Explorar E-books
Categorias
Explorar Audiolivros
Categorias
Explorar Revistas
Categorias
Explorar Documentos
Categorias
1897, imposto pela pressão da realidade em prol Para sair dessa aporia de oposições inconci-
de uma teoria da fantasia. liáveis — o psíquico ou o biológico, o real ou o
No entanto, desde os Estudos sobre a histe- imaginário, o interno ou o externo —, cuja
ria*, Freud e Josef Breuer* tratam das manifes- persistência implicava a dissolução silenciosa
tações fantasísticas das histéricas, e Breuer, do registro da fantasia, Freud instituiu o concei-
mais ainda do que Freud, ao expor o caso de to de realidade psíquica, cuja explicitação, so-
Anna O. (Bertha Pappenheim*), privilegia o bretudo em A interpretação dos sonhos*, levou-
registro da imaginação, das fantasias de sua o a fazer uma distinção entre a realidade mate-
paciente, sem dar grande importância aos acon- rial, realidade externa nunca atingível como tal,
tecimentos vivenciados por ela. Diversas cartas a realidade do que ele chamou de “pensamentos
de Freud a Wilhelm Fliess atestam, por outro de transição e de ligação”, registro da psicolo-
lado, a evolução progressiva de Freud nessa gia, e a realidade psíquica propriamente dita,
questão. Assim, em 2 de maio de 1897, ele núcleo irredutível do psiquismo, registro dos
assinala que, se a estrutura da histeria* cons- desejos inconscientes dos quais a fantasia é “a
titui-se pela reprodução de algumas cenas, tal- expressão máxima e mais verdadeira”.
vez seja preciso, para chegar até elas, passar “Retorno a idéias que desenvolvi alhures [na
“pelas fantasias interpostas”. Em 25 de maio parte teórica de A interpretação dos sonhos]”,
seguinte, no manuscrito M, um parágrafo intei- escreveu Freud em 1911, para introduzir esse
ro é dedicado às fantasias, consideradas do pon- conceito de realidade psíquica, o que lhe deu
to de vista de sua formação e seu papel, em ensejo de estender sua concepção da atividade
termos próximos aos que ele empregava para psíquica para além do simples eixo do pra-
falar dos sonhos. Esse ponto encontra confirma-
zer/desprazer, de definir, ao lado do recalca-
ção alguns dias depois, no manuscrito N, onde
mento, a idéia discriminativa de ato de julga-
o processo de formação dos sonhos é evocado
mento, e de distinguir, sob a rubrica da criação
como modelo da formação das fantasias e dos
de fantasias, a parcela da atividade psíquica que
sintomas.
se mantém independente do princípio de reali-
Em 1964, numa perspectiva inspirada na
dade* e submetida unicamente ao princípio de
tradição da história das ciências que foi enobre-
prazer*. A divisão que se organiza entre as
cida por Alexandre Koyré (1892-1964), Gaston
pulsões* sexuais e as pulsões de autoconserva-
Bachelard (1884-1962) e Georges Canguilhem
ção, ao longo da fase de auto-erotismo*, atesta
(1904-1995), Jean Laplanche e Jean-Bertrand
a ligação entre as pulsões sexuais e a fantasia:
Pontalis tomaram a iniciativa de explorar os
fundamentos epistemológicos desse momento “A longa persistência do auto-erotismo permite
chave da descoberta da psicanálise*. Relendo a que a satisfação fantasística ligada ao objeto
teoria da sedução, esses autores mostraram que, sexual, imediata e mais fácil de obter, seja man-
para além do registro empírico do trauma, já se tida por muito tempo, em lugar da satisfação
tratava, para Freud, de explicar a observação real, que exige esforços e adiamentos.”
clínica do recalque* e de seu efeito privilegiado Deixando de lado as questões ortográficas,
sobre a sexualidade*. O abandono da teoria da só existe para Freud um único conceito de fan-
sedução, longe de descortinar automaticamente tasia. Vista por esse prisma, a oposição kleinia-
uma concepção con su mada do desen- na, sustentada e desenvolvida por Susan
volvimento sexual, deixou Freud, ao contrário, Isaacs*, entre phantasia (phantasy) inconscien-
um tanto desnorteado. Ele não conseguia ligar te e fantasia (fantasy) consciente é totalmente
a sexualidade infantil, o Édipo* e a fantasia. contraditória com o pensamento freudiano.
Havia, pois, nos Três ensaios sobre a teoria da Desde 1905, nos Três ensaios sobre a teoria
sexualidade*, e mais ainda no artigo intitulado da sexualidade, a fantasia foi descrita como
“Meus pontos de vista sobre o papel desempe- dependente das três localizações da atividade
nhado pela sexualidade na etiologia das neu- psíquica, o consciente*, o pré-consciente* e o
roses”, o risco de um retorno à ancoragem bio- inconsciente*, qualquer que fosse a estrutura
lógica da sexualidade. psicopatológica considerada.
Para tanto, Freud estabelece uma distinção atribuída a Ernst Heinrich Haeckel*. A impor-
entre as fantasias conscientes, os devaneios e os tância dessa hipótese, discutível e discutida,
romances que o sujeito conta a si mesmo, bem atinge seu ponto culminante nesse texto meta-
como certas formas de criação literária, e as psicológico, nessa “fantasia filogenética” de
fantasias inconscientes, devaneios sublimi- Freud, encontrado e editado pela primeira vez
nares, prefiguração dos sintomas histéricos, a por Ilse Grubrich-Simitis, que viu nele a tenta-
despeito de estas serem concebidas como es- tiva teórica de integrar a origem traumática da
treitamente ligadas às fantasias conscientes. patologia no modelo fantasístico e pulsional.
Esses dois registros da atividade fantasística Afora a perspectiva kleiniana, que, privile-
encontram-se no processo do sonho*: a fantasia giando na análise a realidade psíquica, em de-
consciente participa do remanejamento do trimento de qualquer forma de realidade mate-
conteúdo manifesto do sonho, constituída pela rial, faz da phantasia o lugar exclusivo de inter-
elaboração secundária, e a fantasia inconsciente venção do trabalho analítico, o conceito de
inscreve-se na origem da formação do sonho. fantasia foi objeto de um trabalho teórico es-
Em 1915, em seu artigo metapsicológico sencial na obra de Jacques Lacan*.
dedicado ao inconsciente, Freud dá uma defini- De maneira geral, Lacan retoma por sua
ção da fantasia que confirma suas concepções conta o conceito freudiano de fantasia, mas
anteriores: ali, a fantasia é caracterizada por sua sublinha desde muito cedo sua função defensi-
mobilidade, é apresentada como lugar e mo- va. No seminário dos anos de 1956-1957, a
mento de passagem de um registro da atividade fantasia é assimilada ao que ele passa a deno-
psíquica para outro e, desse modo, afigura-se minar de “parada na imagem”, maneira de im-
irredutível a apenas um desses registros, pedir o surgimento de um episódio traumático.
consciente ou inconsciente. Imagem cristalizada, modo de defesa* contra a
Nesse mesmo ano de 1915, por ocasião de castração*, a fantasia é inscrita por Lacan, en-
um artigo dedicado a um caso de paranóia* que tretanto — o que difere fundamentalmente da
parece contradizer a teoria psicanalítica, Freud perspectiva kleiniana —, no âmbito de uma
introduz o conceito de fantasia originária: “A estrutura significante, e, por conseguinte, não
observação do comércio sexual entre os pais é pode ser reduzida ao registro do imaginário*.
uma peça que raramente falta no reservatório de Além da diversidade das fantasias de cada
fantasias inconscientes que podemos descobrir, sujeito, Lacan postula a existência de uma es-
através da análise, em todos os neuróticos e, trutura teórica geral, a fantasia fundamental,
provavelmente, em todas as crianças. A essas cuja “travessia” pelo paciente assinala a eficá-
formações fantasísticas, à da observação do cia da análise, materializada num remaneja-
comércio sexual dos pais, à da sedução, à da mento das defesas e numa modificação de sua
castração e outras, dou o nome de fantasias relação com o gozo*.
originárias (...).” Com isso, Freud retorna a Desde a primeira formulação do grafo laca-
uma concepção bidimensional nunca aban- niano do desejo*, em 1957, Lacan elabora um
donada e já encontrada a propósito dos sonhos matema* daquilo a que denomina lógica da
típicos e da simbólica dos sonhos. Ele procura fantasia. Trata-se de explicar a sujeição originá-
uma origem para a história individual do sujei- ria do sujeito ao Outro*, relação traduzida por
to. Persegue, de uma outra forma, aquilo de que esta pergunta eternamente sem resposta: “Que
se tratara através da teoria da sedução ou teoria queres?” (Che vuoi?). O matema S◊a exprime
do trauma. Simultaneamente, porém, ele se a relação genérica e de forma variável, porém
interroga sobre a solidez de fundamento de uma nunca simétrica, entre o sujeito do inconscien-
origem situada antes do sujeito individual: uma te, sujeito barrado, dividido pelo significante*
origem da história global da espécie humana. que o constitui, e o objeto (pequeno) a*, objeto
Essa fantasia das origens, cuja busca é onipre- inapreensível do desejo, que remete a uma falta,
sente tanto em Totem e tabu*, de 1912, quanto a um vazio do lado do Outro. Foi em seu
em 1939, em Moisés e o monoteísmo*, leva-o seminário dos anos de 1966-1967 que Lacan
a retomar a seu modo a hipótese filogenética desenvolveu essa lógica da fantasia, expressão
última da lógica do desejo. Foi também nesse 1985), Rio de Janeiro, Jorge Zahar, 1988; Vocabulário
da psicanálise (Paris, 1967), S. Paulo, Martins Fontes,
momento que ele desviou decisivamente seu
1991, 2ª ed. • Gérard Le Gouès e Roger Perron (orgs.),
trabalho para uma formalização lógica e mate- Scènes originaires, monografias da Revue Française
mática do inconsciente. de Psychanalyse, Paris, PUF, 1996.