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Alan Fogel 1 ReadCube
University of Utah, EUA
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Resumo
Este é um comentário baseado nos artigos deste Número Permalink
Especial. Uma leitura desses artigos sugere que eles se
unem em torno dos seguintes temas gerais: orientação
relacional (em oposição a foco em indivíduos, corporificação sensual do self (em contraste
com concepção mentalista de self), visão de desenvolvimento como co-construção histórica
que é culturalmente mediada, concepção de relações como auto-organizadas e emergentes
(mais do que soma de inputs), e foco em pesquisa de processo (em vez de produtos). A
psicologia do desenvolvimento brasileira está situada dentro do contexto da história
cultural local e mundial de estudos evolutivos.
Palavras-chave: Contexto sociocultural; contexto histórico; estudos de desenvolvimento.
The sociocultural and historical context of developmental studies
Abstract
This is a commentary based on the articles in this special issue. A reading of these articles
suggests that they are united by the following general themes: a relational orientation (as
opposed to a focus on individuals), the sensual embodiment of the self (as opposed to a
mentalistic conception of self), development as a historical co-construction that is
culturally mediated, relationships as self-organizing and emergent (more than a sum of the
inputs), and a focus on process research (rather than on outcomes). Brazilian
developmental psychology is situated within the context of the local and world cultural
history of developmental studies.
Keywords: Sociocultural context; historical context; developmental studies.
fazer avançar teoria e método na direção de uma emergente visão de mundo orientada
para o estudo das relações pessoa-ambiente e se distanciar da abordagem tradicional que
avalia indivíduo e ambiente como se eles fossem separados, variáveis independentes.
Estes artigos são também instrutivos porque oferecem uma diversidade de teorias e
métodos para o estudo das relações pessoa-ambiente, teorias e métodos que poderiam ser
adaptados a uma extensa gama de problemas de pesquisa.
A contribuição sem paralelo destes artigos pode ser melhor apreciada tendo em vista
recentes agendas de pesquisa no campo do desenvolvimento. Uma agenda tem sido a
descrição da ação individual no contexto. Nós temos documentado como indivíduos de
diferentes idades, gêneros e formações educacionais diferem em seus comportamentos em
relação a pais e colegas, em casa e na escola. Uma segunda agenda tem sido a predição
de resultados do desenvolvimento, a partir de seus presumidos antecedentes. Nós
sabemos agora, por exemplo, que estilos parentais inconsistentes, controladores, retraídos
e negativos tipicamente conduzem a resultados desfavoráveis para a saúde mental e
comportamental das crianças. Nós estamos começando a entender as conseqüências
benéficas para o desenvolvimento de vínculos seguros de creches bem administradas,
escolas criativas, e comunidades centradas na criança.
Estas emergentes leis do desenvolvimento humano interessam em grande medida à
cultura, além de nossa própria cultura profissional: as sociedades que estão
profundamente preocupadas com o bem-estar de suas crianças e famílias. Porque nós
temos evidências replicáveis que dão suporte às crianças e famílias em nossas
comunidades, a profissão de pesquisador do desenvolvimento está se tornando
mundialmente mais respeitada. Os governos estão cada vez mais dispostos a investir
impostos dos cidadãos em pesquisas sobre o desenvolvimento infantil e sobre estratégias
de intervenção e prevenção que melhorem vidas e facilitem o crescimento.
Por causa destas realizações profissionais expressivas, realizações que ajudam não só a
sustentar as crianças e famílias que nós servimos, mas nossa própria cultura profissional
dentro de instituições de ensino superior, nosso campo tem crescido em número de
membros e na qualidade das pesquisas que estão sendo desenvolvidas. Este crescimento
em tamanho e qualidade tem sido ampliado através da participação em uma cultura da
ciência que cresce em âmbito mundial. Via facilidades para viagens aéreas, fax, telefone e
comunicação pela internet crescem as oportunidades para o rápido aparecimento de novas
idéias,
Nós, pesquisadores do desenvolvimento, somos bem sucedidos em nossos papéis sociais e
participantes em uma discussão dinâmica, internacional e eletronicamente mediada. Nós
deveríamos estar contentes com estas realizações e deveríamos tirar proveito dos métodos
que nos fizeram merecer estes níveis de status social. Ao invés disso, nós nos achamos no
meio de uma importante transição no desenvolvimento de nossa cultura profissional, uma
transição que rompeu com as raízes da cultura profissional que nos trouxe a este tempo e
lugar. Os artigos neste Número Especial são um exemplo claro desse rompimento. Eles não
pedem nada menos que uma mudança radical em nossa concepção das pessoas e do seu
desenvolvimento.
O dinheiro que paga nossos salários, despesas de pesquisa, viagem e comunicação com
nossos colegas aparece por causa das bem-sucedidas pesquisas que avaliaram os
indivíduos como entidades isoladas, sujeitos à influência das forças do ambiente e da
cultura. É nossa obrigação para com a sociedade que nos sustenta continuar fazendo o que
nós temos feito tão bem? O que irá acontecer se não houver nenhum retorno para a
sociedade por estas tendências insurgentes em nosso campo? Se a base de nossa
pesquisa tradicional é desgastada em favor de métodos menos desenvolvidos e mais
arriscados, tais como os propostos por artigos neste Número Especial, isto fará mais mal
do que bem ao nosso status como profissionais e às pessoas que recebem o conhecimento
que nos propomos a criar? Se o campo de estudos do desenvolvimento continuar na direção
esboçada pelos artigos neste Número Especial, nossos valores profissionais e patrocínios
mudarão, nossas crenças e desejos com relação a como nós conduzimos nossas pesquisas
mudarão, a audiência para quem nós escrevemos mudará, as revistas nas quais nós
escrevemos mudarão, e nosso papel na sociedade mudará.
Pessoalmente estou pronto para assumir esses riscos porque penso que nós devemos
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Um dos mais notáveis aspectos dos artigos neste Número Especial é a sua atração, não
tanto por pesquisadores contemporâneos mais conhecidos, mas pelos fundadores. Cada
artigo reflete uma diversidade de opiniões sobre a identidade desses fundadores. Piaget e
Vygotsky são claramente centrais à maioria dos pesquisadores aqui representados. Outros
mencionaram Werner e Wallon. Muitos dos autores recorreram a fundadores fora de nosso
campo de pesquisa, como Rorty, Dewey, e Bahktin em Filosofia, G. H. Mead em Sociologia,
e Prigogine em Física. Cada um destes se notabilizou por sua visão da pessoa-no-contexto,
da pessoa-na-sociedade, e da pessoa-no-ambiente.
Se os fundadores estavam comprometidos com uma abordagem teórica que enfatizava as
relações e a complexidade, como o campo entrou em uma prolongada e diferenciada fase
centrada no indivíduo, causa e efeito, predição e resultado de pesquisa? Há muitas
respostas para esta pergunta. Minha própria avaliação (Fogel, 1993) desta mudança no
desenvolvimento de nossa cultura profissional leva em consideração mudanças sociais e
culturais mais amplas que ocorreram no final do século 19 e início do século 20. Este
período foi notável para a descoberta do holismo e das relações. Darwin descobriu uma
conexão íntima entre a estrutura do ambiente e o fenótipo das espécies, como se
organismos incorporassem o ambiente em suas células e estruturas. Ernst Haeckel, um
discípulo alemão de Darwin, inventou o termo ecologia, a ciência das relações entre os
organismos vivos e o mundo externo. Einstein compreendeu que toda energia e movimento
são relativos a tudo mais no universo. Freud descobriu que as crianças são
inexoravelmente formadas nos nexos de seus relacionamentos com seus pais. Pavlov viu o
condicionamento como um meio pelo qual o ambiente é incorporado ao tecido de
comportamento.
Uma série de guerras mundiais, a atrocidade dos assassinato em massa, ditaduras
terroristas, e a competição de guerra fria, entretanto, conduziram a um período de perda
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Em outras palavras, o mundo é necessário para completar o circuito com o corpo a fim de
criar mesmo a mais simples experiência sensorial de self. O desafio destas idéias para os
pensadores e pesquisadores do desenvolvimento será duplo. Por um lado, é necessário
evitar a perda do self às custas de estudar as relações. Por outro, parece importante para
evitar o simples reducionismo ao indivíduo isolado. O artigos neste número foram bem
sucedidos em lidar com este segundo desafio, porém, para redescobrir a natureza do
indivíduo-em-relação, mais trabalho precisa ser realizado em relação ao primeiro.
A mim parece, como um não brasileiro, que a incorporação sensual da experiência de self é
realçada de uma forma não usual como parte de uma rede de relações humanas dentro de
cultura brasileira. Podem esses processos culturais sem paralelo oferecer uma janela sobre
o self-na-relação e sobre o self materializado ou corporificado, que é provavelmente menos
observada em um cultura completamente relacional mas menos corporal como a japonesa,
ou numa cultura que enfatiza autonomia e a privacidade do corpo como a norte-americana?
Pode o estudo das relações das crianças com os seus corpos e com os corpos dos outros, a
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comunidade mundial.
Referências
Abram, D. (1997). The spell of the sensuous. New York: Vintage. [ Links ]
Fogel, A., Lyra, M. C. D. P. & Valsiner, J. (Orgs.). (1997). Dynamics and Indeterminism in
Developmental and Social Processes. Mahwah, NJ: Erlbaum. [ Links ]
Levinas, E. (1969). Totality and infinity (A. Lingus, Trad.). Pittsburgh: Duquesne University
Press. [ Links ]
Piaget, J. (1952). The Origins of Intelligence in Children (trad. M. Cook). New York:
Norton. [ Links ]
Van Geert, P. (1998). We almost had a great future behind us: The contribution on
nonlinear dybamics tyo developmental-science-in-the-making. Devolopmental
Science,1,143-159. [ Links ]
Recebido em 21.05.99
Aceito em 21.05.99
Sobre o autor:
Alan Fogel é Professor de Psicologia do Departamento de Psicologia da Universidade de
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Utah (EEUU); PhD em Educação pela Universidade de Chicago (EEUU). Linha de Pesquisa:
desenvolvimento do "self" e da emoção, no contexto das relações interpessoais mãe-bebê.
Coordena um laboratório voltado para esta temática. A partir do intercâmbio estabelecido
com a Professora Lyra em 1987, tem visitado o Brasil desde 1992 e ampliado os seus
contatos em nosso país.
1 Endereço para correspondência: Department of Psychology, University of Utah, 390 S. 1530 E., Room 502, Salt
Lake City, 84112-0251, USA. E-mail: alan.fogel@m.cc.utah.edu
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