintes por seus pecados e abriu-lhes 49
Referência a Mt 16:23; Mc 8:33 (N. do T.).
uma fonte no sangue de Cristo, eles “se compungiram em seu coração” 50
Referência a Gn 20:2 (N. do T.).
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2. Sua traição. O que ele não pode fazer pela força, ele irá se esforçar (At 2:37). É da maior misericórdia ter um ministério autoanalítico. Se al-
em fazer por meio de fraude. Satanás tem várias manobras sutis na tenta- guém possui uma ferida aberta, ele deve desejar tê-la examinada. Quem
ção. não gostaria de se contentar em ter suas almas esquadrinhadas para que
pudessem ser salvos?
3-2. MÉTODOS DE AÇÃO DO INIMIGO
(b) O problema no texto: o reino dos Céus sofre violência, e os violen-
Para adequar suas tentações à complexidade e temperamento do tos se apoderam dele.
corpo, Satanás estuda sua fisionomia, e estabelece as iscas adequadas. Qual o significado de “Reino dos Céus”? Alguns interpretam isso como
Ele sabia da avareza de Acã, e por isso o tentou com uma capa de ouro47. a doutrina do Evangelho, que revela Cristo e o Céu – assim o faz Erasmo6.
Ele tenta o homem otimista com a beleza. Eu entendo, entretanto, que Reino dos Céus compreende a Glória – assim
aprenderam Beza7 e outros.
1. Outra sutileza é atrair os homens para o mal sub specie boni, sob Este reino sofre violência. Esta é uma metáfora para uma cidade ou
um pretexto de bem. O pirata faz o mal por ostentar cores falsas; do mes- castelo que se mantém firme na guerra, e não é tomada a não ser pela
mo modo Satanás por ostentar as cores espirituais. Ele coloca alguns ho- tempestade. Assim, o reino dos céus não será tomado sem violência: “E
mens sobre ações pecaminosas, e os convence de que algo muito bom virá
os violentos se apoderam dele”.
disso. Ele diz a eles que, em alguns casos, poderão dispensar a regra da
A terra é herdada pelos mansos (Mt 5:5). O céu é herdado pelos vio-
Palavra, e ampliar a sua consciência para além dessa linha, para que pos-
sam ser capazes de executar maiores serviços. Como se Deus precisasse lentos. Nossa vida é uma vida militar. Cristo é o nosso capitão, o Evange-
de nosso pecado para aumentar a sua glória... lho é a Bandeira, as ações de graças são a nossa Artilharia espiritual, e o
2. Satanás tenta para o pecado de forma gradual. Assim como o la- céu é tomado apenas de modo forçado. Estas afirmações se dividem em
vrador cava em torno da raiz de uma árvore, e por níveis a desprende e fi- duas partes:
nalmente ela cai. Satanás rouba por níveis até chegar o coração. Primei-
ramente ele é mais modesto: ele não disse a Eva no primeiro, “coma a  O combate: “sofre violência”.
maçã”, não, mas ele trabalhou de maneira mais sutil. Ele coloca uma  A conquista: “os violentos se apoderam dele”.
questão: “Deus disse? Claro, Eva, que estás enganada, o Deus generoso
nunca pretendeu impedir uma das melhores árvores do jardim. Deus dis-
se? Claro, mas Deus não disse assim, ou se ele o fez, ele nunca teve in- ARTIGO II
tenção”. Assim, aos poucos, ele a fez desconfiar, e então ela tomou do fru-
to e o comeu. Ah, guardai-vos das primeiras manobras de Satanás para o A VIOLÊNCIA NO COMBATE E NA CONQUISTA
pecado, que parecem mais modestas – principiis obsta. Ele é primeiro
uma raposa, e em seguida um leão.
3. Satanás tenta para o mal in licitis, em coisas lícitas. Era lícito pa- 1-2. OS DOIS ASPECTOS DA VIOLÊNCIA NO COMBATE PELO REINO DOS
ra Noé comer o fruto da videira, mas ele comeu demais, e assim pecou. O CÉUS
excesso transforma o que é bom em mau. Comer e beber podem se trans-
formar em intemperança. Alguém ter o costume de falar – quando em ex-
A maneira certa de tomar o céu é pela tempestade, ou de outro modo:
cesso – é cobiça. Satanás atrai os homens a um amor imoderado pela cri-
ninguém entrará no céu, a não ser os violentos. Essa violência tem um as-
atura, e então faz tropeçar no que eles gostam, assim como Agripina en-
venenou seu marido Cláudio pela comida que ele mais amava48. pecto duplo.
Trata-se de homens tal como magistrados. Eles devem ser violentos:

Referência a Js 7:21. A consequência do pecado de Acã foi a morte por apedrejamento (N.
47

do T.). Referência a Erasmo de Roterdã, nome pelo qual ficou conhecido Desiderius Erasmus Ro-
6

48
Referência ao imperador romano Tibério Cláudio César Augusto Germânico (10 a.C. – 54 terodamus (1466-1536), teólogo protestante e humanista holandês (N. do T.).
d.C.), contemporâneo do nosso Senhor Jesus Cristo, que teria sido envenenado por sua Referência a Teodoro de Beza (1519-1605), teólogo protestante francês, discípulo de João
7

última esposa, Agripina, durante uma refeição (N. do T.). Calvino (N. do T.).
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(b.1) Em punir os culpados. Quando o Urim e o Tumim de Arão não


adiantam, então Moisés deve vir com sua vara. Os ímpios são os incorrigí-
veis e a escória da comunidade que, sob os cuidados da magistratura,
devem ser removidos para fora dela. Deus colocou governadores “para o
terror dos malfeitores”, segundo 1 Pedro 2:14. Eles não devem ser como o
peixe-espada, que tem uma espada na cabeça mas não tem um coração.
Eles não devem ter uma espada na mão se não tiverem coragem de de-
sembainhá-la para eliminar a impiedade.
A conivência de um magistrado apoia o vício e, por não punir os infra-
tores, ele adota as falhas de outros homens e as torna suas falhas. Magis-
tratura sem entusiasmo é como corpo sem espírito. Demasiada indulgên-
cia pelo pecado o incentiva, e nada faz além de rapar a cabeça que mere-
ce ser decapitada.
CAPÍTULO 3
(b.2) Ao defender os inocentes. O magistrado é ou o asilo ou o altar
de refúgio para os quais os oprimidos possam se dirigir. Carlos, Duque da OFERECENDO VIOLÊNCIA A SATANÁS E AO MUNDO
Calábria8, era tão apaixonado por fazer justiça que mandou pendurar um
sino no portão do seu palácio, e quem quisesse tocá-lo estava certo de
ARTIGO I
que seria prontamente admitido na presença do duque, ou de que alguns
oficiais lhe fossem enviados para ouvir a sua causa. Aristides9 era famoso
AS MANOBRAS DE SATANÁS CONTRA O CRENTE
por sua justiça, de quem o historiador afirma que ele nunca iria fazer favor
algum ao homem por este ser seu amigo, nem qualquer injustiça, por este
ser seu inimigo. O equilíbrio do magistrado está em proteger o homem o- 3-1. CARACTERÍSTICAS DA AÇÃO DO INIMIGO
primido.
Isto diz respeito à violência dos homens como cristãos. Apesar de o Temos de oferecer violência a Satanás. Satanás se opõe a nós tanto
céu nos ser dado gratuitamente, devemos lutar por ele. Segundo Eclesias- pela violência aberta quanto pela traição secreta. Pela violência aberta ele
tes 9:10, “tudo quanto te vier à mão para fazer, faze-o conforme as tuas é chamado de “Dragão Vermelho”45, pela traição em segredo ele é cha-
forças”. Nosso trabalho é grande, nosso tempo é curto, nosso Mestre tem mado de a “Antiga Serpente46”. Nós lemos nas Escrituras sobre suas cila-
urgência. Temos como necessário, portanto, que convocar em conjunto das e dardos: ele fere mais por suas ciladas do que por seus dardos.
todos os poderes de nossa alma e nos esforçarmos como em uma ques-
tão de vida ou morte, para que possamos chegar ao reino do Alto. Não 1. Sua violência. Ele trabalha para invadir o castelo do coração; ele
devemos apenas aumentar a diligência, mas também a violência. Para i- desperta paixão, luxúria e vingança. Estes são os chamados “dardos in-
lustrar e clarificar a presente proposição, eu vou demonstrá-la a seguir. flamados” (Ef 4:16), por colocarem a alma no fogo. Satanás, em relação à
sua ferocidade, é chamado de “Leão”, conforme 1 Pedro 5:8: “Sede só-
brios; vigiai; porque o diabo, vosso adversário, anda em derredor, bra-
mando como leão, buscando a quem possa tragar”. Não – como diz Cri-
8
Referência a Carlos, Duque da Calábria (1298-1328), filho do rei Roberto de Nápoles e de sóstomo – que ele possa morder, mas sim devorar.
Iolanda de Aragão, que se tornou duque em 1309 após a ascensão de seu pai ao trono
(N. do T.).
Referência a Aristides de Atenas (séc. II d.C.), teólogo e apologista cristão. O historiador em
9

questão a seguir mencionado é, possivelmente, Eusébio de Cesareia, autor da renoma- Referência a Ap 12:3 (N. do T.).
45

da obra História Eclesiástica (N. do T.). Referência a Ap 12:9; 20:2 (N. do T.).
46

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1-3. DEFINIÇÃO DE VIOLÊNCIA: PONTOS DE EXCLUSÃO

(a) O que a violência não significa, aqui. A violência, no texto, exclui:


(a.1) Uma violência ignorante, de ser violento para o que nós não
compreendemos, conforme Atos 17:23: “Porque, passando eu e vendo os
vossos santuários, achei também um altar em que estava escrito: ‘ao deus
desconhecido’”. Estes atenienses eram violentos em suas devoções, mas
poderia ter sido dito a eles, tal como Cristo disse à mulher samaritana em
João 4:22: “vós adorais o que não conheceis”. Desse modo, os papistas
são violentos em sua espiritualidade. Testemunham a sua penitência, o je-
jum, dilacerando a si mesmos até que o sangue jorre, mas é um zelo sem
conhecimento; sua coragem é melhor do que o seu olhar. Quando Arão
queimou incenso sobre o altar, ele foi o primeiro a acender as lamparinas
(Êx 25:7). Quando o zelo queima como incenso, a lamparina do conheci-
mento deve ser iluminada em primeiro lugar.
(a.2) Uma violência sangrenta, que tem dois aspectos: primeiro,
quando alguém deita mãos violentas sobre si mesmo. O corpo é uma pri-
são terrena, onde Deus pôs a alma: não devemos fugir dessa prisão, mas
permanecer até que Deus, com a morte, ponha-nos para fora. A sentinela
não deve se mexer sem a permissão do seu capitão; nem devemos ousar
mexer em nós mesmos, portanto, sem a permissão de Deus. Nossos cor-
pos são templos do Espírito Santo (1 Co 6:19). Quando oferecemos vio-
lência a eles, nós destruímos o templo de Deus: A lamparina da vida deve
estar acesa enquanto houver combustível natural que seja deixado, como
o óleo, para alimentá-lo.
Em segundo lugar, quando se tira a vida de outrem10. Há muito dessa
violência hoje em dia. Nenhum pecado tem uma voz mais forte que a do
sangue, conforme Gênesis 4:10: “A voz do sangue do teu irmão clama a
mim desde a terra”. Se existe uma maldição para aquele que feriu o seu
próximo às escondidas11 (Dt 27:24), então é duplamente amaldiçoado

Subentende-se, aqui, a exclusão da violência ao se matar alguém por conta de um conflito


10

armado, uma vez que tirar a vida de alguém, nesse caso, não é realizado pelo desejo de
vingança, dissimulação, vanglória pelo prazer de matar ou ódio desmedido pelo inimigo.
São numerosos os episódios bíblicos que o próprio povo de Israel puniu seus inimigos
com a morte; a pena capital era aplicada para muitas infrações à Lei, e mesmo os sol-
dados a quem João Batista se dirigiu durante sua preleção não foi exigido que paras-
sem de matar, conquanto naturalmente estivessem dentro do contexto de missão mili-
Fig. 4. Soldado do século XVII representado em exercício com mosquetão.
tar, fazendo-o no estrito cumprimento do dever (N. do T.).
Emboscada é uma tática militar que consiste em surpreender o inimigo com um ataque re-
11

pentino, aproveitando a configuração do terreno, garantindo-se êxito em missões ainda


que haja desvantagem numérica. Nesse caso, quem aplica a emboscada dentro de um
contexto de estrito cumprimento do dever militar não incide na dupla maldição a que se
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quem o mata. Se um homem matou outro sem intenção, ele poderia aden- oscilando. Uma boa vida adorna a espiritualidade; uma boa conversação a
trar ao santuário e correr para o altar; mas, se ele fizesse isso de vontade propaga.
livre, a santidade do lugar não o protegeria, conforme Êxodo 21:14: “Mas Uma conversação sadia nos faz lembrar de Cristo. Suas palavras eram
se alguém agir premeditadamente contra o seu próximo, matando-o à trai- perfumadas com santidade: “a graça foi derramada em seus lábios” (Sl
ção, tirá-lo-ás do meu altar, para que morra”. Joabe, sendo um homem de 45:2). Ele falou para a admiração de todos: suas mãos operaram milagres
sangue, fez com que o rei Salomão tentasse matá-lo antes mesmo que ele e sua língua proferia oráculos, conforme Lucas 4:22: “E todos lhe davam
agarrasse as pontas do altar (1 Rs 8:29). Na Boêmia12, no passado, um testemunho, e se maravilhavam das palavras de graça que saíam da sua
assassino devia ser decapitado e colocado no mesmo caixão com aquele boca”. Cristo nunca entrou em qualquer companhia, senão para proferir
a quem ele havia matado. Dessa maneira, vemos qual tipo de violência o boas palavras. Levi deu-lhe um banquete (Lc 5:29) e Cristo os deleitou
texto exclui. com uma conversa santa. Quando chegou ao poço de Jacó, ele falava da
“água da vida” (Jd 4). Quanto mais santas forem nossas conversações,
1-4. DEFINIÇÃO DE VIOLÊNCIA: PONTOS DE INCLUSÃO quanto mais nós seremos como Cristo. Os membros não devem ser como
a cabeça?
(b) O que a violência significa, aqui: ela é uma sã violência. Isso tem Deus tem atenção especial a toda boa palavra que falamos quando
dois aspectos: nos encontramos, conforme Malaquias 3:16: “Então aqueles que temeram
(b.1) Temos de ser violentos pela verdade. Aqui a questão de Pila- ao SENHOR falaram frequentemente um ao outro; e o SENHOR atentou e ou-
tos será mencionada: “Que é a verdade?13” A verdade ou é a bendita Pa- viu; e um memorial foi escrito diante dele”. Tamerlão44, aquele condutor
lavra de Deus, que é chamada a Palavra da verdade, ou as doutrinas que dos citas, sempre tinha um livro consigo dos nomes e dos bons desertos
são deduzidas da Palavra, e que concorde com ela como o ponteiro com dos seus servos, os quais ele generosamente recompensou. Assim como
o sol, ou a transcrição do original, como a doutrina da Trindade, a doutrina Deus tem uma garrafa para as lágrimas de seu povo, ele tem um livro no
da criação, a doutrina da livre graça, a da justificação pelo sangue de Cris- qual ele anota todos as boas palavras deles, e fará menção honrosa disso
to, a da regeneração, da ressurreição dos mortos, e a da vida em glória. no último dia.
Por essas verdades devemos ser violentos, seja como seus defensores, A conversação sadia será um meio de levar a Cristo em nossa compa-
seja como mártires.
nhia. Os dois discípulos estavam comungando da morte e sofrimentos de
A verdade é a virtude mais gloriosa; a reserva mais ínfima de seu ouro
Cristo, e enquanto eles estavam falando, Jesus Cristo veio entre eles, con-
é preciosa: por que haveríamos de ser violentos por ele, se não fosse pela
forme Lucas 24:15: “E enquanto eles falavam entre si, o próprio Jesus se
verdade? A verdade é antiga; seus cabelos brancos podem torná-la vene-
aproximou, e ia com eles”. Quando os homens se entretêm numa conver-
rável: ela vem daquele que é o ancião de dias. A verdade é infalível, é a es-
trela que leva a Cristo. A verdade é pura (Sl 119:140); ela é comparada à sa má, Satanás se aproxima, e lhes faz companhia, mas quando eles têm
prata refinada sete vezes (Sl 12:6). Não há nenhuma mancha sequer na uma conversação sã e piedosa, Jesus Cristo se aproxima e, quando ele
face da verdade: ela nada respira além de santidade. A verdade é triunfan- vem, traz uma benção junto consigo. Acima de tudo, ofereçamos violência
te, é como um grande conquistador: quando todos os seus inimigos ja- a nós mesmos.
zem mortos, ele mantém o domínio e estabelece os seus troféus de vitória.
A verdade pode ser combatida, mas nunca deposta. Nos tempos de Dio-
cleciano14 parecia haver desespero e a verdade estava em baixa. Logo

refere Watson, conforme se depreende do estudo com fundamento na nota anterior (N.
do T.).
Boêmia é uma das três províncias da atual República Checa, onde fica a capital do país,
12

Praga (N. do T.).


Referência a Jo 18:38 (N. do T.).
13

Referência ao imperador romano Caio Aurélio Valério Diocleciano (244-311), responsável Referência a Tamerlão, ou Timur-i-Lenk (c. 1336-1405), conquistador mongol e construtor
14 44

pela intensa perseguição dos cristãos que deu origem à denominada “Era dos Mártires” do temido Império Timúrida, conhecido também por ser um bom guerreiro, um político
(N. do T.). astuto e um entusiasta das artes e da sua religião (N. do T.).
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dado um testemunho público de seu zelo para com este dia. A manuten- depois foi a época de ouro de Constantino , e então a verdade novamen-
15

ção da honra do shabbat é o que vai manter a sua honra de magistrado. te levantou sua cabeça. Quando a água do Tâmisa16 se encontra em seu
nível mais baixo, uma maré alta está pronta para supri-lo. Deus está do la-
do da verdade e, tão certo quanto nela não há medo, ela vai prevalecer:
2-10. A CONVERSAÇÃO SADIA
“os céus, em fogo se desfarão” (2 Pe 3:12), mas não a verdade que veio
do Céu (1 Pe 1:25).
(c.7) O sétimo dever pelo qual devemos oferecer violência a nós A verdade tem efeitos nobres. A verdade é a semente do novo nasci-
mesmos é a conversação sadia. Na verdade nós temos respaldo suficiente mento. Deus não nos regenera por milagres ou revelações, mas pela pala-
para isso; temos, entretanto, necessidade de provocar a nós mesmos. De vra da verdade (Tg 1:18). Como a verdade é quem produz a graça, por essa
acordo com Malaquias 3:16 (ARA), “Então, os que temiam ao SENHOR fala- mesma razão é quem a alimenta (1 Tm 4:6). A verdade santifica, segundo
vam uns aos outros”. A pessoa que tem graça não tem só a espiritualidade Jo 17:17: “Santifica-os na tua verdade”. A verdade é o selo que deixa a im-
no seu coração, mas também na sua língua, segundo o Salmo 37:30: “A pressão da sua própria santidade em cima de nós, é tanto speculum e lava-
boca do justo fala a sabedoria; a sua língua fala do juízo”. Ele faz brotar crum, um espelho que mostra os nossos defeitos e uma pia que os lava. A
palavras santas como pérolas. A falha dos cristãos está em não provocar a verdade nos torna livres (Jo 8:32). Ela carrega para fora os grilhões do pe-
si mesmo quando estão em companhia alheia, para conduzir uma conver- cado e nos coloca em um estado de filiação (Rm 8:11) e de realeza (Ap 1:6).
sa sadia: é uma modéstia pecadora. Há muita visita, mas um não visita a A verdade é reconfortante; este vinho alegra. Quando a harpa e a cítara de
alma do outro. Nas coisas mundanas a sua língua é como a pena pronta Davi não puderam lhe render nenhum conforto, a verdade o fazia, conforme
de um escritor; mas em matéria de espiritualidade é como se a sua língua o Salmo 119:50: “Isto é a minha consolação na minha aflição, porque a tua
se apegasse ao céu de sua boca. Assim como responderemos a Deus por palavra me vivificou”. A verdade é um antídoto contra o erro. O erro é o adul-
palavras vãs, da mesma forma isso também acontecerá com o silêncio tério da mente, que mancha a alma, como as manchas de sangue da trai-
pecaminoso. ção. O erro causa tanto o dano quanto o vício. Um homem pode morrer tan-
Eia, ofereçamos violência a nós mesmos quanto a este assunto, em to pelo veneno quanto pela pistola, mas o que pode afastar o erro, senão a
conduzir uma conversa sadia! Como nossas palavras devem se dilatar e verdade? A razão pela qual muitos têm sido enganados pelo erro é porque
se espalhar para nada além do céu? O mundo é uma grande pousada, na eles não conhecem ou não amam a verdade. Eu nunca posso dizer o sufici-
qual somos como hóspedes. Os viajantes, quando se encontram na pou- ente em honra da verdade.
sada, não gastam todo o seu tempo falando sobre sua estadia; eles estão A verdade é a basis fidei, o fundamento da nossa fé, que nos dá um mo-
hospedados lá, mas dentro de algumas horas se vão, mas comentam de delo espiritual17 exato e nos mostra em quê devemos acreditar. Tire-se a ver-
sua casa e da sua pátria, enquanto a sua viagem acaba. Assim, quando dade, e a nossa fé vira fantasia. A verdade é a melhor das flores na coroa da
nos encontramos, não podemos falar apenas sobre o mundo que pode- Igreja: não temos uma joia mais rica a confiar a Deus do que a nossa alma,
mos deixar a qualquer momento, mas devemos falar de nossa pátria ce- nem Ele uma joia mais rica a confiar a nós do que as Suas verdades. A ver-
lestial (Hb 11:16). dade é insigne honoris, uma insígnia de honra, que nos distingue da falsa i-
Que possamos nos provocar para uma conversa sadia, a qual não se- greja, como a castidade distingue uma mulher virtuosa de uma prostituta. Em
rá conduzida sem algum tipo de violência. Deixe estas considerações se-
rem devidamente ponderadas.
Referência ao imperador romano Constantino I, o Grande (272-337), conhecido na História
O palavreado mostra o que o coração é. Assim como o espelho mos-
15

por ser o primeiro soberano de Roma a professar o cristianismo, e também a quem se


tra o que o rosto é, esteja ele limpo ou sujo, as palavras mostram como atribui a fundação da religião católica romana (N. do T.).
está o coração. Vãs conversações descobrem um coração leve e penoso; 16
Tâmisa é o rio que corta Oxford e Londres, capital do Reino Unido, desaguando no mar do
conversas graciosas são a evidência de um coração generoso. A água da Norte (N. do T.).
conduta mostra o que a primavera é. 17
Aqui e em outros trechos preferimos o termo “espiritual” ou “espiritualidade” ao invés de
“religião” (ing. religion), a fim de exprimir a dimensão das declarações de Watson e evi-
A conversação santa é muito edificante. O apóstolo nos propõe “edifi-
tar possível confusão com o sentido corrente do termo “religião”, apresentado como
car um ao outro” (Ef 4:20), quanto mais dessa maneira? A boa conversa- uma sucessão de ritos, cerimônias e formalidades, os quais não são defendidos bibli-
ção ilumina a mente quando se é ignorante; ela a firma quando se está camente (N. do T.).
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suma, a verdade é ecclesiæ præsidium, isto é, o baluarte de uma nação (2 Cr mas o afastam da família e dos seus deveres íntimos no shabbat, isso é
11:17). Diz-se que os levitas – que eram os antesignani, isto é, os guardiães roubar a Deus, e tomar parte de seu dia com ele.
da verdade – fortaleceram o reino. A verdade pode ser comparada com a ca- Um bom motivo para que consagremos o shabbat inteiro para Deus e
pital de Roma, que era um lugar da maior resistência, ou com a Torre de Davi, lhe demos dupla devoção é que Deus dobra suas bênçãos sobre nós nes-
em que “mil escudos pendem dela” (Ct 4:4). Nossos fortes e embarcações se dia. Assim como o maná caía em dobro no sexto dia, diferentemente
não podem nos guarnecer tão bem quanto a verdade. A verdade é a melhor dos demais dias, da mesma forma o maná de bênçãos espirituais cai duas
milícia de um reino: se de uma vez rompemos com a verdade e defendemos vezes mais no dia de shabbat do que em qualquer outro.
o papado, corta-se o bloqueio onde a nossa força reside. Por que então de- Devemos nos alegrar nesse dia como sendo um dia em que gostamos
vemos ser violentos para com algo, se não pela verdade? Somos compelidos muito da presença de Deus, conforme João 8:56: “Abraão viu o meu dia e
a lutar como estando em agonia “pela fé que uma vez foi dada aos santos” alegrou-se”. Então, quando vemos que se aproxima um dia de shabbat,
(Jd 3). Se a verdade foi embora de uma vez, nós podemos escrever este epi- devemos nos regozijar. Os protestantes na França42 chamavam a sua igre-
táfio na lápide do túmulo da Inglaterra: “tua glória se foi”. ja de “Paraíso”, pois lá eles se encontravam com Deus. Os judeus chama-
(b.2) Essa violência também é santa quando somos violentos por vam o shabbat de desiderium dierum, o desejo de dias, conforme Isaías
nossa própria salvação, conforme 2 Pedro 1:10 (ARA): “procurai, com dili- 58:1: “se chamares ao sábado deleitoso e santo dia do SENHOR”. Deve-
gência cada vez maior, confirmar a vossa vocação e eleição”. A palavra em mos olhar para ele como o melhor dos dias, como a rainha dos dias, co-
grego18 significa cuidado ansioso, ou um cuidado sério dos pensamentos roado com uma bênção, segundo o Salmo 118:24: “Este é o dia que o
de alguém sobre os assuntos da eternidade, tal como a diligência põe a ca- Senhor fez, regozijemo-nos e alegremo-nos nele”. Ele fez todos os dias,
beça e o coração no trabalho. Neste canal espiritual, todo o zelo de um cris- mas a este santificou. Devemos encarar este dia como um mercado espiri-
tão deve ser exercido. tual para nossas almas, onde temos o santo comércio e negócio com
Deus. Este dia de descanso é o começo de um descanso eterno. Neste
1-5. IMPLICAÇÕES DA VIOLÊNCIA dia Deus abre o tanque de Betesda, no qual correm as águas que refres-
cam os quebrantados de coração. E não podemos chamar esse dia de um
(b.3) Um terceiro aspecto é: o que está implícito nesta sã violência? deleite? Os judeus no shabbat colocam de lado o seu pano de saco e o lu-
Isso implica em três coisas: to.
1. Resolução da vontade; Esta é uma maneira correta de santificar um dever, e é um dever para
2. Vigor no afeto; e o qual os cristãos devem estimular a violência e oferecê-la a si próprios.
3. Força de atuação. Acima dos demais, quão bons se tornarão aqueles em cujas mãos
Deus põe o poder de juízes para mostrar a violência causada pela estrita
(b.3.1) Resolução da vontade. De acordo com o Salmo 119:6, “então, observância do dia do Senhor? Que raro padrão Neemias estabeleceu a
não terei de que me envergonhar, quando considerar em todos os teus todos os bons magistrados: “Naqueles dias, vi em Judá os que pisavam
mandamentos”. O que quer que esteja no caminho para o Céu – ainda que lagares ao sábado e traziam trigo que carregavam sobre jumentos; como
haja um leão no caminho – eu vou encontrá-lo tal qual um rígido comandan- também vinho, uvas e figos e toda sorte de cargas, que traziam a Jerusa-
te que impõe missões a todo o Corpo de Exército. O cristão é resoluto: o lém no dia de sábado; e protestei contra eles por venderem mantimentos
que quer que ele encontre, ele vai obter o Céu. Onde quer que haja essa re- neste dia (...) Contendi com os nobres de Judá e lhes disse: Que mal é es-
solução, o perigo deve ser desprezado, as dificuldades espezinhadas, o ter- te que fazeis, profanando o dia de sábado?” (Ne 13:15,17). Como vocês
ror desprezado. Esta é a primeira coisa na sã violência: a resolução da von- ousam infringir o mandamento, e erigir uma entrada falsa à perfeita propri-
tade. Eu obterei o céu, custe o que me custar, e esta resolução deve se es- edade de Deus? Excelência43, sua proclamação para a observação piedo-
corar na força de Cristo. sa do shabbat e seus atos punitivos em cima de alguns criminosos têm
A resolução é como a corrida para o prêmio, que a sustenta com força.
Onde há apenas meia resolução, uma vontade de ser salvo e uma vontade
Também chamados de huguenotes (N. do T.).
42

A palavra em grego para “diligência”, segundo o contexto (N. do T.). Aqui Watson fala com um interlocutor imaginário, no caso um magistrado (N. do T.).
18 43

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ao sepulcro até que o shabbat tivesse passado. Ela descansou nesse dia de seguir o pecado, é impossível haver violência para com o Céu. Se um vi-
de toda a obra, embora se tratasse de um trabalho louvável e glorioso: a ajante não estiver resoluto, ele vai montar às vezes de uma maneira, às ve-
unção do corpo de Cristo. zes de outra: ele não é violento para com nenhuma das duas.
Quando se aproxima esse dia abençoado, temos de erguer o nosso (b.3.2) Vigor no afeto. A vontade se sucede à razão: o juízo é informa-
coração em gratidão a Deus, pois ele colocou um outro preço em nossas do da excelência de um estado de glória e a vontade começa a ser resolvi-
mãos para obtermos sabedoria celestial. Estes são os nossos dias de co- da mediante uma viagem àquela terra santa. Agora as afeições se sucedem
lheita espiritual: sopra hoje o vento do Espírito de Deus sobre as velas dos e ardem em anseios apaixonados pelo céu. O afeto é um sentimento violen-
barcos de nossos sentimentos, e assim podemos ir muito mais longe na to, conforme o Salmo 42:2: “A minha alma tem sede de Deus, do Deus vi-
nossa viagem celestial. Cristão, erga o teu coração a Deus em gratidão, vo”. Os rabinos repararam que aqui Davi, não diz que sua alma tem fome,
pois Deus te deu mais um período dourado; e certifique-se de aperfeiçoá- mas sim tem sede, porque naturalmente somos mais impacientes com a
lo, pois pode ser o último. As épocas de graça não são como a maré: se sede do que com a fome. Veja de que forma uma moção rápida e violenta
um homem deixa uma maré passar, ele poderá ter outra. do afeto de Davi foi conduzida de Deus. Afetos são como as asas do pássa-
Este dia se aproxima: devemos nos vestir de manhã e ajustar nossas ro que fazem a alma voar rápido em seu voo rumo à glória: onde os afetos
almas para o recebimento da Palavra. O povo de Israel devia lavar suas são despertos, há violência sendo oferecida ao Céu.
vestes antes mesmo de a lei ter sido entregue aos seus corações. Deve- (b.3.3) Força de atuação. Esta violência implica força de atuação,
mos ser lavados pela oração e pelo arrependimento: os oráculos de Deus quando nos esforçamos para a salvação como se fosse uma questão de vi-
estão para ser entregues a nós. da ou morte. É fácil falar do Céu, mas não de como se chegar ao céu: te-
mos que operam navare, empregar todas as nossas forças, e clamar ajuda
E sendo cumpridos em conjunto, temos de definir a nós mesmos, co-
do Céu para este trabalho.
mo estando na presença de Deus, com seriedade e prazer ao ouvir a san-
ta Palavra de Deus. Acautelai-vos de distrações que golpeiem nossos de-
1-6. MODOS DE OFERECIMENTO DE VIOLÊNCIA
veres.
(b.4) Um quarto aspecto é: de quantas maneiras um cristão deve ofe-
2-9-3. BENEFÍCIOS DA DEDICAÇÃO EXCLUSIVA AO DIA DO SENHOR recer a violência. A saber, de quatro maneiras. Ele deve oferecer violência:
1. A si mesmo;
Temos de trabalhar para nos superarmos a cada shabbat: onde o Se- 2. Para o mundo;
nhor investe, ele vislumbra os frutos. As unções frescas de Deus depois se 3. A Satanás; e
tornam sedentas, e novos côvados são adicionados a nossa estatura espi- 4. Para o céu.
ritual. Não devemos ser como a salamandra, que vive no fogo mas nunca
se torna mais quente. Os cristãos devem aspirar a estes dias de comu-
nhão com Deus, e se esforçar para experimentarem a descida do Espírito,
e as descobertas mais claras do seu amor em Cristo. Em suma, devemos
agir em um shabbat tal qual Moisés o fez subindo o monte, a fim de que
pudesse ter um sinal de Deus.
Temos de dedicar o dia inteiro para Deus. Debaixo da lei, um único
sacrifício foi aplicado aos outros dias da semana, mas dois cordeiros eram
oferecidos no shabbat. Tudo nesse dia deve ser passado com Deus: ele
deve ser adorado em público, e quando chegamos em casa, temos de
adorá-lo em família. Muitos deixam toda a sua espiritualidade na igreja,
como tenho visto que alguns fazem com suas bíblias; não santificam o
nome de Deus em suas próprias casas, segundo Malaquias 3:8: “Roubará
o homem a Deus?”. Quando os homens fingem adorar a Deus no templo,
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am escuros, não fosse o brilho do sol da justiça neste dia. Este dia foi
chamado pelos antigos de regina dierum, a rainha dos dias. E Jerônimo
prefere este dia acima de todas as festas solenes. A igreja primitiva tinha
esse dia em alta veneração: ele foi um grande emblema da sua espirituali-
dade: pois quando esta pergunta era feita: servasti dominicum? (guardas
tu o shabbat?), a resposta era: christianus sum (eu sou cristão) – eu ouso
não omitir a celebração do dia do Senhor! O grande motivo é que temos
de recordar este dia, felizmente! Como o benefício da libertação de Israel
do cativeiro babilônico era tão grande que ele afogou a lembrança de sua
libertação do Egito (Jr 16:14), assim o benefício de nossa libertação do ca-
tiveiro de Satanás e da ressurreição de Cristo após o término da obra glo-
riosa de nossa redenção são tão renomados que, em relação aos seus ou-
tros benefícios, estes são tidos em menor conta. Grande foi a obra da cri-
ação, mas a maior obra foi a da redenção. Custou mais nos redimir do que
nos fazer. No princípio, havia apenas o verbo (Sl 148:5); no outro, o der-
ramamento de sangue (Hb 9:22). A criação foi o trabalho dos dedos das
mãos de Deus (Sl 8:3): o resgate foi o trabalho de seu braço (Lc 1:5). Na
criação, Deus nos deu a nós mesmos; na redenção ele dá a si mesmo a
nós. Assim o shabbat, idealizado em nossa redenção, deve ser observado
com a maior devoção. Aqui temos de oferecer sã violência a nós mesmos.

2-9-2. ATITUDES DE PREPARAÇÃO PARA O DIA DO SENHOR

Enquanto este dia abençoado se aproxima, nós devemos trabalhar pa-


ra que, tal como esse dia é santificado, que os nossos corações possam
ser santificados também.
Nesse dia, temos de descansar de todos os trabalhos de nossa voca-
Fig. 3. Soldados prussianos da época em que o livro foi composto, século XVII. ção. Como Abraão, quando rumou para o sacrifício, deixou o seu servo e
o seu asno ao sopé do monte (Gn 22:5). Assim, quando estamos a adorar
a Deus nesse dia, temos de deixar para trás todos os negócios seculares.
E como José, quando ia falar com seus irmãos, apartou os egípcios. Des-
se modo, quando venhamos a nos relacionar com Deus neste dia, deve-
mos nos apartar de todas as ocupações terrenas. Apesar de que tanto as
obras necessárias quanto as de caridade possam ser feitas – pois Deus
quer misericórdia, e não sacrifício41 –, em outros casos, entretanto, temos
de cessar todas as ocupações com este mundo. É notável quando Maria
Madalena se recusou a ungir o corpo morto de Cristo no dia do shabbat,
em Lucas 23:56. Ela havia preparado antes suas essências, mas não veio

que editou, elaborou uma versão traduzida do Antigo Testamento em latim e uma outra
do Novo Testamento, esta publicada em Genebra pela primeira vez em 1590 (N. do T.).
Referência a Os 6:6 (N. do T.).
41

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4. A grande vantagem reverterá para nós: o benefício é grande,


qualquer que seja o modo pelo qual as coisas mudam. Se através do
exame descobrimos que não temos graça, então o erro é descoberto e o
perigo evitado. Se nós encontramos graça, podemos nos confortar nisso.
Como estava feliz aquele que tinha “encontrado a pérola de grande va-
lor”37? Aquele que esquadrinha constata que ele fez nada além do mini-
mum quod sic, o menor grau da graça, é como alguém que tenha encon-
trado a sua caixa de evidências, ele é herdeiro de todas as promessas, e
de um estado de salvação.

E que podemos avançar de maneira cada vez mais sucessiva neste


trabalho: que desejemos que Deus nos ajude a descobrir nossos cora-
ções, segundo Jó 34:32: “o que não vejo, ensina-mo tu”. Senhor, tira o
véu, mostra-me o meu coração, não me deixes morrer pelo engano, ou ir CAPÍTULO 2
para o inferno com a esperança do céu.
OFERECENDO VIOLÊNCIA A NÓS MESMOS
2-9. PELA SANTIFICAÇÃO DO DIA DO SENHOR E PELA CONVERSAÇÃO
SADIA

2-9-1. ORIGEM E IMPORTÂNCIA DO DOMINGO, O SHABBAT38 CRISTÃO ARTIGO I

(c.6) O sexto dever pelo qual devemos oferecer a violência a nós PARÂMETROS DE AUTOVIOLÊNCIA
mesmos é a santificação religiosa do dia do Senhor. Que deve haver um
dia de descanso sagrado dedicado a Deus, isso aparece desde sua insti-
tuição: “Lembre-se de guardar o sábado santo39”, ou shabbat. Nosso
2-1. DOIS ASPECTOS DE OFERECER VIOLÊNCIA A SI MESMO
shabbat cristão entra no aposento do shabbat judeu: ele é chamado de “o
dia do Senhor” (Ap 1:10) por Cristo, o seu mentor. Nosso shabbat é alte-
rado por ordem do próprio Cristo. Nesse dia ele se levantou do túmulo, e O cristão deve oferecer violência a si mesmo: esta autoviolência consis-
apareceu muitas vezes aos seus discípulos (1 Co 16:1): para estar em in- te em duas atitudes:
timidade com eles – diz Atanásio – que ele transferiu o sábado para o dia 1. Mortificação do pecado.
do Senhor. E Agostinho diz que, por meio da ressurreição de Cristo no pri- 2. Provocação ao dever.
meiro dia da semana, ele foi consagrado para ser o shabbat cristão, em
memória de sua ressurreição. Este dia foi chamado no passado de dies 1. Oferecer violência a si mesmo, no sentido espiritual, consiste na mor-
lucis, o dia da luz, como observa Junius40. Os outros dias da semana seri-
tificação do pecado: “a si mesmo” quer dizer a carne, a que devemos ofere-
cer violência. Jerônimo, Crisóstomo, e Teófilo de Antioquia19 fazem de tudo
Referência a Mt 13:46 (N. do T.).
para interpretar a obtenção do Céu pela força através da mortificação da
37

Neste trecho e nos seguintes usaremos, assim como Thomas Watson, o termo hebraico
carne. A carne é um traidor dentro do peito: é como o cavalo de Troia den-
38

shabbat (do hebraico ‫ׁשּבָת‬,


ַ “descanso” ou “parada”) para designar o Dia do Senhor, a-
lém de não o confundirmos com o sábado de nosso calendário. O Dia do Senhor (latim tro dos muros que realizavam todo o mal.
domenicus dies) dos cristãos é o domingo (N. do T.).
Referência a Êx 31:13-17 (N. do T.).
39

Referência a Franciscus Junius, o Velho (Francis Junius, Franz Junius, ou François du Pela ordem: Jerônimo (c. 347 – c. 420), João Crisóstomo (c. 347 – c. 407) e Teófilo de An-
40 19

Jon), teólogo e professor huguenote francês (1545-1602), que, dentre numerosas obras tioquia (c. 115 – c. 183), pais da Igreja Primitiva (N. do T.).
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2-2. OS PERIGOS DA CARNE Oh, que possa prevalecer entre os cristãos o tomar cuidado consigo
mesmos nesse grande trabalho de análise. Sua salvação depende disso.
A carne é um inimigo astuto: num primeiro momento é dulce venenum, É a marca de uma prostituta, ela raramente está em casa. De acordo com
um doce veneno, mas depois é um scorpio pungens, um escorpião pene- Provérbios 7:11,12, “É apaixonada e inquieta, cujos pés não param em
trante, que mata abraçando. Os abraços da carne são como a erva daninha casa; ora está nas ruas, ora, nas praças, espreitando por todos os cantos”.
abraçando o carvalho, o que suga a força deste para as suas próprias folhas É sinal de uma cafetina: está sempre do lado de fora, espionando os defei-
e frutos: Dessa maneira a carne, por seu abraço suave, suga para fora do tos dos outros, mas nunca está em casa com o seu próprio coração. Ora,
coração tudo o que há de bom, conforme Gálatas 5:17: “A carne cobiça vamos provar o nosso coração, assim como provamos o ouro, por meio
contra o espírito”. O paparico da carne é a extinção do espírito de Deus. A da pedra de toque. Vamos examinar nossos pecados, descobrir este fer-
carne sufoca e reprime os movimentos santos: a carne se alia a Satanás, e é mento e queimá-lo. Vamos examinar nossa graça: que ela seja do tipo cer-
fiel ao seu interesse. Existe uma porção interior que não vai orar, que não vai
to. Alguém foi a campo para conseguir ervas, e reuniu trepadeiras silves-
acreditar. A carne nos inclina mais para a tentação do que para acreditar
tres, e então a morte estava na panela (2 Rs 4:40). Muitos pensam que têm
numa promessa. Não há necessidade de que um vento nos sopre em dire-
a graça, a erva boa, mas acabam provando da trepadeira silvestre, que
ção ao pecado, quando esta maré interna é tão forte para nos conduzir até
ele. traz a morte e a condenação. Para que possamos oferecer violência a nós
A carne está tão perto de nós, seus conselhos são mais atraentes: não mesmos neste grande assunto do exame, deixemos que essas coisas se-
há nenhuma cadeia tão inflexível que não fique atada de modo tão rápido jam seriamente ponderadas.
quanto a corrente da luxúria. Alexandre, que foi um victor mundi – um con-
quistador do mundo –, foi captious vitiorum – conduzido pelo cativeiro do ví- 2-8-3. A IMPORTÂNCIA DO AUTOEXAME
cio. Agora, se um homem oferecer violência a seus desejos carnais, ele será
salvo, segundo Colossenses 3:5: “Mortificai, pois, os vossos membros, que 1. Sem o autoexame nunca podemos saber como o coração está
estão sobre a terra”. A mortificação do pecado e sua morte pela raiz ocor- conosco. Se devêssemos morrer hoje, não podemos dizer a que costa
rem quando não apenas deixamos de praticar atos de pecado, senão tam- deveríamos navegar, se para o inferno ou para o céu. Conta-se de Sócra-
bém quando odiamos sua existência. Plurimi peccata radunt non eradicant20. tes, quando estava para deixar este mundo, que ele proferiu esta frase:
(Bern). “agora estou para morrer, e os deuses sabem se devo ser feliz ou infeliz”.
E não é apenas isso: onde quer que o pecado tenha recebido uma feri- O homem que ignora o estado de sua alma precisa ter o tremor no cora-
da mortal, ele, em parte, diminuiu, mas o trabalho de mortificação não deve ção, assim como Caim tremeu em sua carne36. Através de um exame sério
ser deixado de lado. O apóstolo convence os crentes romanos a mortifica- do nosso coração, passamos a conhecer a que autoridade nós pertence-
rem as obras da carne (Rm 8:13). No melhor dos santos há algo que precisa mos, seja ao Príncipe da Paz, seja ao príncipe das potestades do ar.
ser mortificado: orgulho demais, inveja e paixão; por isso essa mortificação 2. Se não examinarmos a nós mesmos, Deus vai fazer isso. Ele vai
é chamada de crucificação (Gl 5:24), o que não é feito de repente: todos os nos examinar, assim como o comandante de Paulo o fez pela flagelação
dias algum membro do “corpo de morte” deve ser extirpado. Nada mais du- (At 22:24). Ele vai fazer o mesmo questionamento que Cristo: “De quem é
ro que uma pedra, diz Cirilo21: ainda assim, nas fissuras delas, algumas er- esta imagem e inscrição?” E se não pudermos mostrar a Ele Sua própria
vas daninhas ou de outras variedades vão fincar suas raízes. Não há nin- imagem, ele vai nos rejeitar.
guém mais forte do que um crente, mas se ele fizer o que deseja, o pecado 3. Há uma corrupção oculta que nunca será encontrada a não ser
vai prender nele as suas raízes, e por vezes fazer brotar desejos desordena- pelo esquadrinhamento. Existe no coração, como disse Agostinho, uma
dos. Há sempre algo que é necessário mortificar. Por isso Paulo esmurrava
“poluição oculta”. Quando o mordomo do Faraó acusou os irmãos de Jo-
o seu corpo pela oração, testemunho e jejum (1 Co 9:27).
sé de terem furtado a taça, eles se atreveram a jurar que não tinham a taça
Mas, não é dito em Efésios 5:29 que “nunca ninguém odiou a sua pró-
em seus sacos. O ser humano saberá pouco sobre o ateísmo, o orgulho e
pria carne”?
a impureza presentes em seu coração até que ele o esquadrinhe.

Em tradução livre: “Nem por altíssimo preço a raiz do pecado é erradicada” (N. do T.).
20

Referência a Cirilo de Alexandria (c. 375- 444), patriarca dessa cidade (N. do T.). Referência a Gn 4:13 (N. do T.).
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mão que escreve na parede da consciência de um cristão . Muitos são


35
Tão certo como a carne é concebida fisicamente pelos componentes
como os comerciantes que estão se afundando em suas posses, eles são corporais ou mesmo pela sua própria constituição, ela deve ser valorizada; a
relutantes em examinar seus livros, ou em rever as suas contas, para que carne, entretanto, é levada teologicamente pelas luxúrias impuras de si
não descubram seus prejuízos: assim, detestam olhar para o seu coração mesma. Por esse motivo, o ser humano deve odiar a sua própria carne. Diz
culpado, para que lá não encontrem alguma coisa que deva lhes atemori- o apóstolo: “as paixões carnais, que fazem guerra contra a alma” (1 Pe 2:11
zar, tal qual Moisés temia a vara se transformar em uma serpente. – ARA). Se a carne faz guerra contra nós, com boa razão devemos guerrear
(c.5.2.2) Os seres humanos são trazidos pela força a esse dever contra a carne.
por causa da tolice e da presunção. Eles gostam de suas posses por is-
to ser bom, e quando pesam a si mesmos na balança da presunção, eles 2-3. TÁTICAS PARA MORTIFICAR A CARNE
passam no teste. Muitos tomam sua salvação pela confiança. As virgens
loucas pensavam que tinham azeite em seus candeeiros, tal qual as sá- Como alguém pode agir para oferecer a violência a si mesmo, a fim de
bias (Mt 25). Alguns não têm certeza de sua salvação, mas estão apenas mortificar a carne?
seguros. Se tivessem de comprar um pedaço de terra, eles não iriam ad-
quiri-la pela confiança, e sim pelo exame do título de aquisição. Quão con- (a) Remover o combustível que pode fazer a luxúria queimar. Evite
fiáveis alguns estão quanto à salvação, mas nunca examinaram o seu títu- todas as tentações. Acautele-se do que possa alimentar o pecado. Aquele
lo para o céu! que pode suprimir a gota ou a pedra, evita as carnes que lhe são nocivas
(c.5.2.3) Os homens não se põem a examinar a si mesmos porque para alimento. Aqueles que clamam para que não possam cair em tentação,
se apoiam em pareceres favoráveis de outros. Como isso é vão! Ah! Al- não deve se deixar conduzir pela tentação.
go pode ser de ouro e pérola aos olhos dos outros, mas Deus pode julgá- (b) Lutar contra os desejos carnais, por meio das armas espirituais:
la prata sem valor: outros possam pensar dele como um santo, mas Deus fé e oração. A melhor maneira de combater o pecado é estar sobre os joe-
pode lhe inscrever em seu livro de condenação. Judas era visto pelo resto lhos. Corra para a promessa de Romanos 6:14: “Porque o pecado não terá
dos apóstolos como um crente verdadeiro: eles teriam dado as mãos à domínio sobre vós”, ou como se diz em grego, o pecado não se assenho-
palmatória por essa certeza, mas ainda assim ele foi um traidor. Os tran- reia dele. Apoie-se na força de Cristo (Fp 4:1322). A força de Sansão estava
seuntes nada podem ver do carro senão o lado de fora: eles não podem nos seus cabelos; a nossa força está na nossa cabeça, que é Cristo. Esta é
dizer quanto de mal existe no coração. Águas podem correr livres por so- uma maneira de oferecer violência a si mesmo, através da mortificação. Este
bre um rio, mas os vermes permanecem em seu fundo. é um mistério para a maior parte do mundo que se regozija na carne ao in-
(c.5.2.4) Os homens dificilmente são levados a examinar a si mes- vés de mortificá-la.
mos porque eles não creem nas Escrituras. As Escrituras dizem: “Enga-
noso é o coração, acima de todas as coisas corrupto” (Jr 17:9). Salomão 2-4. AUTOPROVOCAÇÃO AO DEVER
disse que há quatro coisas maravilhosas demais para ele, as quais ele não
poderia conhecer (Pv 30:19); ele poderia ter acrescentado uma quinta, o 2. Uma segunda atitude relacionada em oferecer violência a si mesmo
caminho do coração humano.O coração é o maior dos impostores: ele esta- consiste na provocação ao dever. Desse modo, nós oferecemos sã violência
rá pronto para colocar a graça para fora de alguém, ao invés de salvá-lo. O para nós mesmos quando nos estimulamos e provocamos para o que é
coração vai convencer que uma lágrima furtiva seja arrependimento, ou que bom. Isso é o que se chama na Escritura ‘despertar a nós mesmos para in-
um desejo preguiçoso seja fé. A grande maioria das pessoas não crê que vocarmos ao Senhor’ (Is 64:7). Considere o que se segue:
exista tal falácia em seus corações, pois eles são lentos demais para exami-
ná-los. Este atraso natural em nossa autorreflexão, deve-nos motivar a ofe- (a) O absoluto precisa nos despertar para os serviços santos. No
recer ainda mais violência a nós mesmos, para fazer uma investigação pro- que diz respeito à lerdeza do nosso coração para o que é espiritual, as fer-
funda e um esquadrinhamento em nossos corações. ramentas de corte precisam ser afiadas – uma criatura embotada precisa
de conserto. Nossos corações estão embotados e pesados para as coisas

Referência a Dn 5:5 (N. do T.). O original traz Fp 9:13, um erro de tipografia (N. do T.).
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de Deus: por isso, temos necessidade de estimulá-los e provocá-los para é espírito, o que é pecado e o que é graça. De acordo com o Salmo 77:7,
o que é bom. A carne atrapalha o dever: quando deveríamos orar, a carne “o meu espírito perscruta”. Assim como a mulher do Evangelho, que a-
resiste; quando deveríamos sofrer, a carne recua. Como é difícil, por ve- cendeu uma lâmpada e procurou pela dracma perdida (Lc 15:8), assim a
zes, obter o consentimento do nosso coração para buscar a Deus! Jesus consciência “é a lâmpada do Senhor” (Pv 22:20). Um cristão, à luz desta
Cristo esteve mais disposto para a cruz do que nós quanto ao trono da lâmpada, deve esquadrinhar sua alma para ver se ele pode encontrar
graça. Não deveríamos, então, provocar a nós mesmos ao dever? Se nos-
qualquer graça ali. A regra segundo a qual um cristão deve experimentar a
sos corações se encontram tão enfraquecidos para com a espiritualidade,
precisamos de preparo para colocá-los em sintonia. si mesmo é a Palavra de Deus. Suposição e opinião são regras falsas para
Os exercícios de adoração de Deus são contrários à natureza e, por- o exame. Devemos julgar a nossa condição espiritual pelo cânon das Es-
tanto, deve haver uma provocação, de nós mesmos a eles. O movimento crituras. Davi a chama de “lâmpada para os meus pés” (Sl 119:105). Deixe
da alma para o pecado é natural, mas o seu movimento para o Céu é vio- que a palavra seja o árbitro para decidir a controvérsia: se temos a graça
lento. A pedra se move facilmente para o centro, pois tem uma propensão ou não. Julgamos as cores através do sol; portanto, temos de julgar o es-
inata para baixo, mas mover uma pedra de moinho pelo ar é feito através tado das almas à luz das Escrituras.
da violência, porque isso é contra a natureza; da mesma maneira erguer o O autoexame é um dever de grande incumbência, que exige autoestí-
coração para o Céu do imposto é feito pela violência e para isso devemos mulo, e que possivelmente não pode ser feito sem violência oferecida a
nos impelir. nós mesmos.
(b) O que significa “impelir a nós mesmos ao dever”. É despertar a
nós mesmos e sacudir a nossa preguiça espiritual. O santo Davi despertou 2-8-2. DIFICULDADES DO AUTOEXAME
sua língua e coração quando ele começou a cultuar a Deus, conforme
Salmos 62:8: “Desperta, glória minha (…); eu mesmo despertarei ao rom- (c.5.1) Porque o dever de autoexame, em si mesmo, é difícil?
per da alva”. Ele encontrou sonolência e apatia em sua alma, mas mesmo (c.5.1.1) Ele é actus reflexivus, uma obra de autorreflexão, que está
assim impeliu-se ao dever: “eu mesmo despertarei ao romper da alva”. Os mais relacionado com o coração. É difícil olhar para dentro. Atos exter-
cristãos, apesar de serem ressurretos da morte do pecado, muitas vezes nos de espiritualidade são fáceis: levantar os olhos ao céu, encurvar os jo-
dormem. elhos, ler uma oração, o que não exige nenhum trabalho a mais do que o
Impelir-nos ao dever implica em união e condução de todos os pode- seja para um papista de contar suas contas do terço. Examinar um ho-
res de nossa alma, colocando-os debaixo de trabalho nas tarefas espiritu-
mem a si mesmo, entretanto, ao supervisionar sua própria alma, examinar
ais. Certo homem disse a seus pensamentos: “sê resoluto em Deus no
cumprimento deste dever”, e às suas emoções: “você serve ao Senhor o coração em pedaços, e ver o que é defeituoso, não é fácil. Atos de refle-
sem distração”? Assuntos de espiritualidade devem ser lidados com inten- xão são mais difíceis. O olho pode ver a tudo, menos a si próprio. É fácil
sidade de espírito. espionar os defeitos dos outros, mas é difícil descobrir os nossos próprios.
(c.5.1.2) O autoexame é difícil por causa do amor próprio. Assim
como a ignorância cega, o amor próprio não passa de lisonjeio. Cada ser
ARTIGO II humano está pronto para pensar o melhor de si mesmo. O que Salomão
diz do amor ao próximo é mais verdadeiro do que o amor próprio: “o amor
FUNÇÕES DO CRISTIANISMO E A AUTOVIOLÊNCIA cobre todas as transgressões” (Pv 10:12). Quando o ser humano olha pa-
ra si mesmo no Philautæ speculo, no espelho do amor próprio, suas virtu-
des parecem maiores do que são, e seus pecados menores. O amor pró-
(c) Uma terceira atitude é a de mostrar as várias funções do cristia-
prio por vezes desculpa o que está errado, ao invés de examiná-lo.
nismo, pelas quais temos de provocar a violência e oferecê-la a nós mes-
mos. Eu nomearia sete delas. (c.5.2) Como o autoexame é em si difícil, um trabalho ao qual somos
trazidos de modo bastante duro. O que causa um atraso para o autoexa-
2-5. EXAME DAS ESCRITURAS me é:
(c.5.2.1) Consciência da condenação. O pecado clama por dentro, e
(c.1) Ler e ouvir a Palavra. Devemos nos impelir à leitura da Palavra. os seres humanos detestam olhar para seus corações, a fim de que não
Quão infinita é a misericórdia de Deus, que nos honrou com as Escrituras! possam encontrar o que lhes deveria atormentar. É pouco prazeroso ler a
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reza de Deus, nós somos transformados à sua imagem e feitos participan- Os índios selvagens não têm os oráculos de Deus dados ao seu conheci-
tes de sua natureza divina. mento; eles podem ter minas de ouro, mas não têm as Escrituras, que são
4. A meditação produz transformação. De acordo com o Salmo mais desejáveis “do que muito ouro fino” (Sl 19:10). Nosso Salvador nos
119:59, “Considero os meus caminhos e volto os meus passos para os exorta a “examinar as Escrituras” (Jo 5:39). Não devemos ler estas linhas
teus testemunhos”. Mas as pessoas não meditam sobre a capacidade do sagradas com descuido, como se eles não nos dissessem respeito, ou
pecado de produzir dano: elas não interferem nele, mas há uma corda no correr apressadamente sobre elas, da mesma forma que Israel comeu a
final que irá lhes pendurar eternamente no inferno: elas poderiam quebrar páscoa com pressa, mas examiná-las com respeito e seriedade. Os no-
um caminho de pecados e se tornarem novas criaturas. Deixe que tudo is- bres bereanos “examinavam diariamente as Escrituras” (At 17:11). A Escri-
so nos conduza à sã meditação. Atrevo-me a ser corajoso em dizer que se tura é um registro completo do conhecimento divino, é a regra, a pedra de
os homens passassem nada além de um quarto de hora todos os dias ao toque da verdade; deste poço é que tiramos a água da vida. A fim de pro-
contemplar objetos celestes, isso poderia deixar sobre eles uma forte im- vocar uma leitura assídua da Palavra, deve-se trabalhar para ter uma no-
pressão; que através da bênção de Deus possa se revelar o início de uma ção correta das Escrituras.
feliz transformação.
2-5-1. A PALAVRA COMO LIVRO ESCRITO POR DEUS
Mas como seremos capazes de meditar?
Obtenha um amor pelas coisas espirituais. Costumamos meditar sobre
Leia a palavra como um livro feito pelo próprio Deus. Ela é dada por
as coisas que amamos. O homem voluptuoso pode refletir sobre seus
inspiração divina (2 Tm 3:16). É a biblioteca do Espírito Santo. Os profetas
prazeres, o avarento pelos seus sacos de ouro. Se nós amássemos as
e apóstolos nada mais foram do que copistas ou registradores de Deus, a
coisas celestiais, gostaríamos de meditar mais sobre elas. Muitos dizem
fim de escreverem a lei em seus lábios. A palavra é de origem divina, e re-
que não podem meditar por deficiência de memória, mas isso não ocorre
vela as coisas profundas de Deus para nós. Há um numen, um sentimento
porque querem atenção? Se amassem as coisas de Deus, eles fariam de-
de divindade gravado no coração do homem, que é para ser lido no livro
las objeto de estudo contínuo e de meditação.
das criaturas – quælibet herba Deum – mas este que é de Deus, e da Trin-
dade de pessoas na Divindade, é infinitamente superior à luz da razão, e
2-8. PELO AUTOEXAME
só Deus pode lhe dar a conhecimento.
Portanto, no que diz respeito à encarnação de Cristo, sobre Deus e
2-8-1. DEFINIÇÃO DE AUTOEXAME
homem serem hipostaticamente unidos em uma só pessoa, quanto ao
mistério da justiça imputada, sobre a doutrina da fé: que anjo no céu, se-
(c.5) O quinto dever com o qual oferecemos violência a nós mesmos é
não o próprio Deus, poderia nos revelar estas coisas? Como isso pode
o autoexame. É um dever de grande importância, é discutir com o próprio
provocar a diligência e seriedade na leitura da palavra, que é divinamente
coração. De acordo com o Salmo 77:634, “De noite indago o meu íntimo, e
inspirada? Outros livros podem ser escritos por homens santos, mas este
o meu espírito perscruta”. David nomeou interrogadores a si mesmo. O
livro é indiciado pelo Espírito Santo.
autoexame é a instalação de um tribunal na consciência e da manutenção
de um notário nela, que por um controle rigoroso um homem possa saber
2-5-2. A PALAVRA COMO REGRA DE FÉ
como as coisas estão entre Deus e sua própria alma. O autoexame é uma
inquisição espiritual: alguém conduz a outrem para julgamento. Um bom
Leia a palavra como uma perfeita regra de fé, que contém todas as coi-
cristão age desse modo como se fosse começar aqui, em sua própria al-
sas essenciais para a salvação. “Eu adoro a plenitude das Escrituras”, diz
ma, o dia do Juízo. A autoanálise é a anatomia do coração. Assim como
Tertuliano. A palavra nos ensina como agradar a Deus, como regular nosso
um médico legista, quando faz uma dissecação do corpo e lhe descobre o
diálogo com o mundo. Ela nos instrui em todas as coisas que pertencem
intestina, isto é, as partes mais íntimas, o coração, fígado e as artérias, pa-
tanto à prudência quanto à piedade. Devemos ler a palavra com cuidado e
ra um cristão anatomizar a si mesmo, esquadrinhar o que é carne e o que
reverência, uma vez que ela contém um modelo perfeito e um suporte espi-
ritual, e é capaz de nos fazer sábios para a salvação (2 Tm 3:15)!
A referência original era Sl 77:7, um erro de transcrição (N. do T.).
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2-5-3. A PALAVRA COMO TESOURO e ele voltou a Deus. Que meditações com devoção nós lemos em Agosti-
nho e Anselmo? Mas isso é muito fora de moda entre os nossos modernos
Quando você ler a palavra, olhe para ela como tesouro que enriquece cristãos.
a alma. Examine-a como o faria com um veio de prata (Pv 2:4). Nessa ex- Terras Astræa reliquit31. Nos termos da lei, os animais que não rumina-
pressão estão reunidos muitos aforismos divinos: una-os como um pu- vam eram imundos32, assim como aqueles que não ruminam pela são me-
nhado de joias. Este livro abençoado contribui para te enriquecer: ela en- ditação estão a serem contados entre os imundos. Mas vou sim transfor-
che a sua mente com o conhecimento, e seu coração com a graça; ele mar o meu pranto em uma persuasão, pedindo que os cristãos ofereçam
armazena promessas em você: um homem pode ser rico em títulos. Neste
violência a si mesmos neste dever necessário de meditar. Pitágoras se a-
campo, a pérola se esconde: que são as riquezas de todo o mundo em re-
fastou de toda a sociedade e viveu em uma caverna durante um ano intei-
lação a isso? As ilhas das especiarias, as costas das pérolas, as rochas
dos diamantes? Essas são apenas as riquezas que os réprobos podem ro para que pudesse meditar sobre filosofia. Como, então, devemos nos
ter, mas a palavra nos dá as riquezas que os anjos têm. afastar e nos trancar pelo menos uma vez por dia, para que possamos
meditar sobre a glória?
2-5-4. A PALAVRA COMO LIVRO DE EVIDÊNCIAS
1. A meditação faz com que a Palavra pregada produza fruto. Ela
Leia a palavra como um livro de evidências. Com qual cuidado deve- trabalha sobre a consciência. Assim como a abelha suga a flor, da mesma
se examinar suas evidências! Você quer saber se Deus é o seu Deus? forma a meditação suga a doçura de uma verdade. Não é o recebimento de
Pesquise os registros das Escrituras, conforme 1 João 3:24: “Nisto sabe- carne na boca, mas a sua digestão que a torna nutritiva. Desse modo, não é
mos que ele permanece em nós”. Quer saber se é herdeiro da promessa? o recebimento das verdades mais excelentes nos ouvidos que alimenta as
Você deve encontrá-la nesses escritos sagrados, conforme 2 Tessaloni- nossas almas, mas a digestão delas por meio da meditação. Vinho derra-
censes 2:13: “por vos ter Deus elegido desde o princípio para a salvação, mado em uma peneira se esgota: muitas verdades são perdidas porque os
em santificação do Espírito”. Aqueles que são vasos de graça, são vasos ministros derramam seu vinho em peneiras, tanto pelo vazamento das me-
de glória. mórias ou pelas mentes superficiais. A meditação é como uma chuva de
absorção, que vai à raiz da árvore e a conduz a produzir frutos.
2-5-5. A PALAVRA COMO RESERVA DE ARMAMENTO 2. A sã meditação aquece os sentimentos. De acordo com o Salmo
119:97, “Ó quanto amo a tua lei! É a minha meditação dia e noite”. A razão
Olhe para a palavra como uma reserva espiritual de armamento, com a pela qual nossos sentimentos são tão frios para com as coisas celestiais é
qual você irá buscar todas as suas armas para lutar contra o pecado e Sa-
porque nós não os aquecemos no fogo sagrado da meditação. Como ao
tanás.
meditar sobre objetos amorosos faz com que arda a chama da luxúria, e
(c.1.1) Aqui estão as armas para lutar contra o pecado. A palavra meditar sobre as feridas faz com que arda a chama da vingança, meditar
de Deus é uma espada consagrada, que corta em pedaços os desejos do sobre as belezas transcendentes de Cristo tornará ardente o nosso amor
coração. Quando o orgulho começa a levantar-se, a espada do Espírito por Cristo.
destrói esse pecado, segundo 1 Pedro 4:5: “Deus resiste aos soberbos”. 3. A meditação tem um poder transformador em si mesma. Ouvir a
Quando a paixão se evidencia, a palavra de Deus, tal como o clube de Palavra pode nos afetar, mas a meditação sobre ela nos transforma. A
Hércules, subjuga essa fúria raivosa, segundo Eclesiastes 5:9: “A raiva re- meditação estampa a impressão das verdades divinas em nosso coração.
side no seio dos tolos”. Quando ferve a luxúria, a palavra de Deus esfria Ao meditar sobre a santidade de Deus, nós crescemos santos. Da mesma
esse calor imoderado, segundo Efésios 5:5: “Nenhum impuro tem herança forma como o gado de Jacó, ao olhar através das varas, concebida tal
no Reino de Cristo”. como as varas33: assim, enquanto pela meditação olhamos através da pu-
(c.1.2) Aqui estão as armas para lutar contra Satanás. A Palavra
lança fora a tentação. Quando o diabo tentou a Cristo, ele feriu três vezes
a antiga serpente com a espada do Espírito. “Está escrito”, conforme Ma- Em tradução livre, “A Terra é o remanescente das estrelas” (N. do T.).
teus 4:7. Satanás nunca se precipita em antagonizar um cristão senão
31

Afirmação que não reflete exceções conforme a Lei Mosaica, uma vez que o camelo, a ar-
quando ele está desarmado, e sem as armas da Escritura.
32

ganaz e a lebre ruminavam, mas eram imundos por não terem as unhas fendidas (Lv
11:4-6), como era requisito de distinção de sanidade física do animal (N. do T.).
Referência a Gn 30:39 (N. do T.).
33

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Todo santo deve vestir o seu manto branco, e tem o seu trono para nele se 2-5-6. A PALAVRA COMO ESPELHO ESPIRITUAL
assentar. Então, Deus vai colocar algo de sua própria glória sobre os san-
tos. A glória não só será revelada a eles, mas estará neles (Rm 8:18). E Olhem para a palavra como um espelho espiritual para examinar vo-
essa vida de glória será coroada com a eternidade: que anjo pode expres- cês mesmos: ela é um farol para os cegos (Sl 19:8). Em outros espelhos
sá-la! Meditemos nisso com frequência. você poderá ver seu rosto, mas neste espelho você pode ver seu coração,
segundo o Salmo 119:104 (ARA): “Por meio dos teus preceitos, consigo
2-7-5. CONSEQUÊNCIAS DA MEDITAÇÃO NA VIDA DO CRENTE entendimento”. Este espelho da palavra claramente representa a Cristo,
que o coloca diante de sua pessoa, sua natureza, seus ofícios, como o
1. A meditação sobre a vida eterna nos faz trabalhar por uma vida que há de mais precioso e escolhido, conforme Cântico dos Cânticos
5:16: “ele é totalmente desejável”, ele é uma maravilha de beleza, um pa-
espiritual. A criança deve nascer antes de ser coroada. Temos de ser nas-
raíso do prazer. Cristo, que foi escondido por diversos modos, é claramen-
cidos do Espírito, antes de sermos coroados de glória. te revelado no espelho das Escrituras.
2. A meditação sobre a vida eterna deve nos conforta se conside-
rada a brevidade da vida natural. A vida que vivemos agora voa para 2-5-7. A PALAVRA COMO UM RECEITUÁRIO MÉDICO ESPIRITUAL
longe como uma sombra: ele é chamada de uma flor (Sl 103:15) ou um
vapor (Tg 4:14). Jó define a vida frágil de modo elegante em três dos ele- Olhe para a palavra como um receituário médico espiritual. Basílio
mentos: terra, água e ar (Jó 9:25,26). Olhe para a terra, e a vida do homem compara a palavra a uma farmácia, que tem todos os tipos de medicamen-
nada mais é do que um rápido movimento30. Vá para a água, e a vida do tos e antídotos. Se você se encontra morto em serviço, aqui está um reci-
homem nada mais é do que um barco à vela. Vá para o ar, e a vida do bo no Salmo 119:50: “A tua palavra me vivificou”. Se você encontrar o seu
homem nada mais é do que uma águia voando. Nós estamos acelerando coração endurecido, a palavra o liquefaz e derrete, e por isso ela é compa-
para o túmulo. Enquanto os nossos anos aumentam, a nossa vida diminui. rada ao fogo, pelo seu poder emoliente (Jr 23:29). Se você está envene-
nado pelo pecado, nela existe uma erva para expulsá-lo.
A morte arrasta-se em cima de nós degrau por degrau. Quando nossos
Olhe para a palavra como um elixir soberano para consolá-lo em peri-
olhos escurecem, a morte se arrasta ao olho. Quando nossa audição é ru-
go. Ela te conforta contra todos os seus pecados, tentações e tribulações.
im, a morte se arrasta ao ouvido. Quando as pernas tremem sob nós, a Que são as promessas, senão um estimulante divino para reanimar as al-
morte está puxando para baixo os principais pilares da casa, mas a vida mas enfraquecidas? Um coração misericordioso vai se alimentando de
eterna nos conforta contra a brevidade da vida natural. A vida do porvir uma promessa tal como Sansão o fez pela colmeia (Jz 14:9). A palavra
não será objeto de enfermidades: ela não conhece ponto final. Seremos conforta contra a doença e a morte, conforme 1 Coríntios 15:55: “Onde es-
como os anjos de Deus, incapazes de mudança ou variação. Assim você tá, ó morte, o teu aguilhão?”. O cristão morre abraçado à promessa, como
tem seis temas nobres para os seus pensamentos, para discorrer sobre Simeão fez com Cristo (Hb 11:13).
isso.
2-5-8. A PALAVRA COMO TESTAMENTO
2-7-6. FUNÇÕES DA MEDITAÇÃO
Leia a palavra como o ato de última vontade e o testamento de Cristo.
Mas onde está a meditação cristã? Aqui eu poderia lamentar a falta da Nela existem muitos legados conferidos aos que o amam: o perdão dos
sã meditação. A maioria das pessoas vive com pressa, pois são tão distra- pecados, a adoção, a consolação. Essa vontade está em vigor, sendo se-
ídos com as preocupações do mundo, que não podem encontrar tempo lada no sangue de Cristo. Com que seriedade uma criança lê sobre a von-
para meditar ou perguntarem às suas almas sobre como agirem. Não so- tade e testamento de seu pai, para que ela possa ver o que resta dele.
mos como os santos nos séculos anteriores. Davi meditava nos preceitos
de Deus (Sl 119:15). “Isaque caminhava à noite para meditar” (Gn 24:63), 2-5-9. A PALAVRA COMO SENTENÇA

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O termo original “post” dá ideia, no contexto, de um tempo de toque de corneta, tal qual Leia-o como um livro pelo qual você deve ser julgado, conforme João
os três tempos do Toque da Alvorada, no Brasil (N. do T.). 12:48: “a palavra que tenho pregado, essa o há de julgar no último dia”.
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Aqueles que vivem de acordo com as regras deste livro serão absolvidos; criança: a criança possa morrer e, caso ela viva, ela pode se revelar um
aqueles, porém que vivem de modo contrário, serão condenados. Há dois fardo. A séria meditação sobre isto pode curar o inchaço da cobiça, e nos
livros pelos quais Deus vai passar, o livro da Consciência e o livro da Es- faz ficar livres daquilo que paira de maneira tão solta e que está pronto pa-
critura: um será a testemunha, e o outro, o juiz. Como todo cristão deve se ra cair sobre nós mesmos.
impelir a ler esse livro de Deus com carinho e dedicação! Esse é o livro (c.4.4.3) A meditação sobre essa incerteza faz com que possua-
pelo qual Deus um dia julgará. Aqueles que se afastam da palavra como mos uma certeza: a obtenção da graça. Esta santa “unção que habita
por um guia, serão forçados a se submeterem a ela tal como a um juiz. em vós” (1 João 2:27). A graça é uma flor da eternidade – non fertur ad
umbras inclyta virtus29 – A morte não destrói a graça, mas a transplanta e a
2-6. OUVIR A PALAVRA DE DEUS faz crescer em solo melhor. Aquele que tem a verdadeira santidade não
pode mais perdê-la do que os anjos o possam, estes que são estrelas fi-
(c.2) O segundo dever espiritual para o que temos de nos impelir está xas na glória.
em ouvir a palavra. Podemos levar nossos corpos à palavra com facilida- (c.4.5) Medite sobre a severidade de Deus contra o pecado. Cada
de, mas não os nossos corações, sem oferecer violência a nós mesmos. flecha na aljava de Deus é disparado contra ele. O pecado queimou So-
Quando vimos à palavra pregada, chegamos a um negócio da maior im- doma e afogou o mundo antigo. O pecado inflama o inferno. Se quando
portância; portanto, devemos nos agitar e ouvi-la com a maior devoção. O uma faísca da ira de Deus voa em uma consciência humana, que é tão ter-
imperador Constantino era conhecido por sua atenção reverente à palavra. rível, senão quando Deus “dá largas a toda a sua indignação”? (Sl 78:38).
De acordo com Lucas 19:48 (ARA), “todo o povo, ao ouvi-lo, ficava domi- A meditação sobre isso deve nos fazer ter medo de nossos pecados. Não
nado por ele”. No grego esta passagem é traduzida assim: “eles pairavam pode haver tanta doçura no pecado, pois há uma picada. Quão terrível é a
sobre o seu lábio”. Quando a palavra é dispensada, estamos a levantar as ira de Deus! De acordo com o Salmo 90:11, “quem conhece o poder da
portas eternas de nossos corações, para que o Rei da Glória possa por e- sua ira”? Todos os incêndios, em comparação com o fogo da ira de Deus,
las adentrar. são pinturas e imaginações. Ah! que a cada vez que nos intrometamos
com o pecado, que pensemos em escolher o espinheiro, e que o fogo sa-
(c.2.1) Até que ponto eles estão oferecendo violência a si mesmos irá desse espinheiro para nos devorar!
no ouvir, quando sua mente é fraca para o que é dito, como se eles (c.4.6) Medite sobre a vida eterna. De acordo com 1 João 2:25, “E
não estivessem envolvidos por inteiro nesse assunto: eles vêm à igreja esta é a sua promessa, a vida eterna”. A vida é doce, e esta palavra eterna
mais por costume do que pela consciência, conforme Ezequiel 33:31: “E a torna mais doce. Isso encontra-se na visão imediata e na fruição de
eles vêm a ti, como o povo costumava vir, e se assentam diante de ti, co- Deus.
mo meu povo, e ouvem as tuas palavras, mas não as põem por obra”. Se (c.4.6.1) Esta é uma vida espiritual. É o oposto da vida animal que vi-
pudéssemos lhes dizer acerca de uma oferta lucrativa, ou de algum lugar vemos agora. Aqui temos fome e sede, mas lá não teremos mais fome (Ap
de sua preferência, eles rapidamente responderiam mas, quando a pala- 7:16). Existe a ceia das bodas do Cordeiro, que permitirá não só satisfazer a
vra de vida é pregada, eles a desprezam. fome, mas a impedi-la. Que a vida abençoada vindoura não consiste em
(c.2.2) Até que ponto eles estão oferecendo violência a si mesmos prazeres sensuais, comida, bebida e música, nem no conforto das relações,
no ouvir, quando vêm à palavra de uma maneira maçante, sonolenta, mas a alma será totalmente absorvida em Deus, e concordará com ele em
como se eles viessem à igreja para uma recepção que os faça dormir? complacência infinita. Como quando o sol aparece e as estrelas desapare-
A palavra serve para alimentação: é estranho dormir à base de carne. A cem, da mesma forma quando Deus aparecer na sua glória e encher a al-
palavra dos homens julga: é estranho um prisioneiro cair no sono em ple- ma, então todos os prazeres terrenos sensíveis devem desaparecer.
no bar. Para tais ouvintes sonolentos Deus pode dizer: “durma”. Ele pode (c.4.6.2) É uma vida gloriosa. Os corpos dos santos serão revestidos
sofrer por eles para ficar tão estupefato, a ponto de que nenhuma ordem de glória: isso deverá ser feito tal como o foi com o corpo glorioso de Cris-
se lhes dê, conforme Mt 3:25: “Enquanto os homens dormiam, veio o seu to (Fp 3:21). E se a caixa é feita de tão curiosa manufatura, quão rica deve
inimigo e semeou o joio”. O diabo nunca dorme: ele semeia o joio do pe- ser a joia que é colocada nela! Quão revestida de glória deve ser a alma!
cado em um ouvinte sonolento.
Em tradução livre, “Não mantenha a sombra para nela amarrar a virtude” (N. do T.).
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Acaso ele deixou a marca de sua santidade sobre você? Essas evidências Quando viermos à palavra, que possamos oferecer violência a nós
são boas para o céu. Com esses questionamentos, como por um toque mesmos, e nos suscitar a ouvi-la com devoção, considerando que:
espiritual, você pode saber se tem a graça ou não. Cuidado com as falsas
evidências: nenhuma delas é maior do que ter a verdadeira pérola do que (c.2.2.1) É Deus quem fala conosco. Se um juiz dá uma ordem as-
os que se contentam com a falsificação. sentado em sua cadeira, todos escutam. Se um rei fala, todos prestam a-
(c.4.4) Medite sobre a incerteza de todos os confortos deste mun- tenção. Quando chegamos à palavra, devemos pensar assim conosco
do. Os prazeres da criatura têm seus fluxos e refluxos. Quantas vezes que mesmos: estamos ouvindo a Deus por este pregador. Por isso diz-se que
o sol da pompa e da grandiosidade mundanas se põe ao meio-dia. Xer- Cristo nos fala da parte do céu (Hb 12:25). Cristo fala por seus ministros
xes28 foi obrigado a navegar em um navio pequeno, sendo que um pouco tal como um rei fala na pessoa do seu embaixador. Quando Samuel sabia
antes ele queria mar aberto para a sua Marinha. Nós dizemos que tudo é que era o Senhor quem falava consigo, ele lhe deu ouvidos, conforme 2
mutável, mas quem é que medita sobre isso? O mundo se assemelha a Sm 3:5: “Fala Senhor, pois o teu servo ouve”. Aqueles que menosprezam
“um mar de vidro misturado com fogo” (Ap 15:2). O vidro é escorregadio, o que Deus fala em Sua Palavra deverão ouvi-lo falar em sua ira, conforme
não tem pé firme, e o vidro misturado com fogo está sujeito a ser consu- Sl 2:5: “Então lhes falará na sua ira”.
mido. Todas as criaturas são fluidas e incertas, e não podem ser corrigi- (c.2.2.2) Vamos considerar o peso dos problemas que nos são con-
das. O que aconteceu com a glória de Atenas, com a pompa de Troia? De feridos. Como Moisés disse a Israel em Deuteronômio 30:19: “Os céus e a
acordo com 1 João 2:17, “O mundo passa”. Ele desliza tanto quanto um terra tomo hoje por testemunhas contra vós, de que te tenho proposto a vi-
barco em livre navegação. Com que rapidez uma cena se altera? E uma da e a morte”. Nós pregamos para os homens de Cristo e pelo galardão e-
maré baixa sucede uma maré alta? Não há que se confiar em nada. A sa- terno: aqui estão as magnalia legis, as matérias de peso da lei, e tudo isso
úde pode transformar a doença, os amigos podem morrer, as riquezas não requer atenção séria? Há uma grande diferença entre uma carta de no-
podem bater asas. Estamos sempre em cima dos trópicos. Quanto a isso, tícias lida para nós e uma carta de assuntos especiais, onde toda a nossa
uma séria meditação seria a seguinte. terra e propriedade estão em litígio. Na palavra pregada, a nossa salvação
(c.4.4.1) Apartemo-nos de sermos tão enganados pelo mundo. Es- está em causa: aqui somos instruídos para o reino de Deus, e se alguma
tamos prontos para firmar nosso descanso por aqui, de acordo com o Sl vez devemos ser sérios, isso precisa ocorrer agora, segundo Deuteronômio
49:11a: “O seu pensamento íntimo é que as suas casas serão perpétuas e, 32:47: “Porque esta palavra não vos é vã, antes é a vossa vida”.
as suas moradas, para todas as gerações”. Estamos aptos a pensar que a (c.2.2.3) Se a palavra não pode ser considerada, não será lembrada.
Muitos reclamam que não se lembra, e aqui está a razão: Deus castiga a
nossa montanha está forte; sonhamos com uma eternidade terrena. Ah! se
negligência deles no ouvir com o esquecimento. Ele impele Satanás a tirar a
quisermos meditar sobre quão ocasionais e incertas estas coisas são, não
palavra deles, de acordo com Mateus 13:4: “As aves do céu vieram e devo-
deveremos ser iludidos tantas vezes. Que não tenhamos grandes decep-
raram a semente”. O diabo não volta atrás: ele vem para a igreja, mas não
ções, e onde pensávamos em sorver o mel, que lá não nos embriaguemos
possui qualquer boa intenção, e ele tira a palavra dos homens. Quantos fo-
com absinto.
ram roubados do sermão e suas almas também o foram ao mesmo tempo!
(c.4.4.2) A meditação da incerteza de todas as coisas debaixo do
(c.2.2.4) Pode ser a última vez que Deus nos falará em Sua pala-
sol moderaria, e muito, nosso apreço por elas. Por que devemos per-
vra, pode ser o último sermão que iremos ouvir, e poderemos ir para o lo-
seguir tão ansiosamente uma incerteza? Muitos tomam cuidado para obter
cal da audiência, para o lugar do julgamento. Será que as pessoas pen-
uma grande propriedade: é incerto se eles devem manter essa cautela. O
sam assim, quando eles entram na casa de Deus, e talvez esta será a últi-
fogo pode penetrar onde o ladrão não o pode: se conseguem, é um pro- ma vez que Deus vai nos aconselhar sobre nossas almas, a última vez em
blema saber se ficam confortáveis ao agirem assim. Alguns dão à luz uma que veremos a face de nosso ministro, com qual devoção viriam! Como
seus queridos podem estar ao fogo, na audiência? Nós damos muita a-
28
Referência ao rei persa Xerxes (c. 549 a.C. – c. 466 a.C.), conhecido como Assuero na Bí- tenção aos últimos discursos de amigos. As últimas palavras de um pai
blia, personagem presente nos livros de Ester, Isaías e Daniel. O episódio a que se refe- são recebidas como oráculos. Ora, deixe tudo isso nos provocar diligência
re o autor pode ser a Batalha de Salamina, nas Guerras Médicas, quando a frota de Xer- no ouvir, deixe-nos pensar que esta pode ser a última vez que o sino de
xes, desorganizada, foi severamente combatida pelas forças dos gregos e seus aliados,
Arão soará em nossos ouvidos e, antes do dia seguinte, estaremos em ou-
que capturaram ou naufragaram cerca de 200 navios da frota persa dentro do estreito
que deu o nome à batalha (N. do T.). tro mundo.
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2-7. ORAÇÃO E MEDITAÇÃO teis” (At 10:12).O pecado nos corrói como a lepra. Essa contaminação ori-
ginal nos faz culpados diante do Senhor e, ainda que nunca tivéssemos
2-7-1. A ORAÇÃO E O CORAÇÃO CONTRITO cometido de fato o pecado, mereceríamos o inferno. A meditação sobre
isso seria um meio para derrubar o nosso orgulho. Até mesmo aqueles
(c.3) O terceiro dever que existe para oferecermos violência a nós que desfrutam da graça têm motivos para caminhar humildemente, porque
mesmos está na oração. A oração é um dever que mantém o comércio eles têm mais corrupção dentro de si do que a graça: o seu lado negro é
espiritual fluindo. Quando se quer unir em oração com os outros, ou orar mais amplo do que a sua luz.
sozinho, é preciso usar de sã violência; não a eloquência na oração, mas (c.4.2.2) Medite seriamente sobre a paixão e a morte de Cristo.
o exercício da violência. Teodoro Beza, falando de Lutero, disse que “uma Sua alma estava encoberta por uma nuvem de tristeza enquanto ele este-
vez (ele) o ouviu em oração, mas, – bondoso Deus! – com que vida e espí- ve em conflito com a ira de seu Pai, e tudo isso nós deveríamos ter sofrido,
rito ele orava! Foi com tanta reverência, como se ele estivesse falando segundo Is 53:5: “Mas ele foi moído pelas nossas transgressões”. Como
com Deus, mas ao mesmo tempo com tanta confiança, como se ele tives- Davi disse: “Eu é que pequei, eu é que procedi perversamente; porém es-
se falado com seu amigo”. Deve haver uma contrição do coração: tas ovelhas que fizeram?” (2 Sm 24:17). Então, nós pecamos, mas este
1. Para a oração; Cordeiro de Deus: o que ele fez?
2. Na oração. (c.4.2.2.1) A meditação séria sobre isso deve produzir arrependi-
mento. Como poderíamos olhar para aquele “a quem traspassaram”, e
(c.3.1) Contrição do coração para a oração. Jó 11:13: “Se tu prepa- não guardarmos luto por ele? Quando consideramos quão caro custaram
rares o teu coração, e estenderes as tuas mãos para ele”. Esta preparação nossos pecados a Cristo, de que forma deveríamos derramar o sangue de
do nosso coração ocorre com pensamentos santos e externalizações. O nossos pecados, os quais derramaram o sangue de Cristo?
músico afia seu instrumento primeiro, antes de o tocar. (c.4.2.2.2) A meditação sobre a morte de Cristo deve acender nos-
(c.3.2) Deve haver uma contrição do coração na oração. A oração é sos corações em amor a Cristo. Qual amigo deveríamos amar, senão
uma elevação da mente e da alma a Deus, que não pode ser feita corre- aquele que morreu por nós? Seu amor por nós o fez cruel a si mesmo. As-
tamente, sem que se ofereça violência a si mesmo. Os nomes dados à o- sim como Rebeca disse a Jacó em Gênesis 27:13: “Caia sobre mim essa
ração implicam violência. Ela é chamada de luta (Gn 32:24) e de um der- maldição” da mesma forma disse Cristo: “caia sobre mim essa maldição”,
ramamento da alma (1 Sm 1:15), ambos os quais implicam veemência. O a fim de que os pobres pecadores pudessem herdar a bênção.
sentimento é necessário tanto quanto a criação. O apóstolo fala de uma (c.4.3) Medite sobre suas evidências a respeito do céu. O que você
oração eficaz fervorosa, que é uma expressão paralela ao “oferecer vio- teria para mostrar ao céu, se morresse esta noite?
lência”.
(c.4.3.1) Seu coração já foi completamente convencido do peca-
do? Alguma vez você já se viu perdido sem Cristo? A convicção é o pri-
2-7-2. RAZÕES DE FALTA DE VIOLÊNCIA NA ORAÇÃO meiro passo para a conversão (Jo 7:16).
(c.4.3.2) Deus já fez você disposto a levar Cristo segundo as con-
Ah, quão longe de oferecer a violência a si mesmo na oração: dições dele? Nas palavras de Zacarias 6:13: “Ele deve ser um sacerdote
em seu trono”. Você tem desejado que Cristo ocupe o trono de seu cora-
(c.3.2.1) Aquele que dá a Deus uma oração morta e sem coração. ção para se pronunciar, tanto quanto um sacerdote no altar para interce-
Deus não tomava para si a oferta cega (Ml 1:8), a boa oferta cega é a que
der? Você está disposto a renunciar a esses pecados para os quais o teu
se oferece aos mortos. Alguns estão meio que dormindo quando oram, e
coração naturalmente se inclina? Você pode definir esses pecados, tanto
uma oração sonolenta vai despertar a Deus? Da mesma maneira que eles
não se lembram de suas próprias orações, como pensam que Deus deve quanto Urias na linha de frente da batalha para ser morto? Você está dis-
se lembrar delas? Deus prefere que essas orações venham fervendo do posto a levar Cristo seja para o melhor, seja para o pior? para carregá-lo
coração. com a sua cruz, e para confessar a Cristo, na pior das situações?
(c.3.2.2) Até que ponto eles estão oferecendo violência, dando a (c.4.3.3) Você tem a presença interior do Espírito? Se você tem, o
Deus uma oração distraída? Enquanto oram, eles estão pensando em que o Espírito de Deus tem feito em você? Ele tem feito de você um outro
sua loja e comércio. Como alguém pode disparar, se seu olho direito está espírito: manso, misericordioso, humilde? É um espírito transformador?
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sim descrita: é um exercício sagrado da mente, que nos traz as verdades mirando completamente fora do alvo? Conforme Ezequiel 33:31, “Seu co-
de Deus à recordação, faz com que reflitamos seriamente sobre elas e as ração segue a sua avareza”. Muitos estão lançando as suas contas em o-
apliquemos a nós mesmos. Na meditação, há dois aspectos: ração, como Jerônimo certa vez queixou-se de si mesmo. Como pode
Deus estar satisfeito com isso? Um rei vai tolerar que, enquanto alguém
1. Um cristão se retira de si mesmo; ele se fecha diante de todo o lhe entrega uma petição, e fala com ele, esse alguém deva estar brincando
mundo. A meditação é um trabalho que não pode ser feito dentro de uma com uma pena? Quando enviamos por meio de nossos corações um re-
cado para o céu, com que frequência ele se move devagar e se atira pelo
multidão.
caminho? Esta é uma questão de embaraço. Para que possamos oferecer
2. É uma reflexão séria sobre Deus. Não se trata de alguns pensa- violência a nós mesmos e para que haja fervor nas penas das asas da o-
mentos transitórios que são rapidamente esquecidos, mas a fixação e ração, que essas coisas sejam devidamente ponderadas:
permanência do espírito sobre os objetos celestes: este não pode ser feito (c.3.2.2.1) A majestade de Deus com o que temos de fazer. Ele vê
sem que se estimulem todos os poderes de nossa alma, e da violência o- como ele está conosco em oração, se nós estamos profundamente afeta-
ferecida a nós mesmos. da com as coisas que pedimos. “E o rei, entrando para ver os convidados”
(Mt 22:11). Assim, quando nos colocamos para orar, o Rei da Glória vem
Estaremos mais dispostos a nos provocar a esse dever, pois: conferir de que jeito estamos: ele tem uma janela que olha por dentro de
nosso peito, e se ele vê um coração morto, ele pode se fazer de surdo23.
(c.4.1) A meditação é, de fato, atravessar a carne e o sangue. Natu- Nada mais rápido pode queimar a cera quente da ira de Deus do que uma
ralmente nós rejeitamos a sã meditação. Para meditar sobre o mundo, as oração fria.
coisas seculares, mesmo que fosse todos os dias, podemos fazer sem (c.3.2.2.2) Oração sem fervor e violência não é oração: é falar sem
qualquer desvio; mas para ter nossos pensamentos fixos em Deus, quão orar. A oração sem vida não é mais oração do que a imagem de um ho-
difícil será realizar isso? Como nossos corações lutam com esse dever? mem é um homem. Fazer uma oração não é orar. Ascânio24 ensinou seu
papagaio a Oração do Senhor. Ambrósio diz assim: “É a vida e o apreço a
Quais os fundamentos e as desculpas que nós temos para rejeitá-lo? A
um dever que lhe batiza e lhe dá um nome”. Assim a violência e a luta de
aversão natural diante desse dever mostra que precisamos oferecer vio- sentimentos que fazem uma oração de verdade, senão ela não é oração.
lência a nós mesmos, diante disso. Mas alguém pode dizer como a Faraó, “Eu tive um sonho” (Gn 41:15).
(c.4.2) Satanás faz o que pode para dificultar esse dever. Ele é um (c.3.2.2.3) O zelo e a violência dos sentimentos na oração se adap-
inimigo da meditação. O diabo não se importa com o quanto nós ouvimos, tam melhor à natureza de Deus. Deus é espírito (Jo 4:24) e a certeza de
mas sim com quão pouco meditamos. O ouvir gera conhecimento, mas a que a oração está cheio de vida e do espírito é a carne saborosa que ele
devoção gera meditação. A meditação dá valor27 ao coração e a torna ama, conforme 1 Pedro 2:5: “Sacrifícios espirituais agradáveis a Deus”. A
mais séria, enquanto Satanás trabalha para manter o coração longe de ser espiritualidade e o fervor em serviço são como a essência do vinho, que é
sério. Que necessidade há, portanto, de oferecer violência a nós mesmos a parte mais refinada do vinho. O exercício corporal de nada aproveita.
no cumprimento deste dever? Não é o alongamento dos pulmões, mas a veemência do desejo, que é
como música aos ouvidos de Deus.
2-7-4. TEMAS PARA MEDITAÇÃO

Parece, contudo, que estou ouvindo alguns dizerem que, ao se assen- 23


Literalmente, “fazer ouvidos de mercador” (N. do T.).
tarem sozinhos, eles não sabem sobre o que meditar. Por essa razão, vou 24
Referência ao cardeal e núncio apostólico papista Ascânio Sforza (1455-1505), que, se-
lhes apresentar assuntos para meditação. gundo relato de seu contemporâneo, o escritor veneziano Ludovicus Cælius Rhodiginus
(c.4.2.1) Medite seriamente sobre a corrupção da tua natureza. (Antiquarium Lectionum: 1516, Livro III, cap. XXXII), possuía um papagaio que pronunci-
Perdemos essa moldura da pura essência da alma que um dia tivemos. Há ava distintamente todo o Credo Apostólico e a Oração do Senhor (apud JEWEL, John.
The Works of John Jewel, Bishop of Salisbury. Cambrigde, Reino Unido: University Press,
um mar de pecado dentro de nós. Nossa natureza é a fonte e o seminário 1846, pág. 283; CUMMING, John. A preservative against popery, in several select dis-
de todo o mal: como a toalha de Pedro, onde haviam “bestas-feras e rép- courses upon the principal heads of controversy between Protestants and Papists: being
written and published by the most eminent divines of the Church of England, chiefly in the
reign of King James II. Collected by the right Rev. Edmund Gibson. América do Norte:
Literalmente, “A meditação lastreia o coração”, atribui lastro ao coração (N. do T.) Society’s Office, 1848. Vol. II, pág. 362) (N. do T.).
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(c.3.2.2.4) Considere a necessidade que temos quanto àquilo que valece. Daniel na cova orou e prevaleceu. A oração fez calar a boca do le-
pedimos em oração. Chegamos a pedir a graça de Deus mas, se não ti- ão e abriu a cova dos leões. A oração fervorosa – segundo a afirmação de
vermos o seu amor, tudo o que desejamos se torna maldição para nós. alguém – tem um tipo de onipotência em si mesma. Sozomeno25 disse a
Oramos para que nossas almas possam ser lavadas no sangue de Cristo respeito de Apolônio, que ele nunca pediu nada a Deus, em toda a sua vi-
mas, se não nos lavarmos, “não temos parte com ele”. Essas são algumas da, que ele não tivesse conseguido. Sleidan26 relata a respeito de Lutero
das misericórdias que, se Deus nos negar, para sempre estaremos destru- que este, percebendo o baixo interesse pela espiritualidade, dirigiu-se à
ídos. Portanto, qual violência precisamos colocar em oração? Quando um oração; ao se levantar da posição de joelhos, ele saiu do aposento, triun-
homem será sério, senão quando ele estiver implorando por sua vida? fante, dizendo a seus amigos: “Vicimus, Vicimus, nós vencemos, nós ven-
(c.3.2.2.5) Provoquemos violência na oração: a saber, que aquilo cemos!”. Naquele momento verificou-se que saiu um édito de Carlos V,
que pedimos, Deus tem em mente nos conceder. Se um filho nada pe- segundo o qual ninguém deveria mais ser molestado por professar o e-
dir além do que o seu pai estiver disposto a lhe dar, ele pode ser mais ri- vangelho. Como isso pode nos encorajar e fazer içar as velas de oração,
goroso em seu ajuste. Nós vamos a Deus para o perdão dos pecados, e ao mesmo tempo em que as outras velas dos santos tiveram bons retor-
nenhum trabalho é mais agradável para ele do que selar o perdão. A mise- nos da Terra Santa.
ricórdia é o seu prazer (Mq 7:18). Nós oramos a Deus por um coração
santo, e esta oração está de acordo com sua vontade, conforme 1 Tessa- Para que possamos estender essa sã violência à oração, é necessário
lonicenses 4:3: “Esta é a vontade de Deus, a vossa santificação”. Oramos haver um princípio renovado de graça. Se a pessoa não estiver cheia de
para que Deus nos dê um coração para amá-lo. Como este pedido deve graça, não é de se admirar que a oração seja insensível. Enquanto o corpo
agradar a Deus! Isto, acima de tudo, pode estimular a oração, e transpor- estiver morto, não há calor nele: quando um homem está morto em peca-
tá-la em uma carruagem de fogo para o céu, quando sabemos que ora- do, ele não pode ter calor no dever.
mos por nada além do que Deus está disposto a nos conceder, mais além Que possamos ser o mais violento possível em oração: é bom orar
do que estamos a pedir. com um senso sobre os nossos desejos. Um mendigo que é pego em seu
(c.3.2.2.6) Misericórdia alguma pode ser conferida a nós, senão atra- desejo, almejará sinceramente as esmolas. Cristão! Revise o que você
vés de oração. A misericórdia é comprada pelo sangue de Cristo, mas é quer; que você almeje uma moldura espiritual e humilde de coração, que
transmitida por meio da oração. Todas as promessas são elos feitos em torno você almeje a luz do rosto de Deus; o sentimento de querer apressará a
de nós, mas a oração ajusta suas correntes. O Senhor disse a Israel quão rica oração. Esse homem nunca pode orar fervorosamente se não o fizer com
é a misericórdia com a qual Ele a adornou: ele os levaria ao seu país natal sentimento. Tão sério quanto foi Sansão para com a água, quando estava
com um coração novo (Ez 36). No entanto, essa árvore da promessa não vai pronto para morrer em Juízes 15:18: “morrerei eu pois agora de sede”?
deixar cair os seus frutos, até que ela seja abalada com a mão da oração, de Se quisermos ser violentos em oração, vamos pedir um vento violento.
acordo com o versículo 37: “Ainda por isso serei solicitado pela casa de Isra- O Espírito de Deus se assemelhava a um vento impetuoso (At 2:2). Então
el”. O seio da misericórdia de Deus é completo, mas a oração deve mamá-lo. somos violentos quando esse bendito vento enche as velas. Jd 20: “oran-
Certamente, todos os outros caminhos estão bloqueados, não há nada de do no Espírito Santo”. Se algum fogo deve estar no nosso sacrifício, ele
bom a ser feito sem oração; como então devemos movimentar esse remo, e descerá do céu.
por uma sã violência nos agitar para tomar posse de Deus.
(c.3.2.2.7) Somente a violência e a intensidade de espírito de ora- 2-7-3. A MEDITAÇÃO E SEUS ASPECTOS
ção detêm a promessa de misericórdia a ela determinada. Conforme
Mateus 7:7: “Batei, e abrir-se-vos-á”. Bater é um movimento violento. Os (c.4) O quarto dever pelo qual devemos oferecer violência a nós
ædiles entre os romanos tinham as suas portas sempre abertas, para que mesmos é pela meditação, um dever no qual residem tanto o próprio co-
todos os que tivessem petições pudessem ter livre acesso a elas. O cora- ração quanto o sangue da vida espiritual. São Bernardo chama a medita-
ção de Deus está sempre aberto à oração fervorosa. Vamos, então, ser a- ção de animæ viaticum, uma isca pelo caminho. A meditação pode ser as-
cionados pelo zelo, e com Cristo orar ainda mais intensamente. Essa vio-
lência na oração que faz as portas do céu se abrirem, e age em quaisquer
das misericórdias das quais estejamos precisando. 25
Referência a Sozomeno (Hermas Sozomenus), historiador que escreveu sobre os primór-
(c.3.2.2.8) Deus deu grandes retornos à prece violenta. A pomba dios da Igreja cristã, e que viveu entre 400 e 450 d.C (N. do T.).
enviada para o Céu frequentemente traz uma folha de oliveira na boca. Sl 26
Referência a Johannes Sleidan, historiador alemão, contemporâneo de Martinho Lutero
34:6: “Clamou este pobre, e o SENHOR o ouviu”. A oração que clama pre- (1506-1555) (N. do T.).
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