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A Plataforma e a centralidade do Partido Revolucionário na teoria da

organização política anarquista

Comitê Pró-Organização Anarquista no Ceará

“Os anarquistas falavam muito da atividade revolucionária dos próprios


trabalhadores, mas foram incapazes de dirigir as massas, não indicaram minimamente
que formas tal atividade deveria assumir. Demonstraram-se incapazes de regular as
relações recíprocas entre as massas e seu centro ideológico. Incitavam as massas a se
livrarem do jugo da Autoridade, mas não indicavam como defender e consolidar as
conquistas da revolução. Careciam de opiniões claramente definidas e de ações
políticas específicas em relação a muitos outros problemas. O que os alienou das
atividades das massas e os condenou a impotência social e histórica.”
O Grupo de Anarquistas Russos no Exterior responde aos Confusionistas do
anarquismo, 1927.

1. Introdução

O que iremos aqui analisar é o conteúdo da Plataforma sobre as causas da derrota do


anarquismo na Revolução Russa de 1917, as lições que ela tirou dessa derrota e em
decorrência disso, o debate ideológico que ela travou nos anos 1920. Também serão
analisadas questões de fundo, que dizem respeito à teoria da organização política no
anarquismo, e a relação das teses da Plataforma com o pensamento de Bakunin, o
resgate histórico parcial que ela acaba por fazer do bakuninismo frente o revisionismo
reinante.

Produto da avaliação crítica do papel da militância anarquista durante a Revolução


Russa de 1917, a Plataforma se constitui em um dos documentos políticos mais
importantes do anarquismo. Publicado na França em 1926 pelo Grupo de Anarquistas
Russos no Exílio (1), o documento causou polêmica ao refutar muitas das teses
organizacionais e ideológicas dos sintetistas, anarco-sindicalistas e do anarco-
comunismo em geral, mas principalmente de sua fração italiana, representada por
Malatesta, e foi tachado por seus detratores de desvio ideológico bolchevique ao
retomar a tese do partido anarquista, já postulada originalmente em Bakunin e
desfigurada pelo revisionismo.

Mas antes de entrar em nosso tema central é preciso pontuar algumas questões, como a
relação entre teoria e prática e de como a Plataforma se encaixa nela.

2. Teoria e prática: a Plataforma como produto da luta de classes

Em momentos agudos da luta de classes, de guerra civil aberta, a teoria revolucionária


tem a oportunidade de dar um salto qualitativo. Pois a experiência concreta de luta do
proletariado coloca novos elementos que se assimilados criticamente pelos militantes
contribuem para o desenvolvimento teórico. Este, por sua vez, acabará por se refletir na
prática, isso quer dizer, nas táticas e estratégias concretas adotadas na luta de classes.
Este é o movimento dialético que permite entender a interação mútua entre teoria e luta
de classes.

É no sentido da concepção dialética que afirmamos que o desenvolvimento correto da


teoria sempre dependerá da prática, pois uma teoria separada da prática mais cedo ou
mais tarde revelará sua esterilidade. Por outro lado, fazendo o exercício de interpretação
dialética, uma prática que não preza por sua teorização acabará em puro espontaneísmo,
em ativismo sem direcionamento, sem objetivos. Teoria e prática trabalham juntas,
separadas resultam ineficazes para os objetivos revolucionários. Nesse sentido, a
Plataforma de Organização dos exilados russos é resultado do conhecimento extraído da
luta de classes e de sua instrumentalização para a prática política anarquista.

O grupo de russos exilados, tendo a frente o comandante guerrilheiro ucraniano Nestor


Makhno e o operário revolucionário russo Piotr Arshinov, desenvolveram suas teses
teóricas e organizacionais, e a confrontaram com outras, através da revista Dielo Trouda
(Causa dos Trabalhadores), entre 1925 e 1930. Nesse período, o debate ao redor das
teses da Plataforma se alastrou para além da França, se internacionalizando, e ganhou a
Itália e o conjunto dos exilados russos, gerando aderentes, opositores e provocando
rachas em organizações.

Contudo, só poderemos entender o quadro em que se encontrava o anarquismo russo do


início do século XX se analisarmos o processo histórico de formação do anarquismo e
sua descaracterização pós-I Internacional pelo revisionismo.

3. Desorganização prática e confusionismo ideológico: o legado do revisionismo

As condições objetivas para a formulação da Plataforma foram dadas pelo desenlace da


Revolução Russa de 1917. É nesse pano de fundo histórico que se move a Plataforma e
de onde foram extraídas suas teses. Ela avalia o estado ideológico e organizacional do
anarquismo daquele período, representado pelo revisionismo anarco-comunista, e
propõe meios para superar as debilidades, não num futuro próximo, mas a partir da
imediata reorganização ideológica e política do anarquismo.

É preciso entender que o anarquismo daquele período era o revisionismo e que as


críticas da Plataforma, ao avaliar o anarquismo de seu tempo, irão indicar um
retorno a pressupostos básicos do pensamento de Bakunin. É preciso também deixar
claro que os próprios plataformistas não estavam totalmente cientes sobre o que
representava historicamente suas teses e muitas vezes achavam que estavam fazendo
algo novo. Devemos então perceber que os limites teóricos que enfrentavam os
plataformistas eram os próprios limites do revisionismo, de seu tempo histórico, e que
sua crítica significou um passo adiante para romper esses limites.

A Revolução Russa criou as condições para explicitar na realidade o que era o


anarquismo sob hegemonia do revisionismo e suas principais características:
fragmentação e confusão. O processo russo revelou assim o legado deixado pelo
revisionismo ao anarquismo, que enquanto descaracterização prática e ideológica só
poderia se apresentar perante a realidade da luta de classes não enquanto anarquismo,
mas uma deformação grosseira e um desvio gritante.

Ela avalia criticamente o papel desempenhado pelos próprios anarquistas nesse


contexto, as causas de sua derrota, de sua incapacidade de “regular as relações
recíprocas entre as massas e seu centro ideológico”, o que não lhes permitiu tomar a
dianteira do processo revolucionário, de construir uma organização própria, elaborar um
projeto de poder e uma estratégia revolucionária concreta para o contexto russo.

“Foi durante a Revolução Russa de 1917 que se sentiu mais


profundamente e urgentemente a necessidade de uma organização geral.
Foi durante esta revolução que o movimento libertário mostrou o maior
grau de fragmentação e confusão.” (2)

A crítica dos plataformistas ao papel exercido pelo anarco-comunismo na Revolução


Russa destoa das críticas vitimistas que concebiam o fracasso do anarquistas como
culpa exclusiva dos bolcheviques e em conseqüência colocava o anarquismo como
vítima e o eximia de responsabilidade. Em um documento posterior à Plataforma,
Arshinov escreve que

“temos adquirido o hábito de culpar o fracasso do movimento


anarquista na Rússia entre 1917-1919 à repressão estatal do Partido
Bolchevique. O que é um grande erro. A repressão bolchevique
dificultou a expansão do movimento anarquista durante a revolução,
mas este foi somente um dos obstáculos. Foi a ineficácia interna do
próprio movimento anarquista uma das principais causas deste fracasso,
uma ineficácia emanada da imprecisão e da indecisão que
caracterizaram suas principais posições políticas a respeito da
organização e das táticas.” (3)

A conclusão de Arshinov sobre a atividade anarquista nos primeiros anos da revolução


era que os obstáculos externos ao anarquismo não foram os únicos que o debilitaram
durante o processo revolucionário russo, a existência de obstáculos internos
(imprecisão organizativa e tática) foi definitiva para desembocar no estado débil
no qual ele se encontrava nos primeiros anos da revolução.

Partindo da constatação de que o anarquismo enfrentava também obstáculos internos


seríssimos para sua efetivação política, a autocrítica dos exilados russos romperá com o
vitimismo e conterá o diagnóstico de que o anarquismo estava sofrendo de um mal
crônico, a desorganização. Aprofundando este diagnóstico os plataformistas irão revelar
os elementos subjetivos que potencializavam essa desorganização geral crônica, que
seria a confusão ideológica.

“Durante a Revolução Russa, as massas trabalhadoras estavam


próximas das idéias anarquistas; apesar disso o anarquismo, como um
movimento organizado sofreu um completo retrocesso, desde o início da
revolução, estávamos nas mais avançadas posições da luta, desde o
início da fase construtiva nos achávamos irremediavelmente distantes da
chamada fase construtiva, e conseqüentemente fora das massas. Não era
puro acaso: tal atitude inevitavelmente provinha de nossa própria
impotência, tanto de um ponto de vista organizacional quanto de nossa
confusão ideológica.” (Arshinov, O novo e o velho no anarquismo)

Se no início da revolução o anarquismo estava nas mais avançadas posições de luta,


posteriormente não conseguiu consolidar essas posições por falta de uma estratégia e
um programa concreto, o que acabou o isolando das massas populares. Essa
incapacidade provinha de uma impotência organizacional e ideológica, como assinala
Arshinov. Desse modo entendemos como para os plataformistas as questões
organizacionais e ideológicas estavam relacionadas. A desorganização política dos
anarquistas, enquanto elemento objetivo, seria reforçada pela confusão ideológica,
elemento subjetivo, que acabava por fazer o anarquismo refém dessa própria
desorganização, fazendo de seu papel na luta de classes algo debilitado e meramente
secundário. Nesse sentido é preciso entender a Plataforma não apenas como uma
abordagem da questão organizacional, mas dos problemas ideológicos e teóricos
pelo qual passava o anarquismo e analisar a totalidade de sua crítica.

4. A totalidade da crítica da Plataforma: mais que um problema de organização

Não podemos resumir toda a problemática posta pela Plataforma apenas como um
problema de organização, era também um problema de envergadura teórica e ideológica
que abrangia a estratégia e o programa a serem seguidos por essa organização. As
avaliações que vêm na Plataforma apenas uma abordagem sobre a questão
organizacional são avaliações parciais que não dão conta da totalidade da crítica
plataformista acerca dos elementos objetivos e subjetivos que caracterizavam o
revisionismo e debilitavam o anarquismo.

Se o estado débil no qual se encontrava o anarquismo era resultado da combinação de


fatores objetivos e subjetivos, a solução de tal debilidade passava pela superação da
desorganização prática e do confusionismo ideológico, passava pela solução do
problema organizacional e também ideológico.

“(...) Podemos desperdiciar nuestro tiempo hablando de la necesidad de


organizar nuestras fuerzas, sin ganar nada con ello, si no asociamos la
idea de tal organización con posiciones teóricas y tácticas bien
definidas.” (O problema da organização e a noção de síntese)

Os plataformistas, a partir do diagnóstico que apontava as fraquezas do anarco-


comunismo durante a Revolução Russa de 1917, defenderão a tese da criação de uma
organização geral fundada sobre um programa homogêneo, o que desencadeará na
segunda metade dos anos 1920 na Europa uma grande polêmica com outros setores que
reivindicavam o anarquismo naquele período.

“Nós temos grande necessidade de uma organização que, tendo reunido


a maioria dos participantes do movimento anarquista, estabeleça no
anarquismo uma linha política geral e tática a qual deve servir como um
guia para o movimento inteiro. (...) A elaboração de tal programa é uma
das principais tarefas imposta aos anarquistas pela luta social dos
últimos anos. É nesta tarefa que o Grupo de Anarquistas Russos no
Exílio dedica uma parte importante de seus esforços.” (4)
A Plataforma propõe um modelo claro de organização anarquista com o objetivo de
superar o fracionismo organizacional dos pequenos grupos locais e seu confusionismo
ideológico. Esses grupos não davam conta de atender as demandas do proletariado
naquela etapa da luta de classes, era um tipo de organização que não condizia com as
exigências da realidade concreta.

“O único método que leva à solução do problema de organização geral


é, do nosso ponto de vista, reorganizar militantes anarquistas ativos
baseando-se em posições precisas: teórica, tática e organizacional, a
base mais ou menos perfeita de um programa homogêneo.” (5)

A solução do problema organizacional dependia da solução do problema


ideológico. É nesse sentido que eles estão relacionados e que são assim estabelecidos os
princípios de unidade teórica, unidade tática, responsabilidade coletiva e federalismo. A
unidade teórica e tática arregimentadas na responsabilidade coletiva e enquadradas nos
termos do federalismo político formavam as bases organizativas e políticas encontrada
pelo Grupo de Anarquistas Russos no Exílio para superar as debilidades nas quais o
anarquismo estava imerso. Dando um salto qualitativo para superar os limitados e
fragmentados grupos de propaganda rumo à construção de uma União Geral dos
Anarquistas, o partido revolucionário anarquista, única forma de organização coerente
com a realidade da luta de classes e do papel que deve desempenhar os anarquistas nela.

É também nesse sentido, da solução combinada do problema organizacional e


ideológico, como a totalidade de um problema político, que a Plataforma irá negar a
viabilidade das soluções que apontam para a resolução da questão organizacional via
confusionismo ideológico, como a proposta da síntese e a de Malatesta, que ao se
contrapor a responsabilidade coletiva irá defender o individualismo ideológico e prático
na questão da organização anarquista.

5. A Plataforma e o debate ideológico nos anos 1920-1930

Na Plataforma encontram-se teses referentes aos aspectos ideológicos, organizativos e


estratégicos do anarquismo, constituindo-se numa contribuição para a teoria da
revolução e da organização política anarquista. Contudo foi sua seção destinada a
organização partidária que gerou mais debate, concretizado nas polêmicas com o
francês Sebastian Faure e o russo Boris Volin, que em resposta a Plataforma elaboraram
a proposta da síntese, e com o anarco-comunismo em geral, mas principalmente na
pessoa do italiano Errico Malatesta. (7)

A Plataforma é clara em seu julgamento quanto a concepção sintetista de organização,


que busca misturar harmonicamente elementos do anarco-comunismo, anarco-
sindicalismo e individualismo numa mesma proposta organizacional.

“Nós rejeitamos como teoricamente e praticamente inapta a idéia de


criar uma organização baseada na receita da 'síntese', que está reunindo
os representantes de diferentes tendências anarquistas. Tal organização,
tendo incorporado elementos teóricos e práticos heterogêneos, seria
apenas uma reunião mecânica de indivíduos, cada qual possuindo um
conceito diferente das questões do movimento anarquista, uma reunião
que eventualmente se desintegraria ao entrar em contato com a
realidade.” (8)

O ecletismo ideológico da síntese é visto não como a solução para o problema de


organização, como propuseram Faure e Volin, mas como o agravamento do problema,
por unir concepções diferentes que mais cedo ou mais tarde teriam que buscar a unidade
ou se desintegrarem para solucionar os problemas.

Como a unidade teórica, tão prezada pela Plataforma, seria possível num organismo
forjado por diferentes concepções ideológicas? A Plataforma sempre alertou que a
questão organizativa está interligada com a questão ideológica, como faces diferentes,
mas não opostas da questão política pela qual atravessava o anarquismo. Como então
solucionar a questão organizativa deixando em aberto a questão ideológica? Visto que a
síntese proporciona mais confusão e impasses do que solução.

A síntese tenta resolver o problema da organização através da confusão ideológica. Para


a concepção plataformista não é possível resolver o problema organizacional através do
ecletismo ideológico, sua solução passa pela definição de uma teoria e ideologias
comuns ao conjunto da organização, que possibilitariam clareza no programa a defender
e na estratégia a seguir.

Mesmo se valendo da alcunha de anarco-comunistas, os plataformistas acabam por


romper com os pressupostos estabelecidos pelo revisionismo anarco-somunista.

Historicamente o anarco-comunismo é resulta do abandono do programa coletivista, a


partir do fim da I Internacional e da morte de Bakunin em 1876, produzindo uma
revisão da ideologia, teoria e estratégia bakuninista. A necessidade do partido e do
programa em contraposição a dogmática defesa do espontaneísmo das massas e a
polêmica com Malatesta em torno da responsabilidade coletiva são alguns dos
elementos marcantes que refletem de maneira clara o descompasso do conteúdo político
da Plataforma com o anarco-comunismo reinante no período.

O debate entre Makhno e Malatesta não era sobre a necessidade ou não de organização,
mas qual a forma que deveria assumir a organização dos anarquistas. O debate sobre a
responsabilidade coletiva acaba por revelar os fundamentos ideológicos das concepções
organizacionais e políticas de ambos os lados.

No artigo em resposta a Plataforma intitulado Um Projeto de Organização Anarquista,


Malatesta afirma:

“Uma organização anarquista, penso eu, deve ser fundada em bases


muito diferentes das propostas pelos companheiros russos. Total
autonomia, total independência e total responsabilidade de indivíduos e
grupos; livre-acordo entre os que acreditam ser útil unirem-se para
cooperar na obra comum; dever moral de manter os compromissos
assumidos e nada fazer em contradição com o programa aceito (...)
Numa organização anarquista os membros individuais podem expressar
qualquer opinião e usar qualquer tática que não esteja em contradição
com os princípios aceitos e não impeça a atividade dos outros.” (9)
Makhno responde a Malatesta dizendo que:
“Apenas o espírito coletivo e a responsabilidade coletiva de seus
militantes permitirão ao anarquismo moderno eliminar de seus círculos
a idéia, historicamente falsa, de que o anarquismo não pode ser um guia
– seja ideologicamente, seja na prática – para a massa trabalhadora
num período revolucionário, e portanto não poderia exigir a
responsabilidade total.” (10)
Esclarecer essas concepções é deixar clara a diferença entre o anarquismo da
Plataforma, que remete aos fundamentos do pensamento de Bakunin, e o anarco-
comunismo de Malatesta, de base revisionista e individualista. Ao fazer a defesa da
responsabilidade individual em contraposição a responsabilidade coletiva, Malatesta
acaba por revelar o individualismo de seu pensamento. Ao defender o individualismo
ele acaba por fazer uma defesa também do espontaneísmo na relação partido-massas e
no localismo em relação a unidade na organização, se contrapondo a direção
revolucionária dos eventos, a disciplina e a unidade teórica e prática defendidas pela
Plataforma.
É preciso ficar claro que a Plataforma não se contrapõe ao sindicalismo, esse é elencado
por ela como o principal meio de luta dos revolucionários, seja o sindicalismo
camponês ou operário. O que é refutado pela Plataforma é o anarco-sindicalismo
enquanto modelo de organização dos anarquistas.

“O método anarco-sindicalista não resolve o problema da organização


anarquista, pois ele não dá prioridade a este problema, interessando-se
somente pela penetração e aumento de forças no proletariado industrial.
Entretanto, muito coisa não pode ser realizada nesta área, até mesmo
em se adquirindo igualdade, a menos que haja uma organização
anarquista geral.” (11)

O anarco-sindicalismo, ao colocar a entrada dos anarquistas nos sindicatos sem uma


coordenação unitária e programática, se contenta com a mera entrada dos anarquistas
nos sindicatos e liquida sua organização em partido próprio com programa específico,
classificando isso de autoritarismo que não respeita o espontaneísmo das organizações
de massa e acusando os anarquistas organizados em partido de marxistas.

A Plataforma indica qual seria a relação correta que os anarquistas deveriam ter com os
sindicatos.
“Em outras palavras, devemos entrar em sindicatos revolucionários
como uma força organizada, responsável por executar metas no
sindicato perante a organização anarquista geral e orientada por ela.”
(12)

O trabalho nos sindicatos estaria dependente das orientações retiradas coletivamente


pela organização anarquista. A criação de uma organização anarquista seria
fundamental para a entrada coordenada dos anarquistas nos sindicatos, que buscariam
executar as metas indicadas pela organização e pelo seu programa que obedeceria a uma
estratégia definida.
Ao tratar do papel das massas e dos anarquistas na revolução social e de como deveria
ser articulada pelos anarquistas a relação entre as massas e seu centro ideológico, a
Plataforma resgata os dois níveis (de massas e político) de organização já contidos em
Bakunin.

A crítica da Plataforma ao anarco-sindicalismo e sua orientação de qual seria a correta


relação entre a organização anarquista e o movimento de massas remonta a tese
bakuninista dos dois níveis de organização, a de massas e a política e sua dialética. A
primeira representada pelo sindicalismo e os movimentos populares e a segunda pelo
partido anarquista. A concepção de Bakunin do papel das massas e do partido na luta de
classes é produto de sua atuação prática na I Internacional.

Como bem observa a Plataforma, o anarco-sindicalismo não resolve o problema da


organização anarquista, pois não dá prioridade a ele, interessando-se somente em entrar
nos meios operários. Se o sintetismo pensava resolver o problema de organização
através do confusionismo ideológico, o anarco-sindicalismo pensa esclarecer a
questão organizacional negligenciando-a. Ao negar a questão da organização dos
anarquistas enquanto grupo político específico, o anarco-sindicalismo acaba por liquidar
um elemento ideológico e prático central no anarquismo, o partido anarquista, tão
determinante no pensamento e na prática de Bakunin. O anarco-sindicalismo “se
organiza” liquindando ideologicamente e organicamente o anarquismo, se constituindo
assim em revisionismo do anarquismo a partir de um desvio obreirista, sindicaleiro e
liquidacionista.

6. O chamado da Plataforma

Os plataformistas do grupo Dielo Trouda chegaram a fazer o chamado para uma


Conferência Internacional, que se realizou em 12 de fevereiro de 1927 em Paris. O
evento reuniu militantes franceses, búlgaros, espanhóis, poloneses, italianos e um chinês
(13). Foram escolhidos Makhno, Chen (China) e Ranko (Polônia) para comporem a
comissão provisória. Uma circular foi enviada aos grupos anarquistas convocando para
outra conferência internacional a ser realizada em 22 de abril de 1927 em Hay les
Roses, perto de Paris, no cinema Les Roses.

Na segunda conferência se somaram mais alguns delegados, entre eles Luigi Fabbri e
Camillo Berneri do periódico Pensiero e Voluntá.

“Depois de uma grande discussão algumas modificações foram


agregadas à proposta original. Todavia, não deu tempo de fazer mais
nada, pois a polícia invadiu o local, prendendo todos os presentes.
Makhno quase foi deportado, só não o foi graças a uma campanha
iniciada por anarquistas franceses. A proposta de criar uma ‘Federação
Internacional de Anarco-Comunistas Revolucionários’ havia sido
desbaratada, mesmo alguns daqueles que participaram na dita
conferência recusaram dar-lhe alguma autoridade. Outros ataques à
Plataforma vieram de Fabbri, Berneri, do historiador anarquista Max
Nettlau, seguidos de Malatesta, o conhecido anarquista italiano. O
grupo Dielo Trouda replicou com Uma Resposta aos Confusionistas do
Anarquismo, seguido de uma declaração de Arshinov sobre a
Plataforma em 1929” (14)

O debate sobre a Plataforma ainda ecoou na Europa durante todo o período do pré
Segunda Guerra Mundial, provocando rachas em federações de caráter sintetista e
dando origem a grupos na França e Itália baseados na Plataforma (15).

7. Conclusão: a Plataforma como retomada do anarquismo revolucionário frente o


revisionismo

É interessante perceber que na época a Plataforma foi acusada de desvio bolchevique e


revisionismo pelos sintetistas, anarco-comunistas e anarco-sindicalistas. No entanto o
único “desvio” que os plataformistas estavam cometendo eram o de romperem com
pressupostos do anarco-comunismo, de romperem com o verdadeiro revisionismo e
resgatarem elementos importantes do pensamento de Bakunin.

Em seu conjunto, a Plataforma representa um resgate histórico parcial do pensamento


bakuninista, que naquele período já havia passado por um amplo processo de revisão,
desencadeado a partir do fim da I Internacional e da morte de Bakunin em 1876, por
remanescentes da ala federalista da AIT. Esse processo de revisão resultaria na
formação do anarco-comunismo, que representa uma ruptura com o bakuninismo, e que
se encontrava já bastante difundido nas primeiras décadas do século XX na Europa, ao
lado do anarco-sindicalismo.

Em que sentido podemos afirmar que a Plataforma retoma posicionamentos


bakuninistas? Ao defender a necessidade de uma teoria revolucionária e do caráter de
classe proletário do anarquismo contra as aspirações humanistas gerais do anarco-
comunismo daquele período, ao contrapor o mero espontaneísmo nas questões de
organização e estratégia com a necessidade do partido revolucionário e seu programa
socialista e ao refutar o educacionismo proselitista como “método de luta” e propaganda
pela realidade da luta de classes e de uma intervenção estrategicamente elaborada para
ela. É nesse sentido que a Plataforma retoma teses caras ao pensamento de Bakunin.

Ao colocar como objetivo do documento a criação de uma União Geral dos


Anarquistas, a Plataforma está retomando a tese do partido anarquista, tão presente na
teoria de Bakunin (16) e se contrapondo a todo confusionismo, ecletismo sintetista,
individualismo anarco-comunista e liquidacionismo anarco-sindicalista. A Plataforma
sabia que seu trabalho era apenas um esforço inicial e que muito ainda estava por se
desenvolver.

“A Plataforma Organizacional publicada abaixo representa os esboços,


o esqueleto de tal programa. Deve servir como o primeiro passo em
direção a um reagrupamento de forças libertárias em um único coletivo
revolucionário ativo capaz de lutar, a União Geral dos Anarquistas.”
(17)

As conclusões a que chegaram os plataformistas quanto as questões de organização,


teoria, ideologia e estratégia foram resultado da experiência concreta daqueles que
passaram pela prova de fogo histórica da Revolução Russa de 1917, da militância
anarquista forjada na luta de classes e na guerra civil.

“Em vinte anos de experiência, de atividade revolucionária, vinte anos


de esforços nas fileiras anarquistas, e de esforços que não conseguiram
nada senão fracassos do anarquismo enquanto movimento organizador,
tudo isso nos tem convencido da necessidade de um novo partido-
organização anarquista que abarque amplos setores, baseado em uma
teoria, uma política e uma tática comum.” (6)

Na Plataforma o que vemos não são simples palavras românticas jogadas ao léu ou
elocubrações teóricas de mero apelo intelectual. O objetivo da Plataforma é claro e
prático: dar as bases teóricas para a efetivação prática do anarquismo enquanto
alternativa revolucionária dos trabalhadores. Armar os militantes anarquistas para os
desafios teóricos e práticos da luta de classes e da atividade revolucionária, para garantir
que o anarquismo não venha a cair novamente no estado débil no qual se encontrava
durante o processo revolucionário na Rússia, para que o anarquismo esteja preparado
para dar repostas políticas claras nos momentos agudos da luta de classes e que possa no
curso da luta se constituir em guia da revolução popular.

Acreditamos que os princípios gerais da Plataforma continuam válidos para o


anarquismo de hoje. As questões organizacionais e ideológicas postas por ela foram e
continuam sendo intransigentes com as vacilações revisionistas, se tornando uma
retomada das teses do partido anarquista de Bakunin.

“O papel dos anarquistas, no período revolucionário, não pode se


limitar à propagação de palavras de ordem e de idéias libertárias. A
vida aparece como a arena não só da propagação desta ou daquela
concepção, mas, também, no mesmo grau, a arena da luta, da estratégia
e das aspirações dessas concepções à direção econômica e social. Mais
do que qualquer outra concepção, o anarquismo deve se tornar a
concepção dirigente da revolução social, porque apenas com a base
teórica do anarquismo a revolução social poderá conduzir à completa
emancipação do trabalho. A posição dirigente das idéias anarquistas na
revolução significa uma orientação anarquista dos eventos.” (18)

NOTAS

1. Composto pelos revolucionários Nestor Makhno, Ida Mett, Piotr Arshinov, Valevski e Linsk.

2. Plataforma, Apresentação.

3. O Grupo de Anarquistas Russos no Exílio Responde aos Confusionistas do Anarquismo. Paris, 18 de


agosto de 1927. http://www.nestormakhno.info/spanish/confus.htm

4. Plataforma, Apresentação.

5. Idem.
6. O Grupo de Anarquistas Russos no Exílio Responde aos Confusionistas do Anarquismo. Paris, 18 de
agosto de 1927.

7. As teses sintetistas estão reunidas no documento A Sítese Anarquista, escrito por Sebastian Faure em
1928 como resposta a Plataforma de Organização. Uma tradução do texto pode ser acessada no seguinte
endereço http://www.anarkismo.net/article/12392. Esse texto de Faure pode ser entendido como o
acabamento teórico das teses sintetistas iniciadas por Volin ao fazer a crítica a Plataforma em um texto
escrito com outros exilados russos em abril de 1927, chamado Risposta di alcuni anarchici russi alla
Piattaforma d'organizzazione (http://www.nestormakhno.info/italian/repvolin.htm).

Existem dois textos de Malatesta, frutos dessa polêmica, Um Projeto de Organização Anarquista (1927) e
Resposta de Malatesta a Nestor Makhno (1929). http://www.nestormakhno.info/portuguese/index.htm

8. Plataforma, Apresentação.

9. Errico Malatesta, Um Projeto de Organização Anarquista, 1927.

10. Nestor Makhno, Resposta a “Um Projeto de Organização Anarquista”, 1928.

11. Plataforma, Apresentação.

12. Plataforma, Seção Geral, Anarquismo e sindicalismo.

13. “Estavam presentes nesta reunião - fora o grupo Dielo Trouda - um delegado da Juventude
Anarquista Francesa (Odeon); um Búlgaro, Pavel, enquanto indivíduo, um delegado do agrupamento
anarquista polaco, Ranko, e outro polaco enquanto individuo, alguns militantes espanhóis, entre os quais
Fernández, Carbó e Gibanel; um italiano, Ugo Fedeli; um chinês, Chen; e um francês, Dauphlin-
Meunier, todos como indivíduos.” Nick Heath, Introdução histórica a Plataforma, 1989.
http://flag.blackened.net/revolt/wstrans/portuguese/platform/hist_intro.html

14. Idem. Para saber mais sobre a repressão política internacional que acompanhava a militância
anarquista ao redor do mundo, consultar SERGE, Victor. O que todo revolucionário deve saber sobre
repressão (In: A hora Obscura: testemunhos da repressão política). São Paulo: Editora Expressão Popular.
2001.

15. Na França o impacto da Plataforma gerou a adoção do princípio de responsabilidade coletiva pela
Union Anarchiste Communiste no seu congresso de 1927. A corrente sintetista, que havia se tornado
minoritária abandona a UAC e cria a Associação dos Federalistas Anarquistas (AFA), um de seus
membros é Sebastian Faure. É nesse contexto que ele dará prosseguimento a sistematização da noção de
síntese iniciada por Volin e concretizada em 1928 em seu texto A Síntese Anarquista. A UAC adota o
nome de Union Anarchiste Communiste Révolucionnaire. Makhno escreveu uma carta ao congresso
saudando a adoção do princípio de responsabilidade coletiva, Al Congresso della Union Anarchiste
Communiste Révolutionnaire (http://www.fdca.it/). Contudo a orientação plataformista dura pouco tempo
na organização e no congresso de 1930 se volta para os marcos de antes do racha, o que desaguaria em
1934 com a unificação da UACR e da AFA sob a antiga sigla de UA. Essa unificação era justificada por
seus defensores devido o contexto de ascensão do fascismo e da Frente Popular na França. Dessa fusão
saiu um racha de orientação plataformista que criou a Federação Comunista Anarquista (1934-1936).
(http://www.almeralia.com/bicicleta/bicicleta/ciclo/11/17.htm)

Na Itália a proposta de uma Federação Comunista Anarquista Internacional elaborada pelos


plataformistas nas conferências realizadas na França ganha aderentes através do Manifesto Comunista
Anarchico da 1º Sezione Italiana
aderente alla Federazione Internazionale Comunista Anarchica (http://www.fdca.it/). O grupo italiano
Pensiero e Voluntá, composto por Luigi Fabbri, Camillo Berneri e Ugo Fideli rejeitam a proposta da
Federação Internacional por discordar dos princípios de unidade teórica e tática (Risposta alla proposta
di una Internazionale Comunista Anarchica Il gruppo Anarchico di "Pensiero e Volontà)
http://www.nestormakhno.info/italian/pensierovolonta.htm.

16. O período entre 1865 e 1868 marca no pensamento de Bakunin uma rica produção no campo da
organização partidária e da elaboração programática. São desse período os documentos Programa da
Fraternidade Internacional Revolucionária (1865), Catecismo Nacional (1866), Catecismo Revolucionário
(1866), Programa e Estatutos da Aliança da Democracia Socialista, Estatutos Secretos da Aliança:
Programa e Objetivo da Organização Revolucionária dos Irmãos Internacionais (1868) e Programa da
Sociedade da Revolução Internacional (1868).

Os programas, a concepção de partido, assim como a elaboração estratégica revolucionária de Bakunin,


desmentem uma certa mitologia criada sobre o autor, seja pelos marxistas seja pelos revisionistas do
anarquismo, de que ele seria um defensor dogmático do espontaneísmo das massas, negando a
importância do partido revolucionário para a construção da revolução socialista. Para Bakunin o
desenlace revolucionário exige que o partido revolucionário desempenhe o importante papel de guia e
orientador da atividade das massas.

17. Plataforma, Apresentação.

18. Plataforma, Sessão Geral, O Papel das Massas e dos Anarquistas na Luta e na Revolução Social.

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