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RESUMO: O trabalho apresenta uma proposta de uso dos sambas enredo História para
Ninar Gente Grande e Em Nome do Pai, do Filho e dos Santos, a Vila Canta a Cidade de
Pedro, apresentados respectivamente nos desfiles da Estação Primeira de Mangueira e da
Unidos de Vila Isabel no carnaval 2019 do Rio de Janeiro, como recurso pedagógico nas aulas
introdutórias de Sociologia com o objetivo de refletir sobre a produção do conhecimento,
identificando que há diferentes perspectivas e discursos sobre uma mesma realidade social.
Fundamentamos a atividade em leituras realizadas durante nossa formação dentro do campo
Ensino de Sociologia e respectivas experiências no magistério. Com a realização de tal
atividade, pretendíamos, dentre outras coisas, contribuir para a problematização de projetos
ligados ao “Programa Escola Sem Partido”, que visam coibir uma suposta doutrinação
política em sala de aula, pois, ao analisar comparativamente os dois sambas mencionados,
procuramos mostrar que nada que é próprio do ser humano é isento de valor: nem a arte, o
carnaval, a ciência, a escola ou a história que “história oficial” conta.
ABSTRACT: The work presents a proposal to use the samba story Story for Ninar Gente 80
Grande and In the Name of the Father, the Son and the Saints, the Village Sing the City of
Pedro, respectively presented in the parades of the First Station of Mangueira and the United
of Vila Isabel , in the Carnival of Rio de Janeiro, as a pedagogical resource in the introductory
classes of Sociology with the objective of reflecting on the production of knowledge,
identifying that there are different perspectives and discourses about the same social reality.
We base the activity on readings made during our training in the field of Teaching Sociology
and respective experiences in teaching. With the accomplishment of this activity, we wanted,
among other things, to contribute to the problematization of projects linked to the "School
Without a Party Program", which aim to curb a supposed political indoctrination in the
classroom, because, when analyzing comparatively the two sambas mentioned, we try to show
that nothing that is proper to the human being is worthless: neither art, carnival, science,
school or history that "official history" tells.
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Disponível em: https://www.letras.mus.br/sambas/mangueira-2019/, acessado em 26 de março de 2019.
4
Disponível em: https://www.letras.mus.br/sambas/vila-isabel-2019/, acessado em 26 de março de 2019.
5Versão de 2012 que está em vigor: http://www.rj.gov.br/c/document_library/get_file?uuid=cd755868-376e-4057-a475-
e720955ee64c&groupId=91317, acessado em 10/09/18.
Revista Perspectiva Sociológica, n.º 23, 1º sem. 2019, p. 80-91.
crescimento de assassinatos de trabalhadores no campo6 e de jovens de periferia das grandes
cidades7, do feminicídio, da violência contra as mulheres8 e LGBTQIA+9, da desestruturação
de medidas que combatem o trabalho escravo10 e do projeto de desmantelamento da legislação
trabalhista11.
No âmbito da educação, percebemos tal retrocesso quando se efetivam reformas
educacionais sem discussão e na tramitação e aprovação de projetos de lei ligados ao Programa
Escola Sem Partido, que visam coibir uma suposta doutrinação política em sala de aula. Tanto
o PESP quanto as reformas no campo da educação estão diretamente vinculadas à nossa
prática profissional e ao tema do trabalho, sendo assim achamos por bem desenvolver estas
questões é o que apresentamos nos parágrafos a seguir.
A Reforma do Ensino Médio se baseia no Projeto de Lei de Conversão 34/2016
oriunda da Medida Provisória 746/2016 de 22 de setembro de 2016, de autoria do Presidente
Michel Temer, que assumiu a presidência da República após o impeachment da Presidenta
Dilma Rousseff, em 31 de agosto de 2016. Ou seja, a MP da Reforma do Ensino Médio foi
assinada menos de um mês após o afastamento da presidenta eleita. Tal reforma apresenta-se
82
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Relatório Conflitos no Campo Brasil 2018 da Comissão Pastoral da Terra (CPT).
7
Atlas da Violência 2017, produzido pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) em parceria com o
Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP).
8
Panorama da violência contra as mulheres no Brasil, produzido pelo Observatório da Mulher Contra a
Violência do Senado Federal. Disponível em:
http://www.senado.gov.br/institucional/datasenado/omv/indicadores/relatorios/BR-2018.pdf Acessado em:
14/05/2019.
9
Fonte: Disque 100, elaborado pela FGV DAPP. Disponível em: http://www.mdh.gov.br/disque100/balanco-
2017-1 Acessado em: 17/05/2018.
10
De acordo com a Comissão de Direitos Humanos do Senado Federal, o governo brasileiro promoveu “um
retrocesso histórico” no combate ao trabalho escravo em 2017. A conclusão é de relatório aprovado em
dezembro de 2017. De acordo com o relator, o senador Paulo Rocha (PT-PA), o Poder Executivo “restringiu os
meios para efetiva fiscalização” realizada pelo Grupo Especial de Fiscalização Móvel (GEFM). Criado em 1995,
o órgão é integrado por auditores fiscais do trabalho, procuradores do trabalho e policiais federais. Em 2016, o
Plano Plurianual previa uma ampliação de 20% nas ações do GEFM até 2019. O senador Paulo Rocha destaca,
no entanto, que o grupo “foi obstruído de modo sórdido e eficaz” por meio de um corte orçamentário.
Informações obtidas em: https://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2017/12/15/combate-ao-trabalho-
escravo-sofreu-retrocesso-historico-avalia-cdh Acessado em 29/05/2019.
11
De acordo com Gustavo Filipe Barbosa Garcia, o Substitutivo ao Projeto de Lei 6.787/2016, sobre a reforma
trabalhista, apresentado, em 12 de abril de 2017, pelo Relator da Comissão Especial do Congresso Nacional, é
uma das mais impressionantes afrontas aos direitos sociais dos trabalhadores já vistas na história do mundo
civilizado. O art. 620 da CLT, na redação proposta, por exemplo, passa a dispor que as “condições
estabelecidas em acordo coletivo de trabalho sempre prevalecerão sobre as estipuladas em convenção coletiva
de trabalho” (destaquei). Percebe-se contrariedade à exigência constitucional de melhoria das condições
sociais, a qual impõe a necessidade de ser observada, em princípio, a norma mais favorável ao trabalhador (art.
7º, caput, da Constituição da República). Informações obtidas em:
https://genjuridico.jusbrasil.com.br/artigos/450039001/substitutivo-da-reforma-trabalhista-retrocesso-social-e-
afronta-aos-direitos-dos-trabalhadores Acessado em 29/05/2019.
Revista Perspectiva Sociológica, n.º 23, 1º sem. 2019, p. 80-91.
como um conjunto de diretrizes com vistas à alteração da atual estrutura do Ensino Médio,
alterando a Lei nº 9.394 - Lei de Diretrizes e Bases da Educação – LDB, e a Lei nº 11.494 de
20 de junho 2007, que regulamenta o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação
Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação – FUNDEB. Por ter sido apresentada
como medida provisória, a reforma já surge com força de lei. Um primeiro problema já se
apresenta aqui, pois tal medida não foi discutida pela sociedade. Os principais pontos da
Reforma ou “Novo Ensino Médio”, como foi chamado pelo governo federal, são: 1) Aumento
da carga horária; 2) Flexibilização do currículo, que leva as (os) estudantes a terem que
direcionar seus estudos a partir de “itinerários normativos” de cinco diferentes áreas
(Linguagens, Matemática, Ciências da Natureza, Ciências Humanas e Sociais aplicadas e a
Formação Técnica e Profissional); 3) Ênfase na preparação para o mercado de trabalho; 4) No
currículo, mantém-se apenas Língua Portuguesa e Matemática como disciplinas obrigatórias,
deixando todas as outras como “estudos e práticas”, sendo sua oferta a serem definidas pela
Base Nacional Curricular Comum - BNCC; 5) No caso do itinerário de formação profissional,
abre a possibilidade para que profissionais com “notório saber” ministrem os conteúdos.
Já a BNCC do Ensino Médio foi enviada para análise do Conselho Nacional de 83
Educação – CNE e, na sequência, submetida à discussão em audiências públicas on line num
único dia (02/08/2018) chamado pelo governo de Michel Temer de “Dia D”. Sancionado em
agosto de 2018, o documento ratifica que somente as disciplinas de Matemática e Língua
Portuguesa serão obrigatórias nas três séries do Ensino Médio e, as demais, apareceriam de
forma “interdisciplinar”, organizadas por “competências” e “habilidades” e divididas em três
áreas de conhecimento: Ciências Humanas, Ciências da Natureza e Linguagens e suas
tecnologias. Diferente do que era previsto, o documento não detalha o que deverá ser
ensinado nos itinerários formativos antevistos na reforma do ensino médio. Além da falta de
ampla e aprofundada discussão, tanto da Reforma do Ensino Médio, quanto da BNCC, há
outras questões que merecem reflexão:
Para Celso Ferretti, pesquisador aposentado da Fundação Carlos Chagas e ex-
professor da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), a
organização por competências e a ênfase em Português e Matemática apontam
claramente o direcionamento pautado pelos interesses do setor empresarial para a
educação: uma formação voltada para as necessidades do mercado de trabalho. Para
Ferretti, a implementação da BNCC deve significar um empobrecimento da
educação ofertada aos estudantes do ensino médio. (ANTUNES, 2018)
Sem partido?
Revista Perspectiva Sociológica, n.º 23, 1º sem. 2019, p. 80-91.
Recentemente temos assistido a onda de aprovação em diversas casas legislativas
municipais, estaduais e no congresso nacional de projetos ligados ao Programa Escola Sem
Partido - PESP. Percebe-se que tais projetos emergem como demonstração de força dos
setores mais conservadores da sociedade no atual momento histórico.
Mantendo tal objetivo, o programa define uma série de diretrizes sobre o papel da
professora e do professor em sala de aula. Dentre as muitas outras questões problemáticas
contidas nos projetos ligados ao PESP, está a suposição de que as/os estudantes são
desprovidas (os) de capacidade de reflexão e discernimento sobre a realidade social e, por
isso, seriam alvo facilmente manipulável por docentes “esquerdistas”. Entretanto, de acordo
com Leite, Neves e Santos (2018) a passividade juvenil pressuposta pelo PESP contestada nas
entrevistas realizadas durante a pesquisa realizada pelo Grupo de Estudos sobre Diferença e
Desigualdade na Educação Escolar da Juventude/DDEEJ, coletivo de pesquisa12 ao qual a
autora e o autor deste texto estiveram vinculados durante os anos de 2014 a 2016. Tal grupo
desenvolvia pesquisa-ação13, num colégio da rede pública estadual, situada na zona norte da
cidade do Rio de Janeiro, acompanhando estudantes e a comunidade escolar na reestruturação
do grêmio estudantil, então desativado. Tinha-se o intuito de investigar a formação e a 84
participação política da juventude no âmbito da escola. Contudo, no decorrer da pesquisa, o
grupo se deparou com o movimento de ocupação de escolas no Rio de Janeiro e decidiu-se
incluir o movimento como objeto de nossa análise. Dessa forma, visitamos colégios ocupados
espalhados por diferentes regiões do Grande Rio para conversarmos com as/os ocupantes. Os
trechos das entrevistas a seguir, citados no artigo de Leite, Neves e Santos (2018), membros
do referido coletivo de pesquisa, confrontam aquela suposição do Programa Escola Sem
Partido:
Acho que isso é até uma ofensa para os alunos, porque você querer dizer que não
pode falar de um certo assunto em um colégio é você querer dizer que o aluno não
tem a capacidade de pensar sozinho... Tipo... O professor tá ali só para me dar uma
base... Pô, cara! Você não tem a capacidade de pensar sozinho? [...] A gente tá
vivendo uma ocupação! Eu tenho a capacidade de desenvolver projetos, posições
12
Coordenado pela professora Miriam Leite, do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade do
Estado do Rio de Janeiro, na linha de pesquisa Infância, Juventude e Educação.
13
Etapa empírica do projeto Diferença e desigualdade na educação escolar do jovem mais jovem:
desconstruções, denominada O grêmio e outros espaços-tempos de diálogo político na escola: possibilidades
contemporâneas, e desenvolvida com apoio financeiro da FAPERJ (Edital 36/2014 – Melhoria das Escolas
Públicas). Ambos projetos foram submetidos e aprovados pela CONEP-Comissão Nacional de Ética em
Pesquisa, e os participantes nos colégios pesquisados e/ou seus responsáveis, quando foi o caso, concordaram
com o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido que apresentamos, também aprovados pela CONEP (parecer
n. 624.354, de 10/4/2014 e n. 993.195, de 19/3/2015, respectivamente).
Revista Perspectiva Sociológica, n.º 23, 1º sem. 2019, p. 80-91.
políticas, mesmo sendo novo, entendeu? (Estudante, 16 anos, Niterói Apud. LEITE,
NEVES, SANTOS, 2018, p. 293)
Na verdade essa lei não é pra proteger aluno de... de ser doutrinado não. É pra
proteger o aluno de ser consciente. Quer alienar mesmo. Querem eliminar todas as
formas que a gente teria pra abrir a nossa mente, pra conhecer algo novo. (Estudante,
18 anos, Rio de Janeiro Apud. LEITE, NEVES, SANTOS, 2018, p. 296)
limitados pelas estruturas escolares tradicionais, são capazes até mesmo de reinventar a
própria escola” (LEITE, NEVES, SANTOS, 2018, p. 295). Tal constatação se aproxima das
conclusões a que chega Dayrell (2007). O autor parte da reflexão sobre a condição juvenil
atual, sua cultura, as demandas das/dos jovens e suas próprias necessidades para discutir as
relações entre juventude e escola. O autor busca problematizar o lugar que a escola ocupa na
socialização da juventude contemporânea, em especial dos jovens das camadas populares.
Afirma ele:
(...) a relação da juventude com a escola não se explica em si mesma: o problema
não se reduz nem apenas aos jovens, nem apenas à escola, como as análises lineares
tendem a conceber. Tenho como hipótese que as tensões e os desafios existentes na
relação atual da juventude com a escola são expressões de mutações profundas que
vêm ocorrendo na sociedade ocidental, que afetam diretamente as instituições e os
processos de socialização das novas gerações, interferindo na produção social dos
indivíduos, nos seus tempos e espaços. (DAYRELL, 2007, p. 1106)
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14
1) De que trata o samba? 2) Sob qual ponto de vista foi contato o enredo? 3) Faça uma breve pesquisa sobre as
personalidades e grupos mencionados no samba. 4) Que conclusões chegamos ao comparar o samba da
Mangueira com a da Vila Isabel?
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Neste ponto é importante fazer um registro: uma das questões exigia o uso da internet mobile para a realização
de pesquisa sobre as personalidades e grupos mencionados nos sambas, contudo, a despeito da ideia disseminada
de que estudantes, de maneira geral, não prestam atenção nas aulas devido ao uso excessivo das redes sociais,
Revista Perspectiva Sociológica, n.º 23, 1º sem. 2019, p. 80-91.
socialização das respostas em um grande círculo formado com toda a turma. Ao fim das aulas,
chegamos juntos à conclusão de que, mesmo com a proximidade geográfica das sedes das
escolas de samba, a História do Brasil (no que diz respeito ao período colonial, que inclui a
abolição da escravatura), foi contada sob dois pontos de vista bastante diferentes na Av.
Marquês de Sapucaí: a Mangueira contou a história do ponto de vista dos dominados e a Vila
Isabel do ponto de vista dos dominadores.
poucos tinham acesso à internet pelos celulares. Superamos essa dificuldade roteando a internet de nossos
próprios celulares.
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da formação. Entrevista: Celso Ferreti. EPSJV/FIOCRUZ, Rio de Janeiro, 06 Abr. 2018,
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