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UNIVERSIDADE ESTADUAL DO CEARÁ

CENTRO DE HUMANIDADES
CENTRO DE ESTUDOS SOCIAIS APLICADOS
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM SOCIOLOGIA – PPGS
DOUTORADO EM SOCIOLOGIA

DIEGO DA SILVA MEDEIROS

ITINERAÇÕES NA BUSCA DE CUIDADO ENTRE ADOLESCENTES E


JOVENS HSH VIVENDO COM HIV/AIDS: ATUALIDADE DA EPIDEMIA
AIDS

FORTALEZA – CE
2020
2

DIEGO DA SILVA MEDEIROS

ITINERAÇÕES NA BUSCA DE CUIDADO ENTRE ADOLESCENTES E


JOVENS HSH VIVENDO COM HIV/AIDS: ATUALIDADE DA EPIDEMIA
AIDS

Qualificação de tese apresentada ao


Curso de Doutorado em Sociologia do
Programa de Pós-Graduação em
Sociologia do Centro de Estudos Sociais
Aplicados da Universidade Estadual do
Ceará, como requisito parcial à obtenção
do título de doutor em Sociologia. Área
de Concentração: Sociologia da Saúde.

Orientador: Prof. Dr. João Tadeu de


Andrade.

FORTALEZA – CE
2020
3

DIEGO DA SILVA MEDEIROS

ITINERAÇÕES NA BUSCA DE CUIDADO ENTRE ADOLESCENTES E


JOVENS HSH VIVENDO COM HIV/AIDS: ATUALIDADE DA EPIDEMIA
AIDS

Qualificação de tese apresentada ao


Curso de Doutorado em Sociologia do
Programa de Pós-Graduação em
Sociologia do Centro de Estudos Sociais
Aplicados da Universidade Estadual do
Ceará, como requisito parcial à obtenção
do título de doutor em Sociologia. Área
de Concentração: Sociologia da Saúde.

Aprovada em: 29 de abril de 2020.

BANCA EXAMINADORA

Prof. Dr. João Tadeu de Andrade (Orientador)


Universidade Estadual do Ceará – UECE

Prof.ª Dra. Preciliana Barreto de Morais


Universidade Estadual do Ceará – UECE

Prof.ª Dra. Ivia Maksud


Fundação Oswaldo Cruz - Fiocruz
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LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

aids Acquired Immunodeficiency Syndrome


AM Anastácio Magalhães
Anvisa Agência Nacional de Vigilância Sanitária
APS Atenção Primária à Saúde
CAPS Centro de Atenção Psicossocial
Cemja Centro de Especialidades Médicas José de Alencar
Conep Comissão Nacional de Ética em Pesquisa
Covid-19 Corona Virus Disease
CR Carlos Ribeiro
CRAS Centro de Referência da Assistência Social
DCCI Departamento de Doenças de Condições Crônicas e Infecções
Sexualmente Transmissíveis
ESF Estratégia Saúde da Família
FSJ Estratégia Fique Sabendo Jovem
HIV Vírus da Imunodeficiência Humana
HPV Vírus do Papiloma Humano
HSH Homens que fazem sexo com homens
HSJ Hospital São José de Doenças Infecciosas
IST Infecções sexualmente transmissíveis
LGBT Lésbicas, gays, bissexuais, transexuais e transgêneros
MS Ministério da Saúde
Nami Núcleo de Atenção Médica Integrada
OMS Organização Mundial de Saúde
ONG Organizações não Governamentais
ONU Organização das Nações Unidas
OSC Organizações da Sociedade Civil
PEP Profilaxia Pós-Exposição
PrEP Profilaxia Pré-Exposição
PVHA Pessoas que vivem com HIV/aids
RDS Respondent Driven Sampling
RNP+ Rede Nacional de Pessoas Vivendo com HIV/aids
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SAE Serviço Assistencial Especializado


SESA Secretaria da Saúde do Estado do Ceará
SMS Secretaria Municipal de Saúde
SUS Sistema Único de Saúde
TARV Tratamento Antirretroviral
TR Testes rápidos de HIV
UAPS Unidade de Atendimento Primário à Saúde
UECE Universidade Estadual do Ceará
UFC Universidade Federal do Ceará
Unaids Programa Conjunto das Nações Unidas sobre HIV/aids
Unicef Fundo das Nações Unidas para a Infância
Unifor Universidade de Fortaleza
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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO................................................................................................. 08
2 PERCEPÇÕES E SENTIDOS DOS PROFISSONAIS DE SAÚDE NOS
SERVIÇOS ASSISTENCIAIS ESPECIALIZADOS EM HIV/AIDS......... 42

3 CRONOGRAMA.............................................................................................. 80
4 REFERÊNCIAS................................................................................................ 81

PROPOSTA DE SUMÁRIO COMENTADO

INTRODUÇÃO
Construção do pesquisador e do objeto de pesquisa. Apresentação do cenário
contemporâneo do campo da aids. Apresentação da caixa de ferramentas conceitual e
metodologia do estudo.

CAPÍTULO 1
Apresentação dos dois serviços onde a pesquisa se dará com o histórico, percepções e
sentidos dos profissionais de saúde de ensino superior sobre a contemporaneidade da
epidemia de aids e o incremento da epidemia entre adolescentes e jovens.

CAPÍTULO 2.
Apresentação do cenário macropolítico da aids no Brasil, Ceará e principalmente em
Fortaleza. Utilizando o marco teórico e encontros com os gestores municipais e
estaduais.

CAPÍTULO 3.
Construção do cenário micropolítico da aids em Fortaleza a partir do contato com os
atores que atuam no território. Quem são os adolescentes e jovens na faixa etária de 15 a
24 anos que vivem com HIV atendidos nos dois SAE e quais as malhas por eles
construídas.
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CAPÍTULO 4
Construção e apresentação das malhas por meio das itinerações em busca de cuidado
dos adolescentes e jovens vivendo com HIV.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
Avaliação do processo da pesquisa. Alcance dos objetivos propostos e identificação de
lacunas que precisam ser investidas.
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1. INTRODUÇÃO

A epidemia de aids (acquired immunodeficiency syndrome, em português,


síndrome da imunodeficiência adquirida) é conhecida pela sua dinamicidade e
complexidade. Há singularidades observáveis de acordo com o território onde as
infecções por HIV (vírus da imunodeficiência humana) se apresentam. As
características desta epidemia destoam de região para região no globo terrestre.
O encontro mais íntimo com a aids aconteceu no ano de 2009, na ocasião,
compus a Coordenação Municipal de IST, aids e hepatites virais da Secretaria
Municipal de Saúde (SMS) do município de Fortaleza. Até o ano de 2015, quando
iniciei o Mestrado Acadêmico em Saúde Coletiva, eu precisava pensar a política pública
de HIV/aids articulada ao território de uma regional administrativa do município. Esta
vivência foi marcante, pois, foi o momento que pude experienciar o conceito ampliado
de saúde lançando mão da caixa de ferramentas conceitual das ciências sociais e
humanas.
Dentre as várias atividades que desenvolvi na SMS, duas se destacam pela
ligação direta com esta pesquisa de doutoramento: a responsabilidade pelo “Plano de
enfrentamento da epidemia de HIV/aids entre gays, HSH1 e travestis” e a coordenação
do “Projeto Fique Sabendo Jovem”. As duas políticas públicas fomentavam e
gerenciavam ações para prevenção, promoção, diagnóstico oportuno e tratamento para
HIV/aids em populações mais vulneráveis às infecções. A segunda, em específico,
almejava proporcionar acesso ao sistema de saúde para adolescentes e jovens LGBT2
em situação de maior vulnerabilidade. O Projeto Fique Sabendo Jovem será melhor
descrito mais adiante.
A quarta década da epidemia de aids traz alguns desafios para as análises das
ciências sociais e humanas em saúde. Relações de forças do campo econômico, social e
político estão diretamente envolvidas na forma como se lida com a síndrome,
extrapolando os saberes do campo biomédico. O Brasil, recentemente, vivencia uma
guinada na narrativa sobre a aids expressa por uma crise na reconhecida resposta
brasileira à epidemia de aids (AGOSTINI et al, 2019). As atualizações sociais,

1
O termo HSH é oriundo de denominação inglesa men who have sex with men (MSM) para definir
homens gays e bissexuais e aqueles com práticas homoeróticas e identidade heterossexual (BRIGNOL et
al, 2015).
2
A sigla que significa “lésbicas, gays, bissexuais, transexuais e transgêneros” já foi atualizada com a
adição de conceitos representados por outras letras. Opto, no entanto, pela utilização da sigla LGBT
simplificada e submeto à apreciação da banca a necessidade de atualizar a sigla.
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econômicas e políticas do campo da aids, cotidianas, são expressas em acelerada


velocidade e o tempo acadêmico que exige reflexão e experimentação demora a dar
visibilidade. O primeiro semestre do ano 2020, por exemplo, é marcado pelo advento da
pandemia de Covid-19 que altera profundamente as políticas públicas de saúde em
âmbito mundial.
A tecnologia biomédica no campo da aids teve avanços significativos, na
prevenção, diagnóstico oportuno e tratamento medicamentoso fomentando grande
vivacidade à discussão no campo e esperança às pessoas que vivem com HIV/aids
(PVHA). No entanto, organismos como o Programa Conjunto das Nações Unidas sobre
HIV/aids (Unaids) relatam falha nas práticas de prevenção em razão do incremento da
epidemia em diversos países, além da incidência crescente entre jovens como relatou o
médico e antropólogo Cecil Helman (2009) há mais de uma década.
Os elementos sociais da epidemia de aids são evidentes e estimulam a reflexão
em estreita conversação com a biomedicina colapsando a representação de um mero
evento viral. Como exemplo, a aids, ainda hoje, é profundamente marcada pelo estigma,
preconceito e discriminação que tornam o enfrentamento da epidemia mais complexo,
requerendo um olhar ampliado.
Atualmente a epidemia de aids se apresenta distinta da representação montada
no início dos anos oitenta. A produção de saberes no campo da aids deve atentar para os
personagens diretamente envolvidos com os processos de infecção, diagnóstico
oportuno e tratamento. Assim, há uma multiplicidade de personagens que orbitam uma
vida com HIV, tais como familiares, parceiros afetivos e sexuais, membros da
comunidade, profissionais de saúde, pesquisadores, movimento social, lideranças
políticas e econômicas, entre outros. Estes, emaranhados, dão pistas para a compreensão
do cenário contemporâneo da epidemia de aids.
O desafio é olhar a epidemia com as lentes que extrapolem as identidades
consolidadas, tais como, homossexuais, heterossexuais, bissexuais, usuário de droga,
trabalhadores do sexo, para investir na compreensão dos contextos em que as pessoas se
infectam. Apesar da concentração dos casos de HIV em populações mais vulneráveis, o
investimento no conceito de “grupo de risco” não propõe uma resposta efetiva que
possa impactar nas novas infecções, pelo contrário, gera desinformação, estigma,
preconceitos. A saída para o desafio, portanto, passa pelo envolvimento de toda a
sociedade em relação às vulnerabilidades sociais e estruturais (GRANGEIRO, 2018).
10

A política pública, no entanto, deve concentrar ações considerando as


especificidades das populações mais atingidas segundo os dados epidemiológicos. O
avanço da epidemia sobre as pessoas mais pauperizadas, LGBT e negras é um indício
do caminho que a resposta brasileira à epidemia de HIV pode trilhar para impactar nas
novas infecções. A fragilização do Sistema Único de Saúde (SUS) já repercute no
cuidado às PVHA em razão da dificuldade de acesso (GRANGEIRO, 2018).
Segundo Ligia Kerr (2018), um estudo de 2016 aponta o crescimento de 24%
nas relações sexuais sem preservativo entre os jovens, por outro lado, entre os homens
que fazem sexo com outros homens (HSH) cresceu a percepção que eles têm pouca
chance de se infectar com o HIV, no caminho inverso, diminui a quantidade de HSH
que nunca se testaram para o HIV. A pesquisa ainda aponta o aumento expressivo do
número de parceiros sexuais oriundos dos aplicativos de encontro (Grindr, Hornet,
Tinder e WhatsApp) com altas taxas de relações anais desprotegidas.
Diante o cenário acima descrito, Richard Parker (2018) propõe uma “pedagogia
da prevenção” que contemple e legitime as expressões da sexualidade e de gênero,
respeitando a multiplicidade de contextos, democratizando o acesso à informação de
qualidade e aos insumos de prevenção que devem ser manuseados de acordo com o
protagonismo das pessoas. O cenário atual aponta para a falência da prevenção e, para o
autor, a retomada da agenda dos direitos humanos é uma saída para evitar o colapso.
Para o sociólogo Alexandre Grangeiro (2018) a falta de investimento no SUS e a
nova configuração social produz um efeito danoso e de agravamento do quadro
epidemiológico. Por meio do princípio da descentralização do SUS a expectativa que os
serviços públicos se apropriassem das ações desenvolvidas quase exclusivamente pelas
Organizações não Governamentais (ONG) não se observou no cotidiano dos serviços de
saúde. A não observância dos princípios do SUS como universalização,
descentralização e equidade, observada nas ações de gestores e profissionais de saúde,
erige obstáculos às ações que pautem os jovens homossexuais, trabalhadores do sexo,
negros, transexuais, entre outros.
Atualmente há uma menor mobilização social para o enfrentamento do HIV,
setores distintos da saúde, mas parceiros, que se mobilizavam, tais como educação,
assistência social, direitos humanos, desaceleraram as atividades de prevenção e
promoção, em parte pelo entendimento que a aids não é uma doença tão grave como há
30 anos. As escolas, por seu turno, também reduziram ações de promoção e prevenção
implicando em sérios prejuízos às novas gerações que se apresentam incapazes de lidar
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com o HIV. Esta possível incapacidade oferece elementos para a reflexão do aumento
de casos entre adolescentes e jovens (GRANGEIRO, 2018).
O sociólogo busca compreender as linhas que estão atuando no cenário atual da
epidemia de aids. Relata, ainda, o silêncio institucional de grupos conservadores no
trato com as sexualidades, desejos, práticas sexuais, a interdição de políticas públicas e
serviços que acessavam grupos de alta vulnerabilidade minando, assim, os laços de
solidariedade e respeito às diferenças que conferiam dignidade e respeito às pessoas e
grupos sociais mais afetados pela epidemia. Uma vida que se orienta pelo receio do
estigma e a culpabilização por uma orientação diferente da heteronormativa é
constituidora de potencial isolamento afetivo e social, promovendo terreno fértil para o
crescimento da epidemia (GRANGEIRO, 2018).
Movimentos sociais, como os vinculados aos grupos LGBT, que historicamente
tinham como pauta central o enfrentamento do HIV paulatinamente desde os anos 2000
tem feito movimento de afastamento do tema. Parte devido a necessidade de criar um
espaço político próprio das questões dos direitos LGBT, mas parte em razão do desejo
de se afastar do preconceito que a aids traz a tiracolo. Esta medida, segundo Grangeiro
(2018), contribui sub-repticiamente com o advento de uma “aidsfobia” no âmbito das
ações do movimento social.
A “aidsfobia” reproduz certo silêncio em relação à aids na comunidade LGBT,
talvez como reflexo do esgotamento diante do HIV. A questão é que este grupo não
deixou de ser afetado pela epidemia, ao contrário, os dados epidemiológicos apontam
que os homossexuais, por exemplo, estão sendo mais afetados do que em qualquer outro
momento da epidemia. Assim, a “aidsfobia” silencia as vozes dos grupos mais afetados
pela epidemia rompendo com um dos sustentáculos da resposta brasileira ao HIV.
Oliveira Neto e Camargo Junior (2019) compreendem que está havendo uma
banalização da aids em razão desta nova geração não ter vivido o drama dos primeiros
anos da epidemia e que setores mais pauperizados estão sendo infectados pelo HIV. Tal
reflexão foi oriunda de uma etnografia digital de um grupo secreto de pessoas vivendo
com HIV/aids (PVHA) no Facebook®. As PVHA recorrem aos grupos digitais para
preencher uma lacuna dos serviços formais de atendimento especializado de aids, nestes
espaços virtuais sentem-se mais à vontade para expor suas questões em relação ao HIV.
A tendência epidemiológica da pauperização da epidemia de aids já era
observada na virada do século, o avanço das novas infecções sobre uma camada da
população economicamente mais frágil ainda é um fator evidente da contemporaneidade
12

da epidemia. O encolhimento do mercado formal de trabalho, intensificado na economia


brasileira (reforma trabalhista e o incremento da economia informal) e a desintegração
social causada pela violência, característica presente nos grandes centros urbanos e
crescente no interior do Brasil, atuam diretamente no cenário da epidemia de aids na
contemporaneidade (PARKER, CAMARGO JUNIOR, 2000).
A pobreza é um marcador importante de vulnerabilidades para a infecção pelo
HIV, mas sempre associada a um leque de outros fatores sociais e culturais na
articulação de formas variadas de vulnerabilidade. Não é a pobreza em si, utilizada de
forma simplista e apressada que é a causa de vulnerabilidade para as novas infecções,
mas em articulação com outros fatores como machismo, homofobia, transfobia,
racismo, entre outros fatores (PARKER, CAMARGO JR, 2000).
Pesquisa realizada no Ceará sobre análise espacial da aids e os determinantes
sociais de saúde apontam que a maior incidência dos casos de HIV se concentram em
regiões urbanas em que a renda familiar é mais alta e sugere que a dinâmica da vida
urbana e moderna estão mais relacionadas às infecções pelo HIV que a pobreza de
forma isolada, já que regiões mais pobres e com pouca densidade demográfica não
apresentam o mesmo cenário (PAIVA, PEDROSA, GALVÃO, 2019).
O conceito de prevenção combinada, articulada à multiplicidade de elementos
que marcam o cenário da aids, é o orientador da política pública de HIV/aids no Brasil e
revela pistas sobre a contemporaneidade da epidemia. Este conceito, todavia, é uma
produção em colaboração de organismos internacionais orientados em grande parte por
pesquisas de orientação biomédica somando-se ao debate acumulado em mais de três
décadas de epidemia. A prevenção combinada consiste em associar uma gama de
possibilidades de prevenção, tais como: usar preservativos masculinos, femininos, gel
lubrificante; tratar todas as pessoas vivendo com HIV/aids; testagem regular para o HIV
e outras IST3; profilaxia pós-exposição (PEP); profilaxia pré-exposição (PrEP);
prevenção da transmissão vertical4; imunização para hepatites B e C; redução de danos;
diagnosticar e tratar as pessoas com IST e hepatites virais (BRASIL, 2017b).
A miscelânea de técnicas e estratégias que dão corpo à prevenção combinada
está nos marcos de uma ofensiva para o enfrentamento da epidemia de aids no Brasil e
no mundo. Um dos argumentos é que a prevenção clássica da dispensação e utilização

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A sigla IST se refere às infecções sexualmente transmissíveis e foi adotada recentemente substituindo
a sigla DST que correspondia às doenças sexualmente transmissíveis.
4
A transmissão vertical consiste na infecção que se dá da mulher para o bebê na gestação ou no parto.
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dos preservativos não foram suficientes para deter o avanço da epidemia. Assim,
convém diversificar a oferta de recursos para uma renovada forma de prevenção que
atente para as singularidades dos contextos e dos sujeitos.
O avanço nas pesquisas identificou que uma pessoa que vive com HIV e possui
o marcador indeterminado para a contagem do vírus no sangue tem quase 100% de
chance de não transmitir o vírus. A carga viral, como é popularmente chamada, alcança
o patamar indetectável quando da adesão ao Tratamento Antirretroviral (TARV).
Assim, uma pessoa que vive com HIV/aids e adere aos medicamentos de forma
sistemática, alcança a carga viral indetectável e quebra a cadeia de transmissão do vírus.
O Departamento de Doenças de Condições Crônicas e Infecções Sexualmente
Transmissíveis (DCCI) do Ministério da Saúde (MS), então, buscou disseminar o
diagnóstico por meio dos Testes Rápidos (TR) para HIV com punção digital (furo no
dedo, semelhante ao exame de glicemia) e testes de fluido oral nos Serviços
Assistenciais Especializado (SAE), em outras unidades de saúde e em parcerias com as
Organizações da Sociedade Civil (OSC) que atuam com populações chaves para a
epidemia de aids. Estes exames possuem diagnóstico seguro em menos de vinte
minutos. Almejava-se o diagnóstico oportuno, ou seja, uma infecção pelo HIV que não
agrediu o sistema imunológico a ponto de desenvolver uma doença oportunista,
consequentemente, a aids. A proposta da política pública é “testar e tratar” (termo que
se tornou palavra de ordem pela gestão pública e por alguns movimentos sociais), em
outas palavras, ampliar o diagnóstico oportuno e disponibilizar prontamente os
medicamentos para barrar a cadeia de transmissão.
Em paralelo, também se disseminava as testagens convencionais em laboratório,
o tratamento para outras IST e as hepatites virais, pois estes agravos podem
potencializar a possibilidade de infecção pelo HIV, produzindo portas de entrada para o
vírus. O herpes simples, por exemplo, pode aumentar em 18 vezes a possibilidade de
infecção pelo HIV. O vírus do papiloma humano (HPV), clamídia, gonorreia, sífilis
entre outros também facilitam a infecção quando estão em suas fases mais agudas.
A utilização da TARV e a variedade de fármacos que estão disponíveis para as
pessoas que vivem com HIV são utilizados como medicamentos para a prevenção.
Observou-se que diante da situação de iminência de infecção pelo HIV em relação ao
comportamento de risco, a administração de um combinado destes fármacos pode evitar
a infecção. A profilaxia pós-exposição (PEP) já é utilizada há algum tempo e iniciou
com os profissionais de saúde que se acidentavam com materiais perfurocortantes e
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fluidos corporais possivelmente contaminados. Esta profilaxia foi estendida para as


pessoas que vivenciaram uma situação de risco como o rompimento do preservativo, o
contato com esperma e sangue em regiões corporais de mucosas, situações de violência
sexual entre outras. A PEP consiste em tomar um combinado de antirretrovirais por 28
dias iniciando até 72 horas após o acidente e é ofertada em alguns serviços de saúde.
No município de Fortaleza, a PEP é realizada pelo Hospital São José de Doenças
Infecciosas (HSJ).
A Profilaxia Pré-Exposição (PrEP) está na ordem do dia no campo do HIV/aids
no mundo e no Brasil, iniciando a administração piloto do medicamento pelo SUS em
dezembro de 2017. A PrEP consiste em administrar um combinado de antirretrovirais
em pessoas que não vivem com HIV mas que estão em situação de vulnerabilidade.
Uma multiplicidade de estudos apontou a eficácia da prevenção à infecção pelo HIV na
utilização deste combinado de antirretrovirais, ultrapassando 90% de proteção
(FONNER, 2016) Assim, HSH, trabalhadores do sexo, pessoas trans e casais que são
sorodiferentes (quando apenas um deles vive com HIV/aids), estão aptos a iniciar a
PrEP no Brasil (BRASIL, 2017c).
A disseminação dos resultados destas pesquisas pela rede mundial de
computadores rapidamente alcançou os grupos de HSH. A pressão para a implantação
desta tecnologia de prevenção orientou as demandas dos movimentos sociais do campo
LGBT e da aids. Os fármacos da PrEP são comercializados nos Estados Unidos com o
nome comercial de Truvada®, logo um comércio ilegal deste medicamento se
desenvolveu com a compra sem o controle da Agência Nacional de Vigilância Sanitária
(Anvisa) no Brasil e sem a orientação médica adequada pelas pessoas que desejavam se
prevenir (QUEIROZ; SOUZA, 2017).
A implantação da PrEP causa certa desconfiança em relação ao abandono
sistemático da utilização do preservativo que segundo o protocolo deve ser usado de
forma concomitante, no entanto, pesquisas apontam que não houve a diminuição na
utilização do preservativo na administração da profilaxia (BRASIL, 2017c). A revista
Época publicou na edição de 26 de março de 2018 a matéria de capa intitulada “O novo
azulzinho” em referência ao comprimido da PrEP. A matéria causou polêmica no
campo da aids em virtude da descrição de práticas sexuais entre HSH, a afirmação que a
PrEP estava diminuindo a utilização de preservativos e aumentando a incidência de IST,
principalmente sífilis. O texto ainda se referia a um selo intitulado “PrEP” em
15

aplicativos de relacionamentos gays que indicavam as pessoas que se diziam fazer uso
dos medicamentos (THOMAZ, 2018).
Segundo Grangeiro (2018) nunca foi tão grande a possibilidade de métodos
preventivos para o HIV, permitindo adequar as diferentes situações e perfis de pessoas,
desde a utilização do preservativo até a administração de medicamentos. Em
contrapartida, alguns setores da academia denunciam o interesse da indústria
farmacêutica nessa estratégia, outros alimentam o estigma em relação aos usuários da
PrEP tratando o método como estimulador de pessoas promíscuas, descuidadas com a
saúde e incentivadas a se relacionar sexualmente sem proteção.
A PrEP está longe do acesso universal, pesquisas demonstrativas revelam a
utilização do método preventivo por pessoas com maior nível de escolaridade e
melhores condições socioeconômicas. A consequência disso é o conhecimento restrito
sobre o uso da PrEP em homossexuais negros, jovens, pessoas com baixa escolaridade,
trabalhadores do sexo e transexuais. As ações afirmativas demandam tempo, mas o
despreparo dos serviços de saúde no alcance das populações mais vulneráveis é
obstáculo para o alcance do método (GRANGEIRO, 2018; ABIA, 2018).
Um elemento presente na estratégia da prevenção combinada é a redução de
danos. A redução de danos é um paradigma, uma abordagem ou uma perspectiva que
não dispõe de consenso no campo da saúde pública, pois não trata da “abstinência” das
práticas que produzem danos, mas lida com eles com o objetivo de minorá-los. A
redução de danos está no escopo da estratégia da prevenção combinada e a visibilidade
é restrita, afinal diz respeito diretamente ao comportamento, desafio premente no trato
com os profissionais de saúde.
A “agenda de valores” que pauta as narrativas e disputas eleitorais no Brasil
questiona a utilização da abordagem dos direitos humanos, “diversidade sexual” e
“gênero”, conceitos centrais historicamente presentes na prevenção ao HIV no Brasil
(AGOSTINI at al, 2019). As ofertas de prevenção biomédica disponíveis na estratégia
da prevenção combinada sofrem menos resistência apesar da manifestação pública do
atual Presidente da República sobre o fardo que a sociedade carrega ao garantir amplo
acesso aos medicamentos antirretrovirais para as pessoas que vivem com HIV/aids
(COLETTA, 2020). Compreender e lidar com os personagens do sistema de saúde,
considerando a diferença e a singularidade, não é uma tarefa fácil para gestores,
profissionais de saúde e usuários.
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O Brasil vive momentos de mudança no trato político e econômico que ressoa na


política de IST, aids e hepatites virais do MS. Há, todavia, associada à crise, debilidade
da agenda dos direitos humanos sob a influência de um conservadorismo moral que já
se anunciava anos atrás na formação de políticas públicas. Houve censuras, por
exemplo, capitaneadas pelo parlamento brasileiro do “kit contra a homofobia” nas
escolas, campanha de prevenção das prostitutas e campanha para jovens gays no
carnaval (CORRÊA, 2016; SEFFNER; PARKER, 2016; AGOSTINI et al, 2019).
A resposta brasileira à epidemia de aids é reconhecida internacionalmente pelo
envolvimento das populações mais diretamente afetadas pela epidemia na condução das
políticas públicas sob os auspícios do debate dos direitos humanos. Atualmente, o
investimento do DCCI é concentrado na ordem biomédica difundida internacionalmente
pela palavra de ordem “testar e tratar”, ou seja, disseminar o diagnóstico e oferecer o
tratamento com os medicamentos antirretrovirais, desvitalizando as investidas de
prevenção horizontais junto às populações chave (CORRÊA, 2016; SEFFNER;
PARKER, 2016; GRANGEIRO; CASTANHEIRA ; NEMES, 2015) .
Esta pesquisa, então, identifica o cenário atual macropolítico da epidemia de aids
no Brasil para que possamos sondar a concentração da epidemia em determinados
públicos específicos. Os elementos acima expostos são como linhas emaranhadas
constituindo uma malha5 onde os sujeitos produzem suas vidas (INGOLD, 2015).
Interessa-nos compreender, mais especificamente, o porquê do aumento das infecções
pelo HIV entre adolescentes e jovens HSH na faixa etária de 15 a 24 anos observado
nos últimos anos. O fenômeno, certamente, é multicausal, dessa forma, o intento é dar
visibilidade às linhas e trilhas desta malha.
Segundo dados mundiais do Unaids (2019), atualmente, estima-se que 37,9
milhões de pessoas vivam com HIV/aids no mundo, destes, a América Latina possui
aproximadamente 02 milhões de casos. O Brasil apresenta o maior número de casos na
América Latina com aproximadamente 966 mil notificações entre os anos de 1980 a
junho de 2019 segundo Boletim Epidemiológico publicado anualmente pelo
Departamento de Doenças de Condições Crônicas e Infecções Sexualmente
Transmissíveis (DCCI) do Ministério da Saúde (MS) (BRASIL, 2019).

5
O conceito de “malha” (em oposição ao de “rede”) é composto por uma multiplicidade de linhas em
movimento (trilhas), estas emaranhadas formam uma textura que, por sua vez, emaranhados, compõem a
malha. O conceito cunhado por Tim Ingold (2015) será melhor discutido mais adiante.
17

No estado do Ceará, de 1983 a novembro de 2019 foram notificados 21.239


casos de aids. Os homens concentram o maior número de casos. Dentre os homens,
observa-se aumento de casos de aids entre os homossexuais, passando de 24,8%
(128/515) em 2007 para 30,4% (206/677) em 2015 (CEARÁ, 2016, 2017). O município
de Fortaleza não dispõe de publicação anual de Boletim Epidemiológico de HIV/aids,
os dados podem ser observados no banco de dados ofertado pelo DCCI em endereço
eletrônico (http://indicadores.aids.gov.br/). Entre os anos de 1980 a 2019, o município
de Fortaleza notificou 13.922 indivíduos com aids, são 10.202 homens e 3.720
mulheres. Segundo categoria de exposição, em Fortaleza, entre os anos de 1980 a 2019,
somados os homossexuais e os bissexuais perfazem 43,3%, enquanto os heterossexuais
22,3% dos infectados com o HIV, há uma grande quantidade de ignorados, 31,5%
(BRASIL, 2020).
A mortalidade por aids no Brasil possui características distintas quando
consideradas as regiões. Apesar do Brasil manter taxa de mortalidade estável, as regiões
Norte e Nordeste se destacam por possuir aumentos sistemáticos nesta taxa em
específico. No município de Fortaleza, por exemplo, o coeficiente de mortalidade saltou
de 4,9 (/100 mil habitantes) em 2005 para 8,4 em 2015. O coeficiente de mortalidade no
Brasil entre os homens na faixa etária de 15 a 19 anos apresentava 0,3 (/100 mil
habitantes) no ano de 2005 e 0,5 em 2018. Na faixa etária de 20 a 24 anos, em 2015 o
coeficiente de mortalidade era de 2,6 e em 2015 e saltou para 3,2 em 2018. A
mortalidade, então, entre os jovens de 15 a 24 tem aumentado no Brasil (BRASIL,
2019).
A epidemia apresenta sinais de concentração em grupos populacionais
específicos. O DCCI alinhado à Organização Mundial de Saúde (OMS) nomeia
populações chaves (key populations) aqueles que apresentam maior risco de infecção
pelo HIV, tais como homens que fazem sexo com homens (HSH), usuários de álcool e
outras drogas, pessoas privadas de liberdade, trabalhadores do sexo e transgêneros
(WHO, 2014; BRASIL, 2017b).
O DCCI ainda definiu o conceito de populações prioritárias em virtude dos
dados epidemiológicos, são elas: população jovem, população negra, população
indígena e população em situação de rua. A política pública de resposta à epidemia de
HIV/aids no Brasil deve concentrar esforços nestes segmentos populacionais (BRASIL,
2017b).
18

No Brasil (2017), segundo o Boletim Epidemiológico e dados preliminares, os


HSH com mais de 25 anos possuem uma taxa de prevalência para HIV de 19,8% e os
jovens HSH de 18 a 24 anos de 9,4%, em contrapartida, a população geral possui 0,4%.
Observa-se concentração significativa de infecções entre os HSH, considerando que a
taxa de prevalência entre mulheres trabalhadoras do sexo é de 4,9%, pessoas usuárias de
droga em geral de 5,9% (exceto álcool e maconha) (BRASIL, 2017c). Estes dados
ilustram a vulnerabilidade à infecção pelo HIV de setores historicamente
marginalizados socialmente, submetidos cotidianamente ao estigma social, preconceito
e discriminação.
Estudo publicado por Kerr et al (2018) confirma a prevalência de aids entre HSH
de 18,4%. Em estudo semelhante, realizado pela mesma autora com o mesmo grupo
populacional no ano de 2009, indicava a prevalência de 12,1%. A pesquisa foi realizada
em 12 cidades brasileiras, entre elas o município de Fortaleza, que apresentou uma taxa
de prevalência de 10%. Assim, em Fortaleza, de cada dez homens que fazem sexo com
homens um está infectado com o HIV. A cidade de Recife apresentou prevalência de
21% e a cidade de São Paulo 23% (KERR et al, 2018).
O avanço da epidemia de aids entre HSH extrapola as fronteiras brasileiras, tal
fenômeno nomeado de “segunda onda da aids” é observado em vários países que a aids
se apresenta como epidemia. Entre os homens jovens da faixa etária de 15 a 24 anos, a
taxas de detecção apresentam aumento significativo.

Entre os homens, nos últimos dez anos, observou-se um incremento na taxa


de detecção entre aqueles de 15 a 19 anos, 20 a 24 anos, 25 e 29 anos e 60
anos e mais. Destaca-se o aumento da taxa entre jovens de 15 a 19 anos e de
20 a 24 anos, que foram, respectivamente de 62,2% e 94,6% entre 2008 e
2018 (BRASIL, 2019, p.22).

Os dados oficiais apontam para o incremento da infecção pelo HIV entre os


jovens de 15 a 24 anos, superior, inclusive, as outras faixas etárias. Este recorte etário se
enquadra no segmento de adolescentes e jovens (adolescents and youth) da Organização
das Nações Unidas (ONU) para fins estatísticos e políticos (EISENSTEIN, 2005).
Por sua vez o Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef), seguindo esta
orientação epidemiológica, lançou no ano de 2013, em parceria com a Secretaria
Municipal de Saúde de Fortaleza (SMS) e outras entidades, a Estratégia Fique Sabendo
Jovem (FSJ) que objetiva possibilitar o acesso dos jovens de 15 a 24 anos,
prioritariamente lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transgêneros (LGBT) e
19

populações chaves e prioritárias, na realização de testes rápidos para HIV e outras IST,
além de trabalhos de prevenção e retenção nos serviços especializados (UNICEF, 2013).
A iniciativa do Unicef em parceria com a SMS contribuirá para a articulação
desta pesquisa com as entidades que atuam diretamente na FSJ, entre elas se destaca a
Rede Nacional de Adolescentes e Jovens vivendo com HIV/aids. Os dados produzidos
ao longo desses seis anos pelo FSJ serão analisados no âmbito desta pesquisa de
doutorado.
De outra parte há características comportamentais que expõem os adolescentes e
jovens às vulnerabilidades em relação à infecção pelo HIV e outras IST: início da vida
sexual antes dos 15 anos, relações sexuais com indivíduos do mesmo sexo
proporcionalmente maior entre adolescentes e jovens, maior frequência de múltiplos
parceiros no último ano, uso irregular do preservativo (mesmo este público utilizando
mais preservativos em relação aos adultos), utilização de drogas ilícitas, baixo acesso à
testagem anti-HIV entre os homens (BRASIL, 2011b, 2013).
Um estudo transversal de RDS (Respondent Driven Sampling) com 3.738 HSH
com 18 anos ou mais em dez cidades brasileiras identificou que ter a idade menor que
25 anos, a identidade homossexual ou bissexual, ter iniciado a vida sexual antes dos 15
anos, ter realizado sexo apenas com homens nos últimos 12 meses, uso frequente de
álcool e drogas ilícitas e o uso de páginas eletrônicas locais para encontros sexuais no
último mês foram associados de forma independente a escores mais altos de
comportamento de risco. Os autores propõem estratégias específicas de prevenção para
a população HSH (ROCHA et al, 2018).
Adotar o discurso que justifica o avanço da epidemia de aids entre os
adolescentes e jovens somente com o argumento que os mesmos não dispõem de
informações sobre prevenção ou uso correto do preservativo não atende à complexidade
do fenômeno. A persistência de preconceitos e discriminações associada ao discurso
hegemônico da heteronormatividade pode contribuir para a ausência de cuidado
adequado aos jovens homossexuais nos serviços de saúde (CUNHA; GOMES, 2016;
GOMES et al., 2017).
Os adolescentes e jovens HSH associam alguns sentidos quando se reportam às
IST e aids: a sensação que o uso do preservativo pode diminuir a sensibilidade e
consequentemente o prazer; a parada para colocar o preservativo dificulta a ereção e é
preciso dar mostras de potência sexual; os homens seriam mais descontrolados
sexualmente, são caçadores e precisam ser viris; as primeiras relações sexuais são mais
20

propícias a não utilização pela postura submissa, o medo de perder o parceiro e o


momento de prazer; os conhecidos e parceiros fixos são mais confiáveis, a confiança
dispensa o uso do preservativo e pode ser uma prova de amor; as redes sociais virtuais e
sites de relacionamentos proporcionam facilidades de encontros sexuais sem
compromisso e geralmente sem preservativo (CUNHA; GOMES, 2016).
Pesquisa realizada no município de São Paulo, entre 821 jovens sexualmente
ativos no último ano, apontou que o uso do preservativo na última relação foi
positivamente associado a: 1) não ter sido casado; 2) uso de preservativo na primeira
relação sexual; e 3) receber preservativos gratuitos; adicionalmente, em homens: 4)
parceiro casual no último ano; e 5) parceiro do mesmo sexo; e em mulheres:
6) iniciação sexual após os 15 anos. O preservativo é amplamente reconhecido; há um
padrão de uso na primeira e na última relação sexual; o acesso ao preservativo gratuito é
um importante fator para o seu uso pelos jovens; e as pessoas usam preservativo de
acordo com padrões que configuram gestão de risco (GUTIERREZ et al, 2019).
O acesso aos serviços de saúde destes adolescentes e jovens HSH é atravessado
por uma série de elementos que facilitam ou obstruem o cuidado formal nos serviços de
saúde, tais como, o medo de contrair aids conduz os adolescentes e jovens HSH para
realizar os testes diagnósticos geralmente após as relações sexuais sem preservativo; a
questão do sigilo sobre a sexualidade, medo de sofrer discriminação por ser
homossexual; preconceito por parte dos profissionais de saúde quanto a prática do sexo
anal; alguns profissionais de saúde atendem os homossexuais reproduzindo a lógica
heteronormativa; adolescentes e jovens declaram que para ser bem atendidos precisam
esconder a homossexualidade; para o padrão hegemônico heterossexual a revelação de
uma identidade gay pode causar constrangimento, receio de serem tratados fora da
norma vigente, expostos e incompreendidos (CUNHA; GOMES, 2016).
Há um esforço de análise que almeja explicar a tendência do recrudescimento da
epidemia de aids na população de adolescentes e jovens HSH que vivem com HIV na
faixa estaria de 15 a 24 anos. Esta pesquisa fomentará o debate buscando compreender
este fenômeno a partir das itinerações em busca do cuidado destes atores (BONET,
2014). A sociologia e a antropologia, podemos citar também a filosofia e o campo das
ciências humanas contribuem com as reflexões sobre a contemporaneidade da epidemia
de aids.
A sociedade é um acontecer, diria Georg Simmel (2006) para ilustrar a fluidez, o
movimento das interações entre os indivíduos. A vida, portanto, se realiza num fluxo
21

incessante, marcada pela ligação entre indivíduos que se influenciam mutuamente e pela
determinação recíproca que exercem um sobre os outros. Os indivíduos fazem e sofrem,
as ações, ao mesmo tempo, por isso Simmel propõe o termo sociação. Os indivíduos
são determinados por viver com outros seres humanos. A ideia de movimento e de laços
de associação entre os homens são incessantemente feitos e refeitos e requer do
pesquisador uma forma específica de observar esse fenômeno.
Norbert Elias (2008) reconhece

[...]que a visão de um muro intransponível entre um ser humano e todos os demais,


entre os mundos internos e externos, evapora-se e é substituída pela visão de um
entrelaçamento incessante e irredutível [...] que assume a forma que lhe é específica
dentro e através de relações com os outros (p.35).

A análise dos indivíduos rompe com a representação estática e os colocam em


movimento incessante de entrelaçamento com os outros na sua constituição, advindo a
ideia de uma rede. Aqui Elias está articulado com Simmel pensando a constituição do
indivíduo no âmbito das relações e da sua fluidez incessante.
Elias (2008), no entanto, aponta a limitação dos nossos instrumentos de
pensamento em relação à mobilidade para apreender os fenômenos reticulares. A rede
de tecido seria o objeto para visualizar o conceito de rede. Nessa rede, os fios isolados
ligam-se uns aos outros e, nem a totalidade da rede nem a forma assumida por cada um
dos seus fios podem ser compreendidas em termos de um único fio, ou mesmo de todos
eles isoladamente considerados.
A rede humana só é compreensível na maneira em que os fios se ligam e na
relação recíproca, em constante movimento como um tecer e destecer ininterrupto das
ligações. Estas redes já estão se constituindo antes da chegada do indivíduo e permanece
sendo construída com a presença dele. “A pessoa individual não é um começo e suas
relações com as outras não têm origens primevas” (ELIAS, 2008, p.35). As redes,
portanto, não são fundadas, mas estão acontecendo, em fluxo que não finda como diria
Simmel.
Por sua vez. Bruno Latour (2012) entende que as redes estão relacionadas à ideia
de que existem vários fios que nos conectam, sem formar uma unidade, somente
processos contínuos de associações. A rede para Latour é instável e considera também
os não-humanos como constituintes. Homens e objetos são igualmente capazes de gerar
significados. A análise, pois, deve considerar as amarrações existentes entre humanos e
não humanos. Há alguma dúvida que os insumos de prevenção como o preservativo
22

masculino e os medicamentos antirretrovirais são objetos que atuam na constituição de


rede dos adolescentes e jovens vivendo com HIV? Ou, ainda, que os exames de
laboratório e os instrumentos para o teste diagnóstico anti-HIV sejam elementos
importantes de uma rede em que os profissionais de saúde estão emaranhados?
Quando Latour (2012) trata de grupos (e nesse momento compreendo os
adolescentes e jovens vivendo com HIV, os profissionais de saúde que atuam nos
serviços especializados e a comunidade ou amigos que compõem a rede desses sujeitos)
interessa-nos conhecer suas formações, considerando, todavia, a instabilidade e as
associações inapreensíveis por formas limitadas.
O sociólogo rastreia as pistas deixadas pelos atores em suas associações, estas
não fomentam estabilidade ao social como a ideia de grupo fixo e bem delimitado em
fronteiras. Busca perceber as conexões existentes, as associações feitas. O ator se
constitui apenas na ação, não é uma peça que já compõe o tabuleiro e que age somente
depois. O ator não existe como repertório pré-organizado. Latour sugere que se fuja da
ideia em que os atores estejam prontos e definidos aguardando em algum lugar a hora
de entrar em cena. Dessa forma a ação é pensada como um evento e não como um ato,
em que estariam bem posicionados os sujeitos e os objetos. A rede é pensada numa série
de ações (eventos) distribuídas e não se refere à razão de causa e efeito.
Os sujeitos desta pesquisa, adolescentes e jovens HSH vivendo com HIV/aids,
profissionais de saúde, familiares e membros da comunidade não estão enredados em
identidades fixas de fácil observação e reprodução. Cada pessoa está inserida em uma
rede complexa de materialidade e socialidades.
No caso da médica, se fazem presentes as vozes de outros profissionais da equipe,
de gestores, de antigos professores, de livros, de sites da internet onde buscamos
novos conteúdos sobre doenças e tratamentos, de laboratórios que farão e/ou
analisarão material biológico, de máquinas e mais máquinas. A capacidade de
resposta dessa profissional depende de suas experiências passadas, de sua formação,
de regulações e protocolos, de incentivos ou da falta deles, de apoio profissional e
pessoal e das materialidades que embasam sua prática (SPINK, 2015, p..118).

Também a paciente não está só: amigos, familiares que acompanham seu estado de
saúde ou sua doença, as vicissitudes do transporte que a levará para casa, a
possibilidade de acesso a exames e tantas outras “vozes” humanas e não humanas
(sim, as máquinas “falam”, mesmo que por meio de seus porta-vozes!). Porém essa
“relação” depende ainda de como são posicionados os pacientes (SPINK, 2015,
P.118).

Na pesquisa da Spink, a médica e a paciente não são constituídas de uma identidade


estática, ela expõe uma multiplicidade de linhas que montam uma malha bastante
diversa e singular. O sociólogo Gabriel Tarde (2007) orienta que partamos da diferença,
23

pois, a identidade é apenas um mínimo, apenas uma espécie infinitamente rara da


diferença que não se observa nos outros seres múltiplos que são ao mesmo tempo
distintos e semelhantes.
O discurso biomédico, hegemônico na saúde ocidental, sempre lidou com essas
redes que os indivíduos constituem ao caminhar, mesmo que sobre um aparato
epistemológico que associava o corpo a uma máquina. “A única unidade que podemos
ter, que não é puramente objetiva, é a de um ser vivo, que é um corpo vivo em
permanente relação com o meio – relação variável, com um meio variável”
(PORTOCARRERO, 2012, p.131). A biomedicina, no entanto, estabiliza o corpo
retirando-o da mobilidade que lhe é peculiar, situa-o em limites bem definidos que
possa exercer algum controle.
Há diferentes conceitos de medicalização nem sempre compatíveis entre si, pois
partem de diferentes formas de compreensão do processo saúde e sociedade
(CAMARGO JÚNIOR, 2013). A medicalização por si não carrega a análise moral de
classificação em boa ou má, positiva ou negativa, é preciso posicioná-la no âmbito das
relações de força.
Há pelo menos quatro autores que tratam do termo medicalização: Irving
Kenneth Zola (como uma forma de controlar a sociedade); Ivan Illich (não há lugar
legítimo que a medicina possa ocupar no cuidado com as pessoas, imperialismo médico,
iatrogenia); Peter Conrad (processo de transformação de problemas antes não
considerados médicos em problemas médicos); e Michel Foucault (transformação social
que cria a medicina moderna e fica submetida a ela) (CAMARGO JÚNIOR, 2013;
MINAKAWA; FRAZÃO, 2019).
Para citar dois exemplos de medicalização, no período anterior a 1981 a aids não
existia no horizonte médico. Desde então, em pouco tempo, forjou-se uma nova
categoria diagnóstica, produziu-se um mecanismo explicativo, identificou-se o agente
infeccioso a cuja ação foi atribuída a origem da doença, desenvolveram-se testes e
finalmente medicação capaz de prolongar a vida dos acometidos. Trata-se de um
processo de medicalização com conotação ética positiva na esteira da reflexão do
sociólogo e médico Peter Conrad (CAMARGO JÚNIOR, 2013).
Na outra ponta, porém, o interesse da indústria farmacêutica que estimula a
manipulação de medicamentos em pessoas saudáveis criando uma espécie de
colonização da vida humana pelos produtos farmacêuticos, a associando, portanto, à
medicalização e à farmacologização (“pharmaceuticalization”). A vida passa a ser
24

vivida sob as orientações de um modelo de vida aparentemente saudável marcada pela


necessidade de se consumir medicamentos, alimentos e produtos de uma maneira geral
para ter saúde (CAMARGO JÚNIOR, 2013).
Neste contexto, o advento dos medicamentos antirretrovirais na segunda metade
dos anos 90 do século passado marcou um momento importante na história da epidemia
de aids. A sensação de morte que rondava as pessoas que viviam com HIV foi atenuada
pelo controle medicamentoso do vírus. Hoje, a utilização dos antirretrovirais extrapolou
o tratamento e alcançou a prevenção, ou seja, pessoas que não vivem com HIV tomam
os mesmos medicamentos para se prevenir da infecção.
A medida, mais uma vez, fomentou a esperança nas pessoas mais vulneráveis à
infecção como um elemento da estratégia da “prevenção combinada”, mesmo que esta
informação ainda fique restrita a segmentos da população mais abastados social e
economicamente (GRANGEIRO, 2018; ABIA, 2018). No entanto, a administração
deste medicamento não é uma experiência tranquila, haja vista as reações
desconfortáveis que proporciona e o controle rotineiro das doses (MEDEIROS; JORGE,
2018). O sentimento, portanto, é dúbio, a sensação de segurança na existência de um
medicamento que controle o vírus no corpo e do desconforto da administração deste
medicamento no cotidiano.
Segundo Butturi Júnior (2019) a vida do homem como temática dos estudos em
Foucault tem relação com duas ordens: a do corpo disciplinado e a das regulações do
governo. Os fármacos são instrumentos, no dispositivo da aids, de controle,
assujeitamento e esquadrinho das pessoas que vivem com HIV/aids. O desejo de não se
submeter aos medicamentos antirretrovirais e a não utilização do preservativo nas
relações sexuais desencadeia uma série de reações negativas. A negação da norma torna
o indivíduo perigoso para si e para a saúde pública, segundo a referência biomédica.
A adesão ao tratamento antirretroviral é uma preocupação da política pública de
aids, haja vista a possibilidade de impedir novas infecções. A não adesão ao tratamento
produz culpa na pessoa que vive com HIV por não cuidar de si e do coletivo.

O controle da sociedade sobre os indivíduos não se opera simplesmente pela


consciência ou pela ideologia, mas começa no corpo, com o corpo. Foi no biológico,
no somático, no corporal que, antes de tudo, investiu a sociedade capitalista. O
corpo é uma realidade biopolítica. A medicina é uma estratégia biopolítica
(FOUCAULT, 2004, p.80).
25

Este poder que se exerce sobre a vida é positivo (no sentido da produção, não de
julgamento de valor), empreende a gestão da vida, sua majoração, sua multiplicação,
medidas de controles precisos e regulações do conjunto. O poder de fazer viver, com o
máximo de otimização, fomentando corpos dóceis e produtivos, vivos, mesmo que para
isso os corpos precisem seguir uma disciplina e uma regulação do conjunto
(FOUCAULT, 2003).
Por seu turno, Marcel Mauss (2017) identifica o corpo como o primeiro e o mais
natural instrumento do homem. O autor observou os movimentos dos corpos no
exército, no esporte, no cotidiano e percebeu que há técnicas que estes corpos utilizam
para serem mais produtivos otimizando movimentos. “As técnicas do corpo são atos
montados, montados no indivíduo não simplesmente por ele, mas estimulados pela
educação, por toda a sociedade da qual faz parte, conforme o lugar que nela ocupa”
(p.428). Os atos, essas montagens do corpo são fisiopsicossociológicas, mais ou menos
habituais e mais ou menos antigas na vida do indivíduo e na história da sociedade.
O corpo está condicionado por uma série de medidas que o perscrutam e o
objetivo, por vezes, é aumentar o rendimento, a eficácia dos atos. Mauss (2017) ainda se
refere de forma muito breve às técnicas corporais das práticas sexuais, elemento
importante para pensar as infecções pelo HIV, haja vista a principal forma de infecção
ser por relações sexuais. O conhecimento das práticas sexuais, como elas se dão no
cotidiano das populações chaves e prioritárias para a epidemia de aids, contribuiria para
a compreensão da proliferação de infecções em grupos específicos e em determinados
contextos sociais.
Foucault (2005) cita a disciplina dos corpos na escola, colégios, fábricas,
casernas, ateliês, mas também das práticas políticas e observações econômicas por meio
da natalidade, longevidade, saúde pública, habitação, uma explosão de técnicas diversas
e numerosas para se obter a sujeição dos corpos e controle das populações. Estas
características são da ordem do biopoder. Insere-se a vida na história, a entrada de
fenômenos próprios à vida da espécie humana na ordem do saber e poder no campo das
técnicas políticas. Desde então, a saúde da população, a vida, passou a ser uma demanda
de governos e de empreendimentos econômicos. A biopolítica insere a vida e seus
mecanismos no domínio dos cálculos explícitos e faz do poder-saber um agente de
transformação da vida humana. Proliferou-se uma série de tecnologias políticas que
investem sobre o corpo, a saúde, as maneiras de se alimentar, de morar, as condições de
vida, todo o espaço da existência.
26

O sexo passa a ser um foco de disputas políticas. As tecnologias políticas da vida


se desenvolveram em dois eixos, de um lado o corpo adestrado, disciplinado,
intensificado, ajustado à economia das energias, do outro o sexo que pertence à
regulação das populações, por todos os efeitos globais que induz. Insere-se em dois
registros, o primeiro da vigilância infinitesimal, os controles constantes, as ordenações
espaciais meticulosas, um micropoder sobre o corpo, o segundo, por sua vez, expresso
em medidas maciças, vinculadas às estimativas estatísticas, às intervenções que visam
todo o corpo social ou grupos tomados globalmente. “O sexo é acesso, ao mesmo
tempo, à vida do corpo e à vida da espécie, servimo-nos dele como matriz das
disciplinas e como princípio das regulações” (FOUCAULT, 2005, p.137).
A epidemia de aids possui os dois registros biopolíticos citados por Foucault, o
primeiro marcado pelo investimento no controle dos aspectos íntimos, na esfera dos
micropoderes das relações sexuais como, por exemplo, o manejo dos insumos de
prevenção como o preservativo e as orientações sobre práticas sexuais menos
arriscadas; o segundo registro expresso nas grandes estatísticas e estimativas de
incidência e prevalência dos casos de aids com perfis epidemiológicos incidindo nas
políticas públicas de saúde referendadas por decisões políticas e econômicas de
regulação das populações.
A atualidade das políticas de governo da aids, ilustrada pela palavra de ordem
“testar e tratar” estão baseadas no “disciplinar” das práticas sexuais, seja pelo
imperativo da necessidade do uso do preservativo em todas as relações sexuais, seja por
exigir racionalidade na escolha da parceria sexual e nas práticas sexuais. Se a aids
atualmente apresenta-se como um agravo de menor gravidade, especialmente na
representação social, não se pode esperar que medidas preventivas disciplinadoras da
sexualidade e do prazer tenha o mesmo êxito do passado (GRANGEIRO, 2018).
Paul Rabinow e Nikolas Rose (2006) apontam que se há a emergência de uma
política vital na atualidade, a celebração ou a denúncia são insuficientes como
abordagem analítica. O diagnóstico requer um conjunto de ferramentas analíticas
relacionadas à investigação empírica e sujeita ao desenvolvimento inventivo articulando
o conceito de biopoder.

No entanto, na tentativa de fazer um diagnóstico a partir ‘do meio’, pensamos que o


conceito de biopoder direciona nossa atenção em três elementos chaves que estão
em jogo em qualquer transformação: o conhecimento de processos de vida vitais, as
relações de poder que adotam os humanos como seres vivos como seu objeto, e os
27

modos de subjetivação através dos quais os sujeitos atuam sobre si próprios [...] –,
assim como suas múltiplas combinações (RABINOW, ROSE, 2006, p.53).

As políticas vitais estão visíveis nos caminhos traçados pelos governos e


organizações da sociedade civil quando o tema é a aids, as relações de poder e os modos
de subjetivação são motores impulsionadores desta pesquisa. A constituição do
indivíduo que não é uma simples representação, mas artífice das relações que ele
engendra fiando as malhas quando em contato com o HIV empreende trilhas e rastros
que esta pesquisa pretende rastrear.
Este estudo se interessa em acompanhar esses processos em âmbito
micropolítico e macropolítico como linhas que compõe um tecido, uma malha da
atualidade da epidemia de aids, haja vista que os dois campos estão intimamente
entrelaçados. No espaço micro, sob inspiração de Gabriel Tarde, o que nos interessa são
os microrrelacionamentos, as múltiplas relações difusas e infinitesimais que se
produzem entre ou nos indivíduos (VARGAS, 2000). “Quanto mais nos aproximamos
do infinitamente pequeno, mais encontramos seres completos e complexos” (VARGAS,
2007, p.16). Tarde (2007) investe nas relações infinitesimais apontando a diferença
como “o lado substancial das coisas”, o infinitamente pequeno seria uma multidão em
turbilhão e lamenta que “infelizmente, temos uma tendência inexplicável a imaginar
homogêneo tudo o que ignoramos”. Deslocamos os agentes das microrrelações da
posição estática e homogênea para a diferença, o movimento dos fluxos da vida.
O objeto desta investigação, portanto, não é o indivíduo em si como
representação, mas

[...] as pequenas repetições, oposições e adaptações, ou seus correlatos sociológicos,


as imitações, hesitações e invenções que constituem matéria subrepresentativa e,
como tal, remetem não aos indivíduos, e sim [...] a fluxos e ondas de crenças e
desejos (VARGAS, 2000, p. 195).

Por outro lado, as análises dos saberes produzidos na academia (discurso


científico), os dados epidemiológicos, a concepção e gestão, das políticas públicas e sua
referência na política e na economia, os protocolos de cuidado, compõe o campo
macropolítico da atualidade da epidemia de aids. A esfera macropolítica foi amplamente
descrita na primeira parte deste texto na constituição do cenário contemporâneo da
epidemia de aids. As ações que se desprendem do espaço macropolítico atua na forma
como as pessoas se articulam no espaço micropolítico, as investidas daquele produzem
microrresistências nas práticas comuns e ordinárias do cotidiano.
28

Por seu turno, Michel de Certeau (2001) interessa-se pela cultura ordinária, em
que há operações dos usuários que supostamente estão entregues à passividade e à
disciplina. O autor posiciona a individualidade como o lugar de uma pluralidade
incoerente constituída nas relações e acompanha o que ele chama de modos de operação
ou esquemas de ação e não diretamente sobre o sujeito ou autor. Atrás dos bastidores
“tecnologias mudas determinam ou curto-circuitam as encenações institucionais” (p.41).
Se a vigilância disciplinar está por toda parte a moldar os corpos ou regular as
populações, Certeau deseja investigar como uma sociedade inteira não se reduz à ela
com procedimentos “minúsculos” e cotidianos que jogam com os mecanismos da
disciplina e não se conformam a não ser para modificar. Quais são as maneiras de fazer
destas práticas ou procedimentos minúsculos e cotidianos que escapam do olhar
macropolítico, mas que estão bem vivas e atuante sub-repticiamente.
Certeau (2001) apresenta dois conceitos distintos para pensar as maneiras de
fazer: estratégia e tática. A estratégia possui um lugar próprio, inscrito no espaço, capaz
de identificar uma exterioridade e definir suas fronteiras de atuação. Na estratégia é
possível fazer cálculos das relações de força a partir de um próprio exercendo o domínio
de um lugar pela vista, pelo poder e saber instituídos. A tática, por seu turno, é uma
ação calculada que é determinada pela ausência de um próprio, nenhuma delimitação de
fora lhe fornece a condição de autonomia, ela só tem lugar no do outro. Utiliza,
vigilante, as falhas que as conjunturas particulares vão abrindo na vigilância do poder
proprietário, mobiliza uma parte dos meios para produzir efeito de astúcia, em suma, é a
arte do fraco.
O homem ordinário submetido à disciplina dos corpos e à regulação da
população o qual está inserido, mesmo sem um próprio, aproveita as ocasiões para
resistir no cotidiano. A política pública de aids amparada pelo saber-poder de uma
estratégia advinda de um próprio, bem delimitada por instituições, não submete a vida
aos protocolos. As pessoas mais vulneráveis à infecção, as pessoas que já vivem com
HIV e os profissionais de saúde (para citar alguns atores deste campo) lidam com as
diretrizes e protocolos das políticas públicas de forma muito singular e inventiva. A
previsão do que se produz nesta relação é imprevisível, mas a submissão completa não
se apresenta, há sempre algo que destoa e desvia. A análise moral posicionando
qualquer destes conceitos como algo positivo ou negativo, bom ou mal, não se observa.
Interessa-nos acompanhar a produção dos modos de operação ou esquemas de
ação das táticas e estratégias no cotidiano dos homens comuns (ordinários e
29

imperceptíveis em suas singularidades), quais relações e instrumentos são utilizados na


confecção das linhas que, em movimento, formam trilhas que compõe a malha tanto
destes atores como do ambiente, do cenário.
No dispositivo da aids, desde a sua aparição, já se faz notar um vértice entre
corpo e a linguagem, a doença e os discursos, expresso nos discursos sobre uma “praga
gay” até a condenação do sexo, passando pelo fascismo contra os homossexuais. Os
corpos dos sujeitos “aidéticos” estavam sujeitos ao regime de exclusão e ao regime de
controle, sendo necessário se submeter ao paradigma biomédico sofrendo as
consequências de uma precarização de seus direitos e da estigmatização devido sua vida
oferecer perigo à sociedade (BUTTURI JUNIOR, 2019).
O corpo não existe em estado natural, portanto não é uma realidade em si, está
sempre enredado na trama social de sentidos. O corpo não é um atributo da pessoa, ela
não o possui. A sociologia não pode desprezar o corpo como objeto apenas biológico,
nem o compreender apenas pelo discurso biomédico de máquina, sem a atuação das
dimensões pessoais, social e cultural nas percepções do corpo (LE BRETON, 2006).
Le Breton pensando as técnicas do corpo segundo a provocação de Mauss
(2017) afirma que elas e os estilos de sua produção podem variar de uma classe social
para outra, para citar que o corpo é construído socialmente e que não é uma ferramenta
homogênea, ao contrário, o corpo é singular de acordo com as interações o qual está
submetido.
O que é, então, um corpo masculino jovem que possui um vírus na corrente
sanguínea e que se sente atraído por outro homem? Há uma infinidade de adjetivos que
poderiam ser associados ao corpo. Pode ser um corpo desacreditado, desqualificado,
perigoso e envolto em culpa. O que é, então, o corpo de um profissional de saúde? Pode
ser um corpo imponente pelo saber que ele carrega, cansado pelo trabalho em estrutura
precária, poderoso diante o usuário do sistema de saúde, limitado pelo desconforto de
tratar sobre sexualidade. A multiplicidade na produção desses corpos é evidente.
Thomas Csordas (2008) compreende o corpo na sua experiência de estar no
mundo e fazer-se humano para além do significado e da representação, compartilha das
ferramentas conceituais da fenomenologia para tratar de corporeidade (embodiment)
cujo objetivo é colapsar as dicotomias corpo/mente, sujeito/objeto e estrutura/prática. A
ênfase não está no corpo individual, substrato biológico universal, mas está no corpo
fenomênico, que é a sede de diferentes formas de ser/estar no mundo produzindo
diferentes formulações culturais de enfermidade/doença e de procedimentos de cura.
30

O paradigma da corporeidade está em permanente embate com a textualidade,


com o significado, com a representação das coisas, pois preconiza o ser-no-mundo, a
experiência vivida, a indeterminação, sensibilidade. Nós sempre estamos no mundo
social como seres corpóreos, mesmo antes de conseguir simbolizar ou objetivar nossa
experiência. O corpo não é um objeto a ser estudado em relação à cultura, mas é o
sujeito da cultura, a base existencial da cultura. As marcas que esse corpo carrega,
sejam elas evidentes e visíveis ou uma culpa de caráter individual na experiência vivida
em relação pode ser um sinal de descrédito ou de anormalidade, eis o estigma.
A referência ao estigma é comum entre as pessoas que vivem com HIV. A
imagem esquelética de figuras públicas que viviam com HIV nos anos 80 e 90 do século
passado já se tornou rarefeita, vivemos o tempo da aids como doença crônica. Goffman
(2017) fala de uma expectativa quando conhecemos uma pessoa, esta expectativa é a
sua “identidade social virtual” e é normativa; quando o indivíduo expõe seus atributos
temos a “identidade social real” que, para uma pessoa vivendo com HIV, pode ser vista
como um descrédito, como uma fraqueza ou má inclinação perigosa.

O termo estigma, portanto, será usada em referência a um atributo profundamente


depreciativo, mas o que é preciso, na realidade, é uma linguagem de relações e não
de atributos. Um atributo que estigmatiza alguém pode confirmar a normalidade de
outrem, portanto ele não é em si mesmo, nem honroso nem desenroso (GOFFMAN,
2017, p.13).

O estigma é construído no âmbito das relações, é capaz de retirar a humanidade do


indivíduo que o porta, vítima de discriminações que muitas vezes sem pensar,
reduzimos suas chances de vida (GOFFMAN, 2017). A discriminação e a redução das
chances de vida são marcantes na epidemia de aids, a mortalidade está associada a
quadros de depressão que podem ser disparados pelo estigma, preconceito e
discriminação.
Richard Parker (2013) parte do princípio que o estigma desempenha um papel
fundamental na produção e na reprodução das relações de poder e controle e que está
ligado ao funcionamento das “desigualdades sociais”. O estigma precisa ser estudado
considerando os elementos social e político dos processos que estaria associado a três
funções sociais: exploração e dominação (manter as pessoas para baixo); cumprimento
de normas sociais e controle social (manter as pessoas dentro); e evitação e afastamento
da doença (manter as pessoas fora).
31

A violência estrutural pode ser identificada, por exemplo, quando uma pessoa
jovem morre de complicações da aids; os equipamentos que dispomos e a experiência
dos profissionais de saúde poderia ter evitado a morte? Se sim estamos diante de uma
violência estrutural (PARKER, 2013). Assim, o estigma está associado às condições
socioeconômicas, questões de raça e etnia, entre outros elementos, não é um atributo
estático.
O preconceito, o estigma e a discriminação causam danos não apenas por seu efeito
direto, mas nas formas pelas quais sua implantação como parte de processos de
exclusão e de violência estrutural negam o acesso à saúde e corroboram, assim, com
as causas fundamentais da doença (PARKER, 2013, p.44).

O cuidado seria uma forma de lidar com o preconceito, o estigma e a descriminação. O


conceito perde potência quando está associado apenas aos protocolos biomédicos. O
protocolo é apenas uma forma de exercer o cuidado que está associado também à
democracia, justiça social, solidariedade, política social, capacidade de acesso aos bens
sociais e dos tensionamentos e restrições produzidas pelos fatores econômicos.
(CONTATORE; MALFITANO; BARROS, 2019).
A sociologia discute o conceito de cuidado, mas o campo da saúde ainda é
hegemônico. Antes, o cuidado estava na esfera do privado, concentrava-se entre as
mulheres, mas houve um deslocamento para a esfera pública. Há influência dos
contextos sociais nas práticas de cuidado e o apoio social é fundamental para a
manutenção da vida coletiva (CONTATORE; MALFITANO; BARROS, 2019).
O cuidado não é exercido apenas pelos profissionais de saúde, todos os atores
que estão em relação com o sujeito podem contribuir para a produção do cuidado. A
revisão identificou que uma assistência médica com menos densidade tecnológica, mas
um maior nível de interação entre os indivíduos foi mais eficiente. As técnicas e as
tecnologias isoladamente não potencializam o cuidado, este é mais efetivo na
horizontalidade da relação entre sujeitos (AYRES, 2005; CONTATORE;
MALFITANO; BARROS, 2019).
Para Aragón (2007, p.147) “o afastamento da singularidade de cada instante –
por adesão a um receituário qualquer de vida – tolhe, abafa, a possibilidade de encontro
(ARAGÓN, 2007, P.147). O cuidado está no âmbito das relações, exatamente no meio
delas, construído no instante e extrapola o protocolo porque não é suficiente a
observância dos manuais, o cuidado é singular. Quando se dispõe de um “receituário
32

qualquer de vida”, prescritivo e protocolar a possibilidade de um encontro fica


comprometida.
Fica perceptível que uma leitura sociológica do cuidado abrange as
microrrelações entre indivíduos, assim como

[...] torna-se possível a concepção de um conceito de cuidado que não se restrinja a


técnicas, tecnologias ou relação entre profissionais e pacientes, de modo a ampliar o
cuidado para uma composição de elementos que inclua questões econômicas, sociais
e políticas na sua constituição” (CONTATORE; MALFITANO; BARROS, 2019,
p.18).

Emaranhadas nas práticas e encontros do cuidado, as perspectivas micro e


macro, atuando ao mesmo tempo no cuidado que se produz na relação. Em razão disso,
o protocolo não deve ser a única ferramenta do profissional de saúde, mas a
sensibilidade (Favret-Saad, 2005) só possível no encontro entre duas pessoas.

[...] o cuidado “vaza” a clínica, a epidemiologia, o planejamento em saúde, a


prevenção e a promoção em saúde; o cuidado, a produção do cuidado é um
acontecimento, que pode ter lugar ou não nas práticas clínicas, no agir em saúde,
mas que extrapola sua intencionalidade, sua racionalidade, sua técnica, sua
previsibilidade. (MOEBUS, 2014, p.132).

O organismo não é limitado pela pele, segundo Ingold (2015), e também vaza porque
não se prende às fronteiras predeterminadas. O organismo, uma textura composta de
várias trilhas, movimenta-se dentro de uma malha de relações. Estes organismos
habitam a Terra, são seres no mundo, e esse habitar em movimento é o modo
fundamental de vida.
François Laplantine (2016) afirma que o médico (ou profissional de saúde) tem
sempre uma compreensão que extrapola o campo biomédico da patologia e da terapia, o
trato cotidiano com as doenças não permitem que eles sejam sempre orientados pela
razão. Os processos de troca entre os que curam e os que são curados não se restringem
apenas à experiência vivida pelo paciente e o saber científico do médico, mas envolve o
saber do doente quanto à sua doença e a experiência vivida pelo médico.
Quando tratamos de etiologia na nossa sociedade considera-se com bastante
frequência a etiologia científica da medicina contemporânea e praticamente não nos
debruçamos sobre a etiologia subjetiva, simultaneamente social, que trata das pessoas
acometidas ou em risco de adquirir alguma doença. Sente-se dificuldade em admitir,
devido a causalidade biomédica, que a doença é um fenômeno social que não é
33

unicamente produto do especialista, mas absolutamente de todos (LAPLANTINE,


2016).
Segundo Le Breton (2016) é preciso incluir o homem vivo no saber desse corpo,
envolto em uma rede de relações sociais que a perspectiva passiva da terapêutica de
uma doença estrangeira sobre o corpo, e que será consertada por um conhecimento de
alguém que conhece as engrenagens da máquina humana, não consegue dar conta. “A
relação terapêutica se constrói, não é dada” (p.217).

METODOLOGIA (este subtítulo é provisório para demarcar na leitura)

A relação entre a empiria e a teoria é mútua e não estão desagregadas. As teorias


precisam ser colocadas em risco, caso necessário, ser corrigidas e refinadas pelo
encontro com a vida. Uma teoria que não resiste ao movimento, às trilhas que esse
movimento vai construindo em linhas que se emaranham formando os tecidos, não deve
exigir do pesquisador o enquadramento da vida às fronteiras definidas por ela. Portanto,
a teoria pode ser disparadora da pesquisa, mas esta submeterá aquela ao encontro com a
vida (BOURDIEU, 2009).
Bourdieu, Chamboredon e Passeron em Ofício do Sociólogo (2010) nos alertam
sobre a tentação de ceder às facilidades metodológicas enquadradas em “receitas de
cozinha científica” ou “engenhocas de laboratório” e afirmam que qualquer experiência
metodológica, por mais rotineira que seja, deve ser problematizada, repensada, tanto em
si mesma quanto em função da singularidade que a pesquisa enseja.
A reflexão teórica, sempre nesta dialética com a empiria, tem o propósito de
estabelecer um conjunto de disposições práticas de pesquisa, um habitus sociológico.
Wright Mills (2009) relata o enfado ante as “codificações de procedimentos”
estabelecidas, muitas vezes, por especialistas que não fizeram trabalhos importantes nas
suas carreiras. Mills se interessa por saber o caminhar do pesquisador em sua pesquisa,
e orienta que não se separa o trabalho de pesquisa da vida do pesquisador. Assim, a
teoria e a empiria não se descolam, também, da vida dos seus agentes diretos. A
antropologia, para Ingold (2019), prospera no engajamento da imaginação e da
experiência.
Para Ingold (2015) as coisas vivas são um emaranhado de linhas que constituem
um tecido e o ambiente (que ele prefere em relação ao termo espaço) também é um
emaranhado de linhas, assim os sujeitos e o ambiente são um emaranhado. Os sujeitos
34

que habitam o mundo, não são peças que se movem pela superfície do mundo de um
ponto ao outro, mas casa linha é um caminho através do mundo e não pelo mundo.
Observemos que os entes desse emaranhado que compõem uma malha não são pontos
definidos e independentes que se conectam como a imagem formal de uma rede, tratam-
se de linhas entrelaçadas.
Quando as pessoas se movimentam elas se tornam linhas de uma malha, deixam
rastros. As trilhas que as pessoas deixam atrás de si são o que permite conhecer e
reconhecê-las. Onde quer que haja vida há movimento, mas nem todo movimento tem
vida, pois o movimento da vida é o de tornar-se, e cada uma das pessoas vive de forma
peculiar.
A cena da aids, portanto, é uma malha composta do entrelace de uma
multiplicidade de linhas compostas de movimento, adolescentes e jovens que vivem sua
sexualidade, acadêmicos que refletem sobre as infecções por HIV, profissionais de
saúde que praticam a assistência às pessoas que vivem com o vírus, o gestor público que
demanda recursos financeiros para a pesquisa e a atenção, a escola que evita discutir a
temática da educação sexual, a vivência religiosa que auxilia no acolhimento das
pessoas mais vulneráveis à infecção, os medicamentos antirretrovirais, os equipamentos
de laboratório, a imagem da aids nas mídias de grande massa, ou seja, as linhas que
compõem essa malha são inumeráveis e todas atuam na contemporaneidade da
epidemia.
Cada linha desta malha, produz trilhas do movimento e da relação, mas repito
que não se trata de uma relação com um organismo “aqui” com um ambiente “acolá”, é
antes uma trilha que ao longo da vida é vivida, sem começo nem fim. O organismo não
é limitado pela pele, ele vaza como um nexo de vida e crescimento dentro de uma malha
de relações.

Em suma, perceber o ambiente não é reconstituir as coisas a serem


encontradas nele, ou discernir suas formas e disposições congeladas, mas
juntar-se a elas nos fluxos e movimentos materiais que contribuem para a
sua - e nossa – contínua formação (INGOLD, 2015, p. 143).

É nos movimentos habilidosos pelos caminhos da vida e não no processamento de


dados coletados de múltiplos lugares de observação que os saberes dos habitantes é
forjado. O pesquisador, assim, insere-se na malha, trazendo a sua própria malha e dessa
experiência produzir saberes.
35

A tarefa do pesquisador não consiste em interpretar ou explicar o


comportamento dos outros, posicionando-os num lugar identificado como “já
conhecido”, ao contrário, convém que compartilhe da presença dos adolescentes e
jovens que vivem com HIV ou dos profissionais de saúde do serviço especializado de
HIV/aids, de aprender com suas experiências de vida e de aplicar esse conhecimento às
nossas próprias concepções (INGOLD, 2019).

[...] a nossa tarefa não é fazer um balanço do seu conteúdo, mas seguir o que
está acontecendo, rastreando as múltiplas trilhas do devir, aonde quer que
elas conduzam. Rastrear esses caminhos é trazer a antropologia de volta à
vida (INGOLD, 2015, p. 41).

A provocação de Jeanne Favret-Saad (2005) posiciona a produção do saber da


etnografia no âmbito da participação, ou no ato de permitir-se ser afetado, reabilitando a
“velha sensibilidade”. As intensidades das relações que não estão previstas em roteiro
de pesquisa.
Na etnografia sobre a feitiçaria encampada pela autora a eficácia terapêutica
estava, quando ocorria, assentada no trabalho com um afeto não representado.
A participação, portanto, é distinta da observação. O receio do impasse entre
uma participação que produz algo pessoal e a observação vazia, composta de
representações e símbolos arbitrariamente construídos persistia na autora. Favret-Saad
mergulhou no encontro com a feitiçaria e não buscou no primeiro momento interpretar e
compreender, mas participar, deixou-se experimentar o sistema. A experiência
complexa, inenarrável, desafiava a rememoração, mas mesmo assim foi registrada em
caderno de campo de forma minuciosa, mas sem enquadramentos analíticos, a autora
compreendia-se afetada.

Se afirmo que é preciso aceitar ocupá-lo, em vez de imaginar-se lá, é pela


simples razão de que o que ali se passa é literalmente inimaginável,
sobretudo para um etnógrafo, habituado a trabalhar com representações:
quando se está em um tal lugar, é-se bombardeado por intensidades
específicas (chamemo-las de afetos), que geralmente não são significáveis.
Esse lugar e as intensidades que lhe são ligadas têm então que ser
experimentados: é a única maneira de aproximá-los (FAVRET-SAAD, 2005,
p. 159).
36

O fato de aceitar ocupar o lugar e deixar ser afetado por ele permite estabelecer
conversações com as pessoas pesquisadas amparadas por uma comunicação não
intencional e sempre involuntária, seja ela verbal ou não. A vivência dessa experiência
permite à etnógrafa assistir e falar coisas que comumente não falariam no contato com
os sujeitos da pesquisa. Ela ainda expõe a limitação da comunicação etnográfica
ordinária que se ampara na comunicação verbal, intencional e voluntária visando a
aprendizagem de um sistema de representações.

Como se vê, quando um etnógrafo aceita ser afetado, isso não implica
identificar-se com o ponto de vista nativo, nem aproveitar-se da experiência
de campo para exercitar seu narcisismo. Aceitar ser afetado supõe,
todavia, que se assuma o risco de ver seu projeto de conhecimento se
desfazer. Pois se o projeto de conhecimento for onipresente, não acontece
nada. Mas se acontece alguma coisa e se o projeto de conhecimento não se
perde em meio a uma aventura, então uma etnografia é possível (FAVRET-
SAAD, 2005, p. 160).

O risco de se permitir afetar pela pesquisa pode produzir saberes que o modo
tradicional de fazer não nos proporcionaria. Tim Ingold (2019) propõe uma diferença
entre “etnografia” e a “observação participante”, a primeira está na ordem da descrição
das pessoas, aproxima-se das pessoas para descrevê-las, a segunda se refere a prestar
atenção às pessoas, vendo o que fazem e escutando o que dizem, trata-se de pesquisar
com as pessoas e não sobre elas. O autor propõe unir-se às pessoas na tarefa comum de
encontrar formas de viver.
Para Ingold (2015), o ato de estar vivo é oriundo da atenção para se mover,
conhecer e descrever, estas não são expressas de forma linear e em série, mas operações
paralelas do mesmo processo. A vida é um movimento de abertura, não de
encerramento. O que significa dizer que os seres humanos produzem suas próprias
vidas? Mesmo sabendo que o processo produtivo não está confinado nas finalidades de
qualquer projeto particular, a produção não começa com uma imagem que se torna
objeto, mas continua indefinidamente, sem começo nem fim. O que somos ou o que
podemos ser não vem pronto, estamos perpetuamente nos fazendo a nós mesmos.

Investigar a vida humana é, portanto, explorar as condições de possibilidade


em um mundo povoado por seres cujas identidades são estabelecidas, em
primeiro lugar, não por atributos recebidos, específicos de uma espécie ou
cultura, mas por realização produtiva (INGOLD, 2015, p. 31).
37

É preciso insistir na primazia do processo sobre o produto, da vida sobre as


formas que ela assume, diria Ingold (2015) porque é no processo, nas relações, que a
vida se apresenta e o pesquisador precisa acompanhar este processo, seguir o que está
acontecendo, rastrear os caminhos trazendo a antropologia de volta à vida.
Octavio Bonet utiliza o marco teórico de Tim Ingold para pensar os itinerários
de cuidado com a saúde (BONET, 2014). A metodologia do Itinerário Terapêutico (IT)
é um desenho construído a partir da narrativa do usuário dos serviços de saúde na busca
de cuidado. O método é oriundo dos estudos socioantropológicos situados na década de
60 do século passado e tinha o objetivo de compreender, de forma pragmática, como os
indivíduos orientavam suas escolhas em relação ao tratamento de saúde (FERREIRA;
SILVA, 2012). Bonet (2014), no entanto, vai propor o conceito de itineração na busca
de cuidado e malha, inspirado em Tim Ingold. “A ideia básica que sustenta a proposta é
pensar os itinerários como processos abertos em permanente fluxo, e sujeitos a
constantes improvisações criativas dos usuários e dos profissionais envolvidos nos
processos cotidianos da vida” (BONET, 2014, p.337).
A ênfase nos fluxos e processos não revela um caminho a priori, mas construído
ao caminhar, uma malha de linhas que se tece, renovada pelas experiências dos agentes
em proporcionar o cuidado. Para Bonet (2014) a ideia de cuidado nos profissionais de
saúde é distinta da ideia de cuidado nos usuários dos sistemas de saúde. A perspectiva
do autor é de um cuidado ampliado que extrapola a dimensão biológica e terapêutica no
sentido biomédico associada à saúde e se espraia pelas ações realizadas pelos usuários
que não se considera como ação propriamente da saúde, mas se adequa ao cuidado. As
ações de cuidado com uma plasticidade ampliada, portanto, extrapolam os serviços de
saúde em direção à vizinhança e inserem as dimensões políticas das ações cotidianas do
cuidar nos usuários e profissionais de saúde.
A dimensão moral do cuidado se relaciona a uma passagem do dilema da
autonomia e da dependência para uma interdependência humana. O cuidado, assim,
seria uma prática e uma disposição com dimensão social e política na cultura, ensejando
a transversalidade dos campos já que as dimensões biológicas, psicológicas e culturais
interagem sem cessar num mesmo processo.
As itinerações em busca do cuidado não é produto de um plano esquemático e
predeterminado, mas de um processo alimentado por possibilidades problemáticas em
que o indivíduo começa a interpretar a sua situação, suas ações e o estado de coisas
resultantes da ação. As escolhas são situacionais e se encontram impregnadas de
38

interesses, hesitações, incongruências, estratégias, táticas e conflitos em caráter fluido


pois os agentes não se filiam a um modelo interpretativo, mas a uma rede de relações
sociais salientando que as redes não são entidades fixas e cristalinas (BONET, 2014).
O método almeja entender as práticas dos sujeitos, a experiência no mundo tão
cara ao referencial da fenomenologia que nos orienta para a intersubjetividade e para a
relação com as coisas do mundo. Estes sujeitos estão subjetivados pela noção de
agenciamento, não apenas uma unidade biológica e identitária, mas composto de várias
linhas, forças, intensidades, devires que os constituem (DELEUZE; PARNET, 1998).
A proposta de Ingold (2015) é conceber uma antropologia através de linhas de vida, de
linhas de crescimento, como um processo em aberto no qual o homem não pode ser
pensado como separado do ambiente; ambos, homem e ambiente, estão em um processo
de desenvolvimento e são produto dele. O ambiente é este emaranhado de linhas
constituindo uma malha.

A passagem dos itinerários e dos sistemas para as itinerações e as malhas


permite que apareçam os fluxos, as linhas e as multiplicidades. Em outras
palavras, permite enfatizar as relações e não as entidades, sejam elas
serviços, usuários e profissionais. Cada um deles vai depender de como se
agencia com os outros, e assim desenharão malhas diferentes, segundo as
improvisações diferenciais que realizem (BONET, 2014, p.342).

Inspirado no conceito de itineração na busca de cuidado a pesquisa de doutorado


almeja acompanhar os fluxos de adolescentes e jovens HSH na faixa etária de 15 a 24
anos que vivem com HIV. O mote é o incremento das infecções pelo HIV naquele
segmento da população nos últimos dez anos segundo dados epidemiológicos (BRASIL,
2019). O acompanhamento dos fluxos destes adolescentes e jovens conectará os
profissionais de saúde e a vizinhança à malha que será tecida nesse movimento. O
cenário disparador será 02 (dois) serviços assistenciais especializados em HIV/aids
(SAE) que estão localizados geograficamente em unidades de atendimento primário à
saúde (UAPS). A escolha pelos serviços advém da característica dos serviços que
destoam da lógica hospitalar presente no cuidado às pessoas que vivem com HIV desde
o início da epidemia.
A pesquisa de doutoramento tendo como cenário os dois serviços especializados
já teve desdobramentos que culminaram no primeiro capítulo desta tese. Entre os anos
de 2017 e 2018, por meio de uma pesquisa do PIBIC, visitamos os 02 (dois) serviços e
39

realizamos entrevista semiestruturada (GONÇALVES et al, 2011) com todos os


profissionais de saúde de nível superior que atuam nos SAE. O objetivo era identificar
as percepções e sentidos frente à atualidade da epidemia de aids que em seu bojo
alcançava de forma sistemática a população de jovens HSH na faixa etária de 15 a 24
anos.
A equipe de pesquisadores do Observatório de Ciências Sociais e Humanas em
Saúde (Observa Saúde) vinculado ao Programa de Pós-Graduação em Sociologia da
Universidade Estadual do Ceará (UECE) realizou no período de abril de 2017 a abril de
2018 parte desta pesquisa de doutoramento. A pesquisa teve aprovação do Comitê de
Ética em Pesquisa da Universidade de Fortaleza (Unifor) com o parecer 2.038.771 em
28 de abril de 2017. Na ocasião realizamos observação direta dos territórios das duas
unidades de saúde e consequentemente a confecção de diários de campo. Entrevistamos
os profissionais de saúde que atuavam nos serviços após o assentimento com a
assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE), a saber, 02 (dois)
assistentes sociais; 01 (uma) farmacêutica; 03 (três) enfermeiras; 04 (quatro)
infectologistas e 01 (uma) coordenadora do serviço. As entrevistas foram orientadas por
roteiro semiestruturado, audiogravadas e posteriormente transcritas. A pesquisa
observou as orientações das resoluções do Comissão Nacional de Ética em Pesquisa
(Conep) nº 466/2012 e nº 510/2016.
A análise do material produzido com as observações diretas, os diários de campo
e as entrevistas semiestruturadas foi realizada utilizando a “análise de conteúdo
temática” seguindo os passos propostos por Romeu Gomes (2018), a saber, pré-análise,
exploração do material e tratamento dos resultados/inferência/interpretação. A aplicação
do método culminou com a construção das seguintes categorias: histórico das unidades
de atendimento especializado em HIV/aids; fluxogramas de atendimento; estrutura
física e humana dos serviços; estigma e preconceito; produção do cuidado; redes;
comportamento dos jovens vivendo com HIV; e contemporaneidade da epidemia de
HIV/aids. Estas categorias orientaram o desenvolvimento teórico que a pesquisa
utilizará na consecução da segunda fase da pesquisa.
A segunda fase da pesquisa acompanhará as itinerações em busca de cuidado
(BONET, 2014) dos adolescentes e jovens HSH que vivem com HIV na faixa etária de
15 a 24 anos. Inicialmente faremos um encontro de apresentação deste momento da
pesquisa aos profissionais de saúde que estão vinculados aos serviços participantes da
pesquisa para que compreendam o intento da pesquisa e possam auxiliar na captação os
40

sujeitos para acompanhamento. As organizações da sociedade civil que tenha por tema a
aids e mais especificamente a aids em adolescentes e jovens também serão convidadas
para a apresentação e contribuição com a pesquisa. Na ocasião apresentaremos os
resultados da primeira fase da pesquisa. Os critérios de inclusão são: ser homem com
práticas homoerótica com outros homens, estar na faixa etária entre 15 e 24 anos, estar
vinculado a um dos SAE com pelo menos 01 (um) atendimento com infectologista. A
quantidade de sujeitos envolvidos com a pesquisa é indeterminada em razão da nossa
experiência aberta aos fluxos da pesquisa, vamos rastrear as trilhas dos atores
envolvidos com o campo da pesquisa e montar a malha.
O acompanhamento destes adolescentes e jovens utilizando a itineração em
busca do cuidado e a construção da malha extrapolará a realização da entrevista formal.
O encontro fomentará o caminhar da pesquisa por territórios praticados pelos sujeitos
(unidades de saúde, espaços de sociabilidade, comunidade, entre outros), retomada de
conversações com profissionais de saúde e gestores da política pública de aids, pessoas
do convívio do sujeito (familiares e amigos) e outros que eventualmente componham a
malha de uma vida. Lançaremos mão da “observação participante” (para além da
observação de objetos ou coisas a serem interpretadas por representações) preconizada
por Tim Ingold (2019) na tentativa de se permitir ser afetado e vivenciar as trilhas de
uma vida; confecção de caderno de campo; produção de entrevistas em profundidade
com temas sensíveis à epidemia de aids e outros que emerjam do encontro com os
adolescentes e jovens HSH vivendo com HIV.
A pesquisa terá o projeto submetido ao Comitê de Ética em Pesquisa (CEP), por
investigar pessoas que vivem com HIV. Estes indivíduos tem o sigilo da sua condição
sorológica e de saúde protegidos por lei, portanto, a pesquisa se esmerará em não expô-
los no processo de produção de dados. O projeto, então, será cadastrado na Plataforma
Brasil e submetido ao CEP da Universidade Estadual do Ceará (UECE).
A análise dos dados produzidos na pesquisa será realizada com a utilização do
marco teórico referendado na introdução, capitaneado por Tim Ingold na construção das
malhas por meio das linhas, trilhas e tecidos em permanente movimento. O referencial
teórico de Michel Foucault, Gabriel Tarde, Bruno Latour, Erving Goffman são
ferramentas conceituais presentes na pesquisa. No processo da pesquisa a posição do
pesquisador é atuar com e não sobre o objeto de sua observação (DELEUZE, 2004;
INGOLD, 2019). Logo, o pesquisador está implicado na produção do conhecimento,
não a observa em posição de neutralidade, confunde-se e é igualmente sujeito e objeto.
41

Resta que a compreensão, a explicação e a implicação designam igualmente


operações do entendimento [...]. Com efeito, compreender é a razão interna que dá
conta dos dois movimentos, explicar e implicar [...]. E a implicação não é de modo
algum o contrário da explicação: aquilo que explica implica por isso mesmo, o que
desvela vela (DELEUZE, 2002, p.82).

A compreensão para Deleuze não parte da ideia de observar um objeto, uma


representação estática, ela se engendra no ato de implicar e explicar. O pesquisador está
emaranhado na malha (Deleuze utilizaria rizoma) que deseja explicar, profundamente
implicado. Não há oposição entre estas operações de entendimento, a compreensão, a
explicação e a implicação, pelo contrário, elas estão misturadas, são processos
interligados. Esta é uma pesquisa implicada.

.
42

2. PERCEPÇÕES E SENTIDOS DOS PROFISSIONAIS DE SAÚDE NO


SERVIÇOS ASSISTENCIAIS ESPECIALIZADOS EM HIV/AIDS

Há dois Serviços Assistenciais Especializados em HIV/aids (SAE) no município de


Fortaleza que estão localizados na estrutura física das Unidades de Atendimento
Primário à Saúde (UAPS), ou seja, destoam daqueles serviços com a marca estrutural
hospitalar. A constituição desses serviços é singular e fala sobre a dinâmica que os
mesmos exercem na política municipal de aids. Os dois SAE possuem uma rede de
articulações para funcionamento que preconizam proximidade com os seus usuários.
Visitamos os dois SAE para observar seu funcionamento e escutar os profissionais
de saúde que vivenciam cotidianamente a epidemia de aids no município de Fortaleza.
Na ocasião entrevistamos todos os profissionais de nível superior, a saber, duas
assistentes sociais; uma farmacêutica; três enfermeiras; quatro infectologistas e uma
coordenadora do serviço. As entrevistas foram orientadas por roteiro semiestruturado,
audiogravadas e posteriormente transcritas.
Do encontro com os serviços e os profissionais de saúde, algumas categorias
emergiram a partir dos sentidos e percepções na análise de conteúdo temática: 1)
Histórico; 2) Fluxograma; 3) Estigma/Preconceito; 4) cuidado; 5) Redes; 6)
Comportamento dos jovens; 7) Estrutura física e humana dos serviços e 8)
Contemporaneidade da epidemia. Estas categorias estão emaranhadas compondo o
cenário contemporâneo da epidemia de aids no município de Fortaleza.

2.1 SAE ANASTÁCIO MAGALHÃES

HISTÓRICO

A experiência do SAE Anastácio Magalhães (SAE AM) é pioneira na cidade de


Fortaleza. A idealização do serviço está ligada à Universidade Federal do Ceará (UFC),
mais precisamente ao Dr Roberto da Justa, médico infectologista e professor da mesma.
O SAE AM encontra-se em atividade há 07 (sete) anos nas dependências da Unidade de
Atendimento Primário à Saúde (UAPS) Anastácio Magalhães.
O SAE AM foi um projeto pioneiro no sentido de fazer a Atenção Primária à
Saúde (APS) extrapolar o diagnóstico para a infecção do HIV/aids. O Ministério da
43

Saúde (MS) em 2015 finalmente havia incluído a APS para fazer o manejo das pessoas
que vivem com HIV/aids (PVHA). Atualmente o MS reconhece a UAPS não só com
ações de prevenção e diagnóstico, mas também de acompanhamento. Havia uma
discussão internacional no campo da aids sobre o manejo das PVHA na APS e o MS,
afinado com as discussões vigentes, resolve encampar o acompanhamento das PVHA
na APS, desde 2000 algumas iniciativas foram surgindo na APS. Experiências
internacionais já estavam postas.
A cronicidade da aids trouxe esse elemento junto a APS, o acompanhamento de
casos de baixa complexidade. Vislumbrava-se essa possibilidade em virtude da
superlotação dos SAE tradicionais nos hospitais. Em 2008, quando o professor Dr.
Roberto da Justa ingressou na UFC optou por ir a APS em detrimento do hospital, este o
espaço tradicional do infectologista. Desejava abordar as doenças infecciosas na APS.

Eu já vinha com esse negócio do modelo assistencial da aids na cabeça, quando o de


DST se tornou viável eu falei: rapaz, eu vou ver se eu consigo aqui implementar o
modelo de acompanhamento dos pacientes de HIV positivo envolvendo as equipes de
saúde da família, fazendo as atividades de prevenção, diagnóstico e acompanhar (Dr.
Infectologista 1).

Inicialmente, a proposta teve o apoio de uma enfermeira da UAPS AM e da Área


Técnica de IST, aids e HV (ATIAHV) da Secretaria Municipal de Saúde de Fortaleza
(SMS), no entanto, houve resistência alguns profissionais médicos e da enfermagem de
uma maneira geral. Assim, aconteceram capacitações para os profissionais da UAPS
sobre HIV/aids, reconhecendo esse usuário como possível.
Os critérios para a inclusão no serviço foi seria de recém- diagnosticados, pois
não se desejava os usuários advindos de outros SAE, houve algumas barreiras, porque a
emergência de um novo serviço mexe com os já existentes. Os pacientes foram
avaliados para saber se seriam assintomáticos ou já com aids.

Entendo que os pacientes assintomáticos podem ser manejados na APS, os


sintomáticos devem ser referenciados. O critério para permanecer no SAE era
diagnóstico recente, sem sintomas (Infectologista 1).

O serviço nascente caminhou bem, com reconhecimento de boas práticas pelo


MS. As premissas da Estratégia Saúde da Família (ESF) foram consideradas no projeto
do SAE. O MS publicou um documento sobre experiências exitosas e, em 2015, os
profissionais assessoraram na construção de um manual de manejo clínico que saiu
44

ainda naquele ano. O MS, por meio destas publicações, reconheceu que pode haver o
manejo das PVHA na APS.
Segundo o Dr. Roberto da Justa, até 2013, os melhores indicadores dos SAE de
Fortaleza era o SAE AM, em termos de retenção de paciente, adesão ao tratamento,
vários parâmetros, hoje, no entanto, o infectologista diz que não acompanha mais estes
indicadores. Na época o infectologista acionou a SMS para replicar o modelo do SAE
AM em outras UAPS do município de Fortaleza. O apoio da Secretaria da Saúde do
Estado do Ceará (SESA) com os cursos de Manejo Clínico na APS para a expansão da
rede ainda era incipiente.

Então na época junto ao estado eu batia para cada policlínica fosse um SAE, então a
gente tinha 25 (vinte e cinco) policlínicas, 25 (vinte e cinco) regionais no estado do
Ceará. Na época o governo Cid Gomes ia fazer um concurso pra operar essas
policlínicas e estavam escolhendo algumas especialidades, cardiologista, endocrino,
hipertensão, diabetes, precisa incluir aí a questão do HIV/aids, se em cada policlínica
tiver um infectologista, uma equipe, um SAE, eu resolvo o problema do HIV/aids no
estado do Ceará. Na época a SMS estava contaminada com as demandas de
hipertensão e diabetes, eu alertava que precisávamos pensar, também, a questão das
doenças infecciosas (Infectologista 1).

O infectologista, então, apoiou a unidade de saúde Meireles com uma médica


que fez o curso de manejo, ele estava disposto a apoiar por um tempo os serviços até
que caminhasse pudessem conduzir-se sozinhos. Entretanto, segundo o Dr. Roberto da
Justa, há o apego das organizações da sociedade civil (OSC) e de alguns infectologistas
ao modelo tradicional, questiona-se como um profissional de saúde que não é médico
infectologista pode acompanhar uma PVHA.
[...] quando hoje os principais gargalos já foram resolvidos, o coquetel
(medicamentos) em si não faz mais sentido, é um comprimido por dia, dois,
tolerância muito boa, uma eficácia muito boa, fácil de você manejar, o acesso
ao diagnóstico também muito simplificado, faz o teste rápido em 20 ou 30
(vinte ou trinta) minutos você tem o resultado. O diagnóstico eu lembro
quando eu era residente, a gente pedia uma Elisa (do inglês Enzyme Linked
ImmunonoSorbent Assay, um teste imunoenzimático que permite a detecção
de anticorpos específicos) demorava uma semana a dez dias, pra gente pedir
um western blot (método em biologia molecular e bioquímica para detectar
proteínas) era 60 (sessenta) dias, você tinha 60 (sessenta) dias pra fechar um
diagnóstico, aí você pedia CD4 e carga viral era mais 60 dias, você começava
a terapia antirretroviral quase seis meses depois do diagnóstico. Esse gargalo
ele foi superado do diagnóstico e do acesso ao CD4 e da carga viral, não
existe mais razão pra eu ter um paciente hoje recém diagnosticado, HIV
positivo, assintomático, ser acompanhado por um infectologista ( Infectologista
1).
45

O médico do SAE AM ainda lamenta o pouco investimento neste modelo de manejo das
PVHA.

Mas, eu gostaria que esse modelo tivesse mais bem implementado em


Fortaleza, que é um modelo simples, um modelo barato, um modelo fácil, de
alto impacto, e que seria uma resposta muito importante ao atual cenário da
epidemia da aids, porque você pode acolher melhor esses jovens, você
trabalhar os contactantes, as famílias, você tem condição de fazer no contexto
da atenção primária, coisa impensável de você trabalhar em um SAE
tradicional que tem cinco mil doentes cadastrados (Infectologista 1).

O SAE AM, atualmente, é composto de dois infectologistas, uma enfermeira e


uma farmacêutica, localizado nas dependências da UAPS Anastácio Magalhães que é
uma unidade mista, APS e algumas especialidades. Há uma forte ligação da unidade
com a Universidade Federal do Ceará, principalmente pela proximidade física. Uma
característica da UAPS é de receber uma multiplicidade de acadêmicos da área da
saúde. Esta característica da unidade permite que haja uma boa relação entre ensino,
extensão e pesquisa, inclusive envolvendo os profissionais de saúde do SAE, dois deles
estão diretamente envolvidos com o ensino e a pesquisa, o infectologista e a
farmacêutica.
O SAE AM possui aproximadamente 180 (cento e oitenta) usuários ativos, com
dois dias de atendimento com infectologistas e as profissionais, enfermeira e
farmacêutica, conduzindo as atividades em todos os dias da semana.

FLUXOGRAMA

a) Diagnóstico reagente (no próprio SAE AM) / encaminhado (HSJ, HU, UAPS da
Regional III, clínicas privadas) – 1ª Consulta enfermagem (acolhimento, responde às
dúvidas, apresenta os SAE disponíveis e o usuário define onde quer ser acompanhado,
caso fique e, for possível, abre o prontuário e faz a consulta de enfermagem, caso não
seja possível fazer no dia, abre no dia da 1ª consulta com a infectologista);

b) 1ª Consulta infectologia e farmácia (tempo de espera de no máximo 15 (quinze) dias,


solicita exames bioquímicos, carga viral, CD4, toxoplasmose; se tiver sintomas já inicia
a terapia antirretroviral (TARV) depois de realizar os exames);
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c) Realização dos exames (SAE CR, demora de 25 a 30 dias para ficar prontos);

d) 2ª Consulta infectologista, farmácia e enfermagem (demora de 30 a 40 dias da 1ª


consulta, exames prontos, inicia a medicação);

e) 3ª Consulta farmácia (30 dias depois do início da TARV, avaliar a medicação, caso
necessário também conversa com a infectologista);

f) Realização de exames da carga viral (90 dias depois do início da TARV, caso esteja
bem volta ao serviço de seis em seis meses e repete os exames);

g) 3ª Consulta infectologista (caso tudo esteja bem, de seis em seis meses).

ESTIGMA E PRECONCEITO

A temática do estigma e do preconceito é frequente nas narrativas dos


profissionais de saúde, é um elemento cotidiano da assistência nos SAE. O receio de ser
reconhecido frequentando um serviço já identificado como sendo um serviço de
atendimento às pessoas que vivem com HIV/aids é uma constante, falta privacidade no
serviço. O fato do SAE AM estar situado dentro de uma unidade da atenção primária
ameniza o estigma do hospital tradicional de doenças infecciosas, no entanto, ainda
protege a privacidade de forma limitada, por vezes em razão do manejo dos próprios
profissionais da UAPS que não tomam os devidos cuidados.

Precisamos tornar os SAE mais atrativos. Muito complicada a questão da


privacidade, todos tem medo de ser flagrados pegando medicamentos. Muitos
fogem do HSJ devido o estigma (Infectologista 1).

Os profissionais de saúde reproduzem preconceitos em relação aos


homossexuais, é um obstáculo para o cuidado ofertado no SAE. O infectologista 1
identifica as dificuldades da descentralização dos atendimento a PVHA na APS em
razão do obstáculo do preconceito, a saber, os profissionais da APS teriam dificuldade
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de tratar com o público de homossexuais, travestis, pessoas em situação de rua, PVHA,


entre outros.
A condição, por exemplo, do acesso às vacinas importantes para as PVHA, fica
comprometida quando é necessário encaminhar para outros serviços que não sejam o
SAE. Os usuários do SAE AM vão para outro serviço com uma recomendação dos
profissionais, pois, as PVHA possuem referências específicas para tomar as vacinas. O
manejo inadequado das informações da PVHA pode expor a condição sorológica dela.

[...] mas esses pacientes são encaminhados para tomar essa vacinação no
CRIE (Centro de Referência de Imunobiológicos Especiais) que é o nosso
outro parceiro, que é lá no Hospital Albert Sabin, só que alguns pacientes
eles não querem tomar lá pela dificuldade, tanto da distância quanto da
necessidade de dizer que é portador do vírus, então pela quebra do sigilo
alguns não querem ir (Farmacêutica).

O SAE AM possuía um grupo de adesão que reunia os usuários do serviço em reuniões


mensais discutindo as temáticas mais diversas como dança, arte, esporte, alimentação
saudável, música, entre outros temas. Este grupo ficou quase 03 (três) anos e meio
ativo, compôs, inclusive, o caderno de boas práticas do MS, hoje está desativado. Os
jovens tinham muita dificuldade de acessar o grupo, pois era composto, também, de
pessoas mais maduras, e não desejavam encontrar outros jovens, sentiam-se inseguros
de encontrar nas baladas e alguém expor sua condição sorológica. Segundo pesquisa da
farmacêutica do serviço, a participação das PVHA no grupo de adesão era efetivo na
melhoria dos indicadores de saúde.
O tema do estigma e preconceito é bastante evidente entre os profissionais de
saúde do SAE AM, o cuidado em preservar o sigilo em relação à condição sorológica
das PVHA é um desafio da contemporaneidade da epidemia de HIV/aids.

CUIDADO

A articulação entre os profissionais de saúde do SAE AM é muito coesa. A


presença de apenas 04 (quatro) profissionais no serviço permite que eles estejam sempre
próximos discutindo a condução das PVHA no SAE. A presença dos infectologistas, no
entanto, é bastante pontual, um turno de 04 (quatro) horas cada por semana, há um
menor envolvimento no cotidiano do serviço. A enfermeira está presente 40 (quarenta)
horas no serviço, todos os dias, e a farmacêutica está presente 24 (vinte e quatro) horas
no serviço.
48

O trabalho no SAE extrapola as consultas com infectologista, há consultas de


enfermagem e farmacêutica que acontecem sistematicamente, muitas vezes, absorvem a
demanda dos usuários do serviço. O serviço, segundo os profissionais de saúde, é bem
avaliado pelos usuários. O SAE AM conta com a presença sempre que solicitada do
médico de saúde da família da UAPS AM para eventuais necessidades.
A enfermeira do SAE AM, além das consultas de enfermagem dos usuários no
serviço, realiza algumas atividades que são específicas da APS na UAPS, a saber, é
responsável pela vacina e do acolhimento à unidade, além disso, é também responsável
pelo PPD (teste de tuberculose) na UAPS. O PPD é realizado nos usuários do SAE todo
ano segundo protocolo; a tuberculose é uma das principais coinfecções em relação ao
HIV/aids. A enfermeira também se refere ao trabalho de “assistente da médica”, prepara
a sala, os materiais, deixa os prontuários prontos, busca exames que não estão em dia e
realiza a notificação das PVHA. Refere-se, ainda, a certo “apoio psicológico” que se
realiza por meio de uma escuta das demandas dos usuários.

A farmacêutica, por seu turno, realiza a gestão da assistência farmacêutica, a


parte concernente aos medicamentos (HIV e infecções oportunistas), dispensação,
acompanhamento de farmácia clínica, verifica a questão das vacinas (solicita quando for
o caso), acompanha o prontuário para ver a evolução clínica do usuário e identifica em
momento oportuno alguma alteração nos exames; estabelece contato com os usuários
para confirmar o atendimento; faz o aconselhamento e o teste rápido (tarefa
compartilhada com a enfermeira em dia previamente definido na semana); realiza
consulta interdisciplinar com infectologista; investiga reações adversas, interações;
planeja e executa educação em saúde tanto dentro como fora da unidade (atividade
limitada atualmente); participa de reuniões de gestão na SMS e SESA; tenta fazer as
articulações tanto dentro da UAPS como externamente.

No meu trabalho só consigo acessar os pacientes que acompanha. Procuro


informá-lo (indico artigos científicos, blog, canais no YouTube), diminuir a
questão do estigma, torná-los multiplicadores; as atividades de educação em
saúde estão comprometidas, na escola e nas comunidades; garantir a adesão
para diminuir as infecções (Farmacêutica).

Os usuários do SAE AM possuem o WhatsApp da enfemeira e da farmacêutica


que facilita a comunicação entre eles e o serviço. As profissionais estão dispostas a
49

acolher a demanda do usuário, mesmo que fuja da alçada prevista no fluxograma. Por
vezes, os usuários se dirigem ao serviço para uma conversa quando apresentam alguma
angústia ou alguma intercorrência com alguns sintomas de infecções oportunistas.
Importa frisar que não se realiza consulta pelo aplicativo de conversa, apenas a
articulação para uma consulta presencial.
A oferta da testagem rápida (TR) para o HIV no SAE AM é de fundamental
importância, parte significativa dos usuários do serviço acessam o SAE por essa via.
Um turno na semana, as profissionais, enfermeira e farmacêutica, ofertam a testagem
para uma demanda livre ou encaminhada da própria UAPS. Os exames que apresentam
sorologia não reagente para o HIV são tratados com atenção quando da entrega aos
usuários, pois, a oportunidade de orientar a pessoa que se encontra em vulnerabilidade
para a infecção pelo vírus é fundamental.
Em relação ao cuidado que o serviço oferta, o tempo do diagnóstico reagente
para HIV e os primeiros atendimentos com a enfermagem, farmácia e infectologistas é
de alguns dias, nestes atendimentos há uma avaliação da condição do usuário para
saber, também, se se trata de usuários com perfil para o SAE AM. Em comparação com
o Hospital São José de Doenças Infecciosas (HSJ), o tradicional e principal serviço de
saúde terciário de HIV/aids do estado do Ceará, uma primeira consulta ambulatorial, por
exemplo, pode demorar algo em torno de 06 (seis) meses.
Os profissionais de saúde do SAE AM se ressentem do tempo de escuta para os
jovens presentes no serviço, as demandas não permitem que possam observar mais
atentamente como estes jovens estão conduzindo suas vidas, quais as redes que estão
construindo. Esta limitação impede que os profissionais de saúde conheçam mais
profundamente as práticas destes jovens no cotidiano e a produção do cuidado não
considera alguns elementos importantes. Os jovens desacompanhados que se
apresentam ao serviço e se refiram à condição de isolamento são orientados a dividir as
suas angústias com alguém de sua extrema confiança, para lidar melhor com a nova
condição. Os profissionais de saúde se colocam a disposição para auxiliar nesta tarefa,
inclusive para uma conversa com esta pessoa de confiança do usuário caso ele deseje.
O contato com os familiares e amigos fica restrito às consultas formais quando
os próprios usuários demandam, não há a possibilidade de envolver os familiares mais
diretamente em encontros sistemáticos que poderia ser importante no auxílio ao
tratamento e da superação do isolamento.
50

O contato com familiares e amigos não são muito comuns, mas há quando
eles desejam que façamos algum esclarecimento. Percebo ausência de apoio
familiar e desarranjo familiar, o que favorece a vulnerabilidade. Tenho
dificuldade de abordar a questão da prostituição entre eles (Infectologista 2).

A infectologista 2 relata que é necessária a criação do vínculo com o usuário,


que a abordagem deve ser diferente de acordo com a faixa etária, o vínculo depende de
como se aborda, da adaptação que o profissional de saúde é capaz de fazer. A impressão
é que os jovens possuem mais dificuldade de retenção ao serviço e de adesão aos
medicamentos, há pouca compreensão quanto aos medicamentos e sua administração.

O vínculo permite que o usuário possa começar a entender a infecção, o


tratamento e consequentemente ter uma boa adesão. Por isso é preciso
trabalhar o que preconiza o QualiSUS, consultas de 30 (trinta) minutos para
retorno e 01 (uma) hora para pacientes de primeira vez. Isso ajuda na
compreensão da condição sorológica e impacta na adesão (Infectologista 2).

A retenção ao SAE é de fundamental importância para o controle da infecção


pelo HIV. A boa adesão ao tratamento impacta diretamente no controle da epidemia,
pois, um usuário do serviço que alcança a carga viral indetectável dificilmente
transmitirá o HIV na relação sexual.
Atualmente, segundo as profissionais, há em média 07 (sete) pacientes novos por
mês no ano de 2018. A dispensação gratuita dos medicamentos antirretrovirais no
Sistema Único de Saúde (SUS) permite que os usuários do serviço de saúde privado
acessem o SAE AM e, em alguns casos, conhecendo o funcionamento da unidade, estes
usuários preferem ser acompanhados no serviço público municipal.

A gente tenta fazer o empoderamento deste paciente, para que compreendam


sua condição sorológica, aceitem e possam ser protagonistas da sua vida
(Farmacêutica).

Para as profissionais de saúde o trabalho do SAE AM impacta positivamente na


vida das pessoas que são acompanhadas naquele serviço. A proximidade com o paciente
que conhecem pelo nome e sabem do seu histórico auxilia no processo de
empoderamento destas pessoas.

REDES
51

A integralidade do cuidado preconizado na legislação do SUS está condicionada


a relação entre profissionais, serviços de saúde, instituições públicas, organizações da
sociedade civil (OSC), entre outros. Assim, o SAE AM se articula com algumas
instituições para proporcionar a integralidade das PVHA. Compreende-se que os
serviços de saúde, sozinhos, não são capazes de alcançar a integralidade do cuidado.
A articulação com as OSC é uma característica da resposta brasileira à epidemia
de HIV/aids, é uma prática, inclusive, estimulada pelo governo federal, estadual e
municipal com recursos oriundos de edital. O SAE AM possui uma articulação com a
Rede Nacional de Pessoas que vivem com HIV/aids (RNP+) para o apoio às PVHA que
são atendidas neste serviço. Na RNP+ há distribuição de cestas básicas para os usuários
em situação de extrema vulnerabilidade, assessoria jurídica e cadastro para o bilhete
único (gratuidade no transporte público).
A relação com as OSC, no entanto, não é sempre amigável. A RNP+ também se
apresenta como uma instituição combativa politicamente o que gera desconforto. Houve
desacordo, por exemplo, quando o SAE AM foi concebido, pois, os membros da ONG
afirmavam que a APS não é o local adequado para o atendimento das PVHA. Em outro
momento, quando da realização de uma reforma na UAPS AM, o SAE AM
provisoriamente, para não parar os atendimentos, transferiu os atendimentos para a sede
da RNP+. O espaço era precário, estava adaptado em condições limitadas para a
realização do atendimento. Na época o presidente da RNP+ criticou de forma severa os
atendimentos gerando descontentamento com os profissionais de saúde que estavam
atendendo naquele contexto.

Faço a crítica à ONG que em nenhum momento apoiou a experiência do SAE


AM, por vezes, criticou. Numa reforma do SAE AM fomos para um prédio
onde sediava uma ONG, em condições limites, mas para não parar o
atendimento mantivemos lá. O presidente da ONG lançou nota pública
expressando a precariedade do atendimento no prédio, mesmo que
momentâneo (Infectologista 1).

A UAPS AM, uma unidade mista com serviços da APS e especialidades, é


terreno fértil para articulações na própria dependência. Os profissionais de saúde do
SAE AM lançam mão das especialidades disponíveis (ginecologia, odontologia,
vacinas, endocrinologia, otorrinolaringologia, dermatologia) na UAPS para garantir a
52

integralidade do cuidado as PVHA. Uma articulação que é sempre presente,


principalmente na ausência dos infectologistas é o médico da Estratégia Saúde da
Família (ESF). Capacitado no curso de manejo clínico pela SESA, o médico realiza os
atendimentos requisitados pelo serviço. A cirurgiã-dentista da UAPS também se
apresenta bastante acessível aos usuários do SAE AM. Mesmo com a participação do
médico de saúde da família e da cirurgiã-dentista, a participação da ESF nos trabalhos
concernentes ao SAE é bastante restrita, segundo o Infectologista 1, falta um maior
engajamento.
As demandas de saúde mental são uma preocupação constante dos profissionais
do SAE AM. O serviço não dispõe de profissionais psicólogos que possam realizar o
atendimento, há uma grande demanda por parte dos usuários. Para dar conta desta
demanda as profissionais de saúde referenciam os usuários para o CAPS (Centro de
Atenção Psicossocial) ou para o SAE Carlos Ribeiro (CR). A devolutiva que os usuários
do serviço trazem em relação ao CAPS é de dificuldade de acesso. O SAE CR,
atualmente, também se encontra sem o profissional de psicologia, solicitando o auxílio
do psicólogo do SAE CEMJA.
A construção das redes nem sempre possui uma articulação formal, geralmente a
articulação se dá pelo movimento de um profissional de saúde que possui alguma
inserção em outros serviços. Assim, desde a implantação do SAE AM, os profissionais
de saúde se referiram à articulação com a ESF, odontologia (hoje de forma mais
pontual), com o Centro de Referência da Assistência Social (CRAS), CAPS, os cursos
de farmácia, odontologia e medicina da Universidade Federal do Ceará (UFC), a RNP+
e o HSJ, a Casa Girassol (ONG de apoio as PVHA), há, também, articulações com
outros do SAE, tais como Núcleo de Atenção Médica Integrada (NAMI) na
Universidade de Fortaleza (Unifor), SAE Christus, CEMJA e SAE CR.

COMPORTAMENTO DOS JOVENS

Atualmente, os profissionais de saúde têm se deparado com o acesso mais


intenso de jovens na faixa etária de 15 a 24 anos, muitos na condição de homens que
fazem sexo com homens (HSH). O comportamento tem se diversificado principalmente
em relação ao início da epidemia, a contemporaneidade da epidemia traz traços novos
que começam a ser percebidos pelos profissionais de saúde que estão no contato direto
com as PVHA.
53

A maioria dos jovens que acessam é homossexual. Conversamos pouco.


Acho que saunas e boates estão sendo substituídas por outros cenários, usam
muito aplicativos de encontros amorosos, redes sociais. A incidência muito
alta de sífilis revela o baixíssimo uso do preservativo (Infectologista 1).

Geralmente esses jovens possuem múltiplos parceiros. Muitos também


possuem envolvimento com abuso de drogas lícitas e ilícitas. Essa geração de
jovens tem a questão da experimentação, um colega chama de “geração flex”,
transa com homens, transa com mulher, depois transa com outros homens e
não está muito preocupada com as consequências ou com a questão moral
(Infectologista 2).

A utilização dos aplicativos dos smartphones é uma prática relativamente


recente que, certamente, possui algum grau de influência sobre os caminhos da
epidemia na contemporaneidade. Os tradicionais guetos dos homossexuais, as saunas,
os chamados cinemões, as boates, agora convivem com a utilização os aplicativos de
relacionamentos. Os aplicativos facilitaram a articulação para as práticas sexuais,
tornado-as mais fáceis. A utilização dos preservativos, por sua vez, é referida como uma
prática pouco utilizada por esses jovens. O sentimento de que a infecção pelo HIV não
vai atingi-los, ainda está presente no imaginário dos jovens.

Mesmo com as informações tenho dificuldades que eles utilizem os


preservativos, é muito difícil a utilização do preservativo em qualquer
paciente. Mesmo argumentando que pode se reinfectar ou se infectar com
IST, para muitos, o HIV era o que de mais grave podiam adquirir, os outros
seriam males menores (Farmacêutica).

As fontes utilizadas pelos jovens para pesquisar a aids são as mais diversas, mas
a pesquisa facilitada pela internet é a mais comum. A veracidade das informações
contidas na rede de computadores é questionável, há muitas fontes que dissertam sobre
o HIV/aids. Alguns jovens se apropriam da nomenclatura do campo da aids e
conversam sobre seus tratamentos com os profissionais de saúde. Mesmo com o acesso
aberto na rede de computadores, o conhecimento sobre a profilaxia pré-exposição
(PrEP) e a profilaxia pós-exposição (PEP), técnicas da prevenção combinada que está
na dianteira das políticas públicas de HIV/aids na contemporaneidade, ainda é restrita.
A enfermeira cogita a possibilidade dos pais destes jovens não terem o conhecimento
adequado sobre a contemporaneidade da epidemia por não ter vivenciado o tempo mais
rude das três décadas da epidemia de aids.
54

Os jovens que acessam o serviço, em grande medida, já chegam com algum


conhecimento sobre a infecção pelo HIV, no entanto, as condições socioeconômicas
estabelecem gradações nestes conhecimentos que reverbera na condução do seu
comportamento a partir do conhecimento da condição sorológica de viver com
HIV/aids. O SAE AM possui usuários de todas as esferas sociais, desde o jovem em
situação de rua e fazendo uso abusivo de substâncias psicoativas até professores
doutores nas universidades. O protagonismo na condução do tratamento entre os jovens,
consequentemente uma boa adesão, está associado a alguns fatores.

Então, a grosso modo, eu percebo que os pacientes jovens, com o perfil


socioeconômico, educacional menos favorecido, tem menos interesse nessa
proatividade no seu tratamento (Infectologista 2)

Percebo que os jovens tem o HIV muito distante da vida deles, acham que
nunca vai acontecer com eles. Quando acontece eles querem esconder a
sorologia, pois a possibilidade de transar entre eles fica restrita. Esses jovens
possuem, em sua maioria, situação socioeconômica mas precária, apesar de
termos alguns em pós-graduações, outra característica do SAE AM
(Farmacêutica).

Alguns jovens, quando conhecem o diagnóstico para a infecção pelo HIV,


apresentam uma negação da condição sorológica, uma dificuldade de se expor. Orienta-
se para que ele compartilhe essa informação com alguém que confia: pais, familiares,
amigos. Esta negação, no entanto, pode durar semanas, meses e até anos, o retorno ao
serviço pode ser numa condição física já bastante debilitada.

Os pacientes que conseguem compreender a importância do


acompanhamento são os pacientes que melhor tem adesão. Ou os pacientes
que começam a aceitar o seu diagnóstico, eles começam a entender o fluxo
desse acompanhamento, eles são os pacientes que tem melhor adesão. Os
pacientes que tem dificuldade de compreender ou de aceitar a sua sorologia
positiva, são os pacientes que vão ter dificuldades para tudo, para ir para a
consulta, para tomar medicamento, para a realização de exames porque a
adesão ela envolve todo o processo (Farmacêutica).

Os jovens que atravessam a barreira da negação e conseguem estabelecer um


vínculo com o serviço, participam com disciplina das atividades propostas pelos
profissionais de saúde, utilizam seus medicamentos de maneira apropriada, rapidamente
conseguem equilibrar a carga viral no corpo e ter uma qualidade de vida mais potente.
Quando o vínculo está estabelecido eles conseguem expressar as questões íntimas,
levam companheiros para esclarecimentos sobre o HIV/aids, falam dos relacionamentos
55

e das festas que frequentam e isso facilita a intervenção dos profissionais de saúde na
produção do cuidado. A participação destes jovens junto ao movimento social é restrita
devido o receio da exposição, eles desejam manter a sigilo da condição sorológica a
todo custo.

ESTRUTURA FÍSICA E HUMANA DOS SERVIÇOS

A estrutura física do SAE AM dispõe de 02 (duas) salas. Havia três, no entanto,


numa madrugada, o teto de uma das salas desabou e desde então esta sala foi
desativada. Uma das salas está armazenado os medicamentos antirretrovirais, os
prontuários que ainda são de papel e, sistematicamente, os profissionais se cotizam para
comprar novas pastas e insumos de escritório para manter o serviço funcionando.

Estrutura muito precária. Temos duas salas, uma de frente para a outra. Uma
que era utilizava o teto caiu, as paredes estão mofadas, ainda não foi
consertado o teto, não há armários suficientes, não tem pastas suficientes,
adquirimos os materiais com os recursos próprios. Falta rolo de maca,
também adquirido com recursos próprios (Farmacêutica).

Os profissionais infectologistas estão mais satisfeitos com a estrutura física,


apesar de acharem que poderia melhor. Talvez o tempo restrito de 04 (quatro) horas
semanais que dispensam ao atendimento no SAE AM amenize o descontentamento em
relação à estrutura.
Eu sou um cara que trabalha em qualquer condição, até debaixo de um
cajueiro. Pra mim está sempre tudo bom, mas não acho que seja uma virtude,
é mais um defeito. Há alguns problemas estruturais, poderia ser melhor
(Infectologista 1).

O trabalho é de consulta e orientação. Há poucas profissionais para a


demanda. A sala, no entanto, é bem equipada, do ponto de vista do
computador, da internet que funciona, a impressora para o resultado dos
exames, solicitação de exames, ar condicionado, tem os insumos, mas para a
atividade multidisciplinar é limitada (Infectologista 2).

A quantidade de profissionais para o serviço é muita restrita. Sente-se a ausência


de duas categorias importantes para o atendimento as PVHA, a saber, assistente social e
psicóloga. O serviço já contou com uma assistente social que teve o contrato encerrado,
e a psicologia esteve brevemente à disposição com uma articulação com o Núcleo de
Apoio a Saúde da Família (NASF) na UAPS AM. O serviço atualmente é marcado por
uma grande rotatividade dos profissionais, em razão do vínculo precário que se
56

estabelece com as seleções realizadas pela SMS de duração de 02 (dois) anos. A cada
mudança de ciclo pode haver o rodízio de profissionais de saúde que já haviam
estabelecido um vínculo com os usuários e é necessário recomeçar todo o processo,
fragilizando o manejo das PVHA. As contratações são realizadas como RPA (Recibo de
pagamento a autônomo) sem garantias mínimas aos trabalhadores. Quando os
profissionais de saúde alcançam trabalhos com algumas garantias eles migram, o SAE
AM, então, passa a ser um local de passagem.

Há poucos profissionais no SAE AM, sinto as ausências de uma assistente


social e uma psicóloga no serviço e uma enfermeira exclusiva para o serviço.
A AT de IST, aids e HV não tem autonomia, está subordinada a outra
coordenação, o HIV/aids não é prioridade (Farmacêutica).

Uma questão importante levantada pela profissional de saúde é a limitada


autonomia da ATIAHV para atuar junto aos serviços. A subordinação da área técnica a
outras coordenações não permite que haja agilidade na resposta as demandas cotidianas
do serviço. As sucessivas mudanças de gestão também fragilizam o serviço, cada nova
gestão traz uma nova visão sobre o serviço, comprometendo o trabalho anteriormente
realizado.

As atividades dos SAE não são institucionalizadas, há o envolvimento dos


profissionais quase militantes da causa ou uma solicitação da ATIAHV, a
cada mudança de gestão, seja do nível central ou local, as coisas mudam. Não
há uma linearidade. Já houve 05 (cinco) gestões diferentes na UAPS AM,
isso vai fragilizando o serviço porque cada gestora pensa o SAE de uma
forma diferente (Farmacêutica).

As atualizações clínicas sobre a contemporaneidade da epidemia de HIV/aids


são bem restritas e pontuais. A atualização dos profissionais de saúde se dá por
iniciativa própria. A enfermeira relata que o seu treinamento foi acompanhar por 02
(dois) dias as atividades no SAE CR.

CONTEMPORANEIDADE DA EPIDEMIA DE HIV/AIDS ENTRE OS JOVENS

A epidemia de HIV/aids de apresenta diariamente no cotidiano dos profissionais de


saúde do SAE AM. A percepção é que a epidemia está crescendo e os casos dos jovens
e dos idosos precisam ser “estudados, olhado, refletido”. A demanda de pessoas tem
crescido no serviço, não se sabe se a descentralização do manejo das PVHA é a única
57

responsável por essa sensação, o fato é que a procura ao serviço aumentou. Não há
clareza sobre o fenômeno atual que se apresenta por virtualidades, sabe-se que algo está
ocorrendo, mas ainda não está atualizado para que se compreenda com mais
complexidade. A palavra de ordem “use preservativo” e “faça sexo seguro” não está
funcionando.

Eu acho que a epidemia está crescendo, o número de novos infectados é


crescente e mudando um pouco as populações chaves, os jovens aí hoje é
uma questão que a gente precisa olhar, estudar, refletir, ver assim os
específicos, porque realmente o número de casos novos entre os jovens é
muito alto, e eles se sentem melhor acolhidos no contexto da atenção
primária do que num serviço de referência hospitalar (Infectologista 1).

A forma como os jovens veem a aids é distinta dos jovens de 20 (vinte), 30


(trinta) anos atrás. Acho que tem a ver com muitas formas de comunicação,
mesmo que pouco qualificado. A educação em saúde não tem alcançado os
jovens. A crise econômica também impacta. Não tenho tanta clareza para
esse fenômeno (Infectologista 1).

Percebe-se uma lacuna nas políticas públicas para a juventude. As juventudes


não se sentem incluídas no processo de cuidado. Os profissionais acreditam que, no
presente, falta articulação entre a educação e a saúde. Preocupam-se com a prevenção
antes dos jovens acessarem o serviço já com HIV.

A gente tende a ser conservador, achar que o pessoal não quer nada, só
querem saber de farra, mas não podemos nos apegar a esse discurso, há
elementos sociológicos e antropológicos para avaliar isso, soluções simplistas
não dão conta disso. Há jovens de todos os extratos sociais, é um jovem novo
que precisamos estudar (Infectologista 1)

Os profissionais de saúde atentam para a necessidade de trabalhar a questão da


prevenção e da sexualidade, porque mesmo havendo a cura, neste cenário, haveria
novas reinfecções. Segundo o infectologista 1, a APS poderia contribuir muito com esse
cenário.

Então, você precisa atrair os que ainda não sabem que tem, os que sabem que
tem e não estão em tratamento e estão de alguma forma transmitindo a
doença. Então, o que falta pra atrair essas pessoas, para se diagnosticarem e
se tratarem, porque eu acho que esse é um grupo que tem que ser visto com
prioridade, e eu acho que esse sujeito que desconfia que tem o vírus ou sabe e
não se trata, ele olha hoje pra um SAE e ele não se sente com privacidade,
com segurança, com tranquilidade e acolhido para aceitar o diagnóstico e se
tratar (Infectologista 1).
58

Os profissionais de saúde, em grande medida, revelam aflição pelos pacientes


que ainda não se infectaram, a angústia é devido à dificuldade de acesso a essas pessoas
que estão vulneráveis, já que o ofício destes profissionais se restringe quase que
exclusivamente as PVHA. Há histórico de usuários que faz testes como forma de se
prevenir, um dia ele se infecta e a pergunta emerge: por que não foi possível a
intervenção? O trabalho deles é mais assistencial, quando a pessoa já está infectada, mas
acham que deveria lançar mão de mecanismos para evitar a infecção. É bem complexa,
a solução não está dada.

Porque o que mais me preocupa era prevenir esse jovem para ele não chegar
no meu serviço com HIV, como eu to resolvendo jovens de 15 anos, 17 anos,
18 anos, praticamente toda a semana. No início da sua vida, no início da vida
adulta e alguns que estão iniciando graduação, outros que nem iniciaram
ainda, que não sabe como é que vai ser seu futuro e aí, o que fazer? O que
fazer para evitar com que esses jovens tenham a infecção pelo HIV? Eu acho
que tem que ter uma articulação entre a universidade, de gestão e tem que ser
uma política mesmo institucionalizada de prevenção (Farmacêutica 1)

A narrativa dos profissionais de saúde ecoa a ausência ou ineficácia de políticas


públicas que ofereçam obstáculos às novas infecções, principalmente entre os jovens. A
narrativa de prevenção clássica parece ter perdido força ou se apresenta limitada para
dar conta da contemporaneidade da epidemia de HIV/aids. Os profissionais reconhecem
que algo precisa ser feito.

2.2. SAE CARLOS RIBEIRO

HISTÓRICO

O Serviço de Atendimento Especializado (SAE) Carlos Ribeiro inicia sua


história nos anos 90 com o extinto Centro de Orientação e Aconselhamento Sorológico
(COAS) instalado no posto de saúde Carlos Ribeiro no bairro Jacarecanga. Na ocasião a
epidemia de HIV/aids vivia um período de terror pelas infecções ascendentes e as
mortes inevitáveis. O COAS é uma estratégia para a oferta da testagem com a intenção
de contribuir para o cuidado referente às pessoas que vivem com HIV/aids (PVHA).
59

Os profissionais de saúde tinham receio de trabalhar neste serviço, devido o


desconhecimento, o preconceito e o estigma que a aids encerrava. Foi neste período, um
dia depois da inauguração do serviço que a assistente social (AS1) aportou na unidade,
de lá até os dias atuais são 21 (vinte um) anos neste serviço de aids. O nome do serviço,
nos anos 2000 mudou para Centro de Testagem e Aconselhamento (CTA), os exames
para diagnóstico se tornaram mais sensíveis, implantou-se os testes rápidos (TR) com
resultados precisos em 30 (trinta) minutos. O CTA, assim, é a referência do município
para os testes diagnósticos de HIV, sífilis e hepatites virais A e B. O usuário que deseja
realizar a testagem basta apresentar um documento com foto e expressar a vontade de
fazê-la. A procura ao serviço só aumenta, ano a ano. Mesmo com o empenho da Área
Técnica de IST, aids e hepatites virais (ATIAHV) para descentralizar os TR nas
Unidades de Atendimento Primário à Saúde (UAPS) de Fortaleza, o CTA permanece
como referência.
O modelo tradicional de manejo das PVHA no Brasil é o hospitalar, os SAE,
então, eram localizados em estruturas hospitalares. Com o advento de medicamentos
eficazes e disponibilizados de forma gratuita e universal, a estrutura hospitalar dos SAE
se apresentava estrangulada. Os SAE de Fortaleza estavam com uma quantidade
significativa de usuários ativos vinculados, assim, era necessário criar estratégias para
lidar com a cronicidade da aids. Modelos internacionais de manejo da PVHA na atenção
primária à saúde influenciaram alguns infectologistas e outros trabalhadores da saúde no
Brasil. Logo, a cidade de Fortaleza experimentaria duas experiências de SAE na
estrutura física de uma UAPS: SAE Carlos Ribeiro (CR) e SAE Anastácio Magalhães
(AM).
Assim, o CTA Carlos Ribeiro também se tornou o SAE Carlos Ribeiro, além da
oferta de testes rápidos, o manejo das PVHA passou a ser realizado na mesma estrutura
física do CTA que, por sua vez, é instalado dentro da UAPS Carlos Ribeiro. A
complexidade aumentou quando um dos SAE mais tradicionais do município de
Fortaleza, com o maior número de usuários vinculados teve que se transferir, também,
para a estrutura da UAPS Carlos Ribeiro, o SAE do Centro de Especialidades Médicas
José de Alencar (CEMJA). A junção desses serviços trouxe potencialidades, mas
também grandes desafios, o primeiro deles as condições físicas precárias e a luta por
espaço dentro da UAPS Carlos Ribeiro. Trata-se de uma relação que oscila entre apoio e
conflitos.
60

A condição de estes serviços estarem instalados na UAPS CR tem seus prós e


contra. A referência ao CTA liga o usuário ao HIV/aids e os usuários que são
acompanhados no SAE para atendimento com infectologista ficam vulneráveis à
descoberta de sua condição sorológica. Este fato pode gerar desconforto em acessar o
serviço causar a desistência do acompanhamento. Por outro lado a proximidade entre os
serviços de testagem, acompanhamento, da APS e de algumas especialidades presentes
na estrutura da unidade de saúde, também auxilia na observância da integralidade do
cuidado das PVHA vinculadas ao SAR CR.
O CTA ficou mais visível depois da internet, antes era mais centrado no
território. Atualmente quando se pesquisa testagem de HIV em Fortaleza logo ele fica
visível, a demanda aumenta cotidianamente. Acessam todas as classes socioeconômicas
pela rapidez no diagnóstico. O CTA é o maior realizador de exames e encaminha para
os SAE localizados no município de Fortaleza.
O SAE CR é composto de 02 (três) enfermeiras, 02 (duas) assistentes sociais, 02
(dois) infectologistas e uma coordenadora. As enfermeiras estão presentes às segundas e
quartas à tarde, às assistentes sociais estão todos os dias, os infectologistas estão nas
terças, quartas e quintas. O SAE CR atende pessoas de todo o município de Fortaleza, a
maior porta de entrada é o CTA por meio da testagem rápida, o equipamento centraliza
boa parte das testagens porque a disseminação destas em outros serviços da APS não
alcançou a totalidade.

FLUXOGRAMA

a) Diagnóstico reagente no CTA – Definir onde o PVHA será acompanhado (oferta-se


os serviços disponíveis). Liga para o serviço para saber o dia, o horário e quem irá
recepcioná-lo no SAE. Ficando no SAE Carlos Ribeiro – Consulta de Enfermagem e
Serviço Social (em no máximo 15 dias, avalia a situação do usuário do ponto de vista da
urgência, pode ocorrer a antecipação da consulta com infectologista ou referenciar para
um serviço terciário de emergência). Solicita-se os exames - Realização dos exames
(carga viral e outros) no dia seguinte. Marca a consulta para o infectologista. Os exames
demoram entre 30 e 40 dias.
61

b) 1ª consulta com infectologista 30 a 40 dias da realização dos exames (exames já


anexados ao prontuário, inicia TARV). – Agenda retorno para o infectologista.

c) 2ª consulta com infectologista 30 (trinta) dias depois da última para avaliar a situação
de saúde depois do início dos antirretrovirais.

ESTIGMA E PRECONCEITO

Um dos principais empecilhos para a retenção das PVHA nos SAE e,


consequentemente, uma prática integral do cuidado é o medo de ser reconhecido
frequentando um serviço que é específico para o tratamento de HIV/aids. Unidades
hospitalares que se firmaram como referência para o tratamento de HIV/aids como o
Hospital São José de Doenças infecciosas (HSJ) é marcado pelo estigma.
A demanda do estigma e preconceito é elemento presente no planejamento e
atendimento dos profissionais de saúde, a temática está sempre em evidência, visto se
tratar de algo cotidiano e profundamente emblemático para as PVHA. Lidar com este
problema requer uma escuta qualificada. A equipe do SAE recebe muitos elogios dos
próprios usuários do serviço por conseguir lidar com o estigma. A grande maioria dos
usuários do serviço prefere não se expor, manter a condição sorológica em segredo.
O fato dos usuários do CTA e do SAE ficarem no mesmo ambiente dificulta o
retorno ao serviço, pois, há o receio de se expor, por exemplo, eles não querem sair com
o prontuário em mãos (prática comum quando eles saem da consulta com infectologista
e vão marcar a próxima consulta na recepção), afinal, o objeto prontuário identifica
aquela pessoa como uma possível PVHA. Os sujeitos que estão apenas realizando a
testagem não saem das salas com nada nas mãos, assim, segundo os profissionais de
saúde, alguns usuários preferem não sair com o prontuário e dizem que marcam depois.
Este fato em si pode estimular o usuário a não frequentar o serviço com receio de ser
identificado como alguém que vive com HIV/aids.

[...] por exemplo, tem paciente que entra na consulta e pede pra não sair com
o prontuário que é a prática normal ele levar e fazer a marcação, mas ele
pede: "Não, eu marco depois" e deixa o prontuário pra não ter que sair pra
onde estão os outros que estão fazendo a testagem, porque a testagem tem um
grau de aceitação maior, isso é incentivado na mídia etc., Então todo mundo
62

testa HIV, não tem nenhum problema, agora você entrar naquela primeira
salinha há um certo registro de que ali é o atendimento do infectologista, e
isso já tentei fazer uma narrativa de que é infectologia geral, mas é difícil, o
registro já é bem conhecido e acaba que se sabe mesmo (Infectologista 3).

Diante deste cenário há pacientes que não querem acessar o serviço, por
exemplo, em um caso, a mãe é que apresenta os exames aos profissionais de saúde, a
usuária não tem frequentado o serviço por medo e ser identificada. A situação, claro,
não é a ideal, mas se compreende e se realiza porque mesmo desta forma precária a
usuária está minimamente sendo acompanhada. A discriminação e o estigma são
bastante frequentes, há relatos de expulsões de casa, separação dos utensílios
domésticos, fim de relacionamentos quando se socializa a sorologia, entre outros casos.
A prática da vacina, por exemplo, se apresenta como um problema, a aplicação não
ocorre na estrutura específica do SAE CR, assim, os usuários são encaminhados para
salas na UAPS ou em outros serviços. A dosagem da vacina para as PVHA muitas
vezes é específica, assim, eles precisam se identificar como alguém que vive com
HIV/aids, esta situação pode ser bastante constrangedora porque nem sempre existe uma
privacidade da sala da vacina.
Outro caso emblemático é de uma usuária que ainda vivencia o processo de
negação, bem comum entre os recém-diagnosticados. A mãe desta usuária é que
acompanha o fluxo de assistência, ela passa sozinha por todo o processo do tratamento
porque a filha tem pavor à ideia de ser identificada como alguém que vive com HIV, a
usuária somente acessa o serviço ao final do expediente quando não há mais pessoas nas
dependências. Inclusive, a usuária, mesmo observando os critérios para os benefícios do
bilhete único (transporte público gratuito para PVHA) e das cestas básica, não se
desloca à sede da RNP+ por receio de ser identificada por alguém e afirma que lá “só
tem gente que vive com HIV”, ela também não procura trabalho temendo que solicitem
o teste de HIV para admissão (prática proibida por lei) e não acessa os outros serviços
de saúde que o SAE referencia.
O caso desta usuária é um caso limite, mas não é pontual. O estigma e o
preconceito são obstáculos para a retenção ao serviço, consequentemente, barreira para
uma boa adesão à terapia antirretroviral (TARV). O vínculo fica comprometido e a
assistência às demandas que emergem no usuário fragiliza o controle do HIV/aids.
63

CUIDADO

Efetivamente, para o atendimento as PVHA em sua integralidade, é necessário a


acolhida sem julgamentos que consiga escutar as demandas que emergem na relação
entre o profissional de saúde e o usuário do serviço. Os profissionais de saúde referem-
se bastante da necessidade de trabalhar o emocional dos usuários do SAE, nesse sentido,
a ausência de um profissional psicólogo que possa atuar nesta rede de cuidados é sentida
pelo serviço. Segundo os profissionais de saúde, mesmo diante de fragilizadas expostas
neste relatório a equipe é bem avaliada pelos usuários muito em razão do entrosamento
da equipe.
O ciclo de pessoas que conhecem a sorologia dos PVHA é muito restrito. Os
profissionais de saúde se colocam à disposição para conversar com familiares,
companheiros, amigos. Os contatos mais recorrentes são com os parceiros e mães para
esclarecimentos quanto à condição clínica e direitos das PVHA. O envolvimento dos
familiares, amigos e companheiros de confiança dos usuários fomenta o vínculo com o
serviço que por sua vez contribui para a retenção e adesão à terapia antirretroviral que
impacta positivamente na resposta terapêutica. A conversa com os familiares e amigos,
por sua vez, é por demanda espontânea, não se busca, no caso dos atendimentos com
infectologista em específico. O serviço social, no entanto, busca os familiares que
acompanham seus entes quando estes abandonaram o serviço ou quando se percebe a
gravidade presente com ideações suicidas.
A sexualidade ainda é um tema tabu que desconcerta, inclusive, alguns
profissionais de saúde. A dificuldade em tratar do tema engendra obstáculos na
condução da assistência destas PVHA. Há um sem número de informações presentes na
rede de computadores, no entanto, a procedência dessas informações deve ser posta em
observação pelos profissionais de saúde, sem moralismos que atrapalhem a construção
de vínculo. O jovem, então, vive uma conjuntura distinta de alguns anos atrás, as
experimentações que eles se engajam não podem ser encaradas pelos profissionais de
saúde de forma engessada ou com moralismos, apenas o contato que o vínculo
proporciona pode auxiliar na produção deste cuidado.

O tabu insistente da sexualidade e, mais precisamente sobre a


homossexualidade, atua na contemporaneidade da epidemia. As pessoas tem
acesso à informação. A questão do sexo anal desprotegido é um elemento
importante, a vulnerabilidade biológica. Mesmo com todos os avanços, por
que aumenta tanto? Porque o sexo é irracional. A gente trabalha com a
64

prevenção só na razão e o sexo mexe com outras emoções que vão além da
razão, então é muito difícil essa questão da prevenção nesse momento de
muito prazer [...] (Assistente Social 1)

[...] então eu acho que é muito desafiador isso, é desejo, é tesão, é viver
intensamente o prazer que é uma coisa nova, que é uma fase de descobertas,
que você tá saindo da infância para descobrir dessas outras possibilidades, e
aí a pessoa pensa que com ela isso não vai acontecer [...] (Assistente Social
1)

Os jovens estão acessando o serviço de forma mais intensa proporcionando aos


profissionais de saúde a possibilidade de compreender os caminhos que a epidemia vem
traçando na contemporaneidade. O fenômeno relativamente novo é um convite para
pensar uma terapêutica singular que se oriente pela corresponsabilidade.

Estimular o jovem a pensar pondo questões como: o que é a prevenção? O


que você está fazendo para se proteger? Gerar um movimento que saia da
zona de conforto, de segurança e de convicção. Problematizas os riscos
(Assistente Social 1).

A proximidade entre o CTA e o SAE CR permite que algumas medidas sejam


tomadas para dar celeridade à assistência. Uma pessoa que é diagnosticada no CTA e
deseja ser acompanhado no SAE CR já inicia os cuidados prontamente, o acolhimento
já inicia com os atendimentos de enfermagem e da assistência social, antes da consulta
com o infectologista os exames são realizados e anexados ao prontuário para que mais
elementos possam contribuir com a assistência. A mudança recente do esquema de
TARV com a utilização do antirretroviral dolutegravir permitiu uma melhor aceitação
pelos usuários devido à diminuição dos efeitos adversos e a rapidez no controle da carga
viral ao patamar indetectável.

Então por fim o paciente chega pra mim já com todos esses exames, a gente
já pode fazer uma abordagem montada em cima do que a gente chama da
Propedêutica armada, que é com o conjunto de exames laboratoriais. Essa
nova forma de abordar o paciente, a aceitação maior dessa medicação
facilitou isso no serviço, é um dado de realidade, realmente a gente nota essa
diferença (Infectologista 3).

A consulta com o infectologista tem uma característica mais clínica, observa-se


as orientações em relação ao medicamento, se há uma boa tolerância, se a função renal
está preservada, a robustez das células T CD4, entre outros indicadores, mas há também
questões emocionais e sociais que emergem nestas consultas, mais perceptíveis com os
atendimentos de enfermagem e do serviço social. Em razão disso, para a integralidade
do cuidado, convém que os profissionais de saúde estejam bem entrosados para que
65

possam pensar junto um projeto terapêutico que atente para a singularidade de cada
usuário. Quando é possível, o infectologista 3 verifica com as assistentes sociais as
informações que ele não consegue captar na consulta, tais como, uso de drogas (os
usuários falam com tranquilidade), em um caso, já escapou, por exemplo, um caso de
um paciente que havia estado preso.
O trabalho multidisciplinar é bastante enfatizado no SAE CR como uma
potência do serviço. A complexidade de uma infecção pelo HIV com vários elementos
clínicos e sociais requer o envolvimento de uma multiplicidade de disciplinas para uma
resposta efetiva.

Eu acho que o trabalho multidisciplinar pra mim lá é a coisa que mais deva
ser enfatizada, então o que é conquistado por essa ação de múltiplas mãos, de
múltiplas percepções, de múltiplas profissões pra mim é o que tem sido o
grande diferencial (Infectologista 3).

A narrativa do infectologista 3 o posiciona em um papel periférico de prescritor,


com os recursos das suas percepções, o investimento pessoal em saúde mental, o
trabalho com os surdos. O investimento do infectologista 3 na educação e assistência
aos surdos permitiu o acesso destes que vivem com HIV/aids ao SAE CR. Nas lacunas
do atendimento a equipe iniciou estudos com a Língua Brasileira de Sinais (Libras)
capitaneada pelo infectologista. Outra iniciativa do infectologista foi uma apresentação
dos medicamentos antirretrovirais para os usuários do SAE CR que teve uma boa
aceitação, bem como uma apresentação sobre hepatites virais para a equipe, todas
realizadas no auditório da UAPS CR. Estas iniciativas revelam a singularidade de cada
serviço e a influência que os profissionais de saúde exercem na condução e proposição
da assistência.

Os serviços têm muitas coisas, muitas saídas, tanto relacionadas aos pacientes
como ao processo de formação multiprofissional (Infectologista 3).

A enfermagem tem o papel cotidiano de atentar para as reações adversas das


medicações, está mais próximo dos usuários, assim como, o serviço social. A
importância do elo, do vínculo, é exercida pela enfermagem. Os usuários se sentem
acolhidos e diante de qualquer intercorrência eles procuram o SAE, mesmo as
demandas da APS. A enfermagem realiza avaliações, os encaminhamentos necessários e
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orientações sobre medicamentos fazem parte do trabalho. O acolhimento, portanto


atenta para as demandas que chegam ao serviço, há muitas nuances.

É preciso estar atenta e trabalhar visando a redução de danos. Usuários em


situação de rua, uso abusivo de substâncias psicoativas, trabalhadores do
sexo, por vezes, co-infecção TB-HIV (Enfermeira 2).

Os atendimentos são singulares, há uma multiplicidade de usuários que acessam ao


serviço vindo com demandas bem específicas advindas de contextos sociais,
econômicos e psicológicos.

Aqui é uma caixinha de surpresas, quando a gente acha que viu de tudo no
outro dia vem uma surpresa nova, e você assim, cada resultado é uma forma
diferente, resultado diferente, conduta diferente, por que a gente trabalha
muito a realidade de vida de cada pessoa (Enfermeira 3).

A equipe reduzida tem a capacidade de aproximar os profissionais de saúde, há


uma sintonia entre eles e um desejo sincero de auxiliar. Qualquer profissional pode
acolher o usuário que chega ao serviço com a sua demanda. Há uma boa relação na
equipe, é bastante coesa.
A maioria dos atendimentos é de usuários assintomáticos - o perfil ambulatorial
do SAE. Segundo a infectologista 4, há um bom suporte de exames de carga viral, CD4,
hemogramas completos, hepatites virais, medicamentos não faltam. Estas características
fomentam a retenção do usuário no serviço de saúde e impacta na resposta à epidemia
de HIV, as idas ao serviço fica mais espaçada, chegando a uma consulta por semestre. A
retenção dos jovens ao serviço produz o vínculo médico-paciente, outros elementos vão
sendo colocados, no entanto, há casos de usuários em situação de rua, uso e abuso de
substâncias psicoativas que a infectologista não consegue auxiliar como gostaria.

Quando o quadro clínico é estável as consultas ficam de 01 (um) mês


inicialmente, com 03 (três) meses ele já pede retorno, quando a carga viral já
se torna indetectável e o CD4 elevado, as consultas vão ficando mais
pausadas, de 06 (seis) em 06 (seis) meses (Infectologista 4).

As consultas de enfermagem e Serviço Social são 02 (dois) dias na semana, o


atendimento com infectologista também ocorre em 02 (dois) da semana. Em situações
mais graves em relação à sintomatologia é dado agilidade para o atendimento com
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infectologista. Os familiares serão sempre atendidos caso haja necessidade do usuário,


principalmente pela equipe de enfermagem e serviço social.
O Serviço Social valoriza bastante a acolhida, a escuta, não trata somente das
questões relativas aos direitos e benefícios. Há casos de usuários que aderiram ao
serviço devido o acolhimento, vindo de outras instituições.
O SAE contava com um grupo de adesão ativo que mobilizava os usuários em
reuniões mensais, no entanto, nos últimos meses, a adesão foi diminuindo, no último
encontro apenas uma pessoa veio. Por que houve o esvaziamento do grupo? Convém
compreender este processo de esvaziamento. Há o temor de ser reconhecido no grupo?
Tornou-se desinteressante? São questionamentos que emergem junto aos profissionais
de saúde do SAE, não há clareza do porquê do esvaziamento desta atividade em
específico.

REDES
Um dos papéis primordiais do serviço é se articular, pois a capacidade instalada
do SAE não tem autonomia para resolver tudo. A integralidade do cuidado é alcançada
pela articulação em rede entre os serviços. As demandas que se apresentam aos
profissionais de saúde dos SAE extrapolam as ferramentas que estão disponíveis no
serviço, por isso, a necessidade de estabelecer relações com outros serviços de saúde,
assistência social e articulação com o movimento social de HIV/aids.
As articulações mais referidas são com outros SAE, tais como o Núcleo de
Atendimento Médico Integrado (NAMI) da Universidade de Fortaleza (Unifor),
Hospital Nossa Senhora da Conceição, Hospital Gonzaguinha do Zé Walter, o próprio
CEMJA (que no mesmo espaço físico da UAPS Carlos Ribeiro são serviços
completamente diferentes) e o Centro de Saúde do Meireles com tratamento de IST.
O Hospital São José de Doenças Infecciosas (HSJ) é o único que oferta a
profilaxia pós-exposição (PEP) no município de Fortaleza e é a referência terciária para
a necessidade de emergência e de acompanhamento dos casos que ficam mais
complexos.
A Rede Nacional de Pessoas vivendo com HIV/aids (RNP+), uma organização
não governamental (ONG) atuante no campo do HIV/aids, é uma articulação importante
para o acesso às cestas básicas nos casos de vulnerabilidade social e atendimento
jurídico às quintas-feiras à tarde.
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A relação com os Centros de Referência da Assistência Social (CRAS) e os


Centros de Atendimentos Psicossociais (CAPS) é de referenciar passando o endereço e
o telefone. A Assistente Social 2 trabalha no CRAS de referência da Regional de Saúde
onde se localiza o SAE, ela é um ponto de ligação. Observamos que muitas articulações
para a composição da rede são realizadas pelo contato direto de algum profissional de
referência.
Os medicamentos são dispensados pelo CEMJA desde o início dos trabalhos no
SAE Carlos Ribeiro, atualmente não há farmacêutico no serviço. As consultas com
especialistas na UAPS Carlos Ribeiro estão condicionadas ao cadastro na unidade, a
priori o usuário precisa residir no território da unidade. Em casos extremos, a
coordenadora do SAE Carlos Ribeiro se articula com a coordenadora da UAPS CR para
que haja o atendimento.
Os jovens são orientados das atividades da RNP+ e o Fique Sabendo Jovem.
Orienta-se a conversa com outros jovens que estão na mesma situação, como elemento
fundamental para o cuidado.
De uma maneira geral há solidariedade entre os serviços especializados e
atenção primária, as limitações são de ordem estrutural. Por exemplo, há limitações com
a especialidade de coloproctologia, lesões de colo e reto associadas ao HPV.
Encaminha-se, geralmente ao clínico geral que atua na UAPS CR e trata de IST há um
longo tempo, tornou-se referência neste tipo de atendimento e acesso de populações
submetidas ao estigma. Quando precisa de uma intervenção cirúrgica há mais
dificuldade, alguns pacientes se submetem às clínicas populares particulares.
Há uma série de articulações referidas pelos profissionais de saúde do SAE, tais
como as hepatites virais crônicas junto ao HSJ. Quando são identificadas as hepatites
virais B e C, as primeiras são absorvidas pelo SAE CR porque o tratamento inicial é
com medicamentos do HIV e a hepatite C é encaminhada para o HSJ. O
encaminhamento, muitas vezes, é feito pela enfermagem antes de chegar no
infectologista.
Há articulação com a clínica escola da Unichristus para algumas especialidades,
encaminhamentos de gastroenterologista para o CEMJA. Não há tantos vínculos e
ligações interserviço de forma oficial, mas a disposição dos indivíduos de várias
instituições dá acesso aos pacientes, estamos diante da confecção de redes vivas que
depende dos seus agentes.
69

A articulação com a Área Técnica de IST, aids e hepatites virais da SMS também
acontece capitaneada pela coordenador do SAE CR. Quanto às articulações com os
organizações da sociedade civil, infectologistas não se envolvem diretamente, esta
atividade fica a cargo de outras categorias. As gestantes já possuem o encaminhamento
para o Gonzaguinha de Messejana, HU ou Hospital César Cals de forma mais dinâmica
sem passar pelo infectologista e considerando a residência das mulheres, a facilidade do
acesso.

Infectologista do serviço se refere ao matriciamento bilateral como uma


possibilidade de potencializar a demanda das especialidades.

A segunda coisa que me faz lembrar de algo que a gente já gostava da ideia e
quando a gente conversa parece fortalecer, a ideia de matriciamento, essa
ideia de matriciamento bilateral. Eu infectologista fazendo matriciamento por
acompanhamento dos médicos da atenção primária e vice-versa, eu
recebendo o matriciamento de uma endocrinologista com as novas
medicações do diabetes que eu não estou atualizado, enfim, então com outros
profissionais também a gente receber esse matriciamento, isso me veio e me
parece uma coisa que na economia da saúde tem um papel que poderia ser
mais explorado (Infectologista 3).

O SAE tem um grande potencial para o matriciamento, envolver a APS e as


especialidades. Outra característica são as inumeráveis pesquisas que são realizadas no
âmbito do SAE CR, elas permitem a parada na rotina para refletir sobre o serviço,
muitos pesquisadores acessam o serviço para investigar a epidemia de HIV/aids.
O infectologista só orienta, propõe caminhos, mas a condução do tratamento é
exclusiva do usuário. A aparentemente simples administração de uma vacina torna-se
complexa em virtude da distância do serviço que oferece o recurso, da possível
necessidade de exposição da condição sorológica em virtude das especificidades da
dosagem para PVHA, entre outros fatores. Estes elementos requerem uma boa
articulação entre os serviços para amenizar as barreiras.
No âmbito do serviço social a articulação dos SAE com os Centros de
Referência da Assistência Social (CRAS) são complementares.

Há uma boa parceria com a UAPS CR. O Infectologista encaminha para


especialidades e a gente articula o acesso deles. Tem a vacinação. Questão de
violência encaminha para Conselho Tutelar, CREAS. Já teve
encaminhamento para o CRAS, Habitafor, Regional de saúde de referência,
Cadastro Único, “Minha casa minha vida”. A gente tem uma boa articulação
70

com a rede, encaminhamos, mas nem sempre tem o feedback (Assistente


Social 2)
.
Nos encaminhamentos para RNP+, há um serviço de auxílio jurídico, já houve
atendimentos com os usuários e profissionais do SAE CR, os benefícios da Cesta Básica
para usuários em maior vulnerabilidade, o Bilhete Único para gratuidade no transporte
que obedece alguns critérios, entre outros.

COMPORTAMENTO DOS JOVENS

A criação do vínculo entre profissionais de saúde e os usuários do serviço de


HIV/aids permite que se conheça as características e as práticas destes usuários, um
clima de confiança vai se estabelecendo e é possível que eles se sintam à vontade para
socializar as experiências que estão vivenciando. Conhecer estas características e
práticas é fundamental para pensar o cuidado e compreender como estes usuários se
articulam.
Os SAE, de uma maneira geral, possuem dificuldades na oferta do cuidado às
populações que abusam do uso de substâncias psicoativas e que estão em situação de
rua. Na mesma esteira, a vivência dos jovens em “cinemões” no centro da cidade, as
boates com temáticas LGBT, as recentes narrativas sobre aluguéis de casas de praia para
a prática do sexo grupal por um preço acessível, o advento dos smartphones e os
aplicativos que fomentam encontros para a prática sexual, tudo isso, aponta para a
necessidade de atualizações constantes sobre a prática sexual dos jovens e do
movimento que os profissionais precisam traçar para se desvencilhar de preconceitos e
para que a resposta à epidemia de HIV/aids seja efetiva.
Há jovens, por exemplo, que só vão ao serviço quando estão “doentes”, porque
quando assintomáticos não se reconhecem doentes e não aderem aos medicamentos. Os
jovens desejam permanecer anônimos, por isso a dificuldade do protagonismo em seus
tratamentos, a dificuldade na condução dos grupos de adesão. São jovens de todas as
classes sociais que acessam o serviço.
O acesso ao serviço que agrega CTA e SAE CR geralmente é antecedido por
uma pesquisa na internet, estes jovens pesquisam inclusive os sintomas, por vezes
apresentam alguns sintomas de IST e vão com o desejo de realizar o teste anti-HIV. A
percepção dos profissionais de saúde é que o uso do preservativo é muito restrito,
71

quando estão namorando, por exemplo, é raríssima a utilização deste insumo de


prevenção.
Os profissionais também observam que a questão territorial não interfere muito
na escolha do serviço. Antes, as PVHA preferiam o atendimento em serviços distantes
das suas residências, hoje, elas optam pelo serviço que consideram mais interessantes,
que se sentem mais acolhidas ou que percebam que estão sendo cuidadas com mais
celeridade. A primeira preocupação da PVHA é com as questões físicas, somente com
um tempo os profissionais de saúde conseguem investir em questões sociais que estão
associadas às PVHA.
A juventude masculina que acessa os serviços em sua ampla maioria está no
espectro de relações homoeróticas. A maioria dos jovens se identifica como
homossexual. Há relatos da dificuldade ainda presente de assumir a orientação sexual
diante da família. O fator religião é definidor para o receio de tornar pública a
orientação sexual em virtude do tema tabu em muitos segmentos cristãos. A percepção
dos profissionais de saúde aponta para uma limitação na utilização dos insumos de
prevenção, principalmente em relação ao preservativo. No entanto cresce o interesse dos
usuários em metodologias de prevenção utilizando medicamentos como a PEP e a PreP.
A utilização do preservativo é limitada quando o relacionamento se torna
formalizado, inclusive parece questionar a fidelidade quando é proposto no ceio do
relacionamento. Há, ainda, o argumento de que o preservativo limita o prazer, que não
se porta o preservativo com frequência a ponto de estar presente nas relações sexuais.
Os argumentos para a não utilização do preservativo são variados. O fato é que os
profissionais de saúde que participaram da pesquisa identificam a baixa utilização do
preservativo tanto masculino como feminino nas práticas sexuais.
Os jovens que são diagnosticados com HIV e acessam o SAE CR possuem baixa
percepção de risco. A eficácia dos medicamentos antirretrovirais parece afrouxar os
cuidados em relação ao HIV, pois, rapidamente, a carga viral se torna indetectável e a
sensação de estar doente não é algo evidente, dessa forma, alguns abusos podem ser
praticados em relação aos cuidados para com uma vida com HIV/aids. A narrativa
recorrente que a aids não seria tão letal pode estar atuando no incremento recente da
epidemia entre os jovens HSH.
Por outro lado, a negação da infecção pelo HIV ainda é presente no cotidiano
dos serviços especializados. O receio da exposição da condição sorológica é presente no
cotidiano destes jovens e um obstáculo para o cuidado, como já tratado na categoria
72

acima. A depressão também se apresenta entre estes jovens, casos de ideações suicidas
em virtude de rompimento de relacionamentos ou descontentamentos produzidos pelo
estigma de viver com HIV/aids.
Os usuários mais jovens, ativos, têm receio de se ausentar do trabalho para ir às
consultas no serviço, também não gostam de se ausentar da faculdade. Os profissionais
de saúde, por sua vez, tentam sensibilizar os jovens para a adesão ao tratamento, a
frequência correta às primeiras consultas com o objetivo de controlar o HIV o mais
rápido possível e limitar às idas ao serviço para consultas semestrais. A maioria dos
jovens adere ao serviço e rapidamente se observa uma resposta em relação ao controle
do HIV, no entanto, ainda há aqueles que precisam da busca ativa pelo serviço.
Para auxiliar no cuidado, os profissionais de saúde orientam que os jovens
possam compartilhar a sua condição de saúde com alguém que ele confie. Esta atitude
pode auxiliar estes jovens na condução do seu cuidado e dará mais confiança para lidar
com situações limites de estigma e discriminação. Os jovens dificilmente se engajam
em grupos de apoio, pois receiam que alguém saiba sua condição sorológica. A vida de
conquistas e flertes pode ficar comprometida caso a sua condição sorológica seja
exposta para o agrupamento social que o jovem pratica, assim, o receio que as pessoas
não queiram se relacionar com ele é presente.
Há os jovens mais esclarecidos que já estão no ensino superior, outros que leem
com frequência as informações sobre HIV/aids e aqueles que não compreendem bem
como tomar o medicamento, estes provavelmente não têm o apoio familiar (há casos até
de expulsão de casa). A maioria dos atendimentos no serviço, os jovens vão sozinhos,
em alguns casos, todavia, mães e amigos acompanham estes jovens.

Há uma impressão que os jovens estão se expondo mais que antigamente.


Tem aqueles que tem vergonha, vem de óculos escuro, mas outros se
articulam, buscam apoio, possui o grupo de WhatsApp©. Há o grupo de
adesão no SAE CR. A impressão que se tem é que os jovens se articulam em
círculos pequenos de contatos que se ajudam (Infectologista 4).

Os jovens que vivem com HIV/aids em sua maioria trabalham e estudam e a faixa etária
de 18 a 24 está se tornando mais frequente segundo a percepção dos profissionais de
saúde. Os jovens perguntam tudo sobre medicação, sobre trabalho, mas alguns não
possuem projeto de vida quando estão diante de uma sorologia reagente. Outros já
possuem projetos de estudo, viagens, trabalho, mas há os jovens que ficam apáticos.
Outro comportamento presente entre os jovens é de valorização da vida depois do
73

diagnóstico reagente, passam a ter mais cuidados em relação à vida. Há uma


multiplicidade de sentimentos.
Os movimentos sociais do campo da aids estão fragilizados por questões
relativas à conjuntura política e econômica da contemporaneidade. A adesão dos jovens
e outras PVHA às organizações da sociedade civil devido à possível exposição da
condição sorológica. A RNP+ está disponível para receber às PVHA, mas geralmente o
acesso à instituição está associado à entrega de cestas básicas e cadastro para o Bilhete
Único (passagens em transporte coletivo).

ESTRUTURA FÍSICA E HUMANA DOS SERVIÇOS

A primeira demanda presente na narrativa dos profissionais de saúde do CTA /


SAE CR é a necessidade contratação de profissionais de saúde. Os transtornos mentais
são agravos recorrentes desde o âmbito da atenção primária à saúde até os serviços
secundários, entre as pessoas que vivem com HIV/aids não é diferente e, não raro,
desemboca em abandono de tratamento. A ausência de profissional da área da
psicologia foi citada de forma recorrente. Em outras ocasiões havia profissional
psicólogo compondo os quadros do CTA, hoje não mais.
Nos dias do atendimento com infectologistas, a pretexto de marcar a próxima
consulta, as assistentes sociais ofertam uma escuta caso os usuários tenham interesse,
esta escuta, no entanto, não dispõe das ferramentas teóricas específicas da psicologia
para lidar com os casos. Devido à alta rotatividade de profissionais de saúde nos SAE,
muito em razão do vínculo precário, o Serviço Social do SAE Carlos Ribeiro não está
conseguido ofertar a escuta dos usuários que desejam. Atualmente, segundo a narrativa
das profissionais de saúde, o CTA se sobrepôs ao SAE concentrando boa parte das
atividades do Serviço Social nos aconselhamentos e entrega dos testes.
A política pública de saúde mental da SMS do município de Fortaleza
apresentou debilidades que atingiram frontalmente o atendimento nos CAPS, estes se
encontram em situação limitada segundo a narrativa dos profissionais do SAE CR, isso
diminui a possibilidade de referenciar os usuários do serviço para os CAPS em virtude,
muitas vezes, de não lograr atendimento adequado e este fato causar desligamento /
abandono da rede de cuidados. Há uma articulação pontual com a psicologia do CEMJA
para receber alguns usuários do SAE CR, mas não se configura como uma rede oficial e
sempre disponível.
74

A coordenação do serviço, além das tarefas específicas deste setor, também


contribui com a recepção do serviço, no atendimento de chamadas telefônicas, trabalhos
que dizem respeito ao ofício administrativo, o que impede de realizar as tarefas de
articulação e organização do serviço. O serviço dispõe de auxiliar administrativo apenas
no período da manhã, ficando uma lacuna no restante do dia, preenchida pelos
profissionais que estão trabalhando no período.
As condições físicas do jardim, consultórios, salas de coleta, banheiros, estão
precárias. Atualmente funcionam 03 (três) serviços na mesma estrutura física, a saber,
CTA, SAE CR e laboratório do CEMJA e, por sua vez, estes estão localizados no
interior da Unidade de Atendimento Primário à Saúde (UAPS) Carlos Ribeiro. A equipe
se apresenta reduzida para aproximadamente 1300 (mil e trezentos) usuários ativos
vinculados ao serviço. O CTA recebe aproximadamente 40 (quarenta) pessoas
diariamente para a testagem rápida, algo em torno de 20 (vinte) pela manhã e 20 (vinte)
à tarde.

A gente tá sem apoio (administrativo), fica na recepção, vai chegando aí fica


a enfermeira, a assistente social, a coordenadora, a gente realiza o
acolhimento pré-teste e pós-teste, a gente fica na recepção, a gente acolhe os
pacientes, a gente tá atendendo o CTA, mas chega um paciente do SAE a
gente já vai fazer a acolhida ver o que tá acontecendo, tem uns que querem
uma escuta, uma orientação, aí a gente para pra atender eles, aí o CTA já fica
meio que sufocado, mas aí a gente tem que dar atenção pro paciente que tá
chegando, aí é remarcar consulta dele que ele faltou, é ver se a máquina do
teste da carga viral tá funcionando, eles buscam a gente pra todas as questões
desde um situação psicológica, que a gente é assistente social mas não atende
esse vies psicológico, mas escuta né, dá apoio emocional e orienta
(Assistente Social 2).

A estrutura física requer uma reforma imediata para que as atividades sejam
exercidas com condições mínimas. A organização social (OS) que gerencia a Unidade
de Atendimento Primário à Saúde (UAPS) disponibiliza apenas material hospitalar,
mesmo assim é recorrente o desabastecimento de luvas e máscaras. O material de
escritório, por exemplo, não está sendo disponibilizado. A parceria com faculdades
privadas de ensino para receber acadêmicos da área da saúde no serviço por vezes tem
como contrapartida a doação de materiais básicos para o SAE CR, no entanto, ainda
faltam insumos de forma regular. O serviço não dispõe de prontuário eletrônico, apenas
o convencional de papel, já não há espaço adequado para acomodar os papeis que se
avolumam. Apenas um computador funciona com acesso à internet no serviço e de
75

forma limitada, os profissionais infectologistas acessam exames por equipamentos


próprios.

O material é todo descartável, se vocês observarem a sala da testagem é um


balcão que eu passo a tarde todinha em pé fazendo teste, onde a altura não é
confortável, a questão da iluminação também não é confortável, onde eu
passo o dia me abaixando, então chega no final do dia eu estou morrendo de
dor nas costas e nas pernas, então a questão é até pela demanda também, pelo
número de testes. A salinha agora a porta está quebrada, então tem só o ar
condicionado funcionando, de manhã é mais tranquilo, estou adorando agora
o período de chuva, por que está mais tranquilo, mas quando é à tarde, ai
imagina ter que ficar com jaleco, máscara, acaba que estou morrendo de calor
já, derretendo (Enfermeira 2).

Às vezes ficamos esperando uma sala liberar para fazer o atendimento. O


CEMJA ocupa um espaço do SAE CR, mas a relação é boa e há serviços que
só funcionam lá como a farmácia e o laboratório. Falta sala para o
atendimento, falta envelope, o prontuário fica guardado no envelope que a
enfermeira e a coordenadora comprou com os próprios recursos, não tem
impressora porque para funcionar precisa do aporte da coordenadora
(cartucho), os prontuários precisam ser confidenciais (Assistente Social 2).

A equipe de enfermagem no SAE CR teve grande rodiziamento devido a


fragilidade do vínculo expresso pela contratação na modalidade RPA (Recibo de
Pagamento para Autônomo). O trabalho no campo do HIV/aids requer vínculo,
perceptível na narrativa dos profissionais da enfermagem e em outras categorias. Há
dificuldade na vinculação ao serviço daqueles profissionais de saúde que ainda são
orientados por preconceitos ou discriminações ou, ainda, que não sabem lidar com a
temática da sexualidade. A equipe de enfermagem também está disponível para os dois
serviços, ou seja, SAE CR e o CTA. Comparando com tempos recentes houve
diminuição da quantidade de profissionais, mesmo a demanda crescendo
cotidianamente.
A restrição do número de profissionais de saúde para o volume de usuários
vinculados ao serviço impede a realização de uma consulta mais longa. Os exames
como “fundoscopia”, por exemplo, que poderia identificar lesões não está sendo feito
em todos os pacientes, apenas com os usuários sintomáticos devido a impossibilidade de
fazer com todos. Nos últimos anos aumentou o número de pacientes por turno. As
atividades vinculadas à educação em saúde no território, realizadas pelos profissionais
do CTA e do SAE CR não são mais realizadas devido a demanda dos dois serviços.

E existe uma força coletiva no interesse de fazer a atenção integral, há um


desejo muito grande, há sempre a conversação e a pressão junto com a
76

gestão. Naturalmente, a gente sabe que lá do outro lado são sujeitos


interessados também na mesma coisa, nós não temos dúvidas em relação a
isso, são articulações e articuladores, é o que se faz para tentar evitar o
desmonte dos serviços (Infectologista 3).

O profissional infectologista reconhece o empenho dos técnicos da Área Técnica


de IST, aids e hepatites virais da SMS, compreende-os envoltos em tensionamentos que
são de várias ordens, tais como elementos políticos e econômicos. O cotidiano no
serviço, todavia, está mais exposto ao descontentamento da população que busca o
cuidado. A equipe revela o estabelecimento de diálogos rotineiros no cuidado com os
usuários vinculados ao serviço, mas a demanda estafante também se expressa.

Faço a questão das consultas de enfermagem, a questão do pré-


aconselhamento que todos os profissionais aqui realizam, as testagens
também realizo, os pós-aconselhamentos, consulta de enfermagem,
notificação, às vezes a gente avalia alguma busca ativa também, a gente
conversa muito com o serviço social (Enfermeira 1).

Às vezes uma consulta que era na faixa de 40 – 50 minutos agora eu estou


levando 1 hora e meia por que eu tenho que dar um suporte psicológico,
farmacêutico (...) então isso acaba demandando mais tempo também para o
serviço (Enfermeira 1).

A título de exemplo, as notificações são preenchidas depois do exame de CD4 de forma


manual e a própria coordenador realiza a digitação, o processo, assim, demanda um
tempo no emaranhado de atividades realizadas pelos profissionais de saúde e
coordenação.
A questão com a segurança dos profissionais também se observa na medida que
o número reduzido de profissionais não responde à demanda do serviço ocasionando a
extensão dos atendimentos para horários noturnos. Além do horário estendido de
atendimento, é comum o acesso de usuários que abusam de substâncias psicoativas, a
unidade está localizada em região vulnerável do município de Fortaleza.

A gente lida com conflitos, usuários que chegam sob efeito de substâncias
psicoativas, tratamos de sexualidades e por vezes se sente acuada, há apenas
o infectologista de homem às terças e quintas. O trabalho segue até às 18h, no
entanto, fica bem deserto, a entrega dos exames extrapola às 17h (Enfermeira
1).
77

As atualizações sobre a infecção por HIV que ocorrem com relativa velocidade
não são ofertadas pela Secretaria Municipal de Saúde (SMS), os profissionais de saúde
que se mobilizam para realizar alguma formação ou fomentar entre os pares.

CONTEMPORANEIDADE DA EPIDEMIA DE HIV/AIDS

Os profissionais de saúde que trabalham no SAE CR reconhecem os jovens


homens de 15 a 24 anos, homossexuais, vivendo com HIV/aids, como demanda de
acesso presente no cotidiano do serviço. Para o infectologista

(...) recentemente isso tem ficado mais frequente, pacientes com menos de 18
anos ou pertinho de 18 anos, antes era 20, 22 anos, então tem ficado mais
claro a chegada de pacientes mais jovens e um maior número tanto mais
jovens mesmo quanto maior número de pacientes nessa faixa etária em torno
dos 20 anos (Infectologista 3).

Os usuários mais jovens do serviço são mais passivos em relação ao cuidado,


por outro lado os usuários mais maduros apresentem outras demandas, bem singulares,
são mais participativos. A atuação junto ao movimento social de aids é obstaculizada
em razão do medo da exposição encarnado no estigma e na discriminação. Um jovem
dificilmente lidaria com tranquilidade caso sua sorologia fosse de conhecimento
público.
Os usuários mais jovens em melhor situação econômica passam o mínimo de
tempo no serviço, muito em razão do trabalho, da faculdade ou escola, os usuários mais
vulneráveis socialmente passam mais tempo no serviço em razão da busca por
benefícios e direitos. Há preocupação dos jovens com os aspectos físicos de saúde, tais
como, a questão renal, uso de alguns suplementos ou anti-inflamatórios, no entanto,
“(...) quando melhoram com a carga viral indetectável eles passam a se preocupar
menos” (Infectologista 3).
Os profissionais de saúde também observam a ausência de políticas públicas
específicas (prevenção, diagnóstico e tratamento) para jovens que tematizem e
problematizem a vulnerabilidade e a vivência do terror da aids, bem como o desafio de
manter o tratamento e os desafios dos desdobramentos.
78

(...) bom, eu acho muito desafiador, tudo isso. É assustador o aumento dos
casos que quando eu comecei a trabalhar aquilo, a demanda era menor mas a
gente entregava 03 (três) exames por mês positivos, eu não sei deste mês,
mas teve um mês que só em setembro nós entregamos 40 (quarenta) em um
mês, 40 (quarenta) reagentes. Eu sei porque foram 40 (quarenta) resultados
reagentes em setembro, sem ter campanha (Assistente Social 1).

Além do aumento dos diagnósticos, estes não se apresentam de forma oportuna com
bom tempo hábil para o prognóstico, mas com características de diagnóstico tardio
percebido pelos resultados dos exames de CD4 e carga viral. É presente, também, o
diagnóstico reagente de HIV junto a outras IST como sífilis e gonorreia.
Os HSH vão fazer exames com mais frequência, por vezes cria uma rotina, algo
em torno de seis em seis meses. Os homens heterossexuais, geralmente, estão realizando
exames pela primeira vez, são mais despreocupados em relação ao risco da infecção. As
mulheres, por sua vez, não se percebem vulneráveis. Os jovens HSH são mais
esclarecidos,
(...) então, geralmente, são os que mais procuram a questão da PEP
(profilaxia pós-exposição), da PREP (profilaxia pré-exposição), que
procuram realizar os testes com maior frequência, que tem o cuidado de
conversar com o parceiro ou parceira para vir fazer os exames, vou iniciar um
relacionamento novo então já convido esse meu novo relacionamento pra vir
fazer o teste, então eu vejo que eles são mais preocupados em relação a isso,
tem um cuidado maior em relação a isso (Enfermeira 2).

Segundo a Enfermeira 2, o fluxo de informações é mais rápido entre o HSH, perguntam


sobre PrEP e carga viral já no pré-aconselhamento para a testagem de HIV. As
informações se disseminam muito rapidamente com os recursos hoje disponíveis. O
acesso ao CTA aumentou consideravelmente, muito em razão das informações
presentes na rede de computadores e porque o principal hospital de referência para
infectologia do estado (Hospital São José de Doenças Infecciosas - HSJ) não realiza
mais a testagem rápida. Percebe o aumento dos resultados reagentes no serviço, mas
atribui à realização de mais testes de HIV em relação ao período anterior. Este dado, em
específico, apresenta pontos de vista distintos. Acompanhando os resultados reagentes
para HIVA também é referido o aumento de outras IST, tais como sífilis, gonorreia e
HPV, inclusive com lesões na mucosa bucal.
O infectologista 2 aponta que os jovens que são diagnosticados com HIV
recebem a informação “numa boa, são poucos os que ficam abalados”. O Enfermeiro
3, em contrapartida, destoa da fala do infectologista, apontando o receio presente do
resultado reagente; no momento da testagem, muitos jovens vão com amigos devido ao
receio da realização do exame. O teste para o HIV é encarado como prevenção, é
79

realizado de forma sucessiva, mas não modifica a postura em relação ao risco de


infecção. É bastante comum a repetição do teste pelo mesmo usuário ao longo do ano,
mas este não se referir à medidas de prevenção em suas práticas sexuais. A realização
do teste para o HIV não previne as novas infecções, apenas permite o diagnóstico
oportuno.
O enfrentamento à epidemia de HIV/aids está perdendo as forças. A medicação e
a visão distanciada da morte diminuíram o temor da infecção pelo HIV. As conquistas
em relação ao HIV/aids se deu pela luta do movimento social sanitarista e de gays na
década de 80 e 90 do século passado. A reforma sanitária brasileira que desembocou na
implantação do Sistema Único de Saúde (SUS) contribuiu para o sucesso da resposta
brasileira frente à epidemia de aids.
A epidemia de HIV/aids não está controlada. A impressão é que a infecção pelo
HIV se tornou algo ordinário em razão do tratamento eficaz proporcionado pela
medicação antirretroviral disponibilizada no SUS. Os números ascendentes de casos de
sífilis é reflexo da não utilização do preservativo nas práticas sexuais.

Acredito que já melhorou bastante a política com a oferta universal de


medicamentos, outras medidas de prevenção como PEP e PreP (que se
concentram mais no HSJ). Seria bom se houvesse mais oferta de teste rápido,
as UBS (unidades básicas de saúde) deveriam ter esse serviço. Quanto mais
precoce diagnosticar o HIV melhor para o prognóstico, o tratamento quebra a
cadeia de transmissão (Infectologista 2).

Mesmo com o volume de informações que os jovens chegam ao serviço relativas à


atualidade da epidemia de HIV/aids muitos não conhecem as medidas da prevenção
combinada, tais como PEP e PrEP, citadas mais acima. A disseminação do
conhecimento não alcança igualmente todas as camadas sociais. Na esteira da política
pública de incremento do diagnóstico oportuno, uma possibilidade de diagnóstico para o
HIV é o autoteste, procedimento todo realizado pela pessoa, já está disponível para a
população e vendido em farmácias privadas. O Enfermeiro 2 admite ressalvas em
relação ao autoteste, pois, o apoio profissional no momento da leitura do resultado, seja
ele qual for, é fundamental.
80

3. CRONOGRAMA

ETAPA 2017 2018 2019 2020


1º Sem. 2º Sem. 1º Sem. 2º Sem. 1º Sem. 2º Sem. 1º Sem. 2º Sem.
Coleta de dados X X X X X X X
Levantamento bibliográfico X X X X X X X
Revisão Bibliográfica X X X X
Trabalho de Campo X X X X X
(realização de entrevistas e
observação participante)
Análise e interpretação dos X X X X
dados
Redação do texto de X X X X X
qualificação
Redação da Tese X X X X
Revisão do texto X
Defesa da Tese X
81

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