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QUESTÕES EPISTEMOLÓGICAS E

METODOLÓGICAS EM PSICANÁLISE

Fernando Aguiar*

RESUMO

Este artigo discorre sobre alguns elementos que interessam à epistemologia da


psicanálise, e que foram antes objeto de reflexão sistemática da parte de autores em
psicanálise. O artigo é assim um compte rendu do estado atual das discussões que
giram em torno da cientificidade da psicanálise. O lugar da clínica na pesquisa
psicanalítica. Quando e sob que forma se pode falar de pesquisa no domínio da
psicanálise. O lugar ocupado por tal pesquisa no seio da comunidade científica, em
particular a universitária. As interações da psicanálise com outros campos do saber.
O método psicanalítico de pesquisa.

Palavras-chave: Psicanálise. Epistemologia. Metodologia de pesquisa.

Em resumo-comunicação de sua tese de


doutorado (Paris VIII), Micheli-Rechtman (2002)
defende a urgente necessidade de examinar o
lugar da psicanálise no campo social e de questi-
onar, mesmo sustentar, sua epistemologia. Esta
urgência se deve a que a psicanálise estaria hoje
à mercê de três grandes perigos que, internamen-
te, podem afastá-la de suas perspectivas origi-
nais. O primeiro refere-se às tendências à
psicologização, revelada, por exemplo, quando se
considera a psicanálise uma psicoterapia. O se-
gundo perigo — a inclinação hermenêutica, ado-
tada por algumas correntes contemporâneas (em
particular, a IPA) — partilharia com uma terceira
*
Doutor em filosofia pela Université tendência — a tentativa de cientificidade e seu
Catholique de Louvain (Bélgica), é pro-
fessor no Departamento de Psicologia e corolário metodológico — uma mesma vontade
no PPG em Psicologia da Universidade de limitar o campo teórico próprio da psicanálise
Federal de Santa Catarina (UFSC). freudiana e lacaniana.

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Do lado “de fora”, sabe-se que a etnologia. Lacan teria respondido a


psicanálise — à sua revelia, ainda que Althusser, em 1970 (talvez em “Liminaire”,
desde sempre às voltas com a resistên- de Scilicet 2/3, Naveau não referencia),
cia, e com a vexação psicológica dos que a articulação da psicanálise com as
homens diante de seus desejos inconsci- ciências humanas se faz pela via da lin-
entes (Laplanche & Pontalis, 1973) — é güística e da lógica. Mas os pesquisado-
parte integrante de inúmeros e instrutivos res que trabalham neste enquadramento
capítulos da história e filosofia das ciênci- — assim constituído a partir de uma
as, nos quais, pelos mais variados moti- pluralidade de abordagens disciplinares
vos, Wittgenstein e Popper, Sartre e — partilham uma preocupação comum,
Merleau-Ponty, Lévi-Strauss, Althusser, sustentada menos na psicanálise como
Habermas, Deleuze, Derrida e Badiou prática do que na nova relação com os
são (apenas) alguns dos personagens mais saberes implicados em sua invenção.
importantes. Para K. Popper, seu mais Neste sentido, dar conta do corte episte-
conhecido crítico, a disciplina freudiana mológico introduzido pela disciplina freu-
representava tudo o que a ciência se diana significa tornar legível esta nova
proíbe, já que seus argumentos seriam relação com os saberes.
tais que nenhum fato empírico pode refutá- Sabemos que a psicanálise nasceu
los. Por sua vez Althusser, um amigo da do interesse de Freud por diversos cam-
psicanálise, situava sua função no eixo da pos do saber, que está na origem, por
pluridisciplinaridade e no campo das ciên- exemplo, de sua defesa intransigente, em
cias humanas, e a partir da questão assim 1926, de uma “psicanálise laica”, e a idéia
desdobrada por Naveau (2004): onde se de “interação” com outras disciplinas será
situa a psicanálise? Qual é seu lugar e retomada na última parte deste artigo. Em
localização num espaço que ainda não contrapartida, para as ciências humanas,
existe? Quais são suas não-fronteiras parece a Naveau (2004) “demonstrável”
com disciplinas existentes? que nenhuma delas “escapa ao fato de ser
Para o autor, tal é a questão que impossível não se posicionar em relação a
persegue constantemente a reflexão de esse corte epistemológico”. Experimen-
Lacan e, não seria exagerado dizer, a tado por cada um de nós, a existência de
reflexão de Freud. Impressiona em am- um corte inaugural entre o signo e o
bos o paradoxo manifestado em dupla sentido produz uma divisão do sujeito:
preocupação: separar radicalmente a psi- “Pode-se aceitar ou recusar tal corte,
canálise da disciplina que se apresenta pode-se optar por ignorá-lo, desdenhá-lo,
como a mais próxima dela, a psicologia; e, mas não se pode evitar tomar posição,
ao contrário, tentar aproximá-la de outras subjetivamente, em relação a ele” (s.p.).
que, aparentemente, dela estão afasta- R. Mezan (2002), em “Sobre a
das, como a sociologia, a antropologia, a epistemologia da psicanálise”, abordou

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com concisão e clareza admiráveis o que forma as teorias próprias àquela disciplina
parece pertinente sobre o tema. Ele co- (Mezan, 2002, p. 438).
meça por assinalar como nessa discussão
sobre a cientificidade da psicanálise estão Este artigo visa destacar alguns
embutidos inúmeros pressupostos, sobre elementos que interessam à epistemolo-
os quais “reina uma considerável confu- gia e à metodologia psicanalíticas, e que
são”. Ao tentar formulá-los mais precisa- foram antes objeto de reflexão sistemáti-
mente, diz ele, “percebemos que o mais ca da parte de autores. Como tal, ele tem
das vezes os interlocutores não se enten- a função e a estrutura de um compte
dem porque não falam a mesma língua — rendu (não-exaustivo) do estado atual
termos como ‘ciência’, ‘realidade’, ‘ver- dessas discussões. Essas discussões in-
dade’ e outros significam coisas diversas dagam sobre o lugar da clínica na pesqui-
para cada um deles”, e o resultado “é a sa psicanalítica. Verificam quando e sob
babel que conhecemos” (p. 436). Mezan que forma se pode falar de pesquisa no
apóia-se no artigo “L’idée d’épistémo- domínio da psicanálise, e indagam sobre o
logie”, do filósofo Gerard Lebrun, no qual lugar ocupado por tal pesquisa no seio da
o autor francês sugere em que consiste a comunidade científica, em particular a
especificidade da abordagem epistemo- universitária. Examinam as bases das
lógica. Segundo Lebrun, cada ciência interações da psicanálise com outros cam-
constrói a sua própria racionalidade, pos do saber, e o método próprio psicana-
e isso se diferencia profundamente da lítico de pesquisa.
idéia de uma razão universal que se ex-
pressaria em todas as construções inte- Primeiras delimitações
lectuais realizadas pelo homem.
Para Freud, como se sabe, a
A esse tipo de abordagem, Lebrun Weltanschauung da psicanálise é cientí-
denomina “reflexão racionalista sobre as fica. Ele quis mesmo registrar sua disci-
ciências”, e afirma que a epistemologia plina no quadro das ciências da natureza
não trabalha da mesma forma. Ele postula de seu tempo, as Naturwissenschaften
que a originalidade de um saber implica — na divisão clássica de T. Droysen, em
uma racionalidade própria àquele saber, e 1854, as que pretendiam explicar, e que se
deseja precisamente pôr a nu as estruturas
opunham às ciências do espírito, as
daquela racionalidade [...]. É o caráter
autóctone dessa montagem, implicando Gesteswissenschaften, que pretendiam
decisões e escolhas, que permite determi- compreender. A partir da asserção de
nar objetos até então inéditos, tornando- Assoun, que associa às ciências do espí-
os passíveis de serem conceituados por rito uma “valorização dos fatos” e às
noções igualmente inéditas, as quais se ciências da natureza “juízos de realida-
disporão em enunciados cujo conjunto de”, Mezan (2002) entende a recusa de

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Freud em incluir a psicanálise entre as p. 132). Mais tarde Lacan optaria por
primeiras, em parte porque era “seu obje- situar a psicanálise num lugar específico
tivo [...] descrever uma região da realida- fora da ciência, o que não quer dizer fora
de (o inconsciente, tal como ele se apre- de rigor (De Neuter, 1988). Enfim, a
senta nas condições do setting analítico), psicanálise foi tomada por uma herme-
e nessa condição está implícita a neutra- nêutica (Paul Ricoeur é disso o exemplo
lidade em relação à natureza desses pro- mais ilustre) e até por uma ética — ainda
cessos”. Por outro lado, ele acrescenta, que, alheia a uma visão de mundo e uma
“a interpretação — ferramenta psicana- visão do homem (Marie, 2004), ela não
lítica por excelência — consiste numa possa fazer mais do que se alinhar a uma
explicação (...) e de forma alguma num ética que leve em conta a hipótese do
exercício de compreensão” (p. 483). inconsciente.
Inscrevendo-se na subversão ci- Há de outra parte aqueles que
entífica operada no início do século XX, o acusam os psicanalistas de praticar uma
fundador da psicanálise professou um “ciência secreta” (Geheimwissenschaft)
agnosticismo radical. Segundo Marie (Assoun, 1997). De fato o próprio Freud,
(2004), seu agnosticismo foi ao mesmo imbuído da idéia de um “movimento”,
tempo uma posição técnica — essa teria utilizado a expressão Geheim-
neutralidade que o psicanalista deve as- bündler para nomear os psicanalistas; ou
sumir e que o obriga, na clínica, a abster- seja, membros de “associações secretas”
se de todo julgamento de valores — e uma (Geheimbünden), associações de indiví-
posição epistemológica — a renúncia a duos unidos por “objetivos” comuns —
qualquer concepção do homem e do mun- sendo que o termo pode mesmo conotar a
do, preservando-se de qualquer pressu- idéia de conspiração. Geheimwissens-
posto metafísico. chaft designa assim um saber ou uma
Lacan, com sua hipótese — o in- doutrina (Geheimlehre) que não é desti-
consciente estruturado como uma lingua- nada à divulgação, mas antes reservada
gem —, também chegou a pensar em aos “iniciados” (Eingeweihten). Ora,
sustentar a psicanálise, no campo das para ele, muito ao contrário, tornar públi-
ciências, como “ciências conjecturais” cas as aquisições psicanalíticas (e, por
(De Neuter, 1988). A posição conjectural conseguinte, validá-las) foi uma de suas
diz respeito a uma asserção hipotética e, tarefas mais constantes, e com o afinco e o
de fato, “uma hipótese como a do incons- zelo próprios e legítimos de um fundador.
ciente não está de modo algum na mesma A prática psicanalítica, embora eli-
situação epistemológica de um postulado: tista no que se refere aos custos de uma
a hipótese é um operador técnico, o pos- formação e tenha sua representação po-
tulado, um princípio que governa certa pular confundida com a do psicólogo, do
representação do mundo” (Marie, 2004, psiquiatra ou, mais particularmente, com

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Questões epistemológicas e metodológicas em psicanálise

a do psicoterapeuta, é de domínio público 12-13). A condição iniciática da psicaná-


e regulada intramuros desde 1920; e um lise refere-se antes ao fato de a pesquisa
século de exposição crítica talvez sem em psicanálise ser tributária da experiên-
paralelo na história não se coaduna com o cia analítica, e à recomendação (irritan-
logro intelectual, que comumente ca- te para muitos epistemólogos) de o pes-
racterizou, junto ao côté elitista, as ditas quisador colocar-se a si próprio como
ciências secretas. Enfim, o itinerário freu- objeto de investigação. Canônica e axio-
diano é emblemático dessa transitorieda- mática, a recomendação faz parte do ato
de própria do conhecimento científico. fundador da disciplina quando, único ana-
Eis alguns exemplos notáveis: a lista, Freud empreende sua auto-análise.
renúncia à teoria da “sedução real”; o Com a experiência analítica, pretende-se
Caso Dora, que se constituiu, apesar de garantir a irredutibilidade de um saber
“fracassado”, num modelo de relato de verdadeiro que, no limite, pode somente
caso, e admirável em suas possibilidades ser indutivamente apropriado por quem
heurísticas; o enfrentamento das insufici- tenha vivido, através da análise, certas
ências de sua teoria, que leva Freud a experiências sobre sua própria pessoa.
revisá-la periodicamente (aparelho psí- O argumento é que, embora construindo
quico, teoria das pulsões, narcisismo, fun- conceitos, como a filosofia ou o discurso
ção da transferência na análise, fim da matemático, e criando “os objetos com os
análise...); as inúmeras notas de rodapé quais vai trabalhar”, a psicanálise não é
que, a cada edição, vão sendo acrescen- apenas discursividade: ela tem a “ambi-
tadas aos Três ensaios sobre a teoria ção não só de descrever ou de inventar
da sexualidade... Considere-se ainda alguma coisa no plano ideal, mas também
que, de maneira singular, a construção a pretensão de intervir nesse real e de
dessa teoria nos é apresentada de duas modificar alguma coisa dele” (Mezan,
maneiras: obviamente, através dos textos 1994, p. 59); e é na experiência analítica
publicados, e através de sua enorme e que isso primeiramente acontece.
generosa literatura epistolar — ou cartas Em suma, disciplina especulativa e
que obviamente não foram escritas para “criadora de teorias” como a filosofia, a
ser publicadas. Enfim, se nos textos, como psicanálise é uma forma de investiga-
se espera, Freud desempenha o papel “do ção e, ao mesmo tempo, uma interven-
expert que tem alguma coisa a comunicar ção clínica. Para Freud (1912/1998),
e busca convencer”, ele põe em cena “um dos títulos de glória” de sua disciplina
ainda um outro papel, o de um “interlocu- “é que nela, pesquisa e tratamento coinci-
tor imparcial”, “que manifestamente ele dem” — feita a ressalva, fundamental, de
inventou para colocar a crítica e lhe per- que o trabalho científico pressupõe, em
mitir argumentar sobre sua própria posi- particular, “recompor a arquitetura [do
ção” (Delattre & Widlöcher, 2003, pp. caso], querer adivinhar sua progressão e

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fazer, de tempos em tempos, os relatos da e sua escuta, visa a priori à função de


situação presente” (p. 152). Nesse senti- tratar, num compromisso ético que se
do, após certo ponto, a “técnica” exigida sobrepõe aos interesses propriamente ci-
pelo trabalho científico opõe-se àquela entíficos. “Não é bom elaborar cientifica-
requerida pelo tratamento. A distinção mente um caso com o tratamento ainda
entre as duas “atitudes” só deixaria de em andamento”, insiste Freud junto aos
fazer sentido se o trabalho psicanalítico praticantes da psicanálise. “Sofrem em
tivesse alcançado “todo o conhecimento seu resultado os casos destinados a prio-
(ou, pelo menos, o conhecimento essenci- ri à exploração científica, e tratados se-
al) sobre a psicologia do inconsciente e a gundo as necessidades desta” (p. 153).
estrutura das neuroses”. Enfim, por ser a investigação sua
Na clínica, ele prossegue: condição essencial, o tratamento não é
mera aplicação técnica — pelo menos
Os casos mais bem-sucedidos são não da maneira como faz o engenheiro
aqueles em que se avança, por assim dizer, civil que ao construir uma ponte “aplica”
sem qualquer intuito em vista, em que se seus conhecimentos das ciências mate-
permite ser tomado de surpresa por qual- máticas e físicas. Em contrapartida, tam-
quer nova reviravolta, e enfrentando-os bém por ser essencialmente uma investi-
sempre sem prevenção e sem pressuposi- gação, deve ser exercido sem qualquer
ção. Para um analista o comportamento
“orgulho terapêutico”, como o fundador
correto consistiria em passar num impul-
so, de acordo com a necessidade, de uma
da psicanálise recomenda, citando a má-
atitude psíquica a outra, em não especular xima atribuída a Antoine Paré: “Je le
nem ruminar sobre os casos enquanto eles pansai, Dieu le guérit” (apud Freud, 1912/
estão em análise, e em somente submeter 1998, p. 149); e como, ao longo de sua
o material obtido a um trabalho de pensa- obra, Lacan sublinha com seu aforismo: a
mento após a análise concluída (Freud, psicanálise cura... em acréscimo.
1912/1998, p. 152)1.
Pesquisa psicanalítica no espaço
Por um lado, tal posição metodoló- universitário
gica permite levar radicalmente em con-
ta, e a cada vez, o que há de singular no Na universidade, o pesquisador em
sujeito sob investigação, antes de consi- psicanálise é convocado a afirmar, cotidi-
derar o que nele é pertença universal. Por anamente, a irredutibilidade da experiên-
outro lado, nesse processo em que coinci- cia analítica, sua constituição como um
dem pesquisa e tratamento a pesquisa campo epistemológico específico e autô-
psicanalítica, conduzida pelo psicanalista nomo, com suas problemáticas próprias e

1
Deve-se ao Autor a tradução de trechos de obras referidas em língua estrangeira.

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seu método. Por um lado, ele deve reafir- baseia numa única observação, lembra
mar que a pesquisa em psicanálise, con- Freud (1913/1973) em “A predisposição
temporânea ao tratamento, é parte inte- à neurose obsessiva”, de 1913, preocupa-
grante da formação e da atividade clínica do em diferenciar sua invenção das dissi-
do psicanalista. Por outro lado, deve levar dências adleriana e jungiana: “Na realida-
em conta que, na academia, a atividade de de, [este pequeno novo fragmento da
pesquisa adquire por inúmeras razões teoria] concentra um grande número de
outros significados: nesse caso, contrari- impressões mais antigas, cujo sentido só
amente ao que ocorre no setting analítico, advém depois da última experiência” (p.
em que “o psicanalista não explicita nada 192). O conhecimento psicanalítico dá-
além de que ele é um psicanalista, [...] é se, portanto, a posteriori — isto é, no
necessário que ele acrescente especifici- sentido clássico, filosófico, como resulta-
dade e clareza em sua atividade de pes- do da experiência ou dela dependente.
quisa” (Berlink & Magalhães, 1997, p. 3). Contudo, recomenda-se ler os pa-
Esta é a tradição universitária. rágrafos iniciais de “Pulsões e destinos de
A teoria em psicanálise possui um pulsões”, de 1915, apontados por Assoun
estatuto próprio: ela é ao mesmo tempo (1981) como a plataforma epistemológica
saber constituído e saber sempre sujeito a da psicanálise freudiana, e onde se pode
remanejamentos. Toda investigação psi- observar o caráter relativo, nuançado e
canalítica é de tipo qualitativo, e é esta jamais ingênuo e fundamentalista de sua
imersão profunda “na singularidade de opção empirista. Ali, amparado em E.
um caso que permite extrair dele tanto o Mach (cf. Mezan, 2002), Freud afirma
que lhe pertence com exclusividade quanto que a ciência começa por observar fenô-
o que compartilha com outros do mesmo menos e descrevê-los, para em seguida
tipo”; como tal, “o caso ganha um valor tentar explicá-los por meio de “idéias
que se pode chamar de exemplar” (Me- tiradas daqui e dali”, que aos poucos vão
zan, 2001, p. 157). Disciplina que lida com formando um sistema, por definição pro-
fenômenos ou processos que não se apre- visório e aberto às modificações impostas
sentam de maneira unívoca e comportam pela experiência, pois, se a imaginação
diferentes apreciações, a psicanálise tra- especulativa sugere nexos e relações “que
balha igualmente no plano da singulari- não se reduzem apenas à experiência
dade, segundo o ponto de vista de que “o atual” (Freud, 1915/1988), o primado per-
‘caso’ singular é ao mesmo tempo o tence ao teste de realidade (que ele, na
acesso ao universal e seu ‘avalista’ correspondência com Ferenczi, chama
(garant)” (Assoun, 1997, p. 14). Tal de “crítica impiedosa”). Na pesquisa psi-
posição certamente não exclui um efeito canalítica trabalha-se assim no plano da
cumulativo. Apenas na aparência um generalidade, num “processo de cons-
“pequeno novo fragmento da teoria” se trução do conhecimento por generaliza-

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ção crescente”, e cuja organização se dá coup, nesses tempos em que se assiste a


em três planos: para o próprio indivíduo, um forte recrudescimento da ideologia da
para um grupo de indivíduos e, mais adi- performance no campo científico
ante, para toda a humanidade (Mezan, (Stechen, 2003).
2001, p. 161). Sobretudo, sustentando o desejo
Ainda assim, parece-me que, mais no centro de toda atividade humana, a
importante do que o próprio saber, é a via pesquisa psicanalítica jamais pode garan-
para se chegar até ele, tal como Freud tir a priori um resultado determinado.
sustentou com os sonhos. O maior valor Seu programa está antes subordinado à
encontra-se antes em explicar o trabalho montagem paulatina de uma questão e à
de condensação, deslocamento, figurabi- própria construção da pesquisa, visto que,
lidade e elaboração secundária a que os ao contrário do que ocorre, por exemplo,
pensamentos oníricos são submetidos, do nas ciências naturais, essa questão “con-
que em eventualmente interpretá-los. siste em muito mais do que o seu simples
enunciado” (Mezan, 1998, p. 105).
Tais postulados epistemológicos Tratamento da alma, a psicanálise
repercutem inevitavelmente na questão dispõe de um protocolo muito estrito: a
do método. “As condições de domínio e regra estrutural da livre associação para
de método têm de ser definidas a cada o analisando, e a neutralidade do analista,
vez” (Laplanche, 1998, p. 15). Em nossas que lhe possibilita uma escuta (livremen-
pesquisas (em, sobre ou com a psicaná- te) flutuante; uma teoria clínica precisa,
lise), cada tipo de questão pressupõe uma assentada no conceito de resistência (o
forma particular e única de organizar os equivalente na clínica ao conceito meta-
dados e pensar os problemas (Mezan, psicológico de recalcamento) e no de
1998) — logo, um modus operandi pró- repetição; e um processo constitutivo,
prio, e no sentido preciso de um esforço chamado transferência, pelo qual os de-
para atingir um fim. Mas esse programa sejos inconscientes do analisando se re-
de pesquisa, sem renunciar ao rigor (quer petem, no quadro da relação analítica,
dizer, fundamentação e contextualiza- sobre a pessoa do analista, colocada na
ção), é avesso à regulação prévia e defi- posição de diversos objetos exteriores
nitiva de uma seqüência de operações a (Roudinesco & Plon, 1997).
executar, salvo no limite e em caráter O protocolo é a psicanálise, ele é
estratégico: os progressos táticos se fa- sua condição de possibilidade e de legiti-
zem no devir cotidiano. Além disso, nesse midade (Marie, 2004). No limite, é o
percurso, se tentamos evitar o erro como protocolo que faz a psicanálise, e não a
princípio, tampouco o desprezamos, não teoria (por definição, sempre provisória)
fosse a noção de ato falho uma invenção que eventualmente lhe acrescentamos.
freudiana — e uma subversão après- Por um lado, temos a associação livre,

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que, na situação de (neurose de) transfe- Dito de outra maneira, o exercício


rência, impele o paciente a expor seus da interpretação analítica, como Freud
pensamentos, inclusive aqueles ordinari- pretendeu desde o livro dos sonhos, seu
amente censurados; por outro, a atitude livro inaugural, não se restringe às condi-
de neutralidade do analista: nem simpa- ções “ideais” proporcionadas pelas livres
tia compreensiva, nem moralização, nem associações dos pacientes, estendendo-
representação de um terceiro, revelado se também às produções humanas em
ou não. Em contrapartida, como o anali- que tais condições não estão presentes de
sando crê que o analista sabe decifrar o maneira genuína. Ora, se as mesmas
caráter enigmático de seus sintomas e lhe forças que “animam toda e qualquer pro-
indicar a solução, é esta expectativa crédu- dução mental, individual ou coletiva, po-
la, mola da transferência, a causa do desdo- dem ser detectadas não apenas na situa-
bramento de suas produções inconscientes. ção clínica, mas também nas produções
secundarizadas” (Mezan, 1994, p. 67),
A psicanálise é definida como um segue-se necessariamente que a operacio-
método de investigação que busca evi- nalidade dessas noções e sua imbricação
denciar o significado inconsciente de toda recíproca não se restringe à situação
e qualquer produção imaginária, seja ela clínica, e se estende também a outras
individual seja coletiva (Laplanche & práticas psicanalíticas.
Pontalis, 1973). Ora, no estudo dos pro- Tomemos o conceito de transfe-
cessos psíquicos e das operações do es- rência (mas poderia ser algum outro con-
pírito, o método próprio da psicanálise — ceito-chave, como os de repetição, de
cito Freud em “Convém ensinar psicaná- retorno do reprimido, de posterioridade),
lise na universidade?”, de 1919 — é não que amiúde costuma chocar os defenso-
somente “aplicado ao funcionamento psí- res da objetividade experimental. Revela-
quico patológico, mas também à solução da de maneira privilegiada na clínica como
de problemas artísticos, filosóficos e reli- manifestação de apelo a um sujeito su-
giosos...” (Freud, 1919/1996, p. 113). posto saber (Lacan, 1968) que dá senti-
Como se sabe, suas incursões nesses do à privação, a transferência diz respeito
domínios resultaram em obras capitais a um “fenômeno humano geral” (Freud,
para o desenvolvimento da própria teoria 1924/1992, p. 89), e, como na própria vida,
psicanalítica: por exemplo, no terreno da também se manifesta em nossas ativida-
sexualidade, com o estudo sobre Leonar- des de pesquisa. Munido do conceito de
do, sobre o fenômeno totalitário; em Psi- transferência, quero supor que a pesquisa
cologia das massas e análise do eu; e psicanalítica é capaz de suportar a díade
não se limitando às referências etnográ- interação mais influência (logo, suges-
ficas em Totem e tabu (Roudinesco & tão), freqüentemente associada ou atri-
Plon, 1997, p. 827). buída à investigação dita “qualitativa”; e

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se diferencia radicalmente, como investi- Na universidade em particular, a


gação sujeito-sujeito, do modelo experi- aposta encontra-se, no limite, na transpo-
mental, por sua vez assentado numa in- sição desse método interpretativo para o
vestigação sujeito-objeto. Mas também domínio da leitura de textos.
se distingue da dita pesquisa qualitativa,
da qual ela faz parte, no sentido de que Da leitura de textos
essa interação e essa influência são mo-
duladas pela “neutralidade analítica” — Por que ressaltar a leitura de tex-
que, avancemos mais um pouco, diz res- tos? Porque a pesquisa universitária tra-
peito à recomendação de no limite manter balha com textos escritos (Garcia-Roza,
em suspenso sua própria subjetividade, 1994). O que é fazer uma pesquisa em
eivada de valores religiosos, morais e cima de textos? O que eu busco no texto?
sociais, e de se abster de qualquer conse- O que eu espero do texto? Que tipo de
lho. Neutralidade quanto às manifesta- pergunta ali está presente? Nesse senti-
ções ditas transferenciais, quanto ao dis- do, depois de lembrar o primeiro passo de
curso do analisando e, sobretudo, no sen- uma pesquisa séria, em psicanálise e em
tido de “não privilegiar a priori, em fun- qualquer disciplina (conhecer sua histó-
ção de preconceitos teóricos, um deter- ria, o que existe, como foram surgindo os
minado fragmento ou um determinado problemas, as soluções propostas, os no-
tipo de significações” (Laplanche & Pon- vos problemas), Mezan (1993) descreve
talis, 1973, p. 263). o método proposto por Laplanche (cf.
“Como ciência”, Freud (1915- 1978 e 1998) como sendo uma leitura
17/2000) escreve nas lições introdutó- histórica, problematizante e interpretativa
rias, “a psicanálise é caracterizada não dos textos psicanalíticos.
pela matéria que ela trata, mas pela
técnica com a qual trabalha” (p. 402). [Laplanche] pretende mostrar que é
A psicanálise é assim antes de tudo o possível ler os escritos analíticos de um
nome de um método, vale insistir. O modo analítico, não interpretando as fan-
método da psicanálise é interpretativo. tasias de seus autores, mas utilizando
como instrumento o método psicanalítico
Decifrar, traduzir, interpretar é algo
e suas categorias heurísticas: a atenção ao
que sempre foi feito, mas Freud inven-
detalhe dissonante, a reconstrução do
tou um método de interpretação pró- contexto, a temporalidade própria instau-
prio, assentado na livre associação do rada pela psicanálise, com seus conceitos-
analisando, só possível pela via da trans- chave de repetição, de retorno do reprimi-
ferência e mediante a escuta (livre- do, de a posteriori. O objeto da pesquisa
mente) flutuante do analista, como con- [...] é aqui constituído por textos, e não por
seqüência da exigência técnica da neu- aquilo que se costuma designar como
tralidade. “material clínico”. Mas se trata de textos

114 Jornal de Psicanálise, São Paulo, 39(70): 105-131, jun. 2006.


Questões epistemológicas e metodológicas em psicanálise

bem particulares, na medida em que bus- tórica e crítica do pensamento freudiano.


cam descrever, conceituar e explicar um Como em Hegel, a exigência é a noção
universo de fenômenos que, em última central de seu procedimento: exigência
instância, remetem à — quando não dire- do pensamento no sentido não apenas de
tamente originados pela — situação ana-
rigor na formação das hipóteses e no
lítica (Mezan, 1993, p. 89).
respeito ao pensamento do autor estuda-
do, mas, sobretudo, “captação das dire-
Segundo Laplanche, o objeto (a
ções em que este pensamento é impelido
“coisa”) e o discurso que dela fala são
por suas afirmações de base, por seus
igualmente processos, o que sustenta en-
postulados e, em última análise, pela teo-
tre eles um paralelismo comum: “As arti-
ria da verdade que o anima e que,
culações complexas da ‘coisa’ — o in-
explícita ou implicitamente, ele visa de-
consciente, digamos — são transpostas
monstrar” (Mezan, 1993, p. 89). No caso
no e pelo discurso; este reflete e refrata
da teoria psicanalítica, supõe-se que todo
aquela, como um prisma. É evidente que
fenômeno psíquico — inclusive ela pró-
este sistema de correspondências é com-
pria — é determinado por um “domínio
plexo; o termo paralelismo não deve ser heterogêneo e não-paralelo à consciên-
tomado ao pé da letra”. Evoluindo em seu cia”, o inconsciente. A regra metodológi-
meio próprio, ou seja, a linguagem e o ca de Laplanche assenta-se na idéia de
raciocínio, o discurso “capta diferentes que parte das “elaborações secundárias e
aspectos da coisa estudada; mas esta tem camuflagens do ego” deposita-se na su-
sua dinâmica própria, seus pontos de in- perfície legível dos enunciados, o que
flexão ou de impasse, e tudo isso é repro- permite tomá-los pelo avesso e deles
duzido de um modo ou de outro no nível destacar outras redes de significações.
discursivo”. A conclusão de Mezan Pensar esses enunciados psicanalitica-
(1993): “É este encadeamento constritivo mente é o que ele denomina “desmantela-
do pensamento pelo seu objeto que, na mento” ou “aplainamento” (mise à plat)
ótica de Laplanche, torna possível e legí- dos enunciados textuais. “Achatar” os
timo o emprego do método analítico para elementos do texto significa conferir ên-
estudar os escritos analíticos”. Nas pala- fase e valor idênticos a qualquer uma das
vras do professor francês, “percorrer a partes e ao conjunto delas: não há rela-
obra em todos os sentidos, sem nada ções de subordinação da parte ao todo,
omitir e sem nada privilegiar a priori, um detalhe recebe a mesma atenção
talvez seja para nós o equivalente da (eqüiflutuante) que o todo da narrativa.
regra fundamental do tratamento” (apud Esta posição não é mais do que
Mezan, 1993, p. 89). uma variante, no plano do texto escrito, da
Seria assim todo um programa, noção freudiana de neutralidade analíti-
enunciado para justificar a pesquisa his- ca. A neutralidade analítica é, no limite,

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Fernando Aguiar

uma atitude de abandono de todo a priori não temer a contradição, o estranho ou


e de suspensão de todo julgamento e de o desconcertante não é uma coisa natu-
todo saber — ainda que, paradoxalmente, ral” (Beauchamp, 1991, p. 70). Em
jamais nos seja possível desembaraçarmo- contrapartida, “o conhecimento (...)
nos completamente de nossos partis pris, nem sempre tem um efeito de abertura
opiniões, preconceitos, limites (Beau- — ele também reforça a resistência...”
champ, 1991). (Beauchamp, 1991, p. 97).
Considera-se assim que toda e
A neutralidade que define o analista qualquer pesquisa em psicanálise se
não é uma disposição psicológica, uma beneficia — a rigor, talvez seja mesmo
espécie de sabedoria adquirida pela ade- sua condição — da experiência analíti-
são a um código de conduta. Ela reenvia a ca, e esta ocorre de maneira privilegia-
uma verdadeira instrumentalização do
da no tratamento; mas não de modo
analista, elaborada ao longo de uma forma-
ção específica, da qual o resultado é a
exclusivo, afirma Laplanche (1998), que
possibilidade da atenção flutuante. Essa agrupa, além dela, a psicanálise expor-
neutralidade é uma conversão interior tada (psicanálise aplicada; psicanálise
obtida no término de um processo, do qual em extensão; interação da psicanálise),
não é possível prever em seu início se ele a teoria e a história como lugares e
é susceptível de ser atingido, mas que objetos dessa experiência (Erfahrung).
permite ao analista ocupar este lugar. Es- No fim das contas, o pesquisador em
ses dois critérios, a regra da associação psicanálise, como o analista praticien
livre e a neutralidade, conferem de imedi- de maneira radical, não tem senão um
ato a essa experiência um caráter extra-
instrumento de trabalho: seu próprio
mundano, já que nada é mais estranho à
relação dos homens que dizer tudo que se
inconsciente. Ora, “o inconsciente [...]
apresenta em seu espírito ou se preservar é o nome de uma região de realidade da
dos preconceitos teóricos, referências qual não podemos conhecer senão as
morais e sentimentos nos propósitos que manifestações; não é um homúnculo
lhes são colocados (Marie, 2004, pp. 149- escondido que impõe à nossa revelia
150). seus desejos; isso se passa na relação
com o Outro”. Em uma palavra: “os
Essa posição de neutralidade, na ‘significantes’ surgem na transferên-
clínica ou na leitura de um texto, não é cia, ‘causados’ pela função e pela rea-
obviamente uma atitude “natural” (não é lidade daquele a quem nos dirigimos”
uma espécie de disposição psicológica), (Marie, 2004, p. 156).
posto que nossa “escuta” é seletiva: ten- No que diz respeito à pesquisa
demos a privilegiar o que conhecemos de universitária, dirigimos-nos ao autor que
antemão, a representação familiar, a idéia pesquisamos, aos colegas, orientandos
do momento. “Proteger-se da evidência, e alunos com quem dialogamos, ao Pro-

116 Jornal de Psicanálise, São Paulo, 39(70): 105-131, jun. 2006.


Questões epistemológicas e metodológicas em psicanálise

grama que nos acolhe, à comunidade Os desafios e as possibilidades


científica de um modo geral. Para os da pesquisa psicanalítica
pós-graduandos, em particular, deve- na universidade
se mencionar o lugar ocupado pelos
orientadores (“transferência na orien- Ainda não foi avaliado de que ma-
tação”) que maneja (manobra?), um neira o campo psicanalítico vem se cons-
misto explosivo de poder real, confe- tituindo na universidade brasileira, embo-
rido pela instituição, e poder imaginá- ra se possa observar que os analistas têm-
rio, conferido pelo orientando (Mezan, se voltado com crescente interesse para
2001) — e tantas vezes, inadvertida- a universidade na esteira da estrutura de
mente ou não, assumido por nós própri- pós-graduação montada no Brasil ao lon-
os, orientadores. Herrmann (1994) fala go dos últimos vinte ou trinta anos. Este
ainda em “transferência na pesquisa”. processo, de maneira paulatina mas con-
A notar essa obviedade de que a sistente, ampliou o espaço de atuação da
criação de uma variante da “neurose de psicanálise para além de seu ensino con-
transferência” não é exclusiva das pes- vencional nos cursos de graduação em
quisas psicanalíticas2 — a diferença é psicologia. Em uma palavra, com a pós-
que a psicanálise dispõe de um aparato graduação, a pesquisa em psicanálise vem
conceitual que a evidencia, para even- se instalando palmo a palmo no seio da
tualmente dar conta dela e mesmo con- universidade, por sua vez, tradicional-
tar com ela a seu favor. A realização de mente o lugar da pesquisa em sua associ-
uma pesquisa, psicanalítica ou não, será ação com o ensino dito “superior”. Deve-
sempre uma experiência transforma- se registrar (e conferir) que em fevereiro
dora. de 2005 foi enfim concedida pela CAPES

2
A implicação transferencial do pesquisador em psicanálise na sua pesquisa, se intensa, não chega a ser
necessariamente uma experiência tão dramática como a descrita pelo historiador inglês Anthony Beever,
na revista Veja (04/05/2005), a respeito de suas pesquisas sobre a Segunda Guerra e, em particular, sobre
“as atrocidades cometidas pelo soldado comum”. “Quando estava analisando um documento histórico,
eu me concentrava em fazer uma seleção não emocional das informações que podiam servir ou não para
o livro. Só no dia seguinte à noite, às 3 ou 4 horas da madrugada, eu acordava subitamente angustiado pela
lembrança dos horrores sobre os quais eu tinha lido, e não conseguia voltar a dormir. Isso acontecia com
maior freqüência quando eu lia sobre as descrições dos casos de canibalismo. Em Stanlingrado [São
Petersburgo], os soldados alemães deixavam os prisioneiros russos sem comida e eles tinham de comer
carne humana para sobreviver. Às vezes, eu me sentia mal no almoço ou no jantar só de olhar para a comida
e imaginar o que seres humanos foram forçados a fazer para não morrer de fome. Tive a mesma reação quando
fiz a pesquisa sobre a queda de Berlim. Ao terminar o livro, eu estava próximo de um colapso nervoso”
(p. 137). A noção (clínica) de “neurose de transferência” talvez fosse a mais adequada para descrever tais
experiências — mas sua condição (de grau), parafraseando Freud, depende dos fenômenos transferenciais
possíveis em cada caso.

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Fernando Aguiar

a rubrica “psicanálise” entre os campos “extraterritorialidade” (extraterritorialité


do saber praticados pelos professores de la psychanalyse) pela qual a psicaná-
universitários em nosso país. Seja como lise não deveria estar no centro de uma
for, não é evidente o lugar ocupado pela formação: no caso da universidade, o
psicanálise na universidade. ensino do freudismo deveria ser exterior
Historicamente, registra-se o com- aos outros domínios. Para ele, o analista
bate militante travado por Freud para que nasce e se desenvolve apenas na margi-
a admitissem e reconhecessem como uma nalidade e na ruptura, e não se pode
disciplina em toda sua extensão. Se hoje garantir senão preservando “todo um jogo
não há por parte da psicanálise a reivindi- de extraterritorialidades” em todos os
cação de ser uma ciência (há mesmo a níveis: marginalidade da cura em relação
colocação em questão de o que é ciência), às instâncias da “vida cotidiana”; margi-
sem dúvida Freud obedeceu a uma lógica nalidade da análise pessoal em relação
de exposição que é uma lógica científica aos requisitos e inquisits das sociedades
(Conrath & Winter, 2006). Houve a recu- de analistas; marginalidade do exercício
sa que de dentro da universidade ao me- da análise em relação às profissões reco-
nos em parte lhe opuseram: deve-se lem- nhecidas (médico ou psicólogo); margi-
brar que, na Universidade de Viena, o nalidade das instituições analíticas em
fundador da psicanálise não passou da relação às instituições e aos reconheci-
condição de Professor Extraordinarius. mentos oficiais, etc. “Como analistas,
Como resultado afirmou-se entre os pró- como pesquisadores e como universitári-
prios psicanalistas, que por sua vez jamais os”, escreve o professor francês, “afir-
deixaram de aceitar as regras da raciona- mamos [...] que a experiência analítica
lidade, uma vontade sempre renovada de constitui um campo epistemológico espe-
extraterritorialidade, fundada sobre a na- cífico e autônomo, que não poderia ser a
tureza mesma de seu objeto, o inconsci- chasse gardée de um indivíduo ou de
ente (Mijolla-Mellor, 2004). uma instituição” (p. 8).
O termo “extraterritorialidade” é Na universidade impõe-se assim
de J. Laplanche, e remonta pelo menos a retomar questões jamais resolvidas, pois
1974 quando, ao criar um DEA (Diplôme elas tocam o coração mesmo do objeto da
d’études approfondies) de psicopatolo- psicanálise, e que são assim formuladas
gia clínica e de psicanálise, pioneiro na por Mijolla-Mellor (2004): quando e sob
universidade de seu país, o professor que forma pode-se falar de pesquisa nes-
francês definiu-se por “uma política de te domínio? Como esta pesquisa se orga-
noyau dur e de descentramento da psi- nizou inicialmente em torno de Freud?
canálise no interior da pluridisciplinaridade” Que lugar ocupa tal pesquisa no seio da
(Roudinesco, 1986, p. 556). Laplanche comunidade científica, em particular a
(1980) defende então a idéia de uma universitária? O que se espera da clínica:

118 Jornal de Psicanálise, São Paulo, 39(70): 105-131, jun. 2006.


Questões epistemológicas e metodológicas em psicanálise

emergência de um questionamento? A autora entende o “sobre” a psi-


Colocação à prova de uma hipótese? Ou, canálise como o fato de se informar do
mais radicalmente, adubo do qual a teoria contexto histórico de sua descoberta e de
tenta extrair-se, permanecendo ao mes- sua elaboração, assim como noções que
mo tempo o mais próximo do exemplo que compõem os aparelhos psíquicos, indisso-
é “a coisa mesma”? (p. 28). ciáveis das condições práticas de sua
Segue-se uma tradução resumida, formação no próprio tratamento. Mas,
quase editada, de parte do artigo (ainda simultaneamente, ela sublinha que este
recente) de Mijolla-Mellor (2004), no qual, ensino, se verdadeiramente recebido, ope-
além de formular as questões acima, a ra uma subversão nas referências habitu-
professora francesa de Paris VII com ais conscientes de quem as recebe. Neste
elas propõe esclarecimentos preciosos. sentido, um ensino sobre é sempre um
Parece-me também relevante retomar ensino proveniente da psicanálise. Em
um texto publicado em revista, em seu consonância com a natureza da transmis-
primeiro número (ainda que herdeira de são de um objeto científico vivo, esta
Psychanalyse à l’Université) e em lín- perspectiva defende a idéia segundo a
gua estrangeira — e ao qual, talvez, nem qual quem transmite não tenha apenas um
todos entre nós tiveram acesso. saber livresco, mas também uma prática.
Tais considerações freudianas so-
Mijolla-Mellor define “pesquisa” bre o ensino podem ser transpostas para
como um conjunto de trabalhos que o domínio da pesquisa. A pesquisa “so-
visam o aprofundamento de um campo bre” parece implicar uma posição de
do conhecimento, por meio tanto de exterioridade, mas que não deve ser con-
descobertas novas, como de uma refle- fundida, neste caso, com uma extraterri-
xão histórica e epistemológica no domí- torialidade. Isso não quer dizer que o
nio concernente. Ela propõe retomar a pesquisador “sobre” a psicanálise possa
distinção que faz Freud (1996), em ficar imune e colocar seu objeto à distân-
“Convém ensinar psicanálise na uni- cia; contudo, é-lhe também necessário
versidade?”) entre: desprender-se desse objeto para interrogá-
— Aprender a psicanálise, isto é, lo, relativizá-lo, colocá-lo em questão, sem
a prática efetiva da psicanálise e, em concessão nem conivência. Não se pode
primeiro lugar, a experiência que dela pesquisar “sobre” sem vir a ser de uma
podemos fazer no tratamento; maneira ou de outra, e nos limites da própria
— Aprender algo sobre a psica- análise, um pesquisador “em” — isto é,
nálise; um pesquisador da singularidade dos meca-
— Aprender algo proveniente nismos inconscientes, tal como o tratamen-
da psicanálise. to revela (Mijolla-Mellor, 2004, p. 29).

Jornal de Psicanálise, São Paulo, 39(70): 105-131, jun. 2006. 119


Fernando Aguiar

A autora não hesita em sublinhar a curava, argumenta Mijolla-Mellor. En-


questão que cabe aqui ser formulada: a fim, se o processo da pesquisa em análise
pesquisa em psicanálise corresponderia é endógeno e não se confunde com a
então à idéia de que não há verdadeira necessidade de provar diante do mundo
pesquisa em psicanálise que não seja — não-analítico — o bom fundamento de
aquela conduzida pelo analista no próprio uma descoberta analítica, tampouco se
espaço analítico, constituído como uma pode esquecer que essa necessidade foi
espécie de “laboratório in vivo”? Quer- para Freud um elemento motor, e que nós
se dizer com isso que tal pesquisa deveria lhe devemos ao mesmo tempo a profun-
então respeitar a especificidade de seu didade de sua argumentação e a clareza
método, ou seja, a livre associação, que de seu estilo.
responde mais à lógica da descoberta, e não Ainda assim a questão insiste sob
se ater a um objetivo previsto na esteira de um outro ponto de vista: poder-se-ia então
um programa preestabelecido — tal como dizer, além disso, que a necessidade de
ocorre nas pesquisas ditas quantitativas. uma unidade profunda entre o observador
Esta perspectiva — a verdadeira e o observado torna necessário que a
pesquisa como sendo aquela realizada pesquisa em psicanálise não abandone o
nos consultórios — seria sedutora, pois terreno do tratamento? Este argumento,
coloca o método em harmonia com seu ela concede, se é justificado, não é espe-
objeto; contudo, pode-se questioná-la de cífico — dá-se o mesmo com as ciências
várias maneiras. Em primeiro lugar, con- humanas em geral —, nem totalmente
vém não confundir o movimento de inves- pertinente. Com efeito, quem afirmaria
tigação do analista às voltas com a psica- ser uma mesma coisa quando se escuta
nálise de um paciente com a pesquisa em um paciente e quando se redige um artigo
psicanálise que inclui necessariamente ou um livro, com o pensamento voltado
outras dimensões — não fosse a própria para a maneira como ele vai ser recebido,
confrontação com a teoria —, enquanto entendido, discutido...? Enfim, se as “des-
durante a escuta a teoria está suposta- cobertas novas” são inseparáveis da clí-
mente “em suspensão” ou “flutuante”. nica, isso não quer dizer que elas possam
Por outro lado, se o sentido é en- se limitar à clínica. Primeiro porque a
contrado e se desvela na sessão, este própria clínica só é fecunda na medida em
desvelamento é, entretanto, tributário de que se apóia numa “teorização flutuante”:
uma busca — e não se pode esquecer que não há clínica sem teoria e vice-versa.
em todo domínio, científico ou outro, “pes- Segundo, porque essas “descobertas no-
quisa” e “descoberta” são duas faces vas” em psicanálise não são indissociá-
diferentes da mesma medalha: é preciso veis de uma reflexão histórica e episte-
pesquisar para descobrir, mas não se mológica no domínio concernente, logo,
descobre forçosamente o que se pro- uma pesquisa “sobre” a psicanálise.

120 Jornal de Psicanálise, São Paulo, 39(70): 105-131, jun. 2006.


Questões epistemológicas e metodológicas em psicanálise

Em outros termos, se todo analista nálise universitária. Embora não seja a


no exercício de suas funções utiliza sua única explicação, parece determinante o
“pulsão de pesquisar”, isso não faz dele fato de que a realização de uma pesquisa
um “pesquisador”. Assim, conforme seu com material clínico, como assinala Me-
exemplo, a “descoberta” por Winnicott zan (1994), demanda do pesquisador um
da “transicionalidade” não é somente o grau necessário “de familiaridade com a
resultado da observação do uso de uma clínica, com a teoria, com o método, com
criança de seu ursinho de pelúcia. Muito seu próprio funcionamento enquanto in-
pelo contrário, se Winnicott pôde obser- vestigador, enquanto estudioso, enquanto
var este fenômeno, é porque ele já pos- terapeuta...” (p. 66), logo, demanda anos
suía uma teoria sobre a relação entre o de experiência profissional. Estaríamos
externo e o interno, o Eu e o não-Eu. assim diante do paradoxo apontado por
Fédida (1997): “Aquele que pode consti-
Cabe aqui uma digressão pertinen- tuir um discurso que se origina de sua
te. Se a clínica é o lugar próprio, original prática psicanalítica é quem tem muitos
e por excelência da investigação analíti- anos de prática e, geralmente, quando se
ca, na universidade parece haver uma tem muitos anos de prática, não se faz
predominância de pesquisas ditas de psi- isto” (p. 67). Sem negar a contradição, é
canálise aplicada e histórico-concei- preciso também afirmar que a opção por
tuais. “Psicanálise aplicada” neste senti- uma pesquisa não originária diretamente
do, que remonta aos primeiros psicanalis- do material clínico não desmerece por si
tas, de mostrar que as mesmas forças que mesma a psicanálise universitária.
“animam toda e qualquer produção men- Sabe-se da importância das inú-
tal, individual ou coletiva, podem ser de- meras incursões freudianas para além da
tectadas não apenas na situação clínica, clínica de origem. Sem abdicar da prerro-
mas ainda nas produções secundarizadas” gativa de aplicar o método psicanalítico
(Mezan, 1994, p. 70). “Histórico-concei- aos domínios literário, artístico, mitológico
tuais”, porque nelas a teoria psicanalítica e histórico, Freud tampouco permaneceu
ocupa um papel de maior relevo. na aplicação pura e simples, buscando
Na universidade, seriam mais ra- sempre extrair subsídios desses seus tra-
ras as pesquisas com material clínico balhos para avançar teoricamente. “O
(Mezan, 2001), e pode-se presumir que futuro julgará verdadeiramente que a sig-
mesmo entre os clínicos de origem os nificância da psicanálise como ciência do
candidatos a mestres e pesquisadores inconsciente [Wissenschaft des Unbe-
optam, em sua maioria, por trabalhos de wubten] ultrapassa de longe sua signifi-
psicanálise aplicada ou histórico-concei- cância terapêutica”, escreve Freud (1926,
tuais — o que faria dessas variantes de p. 291), em “A questão da psicanálise
pesquisa a vocação natural da psica- leiga”. Mas o “homem imparcial” — para

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Fernando Aguiar

usar a referência ao fictício e cético Esses diferentes níveis jamais po-


interlocutor de Freud — não deve aqui se dem ser separados, nem pensados sepa-
precipitar e ler a afirmativa como mais um radamente. Conscientes disso, insiste a
indício do conhecido “pessimismo tera- autora, compreendemos que “a multidire-
pêutico” freudiano. A questão não é clíni- cionalidade da teoria torna impossível (ou
ca, mas epistemológica: tivesse a psica- absurda) uma ‘aplicação’ na clínica”. A
nálise o poder de curar todas as formas de clínica é, portanto, “o lugar onde se
patologia mental, ainda assim seu julga- redescobrem e se colocam à prova e em
mento e reconhecimento viriam de sua ato as hipóteses teóricas múltiplas que
contribuição ao saber enquanto ciência esta mesma clínica conduziu o analista a
dos processos inconscientes — escreve elaborar para poder dar um sentido ao
Assoun (1997), sem dúvida inspirando-se ‘isso fala’ do inconsciente” (Mijolla-
na frase de Freud citada acima. Mellor, 2004, p. 30). Essa teoria (ou ao
menos seu fundamento, ou seja, o incons-
Fechando o parêntese, retomo o ar- ciente) constitui a hipótese fundamental
tigo de Mijolla-Mellor para recolocar a comum entre o analista e o analisando,
questão: como situar, reciprocamente, clíni- sem o que não haveria análise. O “saber”
ca e teoria no movimento da pesquisa? Ela do analista sobre a teoria e sua “experiên-
não evita precisar os termos. cia” clínica seriam vazios e inoperantes
Por “clínica”, podemos entender sem o saber do “analisando” sobre sua
coisas muito diferentes: o processo de um história, seus sintomas e o que ele aceita
tratamento (prólogo, início, o próprio trata- deixar aparecer na transferência.
mento), o momento hic et nunc do encon- Mas o exercício clínico só dará
tro: tempo de uma sessão, momento inter- lugar à pesquisa — “pesquisa” nesse
pretativo, etc., ou bem o tempo reflexivo sentido de produção de novas hipóteses
que se segue (a situação de supervisão), e teórico-clínicas — na medida em que a
eventualmente o tempo de sua colocação teoria foi trabalhada, investida e interro-
em forma escrita. gada previamente. Se não é assim, “apli-
Podem-se entender por “teoria” coi- ca-se” mecanicamente a teoria à clínica,
sas muito diferentes: um modelo etiológico e com isso não fazemos nenhuma clínica.
que dá conta de um quadro sintomático Ora, esse saber é também aquele que
(teoria da histeria, da neurose obsessiva, herdamos (e que chamamos acima de
etc.), uma reflexão sobre o processo analí- “efeito cumulativo” da ciência) em mais
tico, ou bem hipóteses metapsicológicas de um sentido: “Somos tributários não
(ciência conjectural) que “nascem do apelo somente dos conteúdos a que chegaram
à ‘feiticeira’ quando falta a teoria no sentido as pesquisas precedentes, mas também,
experimentalista” (Mijolla-Mellor, 2004). mais obscuramente, da maneira pela qual

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Questões epistemológicas e metodológicas em psicanálise

essas pesquisas foram conduzidas, e As interações da psicanálise


dos afetos que nelas se manifestaram”
(Mijolla-Mellor, 2004, p. 31). Privilegio ainda no artigo de Mijolla-
Aqui a autora dá ao termo “pes- Mellor uma questão que me parece ser
quisa” uma significação restritiva e li- (como é a clínica psicanalítica na institui-
mitada a um projeto que se dá por ção, nesses tempos de franco recuo da
objetivo propor novos modelos para clínica privada) a vocação e o futuro da
pensar uma dada questão, a partir do psicanálise (não apenas) universitária.
conhecimento das hipóteses maiores Trata-se da noção de pluridisciplina-
sobre a mesma questão. Esta restrição ridade, ou seja, a (re)combinação dos
seria necessária, por mais que se queira saberes especializados, como define Fi-
objetar que a confrontação entre a te- gueiredo (2004).
oria e a clínica, presente em todo mo- Mas a noção de pluridisciplinaridade
mento de uma sessão, já é em si uma não se limita, para Mijolla-Mellor, a uma
pesquisa, e é uma pesquisa porque não justaposição de disciplinas separadas que
há jamais aplicação da teoria, mas ao mutuamente se ignoram, ela antes acen-
contrário “suspensão da teoria, coloca- tua seu caráter plural, isto é, um grupo
da na latência necessária à escuta”. heterogêneo, como falamos de “maioria
Também não haveria “um hiato entre plural”. A pluridisciplinaridade implicaria,
essa pesquisa empírica permanente e a portanto, alguma complementaridade de
Pesquisa [com p maiúsculo], que pro- seus componentes, eles próprios indepen-
cede sempre à maneira do título muito dentes segundo um outro ponto de vista.
conhecido do artigo de Freud ‘Um caso Encontrar essa complementaridade “não
de... que contradizia a teoria de...’” é evidente nem em política, nem no domí-
(Mijolla-Mellor, 2004, p. 37). nio da política científica das disciplinas”;
Mas, conclui a autora, o que dis- mas ela pode ser esquadrinhada de ma-
tingue uma pesquisa de uma elabora- neiras diversas.
ção teórico-clínica é o tempo passado Eis seu raciocínio: podemos nos
pelo pesquisador a ler, avaliar, discutir colocar, por exemplo, numa perspectiva
o que outros puderam escrever sobre o interdisciplinar, isto é, nos situar nos
tema que é o seu. A comunidade cien- interstícios das disciplinas, em seu ponto
tífica virtual é por isso muito vasta e só de contato. Mas o ponto de contato é
tende a crescer com o aperfeiçoamen- também o lugar de uma separação. Estar
to dos instrumentos da pesquisa ligada no interdisciplinar consiste, portanto, em
à informática e aos novos meios de fazer ressaltar a diferença das aborda-
comunicação que abolem a distância, gens disciplinares frente a um mesmo
ao menos na aparência. objeto. Ela exemplifica: a noção de vio-

Jornal de Psicanálise, São Paulo, 39(70): 105-131, jun. 2006. 123


Fernando Aguiar

lência pode ser o objeto de abordagens sobretudo, permitir alguma fecundidade.


históricas, sociológicas, antropológicas, Deve-se perguntar como fazer, por exem-
psicológicas, filosóficas, etc. Cada disci- plo, para que “o ponto de vista da psicaná-
plina descortina sua definição dessa no- lise não seja pura e simplesmente rejeita-
ção e o que disso decorre. do como não-pertinente, mesmo como
Para ressaltar essa diversidade, impertinente — isto é, que pretende um
podemos tentar uma abordagem transdis- imperialismo do saber assentado sobre
ciplinar. Aqui não se está interessado uma linguagem esotérica, como tantos
nos interstícios e pontos de contato, mas ‘cientificistas’ não cansaram de alardear
tenta-se tomar como objeto uma superfí- ao longo da história da psicanálise”
cie que possa atravessar várias discipli- (Mijolla-Mellor, 2004, p. 42).
nas. Outro exemplo: a noção de autorida- Para tentar responder a esta per-
de pode constituir um analisador que per- gunta, a autora retoma a significação
mite atravessar os diferentes campos in- mesma do termo “psicanálise”: um pro-
vocados acima. Recolhe-se assim sobre cedimento de investigação e um méto-
essa noção uma somatória de abordagens do aplicável em diversos campos.
diversas, mas sem se furtar à indagação Comecemos pelo procedimento.
se é bem da mesma coisa que se fala Trata-se, diz Freud, de um procedimento
nessas travessias diversas. de investigação para processos mentais
que são mais ou menos inacessíveis de
Pluri ou multidisciplinar, interdis- outra maneira. O procedimento é a aná-
ciplinar e transdisciplinar: a autora se lise, isto é, a decomposição (analuein:
pergunta o que acrescentaria um quarto desamarrar, desfazer os nós) de uma
termo, o de “interações da psicanálise”, substância em elementos. Mas aqui a
por ela proposto ao criar, em 1990, uma metáfora reenviaria à química. Trata-se
equipe interdisciplinar na Universidade de encontrar os elementos ativos que
Paris 7. Sua justificativa faz uso de uma compõem a substância. A substância no
série de considerações. caso pode ser um sonho, um sintoma, ou
Para a autora, a perturbação fe- mesmo o comportamento. “As associa-
cunda que representa a introdução do ções livres sobre um elemento particular
inconsciente não mais no campo do trata- prolongam-no em linhas emaranhadas,
mento, mas nas relações com as outras com pontos de interseção nodais. Há uma
disciplinas, as ciências humanas e tam- recomposição, portanto, depois da de-
bém a arte, a literatura, a medicina, o composição, mas não se chega à mesma
direito e outras, permite que se amarrem coisa” (Mijolla-Mellor, 2004, p. 43).
novas e inesperadas conexões. Deve-se Chegamos assim ao processo, isto
perguntar como fazer e qual método se- é, a conjuntos de fenômenos que são
guir para alcançar tais aproximações e, ativos e organizados no tempo. No exem-

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Questões epistemológicas e metodológicas em psicanálise

plo da autora: compreende-se a angústia clínico” aberto à investigação e adaptável


de pegar o avião ou o elevador como o às situações clínicas.
resultado de certo número de mecanis- Mas voltemos ao ponto que nos
mos que organizam uma angústia relativa concerne na universidade: o método não
a outra coisa que não os elevadores ou os se aplica somente à terapia do sofrimento
aviões. Neste caso, o procedimento (a psíquico (“terapia” aqui no sentido de
associação livre das idéias) leva a decom- diminuição do sofrimento psíquico, mas
por e recompor um processo no interior parece-me necessário acrescentar, por
de um comportamento (evitar o eleva- minha conta e risco, que o termo é
dor, mesmo sendo preciso subir ao déci- questionável em mais de um sentido em
mo andar). Este processo é um conjunto psicanálise). O método psicanalítico, como
de forças e de contraforças: as pulsões e já observado anteriormente, é de fato
as defesas contra as pulsões. Os proces- aplicável aos fatos humanos, sejam eles
sos são inconscientes, a análise faz com individuais ou coletivos. Para Freud, logo
que eles se manifestem graças às associ- ficou claro que a psicanálise, como teoria
ações dos pacientes. do inconsciente, se tornaria indispensável
O procedimento de investigação a todas as ciências que se ocupam da
funda um método, isto é, uma démarche gênese da civilização humana e de suas
que se apóia sobre um conjunto de regras grandes instituições como a arte, a reli-
e de princípios. O método vai ser uma gião, ou a ordem social. Ele pensava
aplicação, uma aplicação dos procedi- mesmo, conforme também já referido,
mentos num certo objetivo, sendo o mais que a utilização da psicanálise para a
evidente o objetivo terapêutico. “Esse terapia das neuroses era apenas uma de
objetivo exige considerar a situação psí- suas aplicações, e que talvez o futuro
quica do paciente e não formular a inter- demonstrasse não ser a mais importante.
pretação senão nos termos que lhe pos- Em “O interesse da [ou na] psicanálise”
sam ser úteis. O método é a interpreta- (Freud, 1913/1984), Freud mostra em que
ção, mas uma interpretação controlada e a psicanálise poderia interessar a psicolo-
formulada em função do objetivo procu- gia, as ciências da linguagem, a filosofia,
rado, isto é, a melhora do estado de a biologia, a história da civilização e,
sofrimento psíquico do paciente” (Mijolla- enfim, a estética.
Mellor, 2004, p. 44). Procedimento de A autora coloca sem pudor o dedo
investigação, método de tratamento são na ferida: ao falar do interesse que teriam
as duas fontes a partir das quais se cons- esses campos do saber em utilizar os
titui a teoria psicanalítica. Compreen- dados da psicanálise, Freud pode dar a
de-se por que a teoria psicanalítica não se impressão de ser imperialista, enquanto,
reduz a um conjunto de leis teóricas, mas de fato, ele não faz mais do que prolongar
sempre se apresenta como um “teórico- o que foi o movimento mesmo de seu

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Fernando Aguiar

próprio pensamento, “interessado” por não têm evidentemente nada a fazer com
todas essas disciplinas. “A aplicação da as interpretações de Freud. Em troca, a
psicanálise fora do campo do tratamento teoria psicanalítica tem muito a ganhar
parece-lhe então quase natural. Assim, com o que Freud nos fala deles, e não
quando escolhe trabalhar sobre Leonardo apenas de seus pacientes, porque, frente
da Vinci, como dissemos, Freud está em a Leonardo ou Michelangelo, nós esta-
via de refletir sobre as ‘teorias sexuais mos na mesma situação de exterioridade
infantis’ e os efeitos de inibição que elas em que se encontrava o próprio Freud”.
comportam” (Mijolla-Mellor, 2004, p. 44). Como resultado, o estudo de uma obra de
Diversas fontes coincidem para levá-lo a arte ou de uma obra literária desenvolve
trabalhar sobre este pintor: primeiro, seu e coloca à prova o método psicanalíti-
interesse pela inibição, que não é jamais co. “Ela o impele aos limites de sua
uma falta de desejo, mas o resultado de compreensão, mas também o torna mais
um conflito de desejos (para Leonardo, o facilmente comunicável que um caso clí-
conflito entre a arte e a ciência). Segundo, nico, por definição, apenas conhecido pelo
seu encontro com um paciente que se analista que fala dele” (Mijolla-Mellor,
parece com Leonardo, ainda que, como 2004, p. 45).
ele escreve a Jung, sem ter o gênio do Eis então uma das razões pelas
mestre italiano. quais Mijolla-Mellor propõe o termo “in-
A aplicação da psicanálise a Leo- terações da psicanálise”, diferente de
nardo da Vinci não é gratuita, afirma a “aplicações” da psicanálise. O termo “in-
autora. Há uma lógica que impele Freud teração” sublinha que, antes de interessar
para este trabalho, e por isso ele ocupa um os outros campos do saber ou da cultura,
lugar nos prolongamentos da teoria freu- a própria psicanálise está interessada
diana. Mas há mais do que isso. “É prová- nesses campos, na medida em que eles
vel que Freud, como descobridor, sentisse são parte constitutiva dela própria. Toma-
afinidades profundas com Leonardo da da assim, a aplicação da psicanálise fora
Vinci, assim como dizia de Copérnico ou do campo do tratamento não é uma ocu-
de Darwin, que, como ele próprio, infligi- pação estéril ou um exercício arriscado e
ram grandes feridas narcísicas à humani- perigoso no qual não se encontraria nada
dade com suas descobertas” (Mijolla- além do já posto desde o início.
Mellor, 2004, p. 44). Tais afinidades, mais A autora considera que se pode ir
ainda a dimensão narcísica nelas implica- ainda mais longe. Ela retorna ao já refe-
das, diriam respeito a esta dimensão auto- rido sobre inter ou transdisciplinaridade
analítica indissociável de toda pesquisa para afirmar que se pode tomar um objeto
em psicanálise. de estudo — um fato de sociedade, ou
A argumentação da autora é preci- uma noção geral — e examiná-lo através
sa: “Leonardo da Vinci, ou Michelangelo, dos pontos de vista específicos de diver-

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Questões epistemológicas e metodológicas em psicanálise

sas disciplinas. Teremos assim um escla- Visto de maneira ampla, a compe-


recimento multifocal, mas disso não se tência psicanalítica se apoiaria sobre três
retiraria muita coisa, salvo o interrogar elementos: “o que a própria análise do
sobre as aproximações possíveis entre analista lhe ensina sobre o funcionamento
esses esclarecimentos. Por “interações” de seu inconsciente; o que seus pacientes
da psicanálise, a autora entende a con- lhe ensinaram do funcionamento do in-
frontação dos discursos mantidos por di- consciente deles; o que ele aprendeu nos
versas disciplinas sobre um mesmo obje- textos psicanalíticos, quer se trate de
to, de tal forma a permitir destacar as clínica quer de teoria, ambos não sendo
especificidades de cada uma. Não se jamais dissociáveis” (Mijolla-Mellor, 2004,
trata de buscar uma unidade dialógica, a p. 46). A autora não hesita em dizer que
seu ver ilusória, mas ao contrário permitir as interações da psicanálise constituem
a cada disciplina desalojar reais espe- uma quarta fonte de abordagem. Ela seria
cificidades, às vezes mesmo oposições, precisa no tanto em que permite precisar
por trás de aparentes similitudes e relativizar o saber analítico e seu méto-
nocionais. do, comparando-os e confrontando-os com
Essa confrontação deve também outros campos. Enfim, não somente a
permitir precisar os métodos utilizados. pesquisa sobre a psicanálise teria tudo a
Poderíamos assim trabalhar os emprésti- ganhar com sua integração ao vasto do-
mos de modelos de uma disciplina a outra mínio das Ciências do Homem, mas a
e a penetração recíproca dos conceitos. pesquisa em psicanálise pode se ver reno-
Um exemplo poderia ser a noção jurídica vada e provocada de maneira fecunda
de processo, presente inúmeras vezes pelos resultados provenientes dessas inte-
na obra de Freud. Ou ainda a noção rações.
filosófica de “coincidência dos opos- A universidade seria uma base pri-
tos”, que pode ser aproximada àquela vilegiada para pôr em obra e na prática
do sentido oposto das palavras primiti- essas interações, acrescentando à pes-
vas, tal como o lingüista Abel a definiu. quisa “em” psicanálise (diríamos: metap-
A psicanálise retoma a idéia de que sicológica e clínica) e “sobre” a psicaná-
uma mesma imagem possa exprimir lise (histórico-epistemológicas) a dimen-
duas coisas opostas, e isso vai servir- são de uma pesquisa “com” a psicanálise
lhe para precisar o funcionamento do (interações da psicanálise). Lembro que
sonho que ignora o não (negação), e na universidade Freud pretendia, muito
representa um elemento pelo desejo de modestamente através de cursos elemen-
seu oposto. Segundo a autora, os exem- tares, a “fecundação [pela psicanálise] de
plos poderiam se multiplicar, e seriam alguns ramos das ciências” (ele cita: his-
em número correspondente ao de obje- tória da literatura, filosofia, mitologia, his-
tos de tese potenciais. tória das civilizações, da religião), “[crian-

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Fernando Aguiar

do] um vínculo mais estreito, no sentido de Delattre, N. & Widlöcher, D. (2003). La


uma universitas literarum, entre a medi- psychanalyse em dialogue. Paris:
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Questões epistemológicas e metodológicas em psicanálise

SUMMARY

Epistemological and methodological issues in psychoanalysis

The article deals with some elements that concern to epistemology of psycho-
analysis, and that are usually object of systematic reflection in psychoanalysis. The
article is a compte rendu of the present state of discussions about the scientific status
of psychoanalysis. The role of clinic in psychoanalytic research. When and how can we
speak about research in the psychoanalytic domain. The role of that kind of research
in the center of the scientific community. The interactions of psychoanalysis with others
areas of knowledge. The psychoanalytic research method.

Key words: Psychoanalysis. Epistemology. Research methodology.

RESUMEN

Cuestiones epistemológicas y metodológicas en psicoanálisis

Este artículo discurre sobre algunos elementos que interesan a la epistemología


del psicoanálisis y que antes fue objeto de reflexión sistemática por parte de autores
psicoanalíticos. El artículo es, por lo tanto, un compte rendu del estado actual de las
discusiones con relación al cientificismo del psicoanálisis. ¿Cuál es lugar de la clínica
en la investigación psicoanalítica?. ¿Cuándo y bajo qué forma se puede hablar de
investigación en el dominio del psicoanálisis?. ¿Cuál es el lugar que ocupa este tipo de
investigación en el seno de la comunidad científica, particularmente, la universitaria?.
¿Cuáles son las interacciones del psicoanálisis con otros campos del saber?. ¿Cuál
es el método psicoanalítico de investigación?.

Palabras-llave: Psicoanálisis. Epistemología. Metodología de investigación.

Fernando Aguiar
R. do Calafate, 79/204 — Pantanal
88040-008 Florianópolis, SC
E-mail: fabs@cfh.ufsc.br

Recebido em: 15/04/06


Aceito em: 01/06/06

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