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Direção Geral
Rafael de Castro
Músicas originais
Thiago Gimenes
PRÓLOGO – O NASCIMENTO
[POVO 2]
Uma bruxa
[POVO 3]
Uma fada
[POVO 2]
Feiticeira!
[POVO 3]
Anjo!
[POVO 1]
Olhai… Tem um cordão no pescoço da desgraçadinha!
[POVO 2]
O que é isso?
[POVO 4]
Um amuleto, somente!
[POVO 3]
Um talismã mágico!
[POVO 1]
Fetiche da desgraça!
[POVO 4]
Vede, é só um peque brasão.
[POVO 1]
Parece uma caldeira…
[POVO 2]
Bruxa!!!
[POVO 1]
Feiticeira!!!
[POVO 2]
Tem algo em letras douradas escrito nele… (arranca o amuleto das mãos da outra)
[POVO 2]
Feiticeira
[TODOS]
Bruxa!!! Bruxa!!! Bruxa!!!
Revolta e gritos gerais. A mulher que segura o cordão atira-o longe. Nesse
momento há uma pequena explosão. Silêncio total.
Música cresce com a explosão e depois modifica-se para uma melodia muito suave e
angelical. Luz vai – sincronizada com a música – abrindo-se lentamente e descortinando
um cenário de fantasia e sonho. O que parecia, durante a tempestade, um cenário em
ruínas, agora se mostra um lugar bonito e aprazível. Pode ser uma noite estrelada de lua
cheia, árvores floridas, uma chuva de pétalas, enfim, o que plasticamente melhor se
apresentar para a resolução da cena. O povo todo incrédulo, vai se afastando, abrindo
em círculo, até sair de cena. Todos vão saindo estupefatos diante do acontecimento, um
feito extraordinário que julgam ser magia ou bruxaria da menina.
Palco vazio de gente. Mata: Noite de lua e estrelas. Entra em cena uma velha,
pobremente vestida, chamando pela menina. Procura-a exaustivamente pelo
espaço todo.
[VELHA]
Miranda…! Miranda…! Miranda…!
[VELHA]
Estou morrendo… Ai estou morrendo, Mirandaaaaa! Vais me deixar aqui morrendo
sozinha, minha menina…?
[MIRANDA]
Olha, parecem diamantes na noite.
[VELHA]
Não suporto mais o fardo de criar-te.
[MIRANDA]
Coisinhas luminosas…
[VELHA]
Só me trouxeste infortúnio e desgraça.
[VELHA]
Não sou tua mãe, já disse!
Tempo. A menina brinca um pouco com a rede de pirilampos como quem faz
que não ouviu o que foi dito. A velha chora. Depois de um tempo a menina
ganha coragem e, ainda meio assustada, lhe dirige a palavra.
[MIRANDA]
Por que estás me dizendo isso?
[VELHA]
Por que chegou a hora de te contar a verdade.
[MIRANDA]
Não precisa mãezinha, sou muito feliz assim…
[VELHA]
Feliz? És uma pobre coitada, igual a mim.
[MIRANDA]
Não me contes nada. Prometo que nunca te farei perguntas, minha mãe.
[VELHA]
Sou uma velha, não vês? Como poderia ser tua mãe?
[VELHA]
Ah! Como fui tola quando imaginei que um dia poderia ser recompensada pelo trabalho
que tive em criar-te.
[MIRANDA]
…
[VELHA]
Quem há de me pagar as noites em claro, quando choravas e gritavas como se o mundo
fosse acabar? As incontáveis horas de vigília quando adoecias em febre de quase morrer?
O pão que por milhares de vezes me roubaste da boca?
[MIRANDA]
Por favor, mãezinha, não…
[VELHA]
Eu não sou tua mãe! És filha de um diabo qualquer!
[MIRANDA]
Sob a luz das estrelas desta noite triste, que me roubou pra sempre a mãe que não era
mãe e me deixou sozinha na vida, escondo-me dentro destas vestes de homem. E, assim,
parto mundo afora em busca do meu destino!
[FIG. 1]
Um forasteiro!
[TODOS]
Ohhhhh!!!
[FIG. 2]
Parece um sargento desgarrado da tropa.
[FIG. 3]
Desviado do rumo…
[FIG. 4]
Sargentinho tresmalhado! (riem)
[FIG. 5]
Hum… Belo sargento, diga-se de passagem.
[FIG. 6]
É… Como há muito não se via por aqui.
[FIG. 7]
Sejas muito bem vindo, sargentinho.
[TODAS]
Hum… (riem)
No geral:
[FIG. 1]
Que viestes fazer nestas terras, estrangeiro?
[FIG. 5]
Procuras por algo, jovem peregrino?
[MIRANDA]
Sou um simples andante em busca do meu destino. Eu e mais o meu cavalo.
[FIG. 4]
Hum… Belo cavalo também, diga-se só de passagem.
[FIG. 7]
E como te chamas, gentil romeiro?
[MIRANDA]
Miranda, ao vosso dispor.
[FIG. 3]
Miranda…?
[FIG. 2]
Então… Viva o Sargento Miranda, não é?
[TODOS]
Viva!!!
[ATOR 1]
Vive enclausurado em seu quarto, sem comer nem beber, olhando com melancolia infinita
pela janela afora. Parece até que espera algo misterioso acontecer…
[ATOR 1]
Talvez espere por alguém!
[TODOS]
Por quem será que espera o rei?
[ATOR 1]
Pela morte, dizem uns. Pela vida, outros dirão.
[TODOS]
Pela morte ou pela vida uns e outros dirão.
[ATOR 1]
Sua esposa, a rainha má, como é chamada pelo povo, aguarda ansiosamente a sua morte
pois quer ver o filho vestindo a coroa real.
[TODOS]
Uuuuuuuu!!!
[ATOR 1]
E o povo vaia a rainha.
[TODOS]
Uuuuuuuu!!!
[ATOR 1]
E o povo rejeita a rainha má!
[TODOS]
Foraaaaa!!!
[ATOR 1]
Mas seu filho, o príncipe herdeiro, que também é dono de um generoso coração, não
concorda com a mãe. Deseja a qualquer custo salvar o rei da longa angústia que o
aprisiona nas trevas do esquecimento. Quer descobrir o mistério que se esconde nos olhos
tristes do pai.
[TODOS]
Que mistério se esconde nos olhos tristes do rei?
[ATOR 1]
Quer descobrir o segredo do pai.
[TODOS]
Qual o segredo do rei?
[ATOR 1]
Para tanto, resolveu o belo príncipe proclamar.
Todos aplaudem.
[ATOR 1]
Mas a rainha má, por ora detentora absoluta do poder, só permitiu que o filho anunciasse
aos quatro cantos o edital que acabastes de ouvir, com uma condição:
[ATRIZ 2]
Um adendo de minha própria autoria.
[ATOR 1]
Escrito em letras bem pequenininhas, para ninguém prestar atenção:
[ATRIZ 2]
Fica decretado também, que aquele que não conseguir a solução do problema será por
mim severamente punido e condenado a morte.
[TODOS]
Uuuuuuuu!!!
[ATOR 1]
Bem… É preciso acrescentar aos incautos, que todos os jovens destemidos que até agora
ousaram a proeza, morreram. Todos.
[TODOS]
Ohhhhh!!!
[ATOR 1]
Alguém deseja candidatar-se?
[ATOR 1]
Algum candidato?
[ATOR 1]
Muito bem, jovem sargento, desejas candidatar-te?
[ATOR 1]
Sim. Qual o teu nome?
Miranda, embaraçada, olha para o cavalo que acena um “sim” com a cabeça.
[ATOR 1]
Como te chamas destemido guerreiro?
[MIRANDA]
Miranda…
[ATOR 1]
Então, Miranda? Aceitas o desafio?
Ela olha novamente para o cavalo que confirma insistentemente com a cabeça.
Depois olha para todos e, por fim, decide-se.
[MIRANDA]
Aceito. Digo que sim. Vou descobrir o segredo do rei.
CENA 3 – A ENTREVISTA
[RAINHA]
É o teu nome que clamam pelas ruas, vilas e aldeias? Mas o que viram em ti? És franzino,
pobre, mal vestido. E tens ares de estúpido.
[MIRANDA]
…
[RAINHA]
Deixa-me ver os teus dentes… (agarrando seu rosto como quem investiga um animal)
Hum… (empurrando-a) Cheiras a cavalo! Francamente: Não entendo! És nojento, mal
apessoado e ainda fedes! Afinal, o que viram em ti?
[MIRANDA]
…
[RAINHA]
Vamos, agora mostra-me as mãos!
[RAINHA]
O que?
[MIRANDA]
Não vim aqui para ser examinado.
[RAINHA]
Como? És petulante e insolente, além de fétido?
[MIRANDA]
Perdão, senhora. Não foi o que eu quis dizer…
[RAINHA]
Acaso tens o consentimento dos teus pais para morreres tão rapazinho ainda?
[MIRANDA]
Não vim aqui para morrer.
[RAINHA]
É o que veremos. Tens, ou não tens, o consentimento?
[MIRANDA]
Não tenho pai nem mãe. Sou sozinho no mundo.
[RAINHA]
Oh, pobrezinho. Por isso é que cheiras mal. Também pudera: enjeitado de pai e mãe!
Deves ter sido criado dormindo na lama entre caranguejos e escorpiões.
[MIRANDA]
…
[RAINHA]
Deves ter sobrevivido comendo mato e animais peçonhentos, não é?
[MIRANDA]
…
[RAINHA]
Afinal, o que queres na minha casa?
[MIRANDA]
Vim para falar com o príncipe.
[RAINHA]
Ah! Então não sabes que tens que obter a permissão da rainha? Esqueceste que neste
palácio quem dá as ordens sou eu?
[MIRANDA]
Desculpai-me, senhora. Submeto-me a todas as provas, tarefas e tudo o que Vossa Alteza
determinar.
[RAINHA]
Não sejas ridículo. Não passa de uma lástima!
[MIRANDA]
Vim para salvar o rei, senhora.
[RAINHA]
Presunçoso! Orfãozinho maltrapilho! Não te enxergas? Não vês que não tens préstimo pra
nada?
O cavalo de Miranda, que por várias vezes conteve o desejo de avançar sobre a
rainha, nesse momento, já não aguentando mais a humilhação sofrida pela
menina, começa a escoicear o chão, bem próximo da rainha.
[RAINHA]
O que é isso? O que se passa com teu cavalo?
[RAINHA]
Então contenha-o!
[MIRANDA]
Não posso. Ele não suporta o perfume doce da aristocracia.
[RAINHA] (olhando para Miranda sem saber ao certo se entendeu o que ela
disse)
O quê?!
[MIRANDA]
Ele tem alergia a hipocrisia e falsidade. (diz isso e se diverte com a própria resposta)
[RAINHA] (possessa)
Desaparece da minha frente! Fora! Rua!
[RAINHA]
Vou chamar os guardas. Fora do meu palácio, os dois, já!!!
[RAINHA]
Mas o que é isso agora?
[MIRANDA]
É a voz do povo nas ruas.
[RAINHA]
Mas o que querem gritando assim na minha porta?
[MIRANDA]
Clamam por justiça. Querem o rei no trono novamente.
[RAINHA]
Ora, o rei está maluco, não pode mais governar.
[MIRANDA]
Eles acreditam que o rei pode curar-se.
[RAINHA]
Ah, é? E quem vai operar esse milagre?
[MIRANDA]
Vosso povo me elegeu para realizar essa tarefa.
[RAINHA]
Tu? Não é possível! O que será que essa gente viu em ti…? Um João ninguém sem eira
nem beira que cheira a cavalo!?
[MIRANDA]
Acho melhor que me deixes tentar curar o rei…
[RAINHA]
Guardas! Guardas!
[MIRANDA]
Talvez assim os ânimos se acalmem…
[MIRANDA]
Caso contrário, revoltados, poderão querer pular os muros… Invadir o castelo…
Tempo.
[RAINHA]
Está bem, está bem! Mas fica longe de minhas vistas. Hospeda-te na estrebaria junto dos
teus amigos cavalos. E some daqui com esta besta-fera antes que eu…
Faz um gesto de quem vai esmurrar o companheiro da menina, mas ele ameaça
dar-lhe um coice e ela, histérica, grita e sai correndo. Miranda suspira, sorrindo
pela vitória conquistada, toma a rédea do cavalo e vai saindo de cena. Durante
a saída de Miranda, o cenário vai se transformando na estrebaria do castelo
enquanto uma multidão de camponeses atravessa o palco, de lado a lado,
carregando brasões, lenços e bandeiras coloridas, numa espécie de marcha
coletiva, sempre gritando o nome de Miranda.
[MIRANDA]
Vou te chamar de… “amigo”. Gostas? Tens que gostar porque és o meu único amigo
mesmo, não é? És o único que conhece minha verdadeira identidade e partilha do meu
segredo mais íntimo. (tempo) Mas me botaste numa enrascada feia. Não sei se isso é
coisa de amigo, não. Amigo é quem nos tira dos apuros e não quem nos joga neles. E
agora? O que que eu vou fazer? Podes me dizer como se cura um rei? Hã? (tempo) Que
bonito! Não tens resposta pra isso, não é? Tu que arranjaste o problema e eu é que tenho
que resolver?! Nem sei se mereces o nome que te dei…
[PRÍNCIPE]
Achei-te herói do meu reino. Vira e deixa-me ver o teu rosto. Quero conhecer o homem
que o meu povo exalta e festeja.
Ela vira-se lentamente e, então, os dois ficam frente a frente e muito próximos.
Entra música suave. Eles se olham intensamente, surpresos e embevecidos, por
alguns segundos. (esse momento deve ser sutilmente sublinhado pela
encenação)
[PRÍNCIPE]
Trata-me por tu. E levanta-te. Temos quase a mesma idade, podemos nos tratar como
iguais.
[MIRANDA]
Não sei se devo, senhor…
[PRÍNCIPE] (ríspido)
Levanta-te! É uma ordem sargento!
[MIRANDA]
Sim, senhor!
[MIRANDA]
Não, senhor!
[PRÍNCIPE]
Como?
[MIRANDA]
Sim, senhor!
[PRÍNCIPE]
Não, senhor!
[PRÍNCIPE]
Podes não ser, de fato, um sargento mas és, sem dúvida, um belo rapaz.
[PRÍNCIPE]
Venha, senta-te aqui comigo. Vamos conversar.
[MIRANDA]
Sou de origem humilde, senhor. Sei como portar-me diante de um nobre.
[PRÍNCIPE]
Oh! Então certamente me recriminas por estar sentado sobre o feno de uma estrebaria?
[MIRANDA]
Queres que eu diga a verdade?
[PRÍNCIPE]
Não te vejo capaz de mentir. És mais nobre do que eu porque tens a nobreza no coração.
[MIRANDA]
Bem pouco me conheces ainda.
[PRÍNCIPE]
Basta um olhar para que a alma se revele. Tenho certeza que és um bom sujeito, embora
meio atrapalhado. Mas não fujamos do assunto: E então? Não vais responder a minha
pergunta?
[PRÍNCIPE]
Então vem. Senta-te do meu lado. Conversamos como bons amigos.
O cavalo dá uma empurradinha em Miranda que, sem jeito, vai sentar-se perto
do príncipe.
[PRÍNCIPE]
Então achas que podes curar meu pai?
Miranda fica sem saber o que responder, olha para o cavalo que se agita como
que lhe dando sinais e ela termina por balançar a cabeça afirmativamente.
[PRÍNCIPE]
És tão meinino… E bonito. Devias estar preocupado em namorar.
[MIRANDA]
Tudo tem o seu momento certo.
[PRÍNCIPE]
Queres ficar rico, então, é isso?
[MIRANDA]
Não, não… Por favor. Peço-te que não me interpretes mal.
[PRÍNCIPE]
Se me explicares, posso tentar entender.
[MIRANDA]
Como explicar-te o que nem eu mesmo sei? Tudo aconteceu tão de repente.
[PRÍNCIPE]
Estas dizendo que são coisas do destino, é isso?
[MIRANDA]
Coisas de fé, também. Achas que posso enganar um povo todo que agora acredita em
mim?
[PRÍNCIPE]
Mas o que pretendes fazer?
[MIRANDA]
Não sei ainda, estou desesperado. Preciso de ajuda.
[PRÍNCIPE]
Minha mãe é dona de um coração de pedra e não tem sido benevolente com ninguém. É
preciso que fujas de sua ira que pode ser mortal.
[PRÍNCIPE]
Miranda… (levantando seu rosto e secando a lágrima que corre dos seus olhos) Não
chores… Se precisares de mim, aqui estarei pra te ajudar.
[MIRANDA]
Preciso apenas de uma noite para colocar as ideias no lugar.
[PRÍNCIPE]
Terás essa noite inteira. Amanhã, bem cedo ainda, antes que o sol desponte, antes que
minha mãe se levante, virei a tua procura. E então veremos o que fazer.
O príncipe levanta-se e vai saindo mas, antes disso, pára e volta-se para ela,
tentando confortá-la.
[PRÍNCIPE]
Anima-te. Um herói precisa de muita confiança. Certo, sargento?
[MIRANDA]
E agora? O que é que eu vou fazer, amigo?
[MIRANDA]
O que vai ser de mim? Tu bem ouviste o príncipe falar da maldade da rainha. Se até
amanhã eu não descobrir como curar o rei, estarei morto. Não, morta. Estás vendo? Estou
confusa, confuso… Já nem sei mais quem sou. (tempo. N'outro tom.) Sabe… Tenho
saudade dos pirilampos que eu colhia na mata. (entra música suave). A vida era tão
simples e bonita quando eu tinha o brilho daquelas estrelas nas mãos. Me sentia dona de
um pedaço do céu. Saudade dos pirilampos… Da mata… Da minha vida de menina…
[CAVALO]
Amanhã esquecerás tudo o que viste e tudo o que ouviste neste sonho. Mas acordarás
com uma certeza muito forte: a de querer falar com o rei. Vai. E se conseguires que o rei
te receba, olha-o bem nos olhos e tenta entender a tristeza do seu coração. Verás que
não é diferente da tristeza que tu, tão bem, conheces. Só isso bastará. Deixa que todo o
resto aconteça por desejo do destino. Não te lamentes nem te preocupes, mas também
não esmoreças e nem desanimes. Vou esconder em teu bolso este cordão que trazias no
pescoço quando foste abandonada. (mostra o amuleto, o mesmo que foi visto no prólogo,
e coloca-o na roupa da menina). É teu e volta pra ti novamente. Guarda-o. Talvez venhas
precisar dele em algum momento. Agora, dorme. E só acordes quando a voz daquele a
quem amarás te chamar.
[CAVALOS]
Miranda, Miranda, Miranda…
[PRÍNCIPE]
Miranda!
[PRÍNCIPE]
Perdão. Gostaria de acordar-te de forma mais branda, mas já amanhece e preciso saber o
que resolveste, para que possas agir antes que minha mãe se levante.
[MIRANDA]
Quero que me leves até o rei.
[PRÍNCIPE]
Estás certo do que me pedes?
[MIRANDA]
Quero estar a sós com ele.
[PRÍNCIPE]
Já sabes então o que fazer?
[MIRANDA]
Quero falar com o rei.
[PRÍNCIPE]
Miranda, não te desanimes, mas é importante que saibas que meu pai vive alheio a tudo.
Nem a mim reconhece. Vive fechado dentro de si mesmo. Não creio que conseguirás
arrancar uma palavra ou sequer um gesto dele.
[MIRANDA]
Preciso que confies em mim.
[PRÍNCIPE]
Está bem. Tens a minha promessa.
[MIRANDA]
Então leva-me até o rei!
Tempo.
[PRÍNCIPE]
Vem. Vou te conduzir aos seus aposentos.
O príncipe estende a mão para Miranda e, quando toca na mão dela, sente a
maciez de sua pele. Ela percebe (lembra-se) e retira bruscamente a mão,
escondendo-a. Os dois saem pela direita. Dos fundos, pela lateral esquerda,
surge a rainha. Entra com um olhar transtornado como se, escondida, houvesse
presenciado tudo. Vem para a frente enquanto toda a luz vai se apagando
deixando apenas um foco fechado sobre ela.
[RAINHA] (colérica)
GUARDAS!!!
No escuro entram alguns guardas e se posicionam atrás dela. Aí, então, abre-se
um corredor estreito de luz que vem dos fundos até eles.
[RAINHA]
É aquele! (aponta para a frente)
Entram acordes de uma música “forte”, ela vira-se de costas e vai caminhando
para os fundos, seguida dos guardas, através do corredor de luz. Saem de cena.
Pelo mesmo corredor de luz que saiu a rainha, entra o rei. Ele vem sentado
numa espécie de poltrona ou trono, empurrado por um guarda do palácio. A luz
vai se abrindo enquanto o rei é deixado na frente do palco, que agora já tem
por cenário o aposento privativo onde ele vive sua clausura. Tem cabelos
esparsos, aspecto sombrio de quem vive alienado do mundo e olha para frente,
o tempo todo, como se olhasse o vazio. Miranda entra pelos fundos e vai se
aproximando dele.
[MIRANDA]
Senhor…
Vendo que ele não se volta, vai falando dos fundos, às suas costas, enquanto
caminha lenta e cautelosamente até ele. A “fala” inteira de Miranda é feita de
silêncios longos e embaraçosos. Ela fica como que investigando e buscando a
melhor maneira de estabelecer contato.
[MIRANDA]
Sou um pobre sargentinho sem pai nem mãe, senhor, perdido no mundo, atrás do meu
destino… (tempo) Contam que Vossa Alteza tem um segredo triste que vos deixou assim a
olhar pela janela a espera de alguém… (tempo) Me armei de uma coragem que julguei
que não tivesse só pra vir até aqui e dizer-vos que… Se quiserdes contar a vossa história
infeliz encontrareis em mim, ouvidos pra ouvir e coração para compreender (tempo) Não
sei se Vossa Alteza tendes um cavalo tão amigo como o meu. Às vezes, até mesmo um rei
pode não ter alguém para repartir a dor de viver… (já perto dele, falando sempre com
muito tato) Tenho dezessete anos, senhor, sou muito criança ainda, eu sei, mas posso
garantir-vos que conheço a mágoa do abandono e do desamor…
Vendo que ele nem sequer a percebe, ajoelha-se ao seu lado e, em silêncio,
acaricia os seus cabelos. Tempo.
[MIRANDA]
Fui encontrado no meio dos escombros e criado por uma boa velha que mal tinha o que
comer. (tempo) Disse-me, a velha, que eu devia ser filha… (percebendo o engano e
corrigindo-se) filho do diabo, porque fui achado envolto num manto de rara beleza. Disse,
e morreu nos meus braços. Nem sequer notou os pirilampos que eu tentava mostrar-lhe…
(Dando-se conta que devaneava) Mas… O que faço? Vim para ouvir a vossa história e
estou quase chorando com a minha.
[MIRANDA]
Que desgosto profundo esconde-se em vosso silêncio de morte? (tempo) Não quereis
contar-me a vossa tristeza…? (tempo) Não confiais em mim?
[MIRANDA]
Não me ouvis, não é mesmo, senhor? Nem percebeis a minha presença… Fui mesmo um
tolo quando pensei que pudesse ajudar-vos a recuperar o sentido da vida.
[MIRANDA]
A rainha estava certa quando julgou-me uma lástima. E por isso mereço morrer, na forca
ou numa fogueira, exposto em praça pública.
[PRÍNCIPE]
Miranda!
Abraçam-se.
[MIRANDA]
Acho que pus tudo a perder… Ajuda-me!
[PRÍNCIPE]
Depressa. Minha mãe está furiosa a tua procura.
[MIRANDA]
O rei se pôs a gritar alucinado pelos aposentos…
[PRÍNCIPE]
Não há tempo pra me contares nada.
[MIRANDA]
Tudo aconteceu de uma maneira tão imprevista…
[PRÍNCIPE]
Já estão armando o cadafalso no meio da praça.
[MIRANDA]
Olhou-me de um modo tão assustador…
[PRÍNCIPE]
Depressa, Miranda, precisas fugir!
[MIRANDA]
Ah, tive tanto medo! (abraça-o)
[MIRANDA] (reagindo)
Meu cavalo! Preciso buscar o meu cavalo!
[PRÍNCIPE]
Tarde demais! Esquece teu cavalo, Miranda!
[MIRANDA]
Não se esquece um amigo, nunca!
[MIRANDA]
Vou buscar o meu cavalo, me larga!
Ela tenta se desvencilhar dele num gesto brusco, o chapéu cai e seus cabelos
soltam-se revelando sua identidade feminina. Tempo. O príncipe a olha,
atônito, e passa delicadamente a mão no seu rosto de criança.
[PRÍNCIPE]
És uma menina…
[MIRANDA]
…
[PRÍNCIPE]
E tens a estrela da bem-aventurança na testa…
[RAINHA]
Súditos do meu querido reino! Ouvi com respeito e obediência a vossa dedicada rainha:
Eis, diante de vós, um foragido, um vândalo sem pátria que ousou transpor os muros do
palácio real e perturbar o sono e a paz do nosso amado rei. Um estrangeiro errante que
sequer respeitou a doença incurável do nosso infeliz soberano. Por esta razão, e para que
ninguém mais repita essa irresponsável façanha, decreto, em nome da lei e da ordem, a
pena máxima e exemplar para este reles forasteiro: a morte em praça pública!
Burburinho geral.
[PRÍNCIPE] (do meio do povo)
Senhora…! Senhora…!
[RAINHA]
Quem ousa interromper-me no momento solene em que declaro a sentença de um
condenado?
[PRÍNCIPE]
Sou eu, o vosso filho, senhora rainha!
[RAINHA]
Não haveria ocasião mais propícia para importunar-me? O que queres? Dize rapidamente!
[PRÍNCIPE]
Perdão, senhora minha mãe. Mas desejo interceder em nome desse pobre rapaz que
condenas a morte.
[RAINHA]
Interceder por este bandido? Acaso ele cumpriu o que prometeu diante de todo o povo?
[PRÍNCIPE]
Não, sei que não. Mas é uma criança ainda.
[RAINHA]
Queres intervir por um falso herói que a todos iludiu com mentiras?
[PRÍNCIPE]
Não. Quero salvar um inocente que, com a humildade dos puros, acreditou na vitória do
bem sobre a maldade.
[RAINHA]
Ah! E premiar com a liberdade a ganância de um impostor?
[PRÍNCIPE]
Perdoai-o senhora, por piedade, vos peço!
[RAINHA]
Não ia ele curar o vosso pai da demência? E não sabia, por acaso, o inocente, do que lhe
aconteceria se não conseguisse o seu intento?
[PRÍNCIPE]
Afastai-o de vossas terras, então! Mandai-o para longe! Desterrai-o! Mas não o deixes
morrer assim na flor da idade…
[RAINHA]
Minhas leis serão cumpridas com rigor e mãos de ferro!
[PRÍNCIPE]
Miranda… Já que não posso impedir que morras, escreverei a tua história pra que ela seja
contada nas praças, nas aldeias, vilas e cidades. Para que seja levada pelo vento, até
onde quer que haja alguém que acredite na justiça dos homens. Farei a mais bela história
que jamais se ouviu. E então não morrerás nunca na lembrança e na memória de todos:
será para sempre o nosso herói!
O povo todo, inflamado pela paixão das palavras do príncipe, grita com
veemência: Miranda, Miranda! Um tiro, dado para o alto, ordenado pela rainha
encolerizada, põe fim no tumulto. Silêncio aterrador novamente. Ela vai até o
carrasco, tira-lhe o capuz e depois aproxima-se do filho.
[RAINHA]
Conseguiste bem mais do que tencionavas, filho amado. (entregando-lhe o capuz) Veste-
o. Tu serás o carrasco de Miranda!
[RAINHA]
Se me desobedeceres, terás o mesmo fim!
[MIRANDA]
Faze-o, senhor meu príncipe. Não tenhas medo de ferir-me. Faze-o por amor.
[PRÍNCIPE]
Não posso… Prefiro morrer de igual maneira.
[MIRANDA]
Se não o fizeres, senhor, também não haverá mais aquela história bonita sobre um tal
sargentinho chamado Miranda…
Ele, então, decide-se. Pega o capuz das mãos da mãe e, lentamente, coloca-se
no lugar do algoz. Tempo grande.
[RAINHA]
Que seja cumprida, sem mais interrupções, a minha irrevogável sentença!
Rufar de caixa. Segundos de muita tensão. Pela lateral, sem que ninguém
perceba, em meio ao povo, surge o rei vestido com a suntuosidade dos velhos
tempos.
[REI]
Um momento!
Tudo pára.
[REI]
Está suspensa a execução, por desejo e ordem do rei!
[REI]
Apresento-me diante de vós, meus súditos fiéis, em pleno domínio da minha faculdade de
amar e governar com justiça, para dizer com o coração transbordando de felicidade que o
vosso rei está de volta!
[ALGUÉM]
Viva o nosso rei!
[TODOS]
Viva!!!
[ALGUÉM]
Salve o nosso rei!
[TODOS]
Salve! Salve! Salve!
Todos aplaudem.
[REI]
Vem! Podes descer, sargentinho. Estás livre e rico, pois terás como recompensa a metade
de todos os bens deste reino. Terás também o meu eterno agradecimento e a admiração
de todo o meu povo.
[TODOS]
Miranda! Miranda! Miranda!
[REI]
Tira então o chapéu que vestes e revela-nos quem de fato és!
Miranda atende o seu pedido deixando aparecer seus longos cabelos e a estrela
de prata na testa. Burburinho e comentários gerais.
[REI]
E agora que revelaste a tua verdade, creio que devo revelar a minha também. Desvendar
o segredo que me fez permanecer por tantos anos apartado da vida, olhando pela janela à
espera de alguém. (tempo) Esperava por ti, Miranda… Porque és minha filha.
[TODOS]
Ohhhhhh!!!
[REI]
Vem! Abraça teu velho pai que te julgava morta e, mesmo assim, por tanto tempo e
sempre, te esperou…
[MIRANDA]
Não me dás um abraço… irmão?
[PRÍNCIPE]
Não. Queria beijar-te como mulher, porque me apaixonei por ti.
[MIRANDA]
Esse será o nosso desejo secreto.
[PRÍNCIPE]
Então me amas também?
[MIRANDA]
Sigo o impulso do meu coração, mas não ouso contrariar os caprichos do destino.
[PRÍNCIPE]
Oh! Não! Que sorte infeliz! O que será de nós?
[MIRANDA]
Se não puder amar-te como a um homem, amar-te-ei fervorosamente como a um irmão.
Nesse momento o rei aproxima-se dos dois.
[REI]
Vinde meus filhos! Juntai-vos a mim para que possamos desvendar a história que até aqui
nos trouxe e que, na verdade, ainda mal começou.
[REI]
Houve uma bela jovem, uma simples camponesa de sorriso fácil e olhos cor de mel, por
quem me apaixonei perdidamente.
Entra música.
[REI]
Seu nome era Miranda e nos amamos com tal intensidade quem nem o mais hábil de
todos os poetas poderia descrever. Éramos jovens, impetuosos, e antes mesmo de nos
casarmos, nos entregamos à fúria de um incontrolável amor. Foi quando se deu a guerra
e tive que ausentar-me do reino, deixando-a esperando por um filho, fruto de nossa
paixão. Confiei-a aos cuidados de sua irmã mais velha, que me prometeu ampará-la até a
minha volta. Quando retornei, recebi a notícia que a minha doce amada havia morrido. E a
criança também, na hora em que nasceu. Desamparado e sem a menor razão para viver,
deixei-me levar pelas mãos da malvada irmã que, ardilosamente, tudo arquitetou. Só
agora começo a compreender.
A música termina. O rei levanta-se e aponta com raiva para a rainha no alto do
cadafalso.
[REI]
Aquela! Que vedes usando a coroa real, é a irmã perversa da minha amada! Aquela! É a
nefasta e impiedosa irmã que fez com que a mentira se tornasse uma verdade tão
insuportável que me pus doente e me exilei da vida!
[REI]
Acalmai-vos, senhores. Acalmai-vos para que a história possa se completar. Faltam ainda
muitos nós para serem desatados neste enredo: O que aconteceu, de fato, então? O que
fizeram com minha filha, a pobrezinha, assim que nasceu? E minha amada Miranda? Teria
mesmo morrido no parto, ou teria sido morta pelas mãos da própria irmã? E meu filho?
Será que a este, que senta-se ao meu lado, posso chamar de meu filho? Ou seremos
vítimas de mais uma perversa cilada?
Tempo. O rei caminha pelo espaço e depois dirige-se à rainha.
[REI]
Pois bem, senhora rainha. Encontro-me mais uma vez em vossas mãos. Só vós podereis
responder a tantas a tantas questões porque sois a autora de toda essa odiosa trama. O
que tendes a me dizer?
[RAINHA]
Nada. Não tenho coisa alguma a vos declarar.
[REI]
Negai-vos a me dar explicações?
[RAINHA]
Já vos disse que não tenho nada a dizer!
[REI]
Ousais desobedecer o rei?
[RAINHA]
…
[REI]
Sabeis que vosso silêncio pode levar-nos à forca?
[RAINHA]
Não tendes prova nenhuma para acusar-me!
[REI]
Por isso espero vossa confissão!
[RAINHA]
Puni-me e torturai-me de todas as maneiras. Por fim, matai-me da forma que quiserdes,
mas de minha boca não arrancareis uma palavra!
Reação indignada de todos, quase uma pequena revolta. Em meio a esse ligeiro
tumulto, uma estranha mulher, vestida de andrajos, surge por entre as pessoas
e aproxima-se do rei.
[MULHER]
Senhor! (ajoelhando-se aos seus pés) Peço-vos que me escuteis, honrando senhor. Tenho
muito a vos falar.
Todos vão se aglutinando para olhar a andrajosa figura aos pés do rei.
[MULHER]
Peço-vos permissão para relatar alguns fatos que em muito poderão vos esclarecer.
[REI]
Mas quem és? De onde saíste, pobre mulher?
[MULHER]
Sou apenas uma coitada infeliz que perambula pela vida.
[REI]
Bem… Sejas tu quem fores, levanta-te, bondosa mulher, e conte-nos o que tens para
contar.
[MULHER]
Do que aconteceu a vossa filha pouca coisa tenho a dizer. Sei apenas que, ao nascer, foi
arrancada brutalmente dos braços da mãe, que mal teve tempo de colocar-lhe ao redor do
pescoço o cordão com o nome escrito em letras douradas, presente que o rei havia lhe
dado como prova de amor.
[REI] (emocionado)
Vejo que falas a verdade. Conheces detalhes. E minha amada mulher? O que aconteceu a
ela?
[MULHER]
No mesmo dia ainda, na calada da noite, a pobre mãe foi amarrada por dois homens da
confiança da irmã e jogada no rio.
[REI]
Prossegue, minha boa senhora.
[MULHER]
Planejava, a malvada, por inveja e ganância, tomar o lugar da irmã que mandara matar. E
assim o fez! Quando vós regressastes da guerra, diante de acontecimentos tão funestos,
fostes apunhalado pela dor e dominado pelo esquecimento. A ardilosa irmã, então,
aproveitando-se disso, tramou o casamento, tomou a coroa e o trono, e tudo o mais que
já sabeis.
[REI]
E meu filho? Sabes alguma coisa sobre ele?
[MULHER]
Nosso bondoso príncipe, não é vosso filho. Nem tampouco filho da rainha. Foi roubado,
ainda recém-nascido, de um casal de camponeses muito pobres que foram mortos,
também por ordem da rainha, para que ninguém viesse a saber de sua origem.
[RAINHA]
Responde víbora! Andrajosa, maltrapilha! Queres tirar proveito da insanidade do rei
pondo-te a destilar mentiras sórdidas sobre nossas cabeças?
[REI]
Calai-vos! Até o presente momento, vós sois a víbora. Portanto não tendes direito algum
de questionar quem quer que seja diante da minha presença!
Tempo. Silêncio.
[MULHER]
Porque investiguei. Gastei os dias e as horas todas da minha vida acompanhando o
desenrolar dessa história, escondida nestes farrapos para não ser descoberta e levada à
morte.
[REI]
Por quê? Que razão terias pra isso? Esperavas uma recompensa? De quem? Do príncipe,
talvez, um dia…?
[MULHER]
Ainda não terminei o meu relato para que possais me julgar e então chegardes a uma
conclusão.
[REI]
Termina-o, pois. Terei ouvidos atentos pra tudo o que disseres.
[MULHER]
Vossa amada Miranda foi amordaçada, amarrada e lançada como um traste sem préstimo
num lamacento rio.
[REI]
Não me tortures mais. Já disseste isso!
[MULHER]
Mas quis o destino, porém, que ela sobrevivesse. Foi encontrada, desfalecida, por dois
pescadores que a recolheram e a trataram até que ficasse de todo curada.
[REI]
E então? Dize-me! Onde ela se encontra agora?
[MULHER]
Vestiu-se de andrajos e se pôs a perambular pelas ruas esperando seu amado rei voltar a
vida.
[REI]
Miranda?
Sob uma comoção geral, ela retira a capa de trapos e se mostra ao rei que,
emocionado, joga-se aos seus pés.
[REI]
Ah! Minha doce amada, pudesse ser de pedra ou de ferro esse meu coração, pra não
sentir a dor de tanta felicidade. Não te perderei outra vez, te prometo, amor de mim
roubado. (coloca em seu pescoço o cordão com o amuleto) Serás para sempre a minha
bela rainha! A rainha Miranda de todos nós!
Abraçam-se sob os aplausos de todos. Miranda corre até eles e abraçam-se os três. O
príncipe faz o mesmo e abraçam-se, então, os quatro. Entra música, o povo
grita o nome de Miranda e todos vão saindo de cena. Resta, no centro do palco,
impávida, altiva, soberba e solitária, a rainha má.
[PRÍNCIPE]
Não achas muito escuro para uma menina indefesa como tu?
[MIRANDA]
Há coisas muito piores que a escuridão.
[PRÍNCIPE]
Acho-te bonita e corajosa.
[MIRANDA]
Não é preciso coragem alguma quando se está do lado de quem se ama.
[PRÍNCIPE]
Retiro então o que eu disse. Acho-te só bonita.
[MIRANDA]
Psiu! Silêncio. Eles estão chegando…
[PRÍNCIPE] (sussurando)
Acho-te mais bonita ainda no silêncio da escuridão.
Ela sorri, olha para ele e os dois aproximam-se para beijar-se. Nesse momento,
entra música grandiosa e com ela mil luzes-piscantes tomam todo o espaço.
São os pirilampos de Miranda que chegam para clarear a noite fechada. Os dois
param para, extasiados, assistirem ao espetáculo das luzes. Riem e depois
voltam a se olhar. E então beijam-se apaixonadamente. Música cresce e luz
vem se apagando lentamente. Ficam piscando apenas as estrelas da mata.