Você está na página 1de 42

Meu isolamento literário

Daniel Rockenbach
Ler é um hábito para todo aquele que trabalha com a palavra. Contar histórias,
compartilhar e indicar leituras é um processo social, por mais que se considere a leitura uma
atividade solitária. Coordeno um grupo de leitura na cidade, ocasionalmente escrevo meus
próprios contos e crônicas e tenho inúmeros amigos que trabalham no mercado editorial
entre editores e autores. Não vivo profissionalmente da literatura mas vivo por ela.
Com a pandemia da Covid-19, os amigos ficaram distantes, a socialização da leitura
ficou remota e o próprio processo de ler foi comprometido. O que fazer com tantas leituras?
Como manter o foco, escrever? Como se adaptar ao digital nos encontros dos grupos de
leitura e nas conversas com amigos autores? A resposta veio ao longo de quatro meses
isolado, trabalhando e estudando remotamente, com alguma dose de adaptação mas nunca
longe das leituras, tudo registrado nas fotos a seguir.
Foto 01
No princípio, qualquer coisa que entretesse valia. Jogar foi a opção mais direta. Desde o
texto premiado do Daniel Galera relacionando literatura e jogos, ficou claro que uma nova
forma narrativa nascia na indústria dos games, algo que todo fã de uma boa história deveria
ficar atento. O mercado literário cria em cima do produto livro mas o livro não é mais o
produto final. Livros, filmes, quadrinhos e jogos são uma realidade que os autores mais
tradicionais torcem o nariz mas que o mercado literário anda investindo cada vez mais.
Foto 02
Os quadrinhos do Conan foram a leitura mais leve que encontrei e que, ao mesmo tempo,
conseguiu me prender. Não conseguia me concentrar para leituras de fôlego, quadrinhos
mais sofisticados, romances então, muito menos. Foram muitos os livros que voltaram para
a fila dos pendentes nas primeiras semanas. O escapismo das histórias e a nostalgia ajudou
a retomar um pouco do foco no mês de abril.
Foto 03
O cinema é outra paixão. Depois dos jogos e dos quadrinhos mais leves, foi natural retomar
os filmes, em especial os clássicos que já se acumulavam na estante: das coleções de
filmes noir, giallo e grandes diretores, quase toda noite de abril em diante se encerrava com
um bom filme.
Foto 04
Se o problema era ler narrativas mais densas, focar nas tramas e vencer a barreira do
capítulo diário de leitura, a solução foi reorganizar a bagunça. Foram três dias limpando,
catalogando e organizando as estantes.
Foto 05
Depois de organizar tudo, decidi tentar uma leitura mais curta. A sofisticação do tema não foi
problema e o livro de design “Gráfica Política de Izquierdas” foi o escolhido. Depois de
algumas horas, consegui finalmente terminar um livro, já depois de um mês isolado.
Foto 06
Os amigos da Editora Aleph mandaram no começo do ano o livro “Tempo em Marte” de um
dos meus autores favoritos, Philip K. Dick. A capa do Rafa Coutinho e o design foram um
baita estímulo para entrar de vez no romance que foi lido em pouco mais de dois dias.
Finalmente um livro longo em maio!
Foto 07
Depois de arrumar as estantes e retomar as leituras, decidi fazer o quadro com o original do
quadrinista Fabio Q. Participei do livro em que a página foi publicada pela primeira vez e
fazia tempos que queria ter o original do amigo num quadro e junto de outras imagens e
figuras que gosto como a Mafalda de Quino e o filme “Blade Runner”.
Foto 08
Entre a retomada das leituras e a nova rotina com trabalho e faculdade veio o curso de
escrita criativa do autor e tradutor Christian Schwarz, a quem agradeço intensamente pelas
maravilhosas aulas que encheram meu caderninho de notas, tanto que, depois de longos 7
anos, finalmente foi aposentado. De lembrança da festa de 30 anos de aniversário da Aleph,
marcou a retomada da escrita em tempos de pandemia.
Foto 09
Em maio fui convidado a falar em um podcast sobre o livro “Duna” de Frank Herbert. Como
já li o livro várias vezes, decidi procurar mais fontes para falar melhor sobre o filme de
Jodorowsky que nunca saiu do papel: um projeto que reuniria Pink Floyd, Salvador Dalí,
Orson Welles, Mick Jagger, Moebius e outros tantos. Essa história me fascina até hoje e foi
a partir dela que descobri o trabalho do chileno Alejandro Jodorowsky. Encontrei esse livro
sobre histórias de filmes nunca produzidos e devorei em uma semana. Foi o livro que levei
para o debate na reunião do Vórtice Literário de maio.
Foto 10
Depois de ler “The Greatest Sci-Fi Movies Never Made” encomendei o artbook do Syd
Mead, designer de um dos meus filmes favoritos, o já citado Blade Runner. O livro traz
muitos projetos do designer mas combinava com o tema do livro anterior por conter várias
histórias de projetos que nunca saíram do papel, tema que ficou na cabeça por umas boas
semanas.
Foto 11
“O que é Cinema?” do crítico André Bazin é um livro que já conhecia, já havia lido vários
artigos do autor que depois foram compilados na edição mas nunca tinha lido em
sequência, a obra toda. Mais uma das leituras de maio e a última da obsessão momentânea
pelo tema.
Foto 12
Chega a coletânea “Todo Wood & Stock” de Angeli, livro que foi lido logo nos primeiros dias
e ainda serviu de base para uma resenha da matéria de Jornalismo Opinativo na faculdade,
texto que se provou relativamente difícil de fechar mas foi divertido produzir. A foto extra traz
o autógrafo de Angeli, mais um motivo para deixar o fã entusiasmado.
Foto 13
Junho começa com mais uma ação da Aleph, desta vez com obras adaptadas para o
cinema que ganharam novas capas do artista Butcher Billy. Reli “Planeta dos Macacos” de
um fôlego numa tarde e decidi que a bela coleção merecia um espaço na estante da sala.
Foto 14
Dia dos namorados foi recheado de livros, como de costume. Os livros não foram
comprados na data exata mas junho marcou a primeira saída que não envolvia trabalho e
mercado em meses. Foi a primeira vez que fui numa livraria desde o começo da pandemia.
Bowie, Djamila e romance para Eve, quadrinhos e sci-fi para mim.
Foto 15
A surpresa da Eve no dia dos namorados foi um desenho nosso, feito pela talentosa Thaís
Barros, uma tatuadora e desenhista aqui de Campo Grande. Na mesma época, puxei da fila
de leitura “O Beijo Adolescente” do Rafa Coutinho. A dedicatória na foto extra foi feita para o
casal, em visita feita ao amigo em dezembro.
Foto 16
“Love Star” do islandês Andri Snaer Magnason foi uma leitura estranha. De todas as leituras
do período, foi a que mais provocou pensamentos diversos. Gostei da estranheza do livro
apesar de achar o tema pouco factível. Não fosse uma abordagem tão exótica e uma trama
bem amarrada, talvez eu não gostasse tanto do livro. Recomendo para quem curte autores
como o Philip K. Dick, não por acaso o nome de um dos prêmios que o livro ganhou.
Foto 17
No trabalho, gravamos um especial sobre quadrinhos e cinema com o amigo Fabio Q.: a
ideia era focar em filmes que não tivessem relação com super-heróis, fugir do convencional
e discutir filmes como “Estrada para a Perdição”, “Ghost World” ou “Azul é a Cor mais
Quente” e que o grande público desconhece ter o quadrinho como base. Citei um dos meus
filmes favoritos, “Anti-herói Americano”, baseado nas crônicas em quadrinhos de Harvey
Pekar, “American Splendor”. Além do autor ser um dos meus preferidos, o filme ficou muito
bom e isso me motivou a revistar as coletâneas do autor na estante.
Foto 18
A reunião de julho do “Leia Mulheres” de Campo Grande foi digital, assim como minha
versão do livro do mês, “As Boas Mulheres da China”, da Xinran. Um livro tocante, lido
pausadamente e com um chimarrão para acompanhar a leitura nos dias frios que se
seguiram.
Foto 19
A reunião do “Leia Mulheres” de Campo Grande, grupo mediado por minha esposa, a
jornalista Evelise Couto. Não podia deixar de registrar o pós-reunião, ainda virtual, com
vinho e conversa com as amizades.
Foto 20
Decidi retomar os estudos na harmônica, mais conhecida como gaita. A música sempre foi
uma inspiração mas tocar mesmo, só a gaita. Segue sendo meu instrumento favorito até
hoje.

Você também pode gostar