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Acta bot. bras. 18(4): 903-909.

2004

Fitossociologia de um fragmento de cerrado sensu stricto


na APA do Paranoá, DF, Brasil
Sérgio Lelis Assunção1 e Jeanine Maria Felfili1,2

Recebido em 01/04/2003. Aceito em 02/06/2004

RESUMO – (Fitossociologia de um fragmento de cerrado sensu stricto na APA do Paranoá, DF, Brasil). Este estudo foi conduzido no
Distrito Federal, no Centro Olímpico da Universidade de Brasília. O local é um dos poucos remanescentes de vegetação natural no
perímetro urbano de Brasília. O objetivo do trabalho foi estudar a composição florística e a fitossociologia do cerrado sensu stricto,
visando obter subsídios para um plano de conservação da área. Foram alocadas aleatoriamente dez parcelas de 20×50m (1.000m2). Foram
incluídos na amostragem todos os troncos com diâmetro maior ou igual a 5cm, obtidos a 30cm do solo. Foram amostradas 54 espécies
distribuídas em 44 gêneros e 30 famílias. A família Leguminosae apresentou o maior número de espécies (9), seguida da Malpighiaceae (4)
e Vochysiaseae (4). As espécies com maior Índice do Valor de Importância foram Stryphnodendron adstringens (Mart.) Coville, Styrax
ferrugineus Nees & Mart., Ouratea hexasperma (A. St.-Hill.), Caryocar brasiliense Cambess. e Kielmeyera coriacea (Spreng.) Mart. O
índice de Shannon (H’= 3,41) comprovou a alta diversidade da área. A densidade foi de 882 árvores por hectare e a área basal de
9,53m2/ha.

Palavras-chave: diversidade, fitossociologia, cerrado, Brasil

ABSTRACT – (Phytosociology of a cerrado sensu stricto fragment at the Paranoá Environmental Protection Area, DF, Brazil). This
study was conducted in a remnant of cerrado sensu stricto at the Olimpic Center of the University of Brasília, at the Paranoá Environmental
Protection Area - DF. The site is one of the few remnants of natural vegetation within the urban perimeter of Brasília. The objective was
to investigate the floristic composition and the phytosociology of the cerrado sensu stricto to gather information for a conservation plan.
Ten 20×50m (1,000m2) plots were ramdonly located and all woody individuals with dbh equal or greater than 5cm at 30cm from ground
level were identified and measured. A total of 54 species in 44 genera and 30 families were found at the site. Leguminosae had the most
species (9), followed by Malpighiaceae (4) and Vochysiaseae (4). The highest importance values were for Stryphnodendron adstringens
(Mart.) Coville, Styrax ferrugineus Nees & Mart., Ouratea hexasperma (A. St.-Hill.), Caryocar brasiliense Cambess. and Kielmeyera
coriacea (Spreng.) Mart. Shannon index (H’=3.41) suggests high diversity. Community density was 822 trees per ha with basal area of
9.53m2.ha-1.

Key words: diversity, phytosociology, savanna, cerrado, Brazil

Introdução lençol freático e os fatores antrópicos têm nítida


influência na distribuição das suas espécies arbóreas
O patrimônio natural brasileiro expresso pela (Ribeiro & Walter 1998).
extensão continental, pela diversidade e endemismo A cobertura original do cerrado brasileiro já foi
das espécies biológicas e seu patrimônio genético, bem reduzida em mais de 37% (Felfili et al. 2002),
como pela variedade ecossistêmica dos biomas, comprometendo muito a sua biodiversidade. Esse fato,
apresenta grande relevância mundial. somado à distribuição restrita das espécies (Felfili et al.
Entre as mais ricas savanas do mundo, a flora do 1997) e ao pequeno percentual de 1,1% da área
cerrado brasileiro conta com 6.420 espécies vasculares legalmente declarados como Área de Proteção
(Mendonça et al. 1998). O cerrado sensu stricto, que Ambiental e aos 2,5% declarados como de
ocupa 70% do Bioma Cerrado, tem sua paisagem Preservação Permanente, dão idéia dos riscos de perda
composta por um estrato herbáceo dominado das informações sobre a florística da região (Felfili &
principalmente por gramíneas, e um estrato de árvores Silva Júnior 2001).
e arbustos tortuosos, com ramificações irregulares e O Distrito Federal (DF), localizado na área nuclear
retorcidas, variando em cobertura de 10 a 60 % (Eiten do Bioma Cerrado, tem sofrido acelerada ação
1994). A freqüência de queimadas, a profundidade do depredatória dos recursos naturais. Em um período de

1
Departamento de Engenharia Florestal, Universidade de Brasília, C. Postal 04357, CEP 70919-970, Brasília, DF, Brasil
2
Autor para correspondência: felfili@unb.br
904 Assunção & Felfili: Fitossociologia de um fragmento de cerrado sensu stricto na APA do Paranoá, DF, Brasil

44 anos após o início de sua ocupação, 73,8% da pluviométrica no verão. A declividade está entre 2 a
cobertura original de Cerrado já foram perdidos (Felfili 5% e a altitude entre 1.000 e 1.050m (Ferrante et al.
2000). As Unidades de Conservação do DF ocupam 2001). A vegetação da área de estudo é de cerrado
o total de 42% de sua área física, mas muitas dessas sensu stricto sobre Latossolo Vermelho-Escuro. Essa
áreas, inclusive as Áreas de Proteção Ambiental, condição é bem representativa das condições de solo
encontram-se invadidas por edificações ilegais, o que do Cerrado, representando 38,65% dos solos do DF
leva a contaminação e assoreamento dos corpos d‘água (Haridasan 1994).
e conseqüente queda da biodiversidade (UNESCO O método de amostragem utilizado foi o aleatório
2000). (Brena & Péllico Netto 1997). Conforme a metodologia
Em 14/dezembro/1989, o governo do Distrito proposta por Felfili & Silva Júnior (1988; 1992; 2001)
Federal assinou o Decreto n. 12.055 criando a Área e descrita por Felfili et al. para o cerrado sensu stricto,
de Proteção Ambiental do Paranoá, que tem como um a amostra totalizou um hectare e foi composta de dez
dos objetivos, garantir a preservação do ecossistema parcelas de 20×50m (1.000m2) distribuídas de modo
natural ainda existente na bacia, com os seus recursos aleatório nas áreas com cobertura natural de cerrado
bióticos, hídricos, edáficos e aspectos paisagísticos. sensu stricto. Nestas parcelas foram identificados, com
Dentro dos limites da APA, encontra-se o cerrado sensu seus respectivos nomes científicos, todos os indivíduos
stricto estudado, localizado no Centro Olímpico da lenhosos, com diâmetro igual ou superior a 5cm, tomado
Universidade de Brasília - UnB, na área conhecida a 0,30m de altura do solo. A altura total de cada
como “matinha do CO”. Atualmente o local indivíduo foi também medida. Os dados obtidos em
encontra-se em estado de abandono e vem sofrendo campo foram examinados com o auxílio do programa
várias ações de degradação, tais como despejos ilegais Mata Nativa. Esse programa realiza cálculos de
de lixo e entulho e constantes incêndios. Esses fatos parâmetros fitossociológicos e foi desenvolvido pela
não se justificam, haja vista a riqueza de sua flora, a Cientec (Consultoria e Desenvolvimento de Sistemas
importância ecológica na proteção da margem do Lago Ltda.). Foram efetuadas coletas de material botânico
Paranoá e o potencial para realização de pesquisas e fértil nas parcelas e seu entorno pelo perímetro da área,
programas de Educação Ambiental. posteriormente depositado no herbário do IBGE.
O conhecimento sobre a distribuição e organização Para avaliar a abrangência florística do método
da biodiversidade, nas comunidades do Cerrado, são foi elaborada a curva espécie-área (Kent & Coker
ainda reduzidas. Estas informações são de grande 1992; Felfili & Venturoli 2000). Foram determinados
importância para avaliar os impactos antrópicos, os intervalos de confiança a 95% de probabilidade
planejar a criação de unidades de conservação e a (Brena & Péllico Netto 1997) para as árvores com
adoção de técnicas de manejo (Felfili & Silva Júnior diâmetros a partir de 5cm. Se a curva espécie-área
2001). mostra sinais de estabilização e se o erro padrão da
O objetivo deste trabalho foi realizar o média for inferior a 10%, a amostragem pode ser
levantamento florístico e fitossociológico da vegetação considerada suficiente (Brena & Péllico Netto 1997).
lenhosa do cerrado sensu stricto do Centro Olímpico Foram analisadas a distribuição das alturas, com
da Universidade de Brasília - UnB, a fim de criar intervalos de classe de 1m, e a distribuição dos
subsídios para incentivar a proteção e valorização diâmetros, com intervalos de classe de 5cm. Para
científica da área. avaliação da diversidade florística da comunidade foi
utilizado o Índice de Shannon (Felfili & Venturoli 2000).
Material e métodos
Resultados e discussão
Este estudo foi realizado na APA do Paranoá no
Distrito Federal no Centro Olímpico da Universidade Suficiência da amostragem - O padrão encontrado na
de Brasília - UnB em uma área de 110ha conhecida curva espécie-área confirma os padrões conhecidos
como “matinha do CO”, entre os vértices de para o cerrado (Felfili & Silva Júnior 2001). Pode-se
coordenadas 15º46’S - 47º50’W e 15º45’S - 47º51’W. observar (Fig. 1) que a partir de 3.000m2 de área
O clima predominante da região corresponde ao tipo amostrada começou a haver maior redução no número
Cwa da classificação de Köppen - tropical de Savana. de novas espécies encontradas, sendo que na sétima
O índice de pluviosidade varia entre 1.400 a parcela, 90% do total de espécies já havia sido
1.450mm/ano com a concentração da precipitação amostrada. Com nove parcelas, a curva estabilizou-se,
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60 Tabela 1. Composição florística do componente lenhoso sensu


stricto do Centro Olímpico da Universidade de Brasília (UnB) na
50
APA do Paranoá, Brasília, DF.
Número de espécies

40
Família/Espécie
30
ANNONACEAE
20 Annona crassifolia Mart.
APOCYNACEAE
10 Aspidosperma subincanum Mart.
Aspidosperma tomentosum Mart.
0
0 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 ARALIACEAE
Schefflera macrocarpa (Seem.) D.C. Frodin
2
Número de parcelas de 1.000m BIGNONIACEAE
Tabebuia aurea (Manso) Benth. & Hook. f. ex S. Moore
Figura 1. Curva espécie-área do cerrado sensu stricto do Centro Tabebuia serratifolia (Vahl) Nicholson
Olímpico da Universidade de Brasília (UnB) na APA do Paranoá, BOMBACACEAE
Brasília, DF, Brasil. Eriotheca pubescens (Mart. & Zucc.) Schott. & Endl.
Pseudobombax tomentosum (Mart.& Zucc.) A. Robyns Robyns
CARYOCARACEAE
não havendo mais espécies novas na décima parcela. Caryocar brasiliense Cambess
Isso demonstra que a variabilidade florística foi bem CELASTRACEAE
amostrada (Felfili & Venturoli 2000). Austroplenckia populnea Reiss.
COMPOSITAE
Este cerrado apresentou padrão semelhante ao
Piptocarpha rotundifolia (Less.) Baker
da Fazenda Água Limpa (Felfili & Silva Júnior 1992) CONNARACEAE
e ao do Parque Nacional Grande Sertão Veredas, além Connarus suberosus Planchon
de três outras localidades na Bahia. Esse padrão indica EBENACEAE
que as espécies estão distribuídas em mosaicos, ou Diospyros burchellii Hiern.
ERYTHROXYLACEAE
seja, existe alta similaridade entre áreas próximas de Erythroxylum deciduum A. St.-Hil.
cerrado, ocorrendo a dominância de um grupo de Erythroxylum suberosum A. St.-Hil.
espécies. Para que esta similaridade seja reduzida, são Erythroxylum tortuosum Mart.
necessárias expressivas diferenciações nas condições GUTTIFERAE
do terreno ou elevado distanciamento (Felfili & Felfili Kielmeyera coriacea (Spreng.) Mart.
HIPPOCRATEACEAE
2001). Salacia crassifolia (Mart. ex Schult.) G. Don
O erro padrão (5,92%) e o intervalo de confiança LEGUMINOSAE - CAESALPINOIDEAE
para a média da densidade (P[71,02 ≤ µ ≤ 92,98] = 0,95), Hymenaea stigonocarpa Mart. ex Hayne
por parcela de 1.000m 2, considerando apenas as Sclerolobium paniculatum Vog.
árvores vivas, satisfazem as exigências de precisão LEGUMINOSAE - MIMOSOIDEAE
Dimorphandra mollis Benth.
estabelecidas, confirmando a eficiência da amostragem, Enterolobium gummiferum (Mart.) MacBryde
ou seja, um erro padrão da média, inferior a 10% com Plathymenia reticulata Benth.
95% de confiabilidade. Stryphnodendron adstringens (Mart.) Coville
LEGUMINOSAE - PAPILIONOIDEAE
Composição florística e diversidade - No cerrado sensu Bowdichia virgilioides H.B. & K.
stricto do Centro Olímpico da UnB, foram amostradas Dalbergia miscolobium Benth.
54 espécies lenhosas. Esse valor está no intervalo de Machaerium opacum Vog.
50 a 80 espécies normalmente encontradas nos LOGANIACEAE
Strychnos pseudoquina A. St.-Hil.
cerrados do DF e na Chapada Pratinha (Felfili & Silva LYTHRACEAE
Júnior 1992; Felfili et al. 1994) e na Chapada do Lafoensia pacari A. St.-Hil.
Espigão Mestre do São Francisco, mas foi menor do MALPIGHIACEAE
que a riqueza encontrada na Chapada dos Veadeiros, Byrsonima coccolobaefolia (Spreng.) H.B. & K.
Byrsonima crassa Nied.
de 82 a 97 espécies (Felfili & Silva Júnior 2001).
Byrsonima verbascifolia (L.) DC.
As 54 espécies estão distribuídas em 44 gêneros Heteropterys byrsonimifolia A. Juss.
e 30 famílias (Tab. 1). Leguminosae teve o maior MELASTOMATACEAE
número de espécies, sendo 16,7% do total. O gênero Miconia albicans (Sw.) Triana
Erythroxylum foi o mais diversificado, com três continua
906 Assunção & Felfili: Fitossociologia de um fragmento de cerrado sensu stricto na APA do Paranoá, DF, Brasil

Tabela 1 (continuação) houve variação entre 3,04 a 3,73, sendo que o PARNA
Família/Espécie
Grande Sertão Veredas apresentou valor semelhante
ao da área em estudo.
MELASTOMATACEAE
Miconia pohliana Cogn. Fitossociologia - A densidade foi de 882 árvores por
MYRSINACEAE hectare (Tab. 2) e a área basal de 9,53m 2/ha. A
Rapanea guianensis Aubl. densidade por hectare apresentou-se menor do que na
MYRTACEAE Estação Ecológica de Águas Emendadas (1.396), APA
Blepharocalyx salicifolius (H.B. & K.) Berg
Eugenia dysenterica Mart. ex DC. Gama - Cabeça de Veado (1.394) e no Parque
Psidium pohlianum Berg Nacional de Brasília (1.036) (Felfili et al. 1994). A área
NYCTAGINACEAE basal está na média de 5,79 a 10,76m2/ha encontrada
Guapira noxia (Netto) Lund na Chapada Pratinha (Felfili et al. 1994) e é maior do
Neea theifera Oerst.
OCHNACEAE que a média de 6,19 a 8,33m2/ha encontrada na
Ouratea hexasperma (A. St.-Hil.) Baill. Chapada do Espigão Mestre do São Francisco (Felfili
OPILIACEAE & Silva Júnior 2001).
Agonandra brasiliensis Miers ex Benth. As espécies com maiores IVI (índices do valor
PROTEACEAE
Roupala montana Aubl.
de importância), em ordem decrescente foram:
RUBIACEAE Stryphnodendron adstringens, Styrax ferrugineus,
Tocoyena formosa (Cham. & Schltdl.) K. Schum. Ouratea hexasperma, Caryocar brasiliense,
SAPOTACEAE Kielmeyera coriacea, Byrsonima coccolobaefolia,
Pouteria ramiflora (Mart.) Radlk. Dalbergia miscolobium, Austroplenckia populnea,
Pouteria torta (Mart.) Radlk. ssp. torta
Eriotheca pubescens, Piptocarpha rotundifolia,
STYRACACEAE
Styrax ferrugineus Nees & Mart. Annona crassifolia e Connarus suberosus. Essas
SYMPLOCACEAE 12 espécies representaram 52,2% do IVI total, 58,5%
Symplocos rhamnifolia A. DC. da densidade total e 56% da dominância relativa.
VERBENACEAE Stryphnodendron adstringens, Ouratea hexasperma
Aegiphila lhotzkiana L. e Caryocar brasiliense ocorreram também entre as
VOCHYSIACEAE
Qualea grandiflora Mart.
12 espécies com maior IVI encontradas no
Qualea multiflora Mart. levantamento fitossociológico realizado no cerrado
Qualea parviflora Mart. sensu stricto da Fazenda Água Limpa (Felfili & Silva
Vochysia thyrsoidea Pohl Júnior 1992).
Como essas 22 espécies representam cerca de
40% do total amostrado, pode-se dizer que esta
espécies representadas. O total de 63,3% das famílias comunidade caracteriza-se pela existência de poucas
e 79,5% dos gêneros foram representados por apenas espécies dominantes (Andrade et al. 2002) ou seja
uma espécie, refletindo a alta diversidade biológica da quande parte da estrutura comunitária do cerrado
área. sensu stricto é formada por poucas espécies de modo
Leguminosae tem sido a família mais rica em que as espécies pouco comuns ou raras apresentam
espécies na maioria dos levantamentos realizados no pequena participação na ocupação do espaço. Felfili
cerrado (Mendonça et al. 1998; Silva et al. 2002; & Santos (2002) sugeriram que este padrão de
Weiser & Godoy 2001). Vochysiaceae, com 7,4% das ocupação, encontrado em várias áreas de cerrado e
espécies amostradas, demonstrou elevada riqueza de de florestas no Brasil central, seja levado em
espécies, fato verificado em outras áreas do DF, como consideração nos projetos de recuperação de áreas
no cerrado sensu stricto da Fazenda Água Limpa degradadas. Ou seja, pode-se iniciar um processo de
(Felfili & Silva Júnior 1992) e na Estação Ecológica recuperação com 10 a 20 espécies dominantes
de Águas Emendadas (Felfili et al. 1994). plantadas em maior escala para formar a estrutura da
Quanto à diversidade de espécies, o índice de vegetação e complementar o plantio com a maior
Shannon apresentou valor igual a 3,41, indicando alta variedade possível de outras espécies de ocorrência
diversidade e está situado na mesma faixa daqueles natural na área ou, se houver fontes de propágulos,
encontrados por Felfili et al. (1992; 1994; 2001) em 15 deixar ocorrer a regeneração natural.
localidades nas Chapadas Pratinha, dos Veadeiros e As espécies que apresentaram IVI menor que
do Espigão Mestre do São Francisco. Nessas regiões 10% do maior valor encontrado (27,93), foram em
Acta bot. bras. 18(4): 903-909. 2004 907

Tabela 2. Fitossociologia do cerrado sensu stricto do Centro Olímpico da Universidade de Brasília (UnB) na APA do Paranoá, Brasília,
DF.

Espécie DA DR FA FR DoA DoR IVI


(n/ha) (%) (%) (m2/ha) (%)

Stryphnodendron adstringens 98 11,11 100,00 4,00 1,222 12,82 27,93


Styrax ferrugineus 50 5,67 100,00 4,00 0,603 6,32 15,99
Ouratea hexasperma 63 7,14 100,00 4,00 0,390 4,09 15,23
Caryocar brasiliense 22 2,49 80,00 3,20 0,867 9,10 14,79
Kielmeyera coriacea 59 6,69 100,00 4,00 0,295 3,09 13,78
Byrsonima cocolobaefolia 45 5,10 80,00 3,20 0,422 4,42 12,72
Dalbergia miscolobium 37 4,20 100,00 4,00 0,322 3,38 11,57
Austroplenckia populnea 40 4,54 60,00 2,40 0,263 2,76 9,69
Eriotheca pubescens 21 2,38 70,00 2,80 0,369 3,87 9,06
Piptocarpha rotundifolia 31 3,51 80,00 3,20 0,194 2,04 8,75
Annona crassifolia 26 2,95 90,00 3,60 0,196 2,06 8,61
Connarus suberosus 24 2,72 90,00 3,60 0,194 2,03 8,35
Rapanea guianensis 22 2,49 80,00 3,20 0,234 2,45 8,15
Pouteria ramiflora 21 2,38 50,00 2,00 0,331 3,48 7,86
Diospyros burchellii 25 2,83 70,00 2,80 0,179 1,87 7,51
Pouteria torta 21 2,38 60,00 2,40 0,174 1,83 6,61
Blepharocalyx salicifolius 8 0,91 40,00 1,60 0,390 4,09 6,60
Roupala montana 10 1,13 60,00 2,40 0,225 2,36 5,90
Aspidosperma tomentosum 13 1,47 70,00 2,80 0,088 0,92 5,19
Qualea grandiflora 12 1,36 60,00 2,40 0,119 1,25 5,01
Erythroxylum suberosum 18 2,04 50,00 2,00 0,069 0,72 4,76
Sclerolobium paniculatum 11 1,25 60,00 2,40 0,096 1,01 4,65
Schefflera macrocarpa 11 1,25 70,00 2,80 0,049 0,51 4,56
Enterolobium gummiferum 9 1,02 60,00 2,40 0,099 1,03 4,45
Machaerium opacum 7 0,79 50,00 2,00 0,143 1,50 4,29
Dimorphandra mollis 12 1,36 50,00 2,00 0,077 0,81 4,17
Qualea parviflora 7 0,79 40,00 1,60 0,159 1,67 4,06
Agonandra brasiliensis 13 1,47 20,00 0,80 0,156 1,66 3,94
Miconia pohliana 8 0,91 30,00 1,20 0,148 1,55 3,66
Tabebuia aurea 8 0,91 40,00 1,60 0,068 0,72 3,22
Salacia crassifolia 9 1,02 30,00 1,20 0,072 0,76 2,98
Strychnos pseudoquina 2 0,23 20,00 0,80 0,169 1,77 2,8
Miconia albicans 7 0,79 10,00 0,40 0,120 1,26 2,46
Byrsonima verbascifolia 6 0,68 30,00 1,20 0,035 0,36 2,24
Tabebuia serratifolia 3 0,34 20,00 0,80 0,074 0,78 1,92
Lafoensia pacari 3 0,34 30,00 1,20 0,032 0,33 1,87
Aegiphila lhotzkiana 4 0,45 30,00 1,20 0,015 0,16 1,81
Hymenaea stigonocarpa 4 0,45 20,00 0,80 0,031 0,32 1,58
Bowdichia virgilioides 4 0,45 20,00 0,80 0,029 0,30 1,56
Erythroxylum tortuosum 4 0,45 20,00 0,80 0,017 0,18 1,44
Erythroxylum deciduum 3 0,34 20,00 0,80 0,017 0,18 1,32
Symplocos rhamnifolia 2 0,23 20,00 0,80 0,014 0,15 1,18
Plathymenia reticulata 1 0,11 10,00 0,40 0,045 0,47 0,99
Heteropterys byrsonimifolia 1 0,11 10,00 0,40 0,044 0,46 0,98
Byrsonima crassa 3 0,34 10,00 0,40 0,015 0,16 0,9
Pseudobombax tomentosum 2 0,23 10,00 0,40 0,021 0,22 0,85
Guapira noxia 1 0,11 10,00 0,40 0,026 0,27 0,79
Vochysia thyrsoidea 1 0,11 10,00 0,40 0,018 0,19 0,71
Qualea multiflora 1 0,11 10,00 0,40 0,015 0,16 0,67
Neea theifera 1 0,11 10,00 0,40 0,005 0,05 0,57
Aspidosperma subincanum 1 0,11 10,00 0,40 0,004 0,04 0,55
Eugenia dysenterica 1 0,11 10,00 0,40 0,004 0,04 0,55
Psidium pohlianum 1 0,11 10,00 0,40 0,003 0,03 0,54
Tocoyena formosa 1 0,11 10,00 0,40 0,002 0,02 0,54
Árvores mortas 64 7,26 100,00 4,00 0,562 5,89 17,15
Totais 882 100,00 2500,00 100,00 9,530 100,00 300,00
908 Assunção & Felfili: Fitossociologia de um fragmento de cerrado sensu stricto na APA do Paranoá, DF, Brasil

ordem decrescente: Miconia albicans, Byrsonima podem funcionar como trampolins de biodiversidade
verbascifolia, Tabebuia serratifolia, Lafoensia (stepping stones), possibilitando o fluxo de pólen e a
pacari, Aegiphila lhotzkiana, Hymenaea stigonocarpa, dispersão especialmente pelo vento e pela avifauna
Bowdichia virgilioides, Erythroxylum tortuosum, (Felfili 2003).
Erythroxylum deciduum, Symplocos rhamnifolia, Os indivíduos mortos ocorreram em todas as
Plathymenia reticulata, Heteropterys byrsonimifolia, parcelas, com densidade relativa elevada de 7,3% e o
Byrsonima crassa, Pseudobombax tomentosum, segundo maior IVI (5,7% do total). Segundo Felfili e
Guapira noxia, Vochysia thyrsoidea, Qualea Silva Júnior (1992), isso pode indicar a ocorrência de
multiflora, Neea theifera, Aspidosperma subincanum, recentes distúrbios. A densidade relativa de árvores
Eugenia dysenterica, Psidium pohlianum e mortas na Chapada Pratinha e na Chapada do Espigão
Tocoyena formosa e podem ser consideradas como Mestre do São Francisco apresentou variações entre
pouco comuns na área de estudo. 4 a 13,7%, com a maioria das áreas em cerca de 7%
A espécie Stryphnodendron adstringens foi a (Felfili et al. 1994; Felfili & Silva Júnior 2001).
que apresentou maior dominância (12,8% do total),
Distribuição das alturas e diâmetros - A distribuição
densidade (11,1% do total) e IVI (9,1% do total). No
diamétrica da comunidade em estudo apresentou a
cerrado sensu stricto da Fazenda Água Limpa, Felfili
forma de J-invertido (Fig. 2). A área apresenta
& Silva Júnior (1992) encontraram IVI de 9,7% do
principalmente indivíduos jovens, pois mais de 59% do
total amostrado, para esta espécie. Em outras áreas
total amostrado apresentou diâmetros inferiores a
do DF, a média encontrada foi de 4,1% a 6,5% (Felfili
10cm, e alturas menores que 4m (Fig. 3). O diâmetro
et al. 1994).
máximo encontrado foi de 45cm, pertencente a um
As espécies que apresentaram maiores densidades
indivíduo da espécie Caryocar brasiliense. A maior
foram: Stryphnodendron adstringens, Ouratea
altura encontrada foi de 10,5m, pertencente ao único
hexasperma, Styrax ferrugineus e Kielmeyera
indivíduo amostrado da espécie Vochysia thyrsoidea.
coriacea. Essas representaram 30,6% do total de
No estudo realizado na Chapada do Espigão
espécies. Ouratea hexasperma apresenta pequeno
Mestre do São Francisco (Felfili & Silva Júnior 2001),
porte (Mendonça et al. 1998), o que pode influenciar
as distribuições diamétricas das quatro áreas de cerrado
sua alta densidade (Andrade et al. 2002). Kielmeyera
sensu stricto amostradas apresentaram o formato de
coriacea apresenta ampla distribuição no DF (Felfili
J-invertido. A percentagem de indivíduos com até 10cm
et al. 1994) e ocorre freqüentemente na Fazenda Água
de diâmetro foi maior que 60% nos municípios de São
Limpa (Barros 2002).
Desidério (BA), Correntina (BA) e no Parque Nacional
As espécies com maior dominância foram
Grande Sertão Veredas (MG). No município de
Stryphnodendron adstringens (12,8% do total),
Formosa do Rio Preto, mais de 50% dos indivíduos
Caryocar brasiliense (9,1% do total) e Styrax
possuíam menos que 10cm diâm. Essas áreas
ferrugineus (6,3% do total). Essas representaram
apresentaram 95% dos indivíduos com diâmetros até
28,2% da dominância relativa. Caryocar brasiliense
25cm padrão confirmado no cerrado sensu stricto do
e Styrax ferrugineus destacaram-se também na
Estação Ecológica de Águas Emendadas, APA Gama 600
- Cabeça de Veado e no Parque Nacional de Brasília
(Felfili et al. 1994). A variação da dominância relativa 500 482
Número de indivíduos

nas referidas áreas, cujos levantamentos foram


400
realizados com metodologia similar (Felfili et al. 1994),
foi para o Caryocar brasiliense de 6,4% a 7,3% e 300

para o Styrax ferrugineus, o intervalo foi de 3,6% a 217


200
6,9% indicando que estas são espécies dominantes no
cerrado sensu stricto das Unidades de Conservação 100 68
do Distrito Federal. É posivo o fato de parcelas 27
9 7 4 3 2
0
significativas de suas populações estarem 5,0-9,9 10,0-14,9 15,0-19,9 20,0-24,9 25,0-29,9 30,0-34,9 35,0-39,9 40,0-44,9 45,0-49,9

representadas nas maiores Unidades de Conservação Classes de diâmetro (cm)


do Distrito Federal, sendo ameaça à sua sustenta- Figura 2. Distribuição dos indivíduos por classes de diâmetro no
bilidade o isolamento entre as unidades (UNESCO cerrado sensu stricto do Centro Olímpico da Universidade de
2000), tornando importantes fragmentos como este que Brasília (UnB) na APA do Paranoá, Brasília, DF, Brasil.
Acta bot. bras. 18(4): 903-909. 2004 909
500
452
Felfili, J.M.& Silva Júnior, M.C. 1992. Floristic composition,
phytosociology and comparison of cerrado and gallery
Número de indivíduos/ha
400 forests at Fazenda Água Limpa, Federal District, Brazil.
Pp. 393-415. In: P.A. Furley; J.A. Proctor & J.A. Ratter.
300
Nature and dynamics of forest-savanna boudaries.
London, Chapman & Hall.
211 Felfili, J.M.; Filgueiras, T.S.; Haridasan, M.; Silva Júnior,
200
M.C.; Mendonça, R. & Rezende, A.V. (eds.). 1994.
Projeto biogeografia do bioma cerrado: Vegetação e
98
100 solos. Caderno de Geociências do IBGE 12: 75-166.
47 Felfili, J.M.; Silva Júnior, M.C.; Rezende, A.V.; Nogueira, P.E.;
0
10 1 Walter, B.M.T.; Silva, M.A. & Encinas, J.I. 1997.
0,0-1,9 2,0-3,9 4,0-5,9 6,0-7,9 8,0-9,9 10,0-11,9 Comparação florística e fitossociológica do Cerrado nas
Classes de altura (m) Chapadas Pratinha e dos Veadeiros. Pp. 6-11. In: L. Leite
& C.H. Saito (eds.). Contribuição ao conhecimento
Figura 3. Distribuição dos indivíduos por classes de altura no ecológico do cerrado. Brasília, Ed. Universidade de
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(UnB) na APA do Paranoá, Brasília, DF, Brasil. Felfili, J.M. & Venturoli, F. 2000. Tópicos em análise de
vegetação. Comunicações técnicas florestais, v.2, n.2.
Centro Olímpico, com mais de 90% dos indivíduos Universidade de Brasília, Departamento de Engenharia
florestal.
atingindo esse limite.
Felfili, J.M. 2000. Perda da diversidade. In: UNESCO.
A elevada velocidade com que esse tipo de cerrado Vegetação no Distrito Federal: tempo e espaço. Brasília:
vem sendo degradado no Distrito Federal e a alta 33-34.
Felfili, J.M. & Felfili, M.C. 2001. Diversidade Alfa e Beta no
diversidade e riqueza de espécies do cerrado do Centro cerrado sensu stricto da Chapada Pratinha, Brasil. Acta
Olímpico sugerem que este seja considerado para a Botanica Brasilica 15(2): 243-254.
implantação de uma unidade de conservação de uso Felfili, J.M.& Silva Júnior, M.C. (orgs.). 2001. Biogeografia
indireto. do Bioma Cerrado: estudo fitofisionômico da Chapada
O formato de J-invertido resultante da distribuição do Espigão Mestre do São Francisco.
Felfili, J.M.; Nogueira, P.E.; Silva Júnior, M.C.; Marimon, B.S.
diamétrica indica que a comunidade estudada é & Delitti, W.B.C. 2002. Composição florística e
autoregenerativa, caso não seja intensivamente fitossociologia do cerrado sentido restrito no município
perturbada. O elevado percentual de árvores mortas é de Água Boa, MT. Acta Botanica Brasilica 16(1): 103-112.
um indicativo de perturbações na área, reforçando a Ferrante, J.E.T.; Netto, B.N. & Rancan, L. 2001. Meio físico.
necessidade de maior proteção contra incêndios e In: F.O. Fonseca (org.). Olhares sobre o lago Paranoá.
Brasília, Secretaria do Meio Ambiente e Recursos
despejo de lixo e entulhos.
Hídricos.
Espécies de elevado valor extrativista como Haridasan, M. 1994. Solos. In: M.N. Pinto (org.). Cerrado:
Stryphnodendron adstringens (barbatimão) e caracterização, ocupação e perspectivas. Brasília, Ed.
Caryocar brasiliense (pequi) são abundantes na área, UnB/SEMATEC.
elevando o seu valor para conservação, especialmente Mendonça, R.C.; Felfili, J.M.; Walter, B.M.T.; Silva Júnior,
M.C.; Rezende, A.V.; Filgueiras, T.S. & Nogueira, P.E.
considerando o grau de ameaça dessas espécies pelas
1998. Flora vascular do cerrado. Pp. 289-556. In: S.M.
pressões extrativistas e pela destruição de seus Sano & S.P. Almeida. Cerrado, Ambiente e flora.
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logia de uma área de cerrado denso na RECOR-IBGE, fitossociológico em duas áreas de cerrado sensu stricto
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