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UNIVERSIDADE CATÓLICA DE PETRÓPOLIS

CENTRO DE TEOLOGIA E HUMANIDADES

CURSO DE FILOSOFIA

A REGRA DE OURO EM SANTO AGOSTINHO

Marcos Vinícios Chiaretti Guedes

Petrópolis
2019
UNIVERSIDADE CATÓLICA DE PETRÓPOLIS

CENTRO DE TEOLOGIA E HUMANIDADES

CURSO DE FILOSOFIA

A REGRA DE OURO EM SANTO AGOSTINHO

Monografia apresentada ao Centro de Teologia e


Humanidades da Universidade Católica de Petrópolis
como requisito parcial para a conclusão do curso de
Filosofia.

Marcos Vinícios Chiaretti Guedes

Professor orientador

Dr. Sergio de Souza Salles

Petrópolis

2019
Autorizo a reprodução e divulgação total ou parcial deste trabalho, por qualquer
meio convencional ou eletrônico, para fins de estudo e pesquisa, desde que
citada a fonte.

CIP – Catalogação na
Publicação

G924r Guedes, Marcos Vinícios Chiaretti.


A regra de Ouro em Santo Agostinho / Marcos
Vinícios Chiaretti Guedes. – 2019.
49 f.

Trabalho de Conclusão de Curso (Graduação em


Filosofia) -Universidade Católica de Petrópolis, 2019.
Orientação: Prof. Sérgio de Souza Salles.

1.História da filosofia. 2. Ética. 3. Antropologia. I.


Salles, Sérgio de Souza (Orient.). II. Título.

CDD: 170

Universidade Católica de Petrópolis (UCP)


Bibliotecária responsável: Marlena H. Pereira – CRB7: 5075
Agradeço a Deus, nosso Senhor, por ter concedido a mim a graça de
executar este trabalho. Aos professores, especialmente ao professor
Sérgio de Souza Salles, meu orientador, e Carlos Frederico G. C. da
Silveira, coordenador do curso de Filosofia, grandes responsáveis
por meu crescimento intelectual e humano. A todos os meus
familiares especialmente minha mãe e meu pai, que além do apoio
material contribuíram para a educação que recebi e me proporcionou
chegar aonde estou. Por fim aos meus amigos do curso de Filosofia,
com os quais muitas vezes sorri e chorei, mas que comigo
partilharam além de um grande amor a Filosofia uma amizade que
me foi necessária para concluir meu curso.
“Eis a regra da dileção: querer também para o outro o bem que se quer para si. E não querer
para ele, o mal que não se quer para si mesmo. E isso serve para todos os homens [...]”

(Santo Agostinho)
RESUMO

Ao se tratar da questão do amor em Santo Agostinho há sempre aspectos ulteriores que


podem ser destacados, como da ordenação do amor, a regra de ouro. Agostinho entende o
amor em geral como inclinação da vontade ao bem. Para o Santo, o amor será bom ou mal
dependendo do que se ama. Deve se amar a si, amando a Deus e ao próximo, tal ordenação
do amor é a chave de compreensão da ética do autor, embasada na regra de ouro. A
importância do estudo realizado é enorme, pois Agostinho foi um dos filósofos mais
expressivos da sua época e influenciou a história da Filosofia até os dias atuais, o tema do
amor e da ética no filósofo são de suma importância para entender seu pensamento e seus
escritos, que estão repletos da questão do amor principalmente através da regra de ouro que
aparece constantemente neles e apresenta a ordenação do amor através da primazia da
caridade. Diante disso, esse trabalhou busca através de uma pesquisa interpretativa e
bibliográfica do autor e de alguns de seus comentadores traçar aquela que seria a doutrina
da regra de ouro, ou seja, do amor e da ética para Santo Agostinho. São ricos os
questionamentos que podem ser feitos acerca da doutrina da regra e nesse sentido, buscaram-
se reflexões sobre alguns deles ao longo do texto. O trabalho conta com diversas citações do
autor e de comentadores, a fim de embasar a argumentação no próprio autor e naqueles que
futuramente o interpretaram, mostrando uma metodologia de pesquisa apoiada justamente
na leitura e interpretação do que Agostinho escreveu sobre a regra de ouro. Buscou-se dar
uma interpretação geral acerca da regra ao longo do texto, não esquecendo que há no autor
uma evolução do pensamento acerca da regra que tenta ser abordada no terceiro capítulo do
desenvolvimento do texto. Diante disso, verificou-se que, Agostinho entende a regra de ouro
como norma moral para a realização de uma ética do amor, que visa agir bem para com o
outro amando nele a sua dignidade enquanto pessoa, isso porque se concluiu que o homem
possui uma natureza e um paradigma que o põe em posição singular em relação ao resto da
natureza, sendo assim, é digno de ser amado pelo amor de caridade que propões a regra de
ouro.

PALAVRAS-CHAVE: Regra de Ouro. Amor. Ética.


RESUMÉ

Lorsqu’on traite de la question de l’amour à Saint Augustin, il y a toujours d’autres


aspects qui peuvent être soulignés, comme l’ordination de l’amour, la règle de l’or.
Augustin comprend l’amour en général comme inclination de volonté au bien. Pour le
Saint, l’amour sera bon ou mauvais selon ce que vous aimez. Il faut aimer soi-même,
aimer Dieu et le prochain, une telle ordination de l’amour est la clé de la compréhension
de l’éthique de l’auteur, basée sur la règle de l’or. L’importance de l’étude est énorme,
car Augustin a été l’un des philosophes les plus expressifs de son temps et a influencé
l’histoire de la philosophie jusqu’à nos jours, le thème de l’amour et de l’éthique dans le
philosophe sont d’une importance primordiale pour comprendre sa pensée et son Les
écrits, qui sont des repletes avec la question de l’amour principalement à travers la règle
d’or qui apparaît constamment en eux et présente l’ordination de l’amour par la primauté
de la charité. En vue de cela, ce travail cherche à travers une étude interprétative et
bibliographique de l’auteur et certains de ses commentateurs tracer ce qui serait la
doctrine de la règle d’or, à savoir l’amour et l’éthique pour Saint Augustin. Il y a des
questions riches qui peuvent être formulées au sujet de la doctrine de la règle et dans ce
sens, des réflexions sur certains d’entre eux ont été recherchées tout au long du texte.
L’œuvre a plusieurs citations de l’auteur et les commentateurs, afin de soutenir
l’argumentation dans l’auteur lui-même et dans ceux qui, à l’avenir l’interpréter, montrant
une méthodologie de recherche soutenue précisément dans la lecture et l’interprétation de
ce que Augustin A écrit sur la règle d’or. Nous avons cherché à donner une interprétation
générale de la règle tout au long du texte, sans oublier qu’il y a une évolution de la pensée
dans l’auteur sur la règle qui tente d’être abordée dans le troisième chapitre de
l’élaboration du texte. En raison de cela, il a été constaté que, Augustin comprend la règle
de l’or comme une norme morale pour la réalisation d’une éthique de l’amour, qui vise à
agir bien avec l’autre aimant lui sa dignité en tant que personne, que parce qu’il est conclu
que l’homme possède une nature est un paradigme Cela le met dans une position
singulière par rapport au reste de la nature, de sorte qu’il est digne d’être aimé par l’amour
de la charité qui propose la règle de l’or.

Mots-clés: règle d’or. amour. éthique.


SUMÁRIO

INTRODUÇÃO...............................................................................................................5

2 A REGRA E SUAS FORMULAÇÕES......................................................................11

2.1 A REGRA DE OURO....................................................................................11

2.2 FORMULAÇÃO POSITIVA.........................................................................15

2.3 FORMULAÇÃO NEGATIVA......................................................................17

3 O CONHECIMENTO DA REGRA DE OURO........................................................20

3.1 A REGRA E A REVELAÇÃO.......................................................................20

3.2 A REGRA E A LEI INSCRITA NO CORAÇÃO DO HOMEM....................23

4 A REGRA DE OURO E A “IMAGO DEI”...............................................................27

4.1 O AMOR À “IMAGO DEI”...........................................................................27

4.2 O AMOR CONTRÁRIO À “IMAGO DEI”...................................................30

4.3 A RESTAURAÇÃO DO AMOR PELA ORDEM DA CARIDADE.............33

5 CONCLUSÃO.............................................................................................................38

6 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS......................................................................41

6.1 FONTES PRIMÁRIAS..................................................................................41

6.2 FONTES SECUNDÁRIAS............................................................................42

APÊNDICE – O ITER FILOSÓFICO DE SANTO AGOSTINHO...........................44


5

1 INTRODUÇÃO

Santo Agostinho (354-430) foi um filósofo, escritor, bispo e importante teólogo


cristão do norte da África, durante a dominação romana. É considerado o mais ilustre
Padre da Igreja do Ocidente, pois influenciou toda a vida da Igreja, em matéria de filosofia
e de teologia, nos séculos subsequentes até os dias atuais. Suas concepções sobre as
relações entre a fé e a razão, entre a Igreja e o Estado, dominaram toda a Idade Média.
Conhecido também como Agostinho de Hipona, nasceu em Tagaste, na cidade da
Numídia (hoje Argélia), no norte da África, região dominada pelo Império Romano, no
dia 13 de novembro de 354. Sua infância e adolescência transcorreram principalmente
em sua cidade natal, em um ambiente limitado por um povoado perdido entre montanhas.
Seu pai Patrício, era pagão e sua mãe Mônica, uma cristã devota que exerceu grande
influência sobre a conversão do filho.
Santo Agostinho iniciou seus estudos em Tagaste, em seguida, foi para Madaura,
onde iniciou os estudos de retórica. Lia e decorava trechos de poetas e prosadores latinos,
entre eles Virgílio e Terêncio, através de sua formação profundamente embasada na
língua latina, conheceu Cícero, o qual foi para ele como que um modelo e um ponto de
referência, inclusive, foi a partir da leitura de uma de suas obras, intitulada Hortensius,
que despertou interesse pela filosofia, “Cícero havia instigado Agostinho a sabedoria”
(BROWN, 2005, p. 49). Ainda segundo Brown:

O Hortensius possuía uma exortação a educação liberal, como um meio para a


reflexão filosófica, e uma breve história do pensamento de Tales, Sócrates,
Demócrito, Aristóteles, Teofrasto, Aristão de Chio, Posidônio, Nicómaco de
Tiro e ainda expunha a doutrina das virtudes morais, depreciando a riqueza e
os prazeres carnais, e propondo uma filosofia como princípio universal da
felicidade (BROWN, 2005, p. 49).

Estudou música, física, matemática e filosofia. Em 371, transfere-se para Cartago,


a maior cidade do Ocidente latino depois de Roma, um grande centro do paganismo, onde
se deixou cativar pelo esplendor das cerimônias em honra dos milenares desuses
protetores do império.
Em 373, nasce Adeodato, filho de seu romance com uma cartaginense. Dedicou-
se ao estudo das Escrituras, mas logo ficou desiludido diante do estilo simples da Bíblia.
Depois de três anos termina o estudo superior em retórica e eloquência. De volta a sua
cidade natal, abre uma escola particular onde ensina gramática e retórica. Em 374 foi para
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Cartago e mais uma vez dedica-se ao ensino da retórica. Em 383 seguiu para Roma e no
ano seguinte é nomeado mestre de eloquência em Milão.
A inquietude era um tema permanente em sua vida. O despertar de seu espírito
crítico o levou a adotar o maniqueísmo, o maniqueísmo é uma filosofia religiosa
sincrética e dualística fundada e propagada por Manes ou Maniqueu, filósofo cristão do
século III, que divide o mundo simplesmente entre Bom, ou Deus, e Mau, ou o Diabo.
A matéria é intrinsecamente má, e o espírito, intrinsecamente bom. Com a popularização
do termo, maniqueísta passou a ser um adjetivo para toda doutrina fundada nos dois
princípios opostos do Bem e do Mal, pretendendo seguir a força única da razão. Durante
doze anos foi seguidor de Mani, profeta persa fundador do maniqueísmo no qual se
misturavam Evangelho, ocultismo e astrologia. Segundo Mani, o bem e o mal constituíam
princípios opostos e eternos, presentes em todas as coisas. O homem não era culpado por
seus pecados, pois já trazia o mal dentro de si.
Insatisfeito com as respostas que o maniqueísmo oferecia, Agostinho resolveu
abandonar a doutrina e seu lugar é temporariamente preenchido por um profundo
ceticismo. Em 386 procura Ambrósio, o poderoso bispo do Império em busca de uma
colocação oficial como professor. Em vez disso, encontra respostas para algumas das suas
dúvidas. Passa a assistir os sermões de Ambrósio, inspirados, sobretudo, no Antigo
Testamento. Ao conhecer de fato Cristo Agostinho finalmente encontra as respostas que
procurava:

Nos sarcófagos da época, Cristo é sempre exibido como um mestre, ensinando


Sua sabedoria a um séquito de filósofos novatos. Para um homem culto, a
essência do cristianismo estava justamente nisso. Cristo, como sabedoria
divina, havia criado um monopólio do saber: a patente revelação cristã havia
suplantado e substituído as opiniões conflitantes dos filósofos pagãos: “Vede,
eis aquilo que todos os filósofos buscaram durante todas a sua vida, mas
nenhuma só vez conseguiram capturar, abraçar, reter, com firmeza. [...] Aquele
que quiser ser sábio, um homem completo, deixa-o ouvir a voz de Deus
(BROWN, 2005, p. 50-51).

Finalmente, a influência de Santo Ambrósio foi decisiva para convertê-lo ao


Cristianismo. Em 387, Agostinho e Adeodato são batizados. No ano seguinte, retorna
definitivamente para Tagaste, onde se dedica à vida monástica, vende a propriedade
deixada pelo pai e distribui o dinheiro entre os pobres. Conserva apenas uma pequena
porção de terra, onde, ao lado dos amigos Alípio e Ovídio, funda o primeiro mosteiro
agostiniano. Em 391, é sagrado sacerdote em Hipona, região provinciana do Império
7

Romano. Em 396 é sagrado bispo auxiliar de Hipona, onde se tornou um dos pilares da
teologia católica.
Entre 397 e 398, Agostinho se dedica a escrever Confissões, em que narra a
juventude e sua conversão, onde revela os caminhos da fé em meio às angústias do
mundo. O livro é uma autobiografia que também imprime o seu pensamento filosófico.
Cria a noção de espaço interior como campo da verdade essencial do homem verdade e
Deus devem ser buscados no interior da alma, e não no mundo.
Em 413 começa a obra A Cidade de Deus, escrita para consolar os cristãos após
Roma ser saqueada pelos bárbaros visigodos, em 410. Na obra, Santo Agostinho
apresenta a defesa do cristianismo e convida seus contemporâneos a compreender o
sentido profundo da história. Já não se trata de um reino de Deus que sucede à vida
terrena. A cidade de Deus e a dos homens coexistem: a primeira, antes simbolizada por
Jerusalém, é agora a comunidade dos cristãos. A cidade dos homens tem poderes
políticos, moral, e existências próprias. Segundo ele as duas cidades permanecerão lado
a lado até o fim dos tempos, mas depois a divina triunfará, para a eternidade.
Deixou uma obra fundamental para a doutrina da igreja católica, que foi registrada
em tratados filosóficos, teológicos, comentários, sermões e cartas. Exerceu grande
influência em várias áreas do conhecimento. Teve papel importante na fixação da
hierarquia na Igreja Católica e fez a síntese entre a filosofia grega e o pensamento cristão.
Fixou a ideia da vida interior do homem como o palco essencial da construção da
identidade.
Santo Agostinho faleceu em Hipona, África, no dia 28 de agosto de 430. Santo
Agostinho foi canonizado por aclamação popular, e reconhecido como Doutor da Igreja,
em 1292, pelo papa Bonifácio VIII.
Tudo isto nos permite conhecer a evolução do pensamento de Agostinho, pois
dentre suas influencias está, sua mãe como figura de fé, a leitura de Cícero, que o desperta
para a filosofia, sua adesão ao maniqueísmo e pôr fim a influência de Ambrósio, que
finalmente o leva a beatitude, o autor produziu imensa obra literária, entre ela além das
obras filosóficas, também obras dogmáticas, apologéticas, exegéticas e polêmicas.

Ora, do ponto de vista ético [...] para Agostinho, o ser humano tem um telos
(fim) para atingir, o qual é uma coisa, uma realidade distinta de um mero signo,
pois o signo apenas indica, aponta, significa algo que vai além dele mesmo.
Porém, para se atingir o fim almejado, é necessário ter claro que há duas
maneiras de se relacionar ou aderir aos seres em geral: o frui e o uti. Isso
compreendido, vê-se que há seres que são objeto do uti (uso), servem como
meio, enquanto outros são objetos do frui (fruição, gozo), funcionando como
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o fim. Ora, entender isso e viver de acordo com essa hierarquia é se colocar na
ordinata dilectio (ordem do amor), percebendo que a caritas (caridade) é o
princípio primeiro e fundamental (GRACIOSO, 2012, p. 19).

A ética filosófica de Agostinho considera sempre o amor como o que move o


homem a buscar a felicidade. Agostinho observa que: “Essa felicidade, essa vida que é a
única feliz, todos a querem, todos querem a alegria que provém da verdade”
(AGOSTINHO, 1997, p. 177). Em seguida se pergunta:

Onde conheceram essa felicidade, senão onde conheceram a verdade? Se de


fato não querem ser enganados, é porque amam também a verdade. E já que
amam a felicidade que nada mais é que a alegria oriunda da verdade, amam
certamente também a verdade (AGOSTINHO, 1997, p. 177)

A felicidade então está no próprio Deus que é apontado como esta verdade. Todo
aquele que possui o que quer é feliz, mas só é de fato feliz se o que possuir for permanente
e eterno. Logo, só quem possui a Deus é feliz. O fato, é que o simples conhecimento não
é suficiente para alcançar a Deus, por isso deve-se estar inserido no amor, que une o que
ama e o que é amado, assim só o amor é capaz de levar a Deus e a felicidade “portanto,
ele será feliz quando, sem obstáculos nem perturbações, puder gozar daquela única
verdade, fonte de tudo que é verdadeiro” (AGOSTINHO, 1997, p. 177). Ou seja, no
encontro dessa verdade que é Deus e que só pode ser alcançado pelo amor é que se
encontra está verdadeira felicidade.
Para alguns pensadores foi com Santo Agostinho que “o pensamento cristão
ganhou uma nova visão, pois, passou a melhor articular elementos do pensamento
clássico com princípios cristãos para melhor adequar e fundamentar os ideais cristãos”
(PAULA; MELO, 2011, p. 12). Santo Agostinho, gera uma mudança de foco no sentido
de amor, acrescentando ao mero desejo a caridade. De eros, que indicava desejo, passou
a ágape, que quer dizer caridade: “É um abuso de linguagem dizer que os concupiscentes
amam, assim como é abusivo dizer que aqueles que amam são concupiscentes. Ora, o
verdadeiro amor é aderir à verdade, para viver na justiça” (AGOSTINHO, 2018, p. 168).
Nesse sentido é dito por um de seus comentadores: “Desse modo, para Santo Agostinho,
o cristianismo trouxe um novo conceito de amor, que recebeu um olhar diferente do que
havia sido entendido por pensadores gregos como Platão. O foco que se dava ao amor
tomou um novo sentido” (PAULA; MELO, 2011, p. 4). Ou seja, há então uma virada
onde o amor que era mero desejo ganha o sentido do amor ágape que vai além desse mero
desejar. É importante refletir sobre tal mudança, pois rapidamente parece se estar
afirmando que o eros é deixado de lado em vista do ágape, mas na Encíclica Deus Caritas
9

Est Bento XVI (Joseph Ratzinger) diz que “isto não é rejeição do eros, não é o seu «
envenenamento », mas a cura em ordem à sua verdadeira grandeza” (RATZINGER,
2005)1. Continua Bento XVI:

Isto depende primariamente da constituição do ser humano, que é composto de


corpo e alma. O homem torna-se realmente ele mesmo, quando corpo e alma
se encontram em íntima unidade; o desafio do eros pode considerar-se
verdadeiramente superado, quando se consegue esta unificação. Se o homem
aspira a ser somente espírito e quer rejeitar a carne como uma herança apenas
animalesca, então espírito e corpo perdem a sua dignidade. E se ele, por outro
lado, renega o espírito e consequentemente considera a matéria, o corpo, como
realidade exclusiva, perde igualmente a sua grandeza (Ratzinger, 2005).

Ou seja, para o Papa Bento XVI o verdadeiro desafio do eros não está em vence-
lo, mas em conseguir manter uma verdadeira harmonia entre eros e ágape, só assim o
homem pode viver plenamente sua condição e estar inteiramente voltado ao amor para
assim compreender e viver a sua grandeza.
Como já visto em trechos anteriormente citados de Santo Agostinho ele apresenta
o amor também como meio pra viver na justiça, ou seja, ao aderir ao amor encontra-se
também uma vida justa, e realiza-se assim a justiça proposta pela ética. Dessa forma, para
Santo Agostinho:

[...] A ordem da vida moral é, pois, regida pela ordem do amor que se desdobra
na esfera do uso como amor de si mesmo e dos outros segundo o reto modo e
os graus correspondentes, e se eleva finalmente à esfera da fruição como amor
de Deus, amado em si mesmo e por si mesmo (LIMA VAZ, 1999, p. 193).

O amor em geral é entendido como uma inclinação da vontade ao bem “O que é


o amor ou a caridade, tão louvada e exaltada pela Escritura, senão o amor do Bem?”
(AGOSTINHO, 2018, p. 172). E ainda “o cerne da filosofia do amor em Santo Agostinho
está diretamente relacionado com o projeto de Deus para o homem, pois, para o Santo
Doutor, o amor faz parte da essência humana, o homem é obra da criação Divina e a
essência divina é amor” (VIEIRA, 2010, p. 60). Na dinâmica do amor está inserido o
amor de caridade: “A caridade deve ser entendida como o amor pela qual se ama o que
se deve amar” (ALMEIDA, 2014, p. 58). Nessa perspectiva a caridade é o melhor sentido
de amor. É por isso que:

Agostinho nos aponta, através de uma proposta filosófico-teológico-cristã o


amor Cristão como um remédio satisfatório ao problema da miséria no mundo,

1 Versão eletrônica disponível em: <http://w2.vatican.va/content/benedict


xvi/pt/encyclicals/documents/hf_ben-xvi_enc_20051225_deus-caritas-est.html>
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convidando-nos a contemplarmos a humanidade com os olhos de um Deus de


amor e a promovermos uma revolução em nossa sociedade, a revolução do
amor, tomando o critério de fruição divina como um bem para nos lançarmos
ao mundo como chamas do amor de Deus (VIEIRA, 2014, p. 62).

Dentro dos questionamentos sobre o amor no pensamento do filósofo, está


inserida a regra de ouro que é uma formulação moral que observa o tratamento do outro
como a si mesmo através da ordenação da caridade:

Nessa mesma ordem de ideias, o cristão ama o seu inimigo: não enquanto
inimigo, mas enquanto homem, possuidor da natureza humana. Ao ponto de
desejar para ele o mesmo que deseja para si mesmo, isto é, de poder chegar à
felicidade do Reino dos Céus, após ter sido renovado e transformado.
(AGOSTINHO, 2017, p. 75).

Ninguém ama a si, sem amar a Deus e ao próximo; ao próximo, sem amar a Deus
e a si; nem a Deus, sem amar a si e ao próximo. “Para Santo Agostinho, a caridade aparece
como a virtude primeira e será entendida como o fundamento de toda a vida ética”
(VIEIRA, 2014, p. 62). Nesse sentido a regra de ouro, também chamada regra da
caridade, tem papel fundamental em sua ética.
As considerações de Santo Agostinho sobre a Regra de Ouro exerceram grande
influência ao longo dos tempos, sendo comentadas por vários autores, alguns que
oportunamente serão aqui citados, diante da grande importância dessas considerações é
que esse trabalho irá se deter como também sobre o pensamento do autor acerca do tema,
propondo um estudo mais aprofundado sobre a regra e suas formulações, no primeiro
capítulo, no segundo capítulo o conhecimento da regra, e sobre a regra de ouro e a
“imago dei”, no terceiro capítulo.
11

2 A REGRA E SUAS FORMULAÇÕES

O principal objetivo desse capitulo é investigar o pensamento de Santo Agostinho


acerca da regra de ouro e de suas diferentes formulações, como poderá ser visto ao longo
deste Agostinho conheceu as duas formulações da regra, a positiva e a negativa e
objetivou várias formas tanto de uma quanto da outra, nesse sentido, buscar-se-á estudar
o pensamento do autor e como ele usa e entende essas duas formulações. Assim, será
apresentada a definição da regra, as diferenças entre a formulação positiva e a negativa e
as suas particularidades bem como em que casos é aplicada uma ou outra.

2.1 A REGRA DE OURO

Os textos nos quais Santo Agostinho usa a regra de ouro são numerosos, ela
aparece em diversos livros do autor, as vezes mais de uma vez. Diante disso poderá ser
visto no apêndice do presente trabalho um conjunto dessas formulações em ordem
cronológica. A regra na filosofia do santo é vista como uma máxima do amor: “Pois a
perfeição da misericórdia com a qual é atendida toda alma extenuada de pena e cansaço
não vai além desse amor aos inimigos” (AGOSTINHO, 2017, p. 91). É o amor que atende
a perfeição da misericórdia, amor esse que deve ser praticado mesmo aos inimigos, o
amor é o caminho para a perfeição é a regra é o caminho para viver de modo ético esse
amor. Agostinho afirma na Doutrina Cristã que:

Vive justa e santamente quem é perfeito avaliador das coisas. E quem as estima
exatamente mantém amor ordenado. Dessa maneira, não ama o que não é digno
de amor, nem deixa de amar o que merece ser amado. Nem dá primazia no
amor àquilo que deve ser menos amado, nem ama com igual intensidade o que
se deve amar menos ou mais, nem ama menos ou mais o que convém amar de
forma idêntica (AGOSTINHO, 2002, p. 46).

Sendo assim é justo aquele que mantém o amor de maneira ordenada, amando
mais o que deve ser mais amado e menos o que deve ser menos amado, essa ordenação
diz a respeito à perfeição acima citada tendo em vista que a coisas mais perfeitas que
devem ser mais amadas e coisas menos perfeitas que devem ser menos amadas. A regra
de ouro é, nesse sentido, a atitude ética mantenedora dessa relação de amor, é através dela
que se é capaz de viver perfeitamente no amor, ou seja, de forma ordenada.
A formulação mais conhecida da regra em Agostinho e provavelmente a mais
conhecida na cultura em geral é a presente no sermão da montanha, tendo sido proferida
12

pelo próprio Jesus Cristo: “Tudo, portanto, quanto desejais que os outros vos façam, fazei-
o, vós também, a eles. Isto é a Lei e os Profetas. (Mt. 7,2)” Foi o contato com essa
formulação ao escrever o Comentário ao Sermão da Montanha que fez com que
Agostinho escrevesse um dos maiores trechos encontrados em seus escritos sobre a regra,
trecho esse que, junto de outros, será utilizado nesse trabalho na ajuda da construção de
uma ideia acerca da regra no pensamento do Santo.
Segundo o comentador de Agostinho Giovanni Catapano, antes de adentrar
mais profundamente ao estudo da regra na ótica do autor, são necessárias ser feitas ao
menos 3 observações de caráter mais geral. “A primeira é que Agostinho não cessou de
recorrer a regra de ouro desde o início ao fim de sua atividade literária e pastoral”
(CATAPANO, 2005, p. 104)2. Ora, agostinho tem em torno de 33 citações da regra ao
longo de seus escritos e essas citações comportam tanto formulações positivas quanto
negativas da regra isso endossa o comentário acima citado de que Agostinho realmente
não abandonou seus estudos sobre a regra desde que a conheceu. Desde o período
cassicíaco, època de estudos e produção acadêmica (filosófica), até o seu episcopado
Agostinho se dedicou de várias formas ao estudo da regra, nas palavras do próprio
comentador “Agostinho usa a regra de ouro nas circunstâncias e para os mais diversos
fins” (CATAPANO, 2005, p. 104)3, isso demonstra a forte presença da regra na filosofia
do Santo Doutor que não só a utilizou em diversas circuntâncias para diversos fins como
dedicou parte da sua vida ao estudo dessa máxima.
“A segunda observação que a tabela de lugares permite expressar, além disso, é
a heterogeneidade dos textos agostinianos que relatam as ocorrências da regra de ouro”4
(CATAPANO, 2005, p. 104), isso indica que nas suas mais diversas obras, de filosofia,
tratados apologéticos, escritos dogmáticos, exegéticas, obras polemicas antimaniqueias e
antipelagianas, discursos ao povo, cartas, e sua obra única que é Confissões. “Se pode
dizer que quase não há gênero literário, entre os praticados por Agostinho, em que ele não

2
“La prime è che Agostino non ha cessato di ricorrere alla Regula d’oro dall’inizio alla fine della sua attività
letteraria e pastorale”. CATAPANO, Giovanni. La regola d’oro in Agostinho. Apud: VIGNA, Carmelo;
ZANARDO, Susy (ORG.) La Regola d'oro come etica universale. Vita e Pensiero: Milano, 2005.
3 “adopera la regola d'oro nelle circostanze e per i fini più diversi”. CATAPANO, Giovanni. La regola
d’oro in Agostinho. Apud: VIGNA, Carmelo; ZANARDO, Susy (ORG.) La Regola d'oro come etica
universale. Vita e Pensiero: Milano, 2005.
4 “la seconda osservazione che la tabella dei luoghi permette di esprimere concerne appunta l'eterogeneità
dei testi agostiniani che riportano occorenze della regola aurea”. CATAPANO, Giovanni. La regola d’oro
in Agostinho. Apud: VIGNA, Carmelo; ZANARDO, Susy (ORG.) La Regola d'oro come etica
universale. Vita e Pensiero: Milano, 2005.
13

usou a regra de ouro” (CATAPANO, 2005, p. 104)5, o Santo sempre citou a regra
independente do gênero literário utilizado por ele naquela obra e em praticamente todos
os gêneros utilizados pelo autor se encontra alguma citação da regra de ouro.

A terceira e última observação diz respeito à extensão das etapas mencionadas


na lista. Como pode ser visto facilmente, eles não têm mais do que dois ou três
parágrafos. Agostinho quase nunca tratou com amplitude a regra de ouro; às
vezes ele o usa sem nem mesmo torná-lo objeto de considerações diretas
(CATAPANO, 2005, p. 105)6.

É curioso se deter nessa parte, pois de fato foram poucas as ocasiões onde
Agostinho de fato se deteve em elaborar um texto ou uma dissertação significativamente
longa sobre a regra, porém isso não implica necessariamente que ele vê como secundária
a importância da regra, mas “significa simplesmente que já não é dada como tal nos
textos, mas deve ser reconstruída a partir deles” 7 (CATAPANO, 2005, p. 105), ou seja,
ele não formula especificamente uma doutrina sobre a regra, pois ela deve ser lida,
meditada e compreendida a partir dos textos e citações que a comportam. Agostinho está
muito mais preocupado com a prática da regra do que com um tratado filosófico sobre
ela, segundo Jones Bernades Machado:

Isso é perceptível através da simples leitura dos textos referenciados na tabela,


mas, apesar disso, todas as ocorrências da regra no corpus estão inseridas no
contexto e na temática do argumento ao qual integram. Do mesmo modo,
ressalta-se ainda a veracidade do dizer que há uma doutrina sobre a regra da
caridade em Agostinho, pois mesmo que tal doutrina não seja visível nos
textos, é reconstituída a partir deles (MACHADO, 2012, p. 42)

É por esse motivo, que nas páginas que se seguem, esse trabalho se concentrará
em reunir citações literárias do autor e de seus comentadores para buscar construir um
pensamento e uma doutrina coesa da visão da regra pelo autor.
Para Agostinho, aquilo que pode tornar os homens perfeitos é a capacidade de
amar: “Assim, o que faz os homens invencíveis e perfeitos é somente o fato de eles

5 “se può dire che non v'é quasi genere letterario, fra quelli praticati da agostino, in cui egli non abbia
utilizzato la regola d'oro”. CATAPANO, Giovanni. La regola d’oro in Agostinho. Apud: VIGNA,
Carmelo; ZANARDO, Susy (ORG.) La Regola d'oro come etica universale. Vita e Pensiero: Milano,
2005.
6 “la terza e ultima osservazione riguarda l'estensione dei passi citati nell'elenco. come si può facilmente
notare, esse non sono lunghi più de due o tre paragrafi. Agostino non ha mai trattato con ampiezza della
regola d'oro; a volte la usa senza nemmeno farla oggeto di considerazioni dirette”. CATAPANO, Giovanni.
La regola d’oro in Agostinho. Apud: VIGNA, Carmelo; ZANARDO, Susy (ORG.) La Regola d'oro
come etica universale. Vita e Pensiero: Milano, 2005.
7 “significa semplicemente chè essa non e gia data come tale nei testi, ma va riconstruita a partire da essi”.
CATAPANO, Giovanni. La regola d’oro in Agostinho. Apud: VIGNA, Carmelo; ZANARDO, Susy
(ORG.) La Regola d'oro come etica universale. Vita e Pensiero: Milano, 2005.
14

poderem amar” (AGOSTINHO, 2017, p. 76), o amor também torna o homem invencível,
ou seja, o torna capaz de superar as dificuldades. Segundo Giovanni Reale para
Agostinho:

Quando o amor do homem se volta para Deus (amando os homens e as coisas


em função de Deus), é charitas; quando, porém, volta-se para si mesmo, para
o mundo e para as coisas do mundo, é cupiditas. Amar a si mesmo e aos
homens não segundo o juízo dos homens, mas segundo o juízo de Deus,
significa amar do modo justo (REALE, 2003, p. 100).

É crucial para entender a concepção de amor em Agostinho entender essa


diferença que ele traz entre charitas, amor ordenado a Deus e em Deus se volta as pessoas
e aos demais seres, e cupiditas, quando o amor de si supera o amor a Deus e aos outros.
Agostinho diz que “A retidão de conduta nos dá a coragem e a força para
encetarmos o caminho em direção da sabedoria. Leva-nos à pureza e à simplicidade do
coração” (AGOSTINHO, 2017, p. 168). Ou seja, é a boa conduta que leva o homem ao
bom caminho e por consequência a ser bom, ela dá também a força e a coragem
necessárias para alcançar a sabedoria e torna o coração puro e simples, essas qualidades
trazidas pela retidão de conduta expressam em Agostinho algumas das boas
consequências que a regra de ouro traz já que mais à frente no texto ele aponta essa
retidão de conduta com sendo a própria regra: “O Senhor assim termina o que estava
desenvolvendo: “Portanto, tudo aquilo que quereis que os homens vos façam de bem,
fazei-o vós a eles, porque isto é a Lei e os Profetas”” (AGOSTINHO, 2017, p. 168).
Agostinho introduz o Capítulo do texto Comentário ao Sermão da Montanha falando
sobre a retidão de conduta e logo a frente apresenta essa passagem da regra de ouro como
meio de se alcançar essa retidão necessária para o alcance da sabedoria e demais
qualidades que ela proporciona.
Em agostinho “a força motriz para a realização da ordem moral é o amor, que
remata na caridade. Sua força orientadora é à vontade, que culmina na liberdade. Sua
consumação é a ordem da caridade” (BOEHNER; GILSON, 2004, p. 188), ou seja, é na
ordem da caridade, alcançada pela regra, que se faz possível a realização da ordem moral
que para o Santo se confunde com o próprio amor, amor e moral são iguais, um é força
motriz do outro e vice-versa.
Ainda segundo Gilson “a caridade não é apenas o coração da moralidade; ela é a
própria vida moral. O começo do amor é o começo da justiça, o progresso do amor é o
progresso na justiça, a perfeição do amor é a perfeição da justiça” (BOEHNER; GILSON,
2004, p. 191). Nesse trecho o escritor fortalece a ideia que acima foi citada que a caridade
15

e a moral se confundem, é interessante a afirmação de que ‘a caridade não é apenas o


coração da moral, mas a própria vida moral’, reforçando justamente essa ideia de
mutualidade entre amor e moral apresentada antes.
Ao comparar amor e moral Agostinho afirma que o amor está na própria natureza
humana, ou seja, implicitamente está afirmando que a moral está na própria natureza
humana:

O amor está na própria natureza humana. Trata-se de um apetite natural,


pressuposto pela vontade livre, que deve, iluminada pela luz natural da razão,
orientá-lo finalmente para Deus. O amor é, pois, uma atividade decorrente do
próprio ser humano. Donde se deduz que, tendo-se no fundo do coração a raiz
do amor, dessa raiz não pode sair senão o bem, o que resulta na tão citada
máxima agostiniana: ‘ama e faze tudo o que queres’ (COSTA, 2002, p. 296-
297).

Isso reforça o poder do amor e da moral na natureza humana e parece afirmar que
a regra de ouro como forma de ordenação desse amor está também implícita nessa
natureza como será investigado futuramente no 3.2 desse trabalho. Porém, no momento
é hora de se reclinar sobre as formulações e aplicações da regra de ouro dentro da filosofia
de Santo Agostinho.

2.2 FORMULAÇÃO POSITIVA

É notório que Santo Agostinho conhece tanto a formulação positiva, quanto a


formulação negativa da regra de ouro. Ambas são utilizadas por ele ao longo de seus
escritos, mas devem ser esclarecidos os pontos de convergência e divergência de usos e
aplicações. Sendo assim trataremos da positiva nesse ponto e da negativa no próximo. A
formulação positiva da regra coincide com a relatada nas palavras de Jesus no Sermão da
Montanha: “Portanto, tudo aquilo que quereis que os homens vos façam de bem, fazei-o
vós a eles, porque, isto é, a Lei e os Profetas (Mt. 7,2)”.
Em relação à regra no sentido positivo Agostinho afirma conhecer a formulação
presente nos “exemplares gregos”, porém há uma diferença pois esses não utilizam a
palavra “bem” como nos “exemplares latinos”, Agostinho acredita que esta mudança se
dá para melhor explicitar o pensamento: “Lê-se nos exemplares gregos: “Tudo aquilo que
quereis que os homens vos façam, fazei-o vós a eles”. Penso que textos latinos
acrescentaram a expressão “de bem” para melhor explicitar o pensamento. Poderiam
autorizar-se dessa passagem para abonar uma ação condenável” (AGOSTINHO, 2017, p.
16

168). O santo justifica então o acréscimo do termo “bem” ao fato de ele ser uma forma
de impedir que a regra justifique a realização de um mal ao outro tendo o argumento de
que o desejava para si também: “Por exemplo, se alguém quisesse beber em excesso, até
a embriaguez. Mas seria ridículo de se justificar por aí quem procurasse beber ou excitasse
outrem a beber em excesso, até ficar bêbado. Para evitar essa interpretação e para maior
clareza, foi acrescentada a expressão ‘façam de bem’” (AGOSTINHO, 2017, p. 168). Ou
seja, para evitar que um mal ou um excesso seja cometido contra um outro ou contra si
mesmo, foi acrescentada essa expressão “de bem”.
Apesar disso, o santo não acha oportuno que se faça alteração nos já citados
exemplares gregos: “Se faltar nos exemplares gregos será bom completar. Mas quem se
permitiria corrigir o texto grego? É preciso, pois, admitir que a recomendação está plena
e completa, mesmo sem essa adição” (AGOSTINHO, 2017, p. 168). O autor, afirma então
que a recomendação é completa mesmo sem a adição do termo “bem”, pois ele serviria
apenas para evitar o mal-uso da regra e direcionar melhor essa recomendação evitando
que seja distorcida por má-fé ou ignorância.
Em Agostinho, o amor é caminho para o agir ético por excelência:

A partir do momento que o homem passa a amar verdadeiramente a Deus e


como Ele ama, com gratuidade e fazendo o bem aos outros, sua vida será
guiada corretamente aos verdadeiros caminhos, por isso, o ser e agir ilu-
minados pela vontade do amor divino garante que a liberdade de ação seja
justa, logo, ética. É o amor que conduz o homem a agir de forma coerente
segundo a vontade de Deus e o desvia de agir somente por prazeres
inconstantes (ROCHA; CARVALHO, 2016, p. 29).

Diante disso pode-se observar que é amando verdadeiramente a Deus e ao


próximo e fazendo bem aos outros é que se guiará a vida pelo caminho verdadeiro, livre
e por consequência ético, nota-se que o autor acrescenta que esse caminho é livre do agir
pelos prazeres inconstantes: “A expressão “tudo aquilo que quereis” não deve ser tomada
aqui em sentido ordinário e banal, mas em seu sentido forte. A vontade livre não concebe
a não ser o bem. Quando se trata do mal, não se fala de vontade, mas de paixão”
(AGOSTINHO, 2017, p. 168). Ou seja, o uso correto da regra, enquanto máxima do amor,
guia até mesmo ao afastamento das paixões.
Para o comentador Giovanni Catapano: “à fórmula positiva limita-se ao dever para
com o próximo (na verdade, prescreve para fazer aos homens o que queremos que eles
17

façam a nós)” (CATAPANO, 2005, p. 110)8 Nesse sentido a regra no seu caráter positivo
faz relação ao amor do próximo, o que não exclui por si o amor de Deus, esse está
implícito no próprio sentido de amor:

Que ninguém diga: “Não sei o que amar”. Que ele ame o seu irmão e estará
amando o próprio Amor. Pois assim conhecerá melhor o amor com que ama
do que o irmão a quem ama. Pode desse modo ter de Deus um conhecimento
maior do que o do irmão. Sim, Deus torna-se mais conhecido, porque lhe está
mais presente. Deus lhe será mais conhecido porque lhe é mais íntimo. Mais
conhecido porque mais seguro. Ao abraçar a Deus que é Amor, abraças a Deus
por amor. É esse mesmo amor que une todos os anjos bons e todos os servos
de Deus pelo vínculo da santidade. É o mesmo amor que nos une entre nós e a
eles reciprocamente, e ainda nos submete a Deus (AGOSTINHO, 2018, p.
170).

Nesse sentido o amor é vinculo de unidade entre sujeito, objeto e o próprio Amor,
que é Deus, quem ama algo, ama necessariamente a Deus que é amor. Sobre esse sentido
do amor a Deus trataremos melhor no próximo ponto que diz sobre a regra na formulação
negativa, que segundo a linha de interpretação seguida diz respeito propriamente ao amor
de Deus.

2.3 FORMULAÇÃO NEGATIVA

Como já dito anteriormente, a regra de ouro conta com mais uma formulação,
inteirando assim duas formulas possíveis, a positiva acima citada e a negativa que será
tratada nesse ponto. Deve-se se buscar entender o valor das duas formulações, se as duas
podem ser consideradas máximas éticas e se tem aplicações diferente pelas suas diferentes
formulas.
É notório o fato de que Santo Agostinho conhece também a formula negativa da
regra de ouro, ela está presente na obra do Santo em vários textos e coincide com a
formula apresentada no Livro de Tobias: “Assim, o que não gostas, não o faças a ninguém
(Tb. 4, 31)”. A formula negativa como o próprio nome já diz ao invés de apresentar uma
atitude a ser feita apresenta algo a não ser feito.
A fórmula negativa é a mais utilizada pelo santo doutor em suas obras formuladas
de diversas maneiras. Em suma, são todas maneiras diversas de expressar o mesmo
conteúdo; pois, se forem interpretadas corretamente elas prescrevem a mesma ação: uma

8
“la formula positiva si limita ai dovere nei confronti del prossimo (prescrive infatti di fare agli uomini
ciò che vogliamo essi facciano a noi)”. CATAPANO, Giovanni. La regola d’oro in Agostinho. Apud:
VIGNA, Carmelo; ZANARDO, Susy (ORG.) La Regola d'oro come etica universale. Vita e Pensiero:
Milano, 2005.
18

hora ordenando, outra proibindo e vice-versa. Agostinho compreende que a formula


negativa da regra tem seu fundamento no Decálogo, pois é uma síntese dos ‘nãos’ aí
apresentados, segundo ele as duas formulações da regra tem fundamento na Pessoa
Divina, sendo a positiva proveniente da lei natural e a negativa do decálogo, esse não do
decálogo para o autor é necessário, pois o decálogo enquanto lei, surge já de uma privação
que é o pecado, esse é um não do homem para Deus e por isso Deus precisou dizer não
para o homem.
A regra em seu sentido negativo tem uma conotação de interdição apresentando
um ‘não’, ou seja, uma partícula de interdição que representa bem a ideia de evitar o mal,
segundo o filosofo francês Paul Ricuer “A todas as figuras do mal responde o não da
moral” (RICOEUR, 1991, p. 167), ou seja é o não da moral que tem força interditaria
para evitar o mal, por exemplo é só pensar nos mandamentos da lei de Deus como não
matar e não roubar, e nesse sentido a formula negativa da regra diz mais respeito aos
deveres voltados para com Deus, pois é preceito divino “Afaste-se do mal e faça o bem
(1Pe. 3, 11)”, assim como a formulação positiva parece cumprir o preceito de fazer o bem,
a negativa parece cumprir o de evitar o mal, acontece também que não fazer o mal implica
necessariamente em fazer o bem, pois a ausência de bem é um mal em si mesma e por
isso Giovanni Catapano afirma: “Enquanto o 'negativo' também inclui deveres para com
Deus” (CATAPANO, 2005, p. 110)9. Então aí está a diferença das formulações, a
primeira incluiu mais profundamente o amor ao próximo e a segunda mais profundamente
o amor a Deus. “Seguindo essa perspectiva, o homem não poderia amar a si próprio antes
de conhecer a Deus. Em outras palavras, antes de se achegar a Deus, o homem se odiava
a si mesmo, a Deus e ao próximo” (PAULA; MELO, 2011, p. 6) ou seja, é somente no
amor de Deus que o homem é capaz de conceber relação de amor com si mesmo e com o
outro, por isso a necessidade de duas formulações, pois a regra como expressão de amor
ao próximo não pode deixar de conter em si uma expressão do amor a Deus, pois se não
ama o próprio amor, que é Deus, o homem não será capaz de amar o seu próximo.
Para Agostinho o amor verdadeiro e aquele que não pode ser vencido, ou seja, o
amor ao qual não pode ser arrebato as coisas que se ama:

Não poderá ser vencido por homem algum aquele que vence suas próprias
paixões. Com efeito, não será vencido senão aquele a quem o adversário lhe
arrebata as coisas que ele ama. Então, aquele que ama somente aquilo que não

9 “mentre quella 'negativa' comprende anche i doveri verso Dio”. CATAPANO, Giovanni. La regola d’oro
in Agostinho. Apud: VIGNA, Carmelo; ZANARDO, Susy (ORG.) La Regola d'oro come etica
universale. Vita e Pensiero: Milano, 2005.
19

lhe pode ser arrebatado, é incontestavelmente invencível. E nem poderá ser


atormentado por invejoso algum. Além do que, se ele vê os outros chegarem
até ao objeto de seu amor para amá-lo igualmente, e participar desse amor,
felicita-os generosamente. Ele ama a Deus, de todo o seu coração, de toda a
sua alma e de todo o seu espírito. E ama a seu próximo como a si mesmo. Não
sente inveja alguma, caso os outros se tornem iguais ao que ele mesmo é
(AGOSTINHO, 2017, p. 75).

A regra de ouro que leva ao amor de Deus, se direciona justamente a esse amor
que não pode ser arrebatado e que não causa inveja, pois se outro atinge esse amor e
motivo de felicidade e nunca de inveja, tal amor que não pode ser arrebatado atende as
exigências de uma verdadeira ética, pois sempre se agirá em conformidade com esse
amor, tanto o amor que está destinado ao próximo quanto o que está destinado a Deus, é
assim que a regra em seus dois sentidos atende as expectativas de uma verdadeira ética
de amor.
Em Agostinho o amor se configura sendo “a perfeita justiça — a que nos leva a
amar mais o que vale mais, e amar menos o que vale menos” (AGOSTINHO, Santo. 2017,
p. 79). Ao alcançar essa perfeição o homem se torna capaz de valorizar melhor o que vale
mais, nesse caso, valorizar melhor o irmão, quando diz respeito a regra positiva e valorizar
melhor a Deus, quando diz respeito a regra negativa. A regra de ouro torna-se então
caminho ético por excelência que possibilita o homem conceber melhor suas relações e
os objetos dessas relações levando assim a uma perfeita conduta ética que respeita as
relações humanas e seus objetos.
Diante das duas formulações da regra é importante perceber que as duas devem
ser levadas em conta, ou seja, ao mesmo tempo que se deve tratar bem o seu próximo,
fazendo a ele o que gostaria que fosse feito a si mesmo, também deve-se evitar tratá-lo
mal, não fazendo a ele o mal que não quer para si mesmo, sendo assim as duas
formulações se completam, demonstrando como se deve dar a verdadeira conduta de vida.
20

3 O CONHECIMENTO DA REGRA

O principal objetivo desse capitulo é investigar o pensamento de Santo Agostinho


acerca do conhecimento da regra de ouro, como poderá ser visto, Agostinho postulou
duas fontes de conhecimento da regra, uma por meio da revelação e a outra no coração
do homem. Nesse sentido, buscar-se-á estudar o pensamento do autor e como ele entende
essas duas fontes. Se há nelas diferenças substanciais ou se o conhecimento da regra se
vale tanto por uma quanto por outra e como isso se relaciona com o sentido ético da regra
de ouro.

3.1 A REGRA E A REVELAÇÃO

Se questionar sobre isso é se questionar sobre o modo como a regra de ouro se dá


a conhecer na realidade humana, é possível apresentar pelo menos duas formas disso
acontecer no pensamento de Agostinho: “existe, portanto, uma lei revelada nas escrituras,
e uma lei natural, escrita não em um livro, mas no coração, que qualquer homem que
tenha chegado ao uso da razão pode descobrir dentro de si mesmo” (CATAPANO, 2005,
p. 116)10. Nesse sentido a regra pode ser conhecida pela revelação, através das escrituras,
ou pode ter como meio para isso a própria natureza humana presente no coração do
homem.
Nesse capítulo optou-se por fazer a divisão tratando primeiro da do conhecimento
revelado e depois do natural. Entender melhor os sentidos de lei natural e lei revelada e
como se dá sua relação com a regra de ouro é fundamental para um maior conhecimento
da concepção do autor sobre a mesma.
A revelação em Santo Agostinho compreende todo o conhecimento que não foi
advindo da razão humana, mas de algum tipo iluminação divina. Portanto revelação e
conhecimento estão intimamente ligados, pois a revelação nada mais é que um
conhecimento dado por Deus ao homem.
Para Agostinho “O conhecimento seria a capacidade de concluir verdades
imutáveis por meio dos processos mentais. [...] Assim, o ser humano tem pensamento

10 “esiste quindi una legge rivelata nella scritture, e una legge naturale, scritta non in un libro, ma nel
cuore, che qualsiasi uomo giunto all'uso di ragione può scoprire dentro di sé”. CATAPANO, Giovanni. La
regola d’oro in Agostinho. Apud: VIGNA, Carmelo; ZANARDO, Susy (ORG.) La Regola d'oro come
etica universale. Vita e Pensiero: Milano, 2005.
21

autônomo e acesso à verdade eterna, mas depende, para isso, de iluminação divina” (
FERRARI, 2008)11. Ou seja, a verdade pode ser alcançada por qualquer homem mesmo
que dependendo de uma iluminação divina que nesse sentido seria a revelação que
completa o conhecimento humano preenchendo-o com o que Deus tem a ensinar, as
formulações presentes na revelação, sagrada escritura, seriam nesse sentido meios de
Deus demonstrar ao homem aquilo que ele deseja que eles conheçam, nesse caso a
ordenação da caridade através da regra de ouro: amar a si, amando a Deus e ao próximo;
ao próximo, amando a Deus e a si; e a Deus, amando a si e ao próximo.
Num trecho das Confissões, Agostinho professa a eternidade e imutabilidade do
Verbo Divino que não deixa de ser o que era para passar a ser o que não era, tal afirmação
dá caráter necessário a toda revelação presente no que professou o Cristo, próprio Verbo
encarnado:

Sabemos, Senhor, sabemos que de algum modo uma coisa nasce e morre,
quando deixa de ser o que era e passa a ser o que não era. Na tua palavra, nada
aparece e desaparece, porque é realmente imortal e eterna. Com esta palavra,
que é eterna como tu, enuncias a um só tempo e eternamente tudo o que dizes.
E tudo o que dizes que se faça, realiza-se. Não de outro modo, mas somente
com a palavra, tu crias (AGOSTINHO, 1997, p. 203).

Isso inclui a regra de ouro, por isso para o Santo a regra é imutável e necessária,
pois está presente na revelação do próprio Verbo, o princípio de amor e o de tratamento
da regra são de grande importância para Agostinho graças a isso e como se verá
futuramente tal necessidade da regra se fundamenta melhor ainda ao investigar o coração
do homem.
Num trecho do livro A Trindade ao se perguntar sobre onde estão escritas essas
regras que possibilitam o conhecimento da justiça, inclui-se aqui a regra de ouro, pois
para o Santo ela é uma regra de justiça, Agostinho chega à conclusão de que essas estão
escritas no “livro da luz da verdade” que é também a fonte da revelação divina e que ela
passa a estar escrita no coração do homem junto dessa pratica da justiça, isso se dá porque
para o filósofo Deus, cria, ordena e possibilita o conhecimento das coisas que deve ser
buscado na interioridade do homem:

Onde, pois, estarão escritas essas regras? Elas que possibilitam ao injusto
reconhecer o que é justo, descobrir que deve possuir aquilo que ele mesmo não
possui? Onde hão de estar escritas senão no livro daquela luz que se chama
Verdade? Nesse livro é que se baseia toda lei justa que é transcrita e se transfere

11 Versão Eletrônica: <https://novaescola.org.br/conteudo/1683/santo-agostinho-o-idealizador-da-


revelacao-divina> Acessado em 05/05/2019.
22

para o coração do homem que prática a justiça. Não como se ela emigrasse de
um lado para o outro, mas a modo de impressão na alma. Tal como a imagem
de um anel fica impressa na cera, sem se apagar do anel (AGOSTINHO, 2018,
p. 280).

Isso é possível para o Santo porque ele admite que Deus ilumina o conhecimento
estando este já anteriormente em nosso espírito. Essa doutrina da Iluminação divina
caracteriza-se por uma luz que não é material e que atinge no encontro com o
conhecimento da verdade para que o homem possa ter uma vida feliz e beata. Essa luz da
verdade, pela qual a alma é iluminada, é Deus ele mesmo ao passo que a alma é uma
criatura que ainda que feita racional e intelectual à sua imagem, quando ela se esforça por
ver a luz ela mesma age com dificuldade é no entanto de lá que lhe vem tudo o que ela
apreende pelo intelecto como ela o pode fazer. A teoria da iluminação, preocupa-se menos
em demonstrar se podemos ou não conhecer a verdade, e mais em nos fornecer as
condições de possibilidade para que o façamos, nesse sentido a regra de ouro é o que nos
leva a condição de possibilidade de amar a Deus e ao próximo.
Através de um pequeno itinerário filosófico de Agostinho, pode ser perceber o
papel central que tem a revelação em seu pensamento:

Filosofar, para Agostinho, é buscar a Felicidade. Ser feliz é conhecer a


Verdade. Conhecer a Verdade é conhecer a Deus. Assim, a própria teoria do
conhecimento agostiniana segue esta sua jornada autobiográfica, o
materialismo correspondendo ao plano da exterioridade (sensibilidade,
exterior), o platonismo atingindo a interioridade (inteligibilidade, interior) e o
cristianismo transcendendo ao Absoluto pela Revelação (transcendência,
superior) (VARGAS, 2010).

O conhecimento da regra de ouro através da sagrada escritura demonstra para o


Santo a necessidade de se ter essa regra como conduta de vida, pois tudo que é revelado
demonstra ser de um conhecimento superior, é uma vontade do próprio Deus para a
humanidade.
“O Senhor assim termina o que estava desenvolvendo: Portanto, tudo aquilo que
quereis que os homens vos façam de bem, fazei-o vós a eles, porque isto é a Lei e os
Profetas” (AGOSTINHO, 2017, p. 169). Nesse trecho do Sermão da Montanha o Cristo
afirma ser a regra, “a Lei e os Profetas”, ou seja, Ele não só a identifica como parte da
revelação, mas como parte crucial de toda a história que vinha sendo escrita através dos
tempos. Agostinho ao meditar sobre essa passagem chega à seguinte conclusão: “É
preciso também não passar por cima do que ele acrescenta: “Isso é a Lei e os Profetas”.
Ao falar desses dois mandamentos, o Senhor não diz somente: “Eles contêm a Lei e os
Profetas”, mas: “Toda a Lei e os Profetas”, isto é, todas as profecias” (AGOSTINHO,
23

2017, p. 169). Ou seja, a regra contempla toda a revelação, pois contempla seu mais
importante mistério, o mistério do amor, ao comtemplar o amor enquanto amor ela
apresenta tudo o que é necessário para uma vida em Cristo, o sentido pleno de toda a
revelação.

3.2 A REGRA E A LEI INSCRITA NO CORAÇÃO DO HOMEM

A lei natural também conhecida como lei eterna ou ainda direito natural na
filosofia de Santo Agostinho seria encontrada no próprio indivíduo que a deveria buscar
em seu interior, é a lei que está inscrita no coração humano. Nos dias atuais, essa ideia é
chamada de moral que é encontrada no foro íntimo da pessoa. Em um primeiro momento,
o homem não possui acesso à essa lei, por ser cometedor do pecado original. Entretanto,
o homem pode ter acesso através da fé. A lei eterna, para Agostinho, visa a paz eterna.
“Contudo, os autores medievais concordaram em valorizar a regra de ouro como
uma expressão importante da lex naturae (lei natural)” (TATRANSKY, 2006, p. 647)12.
Nesse sentido pode se perceber que a regra de ouro é uma importante peça dentro daquilo
que é chamado de lei natural, ou seja, ela está presente nos mais profundos anseios do
coração do homem, pela própria impressão desta nesse coração.

Mesmo que nunca fosse estabelecida pela revelação ou pelos preceitos do


Decálogo, a regra de ouro conservaria sua autoridade e eficácia enquanto
pertencente à lei natural. Isso significa que a validade da regra de ouro não
depende de sua instituição e promulgação divina, como ocorre em relação aos
preceitos cerimoniais e judiciais. Assim, o conhecimento da regra de ouro pela
Escritura não lhe conferiria outra autoridade e eficácia distinta daquela que já
possui enquanto pertencente à luz natural da própria razão ( SALLES; SILVA;
OLIVEIRA, 2011, p. 93).

Diante desse texto percebe-se que a regra de ouro não necessita da revelação para
se fundamentar, apesar de essa lhe dar autoridade da promulgação divina, a regra mostra-
se autossustentável através da própria natureza humana, ou seja, na própria criação do
homem foi deixada por Deus em seu coração essa regra que como pertencente a essa
instituição divina se sustenta pela própria natureza humana, pelos próprios anseios de seu
coração.

12 “Tuttavia, gli autori medievali erano concordi nel valorizzare la regola d’oro come un’espressione
importante della lex naturae.”. TATRANSKY, Tomás. SUL VOLUME LA REGOLA D’ORO COME
ETICA UNIVERSALE. Nuova Umanità. XXVIII (2006/5) 167, p. 643-659.
24

De acordo com Jones Bernardes Agostinho identifica a exigência existente no


coração do homem como a lei natural:

Do mesmo modo, essa exigência presente em todos os seres humanos


indistintamente é identificada por Agostinho com a lei natural inscrita no
interior de todos os homens. Tudo o que esta lei contém em si está expresso
interiormente de modo universal, imutável e evidente, sem necessidade de uma
revelação sobrenatural. Estas três notas ou atributos são essenciais para a sua
compreensão: universal – em todos e em qualquer lugar; imutável – não está
sujeita a movimento/mudança; evidente – todos podem ter acesso pela razão.
Conquanto, a pessoa humana não necessita da revelação sobrenatural para
conhecer essa lei. Desse modo, a lei de Moisés, enquanto lei revelada, apenas
explicitou e precisou exteriormente o que a lei natural já continha interiormente
(MACHADO, 2012, p. 42-43).

É importante se deter em três pontos centrais dessa fala: primeiro, de que


Agostinho identifica a regra de ouro como pertencente a natureza humana; segundo que
a regra como parte da natureza é expressa como universal, está presente em cada ser
humano como imutável, não pode ser mudada por nada nem ninguém e como evidente,
que pode ser acessada por qualquer ser dotado de razão; terceiro, como já foi afirmado
antes nesse trabalho, ela não precisa da revelação para ser fundamentada, a revelação tem
o papel de explicitá-la, pois essa já está fundamentada na lei natural. Um pouco mais à
frente o mesmo autor ainda diz “essa, sem nenhuma dúvida, é uma das leis inscritas no
coração do homem que nada pode apagar; nem a maior iniquidade humana tem essa
capacidade” (MACHADO, 2012, p. 43), ou seja, não importa o que seja feito mesmo que
o homem jamais siga esta regra ele nunca poderia apagá-la do seu coração, por exemplo,
um bandido mesmo cometendo furto jamais quereria sofre-lo e se perguntado se para
fazer bem ao seu próximo não deveria comete-lo evidentemente responderia que sim,
então para qualquer homem são, mesmo que infrator da regra ela ainda é parte da natureza
e está presente em seu coração.
Esta mesma lei natural é ainda identificada por ele com a voz da verdade, ou como
chama Agostinho ‘tribunal interior’. Eis o modo como se propõe essa ideia através de um
exemplo dessa mesma voz que grita no interior:

Vamos supor que, não sei de onde, vem um amigo teu, e sem testemunhas
confia-te certa quantidade de ouro. Somente ele e tu, dentre os homens, tendes
conhecimento disso. Existe, porém, ali outra testemunha que é invisível, mas
vê. O amigo te entregou o ouro secretamente, em teu quarto, talvez sem a
presença de qualquer árbitro. A testemunha presente, não está dentro das
paredes do quarto, mas no recinto de vossas consciências. O amigo entregou e
partiu. Não o contou a nenhum dos seus, esperando voltar, e receber de volta
o que entregara. Como são as coisas humanas, ele morre. Tem um herdeiro, o
filho que deixou. O filho ignora o que o pai possuía e a quem o confiou. Vamos.
Volta, volta, prevaricador, ao teu coração, onde está escrita a norma: “Não
25

faças a ninguém o que não queres que te façam”. Imagina que foste tu quem
confiou o ouro, que não disseste a nenhum dos teus, que morreste e deixaste
um filho. Que querias que teu amigo fizesse? Responde, julga a questão, o
tribunal do juiz está em tua mente. Ali Deus está sentado, tua consciência é o
acusador, e o medo o carrasco. Vives em meio às vicissitudes humanas, na
sociedade dos homens. Pensa no que querias que teu amigo prestasse a teu
filho. Sei o que te respondem teus pensamentos. Julga, então, conforme ouves.
Julga. Haverá uma voz. A voz da verdade não se cala. Não clama com os
lábios, mas vocifera no coração. Presta ouvidos. Fica ali com o filho de teu
amigo (AGOSTINHO, 1997, p. 81).

Esse é um dos mais fortes testemunhos na obra de Santo Agostinho, acerca da


regra de ouro como lei interior. O tribunal ao qual os homens devem se submeter
apresenta um juiz já conhecido, a própria consciência, ao ouvir essa voz o homem saberá
como agir e como pautar as suas ações, ao transvia-la o homem quebra uma norma de seu
próprio coração. Esse tribunal é essencial, se assim não fosse como o homem que não
conhece a revelação seria capaz de cobrar a injustiça sofrida? Isso não seria possível, só
o é porque tais homens estão expostos a sofre-la e assim sabem que não devem praticá-
la, a Epistola aos Romanos observa que:

Quando os pagãos, embora não tenham a Lei, cumprem o que a Lei prescreve,
guiados pelo bom senso natural, esses que não têm a Lei tornam-se Lei para si
mesmos. Por sua maneira de proceder, mostram que a Lei está inscrita em seus
corações: disso dão testemunho igualmente sua consciência e os juízos éticos
de acusação ou de defesa que fazem uns aos outros... (Rm. 2,14-15).

Ou seja, essa lei está inscrita no coração do homem, pois mesmo os que não
conhecem a revelação a praticam como é prevista, tal lei se faz presente no homem por
necessidade, é preciso que ela esteja presente no coração humano para que assim ele possa
agir bem e para que ele seja correto e justo, esse ideal de justiça dado pela regra demonstra
sua natureza ética, pois é ela responsável por fazer o homem agir bem com os outros e
com Deus.
“Como Anne-Marie La Bonnardière esclareceu, quando Agostinho usa o ditado,
‘o que você não gostaria que acontecesse para você, não faça para os outros’, não é para
ele um ato de um texto biblico, mas uma frase que expressa o preceito fundamental da lei
natural” (CATAPANO, 2005, p.115)13, nesse sentido o filósofo observa que a regra de
ouro é um preceito fundamental da lei natural e não um ato específico de um texto biblíco,
sendo assim ele relaciona a regra muito mais profundamente com a natureza humana que

13 “come há chiarito la Bonnardière, quando Agostinho utilizza il detto, ‘quod tibi fieri non uis, alli ne
feceris’, se trata per lui non de un testo scritturistico, ma de una sentenza che esprime il precetto
fundamentale della legge naturale”. CATAPANO, Giovanni. La regola d’oro in Agostinho. Apud: VIGNA,
Carmelo; ZANARDO, Susy (ORG.) La Regola d'oro come etica universale. Vita e Pensiero: Milano,
2005.
26

a própria revelação que traz a conhecê-lá, ela não seria aceita mesmo com a revelação se
não fosse preceito já presente no coração homem.
Portanto, nota-se que a regra pode ser conhecida de duas maneiras distintas, ela
pode ser revelada através da ação divina, bem como pode ser encontrada no próprio
coração do homem, acontece que a regra precisava ser revelada para que os religiosos
nela acreditassem, mas também precisava estar presente no homem para que os pagãos
igualmente o fizessem, o importante é que seja qual for a forma de conhecimento ao que
se deu a regra ela é necessária para uma boa conduta de vida e para um bom agir para
com os outros.
27

4 A REGRA DE OURO E A “IMAGO DEI”

A síntese do desenvolvimento do pensamento de Agostinho acerca da regra de


ouro se resume através de sua concepção sobre a “imago dei”14 (causa formal intrínseca
da natureza humana) e da graça de Cristo (causa formal extrínseca, Cristo como
paradigma de uma natureza atualizada). Uma vez que o homem comete o pecado original
ele fere a imagem de Deus que possuía na criação, tal imagem proporcionava ao homem
a capacidade de viver plenamente no amor de maneira natural, ao cair no pecado o homem
deteriora sua natureza perdendo a imagem de Deus que possuía e para restaurar tal
imagem e atualizar a natureza humana Deus envia o Cristo que através da sua graça se
torna paradigma para a raça humana. Sendo assim, buscar a concepção que tem Agostinho
dessa imagem pré e pós pecado original é necessário para entender como a ideia de
redenção proveniente da graça proporciona a restauração da imagem que foi atingida pelo
pecado original.

4.1 O AMOR À “IMAGO DEI”

Na obra da criação, Deus cria o homem, Adão, no sexto dia. Dando-lhe a Sua
imagem e semelhança:

Deus disse: “Façamos o ser humano à nossa imagem e segundo nossa


semelhança, para que domine sobre os peixes do mar, as aves do céu, os
animais domésticos, todos os animais selvagens e todos os animais que se
movem pelo chão”. Deus criou o ser humano à sua imagem, à imagem de Deus
o criou. E Deus os abençoou e lhes disse: “Sede fecundos e multiplicai-vos,
enchei a terra e submetei-a! Dominai sobre os peixes do mar, as aves do céu e
todos os animais que se movem pelo chão” (Gênesis 1, 26-28).

Para Agostinho, Deus diz à nossa imagem para marcar que não somos imagem só
do Pai, ou só do Filho ou só do Espírito Santo. Somos imagem da Trindade, mas essa
mesma Trindade é apenas um só Deus. “Então o Senhor Deus formou o ser humano com
o pó do solo, soprou-lhe nas narinas o sopro da vida, e ele tornou-se um ser vivente.
Depois, o Senhor Deus plantou um jardim em Éden, a oriente, e pôs ali o homem que
havia formado” (Gênesis 2, 7-8). Terminada a criação do homem Deus lhe dá como
morada um belo jardim chamado Éden.

14
“Imagem de Deus”.
28

Agostinho indica uma oposição entre imago Dei x vestigium Dei15. Pois Deus
deixou seu vestígio em toda a criação e todas as coisas criadas são boas. Mas a ordem
sensível, incluindo nela o homem exterior, só pode manifestar os vestígios de Deus, já
que para Agostinho ela está numa posição inferior. Somente na mente humana, parte mais
nobre da alma que corresponde ao homem interior, é que de fato se manifesta a imagem
de Deus:

Pois, como dissemos (XIV,4,6), na alma, mesmo perdendo a participação de


Deus, e se tornando manchada e disforme, permanece, entretanto, a imagem
divina. E ela é imagem de Deus, porque precisamente é capaz de Deus, e pode
ser partícipe dele. E não poderia alcançar tão grande bem, se não fosse ela a
sua imagem (Agostinho, 1997, p. 271)

De acordo com o filósofo dizer que homem é feito a imagem e semelhança de


Deus significa que "Tendo Deus criado o homem à sua imagem, efetivamente, criou nele
uma alma apta pela razão e pela inteligência a se elevar acima de todos os outros animais
e demais seres criados, desprovidos de um espírito deste gênero” (AGOSTINHO, 2011,
p. 1143). Deus criou o homem dotado de inteligência e saber e com a capacidade para
conhecer. Logo após colocá-lo no paraíso Ele percebe que o homem precisa de alguém
que o auxilie e assim faz a mulher:

Formado o homem do pó da terra, insuflando-lhe essa alma citada, quer a tenha


já feita, quer fazendo-a pelo seu próprio sopro, quis que esse sopro fosse a
própria alma do homem. E sendo o Criador, fez de um osso tirado do lado do
homem, uma esposa para ajudá-lo na geração, ou seja, para a propagação da
natureza humana (AGOSTINHO, 2011, p. 1143).

Como é dito, Deus não criou o homem e a mulher, mas somente o homem e a
partir dele criou a mulher, sendo assim, toda a humanidade descende de um único homem
criado a imagem e semelhança de Deus, toda a concepção do universo agostiniano
repousa sobre a ideia de semelhança já que todo mundo criado manifesta um elo
fundamental de semelhança com seu criador, todos os seres revelam de alguma forma o
Ser de Deus em maiores ou menores graus de participação no Ser divino, sendo o homem
não só semelhança, mas imagem por excelência de Deus.
Tal dignidade do homem deixava-o acima de qualquer outra criatura material,
deixando-o abaixo apenas dos anjos:

Ao homem, [...] deu uma natureza intermédia entre o anjo e o animal: [...], mas
se, abusando da sua livre vontade pelo orgulho e a desobediência, ofendesse o
Senhor seu Deus, deveria, condenado à morte, viver à maneira dos animais,

15
“Vestígio de Deus”.
29

escravo das paixões e votado, após a morte, a eterno suplício. Foi por isso que
o criou único e só, não certamente para o deixar isolado de toda a sociedade
humana, mas para pôr mais em relevo a seus olhos o vínculo de unidade e
concórdia que esta sociedade deve manter, estando os homens ligados entre si
pela identidade de natureza e pelos vínculos afetivos de parentesco
(AGOSTINHO, 2011, p. 1139-1140).

Ficou claro nesta passagem que o homem, apesar de criado numa natureza
intermediaria entre anjos e animais e mesmo estando muito acima dos animais precisava
obedecer aos preceitos de Deus para não sofrer com a escravidão das paixões como os
animais. Deus criou o homem nessa condição intermediaria para que através de uma
natureza única ela pudesse além de governar o mundo dado viver na unidade e seguir aos
seus preceitos.
Esse estado original no qual Deus criou o homem, pode ser chamado também de
estado de graça que é o estado perfeito de retidão com Deus, estado no qual foram criados
os primeiros pais e no qual se manteriam até a beatitude não fosse pelo pecado original.
Agostinho comenta, caso o homem não tivesse pecado “juntar-se-ia à sociedade dos anjos
e conseguiria para sempre a beatitude eterna sem passar pela morte” (AGOSTINHO,
2011, p. 1139).
Esse estado de graça no qual o homem se encontrava é o estado de perfeita
comunhão com Deus e perfeita vivência do Seu amor, nesse estado pode-se dizer que os
homens viveriam perfeitamente a exigência da regra de ouro, pois, desejariam o bem para
si, para o próximo e para Deus sempre, já que em tal estado não haveria desordem na
natureza humana, pois, todos os homens estariam sob o efeito do amor de Deus, nesse
sentido leva-se em consideração o 3.2 desse trabalho que afirma a regra ter um
fundamento na natureza humana, ou seja, Deus cria o homem com a regra já em seu
coração. Em relação a isso Agostinho faz um questionamento:

Quem é que, de fato, ousaria negar que os primeiros homens no Paraíso tenham
sido felizes antes do pecado [...]? Não é sem motivo que nós hoje chamamos
felizes àqueles que vemos viverem na justiça e na piedade com a esperança da
imortalidade, sem qualquer crime a roer-lhes a consciência, obtendo facilmente
a misericórdia divina para os seus pecados de fragilidade presente. [...] a
respeito do gozo de um bem presente, o primeiro homem era mais feliz no
Paraíso do que qualquer justo na debilidade desta vida mortal. (AGOSTINHO,
2011, p. 1017)

Em vista da resposta que Agostinho dá, pode-se dizer que não é possível ao
homem de hoje, mesmo que muito próximo a Deus, alcançar a felicidade que tiveram
aqueles primeiros homens no paraíso, isso por que por mais santo que seja o homem atual
sofre ao menos o temor do pecado enquanto os primeiros homens sequer o conheciam.
30

O homem ao ser criado nesse estado de graça é um homem de boa vontade, pois
está em perfeita comunhão com Deus “Assim Deus criou o homem, semelhante a Ti. Para
viver na sua bondade e em sua fidelidade, mantendo-se em perfeita ordem carnal e
espiritual. Vivendo sob a graça e sob o efeito do amor dele que é seu Senhor e Criador”
(DALBOM, 2017, p. 22). Ou seja, este é um estado de perfeito amor à imagem de Deus
que há no homem, por isso o homem ama igualmente seus semelhantes já que todos
partilham dessa imagem de Deus em si mesmos.

4.2 O AMOR CONTRÁRIO A “IMAGO DEI”

Para Santo Agostinho, antes do pecado vem a soberba, antes de comer o fruto
proibido é desobedecer a Deus o homem se encheu de soberba e orgulho, ou seja, do
desejo de grandeza que o levou a abandonar a Deus e só pensar em si próprio:

Foi no seu íntimo que começaram a ser maus para logo caírem em ostensiva
desobediência. De fato, não se chega ao ato mau sem que a vontade má o tenha
precedido. Ora qual pode ser o começo da vontade má senão a soberba?
Efetivamente, "o orgulho é o começo de todo o pecado (Ecles. 10,15)". Mas
que é a soberba senão o desejo de uma falsa grandeza? A grandeza perversa
está, na verdade, em abandonar o princípio ao qual a alma se deve unir para se
tornar de certo modo seu próprio princípio. Isso se realiza quando ela se
compraz demasiadamente em si própria. E, de fato, compraz-se em si própria
quando se afasta daquele imutável bem que devia agradar-lhe mais do que ela
própria a si mesma. [...] o mal, a transgressão em comer do alimento proibido,
não se realizou senão por comerem-no quando já eram maus (AGOSTINHO,
2011, p. 1277 e 1278).

A soberba é o desejo de colocar-se acima do que lhe convém é querer tomar um


lugar que não lhe pertence, de acordo com Agostinho a verdadeira transgressão que se
deu em comer o fruto proibido não estava em come-lo, mas em come-lo quando já se era
mal. Ao se encher de soberba e orgulho o homem em seu interior já se torna mal e perde
aquele estado original do qual foi falado, onde os homens viviam sempre desejando o
bem do seu próximo num estado permanente de vivência da regra de ouro, o ato de comer
o fruto proibido é a exteriorização do pecado já cometido no interior do homem:

A serpente era o mais astuto de todos os animais selvagens que o Senhor Deus
tinha feito. Ela disse à mulher: “É verdade que Deus vos disse: ‘Não comais
de nenhuma das árvores do jardim?’” A mulher respondeu à serpente: “Nós
podemos comer do fruto das árvores do jardim. Mas do fruto da árvore que
está no meio do jardim, Deus nos disse: ‘Não comais dele nem sequer o
toqueis, do contrário morrereis’”. Mas a serpente respondeu à mulher: “De
modo algum morrereis. Pelo contrário, Deus sabe que, no dia em que comerdes
31

da árvore, vossos olhos se abrirão, e sereis como Deus, conhecedores do bem


e do mal” (Gen. 3, 1-5).

A mulher se enche de soberba com a oferta da serpente “sereis como Deus”, aí


está uma má vontade, na oferta de querer ser como Deus, de tomar o lugar do seu senhor
que é infinito, poderoso e sábio. Ao se deixar tomar pela soberba o homem abandona a
lealdade a Deus, sendo assim por orgulho o homem se volta a si próprio e abandona a
lealdade a seu Senhor:

Segundo Agostinho, Deus criou o homem a sua imagem e semelhança, dotado


de um corpo e uma alma. Se seguisse o movimento natural em direção ao
criador, seria feliz. Porém, ao contrário, se abusasse do livre-arbítrio da
vontade, desobedecendo e cedendo ao orgulho, iria morrer e tornar-se escravo.
Dessa maneira, Deus criou o homem reto. Entretanto, este se corrompeu pelo
mau uso da própria vontade. Em vez de usá-la para atingir o fim para o qual
Deus a deu, o pecado de Adão mostra que o ser humano preferiu direcionar-se
ao que era inferior do que ao bem supremo, numa atitude de orgulho
(GRACIOSO, 2012, p. 22).

Ao cometer esse pecado por soberba e orgulho e ao voltar-se inteiramente para si


mesmo, o homem perde a comunhão do amor de Deus e abandona o princípio moral que
vivia no seu estado natural o desejar o bem para si e para o próximo na comunhão com
Deus e passa a desejar apenas o bem de si mesmo abandono o estado de ordenação com
que foi criado:

A soberba é, portanto, a motivação para a transgressão. É a soberba que motiva


a realização do ato do pecado original na história dos ascendentes da
humanidade. Foi por encherem-se de soberba que pecaram nossos primeiros
pais, ao transgredirem o preceito, por desobediência. Isso, preferindo a si por
vaidade que a seu Senhor. Viveram, pois, escravos dos vícios das paixões
desordenadas, por terem abandonado a ordem original com que foram criados
(DALBOM, 2017, p. 29).

Assim, o homem passa a querer apenas o próprio bem e por isso faz-se necessária
a instituição daquilo que é chamado de moral, pois o homem passa a poder fazer coisas
que não deveria e no intuito de evitar que isso aconteça a moral é instituída e Agostinho
a funda no princípio de amor contido na regra de ouro. A perca da capacidade natural do
homem de se relacionar com Deus significa a perca da capacidade natural de se relacionar
com o outro, é nesse sentido que se faz necessário o uso da regra de ouro, pois como
visto anteriormente ela é capaz de ordenar é vinculo de unidade entre sujeito, objeto e o
próprio Amor, que é Deus.
O pecado original se dá por uma má vontade que gera o mau desejo de querer ser
como Deus “no caso do pecado original, a má vontade é o que moveu o primeiro homem
32

ao ato do pecado. [...] Nisto está presente a soberba, na má vontade de querer ser como
Deus, na má vontade e no mau desejo de querer ocupar uma posição que é de seu Senhor”
(DALBOM, 2017, p. 27). Para Santo Agostinho a má vontade não tem uma causa
eficiente, mas se dá por um declínio do estado de perfeição do homem a um estado menos
perfeito:

Para o bispo de Hipona, não se deve procurar uma causa eficiente para a má
vontade, pois ela, a má vontade, começa a se configurar justamente no
momento em que o homem declina do mais perfeito ao menos perfeito, ou seja,
na medida em que a vontade, que é um bem, é corrompida e ocorre uma
defecção, uma perda. Logo, a má vontade é uma privação, ausência de algo
próprio a uma natureza e, por isso, não se devem procurar causas eficientes
para tais privações, já que seria o mesmo que querer ver as trevas por si
mesmas, esquecendo que nada mais são do que ausência de luz (GRACIOSO,
2012, p. 22-23).

Para o Santo, o mal não é consequência de uma falha na criação de Deus, ou


mesmo de um Deus mal. A grande questão é: Por que criaturas perfeitas, criadas por um
Deus perfeito podem praticar o mal?
Ao pensar sobre isso Agostinho nos dá uma de suas maiores contribuições para a
história do pensamento a sua doutrina acerca do mal. Seguindo uma inspiração
neoplatônica, a ideia de não ser, ele formula que o mal não pode ser substância, pois, se
o mal é natureza e ao mesmo tempo corrompe a natureza, ele corromperia a si mesmo
destruindo-se, diante dessa contradição o filósofo conclui que o mal ao invés de natureza
má é na verdade à ausência de uma natureza boa. Tal ideia agostiniana se exemplifica na
seguinte passagem:

O mal não é senão a corrupção ou do modo, ou da espécie, ou da ordem


naturais. A natureza má é, portanto, a que está corrompida, porque a que não
está corrompida é boa. Porém, ainda quando corrompida, a natureza, não deixa
de ser boa; quando corrompida, é má (AGOSTINHO, 2005, p. 43).

Diante disso percebe-se que o estado humano após o pecado é diferente de seu
estado anterior, há depois do pecado uma condição de miséria e instabilidade que antes
não havia, fruto do pecado e de suas consequências na humanidade. Diante dessa ideia de
corrupção o pecado deixa de ser um mal ontológico e passa a ser um mal moral que está
ligado ao livre arbítrio:

De fato, o pecado é mal voluntário. De nenhum modo haveria pecado se não


fosse voluntário. Esta afirmação goza de tal evidência que sobre ela estão de
acordo os poucos sábios e os numerosos ignorantes que existem no mundo
(AGOSTINHO, 2002, p. 38).
33

Graças à punição pelo pecado o homem é atingido tanto na sua capacidade de


conhecer, quanto na sua vontade “quando sabia, não quis agir bem e, dessa maneira, foi
privado de notar o que é bom. E, quando podia agir bem, não o quis e, assim, perdeu o
poder de praticar o bem quando quiser” (GRACIOSO, 2012, p. 23), ou seja, o homem
perde aquele estado de graça, estado de natureza, com o qual foi criado. Como
consequência direta do ato do pecado está essa incapacidade de agir e de conhecer o bem,
isso afeta a vivência da regra de ouro, já que a corrupção afeta esses âmbitos da natureza
humana que são necessários para viver a regra, é aí que entra a questão da revelação que
estudamos no 3.1 desse trabalho já que o homem não é mais capaz de conhecer nem viver
adequadamente a regra de ouro em vista da sua natureza corrompida a revelação se faz
necessária para poder conhecer a regra, mas essa corrupção afeta não só o conhecer, mas
o agir. Como já foi dito “se existe tal desordem no amor, esta não pertence nem no amor
em si, nem naquilo que é amado, mas no objeto e no modo como se ama quando há amor”
(BERNARDO, 2012, p. 57).
A deterioração da natureza humana proveniente do pecado, leva também a perca
da dignidade do mesmo como imagem de Deus, isso resulta na perca da capacidade de
amar o outro por natureza já que o homem perde a dignidade que antes seria amada, tal
queda só é superada através da graça de Cristo que ao vir como paradigma para o homem
demostra que homem é feito para à imagem de Deus que é o próprio Cristo e assim Ele
traz a restauração da natureza humana e renova a capacidade de amor ao próximo.

4.3 A RESTAURAÇÃO DO AMOR PELA ORDEM DA CARIDADE

Graças as consequências do pecado original o ser humano nasce com sua natureza
desordenada, ou seja, fora do estado de graça:

Todos os homens nascem herdando a mancha do pecado original, ou seja, com


sua natureza desordenada. Isso significa dizer que todos os homens nascem
fora do estado de graça, afastados da retidão e da ordem original para com
Deus (DALBOM, 2017, p. 67).

Isso demonstra como dito anteriormente que o homem perde sua capacidade de
agir e de conhecer: “quando sabia, não quis agir bem e, dessa maneira, foi privado de
notar o que é bom. E, quando podia agir bem, não o quis e, assim, perdeu o poder de
praticar o bem quando quiser” (GRACIOSO, 2012, p. 23), desse modo o homem passa a
34

possuir a má vontade originada pelo pecado e assim necessita de algo além de si mesmo
para superar esse mal e atingir um bem.
Depois da queda o pecado passa a ser parte da natureza humana atingindo todos
os homens que descenderam de Adão:

Para Agostinho, através da desobediência de Adão, o pecado atingiu a todos


os homens porque todos pecaram em Adão. Adão passa a ser um “universal
concreto” em que todo o gênero humano está inserido. Já que todos pecaram
em Adão, não podemos interpretar de outra maneira senão considerarmos que
há uma solidariedade natural com relação ao pecado. Toda a humanidade já
estava em Adão e, por esse motivo, toda a humanidade está condenada pelo
pecado de Adão e, assim, toda a humanidade necessitará de um remédio, a
graça de Cristo onde toda a humanidade deverá ser justificada pelo batismo
(SILVA, 2009, p. 85).

Ou seja, o pecado de Adão é o pecado da humanidade, pois toda a humanidade


está em Adão, isso se dá pelas chamadas rationes seminales16 tal teoria postula que:

Embora Deus tenha criado todas as criaturas no hexâmero ao mesmo tempo,


algumas criou completas como os anjos, a terra, o ar, o fogo, os astros, etc. E
outras incompletas, em forma de forças germinativas que brotariam e se
tornariam completas no devido tempo: “Portanto, afirmou-se então que a terra
produziu de modo causal as ervas e as árvores, ou seja, que recebeu a virtude
de produzir. Pois nela, como que nas raízes dos tempos, por assim dizer, tinham
sido feitas as coisas que existiriam durante os tempos futuros (BOEHNER;
GILSON, 2004, p. 178-179).

Ou seja, Adão como o primeiro ser humano, ao cometer o pecado e assim imputar
o mal na sua natureza acabou por transmiti-lo a todos os homens posteriores. Isso porque
Deus não produz nenhuma nova criação, mas apenas administra a criação que já foi feita
e uma das maneiras que utiliza para administrar é através das Razões Seminais, que
existem em forma de forças germinativas que brotarão no tempo. Continuando com
Agostinho:

Tão grande foi o pecado por eles cometido que a natureza humana ficou
deteriorada e com ela se transmitiu aos descendentes a sujeição do pecado e a
necessidade da morte. Todavia, o reino da morte dominou de tal forma os
homens que um merecido castigo a todos precipitaria na segunda morte, que
não tem fim, se uma graça de Deus, não merecida, disso não libertasse um certo
número (AGOSTINHO, Santo. 2011, p. 1233)

Nesse trecho a tese é melhor desenvolvida, pois, o autor afirma claramente que a
gravidade do pecado original foi tanta que deteriorou a natureza humana de modo até
mesmo a transmiti-la aos descendentes, tendo o pecado dominando a natureza humana de
tal modo que todos os homens passariam a merecer a morte.

16
“Razões Seminais”
35

Santo Agostinho fala claramente dá morte como consequência direta desse pecado
no seguinte trecho:

Essa morte, que todos nós, os nascidos de Adão, passamos a dever à natureza,
com a qual Deus ameaçou ao dar o preceito de não comer do fruto daquela
árvore, essa morte está figurada nas túnicas feitas de peles. Eles fizeram para
si túnicas com folhas de figueira, e Deus lhes fez túnicas de peles, ou seja, eles
apeteceram o prazer de mentir repudiando a beleza da verdade, e Deus
transformou seus corpos nesta mortalidade da carne, onde se ocultam os
corações mentirosos (AGOSTINHO, Santo. 2005, p. 577).

De acordo com Agostinho a partir do pecado original o homem perde a sua


liberdade de viver bem e na justiça:

Quem de nós, porém dirá que o livre-arbítrio do gênero humano pereceu com
o pecado do primeiro homem? O que pereceu foi a liberdade por causa do
pecado; mas foi a liberdade que havia no paraíso, que possuía plena justiça
junto com a imortalidade; por isso, a natureza humana precisa da graça divina,
como diz o Senhor: Se o Filho vos libertar, sereis verdadeiramente livres (Jo.
8, 36), certamente livres para viver bem e com justiça. O livre arbítrio, de tal
maneira, não pereceu por causa do pecado, pelo qual pecam todos os que
pecam com deleite e, amando o pecado, escolhem o que lhes agrada
(AGOSTINHO, Santo. 1952, p. 465).

Diante de tal situação, o homem nada pode fazer, pois com dito, perdeu a
capacidade de escolher fazer o bem e agir na justiça, mas para Agostinho o homem ainda
pode contar com a graça do Criador que regenera essa liberdade e o possibilita a
novamente buscar e permanecer no bem:

O homem, nesse caso, não tem a capacidade de, por si só, escolher voltar ao
estado original. Antes, precisa da ajuda do Criador e só ele é capaz de regenerar
a liberdade, fazendo com que ela possa novamente buscar o bem e permanecer
nele. A graça de Cristo não só restaura a natureza como também aquela
liberdade que havia perecido por causa do pecado (SILVA, 2009, p. 85).

Ao perder o dom de Deus o homem se pode contar com aquele que o concedeu
para o restituir:

[...]O dom de Deus; o homem perdeu-o por sua própria falta; só quem lho
concedeu é que lho pode restituir. Por isso diz a Verdade: Se o Filho vos
libertar, então é que sereis livres na verdade — que o mesmo é dizer: "Só
estareis verdadeiramente salvos, se o Filho vos salvar". Realmente, Ele é que
é o nosso libertador porque Ele é que é o nosso Salvador (AGOSTINHO, 2011,
p. 1272).

Ou seja, aquela liberdade que o homem perdeu ao cometer o pecado da soberba,


que o fez querer ser maior que Deus só pode ser restituída pelo próprio Deus na Pessoa
36

do Seu Filho que veio salvar a humanidade que havia sido perdida e restaurar a imagem
de Deus presente no homem.
Para Agostinho o homem tem a concupiscência que não o permite servir a Deus e
a justiça. Para vencer a concupiscência Agostinho diz que devemos estar debaixo da graça
que concedo o amor ao que a lei prescreve e não da lei que somente prescreve o bem, mas
não o concede:

Há de fato a concupiscência do pecado dentro de nós, e ela precisa ser impedida


de reinar; há desejos que precisam não ser obedecidos, ou, caso contrário, eles
reinarão sobre quem lhes obedece. Portanto, não deixemos que a
concupiscência usurpe para si mesma nossos membros, mas deixemos à
continência reivindicá-los para si, para que eles possam servir de instrumentos
da justiça de Deus e não sejam instrumentos de iniquidade para o pecado.
Desse modo, o pecado não terá domínio sobre nós; pois, não estamos debaixo
da Lei que, de fato, prescreve o bem, porém não o concede; mas estamos
debaixo da graça que, fazendo-nos amar o que a Lei prescreve, pode imperar
livremente sobre nós (AGOSTINHO, 2013, p. 194 e 195).

O amor é instrumento recorrente na filosofia de Santo Agostinho, aparecendo


sempre e de diversas maneiras, e sendo sempre regido pela regra de ouro, nessa dinâmica
o amor é o que possibilita ao homem vencer o mal do pecado original através do amor a
Lei, a Lei prescreve o bem que deve ser feito: “Portanto, tudo aquilo que quereis que os
homens vos façam de bem, fazei-o vós a eles, porque isto é a Lei e os Profetas (Mt. 7,2)”.
Essa Lei torna-se máxima moral regida pela ordenação do amor que une o homem a Deus
e tal amor só pode ser atingido após o pecado original, pela graça concedida pelo próprio
Deus.
Pode-se dizer que apesar de concupiscência ainda permanecer depois do
recebimento da graça, tal graça concede que pouco a pouco a natureza seja regenerada
até a regeneração final que é a ressurreição:

Somente a graça de Cristo no batismo pode tirar a culpa e levar para a vida
eterna. A concupiscência permanece na natureza depois do batismo, mas com
a renovação da pessoa na vida da graça, pouco a pouco será transformada até
a regeneração final da ressurreição (HILL, 2014, p. 29).

Vê-se também que é a partir do Sacramento do Batismo que o homem pode ser
regenerado por esta graça:

É pelo batismo que o homem passa a viver sob a graça divina, sob o efeito do
amor de Deus. Não por merecimento, pois o justo castigo é o merecimento da
desobediência de seu único ascendente, ao qual todo homem é descendente.
Mas pela infinita bondade de nosso Deus e Senhor, o homem batizado recebe
o resgate de sua alma, a graça de Deus, sendo conduzido por Deus à libertação
do castigo da morte eterna (DALBOM, 2017, p. 69).
37

O Batismo é o que pode conceder a graça ao homem, para que ele volte a viver
sob o amor de Deus e assim o ser humano pode ser conduzido por Deus à libertação do
castigo da morte eterna. É interessante ressaltar que para Agostinho, essa graça não é dada
por merecimento, mas gratuitamente: “Esta graça, sem a qual nem as crianças nem os
adultos podem ser salvos, não é dada em consideração aos merecimentos, mas
gratuitamente, o que caracteriza a concessão como graça. Justificados gratuitamente pelo
seu sangue” (AGOSTINHO, 1998, p. 115).
Por fim, Agostinho afirma que:

Os que tiverem feito o bem avançarão para uma ressurreição de vida"; estes
são os que viverão; "os que tiverem feito o mal avançarão para uma
ressurreição de juízo", estes são os que não viverão porque morrerão da
segunda morte. [...] há duas regenerações, [...] uma, segundo a fé, que agora se
realiza pelo batismo, e a outra, segundo a carne, que se realizará na
incorruptibilidade e na imortalidade pelo grande e último juízo
(AGOSTINHO, Santo. 2011, p. 1997).

Ou seja, apesar do pecado original manchar a imagem de Deus no homem, através


da graça da libertação concedida pelo Cristo ele ainda pode alcançar a restauração dessa
imagem e a salvação de sua alma, ou nas palavras do autor ‘os que tiverem feito o bem
avançarão para uma ressurreição de vida’, por ressurreição de vida entende-se a graça da
vida eterna, ou, a salvação da sua alma. Agostinho reconhece Jesus Cristo como
paradigma da vivência na graça, é através da imitação do Cristo que o homem é capaz de
viver na graça e assim restaurar sua dignidade outrora perdida pelo pecado.
A figura do homem afetada pelo pecado original passa a necessitar da ordenação
do amor, regra de ouro, que é dada pela graça Divina para restaurar a imagem de Deus
com a qual foi criado, mas que foi perdida no ato do pecado original, ou seja, a regra de
ouro, possibilita a vivência do amor que por si possibilita de maneira gradual a
restauração da imagem de Deus no homem. É ao perceber isso que Agostinho nota que a
dignidade do homem se dá por ele ser feito para à imagem de Deus e para ter Cristo como
seu paradigma, assim se deve amar no homem essa dignidade presente no seu
direcionamento para a imitação Divina através do paradigma que é o Cristo.
Nesse sentido, se pode perceber que o pensamento de Agostinho se desenvolve, pois a
regra que deveria reger o amor a imagem de Deus no homem, mas está foi perdida, agora
deve reger o amor a dignidade de um ser que foi feito para à imagem de Deus e que tem
Cristo como paradigma.
38

5 CONCLUSÃO

Santo Agostinho, busca fundamentar uma ética do amor partindo da ideia


de que a reflexão ética não pode deixar de considerar o amor como aquilo que move o
homem a buscar a própria realização, “a força motriz para a realização da ordem moral é
o amor que remata na caridade. Sua força orientadora é à vontade que culmina na
liberdade. Sua consumação é a ordem da caridade” (BOEHNER; GILSON, 2004, p. 188).
O amor em geral na filosofia de Agostinho é entendido como uma inclinação da
vontade ao bem “O que é o amor ou a caridade, tão louvada e exaltada pela Escritura,
senão o amor do Bem?” (AGOSTINHO, 2018, p.172)
Santo Agostinho, gera uma mudança de foco no sentido de amor, acrescentando
ao desejo a caridade. De eros, que indicava desejo, passou a ágape, que quer dizer
caridade: “É um abuso de linguagem dizer que os concupiscentes amam, assim como é
abusivo dizer que aqueles que amam são concupiscentes. Ora, o verdadeiro amor é aderir
à verdade, para viver na justiça” (AGOSTINHO, 2018, p.168). Ou seja, para o Santo
Doutor o amor só pode ser amor ao aderir a verdade para viver na justiça:

Onde conheceram essa felicidade, senão onde conheceram a verdade? Se de


fato não querem ser enganados, é porque amam também a verdade. E já que
amam a felicidade que nada mais é que a alegria oriunda da verdade, amam
certamente também a verdade (AGOSTINHO, Santo. 1997, p.177).

Como vimos através de Ratzinger o verdadeiro desafio do eros não está em vence-
lo, mas em conseguir manter uma verdadeira harmonia entre eros e ágape, só assim o
homem pode viver plenamente sua condição e estar inteiramente voltado ao amor para
assim compreender e viver a sua grandeza.
Ora ninguém ama a si, sem amar a Deus e ao próximo; nem ao próximo, sem amar
a Deus e a si; nem a Deus, sem amar a si e ao próximo. “Para Santo Agostinho, a caridade
aparece como a virtude primeira e será entendida como o fundamento de toda a vida ética”
(VIEIRA, 2014, p. 62).
Hannah Arendt (1997, p. 151), em sua leitura de Agostinho, destaca que “o amor
do próximo está ligado, conforme o mandamento da tradição, tanto ao amor a Deus como
ao amar o outro como a si mesmo (tamquam se ipsum)”. Esse amor possui uma ordenação
própria que está presente nos textos de Agostinho como a regra de ouro, nesse sentido, a
ética do amor proposta por ele está fundamentada nessa regra e investiga-la é crucial para
entender o pensamento ético do autor.
39

Sendo a regra de ouro no sentido positivo voltada ao amor do próximo e a regra


de ouro no sentido negativo voltada ao amor de Deus. É por isso que na Verdadeira
Religião Agostinho propõe uma máxima que une a regra nas suas formulações positiva e
negativa: “querer também para o outro o bem que se quer para si mesmo e não querer
para ele o mal que não se quer para si mesmo” ( AGOSTINHO, 2002, p.75). Ainda de
acordo com ele “isso serve para todos os homens, porque não se deve fazer o mal a
ninguém: “A caridade não pratica o mal contra o próximo” (Rm 13,10)” (AGOSTINHO,
2002, p.75). Ou seja, a regra tem caráter universal, serve para ordenar no caminho da
caridade a todos os homens.
No intuito de compreender melhor essa fundamentação ética do amor e que foi
preciso se deter nas duas formulações da regra abordadas por Agostinho, pois apesar de
propor essa união entre as duas formulações o autor posteriormente volta a utilizar as
formulações separadas indicando que há entre elas alguma diferença que justifica seu uso
em separado e até mesmo sua posterior união já que se fossem iguais não haveria
necessidade de unifica-las.
Para conhecer o modo como se deve amar a si e aos outros verdadeiramente foi
necessário fazer uma análise descritiva das formulações da regra de ouro em Agostinho
e como ela se dão a conhecer.
Depois disso, foi feita uma busca pelas formas de conhecimento da regra de ouro,
para entender como o homem vem a conhece-la, tendo sido identificadas duas formas de
conhecimento para a mesma uma a revelação vinda de Deus e outra a própria natureza
humana, que é dita como suficiente para existência da regra no homem, tornando a
revelação necessária apenas por causa da corrupção que houve na natureza humana em
decorrência do pecado original.
Diante dessa realidade do pecado que corrompe a natureza humana é que no
último capítulo se debruçou sobre a questão da imagem de Deus no homem e o pecado
original, onde foi dito que o homem criado com a regra em seu coração, perde a
capacidade de vive-la devido a corrupção do pecado original ele perde a liberdade em
escolher pelo bem e inclina-se ao mal da soberba e do orgulho, mas através da graça de
Deus ele pode restaurar essa liberdade para assim escolher fazer o bem e viver a regra.
Essa reflexão é essencial para saber como o homem é capaz de viver a realidade do amor
mesmo após perde-la devido ao pecado original:

Segundo Agostinho, Deus criou o homem a sua imagem e semelhança, dotado


de um corpo e uma alma. Se seguisse o movimento natural em direção ao
40

criador, seria feliz. Porém, ao contrário, se abusasse do livre-arbítrio da


vontade, desobedecendo e cedendo ao orgulho, iria morrer e tornar-se escravo.
Dessa maneira, Deus criou o homem reto. Entretanto, este se corrompeu pelo
mau uso da própria vontade. Em vez de usá-la para atingir o fim para o qual
Deus a deu, o pecado de Adão mostra que o ser humano preferiu direcionar-se
ao que era inferior do que ao bem supremo, numa atitude de orgulho
(GRACIOSO, Joel. 2012, p. 22).

Diante desse pecado que gera a corrupção da natureza humana somente a graça
pode agir para restaurar a capacidade humana de amor e de viver a regra de ouro:

Desse modo, o pecado não terá domínio sobre nós; pois, não estamos debaixo
da Lei que, de fato, prescreve o bem, porém não o concede; mas estamos
debaixo da graça que, fazendo-nos amar o que a Lei prescreve, pode imperar
livremente sobre nós (AGOSTINHO, 2013, p. 194 e 195).

O mal moral vem da livre vontade desordenada que se afasta do bem e, por isso,
torna-se má:

Logo, a má vontade é uma privação, ausência de algo próprio a uma natureza


e, por isso, não se devem procurar causas eficientes para tais privações, já que
seria o mesmo que querer ver as trevas por si mesmas, esquecendo que nada
mais são do que ausência de luz (GRACIOSO, 2012, p. 22-23).

Essa má vontade é causa de todos os males até mesmo da desordem no amor, é


por afastar-se do bem e adquirir uma má vontade que o homem passa a amar mais as
coisas que a Deus e o seu próximo.
Ao entender isso é que Agostinho toma consciência da necessidade da graça para
que o homem, no seu estado corrompido, possa alcançar na sua vontade de maneira
ordenada o bem supremo da caridade. Sendo assim há uma primazia da graça em conceber
ao homem de volta a liberdade que ele precisa para que possa verdadeiramente amar e
fruir de si e do próximo em Deus.
A ordenação do amor vista na regra de ouro, que é a conduto de vida correta a
qual o homem foi criado para viver só pode ser restaurada pela graça, ou seja, a regra de
ouro, possibilita a vivência do amor de maneira ordenada que por si possibilita
gradualmente a restauração da imagem de Deus no homem através do seu paradigma que
é Jesus Cristo.
Assim, percebe-se o desenvolvimento do pensamento de Agostinho de uma regra
que deixa de ser a que deveria reger o amor a imagem de Deus no homem, que foi perdida
e passa a ser a que deve reger o amor a dignidade de um ser que foi feito para ser imagem
de Deus e que tem Cristo como paradigma.
41

6 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

6.1 FONTES PRIMÁRIAS

AGOSTINHO, Santo. Confissões. Col. Patrística, 10. 1º Ed. São Paulo: Paulus, 1997.

_______. A Trindade. Col. Patrística, 7, 1º Ed. São Paulo: Paulus, 2018.

_______. A cidade de Deus (Vol. I). 2º Ed. Lisboa: Calouste Gulbenkian, 1996.

_______. A Cidade de Deus (Vol. II). 4ª Edição. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2011.

_______. A Cidade de Deus (Vol. III). 4ª Edição. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2011.

_______. O Sermão da montanha. Col. Patrística, 36, 1º Ed. São Paulo: Paulus, 2017.

_______. A Doutrina Cristã. Col. Patrística, 17, 1º Ed. São Paulo: Paulus, 2002.

_______. O Sermão da montanha. Col. Patrística, 36, 1º Ed. São Paulo: Paulus, 2017.

_______. A Trindade. Col. Patrística, 7, 1º Ed. São Paulo: Paulus, 2018.

_______. A verdadeira religião. Col. Patrística, 19, 19° Ed. São Paulo: Paulus, 2017.

_______. Comentário aos Salmos (51-100). Col. Patrística, 9/2, 1º Ed. São Paulo: Paulus, 1997.

_______. Sobre o Gênesis, contra os maniqueus. São Paulo: Paulus, 2005.

_______. Contra las dos epistolas de los pelagianos. Madrid: Biblioteca de Autores Cristianos, 1952.

_______. A fé e o símbolo; Primeira catequese aos não cristãos, A disciplina cristã, A continência.
Col. Patrística 32, 1º Ed São Paulo: Paulus, 2013.

_______. A Natureza do Bem. São Paulo: Sétimo Selo, 2005.

_______. A natureza e a Graça. A Graça (1). São Paulo: Paulus, 1998.

_______. Comentário ao Gênesis. Col. Patrística, São Paulo: Paulus, 2005.

CONGREGATIO PRO CLERICIS. Bíblia Sacra Nova Vulgata. Roma: Libreria Editrice Vaticana,
2002. Versão eletrônica disponível em: <http://www.clerus.org/bibliaclerus/index_por.html> Acessado
em: 17 de abril de 2019.
S. Aurelii Augustini Opera Omnia: Patrologiae Latinae Elenchus. Disponível em:
<http://www.augustinus.it/latino/index.htm.> Acessado em: 17 de abril de 2019.

6.2 FONTES SECUNDÁRIAS


ALMEIDA, Frederico Soares de. O amor como elemento fundamental na ética de Santo Agostinho.
Pensar-Revista Eletrônica da FAJE. Belo Horizonte, v.5 n.1, 2014.

ARENDTH, Hannah. O conceito de amor em santo Agostinho. Lisboa: Instituto Piaget, 1997.

BOEHNER, Philotheus; GILSON, Étienne. História da filosofia cristã: desde as origens até Nicolau de
Cusa. 9º ed. Petrópolis: Vozes, 2004.
42

BROWN, Peter. SANTO AGOSTINHO: UMA BIOGRAFIA. 10º Ed. Record, 2017.

CATAPANO, Giovanni. La regola d’oro in Agostinho. Apud: VIGNA, Carmelo; ZANARDO, Susy
(ORG.) La Regola d'oro come etica universale. Vita e Pensiero: Milano, 2005.

COSTA, Marcos Roberto Nunes. O problema do mal na polêmica antimaniquéia de Santo Agostinho.
Porto Alegre: EDIPUCRS, 2002.

DALBOM, Lucas Rodrigues. As consequências antropológicas do pecado original segundo Santo


Agostinho [livro eletrônico]: um estudo baseado na obra "A Cidade de Deus". 1.Ed. São Paulo: Paulus,
2017.

FERRARI, Márcio. Santo Agostinho, o teórico da revelação divina. 01 de outubro de 2008. Versão
eletrônica disponível em: <https://novaescola.org.br/conteudo/1683/santo-agostinho-o-idealizador-da-
revelacao-divina> Acessado em: 18 de janeiro de 2019.

G. Reale; D. Antiseri. História da Filosofia: patrística e escolástica, v. 2. Ed. - São Paulo: Paulus, 2003.

GRACIOSO, Joel. A Dimensão Teleológica e Ordenada do Agir Humano em Santo Agostinho.


Trans/Form/Ação, Marília, v. 35, p. 11-30, 2012. Edição Especial.

HILL, Joseph Murray. A DOUTRINA DO PECADO ORIGINAL À LUZ DA TEORIA DA


EVOLUÇÃO EM PIERRE TEILHARD DE CHARDIN E KARL RAHNER. 2014. Dissertação
(Mestrado em Teologia) - FAJE: Faculdade Jesuíta de Filosofia e Teologia, Belo Horizonte, 2014.
Disponível em: <http://www.faculdadejesuita.edu.br/documentos/070115-ztpI89bqtloq.pdf>. Acesso em:
15/04/2019.

LIMA VAZ, H. C. Escritos de Filosofia IV. São Paulo: Loyola, 1999.

MACHADO, Jones. ÉTICA DO AMOR DE SI E DO PRÓXIMO EM SANTO AGOSTINHO.


Trabalho de Conclusão de Curso (Graduação em Filosofia) -Universidade Católica de Petrópolis.
Petrópolis, p. 42. 2012.

PAULA, Andriely Samanda de; MELO, José Joaquim Pereira. O amor e a felicidade em Santo Agostinho
como elementos para a formação do homem. X Jornada de Estudos Antigos e Medievais II Jornada
Internacional de Estudos Antigos e Medievais – Universidade Estadual de Maringá. setembro, 2011.

RAZINGER, Joseph. Carta Encíclica Deus Caritas Est. Vaticano, 2005. Disponível em:
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RICOEUR, Paul. Leituras 1 – Em Torno ao Político. São Paulo: Edições Loyola, 1995.

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SALLES. S. S ; SILVA, J. A. N. ; OLIVEIRA, M.M . Lei natural e regra de ouro em Tomás de Aquino.
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CONTROVÉRSIA. Revista de Cultura Teológica - v. 17 - n. 66 - JAN/MAR 2009. PUC-SP São Paulo,
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Acesso em: 15/04/2019.

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Umanità. XXVIII (2006/5) 167, p. 643-659.

VARGAS, Roberto. Deus e o mal em Agostinho. Versão eletrônica disponível em: <
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janeiro de 2019.
43

VIEIRA, Carlos Alberto Pinheiro. O amor como fundamento da ordem social em Santo. PARALELLUS
Revista de Estudos de Religião – UNICAP. Recife, n. 1, jan./jun. 2010.
44

7 APÊNDICE - A REGRA DA CARIDADE NO CORPUS AUGUSTINIANUM

A tabela que se propõe a seguir estabelece uma ordem cronológica das


ocorrências da regra da caridade, em suas formulações positiva e negativa, no corpus
augutinianum. Esta tabela foi retirada de um artigo do professor Giovanni Catapano
intitulado “La regola d’oro in Agostino”17.

Nº DATA CORPUS FORMULAÇÃO


AGOSTINIANUM

1 De ordine II, 8, 25

386 Nemini faciant, quod pati nolunt.


2
De quantitate animae 33,
387 – 388 73 Nihil... velle alteri, quod sibi nolit accidere.
3
388, 1º Quisquis autem alteri facit, quod sibi fieri non
sem. De libero arbítrio I, 3, 6 velit, male utique facit.
4 De vera religione

390 Quae accidere sibi mala non vult et illi nolit.


5
Enarrationes in Psalmis
393 – 395 35, 1 Quod tibi fieri non vis, alli ne feceris.
6
De sermone Domini in Omnia ergo quaecumque vultis ut faciant vobis
394 – 395 monte II, 22, 74 homines bona, ita et vos facile illis.
7
De sermone Domini in Omnia ergo quaecumque vultis ut faciant vobis
394 – 395 monte II, 22, 75 homines, ita et vos facite illis.
8
De sermone Domini in Omnia ergo quaecumque vultis ut faciant
394 – 395 monte II, 24, 81 vobis homines, haec et vos facite illis.
9
De doctrina christiana III,
397 14, 22 Quod tibi fieri non vis, alii ne feceris.
10

397 – 400 Confessiones I, 18 Id se alteri facere quod nolit pati.


11
Ipsa naturali lege, qua iniuste alteri facias,
400 – 402 Manichaeum 15, 7 quod tibi ab altero fieri non vis, advertis.

17
As formulações da regra estão em latim.
45

12
403: mar – Enarrationes in Psalmis
15/set 32, 6 Non facias alli quod pati non vis.
13
403: Enarrationes in Psalmis
1ºq.dez 84, 12 Non facias alii quod tu pati non vis.
14
403: Enarrationes in Psalmis Quod tibi non vis fieri, ne facias alteri; quod
2ºq.dez 57, 1 ergo tibi nos vis fieri noli alteri facere.
15
403: Enarrationes in Psalmis
2ºq.dez 57, 2 Quod tibi nos vis fieri, alii ne feceris.
16

403 – 404 Sermo 9, 14 (16 – 18) Quod tibi fieri nos vis, alii ne feceris.
17

403 – 404 Sermo 9, 15 Quod tibi fieri nos vis, alii ne feceris.
18
403 – 404 Sermo 9, 16 Quod tibi fieri nos vis, alii ne feceris.
19
Enarrationes in Psalmis
404-405 140, 18 Non facit alteri quod pati non vult.
20
A partir de Quaecumque non vultis fieri vobis, nolite
412 Sermo 260 facere aliis.
21 Quae vultis ut faciant vobis, homines bona,
412: Enarrationes is Psalmis haec et vos facite illis; quod in se non vult fieri,
inverno 51, 10 non debet facere alteri.
22
In Iohannis evangelium Quod tibi non vis fieri, alii ne feceris; quod nos
414 tractatus 49, 12 vis pati, facere noli.
23
Ne mali aliquid faciat quisque alteri, quod pati
44 Epistula 157, 3, 15 ipse non vult.
24

415 Sermo Dolbeau 19, 7 Quod tibi non vis, alio... ne feceris.
25

415-420 Sermo 306, 10, 9 Quod pati non vis, noli facere.
26
Omnia quacumque vultis faciant vobis
416-418 De Trinitate homines bona, haec et vos facite illis.
27
Quaecumque vultis ut faciant vobis homines,
418 De civitate Dei XIV, 8, 2 eadem et vos facile illis.
28
420 – 421, Contra duas epistulas
inv. Palagianorum III, 4, 13 Aliis facientes, quod fieri noluissent.
29
420 – 421,
inv Contra Iulianum IV, 3, 25 ...ut aliis non facerent quod perpeti nollent.
46

30
420 – 421,
inv. Contra Iulianum IV, 7, 30 Noli ergo facere quod pati non vis.
31
Speculum “Quis ignorat” Quod ab alio odis fieri tivi, vide ne alteri tu
427? 24, 279 aliquando facias.
32
Speculum “Quis ignorat” Omnia ergo quaecumque vultis ut faciant vobis
427? 25, 284 homines et vos facite eis.
33
Speculum “Quis ignorat” Prout vultis, ut faciant vobis homines, facite
427? 27, 307 illis similiter.

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