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Discussão em grupo sobre Quarto de despejo

Entrada 3: 22 de maio

Francisco Segall, Gustavo Canato, Gabriel Chilio, Laís Guerreiro, Laísa Lie, Larissa
Barreto, Laura Enchioglo e Lucca Dutra

1. Que aspectos do texto estudado o grupo gostaria de apresentar para a


turma?

A entrada escolhida pelo grupo é bastante forte, trata da pobreza, da fome e das
dificuldades de uma mãe solteira favelada. Uma passagem bem marcante é quando
a filha de Carolina pede para que a mãe a venda para a Dona Julieta, porque na
casa dela tinha comida gostosa, e na casa deles não.

Como muitas outras passagens dos livros, Carolina faz julgamentos da realidade
que vive, e até brinca com as palavras para fazer isso, como acontece em “Duro é o
pão que nós comemos. Dura é a cama que dormimos. Dura é a vida do favelado.”

Além disso, o trecho faz um pequeno passeio por São Paulo, mencionando alguns
espaços da cidade e nos fazendo caminhar junto.

Um aspecto interessante desta passagem é quando Carolina conta a vez que


precisou pedir ajuda ao serviço social, ela enfrenta problemas que continuam sendo
atuais, como por exemplo, está sempre em pauta nos jornais locais reclamações e
denúncias sobre os serviços públicos da cidade. Ela fala muito nessa passagem
sobre os pobres não serem tratados com respeito nesses lugares que deveriam
ajudá-los.

2. De que maneira o texto lança luz sobre a realidade brasileira do século XX?
Que aspectos da sociedade brasileira são indicados por Carolina de Jesus,
na entrada em questão?

A obra é referencialmente importante para os estudos culturais brasileiros por ser


uma fiel representação da cidade de São Paulo nos anos 50, com muita pobreza e
forte desigualdade social. Isso fica evidente em uma passagem do texto quando
Carolina diz “Eu vim aqui pedir um auxilio por que estou doente. O senhor mandou
me ir na Avenida Brigadeiro Luis Antonio, eu fui. A Avenida Brigadeiro mandou-me ir
na Santa Casa. E eu gastei o único dinheiro que eu tinha com as conduções”.

Além disso, os problemas narrados por Carolina não são apenas de ordem pessoal,
são, acima de tudo, exclusão de gênero e raça. No contexto brasileiro, a exclusão
social é fortemente marcada pelo histórico colonial do país, levando em conta que
os menos afortunados acabavam sendo obrigados a irem morar nas periferias,
concentrando a população menos afortunada.

Podemos utilizar a frase da autora, dita anteriormente, para comparar com a atual
situação vivida pela população brasileira, sobretudo nas periferias, que sofrem com
o aumento substancial no custo dos itens necessários para a sobrevivência básica
dos indivíduos, como materiais de higiene pessoal e alimentos. Essa crise foi
amplificada pela pandemia do coronavírus.

3. Seria possível, por meio do texto estudado, visualizar elementos que


comporiam a visão de mundo de Carolina de Jesus? De uma forma geral, o
que se poderia dizer a respeito da cosmovisão da autora?

Com toda a certeza. Carolina consegue ter uma visão muito simples e, ao mesmo
tempo, muito rebuscada da sociedade na qual vive e do “nicho” onde ela se
enquadra. Diferenciando questões como “valor, pobreza, riqueza, fé e luta” a partir
de matérias físicas e psíquicas inerentes do seu cotidiano. A partir de uma ótica
materialista, ela analisa o seu meio através de seus produtos, sendo eles materiais
(comida, dinheiro, condições de vida etc.) quanto características sociais (corrupção,
generosidade, intolerância etc.). Analisando a fome em sua comunidade, quando se
refere a comida e a busca pela mesma; Higiene íntima, quando trata da posição
social que ela ocupa junto com seus filhos; Dinheiro, como base do seu sustento,
mesmo não sendo base para agir contra sua ética; Educação a partir das falas de
suas crianças e o próprio diário em si; luta pela vida; durante todo o decorrer dos
relatos, mostrando realmente a reflexão sob o mais simples e platô cotidiano.

Sendo “apenas” uma cidadã de periferia, como ela mesma se coloca, mas se
comporta como socióloga, professora, gestora, protetora e por fim, mãe. Através da
experiência empírica Carolina analisa e entende a sociedade que a vive e que a
coage a estacionar na posição em que se encontra, sendo ela mesma, através da
sagacidade e persistência da vivência acima da sobrevivência, junto com o amor de
uma mãe. Com a “dinâmica” dos cruzeiros que se vem e que vão, a paulistana
periférica sobrevive e traz sustento para sua família, como milhões de outras no
Brasil, mas de uma forma interpretativa e professoral, Carolina luta, ensina e cria
uma visão de mundo que só é visível por quem sente.

4. Como o grupo avalia o procedimento editorial empregado na publicação do


diário? Vocês consideram pertinente a atitude dos editores de reproduzirem o
texto original de maneira fidedigna, sem maiores correções ortográficas ou
gramaticais? Acham que o diário perderia expressividade caso fosse
submetido a uma revisão de texto?
Após uma breve discussão sobre o tema, o grupo em sua maioria concorda com a
decisão de permanecer com o texto original. Esse, que contém resquícios de uma
variante linguística social. Durante a leitura a partir do dia 22 maio, nota-se que em
algumas palavras, a autora confunde o uso do “z” com “s”, tanto que é possível
encontrar “Cosinhei as batatas” ou “deslisar dos olhos dos pobres”.

Sob o olhar da norma culta padrão, realmente, há certos equívocos gramaticais na


obra. Contudo, seria não apenas um erro, mas uma manifestação de um
preconceito linguístico, ignorar toda a riqueza envolvida por conta do nível de
escolaridade de Caroline de Jesus.

O relato se torna mais pessoal. Os sentimentos, as emoções e o próprio cotidiano


se tornam mais autênticos. Justamente, porque cada um tem a sua forma de se
comunicar. A comunicação estabelece vínculos entre os corpos, e com isso, o laço
afetivo também é fortalecido. A leitura se torna cada vez mais empática quando se
entende a composição. E quando se percebe a veracidade das informações.

Além disso, é importante ressaltar que, mesmo que algumas orações estejam
inadequadas do ponto de vista mais culto, a escritora domina bem as construções
sintáticas e semânticas. Não apenas domina a língua portuguesa, mas também faz
uso de expressões consideradas rebuscada, como “pungente” ou “Um homem que
não é niponico”. Ou seja, apesar das dificuldades vividas e relatadas, ainda foi
possível manter uma certa elegância.

Tendo em vista esses aspectos citados, fora o contexto da passagem (que por si só
já é sensível, pois se trata de um desabafo pessoal da vida na favela), o diário
perderia um pouco da sensibilidade e transparência caso fosse revisado. As
pessoas escrevem de jeitos diferentes, cada um tem sua maneira de explicar algo
ou construir uma linha de pensamento. Caso o diário fosse editado, grande parte
dos sentimentos que a autora queria passar, não seriam sentidos do mesmo jeito.

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