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Linguagem e Apresentação Jurídica

Comunicação e linguagem: retórica e argumentação


empregadas no discurso jurídico

Unidade I

Prof. Daniel Tobias Leite de Almeida

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Apresentação do professor-autor

Daniel Tobias Leite de Almeida é professor convidado na Unidade Paulista –


UNIP –, atuando nas disciplinas comuns e específicas de Teoria Geral, Direito
Tributário e Direito Civil, para os cursos de Pós-Graduação de Direito, na modalidade
ensino à distância – EaD.
É bacharel (2010) em Direito pela Unidade Paulista – UNIP –, realizando MBA
em Gestão Pública pela rede LFG – Luiz Flávio Gomes –, atual instituição Anhanguera
– UNIDERP (2019).
Atua como advogado na área do direito privado, especialmente em contratos e
execuções.

Curriculum Lattes: http://lattes.cnpq.br/3489925247258042


Introdução

Com o objetivo de proporcionar ao graduando a compreensão do discurso jurídico, a


Unidade I da disciplina Linguagem e Apresentação Jurídica tratará do estudo das noções
envolvendo a Retórica e as noções adequadas para realização da argumentação em
ambiente jurídico, contextualizando-o com métodos que devem ser evitados, como os
argumentos conhecidos como falácias.
Posto isso, serão consideradas as características básicas que constituem a
comunicação e, posteriormente, levando em conta as formas textuais e o gênero institucional,
especificado pelo discurso jurídico, considerando também todos os seus atributos discursivos,
além da exposição da Lei Complementar nº 95, de 26 de fevereiro de 1998, que tem como
objeto a estrutura técnica de redação legislativa.
Ao graduando, será exemplificado o emprego da lógica formal, para construção
argumentativa demonstrativa e, posteriormente, o roteiro para argumentação propriamente
considerada.
Por fim, será dada atenção ao conteúdo do Manual de Redação da Presidência da
República, expondo o paralelo com a Lei Complementar de Técnica Legislativa.

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1. Noções gerais sobre a linguagem e a comunicação

Entre as compreensões dadas ao conceito de linguagem, podemos considerar


a priori que a comunicação pode ser uma atividade para comunicação entre seres
humanos, ou uma faculdade do homo sapiens sapiens de verbalizar e expressar
códigos coesos e complexos.
Assim, exsurge na convivência humana as formas que as pessoas possuem de
se comunicar umas com as outras, até mesmo por linguagem não verbal, como
símbolos e desenhos.
Todavia, a linguagem verbal se identifica com um conjunto de sinais
combináveis – a língua. Portanto, a linguagem é um gênero, cuja língua se torna uma
espécie (Henriques; Trubilhano, 2017, p. 2).
A partir do aprimoramento dos códigos fonéticos, foram elaborados idiomas e
dialetos de comunicação, inclusive pela miscigenação de culturas e etnias distintas,
por assimilação decorrente de comércio, diplomacia e até de escravidão ou guerras.
Nas sociedades do século XXI, intercomunicadas pela internet e
comercialmente globalizadas, observa-se a difusão de diversas outras culturas, como
o consumo de música ou filmes, por demanda via streaming, possibilitando o
intercâmbio cultural e a adoção de estrangeirismos ao próprio idioma, sendo o
patamar de complexidade que até o momento pode ser concebido.
A concepção da comunicação costuma ser construída por três elementos,
sendo eles o emissor, a mensagem ou conteúdo transmitido e o receptor.
Uma coletividade de pessoas instrui seus descendentes a decodificarem os
elementos linguísticos do seu grupo, de modo que o indivíduo tenha condições de
dominar a língua nativa.
Com os parâmetros da semiótica, pode-se esquematizar didaticamente o
entendimento sobre os sinais linguísticos que compõem a língua. Os sons se
coadunam com a grafia, formando palavras, que são denominadas significantes. O
contexto cultural, entonação da fala, entre outros elementos, acabam por determinar
um significado àquele significante.
O estudo semiótico decorre do movimento do século XX denominado Nova
Retórica, que, entre as inovações, buscou levar a retórica para as diversas formas de
arte.
Por intermédio da semiótica, são compreensíveis ironias, piadas e
simbolização, típicas das atividades artísticas (poesias e textos sátiros) e da aplicação
de correntes da psicoterapia na interpretação de sonhos ou símbolos do inconsciente.
O sistema de sinais constitui a denominada linguagem natural. Em
contrapartida, foram desenvolvidas linguagens artificiais, como o alfabeto de surdos-
mudos e o Código Morse (Petri, 2017, p. 2)
Sinais não constam com exclusivamente apenas para o âmbito da
compreensão da língua, mas são utilizados nos diversos ramos de atividade humana.
Nesse sentido, temos os sinais de trânsitos (elementos de linguagem não
verbal), consubstanciando atos administrativos emitidos pela Administração Pública
quanto a uma conduta a ser adotada ou não pelo motorista, em determinado trajeto.

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Torna-se implícito o que pode ou não ser feito, o porquê daquilo e quais as
consequências dali decorrentes. Observa-se, pois, os efeitos jurídicos decorrentes de
signos e como podem impactar a cidadania do indivíduo.
No que tange ao ambiente jurídico, muito pode ser debatido acerca de ações
judiciais reparatórias da honra objetiva decorrentes da dúbia interpretação da
linguagem escrita nos meios digitais, como as redes sociais. Pode-se conjecturar a
dificuldade de estabelecer sarcasmo em determinada postagem ou não.
Observemos a postagem da rede social Twitter, onde há limitação para 280
(duzentos e oitenta) caracteres em cada postagem (tweet). Esse formato pode – ou
não – prejudicar muito o interlocutor da mensagem.
Soma-se a essa dificuldade outra peculiaridade do contexto social brasileiro do
século XXI. Há uma abundante animosidade da população brasileira frente aos
escândalos de corrupção por parte dos agentes políticos eleitos, tornando hostis
muitas manifestações opinativas por parte de usuários – eleitores – em suas redes
sociais.
Os denominados instrumentos de linguagem são muito empregados, o que
torna dúbia a interpretação sobre determinado fato ou pessoa, e ambígua a agregação
do significado ao significante. É observável também a adesão, bem como a
contrariedade, ao denominado politicamente correto, em que determinado interlocutor
emprega palavras adequadas e sutis ao contexto ou ao público para evitar ofensas,
ou exclusão, aos receptores da mensagem.
Não obstante, a mensagem visual difundida pela internet, por meio dos memes
(termo oriundo da memética, teoria proposta pelo biólogo Richard Dawkins para
explicar a proliferação de ideais de maneira similar como ocorrem com os genes),
mostra o impacto no cotidiano dos usuários de internet, principalmente pelo emprego
do humor (um significante específico que pode ser agregado ou não ao significado).
Assim, os memes que se proliferam na internet têm o condão de estimular a
reflexão sobre determinado evento ou pessoa, de ridicularizar e até mesmo de sugerir
um evento ou acontecimento falso – as denominadas fake news.
Doravante, muitas pessoas públicas – entre celebridades e políticos –
provocam o Poder Judiciário para imposição de medidas como a exclusão do
conteúdo publicado on-line e a reparação pecuniária por ofensa a honra.
Toda dinâmica social perpassa pela linguagem, independentemente da
qualidade ou intenção da comunicação estabelecida. Assim, a linguagem escrita
tende a ser mais comedida enquanto a falada pode ser mais espontânea e explosiva,
a depender do contexto. Posto isso, surgem outros problemas como o assédio moral
dentro do ambiente de trabalho e a dificuldade de manter o convívio profissional de
maneira saudável.
No que concerne às atividades institucionais, a linguagem verbal e a não verbal
repercutem também na atividade desempenhada pelo Poder Judiciário.
A natureza do sistema judicial adotado no Brasil condiz com a prevalência da
linguagem escrita, sobretudo com a formalização de atos e fatos por meio de
documentos. Inerente a essa forma de linguagem, o conteúdo textual tende a ser mais
claro, prolixo e formal, haja vista que a verbalização pela fala tende a ser contaminada
pela espontaneidade do momento, imediatismo, gestos e entonação da voz.

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Porém, até mesmo a linguagem formal escrita não está alheia, de alguma
maneira, a interpretações dúbias ou conflituosas.
Nesse sentido, tem-se o emprego do fenômeno do controle de
constitucionalidade sem redução do texto, também chamado de mutação
constitucional, exercido pelo Supremo Tribunal Federal – STF –, formalizando uma
forma específica de compreender o sentido da norma jurídica em discussão.
Logo, algo dessa magnitude impacta direitos e deveres de todos os cidadãos e
necessita do operador do Direito a aplicação da hermenêutica, para poder extrair o
melhor sentido que a norma originalmente prescrevera. Por meio de critérios objetivos,
tende-se a extrair do texto formal o maior alcance jurídico plausível, além de minorar
efeitos danosos frente à hipótese de subsunção da norma.
Doravante, muitos expedientes judiciais podem ser admitidos ou empregados,
visando à diminuição do excesso de burocracia e a emergência de determinados
frente a contextos sociais específicos, como processos que podem ser decididos sem
necessidade de realização de audiência instrutória, com o fim de aplicar a celeridade
processual.
Os autores Fabio Trubilhano e Antonio Henriques sintetizam as características
da linguagem gráfica, esclarecendo que:

(…) os textos escritos tendem a ser mais longos e complexos. A formalidade


é, também, uma característica distintiva da escrita, uma vez que ao autor,
sendo-lhe possível revisar seu texto, é-lhe dada a oportunidade de adequá-
lo à norma padrão e à variante de maior prestígio social. Essa seria uma das
razões para que alguns vissem na escrita valor superior à língua falada.
Ressaltamos, no entanto, que essa ideia não passa de mito, pois ambas as
formas são importantes para a comunicação, não havendo qualquer
razoabilidade em atribuir-lhes valorações distintas. Língua falada e língua
escrita, antes de serem sistemas excludentes, são complementares, estando
cada qual adaptada a determinados usos e modalidades discursivas.
(Trubilhano, Henriques, 2017, p. 9)

Conquanto haja atos judiciais realizados por meio da oralidade, principalmente


em audiências, torna-se necessário o registro de tais manifestações em razão da
segurança jurídica, como garantia às partes; e a consolidação dos atos realizados
pelos magistrados, membros do Parquet e auxiliares da Justiça, na realização de seu
labor.
Logo, essa constância da formalidade escrita permite a consolidação do
saneamento processual, porquanto o magistrado fará a averiguação dos requisitos
entre as partes (autor e réu), quanto à formalidade necessária para ajuizamento da
ação e a ocorrência da manifestação do requerido ou a aplicação dos efeitos de
revelia, bem como para constar a realização dos atos judiciais até então (Art. 347 a
353, CPC/ 2015).
Os níveis de linguagem são costumeiramente divididos em três estratificações,
variando conforme o autor consultado. Assim, há a língua culta, exigida para os
expedientes oficiais do Estado e empregada na linguagem comercial, na comunicação
empresarial, embora muitas propagandas utilizem-se de outros recursos linguísticos,
como gírias, ao direcionarem seus produtos e serviços para consumidores
específicos, como o público jovem.

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Há determinados estilos empregados na linguagem culta, tanto que é
corriqueiro o entendimento de que a literatura jurídica é demasiadamente prolixa,
sendo usado o termo juridiquês. Essa é uma das facetas envolvidas na redação
padrão, doravante outros meios literários utilizarem-se de termos específicos de seu
ramo, como manuais de medicina e ensaios de filosofia.
Na esfera da União Federal, foi elaborado o Manual de Redação da Presidência
da República, estabelecido como padrão para a Administração Direta e Indireta
Federal. No manual, há modelos para as correspondências oficiais e também regras
gramaticais para o bom uso da norma culta quanto às expressões empregadas no
cotidiano de um órgão ou entidade pública.
Atualmente, o manual mencionado está em sua terceira edição, aprovado pela
Portaria nº 1.369, de 27 de dezembro de 2018, pela Subchefia para Assuntos Jurídicos
da Casa Civil.
De acordo com o documento, a linguagem formal oficial empregada e
padronizada pela União homenageia princípios de clareza e concisão, com a
finalidade de tornar a comunicação direta e ágil para respostas ou ações.
Outra forma de linguagem consiste na língua vulgar ou coloquial, que é a
usada no dia a dia, falada pelas pessoas mais simples e com menor grau de instrução.
Todavia, muitos literatos e cientistas modernos advogam pela não discriminação
dessa forma de comunicação, haja vista que, apesar de não empregarem as regras
gramaticais como foram estabelecidas, seus interlocutores conseguem manter
razoavelmente a comunicação, não afetando diretamente suas atividades e lazeres.
Em contrapartida, muitos alegam a necessidade de que a educação seja
difundida e rígida, em prol das práticas ordeiras e da disciplina, já que não corrigir
erros coloquiais propiciaria a normalização daquilo que é errôneo.
Há outra forma de linguagem, considerada familiar ou grupal, usada entre
pequenos grupos ou coletividades, como núcleos familiares e pequenas
comunidades.
Porém, não há consenso sobre essas taxonomias, pois pode ser encontrada
uma subclassificação sobre o linguajar cotidiano, podendo uma delas ser conceituada
popular, com erros de concordância, vícios linguísticos e usos de gírias regionais, e a
outra, denominada como afetivo ou familiar, relacionada com a comunicação familiar
e local, sendo ambas consideradas subdivisões da forma coloquial.
A partir da linguagem escrita, encontraremos, ainda, o texto ou discurso, que
consiste na manifestação por quaisquer de suas formas e gêneros.
O texto é nuclearmente considerado de três formas: a narração, a dissertação
e a descrição, podendo uma complementar a outra a depender do gênero textual.
O texto narrativo expõe a ocorrência de um fato ou a sequência de
acontecimentos, característica da linguagem oral. Não tão distinta, a descrição pode
ser uma forma mais técnica, consistindo no elenco de características ou atributos de
objetos e seres. A dissertação, por fim, refere-se à exposição de ideias ou defesa de
teses, podendo estar sujeita a formalidades técnicas quanto à sua elaboração.
No peticionamento judicial, os fatos são narrados para que o juiz possa dizer o
direito ao fim da ação, da mesma forma que o réu poderá narrar sua versão dos fatos
na sua contestação. A dissertação é elaborada para formar a tese de Direito,

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consolidando o raciocínio jurídico empregado, por meio de argumentação, para
mostrar ao magistrado por que o autor tem razão e seus requerimentos merecem ser
concedidos.
Já em sede de instrução probatória, ocorrências e fenômenos podem ser
narrados pelas testemunhas ou pelo depoimento das partes. Quanto à atuação do
perito técnico profissional, predomina o discurso descritivo, haja vista realizarem
laudos psiquiátricos, avaliações de imóveis ou cálculos, para aferir a condição de
pessoas ou estado de bens.
Os gêneros textuais decorrem do tipo textual empregado, podendo ser
considerados como instrumentalização dos textos. Nesse sentido, o texto jornalístico
e a lei são gêneros textuais distintos.
No âmbito da atividade do Poder Legislativo, a Lei Complementar nº 95, de 26
de fevereiro de 1998, dispõe sobre a elaboração, a redação, a alteração e a
consolidação de leis. Por meio dessa norma, tem-se esquematizada a técnica
empregada para redação de leis e atos normativos, compondo o gênero legislativo ou
normativo.
Nos termos do Art. 3º da referida lei, tem-se a estrutura da lei em três partes:
preliminar, normativa e final. A seguir, estão elencados os elementos que compõem
cada parte:

Estrutura básica da lei – lei complementar nº 95/1998

Parte preliminar a. Epígrafe.


b. Ementa.
c. Preâmbulo.
d. Enunciado do objeto.
e. Indicação do âmbito de aplicação
das disposições normativas.

Parte normativa Textos das normas de conteúdo


substantivo sobre a matéria regulada.

Parte final a. Disposições acerca das medidas


necessárias para implementação das
normas de conteúdo substantivo.
b. Disposições transitórias.
c. Cláusula de vigência e de
revogação, quando for necessária.

A Lei Complementar nº 95/1998 estabelece a composição das estruturas


(grafadas por letras no quadro) das três partes básicas, no decorrer dos Art. 3º a 6º,
deixando a cargo dos Art. 7º a 9º o regramento acerca do artigo inaugural da lei,
mencionando objeto e âmbito de aplicação, além das disposições sobre cláusulas de
vigência e de revogação, conforme os dois últimos dispositivos, respectivamente.
A articulação do texto legal segue as estruturas abaixo, denominadas pelo Art.
10, caput, como princípios:

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1. Artigo, sendo a unidade básica de articulação. Poderá ser desdobrado em
parágrafos.
2. Parágrafos poderão ser estratificados em incisos.
3. Incisos, passíveis de serem esmiuçados em alíneas.
4. Alíneas, que poderão sofrer discriminação na forma de itens.
5. Itens.

Por fim, embora curioso, há um dispositivo que tem fundamental importância.


Trata-se, pois, do Art. 18, mencionando a hipótese de a inexatidão formal de norma
elaborada regularmente por processo legislativo não constituir desculpa legitimada
para o seu descumprimento.
Embora possa parecer desnecessária ou óbvia, o dispositivo remonta ao
princípio da legalidade, conjugado com a reserva legal, garantindo o caráter impositivo
da lei e não possibilitando ausência de norma para justificar descumprimento de algum
comando direcionado para sujeitos de direito.
Ainda tratando do discurso ou texto, resta esclarecer a denotação e a
conotação, sendo esses sentidos empregados para o uso de determinadas palavras.
Ambas podem ser entendidas como relação de sentido das palavras ou atribuição de
significados. São, portanto, variações de signo linguístico.
O sentido denotativo de determinada palavra refere-se ao seu sentido real,
seu significado concreto, ausente de figuras de linguagem ou recursos metafóricos.
Esse é o sentido que deve ser empregado nas comunicações oficiais e textos
legiferantes.
Quando é utilizada a conotação para significar determinada palavra, tem-se
alargado o significado real dela, com maior liberdade do uso de metáforas ou
simbolismos do termo em questão.
Em manifestações orais de juristas ou políticos, é cotidiano o emprego da
adjetivação “teratológico(a)” para se referir a determinada manifestação ou ato
processual, geralmente quando ocasiona efeitos práticos deletérios ou que desperte
espanto nos receptores.
O significado de teratologia remete ao estudo, dentro da medicina, de
anomalias congênitas, estando empregado em seu sentido denotativo. Em sentido
coloquial, teratologia refere-se à monstruosidade. Logo, quando uma opinião é emitida
considerando determinado ato e fala como teratológicos, essa qualidade é aplicada
de forma conotativa. Seu significado original foi alargado, intuindo-se que o conteúdo
ou ato criticado é absurdo ou pode gerar efeitos danosos, sendo disforme ou
monstruoso.
Em expressão estritamente denotativa, poderíamos considerar ficção jurídica,
já que o conceito de ficcionalidade não é extrapolado para a figura da pessoa jurídica,
que é sujeito de direito, atuando em nome próprio sendo que na realidade, não existe
como ser vivo ou autônomo.

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1.1 Linguagem jurídica

A denominação linguagem jurídica é uma convenção, não sendo um ramo


corroborado pelos estudiosos, mas o emprego específico da língua. Como regra,
caracteriza-se pelo padrão culto de linguagem, mas não significa que uma pessoa
estudada e alheia ao ramo profissional do Direito consiga compreendê-la no todo.
Entre suas características, podemos elencar as seguintes, segundo Trubilhano
e Henriques (2007, p. 24):

a) Constância da voz passiva ou reflexiva: para que seja dada importância


ao ato ou à função e não ao agente. Contudo, ao observarmos os dispositivos da
Constituição Federal, há o emprego da voz ativa com muita frequência, pois a Carta
Magna designa a organização institucional dos poderes no Brasil, emanando
comandos para os entes federativos, considerados pela administração pública direta
e indireta dos três poderes.
É também muito empregada a voz passiva quando do elenco de rol de
hipóteses ou requisitos, como podem ser observados nos Artigos 9º e 10º do Código
Civil (Lei nº 10.406/2002):

Art. 9º Serão registrados em registro público:


I – os nascimentos, casamentos e óbitos;
II – a emancipação por outorga dos pais ou por sentença do juiz;
III – a interdição por incapacidade absoluta ou relativa;
IV – a sentença declaratória de ausência e de morte presumida.

Art. 10. Far-se-á averbação em registro público:


I – das sentenças que decretarem a nulidade ou anulação do casamento, o
divórcio, a separação judicial e o restabelecimento da sociedade conjugal;
II – dos atos judiciais ou extrajudiciais que declararem ou reconhecerem a
filiação.

Conforme os exemplos, essa característica não é mero estilo ou capricho, mas


demonstra otimização e clareza quanto à elaboração da redação legislativa, tornando
seus dispositivos mais objetivos para consulta.
b) Ordem indireta da oração: de maneira distinta do ordem direta sujeito +
verbo + complemento, sendo que não se encontra apenas no texto de lei, constando
na elaboração de ementas de julgados proferidos pelos tribunais do país,
corroborando a imagem de que o texto jurídico torna-se prolixo, v. g., não demonstrado
o nexo de causalidade entre os danos alegados e a suposta omissão do ente público,
especialmente quando não era possível para este impedir o prejuízo, indevido o pleito
indenizatório. (T.J.M.G., 2018)
O Art. 3º do Código Civil prescreve que os menores de dezesseis anos são
absolutamente incapazes de exercer pessoalmente os atos da vida civil. Mas sua

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redação se dá com a seguinte estrutura: “São absolutamente incapazes de exercer
pessoalmente os atos da vida civil os menores de 16 (dezesseis) anos.”
c) Orações reduzidas estabelecem hipóteses ou acontecimentos que possam
requerer uma norma específica da lei para o caso. Nesse exemplo, os verbos são
utilizados na forma do gerúndio ou do particípio. Para ilustrar, utilizaremos os
seguintes dispositivos do Código Tributário Nacional (Lei nº 5.172/1966):

Art. 116. Salvo disposição de lei em contrário, considera-se ocorrido o fato


gerador e existentes os seus efeitos:

I – tratando-se de situação de fato, desde o momento em que se verifiquem


as circunstâncias materiais necessárias a que produza os efeitos que
normalmente lhe são próprios;
II – tratando-se de situação jurídica, desde o momento em que esteja
definitivamente constituída, nos termos de direito aplicável.
Parágrafo único. (…)

Art. 118. A definição legal do fato gerador é interpretada abstraindo-se:


I – da validade jurídica dos atos efetivamente praticados pelos contribuintes,
responsáveis, ou terceiros, bem como da natureza do seu objeto ou dos seus
efeitos;
II – dos efeitos dos fatos efetivamente ocorridos.

d) Objetos direto e indireto substituídos por pronomes, para dar maior


concisão ao dispositivo legislativo, mantendo a lógica daquilo que é descrito entre os
diversos agentes, institutos ou fenômenos jurídicos.
Para esclarecer, segue um dispositivo acerca das quotas da sociedade
limitada, do Código Civil / 2002:

Art. 1.058. Não integralizada a quota de sócio remisso, os outros


sócios podem, sem prejuízo do disposto no art. 1.004 e seu parágrafo
único, tomá-la para si ou transferi-la a terceiros, excluindo o primitivo
titular e devolvendo-lhe o que houver pago, deduzidos os juros da
mora, as prestações estabelecidas no contrato mais as despesas.
(destaque)

Cumpre esclarecer que os destaques referem-se à substituição do referido


objeto por pronome para clareza e verniz gramatical. Assim, o dispositivo poderia ser
construído de maneira muito mais prolixa, podendo gerar cacofonia e redundâncias:
tomar (ela ou a quota do sócio remisso) e transferir (ela ou quota do sócio
remisso) a terceiros, excluindo o primitivo titular e devolvendo (para este) o que
houver sido pago. Os dois primeiros verbos em destaque constituem objeto direto,
cujo complemento não depende do emprego de preposição; quanto à última forma
verbal, trata-se de objeto indireto, pois foi utilizada a preposição para, sendo que
poderia também ser utilizada o a prepositivo.

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Com o uso adequado de pronomes, o texto torna-se elegante e enxuto, já que
discorre sobre diversas ocorrências apenas no caput do Artigo, sem escrutinar em
parágrafos ou incisos.
e) Pontuação, sendo dada especial atenção ao uso de vírgulas, para
estabelecimento de exceções ou situações específicas sobre as quais o agente ou o
fenômeno jurídico deva agir ou deixar de agir; ou para estabelecer elementos
acessórios ao enunciado em ordem direta da oração.

Assim, segundo a Carta Magna:

Art. 148. A União, mediante lei complementar, poderá instituir


empréstimos compulsórios:
(…) (destaque)

O dispositivo estaria gramaticalmente adequado sem o termo em destaque, não


afetando o sentido da oração: A União poderá instituir empréstimos compulsórios.
Também não haveria incorreção para a forma a seguir, haja vista o termo acessório
estar no fim do predicado: A União poderá instituir empréstimos compulsórios
mediante lei complementar.
Porém, o realce entre vírgulas, logo após o sujeito, tem a função de ênfase,
para que a instituição de empréstimos compulsórios se dê apenas por intermédio da
lei complementar. No mesmo sentido: Por lei complementar, a União poderá instituir
empréstimos compulsórios. Não obsta as críticas ao texto jurídico e sua dificuldade
de compreensão não pelo rigor da gramática, mas pela falta de clareza, uma vez que
esse deslocamento entre vírgulas na construção direta oracional tende a cortar o
raciocínio para especificar o adendo – separado por vírgula.
O estilo empregado na literatura jurídica e institucional prezam pelo decoro e
formalidade, por vezes, tidos como excessivos. Observa-se, portanto, no
endereçamento das peças processuais e de ofícios e memorandos entre órgãos e
entidades o uso do pronome de tratamento, além de títulos e adjetivos. O tratamento
elogioso é também empregado para petições e recursos direcionados perante a
segunda instância.
Outra peculiaridade do discurso jurídico consiste na referência aos institutos
jurídicos em sua origem latina, utilizados frequentemente sem a tradução ou
adaptação à linguagem moderna do português brasileiro, expondo, portanto, o caráter
conservador da linguagem jurídica.
Sem maiores investigações, podemos considerar como exemplos os remédios
constitucionais habeas data e habeas corpus, além dos efeitos jurídicos erga omnes,
dentre outros.
Não se distanciado desse apego à língua latina, torna-se comum o uso
descritivo de determinados institutos ou fenômenos jurídicos com certa constância nos
textos legislativos, ora expondo o dispositivo em questão, como um texto prolixo, ora
determinando claramente sua descrição e significado.
O Código Civil Brasileiro (Lei nº 10.406/2002) prescreve em seu Art. 2.045 que
foram revogados o Código Civil de 1916 (Lei nº 3.071/1916) e a parte primeira do

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Código Comercial (Lei nº 556/1850). Todavia, poderiam ser empregadas as
expressões jurídicas específicas para esse fenômeno da revogação da norma: ab-
rogação do Código Civil de 1916 e derrogação do Código Comercial, quanto à
primeira parte.
A observância da carga semântica deve ser considerada e empregada para
cada definição jurídica da maneira mais precisa possível, sob pena de acarretar
prejuízos na atividade profissional no campo do Direito. Assim, torna-se imperativa a
distinção entre furto e roubo, oriundas do Código Penal Brasileiro (Decreto-lei nº
2.848/1940), ou o estabelecimento da distinção entre interrupção e suspensão de
prazo, não considerando que ambos possuam o mesmo significado ou efeito.
Na esfera judicial, quando se trata de decisões e despachos judiciais, é habitual
da atividade judicante que o magistrado determine o cumprimento ou a realização de
atos para as partes, além da realização de expedientes, direcionado aos agentes
administrativos, para o impulso processual, como emissão de certidões e expedição
de ofícios e a emissão de determinações para diligências.
É da natureza da atividade do juiz possuir tal prerrogativa, não havendo
possibilidade de se alegar a vigência de autoritarismo ou tirania por parte das
instituições judiciais, mas sim da própria natureza do Poder Judiciário, em sua
atividade primária, que é dizer o Direito aos jurisdicionados.
Nesse sentido, o Art. 139 do Código Processual Civil (Lei nº 13.105/2005)
estabelece algumas responsabilidades destinadas ao juiz, que deverá dirigir o
processo nos termos da novel processual:

Art. 139. O juiz dirigirá o processo conforme as disposições deste Código,


incumbindo-lhe:
(…)
II – velar pela duração razoável do processo;
III – prevenir ou reprimir qualquer ato contrário à dignidade da justiça e
indeferir postulações meramente protelatórias;
IV – determinar todas as medidas indutivas, coercitivas, mandamentais ou
sub-rogatórias necessárias para assegurar o cumprimento de ordem
judicial, inclusive nas ações que tenham por objeto prestação pecuniária;
(…)
VI – dilatar os prazos processuais e alterar a ordem de produção dos meios
de prova, adequando-os às necessidades do conflito de modo a conferir
maior efetividade à tutela do direito;
VII – exercer o poder de polícia, requisitando, quando necessário, força
policial, além da segurança interna dos fóruns e tribunais;
VIII – determinar, a qualquer tempo, o comparecimento pessoal das partes,
para inquiri-las sobre os fatos da causa, hipótese em que não incidirá a pena
de confesso;
IX – determinar o suprimento de pressupostos processuais e o saneamento
de outros vícios processuais;
(…) (destaque)

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Logo, é da natureza da atuação judicial imposições aos jurisdicionados quanto
ao andamento processual, e mostra-se necessário para o saneamento e cumprimento
processual, garantindo assim axiomas constitucionais como o devido processo legal
e a celeridade processual.

1.2 Retórica na argumentação jurídica

Retórica, na sua origem grega rhetorike, significa a arte ou técnica de falar


bem, como instrução para realização de uma boa argumentação sobre um tema. Um
de seus documentos mais antigos e homenageados é a obra Retórica, do filósofo
grego Aristóteles (384 a.C. – 322. a.C.), que sistematizou os métodos de realização
da boa fala.
Inclusive, convencionou-se, a partir de Aristóteles, incluir a lógica como um
campo ou parte da filosofia, que também era composta pela epistemologia, ética e
metafísica.
Era também entendida como uma ciência, já que se destinava à análise e ao
estudo das técnicas e figuras de linguagem. Já na perspectiva de arte, estabelecia a
realização da boa comunicação, com argumentos coesos logicamente. Buscava a
harmonia entre a essência ou conteúdo daquilo que era comunicado ou defendido,
além da lógica argumentativa exemplar para esse fim.
Contrariando essas premissas, havia a retórica aplicada pelos sofistas, que
entendiam como valor de boa comunicação apenas a argumentação em si para o fim
de convencimento sobre um assunto, sem se aterem ao conteúdo da comunicação,
podendo recorrer a fatos ou fenômenos falsos, imprecisos ou verdadeiros, importando
apenas o convencimento.
Quanto ao discurso proposto dentro da retórica aristotélica, era dividido em
quatro ou cinco partes, haja vista terem sido aprimoradas e refeitas pelos romanos.
Em breve síntese, são elas:
a. Inventio – intuição inicial, de onde se tira o conteúdo argumentativo para
provar o seu ponto de vista.
b. Dispositio – a apresentação dedicada a seu auditório, com os elementos
introdutórios de sua exposição, além da narrativa dos fatos e a apresentação da
argumentação favorável a sua defesa e contrários aos demais debatedores. Ao fim, é
apresentada uma síntese de todo o exposto, ratificando a tese defendida.
c. Elocutio – a adequação do estilo linguístico ao contexto e à assembleia.
d. Actio – elementos de atuação ou da oralidade, definindo timbre de voz,
entonações e linguagem corporal.
A parte atribuída aos romanos é denominada memória, referindo-se ao estudo
prévio da tese em seu todo, possibilitando que a criatividade possa ser a principal
ferramenta.
As formas persuasivas, conforme Aristóteles, eram estimuladas por meio das
seguintes fontes:
1. Razão – logos.

14
2. Caráter – éthos.
3. Paixão – páthos.
Entre as formas de classificação, a argumentação objetiva é aquela baseada
na razão, podendo ser concebida quando realizada de maneira técnica. Porém, o
discurso não é alheio ao aspecto introspectivo e simbólico, haja vista o emprego de
elementos da psiquê humana, sendo assim realizada a argumentação subjetiva, com
amparo do caráter e da paixão.
Não há uma relação de robustez entre ambas, considerando que a
argumentação objetiva seja correta e a subjetiva imprecisa. Ambas podem se
complementar, sendo que a subjetividade pode ser um mecanismo de aproximação
dos membros do auditório para a sua tese.
Paralelamente à argumentação escorreita, pode ser utilizada a lógica, que
consiste na relação de encadeamento entre premissas e uma conclusão final,
estrutura conhecida como silogismo.
Porém, nesse contexto, não tratamos de argumentação propriamente dita, mas
sim da demonstração, decorrente de um juízo lógico entre ideias e um juízo final.
Sua principal característica é não permitir um meio-termo entre fatos, haja vista sua
natureza decorrente dos debates nas pólis gregas, na Antiguidade, que visavam ao
convencimento de um auditório.
A distinção entre demonstração e argumentação reflete seu contexto; cada qual
serve a um propósito, conforme a necessidade, sendo que a argumentação é mais
robusta quanto à sua finalidade de defender razões. Porém, a natureza da persuasão
é intrínseca à demonstração.
No curso da demonstração, só há duas conclusões, e elas são mutuamente
excludentes (Há pena de morte no Brasil ou Não há pena de morte no Brasil).
Observa-se que o emprego do discurso realizado é impessoal.
No discurso argumentativo, há abertura para outras possibilidades, conforme
se arrazoa para defender seu ponto de vista. Logo, podemos conceituar no contexto
do exemplo supra que excepcionalmente, poderá ser aplicada pena de morte no
Brasil.
Porém, será dada mais observância à argumentação mais à frente, devido a
seu grau de liberdade de manifestação e seu amplo exercício na defesa de teses.
Acerca da demonstração, podemos concebê-la na forma de silogismo
aristotélico. São utilizadas duas alegações conhecidas como premissas, sendo uma
maior e a outra menor. Frente a sequência lógica entre elas, é alcançado o resultado,
como conclusão.

Estrutura básica de um silogismo

Todo direito social está previsto na Constituição Premissa maior

A renda básica universal não consta na Constituição Premissa menor

Logo, a renda básica universal não é um direito social Conclusão

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O esquema proposto acima pode ou não corresponder à realidade, pois se trata
de uma estrutura argumentativa concebida a partir da lógica formal, em que a validade
do argumento decorre exclusivamente da sua forma e não do conteúdo ou da
semântica.
A forma é válida em detrimento do conteúdo, tal qual podemos considerar que
uma conclusão que conste O céu tem coloração verde pode tornar a demonstração
verdadeira, conforme o encadeamento entre as premissas e a resolução.
Outra forma de realizar e constatar a realidade do argumento acima consiste
no uso de conjuntos, ou diagrama de Venn, tirando a prova se o silogismo em
questão é verdadeiro. Para esse fim, consideremos como Exemplo 1 a seguinte
situação:

1. Premissa maior: Todo direito social está previsto na Constituição.

2. Premissa menor: A renda básica universal não consta na


Constituição

3. Conclusão: Logo, a renda básica universal não é direito social

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Conforme ilustrado, é possível conceber a veracidade do silogismo, porque
suas premissas levaram à conclusão sem inconsistência entre os conjuntos.
Se todos os direitos sociais constam no texto constitucional, o conjunto dos
Direitos Sociais está necessariamente dentro do conjunto maior Constituição Federal.
A proposta de uma renda básica universal, não sendo considerada um direito social,
estará fora da Constituição, não podendo ser, portanto, um Direito Social, pois este
consta como direito constitucional.
Cumpre ao exemplo dado, o trabalho lógico formal, para fins didáticos, não
estipulando alegação no sentido de que um projeto de renda básica universal seja ou
não um direito social. Doravante, uma proposta de Emenda Constitucional pode criar
esse tipo de direito fundamental; ou, ainda, depois de criada, pode ser modificada para
outra forma de distribuição de renda, permanecendo, ao fim, como direito plasmado
no texto da Carta Magna.
Poder-se-ia constatar o erro de lógica caso a premissa maior contivesse o
seguinte teor: Alguns direitos sociais estão previstos na Constituição Federal, estando
representada pelos conjuntos de acordo com o Exemplo 2:
1. Premissa maior: Alguns direitos sociais estão previstos na Constituição
Federal.

2. Premissa menor: A renda básica universal não consta no texto da


Constituição Federal.

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Para estabelecermos a forma adequada de uma conclusão, o diagrama de
conjuntos abaixo possui representações verdadeiras, consideradas as duas
premissas apresentadas.
Cumpre observar que cada conjunto referente à Renda Básica Universal pode
ser isoladamente considerado ou distribuído todos cumulativamente, como na
imagem:

3. Conclusão: A renda básica universal pode ser ou não um direito social

Há uma intersecção entre os conjuntos Constituição Federal e Direitos Sociais


em razão do termo alguns, utilizado na premissa maior. No Exemplo 1, o termo
utilizado era todo, isolando a possibilidade de o conjunto renda básica universal
(premissa menor) pudesse ter alguma intersecção com o conjunto direito social, após
a leitura da premissa menor.
Dessa forma, continuando com a premissa menor do Exemplo 2, a renda
básica universal não consta na Constituição, não seria plausível concluir que renda
básica universal não é um direito social estaria correta, tornando a demonstração
inválida, já que seria possível haver uma intersecção entre os conjuntos direito social
e renda básica universal.
A elaboração via diagrama requer que o conjunto Renda Básica Universal
possa ter pelo menos alguma intersecção com o Direitos Sociais, estando isolado de
Constituição Federal.

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Todavia, defender que a renda básica universal possa ou não figurar como um
direito social, entre os direitos fundamentais constantes do Texto Político, é plausível
quando se trata da defesa argumentativa.
Não obstante a prova realizada com os diagramas de Venn, as proposições em
lógica formal precisam atender a três bases:
1. Identidade: a premissa, na sua carga semântica, mantém um valor em si,
não podendo corresponder a outro significado distinto.
Ao considerarmos o Código Civil, a premissa Estado de Pernambuco é uma
pessoa jurídica de direito público interno tem valor lógico e consta da realidade. A
contrariedade a essa alegação, como o Estado de Pernambuco é uma associação
não pode ser válida, pois A = B, já que houve uma mudança intrínseca à natureza do
ser ou entidade mencionada.
2. Não contradição: uma premissa ou alegação não pode determinar dois
fenômenos ou fatos contrários entre si.
Posto isso, nas relações internacionais, a República Federativa do Brasil
atenderá, entre outros, os princípios a defesa da paz e a solução pacífica dos conflitos.
Estando tais alegações estanques, conforme o Art. 4º, da Carta Magna, não se pode
considerar outro valor que não esse para a proposição.
Portanto, a República Federativa do Brasil rege-se nas suas relações
internacionais pelo princípio da beligerância é uma contradição ao preceito inicial.
Havendo os princípios da defesa da paz e da solução pacífica dos conflitos, o
valor lógico consiste em A = A. Quando atribuímos à beligerância como norte da
República Federativa do Brasil em suas relações internacionais, poder-se-ia
considerar A = -A.
3.Terceiro excluído: a premissa não comporta uma alternativa alheia a duas
opções. Assim, não há terceira opção; a proposição ou é verdadeira ou é falsa.
Portanto, haverá pena de caráter perpétuo no Brasil ou não haverá pena de
caráter perpétuo no Brasil. Não há como relacionar uma terceira possibilidade (trata-
se de uma demonstração e não de uma argumentação).
Já a argumentação, como regra, obedece à estrutura concebida para o tipo
textual dissertação, necessitando de uma introdução, o desenvolvimento de
argumentos e a conclusão. Pode-se constatar sua aplicação em provas, em exames,
vestibulares e em concursos públicos. Ainda consta em artigos jornalísticos e
editoriais, e, principalmente, na defesa jurídica, quando se busca convencer o juiz da
pretensão de direito que a parte autora entende ser legítima, ou na defesa da parte
demandada, que busca demonstrar que a requerente está equivocada em sua
pretensão.
Como ela é mais ampla que a demonstração, admite ponderações e variáveis
àquilo que se discorre, admitindo-se uma possibilidade sobre a veracidade e a certeza
do seu discurso.
Ademais, dentro do texto jurídico a ser redigido e defendido, é respeitada a
liberdade de uso de figuras de linguagem ou de até falácias argumentativas; porém, o
recomendável é que sejam evitadas ou, excepcionalmente, que possuam alguma
função estilística ou retórica para o texto.

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Para esse fim, existem as figuras de linguagem, que são recursos linguísticos
com maior comunicabilidade com outros gêneros textuais, como crônicas, romances
em prosa e, principalmente, poesia.
Como o texto jurídico requer formalidade e emprego da linguagem culta, é de
se presumir a clareza e a objetividade do seu conteúdo. Já não se espera de um
comunicado ou documento oficial, emitido pelo Poder Público, o uso de linguagens
dúbias, duplo sentido, simbolismos e sarcasmos na sua comunicação.
Como exemplo de figura de linguagem, o pleonasmo consiste no emprego de
termos repetitivos, inadequado para a linguagem formal e indicativa de falta de
repertório vocabular ou cultural do enunciador. Tem-se como pleonasmo a expressão
“descer para baixo”, porquanto descer implicar o deslocamento para um espaço ou
local físico inferior.
Porém, em prosa de teor lúdico ou na poesia, pode ser uma ferramenta de estilo
muito interessante, podendo estabelecer noção de intensidade ou importância
quanto àquilo que está sendo retratado ou sentido pelo interlocutor.
Quanto ao desenvolvimento da argumentação, realiza-se pela indução ou
dedução.
A indução consiste no raciocínio que se inicia por ocorrências particulares ou
especificadas em direção a um fato geral. A defesa é construída tendo como plano de
partida a experiência empírica para se chegar à causa.
No sentido contrário, dedução decorre da alegação genérica e comum, tendo
como objeto a especificidade daquilo que está sendo tratado, sendo o silogismo uma
forma de raciocínio dedutivo.
A lógica informal consiste na não obediência dessas regras como os princípios
da lógica formal, e baseiam-se em raciocínios dedutivos.
A argumentação é mais livre, pois não depende da estrutura formal realizada,
mas essencialmente sobre aquilo que é argumentado.
Nesse sentido, é possível que ocorram argumentos metódicos, podendo ser
denominados como falácias ou dialética erística, que podem ter efeitos temerários
quanto à idoneidade do discurso.
A falácia pode ser entendida como o falso argumento, que parece ser
verdadeiro e lógico, porém possui uma falha em sua construção, seja de maneira
aparente ou subentendida. Os argumentos metódicos são muito presentes no
discurso oral, repercutindo nas manifestações e nos debates orais, bem como em
testemunhos e em depoimento.
Outra falácia a ser considerada é o argumento de autoridade. Consiste em
reforçar aquilo que é pretendido com base no conhecimento ou experiência de uma
autoridade acadêmica ou intelectual sobre determinado assunto. Muito comum seu
emprego em petições e em julgados, em que os operadores do Direito recorrem a
comentários e conceitos por juristas.
Por assumir o caráter didático ao se utilizar de um conceito traçado por algum
jurista, serve de reforço à tese defendida, não possuindo esse caráter temerário no
âmbito jurídico. Porém, no ramo científico, seu peso é de menor consideração, haja
vista que em toda publicação realizada em periódico há a possibilidade de o
experimento ser defendido ou contrariado por outros cientistas, pela replicação. O

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argumento baseado no peso da autoridade é um dos fatores que propiciou a
proliferação das notícias falsas (fake news) em ambientes virtuais, como as redes
sociais.
Pessoas escolarizadas também disseminam ou defendem arduamente teorias
ou produtos não reconhecidos para os fins a que se destinam, principalmente quando
são discutidos meios medicamentosos.
O estratagema empregado consiste na desconsideração de variáveis sobre
aquilo que é discursado, como pode ser observado nos noticiários de 2020 acerca de
uso de medicamentos específicos que podem ou não surtir efeitos contra a doença
COVID-19, em decorrência da pandemia do vírus Sars-Cov2, e como ocorreu com a
fosfoetanolamina, apelidada pela imprensa de “pílula do câncer” nos anos de 2015 e
2016.
Falta, para a eficácia científica, o teste de controle e a análise de efeitos
colaterais em longo prazo. Em ambos os casos, houve recomendações médicas para
o uso e ocasionalmente surtindo os efeitos desejados; porém, não se pode dar o
ultimato acerca da eficácia curativa pela falta de estudos e testes aprofundados dos
medicamentos.
Quando se trata de temas envolvendo possibilidade de cura de doenças
complexas, sem o devido rigor, seus efeitos podem refletir na postura de
representantes políticos. Assim, foi promulgada a Lei nº 13.269/2016, autorizando o
uso da fosfoetanolamina sintética para pacientes diagnosticados com neoplasia
maligna.
Por sua vez, a falácia petição de princípio consiste na presunção generalista
acerca de um evento, havendo uma verdadeira confusão entre as premissas e a
conclusão.
Nos noticiários, é comum ser narrado que “(…) praticou homicídio culposo,
quando não tem intenção de matar”, portanto, são desconsideradas, nessa
mensagem, a possibilidade de imperícia, imprudência ou negligência, ou crime
preterdoloso.
Outra muito comum no cotidiano é a falsa correlação entre eventos ou fatos.
Em relações de causa e consequência, há uma aparente e sugestível causalidade que
não se sustenta com uma análise mais apurada do ocorrido.
Podemos considerar que a partir da criação dos smartphones houve um
aumento de furtos e roubos de celulares. Faz sentido e se mostra concretamente
verdadeira. Mas desconsidera eventuais adversidades quanto a esses dados. Afinal,
somente smartphones são objetos constantes de furtos e roubos entre bens móveis
de uso pessoal? A propaganda que cria status acerca de algum modelo ou linha de
celular pode ser um indicativo de sua subtração, já que muitos desejam obter um?
Outra correlação, aparentemente verdadeira, é o argumento de que o advento
de uma tecnologia de uso doméstico ou profissional acarretou maiores acidentes com
o uso da mencionada ferramenta, sendo que não era possível considerar a ocorrência
de um dano antes da existência de tal tecnologia, como é o caso do micro-ondas ou
do próprio smartphone. Esse tipo de argumento torna-se falacioso porque é plausível
que o mal uso ou o defeito desses aparelhos possam acarretar acidentes, então há
de existir dados estatísticos acerca desses acidentes.

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Como sinal de desconsideração, há o argumento ad hominem, que se atém
ao histórico pessoal do debatedor ou autor e que não leva em conta o seu discurso
ou fala. Inclusive, destina-se a não considerar a contradição dos argumentos
apresentados em razão de características do seu interlocutor.
Outra forma de manifestar um juízo alheio ao discurso consiste no argumento
pragmático, ou ad consequentiam, em que atos e fatos são avaliados
exclusivamente em razão de suas consequências favoráveis ou não. O brocardo “os
fins justificam os meios” ilustra de maneira cândida o emprego dessa forma de
persuasão.
Porém, há uma justificação do argumento teleológico, muito utilizado por
magistrados, considerando a finalidade da lei. Nesse sentido, o magistrado tem
liberdade em constituir seu juízo para decidir, não deixando de aplicar o Direito,
inclusive quanto aos casos não prescritos ainda por lei.
Também encontra amparo no fenômeno contemporâneo do ativismo judicial,
em que, em razão da pouca atuação do Poder Executivo e do Poder Legislativo,
quanto ao cumprimento de suas funções institucionais, os órgãos do Poder Judiciário
tomam a frente em estabelecer parâmetros para cumprimento de leis dúbias ou frente
a direitos ainda não tutelados.
Foram os casos dos Mandados de Injunção nº 670 e 721, estabelecendo que,
enquanto não fossem regulamentados os direitos de greve dos agentes públicos civis
federais, poder-se-ia pôr em prática as disposições da Lei de Greve (Lei nº
7.783/1989) aplicáveis ao regime da CLT no que não houver conflito.
Pela natureza da determinação por parte do Supremo Tribunal Federal, discute-
se se isso não seria uma intromissão nas funções distribuídas entre os Poderes,
considerando que o Judiciário estaria não apenas decidindo o Direito, mas legislando.
Ocorre que essa falácia não é empregada de maneira gratuita ou difusa; seu uso
encontra amparo nos métodos hermenêuticos da norma constitucional.
A constância do uso desses argumentos em defesa da tese jurídica gera o
empobrecimento da qualidade da argumentação, inclusive desviando o conteúdo
daquilo que pode estar sendo analisado.
A dialética erística é, portanto, a má retórica; nela, o argumento é estruturado
e construído de modo a ludibriar outrem, intencionalmente ou não.
Henriques (2013, p. 9) tece breve comentários acerca da impregnação de
sentido dado à arte retórica:

Entendemos que a Retórica não é boa, nem má; não é moral, nem imoral; ela
navega na zona cinzenta da amoralidade, como se costuma dizer. Ao
contrário de Platão, achamos que a Retórica não é, de per si, perversa,
embora possa até ser pervertida. À Retórica não interessa que o
orador/falante seja bom, mas, sim, que pareça bom.

Acerca do bem e do mal, cumpre à Ética tecer esse juízo de valor. No discurso
jurídico, isso é constatado: não cumpre elucidar a intenção do autor ou do réu ao
processo, mas aquilo que repercute no Direito e precisa de consequências, para
alcançar um fim teleológico institucional de pacificação dos conflitos. Doravante, a
retórica é uma arte ou um instrumento.

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Logo, não necessariamente o trabalhador, reclamante de ação judicial, pode
não ser um hipossuficiente de fato, mas presume-se que os meios de provas acerca
do seu horário e disciplina cumprem ao empregador dele demonstrar. No mesmo
sentido, a Lei Maria da Penha (Lei nº 11.340/2006) não observa inicialmente a má-fé
por parte da mulher, necessitando, portanto, ser provada.
A igualdade, nesses casos, precisou ser construída em razão de fatos jurídicos
importantes – abuso de autoridade contra o empregado e coerção em ambiente
doméstico por parte do homem, necessitando de respostas judiciais específicas.
O processo dialético decorre desde Platão, havendo uma maior elaboração a
partir do filósofo Georg Wilhelm Friedrich Hegel (1770-1831), em que é elaborada a
tese e, em seguida, a antítese. Da colisão de ambas, é alcançada a síntese do
discurso.
Tal estrutura é visível no curso do processo, pois há uma pretensão requerida
e justificada por argumentos e provas acerca do fato e do direito. Posteriormente, a
quem se destina a reclamação perante o Juízo resta defender-se e alegar o que for
razoável a seu Direito.
Por fim, caberá ao magistrado a decisão daquilo que estiver contido no
processo, conforme as provas colhidas no curso processual.

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2. Manual de redação oficial da Presidência da República

Criado no ano de 1991, atualmente o Manual de Redação Oficial da


Presidência da República está na terceira edição, conforme Portaria nº 1.369, de 27
de dezembro de 2018, da Subchefia para Assuntos Jurídicos da Casa Civil.
Ele traz em seu objeto parâmetros para ser utilizados em correspondências e
documentos oficiais, objetivando tornar clara e direta a linguagem institucional e coibir
a prática de vícios de linguagem típicos do cotidiano de repartições públicas.
Frente a isso, o documento elenca, na Parte I, os atributos elementares da
redação oficial, a seguir expostos:

a. Clareza e precisão.
b. Objetividade.
c. Concisão.
d. Coesão e coerência.
e. Impessoalidade.
f. Formalidade e padronização.
g. Uso da norma padrão da língua portuguesa.

Alguns desses princípios são exigidos na redação, nos mais diversos


contextos, porém, aqui se justificam em razão das prerrogativas de interesse público
e do próprio regime sob o qual o Poder Público se submete, especialmente pela
observância dos princípios da Administração Pública (Art. 37, caput, CF/88), como o
da legalidade e da impessoalidade.
Logo, não se recomenda o uso de figuras de linguagem, como metáfora, o
emprego de sarcasmo ou ironia na comunicação e na redação oficiais. A comunicação
precisa, portanto, ser clara, objetiva, e econômica nos termos, já que se direciona aos
administrados.
As correspondências realizadas oficialmente devem obedecer ao Padrão
Ofício, sendo elas definidas como Ofícios, Exposições de Motivo, Mensagens e
Correio eletrônico (e-mail).
Ainda dentro da Parte I do Manual, são exemplificados aspectos da ortografia
e gramática, com exemplos de termos aplicados no cotidiano de um órgão ou
entidade, com atenção aos vícios linguísticos.
Doravante, dedica as próximas partes ao âmbito do Poder Legislativo,
constando fundamentações para a elaboração de uma lei, os tipos de atos normativos
existentes no ordenamento jurídico brasileiro e a explicação quanto ao trâmite do
processo legislativo, conforme a espécie.
Não são meros protocolos, porquanto no curso da elaboração de um texto
legislativo, muitos elementos jurídicos devem ser observados, como competências,
esfera federativa e princípios de Direito.

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O emprego da técnica legislativa deve ter consonância com o texto da Lei
Complementar nº 95, de 26 de fevereiro de 1998, que trata da elaboração, redação,
alteração e consolidação das leis – norma mencionada no TÍTULO 1 dessa Unidade.
Por oportuno, devem ser observadas também as exigências determinadas nos
Regimentos Internos das Casas Legislativas (Câmara dos Deputados e Senado
Federal), com objetivo de mitigar equívocos ou ilegalidades.
No entanto, não se deve convencionar que o Manual de Redação Oficial seria
a regulamentação ou estatuto referente à Lei Complementar de Técnica Legislativa,
haja vista ter sido elaborada por órgão do Poder Executivo. Ademais, não possui forma
de ato normativo propriamente.
Trata-se, pois, de um instrumento de adequação da gestão do Poder Público,
servindo de referencial a outros órgãos e entidades das demais esferas.
A título de curiosidade, outras instituições elaboram seus respectivos manuais
para a padronização de seus expedientes, especialmente os órgãos de cúpula de
Poder e os órgãos auxiliares da Justiça, como o Ministério Público.

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Referências

BITTAR, E. C. B. Linguagem jurídica: semiótica, discurso e direito. 7. ed. São


Paulo: Saraivajur, 2017.

Brasil. Presidência da República. Casa Civil. Manual de redação da Presidência da


República / Casa Civil, Subchefia de Assuntos Jurídicos; coordenação de Gilmar
Ferreira Mendes, Nestor José Forster Júnior [et al.]. – 3. ed., rev., atual. e ampl. –
Brasília: Presidência da República, 2018.

HENRIQUES, A. Argumentação e discurso jurídico. 2. ed. São Paulo: ATLAS,


2013.

HENRIQUES, A.; TRUBILHANO, F. Linguagem jurídica e argumentação – teoria e


prática. 5. ed. São Paulo: ATLAS, 2017.

PETRI, M. J. C. Manual de linguagem jurídica. 3. ed. São Paulo: Saraivajur, 2017.

T.J.M.G. - Apelação nº 1.0521.04.036857-8/001. 19ª Câmara Cível. Des. Relator:


Versiani Penna. Data de julgamento: 08 nov. 2018. Publicação: 14 nov. 2018.

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