Este problema é dos que mais preocupa e ao mesmo tempo mais desarmoniza os
pensadores. O que é forma de Estado para uns, não é para outros; o que constitui forma de
governo para estes, constitui forma de Estado para aqueles; enfim, uma farândola de
conceitos em desfile, em troca de passes que certamente não poderá deixar de confundir,
até quase ao desespero, o iniciando da Política. Por isso mesmo, com a prevenção de que o
esquema que desenhamos só representa um enunciado tão relativo como muitos outros,
vamos procurar alinhá-lo na sequência coerente do que até ao momento tem vindo a ser
afirmado neste livro. O leitor tem efectivamente visto que não perdemos um «norte»
orientador: — o de estabelecermos o relacionamento constante entre a base económica e a
estrutura política da sociedade organizada.
É óbvio que devemos começar pelo Estado — isto é, pelas formas do Estado. Só depois
olharemos as formas do governo. Mas antes de mais, precisamente em conformidade com a
posição relacional que existe entre a estrutura económica da base e a estrutura política da
cúpula, afigura-se-me indispensável distinguir os tipos de Estado das formas do Estado.
Através dos seus tipos e formas — tanto dos que existiram noutros tempos como dos
actuais — os Estados apresentam-nos um quadro extremamente diversificado. O que seja
isto de tipos e de formas, veremos já do que se trata. Mas de imediato basta-nos evocar as
diferenças — quer de formação económico-social, quer de organização e funcionamento do
poder político — em todo um bem complexo panorama realizado ao longo dos séculos. Eis
então os esquemas específicos dos impérios da Babilónia, da Assíria e do Egipto; das
repúblicas gregas e do império romano; ainda das monarquias medievais; das repúblicas
parlamentares modernas; e, no ponto final deste roteiro histórico, os das repúblicas
socialistas do nosso tempo (União Soviética, democracias populares da Europa oriental,
República Popular da China, além de outras mais).
Haverá, decerto, um dado convencionalismo no uso que fazemos do vocábulo tipo para
significar esta ou aquela realidade, e do vocábulo forma para aquela e aquela outra. Seja
porém como for, assentaremos no seguinte:
— O tipo de Estado define-se pela classe social que o Estado protege e satisfaz
economicamente. O tipo de Estado corresponde, enfim, a uma determinada formação
económico-social. E daí resulta podermos afirmar que até hoje a História conheceu três
grandes tipos de Estado baseados na exploração do trabalho alheio;
Estado esclavagista
Estado feudal
Estado capitalista
Estado socialista.
Em face do que ficou dito, podemos concluir que necessariamente o tipo de Estado varia
conforme varia o carácter das relações de produção que lhe estão na base. O tipo de Estado
expressa, consequentemente, o seu carácter de classe. O esclavagismo, por exemplo, teve
no Egipto a forma oriental da monarquia despótica sob o governo dos Faraós; em Atenas, a
forma da democracia; em Roma, primeiramente a de república democrática, mais tarde a de
império. Pois apesar de semelhante variedade, a essência de todos estes Estados (o seu tipo)
era a dominação da classe dos esclavagistas sobre os escravos. Em conclusão, isto será o
que havemos de reter: — que, dentro do quadro geral de cada tipo de Estado, podem
ocorrer diferentes formas de Estado. Distintamente do que acontece com o tipo (que tem
uma base económica de diferenciação), a forma fala-nos da ordenação jurídica dos órgãos
do poder, do governo, do seu regime político. E conforme este critério nós poderemos
descobrir uma gama diferenciada ou particularizada das formas que desde há milénios os
pensadores têm ensaiado sistematizar.
Em «oligarquia» para designar o facto de o poder estar concentrado num restrito número de
pessoas (a oligarquia quando é exercida por homens da finança e do dinheiro chama-se
plutocracia); e aludimos a «oclocracia» para referir aquela democracia onde o poder do
povo se encontra delegado em gente inferior ou incapaz, ou quando o poder passa a ser
irreflectidamente usado pela multidão.
Montesquieu faria no século XVIII uma classificação que se aproxima essencialmente dos
ensinamentos que encontramos nos filósofos da antiga Grécia. Na sua famosa obra «O
Espírito das Leis», de 1748, ele distinguiu três formas:
Monarquia
Despotismo
Atendendo a um critério ainda muito comum nas últimas décadas, a distinção mais vulgar
(aliás correspondente a formas vigentes na Europa, na Ásia e em África) é a que opõe duas
formas de Estado:
Monarquia — quando a chefia do Estado é exercida por pessoa não eleita pelo povo.
A república é forma mais democrática que a monarquia, não obstante haver Estados em que
se combinam os traços característicos de ambas as formas. Por exemplo, na monarquia
constitucional o poder do rei ou do imperador está restringido pelos limites definidos na
Constituição Política respectiva. Aliás, dessa maior tendência para a realização prática do
democratismo provém o facto de as monarquias estarem a desaparecer, limitando-se hoje a
alguns Estados da Europa (Inglaterra, Bélgica, Holanda, Suécia,...) a alguns da Ásia (Pérsia,
Sião,...) e a um ou outro de África (Marrocos...). Neste sentido, e sem risco de erro,
poderemos dizer que a tentativa de Franco para manter as instituições implantadas na
sequência da Guerra Civil Espanhola (1936-1939) através de uma restauração monárquica é
caminho a que não correspondem as necessidades políticas da nossa época, e ao qual
poderá vir a corresponder um drama irrecusável num futuro mais ou menos próximo.
Como se vê, a questão das formas do Estado tem a maior importância. Só analisando-a
percebemos que o Estado de tipo burguês capitalista, qualquer que seja a sua forma, é
sempre um instrumento da burguesia. É uma arma que a burguesia emprega para manter
submetidas as massas trabalhadoras. Mesmo assim, porém, o Estado democrático-burguês
foi um passo adiante em comparação com outras formas anteriores. Sob a dominação da
burguesia, quanto mais democrática for a forma do Estado, mais propícias resultarão as
condições para o progresso social, para os avanços da cultura e da ciência, para a luta das
massas trabalhadoras contra o jugo da exploração capitalista.
Nos tempos das monarquias absolutas afirmava-se que a soberania era um atributo do rei.
Como se sabe, «rei», «monarca» (mono— arca = chefe único) ou «soberano» eram palavras
sinónimas. Ao contrário, nas repúblicas e nas monarquias constitucionais diz-se que a
soberania pertence ao Povo ou, como afirmou o art.° 71.° da Constituição Política do
regime fascista português, que a soberania «reside em a Nação» (sic). Falando nós de
poderes do Estado, parece-nos oportuno esclarecer o que é, o que representa a soberania e,
enfim, o que significa dizer-se que este ou aquele são Estados soberanos.
Mas a soberania interna não passa de ser o poder do Estado, o jogo do aparelho repressivo
do Estado como domínio de uma classe sobre outra. E a soberania externa constitui a já
referida independência jurídica do Estado na sociedade internacional. Trata-se assim, do
ponto de vista político, de um conceito sem interesse. Estamos de pleno acordo com uma
voz que, citada aqui neste livro, tem de ser ouvida como absolutamente insuspeita. Refiro-
me a Jacques Maritain, o pensador católico, o qual, a págs. 44 de «L'Homme et l'Etat»
escrevia há anos:
— «Na ordem política e em relação aos homens ou órgãos encarregados de guiar os povos
para os seus destinos terrestres, não existe uso válido para o conceito de soberania»..
Não vemos senão, como real e verdadeira, esta dicotomia de formas de Estado:
Posto isto, torna-se-nos agora fácil a análise da questão das formas de governo. Mas sem
esquecermos esta asserção fundamental: — que tais formas estruturais, como regime
político concretamente estabelecido pela classe dominante, são inseparáveis das formas de
Estado.
Porém, tais poderes não são isolados. Têm entre si várias formas de convivência e as mais
genericamente praticadas são duas: — a forma presidencial e a forma parlamentar. Na
primeira, que é a do chamado presidencialismo, o governo é assumido propriamente por
uma só pessoa, o presidente da República, que congloba simultaneamente a chefia do
Estado e a chefia do governo, representando os seus ministros a mera função de auxiliares
ou executores das decisões presidenciais (caso, por exemplo, dos Estados Unidos da
América do Norte). Na segunda, conhecida por parlamentarismo, o «gabinete», formado
pelo Primeiro-ministro e pelo conselho de Ministros, não depende estritamente do chefe do
Estado pois governa ou cai consoante tem ou não o apoio da maioria parlamentar.