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Aula - Bioética de Intervenção: uma proposta brasileira - bases conceituais.

Cátedra Unesco de Bioética – Especialização Latu sensu em Bioética - 2014


Thiago Cunha

O objetivo da aula é apresentar e analisar a pertinência da Bioética de


Intervenção como abordagem teórica alternativa aos pressupostos tradicionais
da disciplina Bioética. Algumas perguntas-chave orientarão o desenvolvimento
da aula, entre elas:
0 O que é a Bioética de Intervenção?
1 Qual o contexto histórico e político de seu surgimento?
2 Quais são suas bases conceituais e teóricas?
3 Como a BI contribuiu para o estabelecimento da Bioética no país e na
América Latina?
4 Quais as principais críticas feita à abordagem?
5 Qual futuro pode ser visualizado para a BI?

Partimos de uma breve contextualização para localizar a Bioética no tempo e


no espaço e delimitar o campo de onde emergirá:

História

A a Bioética surge de uma dupla ‘parternidade entre 1970/1971: primeiro, por


Potter, que a compreendeu como uma nova “perspectiva” sobre a ‘ciência’ que
deveria ser desenvolvida a partir da conjunção entre saberes das ciências
biológicas e humanas com o objetivo (ambicioso) de garantir a sobrevivência
humana. O autor elabora várias analogias entre a evolução biológica e a
evolução cultural e como sua harmonização poderia construir um “ambiente
ótimo” para que toda a humanidade pudesse viver feliz e produtiva. As ‘ideias”,
segundo Potter, seriam como o “DNA”: unidades básicas de informação
transmitidas de geração em geração que por meio de mutações,
recombinação, replicação e expressão pautadas numa “seleção natural de
ideias” que resulta no processo de evolução cultural. A Bioética deve ser
justamente uma “ideia” que configure um ‘sistema ético’ que leve o homem a
“conhecer como utilizar o conhecimento” para atingir o objetivo de uma
sobrevivência.

Essa perspectiva ampla da Bioética não foi, inicialmente, difundida na


academia, já que também em 1971 André Hellegers fundou o Rose Kennedy
Institute for the Study of Human Reproduction and Bioethics, utilizando o termo
para expressar um campo de reflexão sobre ética médica, em especial
relacionados aos temas de reprodução, em diálogo com a teologia. Essa
perspectiva mais restrita ao campo médico viria a se consolidar após a
publicação da Encyclopedia of Bioethics em 1978 e o livro “Principles of

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Biomedical Ethics”, em 1979, que incluiu nas discussões éticas os temas da
ética em pesquisa e práticas biomédicas.

Nos anos 1980/90 a Bioética adquiriu status de disciplina acadêmica em muitos


cursos de graduação e pós-graduação, tanto nos EUA quanto em outros
países, e por meio de periódicos científicos consolidou-se como um profícuo
‘campo’ interdisciplinar. Apesar do status do principialismo como a principal
corrente, a Bioética adquiriu outras abordagens e fundamentações, algumas
mais próximas ao visualizado por Potter, incluindo questões ambientais, outras
mais biomédicas, e outras ainda mais “críticas”, especialmente aquela que veio
a ser conhecida como Bioética Feminista.

No Brasil a Bioética chegou no inicio dos 1990, após a abertura democrática.


Um dos primeiros especialistas foi Volnei Garrafa, que realizou pós-doutorado
na Itália ao lado do sanitarista e explícito comunista Giovanni Berlinguer, onde
já abordou a bioética desde uma perspectiva politizada e próxima à saúde
pública. Sua tese refletia criticamente sobre a comercialização de órgãos
humanos, especialmente para transplante.

Antes deste pós-doutorado, porém, Garrafa já associava ética, saúde pública e


política, sendo reconhecido com um importante militante do Movimento da
Reforma Sanitária.

Em 1981, após anos de dedicação ao ensino e pesquisa em odontologia


oncológica, Garrafa publicou o livro “Contra o monopólio da saúde”, tido como
importante referência para as discussões da Reforma Sanitária. No livro, o
autor discutia criticamente como o monopólio do saber médico resultava no
monopólio da própria saúde e, disso, a possibilidade da prática criação de
necessidades artificiais que reafirmavam tanto o poder médico quanto os
interesses de mercado. Durante os anos 1980 e no esteio da Reforma
Sanitária, Garrafa passou a publicar cada vez mais sobre os temas de saúde
pública e coletiva, como o artigo “Constituinte e saúde”, de 1986.

No início dos 1990, por conta do pós-doutorado, Garrafa começou efetivamente


a trabalhar com Bioética. Em 1992, publicou o artigo “A última mercadoria - a
compra, venda e o aluguel de partes do corpo humano”, ao lado do orientador
G. Berlinguer.

Em 1995, com a criação do Núcleo de Estudos e Pesquisas em Bioética da


Universidade de Brasília (NEPB), surge o espaço institucional de onde viria a
ser desenvolvida a BI. No mesmo ano, Garrafa publicou o livro que o consolida
como um pioneiro da bioética no país: “A dimensão da ética em saúde pública”,
publicado pela Faculdade de Saúde Pública – USP. No livro, o autor discutia
como a definição de políticas de saúde, especialmente seu financiamento,

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longe de ser uma questão puramente econômica, ou mesmo política, é
eminentemente ética.

Em 1997, Garrafa publicou o artigo “Bioéticas, salud y ciudadanía” apresentou


uma abordagem que pode ser tida a perspectiva embrionaria da BI.
Em 1998, o NEPB lançou o Curso de Especialização Latu Sensu em Bioética,
coordenado por Volnei Garrafa. A experiência como professor e o espaço
reflexão do curso foi essencial para amadurecer a perspectiva ainda
embrionária do que viria ser a Bioética de Intervenção.

De qualquer modo, o embrião só adquiria a “forma reconhecível” a partir de


1998, com a sua proposição de Garrafa por uma “Bioética Dura”. Nas
conferências em que foi apresentada, Garrafa defendia a ampliação da
disciplina e a atuação da Bioética para uma perspectiva politizada e
considerando as especificidades e diferenças dos problemas bioéticas dos
países periféricos, tal como elaborado na conferencia . “Etica y Salud Pública:
el tema de la equidad y una propuesta bioética dura para los países
periféricos”, realizada em 1999 na Argentina.

No início dos 2000, com o debate internacional sobre as mudanças nas


declaração de Helsink, a perspectiva politizada e crítica do autor se revela
também no ética em pesquisa tal como ilustrado em artigo ao lado de Mauro
Prado em 2001. A constatação da força do poder econômico e político das
industrias farmacêuticas e dos países centrais contribuirá para o ‘caldo’ crítico e
politizada que marcará a BI.

É, finalmente, em 2002, que “nasce” a Bioética de Intervenção, por meio de um


aprofundamento da proposta da Hard Bioethics no trabalho conjunto de Garrafa
e Porto, apresentado no VI Congresso Mundial de Bioética e publicado nos
periódicos O Mundo da Saúde naquele ano e nrevista Bioethics em 2003. A
sistematização proposta pelos autores neste trabalho e o desenvolvimento em
publicações futuras serão utilizados agora para analisarmos o arcabouço
teórico da BI.

BI – Bases conceituais
BI: caráter aberto, em construção, dialógico

Antecedentes

Bioética das situações persistentes x emergentes – desde o final de seu


pós-doutorado, Garrafa já apresentava a ideia de que a Bioética,
especialmente nas regiões com graves problemas econômicos e sociais,
deveria se preocupar primeiramente com as situações persistentes,
especialmente aquelas negligencias pela Bioética, como a exclusão social; a
pobreza, a miséria e a marginalização, discriminação da mulher, aracismo,
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ineqüidade na alocação e distribuição de recursos sanitários, abandono de
crianças e idosos, etc.

Países centrais x países periféricos - Em um perspectiva global, em


decorrência da mesma postura contrária as questões de desigualdade, Garrafa
já vinha defendendo que a Bioética deveria ser ater-se especificamente aso
problemas vivenciados nos países periféricos a partir do olhar e das
proposições dos próprios “periféricos”, como a e a concentração de poder, a
globalização econômica internacional e a evasão de divisas das nações mais
pobres para os países centrais.

Críticas ao principialismo - Garrafa e outros colaboradores já vinham


refletindo desde o final dos anos 1990 sobre a insuficiência do principialismo
como abordagem teórica apropriada para uma bioética produzida nos países
periféricos. Além de focar-se excessivamente em temas emergentes, longe da
realidade da maioria da população local, esta abordagem visualiza os
indivíduos de um modo abstrato, neutro, privilegiando, ainda que sem a inteção
de seus formuladores, uma suposta autonomia instrumentalizada em termos
de consentimento e um discurso a-político que ignora os problemas estruturais
envolvidos nos conflitos éticos que envolvem a saúde e a vida da maioria da
população planetária. Basicamente, o núcleo da crítica refere-se ao fato de que
o principialismo é insuficiente para considerar as consequências das
desigualdades relacionadas ao desenvolvimento teconcientífico e econômico

Marcos teóricos da Bioética de Intervenção

Corporeidade
Um dos problemas teóricos e práticos que mais consomem trabalhos e debates
na Bioética é a questão da universalidade. A proposta de Beauchamp e
Childress para a prevalência dos 4 princípios como representantes da
Moralidade Comum Universal foi rechaçada dentro e fora dos EUA, como por
exemplo, por Engelhardt, nos EUA, e diversos bioeticistas da Europa e América
Latina. Vozes destoantes não aceitam que a Autonomia seja um principio moral
relevante em qualquer cultura, da mesma forma que outros bioeticistas
questionam se a Dignidade constitui um valor ou um principio universal.

Na BI, Garrafa e Porto propuseram a Corporeidade um marco teórico que,


acreditam, solucionam este problema do reconhecimento de algum valor ou
principio moral como substrato e orientador ético universal. Discutindo a
impossibilidade de um acordo ou compreensão de um principio moral universal,
os autores destacam que um marco que não compromete a moralidade com
um universal metafisico, religioso ou mesmo cultural:

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‘Se no nível das ideias é impossível encontrar um ponto de contato para o
estabelecimento de uma ética que pode abarcar a diversidade e produzir um
diálogo entre moralidades, é palpável no nível da corporalidade”.

Assm a BI não propõe um valor moral abstrato como indicador da


universalidade, mas, reivindica o ‘universal óbvio’ que é realmente comum a
todos os povos e indivíduos em todos os lugares e tempos: a saber, a
universidade do corpo.

Isto porque, segundo os autores, a “concretude social é manifesta no corpo


das pessoas, cuja totalidade somática materializa e sustenta vida social, em
toda e qualquer sociedade, permitindo a existência da coletividade [...] uma
sociedade estará nos corpos de seus membros ou não residirá em parte
alguma” 70.

Negando a divisão cartesiana entre corpo/mente ou corpo/espírito, os autores


defendem que a pessoa só existe no corpo, no qual estão articuladas as
dimensões física e psíquica [ e poderíamos acrescentar, porque não, espiritual],
que se manifestam de maneira integrada nas inter-relações sociais e nas
relações com o ambiente.

Assim,longe de um reducionismo biológico, a corporeidade como marco teórico


da BI compreende a noção de corporeidade como ligada concepção do Eu,
enquanto entidade metafísica, e à percepção do Eu, enquanto realidade
concreta na dimensão fenomenológica, bem como ao coletivo, formado na
manifestação do corpo dentro de uma inter-relação social que lhe confere uma
identidade na medida em que sua identidade também configura o coletivo.

Garrafa e Porto acreditam que este marco-teórico oferece para a bioética uma
base comum e a possibilidade de ‘transitar entre os discursos desse campo e
universalizar seu arcabouço epistemológico, sem incorrer na parcialidade
inerente à reprodução de moralidades, nos jogos de poder que as sustentam
ou nas assimetrias deles decorrentes’.

Ou seja, a BI propõe o corpo como valor moral universal ‘mínimo’ de onde se


pode construir e aceitar diversas e distintitas moralidades. Há um valor moral
universal, mas também há um respeito e consideração do pluralismo moral.

Nas palavras dos autores: ode-se dizer, então, que no corpo, o “mínimo”, que
permite o diálogo entre as distintas vertentes e visões da Bioética, se encontra
com o “máximo”, que é o valor que os indivíduos e as sociedades atribuem à
vida humana.

A importantecia do corpo como marco teórico fundamental da Bioética de


Intervenção revela-se no fato de que a BI defende o próprio corpo como a linha
demarcatória a partir da qual se torna indispensável a intervenção para garantir

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o necessário a vida (orgânica e social) de indivíduos, grupos, segmentos e
populações.

Para identificar quando a intervenção para garantir a sobrivência da vida do


corpo, BI defende dois parâmetros que também são universais: a saber, o
prazer a e dor.

Referenciais somáticas do corpo: prazer e a dor

Mais do que um indicador biológico, a Bioética de Intervenção compreende que


o prazer e a dor é que modulam sensação corpórea, e é desta sensação que
se desprendem a formação de todas as relações sociais, inclusive daquelas
que produzem as ideias e as concepções sobre moral e princípios como
autonomia, justiça, merecimento, dignidade, solidariedade, liberdade....etc

Compreedem que a “possibilidade de provocar o prazer ou infligir a dor a


outros é a base das relações de poder”. Ou seja, que “justificado em seu
próprio exercício, o poder se legitima com a recompensa e o castigo que
fundamentam a idéia de justiça. O medo, a força e a dor marcam as relações
entre exploradores e explorados, legitimando o uso social do poder e
condicionando o comportamento. O pacto social, seja ele qual for, decorre do
uso dos parâmetros sensoriais”.

Cientes de que a definição de valores morais universais respondem à projetos


de poder particulares, Garrafa e Porto preocupam-se em formular um
abordagem sobre a corporeidade que resulte em um respeito ao pluralismo
moral. Ponderam, por isso, que embora a dor e o prazer possam ser
percebidos de forma diferente em cada contexto social, a dor e o prazer,
enquanto fenômenos corporais, são inerentes a todos os grupos humanos, e
em toda sociedade o prazer (seja lá como esteja definida) está relacionado à
recompensa enquanto a dor (seja lá como esteja definido) significa castigo.

O corpo como marco teórico e valor universal e o prazer e a dor trazem para
bioética o compromisso com a defesa do corpo saudável, feliz, prazeroso, em
contraponto ao corpo doente, sofrido, dolorido. Em qualquer lugar, a
intervenção bioética se justifica aí, e somente aí.

Para identificar uma intervenção legitimamente justificada, os autores definem


como parâmetro a qualidade de vida do corpo, estando esta relacionada ao
que “é fundamental à vida do indivíduo e da sociedade”. O fundamental para
garantir a qualidade de vida pode ser justamente identificado a partir dos
marcadores somáticos do corpo, “considerando às funções essenciais à
existência do ser enquanto entidade fenomênica e, principalmente, a projeção
na dimensão coletiva desse ente concreto, sintetizado em sua condição de
pessoa”.

É importante reiterar que o corpo compreendido pela Bioética de Intervenção,


incluindo seus marcadores somáticos – prazer e dor – são constituído
necessariamente em relações sociais e coletivas. Desse modo, não é apenas a
fome, a tortura, a doença etc que indicam a necessidade de intervenção, mas
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também aqueles processos que impedem o corpo de se constituir socialmente
de um modo prazeroso, sem sofrimento, como as exclusões sociais, a
discriminação, estigmatização, etc.

Em suma, na BI “prazer e dor podem se tornar indicadores da intervenção à


medida que refletem a satisfação (ou não) das necessidades de sujeitos
concretos”.

Como intervir?

Até o momento viemos como a corporeidade figura como um marco teórico


central da BI e como prazer e dor se constituem marcadores para justificar a
intervenção. Mas quais os parâmetros podem ser usados para realizar esta
intervenção? Se houver mais de uma opção para intervir na busca do trazer e
do fim da dor, qual será a melhor alternativa?

Plano coletivo – utilitarismo

NAscimento
Essas propostas – além de tomar a equidade como ponto de partida; a
justiça social como objetivo e como ambiente de reflexão; a libertação como
ferramenta de intervenção; o empoderamento e a libertação como propostas de
mobilização de sujeitos e recursos; e a emancipação como ponto de proteção –
se sustentam em dois fundamentos: a) em um utilitarismo, que no sentido
atribuído por palavras de Garrafa e Porto (2003) é orientado para a e uidade;
b) num consequencialismo solidário e crítico

2003: defende como moralmente defensável) no campo público e coletivo: a priorização de


políticas e tomadas de decisão que privilegiem o maior número de pessoas e pelo maior
espaço de tempo possível, mesmo que em prejuízo de certas situações individuais, com
exceções pontuais a serem discutidas

mas resultar nas melhores consequências (Porto D, Garrafa V. Bioética de


intervenção: considerações sobre a economia de mercado. Rev Bioética.
2005;13(1):111-23) coletivas (Garrafa V, Porto D. Bioética de Intervenção
(verbete). In: Tealdi JC, director.) Bem comum –(Cruz e Trindade, 2006

p. 161-4

preocupação com a qualidade na aplicação do utilitarismo (as melhores


consequências), bem como com o ajuste do foco da intervenção (o coletivo).
Dessa forma, se procurou orientar o utilitarismo para uma
perspectiva consequencialista, voltada aos interesses da coletividade em sua
totalidade.

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Tendo em conta a irredutibilidade do conjunto social à soma dos elementos 65
e, portanto, considerando que é a articulação orgânica entre os diferentes
grupos e segmentos o que transforma um mero aglomerado de indivíduos em
uma sociedade, essa proposta teórica... “... busca uma aliança concreta com o
lado historicamente mais frágil da sociedade,

BI Enfrentamos a dor, como fazem heróis, ascetas, santos e mártires, somente


quando ela é considerada uma etapa necessária à abtenção posterior do
prazer.

Mill: justiça é “bem maior” – possível saída embate Utilitarismo x DH


Singer: Não seriam a dor e o prazer, mas as preferências de cada um que
devem ser consideradas (preferências de todos e cada um sejam igualmente
consideradas)

Crítica nascimento – racionalidade do utilitarismo - Essa é a mesma racionalidade que


aparece como referência mais ou menos segura para a tomada de decisões na fonte da
elaboração utilitarista. É exatamente aqui que reside o risco da adoção do utilitarismo para
a análise de conflitos que envolvem, por exemplo, decisões no campo da saúde. A tomada de
decisão para privilegiar o maior número possível de pessoas, pela quantidade maior de
tempo e que resulte nas melhores consequências coletivas está radicalmente ligada à
capacidade racional de determinar o que é realmente privilégio (ou o melhor) para o maior
número de pessoas. Como esse é um princípio geral, que não apresenta “poréns”, e ainda é
reforçado no sentido de que deve ser afirmado mesmo a despeito de situações
particulares, abre espaços fundamentais para tomadas de decisões que podem vir a se
mostrar injustas do ponto de vista da dignidade da pessoa humana (tal como pensa a
maioria das pessoas).

Mesmo voltado á equidade, utilitarismo, para Nascimento,não se justifica,


pois “A própria percepção do desequilíbrio que se procuraria reduzir com
a busca da equidade é identificada racionalmente [...]A percepção da
desigualdade que motivará a busca de mecanismos para a busca da
equidade, normalmente parte das partes menos vulneráveis

A decisão sobre o que é o melhor para a maioria das pessoas é sempre


uma decisão tomada por algumas pessoas, por meio do uso dessa
racionalidade que em sua história vem mostrando usar a frieza em sua
relação com os sofrimentos morais. Nesse sentido, os estudos sobre a
colonialidade propõem diálogos com as partes locais, com os mais
vulneráveis, desconsiderando a hierarquia racional da especificidade
técnica

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A ideia de um consequencialismo solidário articulado com o utilitarismo
orientado para a equidade proposto pela BI que cria compromissos
com as populações historicamente desprivilegiadas e vulneradas é

se sabe que as decisões em torno de ações de solidariedade são na


maioria das vezes exercidas por sujeitos que têm seus lugares de
decisão atravessados por historicidades que nem sempre os leva a optar
pelas pessoas historicamente desfavorecidas.

O uso do utilitarismo, até que se consiga construir algum instrumento mais adequado, deve
ser plenamente cuidadoso, mas é o que atualmente dispomos no contexto latinoamericano.
Utilizando a metáfora de Neurath (1993, p. 206) sobre o conhecimento, pode-se dizer que a BI
é como um navio que funciona e tem algumas peças com avarias. Só que enquanto não
há terra firme para parar e consertá-lo, segue a navegar com as peças avariadas e que vão
sendo improvisadas durante a navegação. Enquanto não encontramos porto seguro para
substituir o utilitarismo por outra ferramenta teórica mais pertinente, vamos navegando
com ele, consertando-o sempre que der problema e, sobretudo, atentos ao fato de que temos
uma peça avariada e que pode, em algum momento, causar problemas. Velejemos com
cuidado, pois o navio da BI tem se mostrado importante e há ainda muitos mares a navegar,
no seu projeto de apoio à construção da teoriade uma vida não colonizada.

Plano individual –

E, já que há necessidade de eleger um valor universal para pautar a ética nas


relações entre indivíduos, grupos, segmentos e populações, que tal valor seja a
existência mesma da pessoa, sua vida orgânica e social que é, na dimensão
individual o maior valor para todas e para qualquer pessoa.

O primeiro nível desse contínuo refere-se à categoria libertação. Libertação diz


respeito à conquista de melhoria na qualidade de vida na dimensão pessoal,
relacionando-se a fatores como a educação e saúde. O segundo nível refere-se
ao empoderamento que diz respeito à melhoria na qualidade de vida na
dimensão coletiva, relacional, referindo-se à transformação de padrões de
relação assimétricos que levam à subjugação do outro, podendo incidir também
na expropriação de seus direitos. Emancipação, categoria ancorada no plano
jurídico, diz respeito ao uso pleno das prerrogativas da cidadania, à
participação do indivíduo na esfera pública como sujeito ao qual cabem direitos
e deveres. Para a Bioética de Intervenção a ação individual nesses três níveis
estabelece o processo que permite a alcançar a autonomia. Assim, essas três
categorias, libertação, empoderamento e emancipação são utilizadas na
discussão dos dados de campo, compondo uma escala que aponta mudanças
na situação de vida, no sentido da superação das condições de vulneração
rumo à construção efetiva da autonomia.

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Direitos Humanos
O reconhecimento do valor intrínseco para a vida, que é considerada uma
experiência além da mera sobrevivência, permite a construção de parâmetros
éticos a relações nas quais as diferenças entre seres humanos não significam
necessariamente assimetria de poder e desigualdade

Pluralismo moral:
se no plano das idéias é impossível encontrar um ponto de contato para o
estabelecimento de uma ética que abarque a diversidade e produza o diálogo
entre as moralidades, ela é palpável ao nível da corporeidade.

Porque é desta igualdade orgânica que se levantam as vozes da pluralidade.

Na discussão que interessa a este trabalho, isso se manifesta no fato de que


quanto mais buscamos encontrar uma ética universal mais nos deparamos com
obstáculos aparentemente intransponíveis. Na medida em que grupos culturais,
dentro de um mesmo contexto social, ou sociedades diferentes passam a
aumentar seu contato, a diversidade moral e os interesses econômicos de cada
um deles ficam evidenciados, criando verdadeiros abismos ao entendimento.
Não obstante essa constatação, subsiste a necessidade e se intensifica a
vontade de estabelecer padrões universais para orientar o comportamento. Os
múltiplos choques que vimos presenciando mostram que é preciso estabelecer
urgentemente as bases para uma nova discussão ética. Parâmetros que
permitam o diálogo bilateral e simétrico entre moralidades das diferentes
sociedades e possibilitem a convivência equilibrada entre os que detêm e
aqueles submetidos ao poder, entre países centrais e periféricos.

Finitude dos recursos naturais


No tocante a isso é indispensável ainda assinalar que na dimensão ambiental
reproduzse o mesmo tipo de relação que se observa na perspectiva
pessoal em relação à saúde e aoadoecimento. Da mesma forma que a
saúde só é percebida com o surgimento da doença, aimportância da
preservação do ambiente só é avaliada pela escassez e pela falta dos
recursos necessários à vida.

Nesse sentido, a incorporação dos direitos difusos relacionados ao


ambiente nos referenciais teóricos da Bioética de Intervenção configura-se
como um imperativo categórico, que determina a reavaliação de prioridades
e a redução do consumo ao necessário à vida de indivíduos, grupos,
segmentos e populações em todas as sociedades humanas.

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O parâmetro que define o necessário e demarca o ponto de intervenção para
eliminar o desperdício delineia-se sobre o mesmo absoluto universal
relacionado às funções essenciais à existência. A linha demarcatória que
define o essencial aponta tanto o que deve ser garantido para suprir as
necessidades do empobrecimento quanto o que deve ser suprimido para
eliminar o supérfluo da superabundância para indivíduos, grupos,
segmentos e populações submetidos a tais condições. Assim, aumentando
o insuficiente e diminuindo o excedente, se completa o ciclo da eqüidade,
garantindo a sustentabilidade social e ambiental e a vida de todos. Isso é,
pura e simplesmente, justiça.

O fato dos recursos naturais serem limitados e sua extinção atingir não só o
modo de vida da civilização ocidental, mas todas as sociedades, parece um
ponto de apoio sólido o suficiente para provocar a flexibilização de posições
arbitrárias e inconsequentes. Para além do comportamento orientado por
regras morais específicas em cada sociedade, devemos centrar nossos
esforços na busca de padrões de relação entre seres humanos e culturas. Da
dimensão das sociedades e da moral precisamos trazer o foco para o ser
humano. Para as características comuns à humanidade que serviram para
construir a cultura, as sociedades e as diversas moralidades: o prazer e a dor.

Solidariedade Crítica – Igualdade/Equidade (reconhece diferenças) como


efetivação direitos humanos – equação utilitarismo um utilitarismo orientado à
abusca da equidade (consequencialismo solidário) autonomia como
emancipação, solidariedade como solidariedade crítica, igualdade como
equidade, vulnerabilidade como vulneração, etc; Diálogos: Assim, são
apresentadas no marco teórico a Bioética da Teologia da Libertação 5 e a
Bioética da Proteção 6, que a partir de visões de mundo e perspectivas teóricas
distintas discorrem sobre as iniciativas pessoais e institucionais que precisam
ser tomadas para garantir a saúde pública. Em virtude da característica do
recorte proposto são introduzidas também a Bioética Crítica de Inspiração
Feminista desenvolvida no contexto brasileiro 7 e a Bioética Feminista e Anti-
Racista 8. Em comum essas vertentes analisam as questões éticas
relacionadas à saúde e adoecimento - vida e morte - da parcela feminina da
sociedade brasileira. Especialmente significativa ao recorte destaca-se a
Bioética Feminista e Anti-Racista, que desenvolve sua base conceitual a partir
da análise das desigualdades inerentes aos papéis subalternos atribuídos ao
segmento negro em nossa sociedade, situação que também se estende (e se
acentua) em relação às mulheres negras.

). Pensamos em
uma solidariedade crítica, exatamente para evitar a armadilha colonial de sermos
solidários em causa própria, no sentido de beneficiar apenas nossos próprios
interesses. A crítica aqui é também uma autocrítica, na medida em que nossos
posicionamentos e interesses também estarão em questão. A construção da

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solidariedade crítica poderá se efetivar em mudanças político-sociais, entre outras
formas, a partir de um voluntariado orientado para a alteridade, por meio da ação concreta de
grupos .organizados e preocupados com radicais transformações políticas no sentido da
luta pela inserção crescente do maior número possível de pessoas nos processos de
tomada de decisão, ao mesmo tempo em que se problematizam as maneiras
hegemônicas de decidir politicamente. A fundamentação desse tipo de voluntariado na
proposta da BI vem do compromisso pela tríplice busca da intervenção: civil,
política e social. Sua fonte de inspiração é sustentada pela solidariedade crítica e
comprometida, que se situa nas coordenadas da vida quotidiana e compreende propostas
de transformação social a partir do comprometimento não somente desinteressado e
usual verificado nos grupos tradicionais de voluntários, mas que inclui o discurso da
militância e práticas políticas situadas no horizonte da mobilização social e que se
movimentam pelos espaços do protesto e do confronto, quando necessário (Selli e
Garrafa, 2005). O norte desse voluntariado é viabilizado a partir de uma prática solidária
crítica, autocrítica, transformadora e militante. Os grupos voluntários orgânicos
alimentam suas ações políticas e seus processos de relacionamentos nos campos da
justiça, dos direitos e da mobilização e luta social, por meio de práticas solidárias,
interativas e socialmente comprometidas. É dentro de todo esse contexto e na linha das
ideias apresentadas, que a BI sustenta sua defesa de um consequencialismo solidário.
A proposta de uma solidariedade, de uma equidade e de um voluntariado descolonizados
se encaixariam de modo harmônico à proposta da BI.

Papel do Estado – Libertação, Empoderamento, Emancipação


faz-se necessário salientar que mesmo que a intervenção parta do Estado e de
suas instituições deve ser moldada de forma a propiciar a emancipação dos
indivíduos aos quais se destina, promovendo sua autonomia e a construção de
uma sociedade cidadã.
- retorno e ampliação perspectiva Potter – o mundo /globo /desenvolvimento –

No plano das relações interpessoais, a desigualdade se revela na


possibilidade de consumir tecnologia, criando uma clivagem que
hierarquiza indivíduos, grupos e segmentos a partir de sua capacidade
de adquirir os bens disponibilizados no mercado. E é justamente essa
capacidade que estabelece a noção de pertencimento: seja na dimensão das
relações entre Estados-nação ou no plano das relações entre subgrupos
nesses estados, o que determina o pacto social é a possibilidade de
inserir-se no mercado como produtor ou consumidor de tecnologia.
En el caso de los países latinoamericanos, es imprescindible que esa discusión
(bio-ética) pase a ser incorporada al propio funcionamiento de los sistemas
públicos de salud en lo que respecta a la responsabilidad social del Estado;
definición de prioridades con relaciónalaasignación,distribución y control de
recursos; administración del sistema; participación de la población de modo
organizado y crítico; preparación adecuada de los recursos humanos
necesarios al buen funcionamiento del proceso; revisión y actualización de los
códigos de ética de las profesiones involucradas; profundas e indispensables
trasformaciones curriculares en lasuniversidades... En fin, contribuyendo para
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la mejoría del funcionamiento del sector como un todo.
Las acciones cotidianas de personas concretas deben ser tomadas en su
dimensión política, en un proceso dialéctico en el cual los sujetos sociales se
organizan entre sí, con la sociedad civil y con el Estado, articulando e
influyendo en susacciones

4P
–prudencia (frente a los avances), prevención (de posibles daños e
iatrogenias), precaución (frente al desconocido), y protección (de los más
frágiles, de los desasistidos)– para el ejercicio de una práctica bioética
comprometida con los más vulnerables, con la “cosa pública” y con el equilibrio
ambiental y planetario del siglo XXI,

- Críticas
- (é política, e não bioética/ divisão do campo compromete futuro da BI/ não
apresenta sustentação para se definir como “Teoria”/ referencial utilitarista
contrapõe referencial DH/ ênfase no coletivo sobre individuo e legitimação do
Estado pode justificar totalitarismo/ democracia e BI/

Individuo minoria absoluta

- Colonialidade BI
Bioética hegemônica sustenta a colonialidade da vida (Nascimento)
Bioética deve ser pensadas não apenas para o Sul, mas desdeo Sul.

- Aplicações (
exemplos de artigos – reforma sanitária)

Três linhas de investigação:


1) Fundamentos teóricos y metodológicos de la bioética de intervención, que se
refiere a la epistemología y organización del estudio crítico –
contrahegemónico– de la disciplina
2) Bioética de las situaciones emergentes, relacionada con lascuestiones
recurrentes del acelerado desarrollo biotecnocientífico de las últimas décadas,
entre ellas las nuevas tecnologías reproductivas, la genómica, los trasplantes
de órganos y tejidos
3)Bioética de las situaciones persistentes, vinculada con aquellas condiciones
que se mantienen en las sociedades humanas desde la Antigüedad, como la
exclusión social, la pobreza, las diferentes formas de discriminación,...

As pesquisas que consubstanciam a Bioética de Intervenção vêm


buscando tomar o prazer e a dor como indicadores para mensurar a qualidade
de vida, levantando sua frequência em diferentes segmentos da população
nos níveis social, relacional e corporal. Dessa forma é 13 possível avaliar

[Digite texto]
a desigualdade social não apenas por parâmetros objetivos, que podem
mensurar diferenças econômicas e sociais, mas também por critérios
subjetivos, que indicam a correlação direta entre a percepção da pessoa e a
realidade fenomenológica que a cerca.
Ver aplicação tese dora

- Futuro

Para além das questões de saúde:

A BI “pode ser tomada como ‘base ética para um modelo abstrato e imaginário
de sociedade ideal’, tal como o socialismo utópico” Porto

Em relação ao primeiro ponto, o âmbito de atuação, essa vertente não restringe


a possibilidade de intervenção nos conflitos da área biomédica, nas relações
entre profissionais e usuários dos serviços no Sistema de Saúde ou na
interface entre pesquisadores e sujeitos de pesquisa. Como decorre da
classificação da temática em dois tipos de conflitos, os persistentes e
emergentes, apontados anteriormente nesse texto, a Bioética de Intervenção
se inscreve como uma perspectiva que pretende canalizar seus esforços de
construção epistemológica e metodológica para abranger também a dimensão
social:

Conclusão

são sistematizados os possíveis aportes do desenvolvimento desse trabalho e,


especificamente: a) que, consoante aos pressupostos epidemiológicos, o
processo saúde doença tem origem social, sendo esta dimensão lócus legítimo
para o campo da Bioética; b) que, a utilização do conceito de qualidade de vida
como índice para a Bioética de Intervenção revela-se ferramenta capaz de
apontar a necessidade de intervir na realidade com práticas sociais e políticas
públicas voltadas a equacionar a desigualdade e promover e eqüidade,
diminuindo a dor e aumentando o prazer de sujeitos concretos; c) que, a partir
do quadro delineado no trabalho de campo torna-se explícito o marco teórico
da Bioética de Intervenção, o corpo e seu referenciais norteadores, o prazer e a
dor.

Esse mundo desigual, no qual uns tem a possibilidade de sentir prazer


enquanto a outros resta a probabilidade de estarem imersos no sofrimento,
configura o panorama que no nosso entendimento justifica uma bioetica de
intervenção. Uma proposta que, quebrando os paradigmas vigentes,
reinaugure um utilitarismo orientado à abusca da eqüidade entre os
segmentos da sociedade. Capaz de dissolver esta divisão estrutural centro-
periferia do mundo e assumir um consequencialismo solidário alicerçado na
superação da desigualdade. Uma proposta que traga a igualdade para o

[Digite texto]
cotidiano de seres humanos concretos dando à idéia de humanidade sua
dimensão plena. É esse panorama desumano que nos propomos a discutir e
são essas as questões que lançamos ao debate com Bioetica, poder e
injustiça.

Diretos Humanos
DUBDH !
Por fim, relacionando-se diretamente à condição de pessoa, implicada no
reconhecimento da existência factual dos seres humanos a partir do marco de
sua corporeidade, deve-se considerar aqui, ainda, os parâmetros norteadores
para as estratégias de intervenção, que essa perspectiva teórica atribui aos
tratados internacionais de Direitos Humanos.

Seguindo as recomendações desses tratados, a intervenção deve ocorrer para


preservar para todos os seres humanos os direitos de primeira geração,
relacionados ao 44 reconhecimento da condição de pessoa como o requisito
único, universal e exclusivo para a titularidade de direitos, considerando-se
como direito inalienável a sobrevivência física e social dos seres humanos.
Além desses direitos individuais propõe o reconhecimento dos direitos
econômicos e sociais, de segunda geração, que se manifestam na dimensão
material da existência e dizem respeito à diferença entre o simples existir e o
viver, relacionando-os às condições essenciais para a manutenção da
existência com qualidade de vida:
“A Bioética de Intervenção espelha-se na matriz dos direitos humanos
contemporâneos, neles identificando o absoluto essencial ao qual fazem jus
todas as pessoas. Argumentando pelo reconhecimento do direito coletivo à
igualdade e pelo direito de indivíduos, grupos e segmentos à eqüidade nas
garantias legais e no acesso real aos direitos humanos, a Bioética de
Intervenção incorpora o discurso da cidadania expandida, para a qual o
referencial de legitimação e aceitação dos direitos não se restringe apenas às
garantias asseguradas pelo Estado, mas estende-se à condição inalienável de
pessoa, perpassando assim o conjunto das sociedades humanas” 75.
Em relação ao segmento enfocado no trabalho de campo desta tese, a Bioética
de Intervenção salienta a importância de garantir a positividade dos direitos de
segunda geração, que buscam atender às necessidades específicas dos
grupos e segmentos alijados do poder sobre si mesmos, tal como concebido
em diferentes instrumentos internacionais de direitos humanos ratificados a
partir da década de 1990. Essa perspectiva propõe, então, o reconhecimento
das garantias universais e indivisíveis para todos os grupos humanos,
particularizando os segmentos historicamente vulneráveis pela condição e
situação de vida desfavorável na qual se encontram.
São nomeados a seguir os tratados internacionais que foram tomados
como referenciais analíticos na elaboração desta tese: Pacto de Direitos
Econômicos, Sociais e Culturais (PIDESC), (ONU;1966); Convenção para
Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher - CEDAW
(ONU; 1979); Relatório da Conferência Internacional sobre População e
Desenvolvimento (Cairo; 1994); Plataforma de Ação da IV Conferência Mundial
[Digite texto]
sobre a Mulher (Beijing; 1995); Declaração e Programa de Ação da
Conferência Mundial sobre Desenvolvimento Social (Copenhagen;1995);
Declaração da Conferência do Milênio (ONU; 2000); Conferência Mundial
contra o Racismo, Discriminação Racial, Xenofobia e Intolerância Correlata
(Durban; 2001); e; a Declaração Universal sobre Bioética e Direitos Humanos
(UNESCO; 2005).
Estes documentos especificam recomendações concernentes aos direitos
econômicos e à eliminação da pobreza, aos direitos civis, políticos e sociais, à
supressão das desigualdades nos papéis de gênero e à discriminação racial,
ao acesso ao direito à educação e às medidas relativas ao direito à
preservação, manutenção e acesso à saúde.
Para ilustrar quais seriam, especificamente, os direitos propostos nesses
instrumentos é apresentada uma breve súmula no anexo 1, cujo teor reafirma
os direitos humanos fundamentais. De maneira geral, todos eles explicitam a
necessidade precípua dos governos e da sociedade civil organizada intervirem
concretamente para fomentar e subsidiar a libertação, empoderamento e
emancipação, para o conjunto da população, particularizando e identificando o
segmento vulnerável aqui recortado, as mulheres negras, permitindo, assim, 46
que possam ter voz ativa na garantia de sua qualidade de vida e qualidade de
saúde.
Ainda em relação aos parâmetros norteadores, a Bioética de Intervenção
também se orienta pelos direitos de terceira geração, especialmente àqueles
relacionados ao ambiente e à preservação dos recursos naturais. A
incorporação dos direitos difusos na proposta analítica dessa perspectiva
teórica aponta para a necessidade de superar o paradigma antropocêntrico,
configurando-se em imperativo categórico, que determina a reavaliação de
prioridades na produção de bens e a redução do consumo ao necessário à vida
de indivíduos, grupos, segmentos e populações em todas as sociedades
humanas. A redução na produção e consumo, que atinge todas sociedades
industrializadas, recai com maior intensidade sobre as mais ricas, que mais
consomem e desperdiçam:
“O parâmetro que define o necessário e demarca o ponto de intervenção para
eliminar o desperdício delineia-se sobre o mesmo absoluto universal
relacionado às funções essenciais à existência. A linha demarcatória que define
o essencial aponta tanto o que deve ser garantido para suprir as necessidades
do empobrecimento quanto o que deve ser suprimido para eliminar o supérfluo
da superabundância para indivíduos, grupos, segmentos e populações
submetidos a tais condições. Assim, aumentando o insuficiente e diminuindo o
excedente, se completa o ciclo da eqüidade, garantindo a sustentabilidade
social e ambiental e a vida de todos. Isso é, pura e simplesmente, justiça” 76.
Os tratados internacionais de direitos humanos expressam consensualmente
um anseio moral coletivo na dimensão mundial 77. Os diversos tratados de
direitos humanos formulados no decorrer do Século XX constituem a primeira
tentativa de englobar sob um mesmo status moral a 47 totalidade dos
indivíduos da espécie, no presente e no futuro. Em virtude disso, a Bioética de
Intervenção advoga que em todos os níveis deve ser exigido o respeito
absoluto ao conjunto dessas garantias fundamentais e inalienáveis da pessoa
humana, para todos os seres humanos.
Se os referenciais orientadores da Bioética de Intervenção estão embasados

[Digite texto]
nesses tratados, as propostas de intervenção para garantir padrões éticos no
início, no decorrer e no final da vida devem acontecer sempre que se identificar
que as diretrizes e recomendações desses tratados não estão sendo
contempladas e que, por isso, indivíduos, grupos, segmentos ou populações
têm sua vulnerabilidade existencial aumentada, por circunstância específica,
que implica na diminuição de sua qualidade de vida e saúde.

Conclusão
No que diz respeito à Bioética de Intervenção, os relatos do trabalho de campo
também cumpriram seu objetivo. É possível sentir nas falas a dor e o
sofrimento de sujeitos reais. É possível até mesmo imaginar a face das
entrevistadas e identificar situações similares às descritas, no cotidiano de
outras mulheres a quem emprestaram suas vozes. Suas palavras tornam claro
o marco teórico da Bioética de Intervenção, o corpo, e os marcadores
somáticos que lhe servem de parâmetro: o prazer e a dor. A constatação de
que esse outro abstrato, seja negro, mulher ou pobre, é na verdade alguém
272 que sente, em sensação e emoção, exatamente como cada um de nós,
permite construir um patamar de identidade, baseado na condição humana. Tal
identidade propicia a superação da barreira da alteridade, da construção
simbólica, ideológica e moral, do outro como o distante, o diferente, o inimigo, o
inaceitável. Revelando tão generosamente os detalhes de suas existências, as
mulheres entrevistadas demonstraram que a vida social pode ser apreendida
pelas marcas de seu corpo. E, sobretudo, é essencial à Bioética tornar claras
as razões que estruturam os juízos morais, que pautam as relações sociais e
ambientais. É fundamental agir sem falsos pudores, sem se esconder sob o
manto da neutralidade, que acoberta o imperialismo moral.

É necessário trazer ainda uma proposta relacionada à forma de atuação da


Bioética de Intervenção. Essa tática consiste na substituição da estratégia de
competição que marca as relações pessoais, institucionais assim como as
ambientais, nas sociedades regidas pelos interesses da economia de mercado
globalizada, pela cooperação, baseada na ajuda mútua em prol dos interesses
de toda coletividade e no cuidado protetor com o ambiente. A tática de
cooperação deve estar orientada segundo um vetor de prioridades que se
direciona do essencial para o supérfluo, na dimensão material, da necessidade
para o desejo no plano cultural e do indivíduo para a coletividade, no sentido do
movimento. Se terá enfrentado e vencido a sanha avassaladora pelo lucro, que
comanda os interesses na sociedade globalizada, quando cada um, de maneira
autônoma e consciente, for capaz de priorizar o essencial e o necessário ao
bem-estar da coletividade, entendida de forma ampla, como o conjunto dos
seres humanos. No que diz respeito à dimensão material, especificamente à
esfera socioeconômica, a cooperação baseada na ação cidadã direta ou em
organizações civis voltadas ao mutualismo é uma maneira eficaz de gerar
formas de organização social capazes de atuar - de fato - para a superação
das desigualdades. Como revelado pelas mulheres entrevistadas, a
cooperação é a tática prioritária para sobreviver em condições adversas e a
reciprocidade o valor que a fundamenta. O aprendizado que se pode trazer do
campo é que a cooperação deve ser fomentada para gerar laços sociais e
vínculos de pertencimento. Dar voz a tal ensinamento e expandi-lo é tarefa da
Bioética de Intervenção.

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FUTURO: COOPERAÇÃO COMO CATEGORIA ÉTICA PRIORITÁRIA PARA A
BIOÉTICA

Vale dizer que o verdadeiro significado de equidade não é o mesmo de


igualdade. A igualdade é a consequência desejada da equidade, sendo
esta só o ponto de partida para aquela. É por meio da equidade, ou
seja, do reconhecimento das diferenças e das necessidades diversas dos
sujeitos sociais, que se alcança a igualdade. A igualdade não é mais um
ponto de partida ideológico visto de forma exclusivamentehorizontalizada e
que tendia a anular as diferenças, mas sim o ponto de chegada da
justiça social, referencial dos direitos humanos mais elementares, em que o
objetivo futuro é o reconhecimento da cidadania. A equidade é, assim, um dos
caminhos da ética prática para a realização dos direitos
humanos universais, entre eles o direito a uma vida digna, representado
nesta discussão pelo acesso à saúde e demais bens de consumo
indispensáveis à
sobrevivência”.

Outro marcadores Prazer e Dor

O conceito de Felicidade Nacional Bruta adotado desde os anos 1970 no Butão, pequeno reino
encravado na cordilheira do Himalaia, entre a China e Índia, define que o princípio básico para
garantir a felicidade é que a economia esteja a serviço do bem-estar da população. Isso é bem
diferente do que se viu na recente crise econômica mundial, quando inimagináveis quantias de
dinheiro público - suficiente para acabar com a pobreza e a exclusão social no mundo periférico
- foram aplicadas pelos países capitalistas centrais para evitar a quebra de grandes

empresas privadas, em nome da manutenção da produção, da virtual garantia de empregos e


da sobrevivência do sistema. Como tudo isso tem a ver diretamente com a qualidade de vida e
a sobrevivência das pessoas, parece ser apropriado que a Bioética, nos próximos anos, comece
a incorporar às suas discussões o conceito de Biopolítica, desenvolvido por Michel Foucault..

Uma contribuição interessante originada na América Latina e que traz novidades no


debate sobre “desenvolvimento” é o conceito de Bem Viver, antiga filosofia de vida das
sociedades indígenas da região andina, especialmente da Bolívia, que já a incluiu na sua
Constituição. Nesse conceito não contam tanto as riquezas, ou seja, as coisas que as
pessoas produzem, mas o que as coisas produzidas proporcionam concretamente para a
vida das pessoas. Na formulação da Filosofia do Bem Viver não contam apenas os bens
materiais, mas outros referenciais como o conhecimento, o reconhecimento social e

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cultural, os códigos éticos e espirituais de conduta, a relação com a natureza, os valores
humanos, a visão de futuro...
Nesse contexto, a economia deve se pautar por uma convivência solidária, sem miséria,
sem discriminações, garantindo um mínimo de coisas necessárias para a sobrevivência
digna de todos. O Bem Viver expressa a afirmação de direitos e garantias sociais,
econômicas e ambientais. Todas as pessoas têm igualmente o direito a uma vida
decente, que lhes assegure saúde, alimentação, água limpa, oxigênio puro, moradia
adequada, saneamento ambiental, educação, trabalho, emprego, descanso e ócio, cultura
física, vestuário, aposentadoria, etc.

Algumas referências importantes

Porto D, Tapajós A. Gênero, raça e bioética de intervenção. In: Anais do V


Congresso Brasileiro de Bioética. 2004; Recife. p. 26.

GARRAFA, V. Inclusão social no contexto político da bioética. Revista Brasileira


de Bioética, Brasília, DF, v. 1, n. 2, p. 22-32, 2005.

14) Porto D, Garrafa V. Bioética de intervenção: considerações sobre a


economia de mercado. Bioética 2005; 13(1):111-123
(15) Garrafa V. “De una 'Bioética de princípios' a una “Bioética
interventiva”crítica y socialmente comprometida”. Em: Revista argentina de
cirurgia cardiovascular. Vol. iii - n° 2/ Junio - Julio - Agosto 2005a.
(16) Garrafa V. Inclusão social no contexto político da bioética/Social inclusion
in the political context of bioethics”. Em: Revista Brasileira de Bioética, vol. 1, n.
2, 2005b, p.7; p. 128.
(17) Garrafa V. La Bioética de Intervención y el acceso al sistema sanitario y a
los medicamentos. SIBI: Revista de la Sociedad Internacional de Bioética. Nº
14, 2005c, págs. 7-15.
(18) Garrafa V. Multi-inter-transdisciplinaridade, complexidade e totalidade
concreta em bioética. In: Bases Conceituais da Bioética: enfoque latino-
americano. Garrafa V, Kotow M, Saada A (Org.). São Paulo: Gaia/Unesco;
2006, pp 73-86.
(19) Garrafa V, porto D. Bioética de intervención. In: TEALDI, Juan Carlos.
Diccionario Latinoamericano de Bioética. Bogotá: Red Latinoamericana y del
Caribe de Bioética: Universidad Nacional de Colombia, 2008. p. 161-164.
(20) Garrafa V. Convenção Regional do Mercosul sobre bioética: uma proposta
da Cátedra UNESCO de Bioética da UnB. In: Nascimento SB. Bioética em
debate, aqui e lá fora. Brasília: IPEA, 2010.
(21) Garrafa V. Ampliação e politização do conceito internacional de bioética.
Revista Bioética (Impr.) 2012; 20 (1): 9-20, p. 16.

[Digite texto]
(22) Cruz MR, Trindade ES. Bioética de Intervenção – uma proposta
epistemológica e uma necessidade para sociedades com grupos sociais
vulneráveis. Revista Brasileira de Bioética. Brasília, vol. (2). nº 4, p. 483- 499,
2006.
(23) Pagani LPF, Lourenzatto CR, Torres JG, Oliveira, AAS. Bioética de
Intervenção: aproximação com os direitos humanos e empoderamento. Revista
brasileira de bioética. Brasília: Sociedade Brasileira de Bioética, v.3, n.2, 2007.
157 p.
(24) Gomes AS, Rodrigues DLN, Sertão VS, Porto D. Ensino em Bioética:
breve análise da primeira década do Curso de Especialização da Cátedra
Unesco de Bioética – UnB. Revista Brasileira de Bioética, v. 5, n. 1-4 (2009) 82-
105.
(25) Nascimento WF, Garrafa V. Por uma Vida não Colonizada: diálogo entre
bioética de intervenção e colonialidade. Saúde Soc. São Paulo, v.20, n.2,
p.287-299, 2011.
(26) Fulgêncio CA, Nascimento WF. A Bioética de Intervenção e a Justiça
Social. Artigo aprovado, aguardando publicação na Revista Brasileira de
Bioética, edição de setembro de 2013.

Bioética de Intervenção e Diplomacia em Saúde – Diálogos possíveis e


necessários

Cunha, T.R.; Torronteguy, M.A.A.; Santana, J.P.

NETHIS - Núcleo de Estudos sobre Bioética e Diplomacia em Saúde


(FIOCRUZ, OPAS, Cátedra Unesco de Bioética-UnB). Distrito Federal, Brasil.

- Natureza – Crítica ao principialismo –Politização conflitos morais –


- Objetivos – Situações Persistentes x Emergentes / Marco Global –
desigualdade desenvolvimento científico, tecnológico econômico
periférico/central
- retorno e ampliação perspectiva Potter – o mundo /globo /desenvolvimento –
VER TESE ERIKA'

Estudo de caso
Nascimento:e Garrafa
Um governo determina que parte de sua verba emergencial seja utilizada para a
construção de uma ponte que ligue dois bairros nobres de determinada cidade, ao
mesmo tempo que – também provocando uma situação de emergência – aparelhos
de hemodiálise quebram em um hospital da periferia da mesma cidade, colocando em
risco a vida de algumas pessoas por falta do tratamento indispensável. Com o

[Digite texto]
argumento de que já há aplicações de recursos consideráveis para a saúde e que a ponte
cada vez se torna uma questão de urgência maior uma vez que o trânsito dos bairros
servidos por ela e dirigido para o centro da cidade estava se tornando impraticável,
ficou utilitariamente justificável a aplicação prioritária de recursos nela. mesmo recurso
emergencial poderia ser utilizado tanto em um como no outro caso, mas como a ponte
beneficiaria um número maior de pessoas, por mais tempo e trazendo “melhores
consequências coletivas”, optou-se por ela. Apercepção da desigualdade que motivará a
busca de mecanismos para a busca da equidade, normalmente parte das partes menos
vulneráveis; no caso hipotético da ponte e da diálise, não seria um paciente portador de
nefropatia – nem necessariamente seu representante – que tomaria a decisão acerca da
alocação de recursos.

Buscar a equidade não é fazer pelo mais vulnerável o que nós, na posição menos
vulnerável, julgamos mais apropriado, mas construir, com ele, um espaço em que as
diferenças não sejam hierarquizadas. Ser solidário não é julgar que os mais vulneráveis
são incapazes de mobilidade e melhorias autorrealizadas; tampouco é acreditar na
possibilidade de transformação e entregar os mais vulneráveis à própria sorte.

Crítica ao Wanderson;

[Digite texto]

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