Você está na página 1de 5

7) NEUROPSICOLOGIA DA LINGUAGEM

- A neuropsicologia da linguagem é uma área ampla que investiga:


* as bases neurobiológicas da linguagem
* a aquisição da linguagem
* o processamento cognitivo-linguístico (oral e escrito)
* os déficits linguísticos, adquiridos ou do desenvolvimento
* a avaliação e a reabilitação

- Afasias: alterações adquiridas mais frequentes em lesões neurológicas


- Linguagem: habilidade cognitiva complexa, importante para a socialização e a comunicação
humana – sistema estruturado de comunicação
- Distúrbios de linguagem adquiridos: interferem de forma significativa nas habilidades
comunicativas, sociais, laborais e de (re)integração à sociedade
1°) Compreensão verbal  reconhecimento e compreensão receptiva e de decodificação do
input linguístico - inclui a audição e a leitura
2°) Codificação expressiva e produção  inclui fala, escrita e sinalização

- Níveis de processamento da linguagem:


a) Semântico: refere-se ao significado das palavras ou ideias veiculadas
b) Fonético: compreende a natureza física da produção e da percepção dos sons da fala
humana
c) Fonológico: corresponde os sons da fala/linguagem (fonemas)
d) Morfológico: diz respeito às unidades de significado - palavras ou partes de uma palavra
(morfema)
e) Lexical: envolve compreensão e produção de palavras (Léxico é o conjunto de palavras em
uma dada língua ou no repertório linguístico de uma pessoa)
f) Sintático (gramática): refere-se às regras de estrutura/organização da linguagem, às funções
e às relações das palavras em uma oração
g) Pragmático: compreende o modo como a linguagem é usada/aplicada e interpretada,
considerando as características do falante e do ouvinte, bem como os efeitos de variáveis
situacionais e contextuais – contexto/uso social
h) Prosódico: integra a habilidade de reconhecer, compreender e produzir significado afetivo
ou semântico com base na entonação, na ênfase e em padrões rítmicos da fala

- Processo de reconhecimento e compreensão das palavras: (modelo interativo)


* Informação sensorial da palavra-alvo: sensação/estimulação sensorial -> processamento
botton-up
* Informação contextual e processos de percepção (expectativas, contexto, memória e
atenção do ouvinte/leitor) -> processamento top-down

- A expressão e a compreensão de sentenças possuem mecanismos cognitivos amplamente


distribuídos
- Muitos estudos de casos apresentam dissociação entre o processamento sintático e
semântico -> o paciente pode não compreender a relação entre as palavras em uma frase
(processamento sintático), mas saber seus significados isoladamente (processamento
semântico)
- A compreensão de sentenças pode depender da preservação da memória de trabalho
(operacional)
- Os modelos de processamento do discurso apresentam diferentes níveis de processamento e
envolvem processos cognitivo-linguísticos bastante complexos
- Em termos de compreensão da linguagem escrita:
1°) processamento das palavras e frases contidas no texto
2°) Os significados das palavras são combinados, formando a microestrutura do texto
- Microestrutura + macroestrutura (estrutura mais global do texto) = formação do texto-base,
que representa o significado do texto (conteúdo explícito)
- Ocorre a integração da informação do texto (conteúdo explícito) com o conhecimento prévio
relevante ou a representação de mundo, incluindo a capacidade de fazer inferências ->
interpretação do conteúdo implícito

PRODUÇÃO DO DISCURSO: é um processo cognitivo que consiste na construção, alocação e


atualização das representações mentais dos eventos e do contexto de comunicação, incluindo
a seleção de informação relevante dessas representações e do conhecimento geral 
evidencia-se as relações entre linguagem, memória e funções executivas

CONSIDERAÇÕES SOBRE AS BASES NEUROBIOLÓGICAS DA LINGUAGEM


- Hemisfério cerebral esquerdo (HE): importante para o processamento da linguagem, tanto
oral como escrita
- Historicamente, os estudos de Paul Broca e Carl Wernicke (século XIX) relacionaram déficits
de linguagem à regiões frontal e temporal -> perspectiva localizacionista
- Hoje, observa-se que nem sempre as dificuldades dos quadros afásicos estão relacionadas a
locais de lesão específicos
- O localizacionismo não explica por que pacientes com um mesmo local de lesão manifestam
características linguísticas diferentes
- Não há locais específicos de lesão para cada síndrome afásica  redes neurais responsáveis
pelos processamentos fonológico, sintático e semântico
- Giro frontal inferior: processamento fonológico e semântico
- Área auditiva primária: compreensão de sílabas
- Área motora: responsável pelos movimentos da boca

- Afasias de Wernicke: áreas 22, 37 e 42 de Brodmann


- Afasia transcortical sensorial: áreas 22 e 37 de Brodmann
- Afasia anômica: áreas 21, 22, 37 e 42 de Brodmann
- Surdez cortical de sons ou palavras: projeções talâmicas
auditivas (área 21 de Brodmann)
- Disgrafias e dislexias adquiridas, compreensão reduzida,
anomia e memória operacional verbal deficitária: segmentos
anterior e posterior do fascículo arqueado (áreas 39 e 40 de
Brodmann)

- Afasia subcortical: pode ocorrer devido à desconexão cortical


- A maioria das afasias subcorticais acontece após lesões extensas que compreendem a
substância branca subcortical, frequentemente envolvendo o estriado  quando as afasias
acometem apenas as estruturas subcorticais, muitas vezes se apresentam mais sutis

- Hemisfério cerebral direito (HD): armazena os aspectos prosódicos de produção da fala e os


componentes lexicais de reconhecimento visual das palavras
- Esse hemisfério é responsável principalmente pelas funções discursivas, pragmáticas,
inferenciais, léxico-semânticas e prosódicas
- Pacientes com lesão no HD podem apresentar, ainda, déficit na produção ou no
reconhecimento emocional de faces ou do som das vozes
AFASIAS
- É definida como a perda ou a deficiência da linguagem expressiva e/ou receptiva, provocada
por um dano cerebral - geralmente no HE
- O diagnóstico de afasia é realizado a partir do desempenho do paciente em tarefas de
linguagem oral e escrita que avaliam: compreensão, expressão, nomeação e repetição nos
níveis da palavra, da sentença e do discurso
- O prognóstico da afasia depende da gravidade inicial dessa manifestação clínica, da extensão
e do local da lesão cerebral

[ABORDAGEM SINDRÔMICA]
- Os pacientes podem apresentar afasia do tipo fluente (lesões posteriores) ou não fluente
(lesões anteriores)
* Afasias fluentes: fala fluente e articulação relativamente normal, mas dificuldades em
compreensão verbal e repetição e presença de parafasias
Ex: afasias de Wernicke, de condução, anômica e transcortical sensorial
* Afasias não fluentes: a compreensão verbal é relativamente preservada, mas há problemas
na produção da linguagem e articulação
Ex: afasias de Broca, transcortical motora, transcortical mista e global

[ABORDAGEM NEUROPSICOLÓGICA]
- A avaliação e a análise dos déficits linguísticos podem seguir a abordagem da neuropsicologia
cognitiva, que baseia seus estudos nos modelos do processamento da informação, buscando
identificar componentes preservados e alterados em cada caso em particular

Afasia de Broca
- Fala espontânea e repetição de sentenças não fluentes
- Melodia e agilidade articulatória alteradas, menor número de palavras por minuto, produção
de sentenças agramáticas
- Anomias associadas à relativa preservação da compreensão da linguagem
- Dificuldades na associação fonema-grafema na leitura e na escrita de palavras não familiares
e maior dificuldade em nomear verbos do que substantivos
- Déficit de expressão da linguagem ser mais preponderante, há também dificuldades na
compreensão de sentenças, que podem estar relacionadas aos processos léxico-semânticos

Afasia transcortical motora


- É identificada nos pacientes que apresentam melhor desempenho na repetição de sentenças
do que na linguagem espontânea
- Geralmente, a fala é lenta, com pouca iniciativa, estando a compreensão preservada
- A leitura pode apresentar pouco ou nenhum déficit, enquanto a escrita mostra-se lentificada,
tal como a fala

Afasia transcortical mista


- Maior dificuldade em compreender sentenças e em nomeação, mas com preservada
capacidade de repetição
- A expressão da linguagem mostra-se prejudicada, sendo comuns as estereotipias e a ecolalia
- As habilidades de leitura e escrita mostram-se deficitárias

Afasia global
- A fala espontânea consiste em estereotipias e perseverações, em que a compreensão
mostra-se severamente prejudicada
- A repetição mostra-se comprometida, embora algumas palavras possam ser corretamente
repetidas
- A afasia global é um dos mais graves quadros afásicos, havendo prejuízo severo na expressão
e na compreensão da linguagem, tanto oral quanto escrita

Afasia de Wernicke
- Caracteriza-se por linguagem expressiva espontânea e repetição fluentes, mas desprovidas
de sentido (jargão), além de comprometimento da compreensão de palavras, sentenças e
conversação
- Os prejuízos na compreensão da linguagem parecem refletir inabilidade de acessar, usar ou
manipular informações semânticas, mais do que uma perda nas representações semânticas
das palavras

Afasia de condução
- Linguagem espontânea relativamente fluente, adequada compreensão, mas dificuldade na
repetição, que pode ser observada de modo inconsistente
- Observam-se maiores erros na repetição de palavras de baixa frequência ou de estrutura
fonológica complexa e em pseudopalavras, sendo recorrentes as parafasias fonológicas e
verbais
- Os pacientes com afasia de condução são geralmente conscientes de seus problemas de fala,
o que muitas vezes leva-os a repetitivas autocorreções

Afasia anômica
- A linguagem expressiva mostra-se fluente, com adequadas compreensão, repetição e
articulação, mas dificuldade na evocação lexical, que ocorre geralmente na linguagem
espontânea, e que pode ser menos evidente na denominação por confrontação visual
- Os afásicos com anomias não conseguem acessar a informação fonológica e/ou ortográfica
da palavra, apesar de acesso semântico intacto
- A escrita mostra-se semelhante à linguagem oral, com erros do tipo paragrafia, enquanto a
habilidade de leitura parece estar adequada

Afasia sensorial transcortical


- Discurso fluente, com dificuldade na compreensão, sendo observadas as parafasias
semânticas, dificuldades em encontrar palavras (anomias) e circunlóquios
- A nomeação e a leitura de palavras são adequadas, embora o paciente possa não
compreender o que leu

AVALIAÇÃO DA LINGUAGEM EM UMA ABORDAGEM NEUROPSICOLÓGICA


- A avaliação deve ser direcionada pelas hipóteses formadas na observação, sendo, portanto,
um processo cíclico, em contínua revisão de hipóteses, até fornecer bases suficientes para a
reabilitação
- Na entrevista: investigar hábitos de leitura e de escrita para além do nível de escolaridade,
buscando informações sobre fatores individuais e socioculturais que podem impactar na
comunicação
- As tarefas selecionadas para avaliar a linguagem oral e escrita geralmente envolvem:
a) expressão: linguagem espontânea, linguagem automática, nomeação, repetição
b) compreensão: nos níveis de palavras, frases e discurso

Teste de Nomeação de Boston


Teste de Fluência Verbal Semântica (Categoria Animais)
Teste de Vocabulário por Imagens Peabody
Token Test
CONSIDERAÇÕES FINAIS
- A linguagem precisa ser avaliada em conjunto com as demais funções neuropsicológicas
(como atenção, memória e funções executivas)
- A comunicação envolve a participação integrada de muitas funções, e os distúrbios de
linguagem, como as afasias, podem ocorrer concomitante ou secundariamente a esses déficits
- Deve-se considerar a influência das variáveis sociodemográficas, como idade, escolaridade e
contexto socioeconômico e cultural, no desempenho de adultos nas tarefas empregadas

Você também pode gostar