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ciência e arte
(Autobiografia, arte e ciência na docência)
SÍLVIA NOGUEIRA CHAVES
MARIA DOS REMÉDIOS DE BRITO
(Organizadoras)
Formação,
ciência e arte
(Autobiografia, arte e ciência na docência)
2016
Copyright © 2016 Editora Livraria da Física
1ª Edição
Revisão As organizadoras
Formação, ciência e arte: (autobiografia, arte e ciência na docência) / Sílvia Nogueira Chaves, Maria
dos Remédios de Brito, (organizadoras). – São Paulo: Editora Livraria da Física, 2016.
Vários autores.
ISBN 978-85-7861-449-2
16-00111 CDD-370.71
Todos os direitos reservados. Nenhuma parte desta obra poderá ser reproduzida
sejam quais forem os meios empregados sem a permissão da Editora.
Aos infratores aplicam-se as sanções previstas nos artigos 102, 104, 106 e 107
da Lei nº 9.610, de 19 de fevereiro de 1998.
Prefácio...............................................................................19
Sobre as organizadoras.....................................................345
Sobre os autores................................................................347
O começo nunca é um fim
Silvia:
Parafraseando Gabriel Garcia Marques eu direi que não vim
fazer um discurso. Talvez tenha vindo contar-lhes uma história
que ainda está em curso, incompleta, inconclusa. E, de antemão
aviso, não serei eu a dar-lhe um ponto final.
Essa história se escreve em duas línguas e se passa simul-
taneamente em dois continentes unidos pelo oceano Atlântico.
Sim! Disse unidos e não há nenhum equívoco nisso, pois que
águas formam ruas e ruas conectam. Mas voltemos a nossa his-
tória, que se inicia no ano de 2011, sediada nas noites quentes da
“primavera” amazônica e nas madrugadas frias do outono mila-
nês. Eis que no silêncio daquelas noites/madrugadas 5 mulhe-
res confabulam. Leem, escrevem, falam, riem, contam, cortam,
copiam, colam, tecem e por fim montam um patchwork de ideias,
planos, sonhos que se materializam em um projeto de pesquisa
que experimenta composições entre autobiografia, arte e formação
docente. O projeto naufraga, não no Atlântico, mas na burocracia
institucional, esse território pantanoso que engole planos, mas
felizmente não foi capaz de sugar sonhos.
Sonho retocado, reelaborado, agora por outros tantos que
resolveram sonhar junto, o projeto navegou, atravessou o oce-
ano e reuniu todos vocês que estão aqui presentes com aquelas
cinco mulheres, Emanuela Mancino, Isabel Lucena, Maria dos
Remédios de Brito, Ana Sgrott e Silvia Chaves.
Silvia:
Mia Couto nos conta que certa vez perguntado ao líder
comunista vietnamita Ho Chi Minh como ele havia conseguido
escrever versos tão cheios de ternura em uma prisão tão violenta e
desumana, ele respondeu: “Eu desvalorizei as paredes”. Pois bem,
creio que muitos de nós que estamos hoje aqui temos desvalo-
rizado paredes e ousado escrever a educação, a arte e a ciência à
revelia das fronteiras. Temos operado como elas não como cam-
pos disciplinares, mas como espaços de criação, potência, energia
vital indomável, vida, enfim. E a vida está sempre em estado de
rascunho. Quando algo se cristaliza já deixou de ser vida. Pensar
a formação como campo de vitalidade é pensá-la como movi-
mento inventivo como escrita de si cambiante, que não cessa de
(re)criar-se. Por isso essa história que hoje conto não se encerra
aqui, ela continua nessa Belém quatrocentona e se prolongará em
cada um de nós com ritmos e durações diferentes.
Contudo, este momento é especial, porque estamos todos
juntos e mobilizados a pensar na tríade formação, ciência e arte
numa perspectiva menos codificada, menos submissa às nor-
mas. Estamos dispostos a experimentar um pensamento em
Silvia:
Em fevereiro de 1975 (nove meses antes de sua morte) o
cineasta Pier Paolo Pasolini publica no jornal italiano Correio da
Tarde um artigo sobre a situação política da Itália. Mais tarde,
esse artigo foi publicado em Escritos Corsários e ficou conhecido
como “O artigo dos vagalumes”. Nele, metaforicamente, Pasolini
lamenta o desaparecimento dos vagalumes (lucciole, lucciola),
referindo-se ao triunfo do fascismo que, para ele, apenas se con-
tinuava no novo regime democrata-cristão que se instaurara na
Itália. Para Pasolini os vagalumes, as “pequenas luzes” que resis-
tiriam à política e à massificação cultural de seu tempo haviam
desaparecido sob os holofotes dos “shows políticos, dos estádios
de futebol, dos palcos de televisão” (DIDI-HUBERMAN, 2014,
p. 30). Pasolini dizia que
Prefácio 21
Maria dos Remédios de Brito em um texto intitulado “Facebook
como produção de subjetividade: maquinações e dobras” nos
apresentam uma interessante e muito oportuna reflexão acerca
dos discursos de subjetivação e suas relações como os modos de
vida contemporâneos, partindo da análise rigorosa de posts da
mais acessada das redes sociais. Marcus Pereira Novaes e Antonio
Carlos Rodrigues de Amorim neste artigo a quatro mãos apre-
sentam uma pesquisa de inflexão deleuziana acerca das relações
entre a ideia (proposta por Gilles Deleuze e Félix Guattari em seu
Mil Platôs) de “Ritornelo” e determinadas instalações audiovisuais
gestadas e realizadas pelo Grupo de Pesquisa Humor Aquoso da
FE da Unicamp. “Escavações: dobras, rasuras e vazio no papel
jornal” é um texto criado colaborativamente, exercido plenamente
pelo Coletivo Fabulografias, Alda Romaguera, Alik Wunder,
Marli Wunder, no qual a fotografia é despida de sua contade
verdade e sobre se exerce dispositivo engenhoso por práticas
fabulatórias poéticas: o poeta Manoel de Barros e a artista Leila
Danziger são intercessores desse texto-trabalho. Carlos Augusto
Silva e Maria dos Remédios de Brito fazem texto-experiência,
ativada e ungida por apresentação performática; trata-se disso que
o corpo, ou precisamente: o que pode um corpo? Rafael Cabral,
que finaliza com seu texto o Livro aqui resenhado, apresenta um
artigo no qual a performance como ritual é apresentada a partir
de experiências ameríndias, trata-se de pesquisa investigativa que
tem o saudoso Renato Cohen como intercessor privilegiado. No
13º dos textos desta publicação, a professora, educadora e ensaísta
Maria dos Remédios de Brito escreve aquele que, talvez, de certo
modo sintetize todos os escritos deste livro, pois esse artigo se faz
como um experimento poético-investigativo que parte de Clarice
Lispector, novamente ela, para de fato, exercer liberação de sua
Prefácio 23
participou de direito, por intermédio dessas interlocuções que um
texto de PREFÁCIO nos pode dar.
... mesmo que seja para não terminar, diríamos Obrigado a
todxs amigxs, pois posso afirmar que vale muito à pena se aven-
turar neste Livro e Focar em frente para além das conjunturas
Temerosas pelas quais passamos hoje no Brasil.
Emanuela Mancino
N
ão é por retórica, nem para dar forma a um incipit que dê
o início a um pensamento sobre a educação como caminho
para abrir a existência ao mundo, que as minhas primeiras
palavras descreverão os elementos de uma amizade.
Se educar significa permitir construir e compartilhar repre-
sentações, figuras e mundos simbólicos que possam abrir à emo-
ção e ao conhecimento, então a dimensão estética da paideia não
poderá nunca prescindir do encontro.
Não se conhece e não se pensa se não em um regime de
troca. A noção de alteridade, em âmbito filosófico, assumiu, nas
Meditações Cartesianas de Husserl, a possibilidade de superar o
“cogito ergo sum” através da perspectiva fenomenológica na
qual existência e conhecimento podem realizar-se unicamente
mediante a dimensão do “como-ser”, do ser e existir com o outro.
O que mais nos interessa aqui é que essa alteridade tem um
elemento educativo não só dentro de um espaço de tipo gnosio-
lógico, fundando o processo intersubjetivo. Essa alteridade, que
produziu este livro, tal como o projeto que o criou, é uma relação
que conciliou o aspecto do conhecimento com aquele da emoção,
da sensação, da amizade, que são os ingredientes originários e
fundantes do aithesis.
Graças à experiência ética e estética de uma amizade, a
alteridade torna-se principalmente um gesto para reconhecer
a diferença entre elas, sem tentar englobá-la na nossa imagem
identitária.
Trata-se de um espaço sensível da alteridade, que exprime-
-se na relação entre duas amigas que vivem em dois lugares opos-
tos do oceano, como exprime-se na acepção que tais amigas têm
dos processos educativos, dos processos de aprendizagem, das
relações pedagógicas tão como das relações tout coeur, uma alte-
ridade que é mundo, que é experiência artística, poética, criativa.
Trata-se de um espaço sensível da alteridade que relaciona-
-se com uma respeitosa, curiosa, próxima distância. Aquilo que
a amizade entre mim e Silvia Nogueira Chaves produziu tem
muito a ver com a dimensão que liga a arte à educação: o impulso
epistemológico que cria emoção e conhecimento, que cria mun-
dos e possibilidades, em um diálogo que dura e cresce há vários
anos, pertence àquele mundo possível que esclarece os conceitos
não através de um laborioso atarefar-se do pensamento e nem
através de um refúgio no mundo das meras sensações, mas através
da criação de espaços para uma nova experiência.
11 collana bellezza.
12 rif. Bibliografici.
Referências
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Roma, Dedalo, 1999.
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2008.
NIETZSCHE, F. Su verità e menzogna in senso extra-morale. Milano:
Rizzoli, 2006.
Jorge Vasconcellos
15 Antonin Artaud, em sua célebre novela Heliogábalo, o anarquista coroado, fabula sobre o
poder de modo radical, na figura do personagem título.
16 Jacques Rancière em seu livro A partilha do sensível. Estética e Política nos aponta que esta-
ríamos em grande medida cercados, no campo das artes visuais especialmente, por práticas
artísticas que se caracterizam pela múltipla heterogeneidade do sensível, chamadas por ele
de regime estético da(s) arte(s), distinto dos regimes ético das imagens (emblematizado
pelo pensamento metafísico de Platão – arte grega, especialmente) e o mimético/poético ou
regime representativo das artes (conforme as concepções da filosofia da arte de Aristóteles
– arte renascentista, exemplarmente). Para Rancière o regime estético das artes coloca o
problema de “O que é o Comum? E como ele nos constitui politicamente?” no campo
ampliado das artes; ou dito de outro modo: não é mais possível na contemporaneidade
pensar as artes apenas a partir das obras e das formas de realização das práticas dos artistas.
Mas, isso sim, procurando pensar e realizar de que modo esse “fazer” dos artistas em nosso
presente, inseridos em suas comunidades, produzem implicações éticas e ativismos sociais
nas mais variadas formas de participação política.
17 Para Gilles Deleuze e Félix Guattari, especialmente em O que é a filosofia? (mas primeira-
mente no livro deleuziano Cinema 2: A imagem-tempo), a ideia de um “devir-revolucionário
da arte” está presente, mesmo que de modo subjacente, em toda e qualquer obra de arte, e
também nas práticas dos artistas que possam ser chamados de radicais. Nessa concepção de
pensamento, a arte não responde ao chamado da doxa, do senso comum e, principalmente,
dos clichês. Ela, isso sim, clama pelo diferente, pelo heterogêneo e pelo múltiplo. Essa arte
radical teria como um de seus objetivos, e sentido, retirar-nos de nossa zona de conforto,
confrontar-nos diante do caos, sem, contudo, deixar de traçar meios de escape, linhas de
fuga (produzir derivas, como nos aponta Guy Debord), que nos faça resistir aos modelos
predeterminados pela forma-Estado... resistir aos microfascismos da vida cotidiana. Nessa
concepção estética ou pensamento da arte, que de fato é uma articulação de arte e políti-
ca, aspira-se simultaneamente às mais radicais e (im)possíveis das experiências estéticas;
Referências
a) Bibliográficas
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Perspectiva, 1978.
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VASCONCELLOS, Jorge; CASTELO BRANCO, Guilherme. Arte,
Vida e Política: ensaios sobre Foucault e Deleuze. Rio de Janeiro: Edições
LCV/SR3-UERJ, 2010.
A
publicação das dramaturgias construídas a parte das his-
tórias de vidas dos atuantes é por si, atos de profanação. A
natureza desse tipo de dramaturgia, onde a própria vida é
encenada como obra de arte é resistência que se revela na fron-
teira entre o factual e o ficcional.
O importante de publicações como o da FOCAR é colocar
essas dramaturgias no jogo da vida contemporânea como forma
ética-estética de estar no mundo, criando mundos.
Com vocês, Correndo risco de vida – não, de morte não, de
vida.
(um aparte)
Acompanhem...
Com toda a sua luz, como um sol nascente...
O amor foi logo se instalando, sentando à mesa, pronto pra tomar
café da manhã.
Ele ali, se alimentando de mim; eu me alimentando dele.
A casa toda ficou em festa!
Os passarinhos cantavam no quintal.
As plantas se en-verde-aram com o verde mais lindo.
(um aparte)
Mas também olhar o mundo com lentes verdes é deixar tudo mais
bonito.
Lavar roupa, varrer casa, cozinhar... Tudo, absolutamente tudo,
vira divina comunhão.
(a luz aumentando)
(um aparte)
(sons de tambores)
Caralho!
Peço desculpas. Mas esse bicho é enorme.
(à parte)
(volta ao jogo)
(à parte)
(volta ao jogo)
Capitão!
Posso fazer meu último pedido ao senhor, que tudo vê e tudo
sabe, aí de cima?
Quero pedir coragem, para mim ou para ela.
Que uma de nós tenha a coragem de cortar a corda na hora certa,
na hora grande.
No nosso amor, já vai dar meia-noite. É a hora da virada.
Navegar é preciso.
Viver, não é preciso (2X).
FIM
Referências
LIMA, Wlad. Dramaturgia Pessoal do Ator. Belém: Edição Independente
Cuíra do Pará, 2005.
______ . Teatro ao Alcance do Tato: uma cartografia encravada nos porões
da cidade de Belém do Pará. Belém: Editora do PPGArtes, 2015.
A
artista Emily Jacir fez uma simples pergunta a compatrio-
tas palestinos que, diferente dela, portadora de um passa-
porte norte-americano, não podem voltar a seu país: “Se
Artes visuais como plataforma para pensar e viver: outros espaços para a docência 73
Foto da série La salle de classe, Hicham Benohoud, 1994-2000.
21 Nos últimos anos, em pesquisas financiadas pelo CNPq: “Arte e estética na formação do-
cente” (2007-2010), “Arte contemporânea e formação estética para a docência” (2010-2013)
e “Docência como campo expandido: arte contemporânea e formação estética” (em anda-
mento). Ver algumas publicações a respeito (LOPONTE, 2012, 2013).
Artes visuais como plataforma para pensar e viver: outros espaços para a docência 75
2001, §299, p. 202). Apesar de terem vividos em épocas diferen-
tes, os dois filósofos se encontram a partir de seus pensamentos
e ideias, conversando e instigando-se mutuamente, pelo menos
através de nós, privilegiados leitores contemporâneos. Com eles,
tenho conversado sobre docência e arte, pensando que a docência
pode ser uma obra de arte, no sentido mais expandido que essa
expressão pode ter, abarcando a intensa experimentação que a
produção artística contemporânea pode nos oferecer. Nesse sen-
tido, é possível pensar em uma docência artista ou em uma ético/
estética para a docência na educação básica.
Para povoar esse pensamento sobre docência contaminado
com arte, tenho me aproximado de modo crescente com pro-
cessos e práticas artísticas contemporâneas. Canclini, ao falar de
algumas obras do artista Gabriel Orozco22, afirma que ele próprio
chama suas casas-estúdio de “plataformas para pensar” (2012, p.
91). Aproveito o mote de Canclini para afirmar que a arte pode
ser uma “plataforma para pensar”, um lugar do qual partem
inquietações, angústias não nomeadas, perguntas sem resposta, e
uma atenção constante sobre os movimentos da sociedade que
nos cerca. Inquietações que podem incluir as nossas preocupações
pedagógicas, nossos modos de pensar esse espaço que chamamos
de escola e essa singular ocupação que chamamos de docência.
Em geral, pouco acostumados com os modos artísticos
e subversivos de pensar, colocamos a arte, e aqui vou me refe-
rir especialmente às artes visuais, como algo ilustrativo, expli-
cativo, ou, por outro lado, um capricho estético e ornamental,
perfeitamente dispensável diante da seriedade e urgência da vida
22 Ainda sobre a obra de Orozco, ver texto de Nestor Canclini. Disponível em: <http://nestor-
garciacanclini.net/index.php/estetica-y-antropologia/79-articulo-qique-se-necesita-para-
-no-ser-un-artista-mexicanoq>.
Artes visuais como plataforma para pensar e viver: outros espaços para a docência 77
Arte e docência: campos expandidos
Minha atuação como docente e como pesquisadora tem
habitado esse entremeio, esse lugar fronteiriço entre arte e educa-
ção, olhando de um lado a outro, aprendendo a partir do ponto de
vista de cada campo de conhecimento, tentando encontrar novos
pontos de contato, novas conversações, novos modos de pensar.
Como formadora de docentes, percebo o quanto a docência, mui-
tas vezes imersa em um discurso pedagógico prescritivo e sensato,
deixa-se impregnar pouco pelas provocações da arte, descrente
das suas potencialidades além do tempo espremido e mal utili-
zado a ela destinado no currículo escolar. No âmbito da educação,
procuramos respostas para a desmotivação de docentes e estu-
dantes, para nossas escolhas curriculares, para a precarização do
trabalho, especialmente em escolas públicas, ou para os sentidos
que a escola têm hoje em uma sociedade hiperconectada. Como
formadores de docentes ou como docentes iniciantes, nos per-
guntamos: para qual escola, afinal, estamos formando professores
e professoras? Que lugar ocupar nesse modo escola, já tão defi-
nido, formatado, encaixado? Que brechas para criação docente
haverá nesse espaço, que tem operado “como máquina produtora
de sensatez mais do que de sensibilidades” (OBREGÓN, 2007, p.
74)?
É a partir de questões como essas que atualizo várias de
minhas indagações, acreditando que a arte e a experiência esté-
tica podem alimentar a constituição da docência. A partir das
minhas últimas pesquisas e de um trabalho de formação docente
em vários âmbitos, persigo a ideia de que a arte (e principalmente
a partir do pensamento proposto por algumas produções artísti-
cas contemporâneas) pode potencializar a docência como prática
de criação (LOPONTE, 2005; 2012; 2013a; 2013b). Indo um
23 Em artigo publicado originalmente em 1979, a crítica de arte discute o quanto uma cate-
goria cara ao campo das artes visuais, a escultura, pode ampliar seu significado em relação
às associações tradicionais mais comuns de escultura com bustos, monumentos ou retratos
de personalidades. Os experimentos artísticos da arte contemporânea têm cada vez mais,
como já anunciava Krauss, tensionado qualquer pretensão de categoria universal e fixidez de
conceitos como escultura, pintura, desenho e fotografia, para citar alguns exemplos. Mais do
que categorias ditas universais, essas palavras remetem a um grupo de singularidades, esgar-
çando convenções, reinventando e expandindo antigas noções sobre o que pode configurar-
-se como um objeto ou ação artística.
24 A 8ª Bienal de Artes Visuais do Mercosul teve como tema “Ensaios da geopoética” e foi
realizada em Porto Alegre, RS, de 10 de setembro a 15 de novembro de 2011. Ver site:
http://bienalmercosul.siteprofissional.com/
Artes visuais como plataforma para pensar e viver: outros espaços para a docência 79
coletiva de conhecimento; e, terceiro, o fato de que o conhe-
cimento sobre arte não termina no conhecimento da obra
de arte, ele é uma ferramenta para compreender o mundo
(HELGUERA, 2011, p. 12).
25 Esse movimento tem se chamado “Virada educativa”, no qual artistas e curadores de arte de
várias partes do mundo têm se voltado de diferentes formas para a educação como temática
de produções e exposições (O’NEILL, WILSON, 2010; BISHOP, 2012).
26 Em relação a abordagens contemporâneas e emergentes para o ensino de arte, ver Barbosa
(2005).
Artes visuais como plataforma para pensar e viver: outros espaços para a docência 81
um lugar onde as crianças não têm direito a voz (MOSÉ,
2013, p. 47).
27 Iniciei no magistério em 1988. Nesse período, fui professora de artes no ensino funda-
mental e médio e, no ensino superior, atuei no curso de Pedagogia e em diferentes licen-
ciaturas com disciplinas da área de Didática. Atualmente, atuo na supervisão de estágio da
Licenciatura em Artes Visuais e também no Programa de Pós-graduação em Educação da
UFRGS.
Artes visuais como plataforma para pensar e viver: outros espaços para a docência 83
‘teoria do gênio’, o lugar da arte é topos singular e subjetivo que se
desvela apenas no percurso pessoal e na obra única de um artista”
(2009, p. 143). Esse, sem dúvida, é um pensamento muito comum
entre docentes de diversas áreas de conhecimento, quando a arte
é vista como algo distante, que pertence a iluminados e geniais
artistas ou conhecedores de arte. Por outro lado, podemos con-
vocar Foucault para pensarmos em arte a partir de uma “estética
da existência”:
28 Nos últimos anos, em meio a uma grande crise política e econômica, temos convivido no
Brasil com discussões sobre a redução da maioridade penal, a retirada de temas como gêne-
ro e sexualidade de planos nacionais e regionais de educação, notícias sobre linchamentos
sumários, estupros coletivos e a exacerbação de posições fundamentalistas e de intolerância
às diferenças sociais e econômicas, entre outras questões, que encontram nas redes sociais
uma maior visibilidade.
Artes visuais como plataforma para pensar e viver: outros espaços para a docência 85
e sua belíssima instalação chamada “The key in the hand”, em
que milhares de chaves doadas por várias pessoas compõe com
dois grandes barcos e fios vermelhos que pendem do céu, uma
chuva de memórias. Objetos tão cotidianos como velhas chaves
tornam-se metáforas para a condição humana29. Ou podería-
mos falar ainda de artistas como Rosana Paulino, Ai Wei Wei,
Jonathas de Andrade, El Anatsui e tantos outros, cujas produções
podem nos inspirar a inventar outros modos de viver e pensar. As
obras desses artistas estão acessíveis a poucos cliques em qualquer
ferramenta de busca na internet, experimente encontrá-las.
A discussão inicial que pretendi trazer neste texto permite
sublinhar que a ficção e a arte são tão necessárias para a sobrevi-
vência humana tanto quanto o intelecto e a racionalidade. Como
humanos em um mundo marcado pela vontade de verdade, e pela
crença de que a ciência e o conhecimento racional têm a resposta
para todas as coisas, esquecemos que a necessidade de invenção
está no germe de todos os conceitos e verdades que nos configu-
ram, e “para que o homem acreditasse na verdade de suas constru-
ções, de seus signos, foi preciso que esquecesse de si mesmo ‘como
sujeito da criação artística’” (MOSÉ, 2005, p. 83).
Esquecemos milenarmente que somos capazes de criar, que
somos capazes de inventar novas formas de pensar, que necessa-
riamente não fomos feitos apenas para aceitar regras, acomodar-
-se ao que está dado, conformar-se com o estabelecido. Docentes
envolvidos burocraticamente nos processos pedagógicos, esque-
cemos que o nosso trabalho também pode ser um ato de criação30.
29 Esta obra foi apresentada na 56ª Bienal de Veneza (realizada de 09 de maio a 22 de no-
vembro de 2015). Mais detalhes e informações sobre a obra e a artista, ver em http://2015.
veneziabiennale-japanpavilion.jp/en/ e http://www.chiharu-shiota.com/en/.
30 Uma grande novidade no campo da educação no Brasil acontece desde 2015 em várias
escolas públicas de diferentes estados brasileiros: a ocupação de escolas pelos alunos,
Referências
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Moacir dos et al. Zona Franca. Porto Alegre: Fundação Bienal do
Mercosul, 2007.
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reivindicando melhores condições para a educação pública. Em maio de 2016, quando fina-
lizo este texto, existem 146 escolas públicas estaduais ocupadas por alunos no Rio Grande
do Sul. O que esses alunos nos dizem em relação às possibilidades de criação em uma esco-
la? Ainda precisaremos de um tempo maior para reverberar esse acontecimento.
Artes visuais como plataforma para pensar e viver: outros espaços para a docência 87
filosófica: Para além do estruturalismo e da hermenêutica. Rio de
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Leandro Belinaso31
G
ostaria de agradecer muito a oportunidade de estar em
Belém, participando deste instigante, relevante, rebelde,
ruidoso encontro que é a Mostra “Focar”. Estive pela pri-
meira vez na cidade em dezembro do ano passado, e foram dias
ótimos. Quando recebi o convite de Silvia Chaves para retornar,
fui tomado por uma alegria efusiva. Viajar para Belém se traduziu
em uma oportunidade de deixar vibrar intensamente no corpo
uma pergunta vital e com ela tecer, ensaiar, rascunhar um texto.
Podemos entrar de diferentes formas na indagação: como
escrever com os ruídos do mundo? Prefiro deixar de lado a perti-
nente suposição de que vivemos em um mundo demasiadamente
33 Em outro ensaio, produzido em 2009, mas só publicado recentemente, escrevi sobre a im-
portância do silêncio em processos formativos. Ver Guimarães (2015).
34 Foi fundamental para esse processo o curso que fiz sobre escrita com Adriana Lisboa (auto-
ra dos belíssimos romances: Rakushisha, Azul Corvo, Hanói, entre outros) de janeiro a abril
de 2016. As autobiografias inseridas, logo adiante, no ensaio, foram compostas, primeira-
mente, como respostas a uma proposição do curso.
AUTOBIOGRAFIA 2
Vivi tempos áureos! Naqueles dias esplendorosos, todos na
casa me desejavam. Reinaria absoluta, talvez, se não houvesse
a televisão. Quando o videocassete chegou, assustei-me com o
Referências
ABREU, Caio Fernando. Querem acabar comigo. O Estado de São Paulo,
São Paulo, 29 de abril de 1987, Caderno 2.
CANCLINI, Néstor Garcia. Consumidores e cidadãos: conflitos
multiculturais da globalização. Trad. Maurício S. Dias Xavier Rapp. Rio
de Janeiro: UFRJ, 1995.
CORTÁZAR, Julio. Os caminhos de um escritor. In: ______. Aulas de
literatura. Trad. Fabiana Camargo. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira,
2015.
CORTÁZAR, Julio. Alguns aspectos do conto. In: ______. Valise de
Cronópio. Trad. Davi Arrigucci Jr. e João Alexandre Barbosa. São Paulo:
Perspectiva, 2008.
DELEUZE, Gilles. Crítica e clínica. Lisboa: Século XXI, 2000.
Joel Cardoso
E
u queria celebrar a oportunidade de estar aqui e, como de
praxe, agradecer.
Agradecer a iniciativa tão rica e, ao mesmo tempo, tão bela
deste evento. Agradecer, entre outros nomes, a parceria e cum-
plicidade com Silvia Chaves, Leda Alves. Naturalmente outros
nomes também estão na base, no cerne deste acontecimento.
Agradecer o privilégio de compor esta mesa com meus compa-
nheiros de jornada acadêmica, Leandro Belinaso Guimarães e
Erasmo Borges, com a mediação desta minha amiga dos meus
tempos bragantinos, Sandra Bastos.
35 FOUCAULT, M. 1984, p. 16.
Fico feliz por poder, aqui, falar sobre esse meio de comu-
nicação, o Rádio, que, na contemporaneidade, ganha outros
contornos. Em franca desvantagem na competição com outras
mídias, o rádio procura reassumir sua importância, seu valor, sua
potencialidade, voltando a se constituir como veículo transmissor
de informações e, inclusive retomar um viés que o caracterizou
inicialmente como transmissor de arte, de lazer, de ludicidade,
reafirmando-se no âmbito das novas tecnologias como arte midi-
ática transmissora de cultura e como possibilidade de criação
acústica.
O rádio fala, veicula sons, vozes. Basicamente é essa a sua
função. Nós, seres humanos, em permanente estado de interação,
somos essencialmente seres do discurso. Somos histórias que cir-
culam num mundo de histórias. Somos seres que narramos, que
contamos histórias, que interpretamos e consumimos histórias.
Uma história sempre se remete a outra, que, por sua vez, leva
outras tantas histórias. Transitamos, cultural e intertextualmente,
entre elas. As notícias que nos chegam tornam-se histórias. Por
mais reais que sejam, tais notícias, no ato de narrar, quando são
recebidas e apreendidas, se convertem em histórias, oscilando
entre o real e o imaginário. Lembramos com Walter Benjamin
(1994, p.203), que a “cada manhã recebemos notícias de todo o
mundo. E, no entanto, somos pobres em histórias surpreendentes.
A razão é que os fatos já nos chegam acompanhados de expli-
cações. Em outras palavras: quase nada do que acontece está a
serviço da narrativa, e quase tudo está a serviço da informação”.
Vale ainda ressaltar que Benjamin, à sua época, sentiu-se fasci-
nado pelo impacto das novas tecnologias sobre a cultura. Mais do
que as próprias histórias em si mesmas, a maneira como elas são
contadas é o que importa. Todo discurso constrói um percurso
Referências
ALVES, Walter. A cozinha eletrônica. In: MEDITSCH, Eduardo
(Org.). Teorias do rádio. Florianópolis: Insular, 2005.
BARROS. D. P. B. Teoria semiótica do texto. São Paulo: Ática, 2005.
BENJAMIN, Walter. Magia e técnica, arte e política: ensaios sobre
literatura e história da cultura. Trad. Sérgio Paulo Rouanet. 7. ed. São
Paulo: Brasiliense, 1994.
FOUCAULT, Michel. Espaços Outros: Utopias e Heterotopias. Outra
– Revista de Criação, v.1, n. 1, 1984 pp. 16-19.
GARCÍA GONZÁLEZ, Aurora. “Radio en la red”. In: MARTINEZ-
COSTA, María Del Pilar (Coord.). Reinventar La Radio. Pamplona:
Eunate, 2001.
Introdução
“Naturalmente, todo homem pensa
que a sua própria opinião é a mais
acertada”.
Thomas More (1478-1535)
P
or ocasião da Mostra Internacional de Formação, Ciência e
Arte, ocorrida em Belém, em abril de 2016, com o propósito
de reunir, apresentar e compartilhar variadas produções de
diferentes campos do saber voltados para a formação docente, por
39 Cf. PONTES, 2012, que aborda a categoria mediação como central na possibilidade da
passagem entre o imediato e o mediato, na articulação entre as partes de uma realidade
complexa, na apreensão do real e na capacidade de transformá-lo.
40 A esse respeito cf. CARVALHO (In: NETO; CARVALHO, 2012, p.14) no qual afirma
que a vida cotidiana “[...] esta vida de todos os dias e de todos os homens, é percebida e
apresentada diversamente nas suas múltiplas cores e faces [...]”, mas também “[...] como
um espaço onde o acaso, o inesperado, o prazer profundo de repente descoberto num dia
qualquer, eleva os homens dessa cotidianidade, retornando a ela de forma modificada”.
Entremídias finais
A relação entre mídia e educação na produção de sabe-
res implica na inversão do percurso de formação e no diálogo
entre as várias possibilidades de mídias e suas especificidades de
linguagens.
O educador, sem se tornar um “especialista”, deverá se dotar
de “competência midiática” capaz de utilizar textos visuais e sin-
créticos (como o cinema, o vídeo e a animação, por articularem
a interseção de várias linguagens) na mediação da construção de
saberes, ou correr o risco de ficar à margem do processo educativo.
Isso se deve ao acesso que as novas gerações têm aos meios
e recursos midiáticos, com a convergência das mídias e a facili-
dade na apreensão de informações. É nesse contexto que ocorre
a absorção de linguagens nem sempre acessíveis no processo
de escolarização. O fato de existir nas escolas laboratórios de
informática ou espaços de multiusos midiáticos já é um aspecto
importante, porém, pouco adiantará se não se configurarem
como espaços de experimentações. Espaços esses que possibili-
tem a interseção entre disciplinas articuladas com os conteúdos
Os organismos...
A
história da tradição teoriza uma suposta natureza humana
unificada, essencializada e normalizada. Processos de sub-
jetivação parecem reforçar essa concepção, como algumas
imagens postadas na rede social Facebook, que se configuram
como maquinações produtoras de subjetividades.
A subjetividade é maquínica, essa maquinação muda no
tempo e na história. No capitalismo globalizado o Facebook é
uma indústria de produção de subjetividade instantânea. A cada
segundo, a subjetividade é modelada e consumida. Há um pacote
de consumo e de distribuição adjacente em permanente multipli-
cidade de agenciamentos sociais envolvidos nas tecnologias inte-
rativas, que, de algum modo, passam pela observação e reflexão do
pensamento crítico.
Alguns questionamentos sobre as tecnologias virtuais a par-
tir da problemática filosófica são demandados: Que subjetivida-
des são maquinadas e distribuídas no Facebook no que diz respeito
ao gênero e à sexualidade? Quais as vantagens dessas produções?
Essas questões são movimentadas tomando como suporte
algumas postagens veiculadas pelos usuários da rede social. O
ensaio foi maquinado por alguns fragmentos compostos por ima-
gens, que são utilizados para um exercício do pensamento, a partir
dos questionamentos sobre aquilo que promove o embotamento
da vida e suas relações.
Topologias...
Problematizar os processos de subjetivação, sobretudo na
nossa atualidade, é colocar em visibilidade os mecanismos capi-
talistas e tecnológicos em evidência. As tecnologias e o capital
compõem uma relação com a vida, com o corpo e, efetivamente,
com a produção do desejo. As tecnologias são poderosas fontes
de assujeitamento e captura do que difere. O jogo não é passivo,
desinteressado ou mesmo espontâneo. Há toda uma intenção
para afirmar e produzir condição de vida, objetivando e docili-
zando... É isso que se deve manter à espreita para não se cair no
jogo do mesmo, da produção de iguais.
O importante para o sistema capitalista é efetivamente a
subjetividade, como produzir subjetividades conformadas, adap-
tadas. A cada dia vêm sendo maquinados grandes serviços globais
e em fluxos, amparados pela tecnologia, na fabricação de sujeitos
que devem ter certas precisões.
Operação 1-
Fabrique para si a mulher, fabrique para si um modo de ser
...mãe... fabrique seu corpo, sua vida... invente para si uma neces-
sidade, uma modelagem... Quando o Facebook pode ditar um
corpo, um organismo....
Operação 2-
A mulher em condição de objeto, abjeto? O homem se diverte,
verte, pode, pula, rola, descontrola... Mulher é bicho doida, fácil...
41 Todas as imagens foram retiradas do Facebook no ano de 2016 em diferentes dias de acesso.
Operação 3-
Como criar para si um corpo sem órgãos? Como resistir às forças
identitárias? Como definir para si seus próprios afetos? Como
mapear os afetos dos outros? Spinoza alerta: não se sabe o que
pode um corpo... Não se sabe que potências os atravessa... Existir
é variar entre essas potências... processos de subjetivação em
variação...
Operação 6-
Toda forma de amor... quem diz como amar? As palavras de
ordem...
Mordem, podam, afirmam, dizem...
A palavra de ordem, moral... diz, confirma, conforma, molda...
Cuidar com a palavra de ordem... que codifica, obriga...
O mundo difere, diferença...
Não se pede respeito por seus próprios encontros... o sistema de
julgamento
Os princípios são abstratos... ignorados
Governos...
Ser...
Referências
DELEUZE, G. Foucault. São Paulo: Brasiliense, 2005.
GALLO, S. Do currículo como máquina de subjetivação. In:
FERRAÇO, Carlos Eduardo; CARVALHO, Janete Magalhães (Org.).
Currículos, conhecimentos e produção de subjetividades. Petrópolis: DP e t
alli; Vitória, ES: Nupec/Ufes, 2013.
GUATTARI, F.; ROLNIK, S. Micropolitica, cartografias do desejo.
Petrópolis: Vozes, 2010.
D
e que matéria são feitas as memórias? História é memó-
ria? Pode a memória tornar-se história? Onde se abriga
a memória? No corpo, na mente, no mundo? O que fica
de fora da memória existiu? E o que foi incluído é fato? Afinal,
quem é o sujeito da memória?
No conto “A memória do mundo” de Italo Calvino, um
personagem anônimo chefia certa organização cuja função é
armazenar e ordenar informações sobre tudo o que aconteceu na
Terra desde a origem até o seu fim, que ali é tido como certo.
Tal personagem ao explicar a natureza de seu trabalho esclarece
que o resultado final da tarefa da organização será a produção de
um modelo em que tudo conta como informação, menos aquilo
que não está nos arquivos da organização. Sobre isso conclui:
“Só então poderemos saber, de tudo o que foi, o que realmente
contava, ou seja, o que houve realmente, porque o resultado final
de nossa documentação será a um só tempo o que é, foi ou será, e
todo o resto, nada”. Em seguida, acrescenta que ao diretor (cargo
que ocupa) é concedido o privilégio de poder dar “sua marca pes-
soal à memória do mundo” (CALVINO, 2007 p. 335).
Entre outras coisas, esse conto de Calvino incita a pensar
memória a partir de outras latitudes. Uma memória controlada
pelo fora, que em nada corresponde às coordenadas de uma cons-
ciência individual, ou de uma vivência particular. Uma memó-
ria dirigida e editada, na qual tudo o que não aparece pertence
ao território do nada e tudo o que foi registrado nomeamos de
fato. Uma memória registro, que mais do que lembranças pro-
duz documentos. Nesse sentido, não é a lembrança que produz o
documento, mas o documento que produz a lembrança, pois que
somente o que está documentado será lembrado na “memória do
mundo”.
Sobre essa perspectiva, restam algumas perguntas: Quem
dirige essa memória registro, fato atestado por um documento?
Quem tem o poder de remasterizá-la?
Sem adentrar os domínios da discussão epistemológica
sobre pesquisa narrativa, sobre o estatuto de verdade desse campo
de investigação, as questões lançadas até o momento têm o pro-
pósito de inquietar. Interessa, aqui, problematizar o lugar ocu-
pado por aquilo que se tem chamado de memória nas pesquisas
narrativas e nos processos formativos por elas sustentados. Como
se tem operado com esse conceito ao se estudar e propor práticas
de formação, particularmente a de professores? Que papel se tem
atribuído à memória na constituição de subjetividades docentes?
Investi por certo tempo na pesquisa autobiográfica na
formação de professores. Esse investimento traduziu-se na
Corpo Docente
De onde vem essa pele que visto e me expande?
Superfície metamórfica em que me retorço
Entre asperezas e suavidades toca o outro
Sob atritos e faíscas provoca espanto/encanto
Na agudeza do dito acolhe dardos
Na língua do tato se faz silêncio
Tatuada no tempo
Transpira dúvidas
A quem pertence essa pele que tecida em ecdises
Cicatriza e regenera
Revestimento lábil
Epitélio mutante
Que me faz sempre outra?
Sílvia Chaves
Referências
BARROS, Manoel de. Poesias completas. São Paulo: LeYa, 2013.
CALVINO Ítalo. Todas as Cosmocômicas São Paulo: Cia. das Letras,
2007.
CHAVES, Sílvia. N.. Memória e auto-biografia: nos subterrâneos
da formação docente. In: SOUZA, Elizeu Clementino de. (Org.).
Autobiografias, histórias de vida e formação: ensino e pesquisa. 1. ed. Porto
Alegre: EDIPUCRS, 2006, p. 161-176
COUTO, Mia E se Obama fosse africano? E outras interinvenções –
Ensaios – São Paulo: Companhia da Letra 2011.
FOUCAULT, Michel A arqueologia do saber. 7. ed. Rio de Janeiro:
Forense Universitária, 2005.
FOUCAULT, Michel. Microfísica do poder. 25. ed. Rio de Janeiro: Graal,
2008.
GONÇALVES, Jadson F. G. Biografemática e formação: Fragmentos de
uma escrita de uma vida. Tese (Doutorado em Educação) – Instituto de
Educação, Universidade Federal do Pará, Belém, 2013.
NIETZSCHE Friedrich Ecce homo: Como se chega a ser o que se é.
Disponível em: <http://www.lusosofia.net/textos/nietzsche_friedrich_
ecce_homo.pdf>.
PELBART, Peter. O Avesso do niilismo: Cartografias do esgotamento.
São Paulo, N- 1 Edições, 2013.
Fuga I
N
o prefácio da quarta parte da Ética, Baruch de Spinoza
(2009) diz algumas palavras sobre perfeição e imperfeição,
bem e mal, que estão, a meu ver, conectadas com outras
palavras, modelo e ideal. Quando julgamos que algo está perfeito?
No caso de uma obra, por exemplo, afirmamos que está perfeita
quando ela atinge os objetivos traçados.
45 Escolho citar os fragmentos de Spinoza à maneira dos filósofos que utilizam sempre E =
Ética seguido dos números 1,2,3 ou 4 para a parte da Ética a que se refere o fragmento. Na
sequência teremos P = Preposição seguida do número; E = Escólio ou A = Axioma ou D =
Definição e Pref. = Prefácio.
A questão é que formamos ideias universais e modelos das
coisas e, ao formá-los, começamos também a preferir uns em
detrimento dos outros. O que isso implica? Que começamos a
chamar de perfeito aquilo que está de acordo com a ideia univer-
sal que formamos das coisas do mesmo gênero e de imperfeito, o
que não atinge esse modelo concebido. Formamos ideias univer-
sais de tudo, das coisas artificiais e das coisas naturais. Essas ideias
são tomadas como modelos das coisas. Ocorrem-me vários exem-
plos. No discurso médico lidamos todo o tempo com a ideia uni-
versal de um ser humano perfeito. Quando fazemos um exame,
por exemplo, o médico verifica o quão fora do modelo ideal esta-
mos... Sempre estamos fora, pois ninguém atende à perfeição do
modelo de ser humano saudável.
De uma forma geral, percebo nossa dificuldade social ao
lidar com os que fogem dos modelos universais de ser humano
perfeito, vide a necessidade que temos em criminalizar ações pre-
conceituosas contra homossexuais e de buscar políticas de inclu-
são social para negros e índios. Temos que incluir e proteger todos
os sujeitos que “estão menos de acordo” com o que socialmente
concebemos como “modelo de ser humano”. E se nasce um bebê
com Síndrome de Down? A natureza fracassou? Errou? Deixou
nascer um ser humano imperfeito?
Essa compreensão revela que adquirimos mais por precon-
ceito do que por conhecimento um hábito de chamar as coisas
de perfeitas e imperfeitas. Isso se dá a partir da crença na com-
paração de indivíduos da mesma espécie ou do mesmo gênero
em função de um fim. Quando reduzimos todos os indivíduos a
um gênero, os comparamos entre si, logo uns “serão mais que os
outros” quanto mais próximos dos modelos de finalidade se apre-
sentarem para nós; o contrário também ocorre, quanto menos
Por uma formação baseada em artes ou três modos de fuga dos modelos ideais 155
mais competente, mais eficiente, mais poderoso, mais produ-
tivo. Idealizamos uma forma melhor de nós (e de outro). Não
nos movemos pela potência, mas pela crença na impotência. E se
somos imponentes, queremos organizar o mundo para que nos dê
alguma vantagem e força. Faço uma pausa aqui. Retomo. Relendo
o que escrevo vejo que estou imersa na ideia de formação e ela
nem sempre precisa ser “modelar”, mas pode se dar por “mode-
lação” se penso nela a partir da produção de nós mesmos, como
processo de diferenciação.
Quero me demorar um pouco mais por aqui. Para tanto
recorro a um estudo de Suarez (2006) a respeito da etimolo-
gia da palavra cultura em alemão – bildung, e sua relação com a
formação:
Por uma formação baseada em artes ou três modos de fuga dos modelos ideais 157
Claro que faltam coisas, Renata! Ao desejo não falta nada e a
viagem da formação poderia partir daí.
Mas, de alguma forma, sob algum aspecto, todas as coisas
são iguais, pois qualquer coisa sempre poderá perseverar no exis-
tir, com a mesma força com que começa a existir. Então, se somos
forças, perseverar na existência é aumentar cada vez mais nossa
potência de agir, não a partir de um modelo externo, mas, a partir
da capacidade de ser afetado.
Isso quer dizer que na natureza as coisas se afirmam o tempo
todo, não seguem nenhum planejamento, religião nem modelo.
Às vezes, sinto uma incapacidade de atingir, de entender. Eu pro-
curo um modo de escrever que me leve mais depressa a outro
lugar. Olho pela janela para as plantas. Elas vão se expressando,
se afirmando e produzindo diferenças. São as relações que con-
tribuem para aumentar ou diminuir a potência de agir. Incrível
sensação me ocorre de estar viva e não saber do que sou capaz.
Incrível sensação de perceber que me tornei efetiva numa insti-
tuição que não crê na vida. Será que meus desejos e projetos não
estão investidos para fora de minha força? Mal comecei e já estou
cansada de atender demandas e criar demandas para os outros.
Não posso mais deixar de ir... E se eu e você fôssemos expressão
e invenção?
Fuga II
Para Almeida (2010, p. 137), é Nietzsche quem encara essa
tarefa da criação artística a sério e não almeja de forma alguma
uma investigação dos confins do ser, apenas uma invenção. O
erro e a aparência tomados como a base do conhecimento. O
mundo nasce do nosso olhar, dos infinitos graus e aparências que
Por uma formação baseada em artes ou três modos de fuga dos modelos ideais 159
na qual é o coletivo que determina nossas crenças. A responsabi-
lidade individual na ação pedagógica, por exemplo, parece estar
liberada. Tudo o que desvia, isto é, todo o mal, é logicamente uma
regra não cumprida. Isso não é moralismo? Olho para mim. Será
que busco um ideal nas salas de aula? Nunca viveremos o ideal.
Ele não existe. O ideal não tem as transformações que a vida
tem. Por vezes, sinto-me consumida por esse jeito racional de ser.
Quais os critérios que me fazem olhar deste modo?
Outro jeito, o trágico, compreende como dimensão humana
fundamental a contradição, nada de projetar de forma ressentida
um mundo melhor, mais humano e livre de tudo o que desvia
e negar a vida. O jeito trágico enfrenta a contradição da vida
afirmando-a como ela é. Ousar ver o terrível, o problemático.
Nietzsche viu na mitologia grega e nos filósofos pré-socráticos
uma grandeza: só se vive verdadeiramente no limite e no risco da
existência aparente sem o conforto do racionalismo. Essa com-
preensão da dimensão trágica desatina meu olhar. Como lidar
com a vida como ela é?
Nietzsche critica o humanismo compreendido como uma
visão liberal caracterizada por uma falsa valorização do trabalho e
a crença no progresso e nas ciências como sinônimo de um pro-
gresso da cultura humana. Ele propõe a natureza, o cultivo de
si, a força, a potência, o impulso. A natureza, entretanto, é com-
preendida como uma disputa do ponto de vista fisiológico. Uma
força que afirma a vida. Para ele a virtude é fisiológica, é estar no
máximo da potência de vida. A natureza quer crescer e se expan-
dir. As células estão em disputas pela defesa da vida. Ora, nesta
vida estão corpo e razão e não só razão. Na nossa tradição o corpo
é sempre imoral. Pode o sentido vir do corpo? Do mais baixo? O
jogo não é a própria dinâmica da vida?
Por uma formação baseada em artes ou três modos de fuga dos modelos ideais 161
o desejo e seguir o fluxo do impulso que vem do corpo. Isso de
entrar em contato com o outro e afetá-lo pelo trasbordamento.
Isso de ocupar o espaço em cena e crescer. Precisamos cultivar a
vontade, a criação. Como viver com essa força? Como transfor-
mar isso em força estética? Talvez a retomada da criação como
força propulsora na formação me seduza. Torno-me novamente
começo.
Fuga III
Proponho três pausas para inteligir46 o conceito de devir a
partir do encontro com textos de Friedrich Nietzsche. O próprio
conceito não conhece parada. Essa transformação me interessa.
Num primeiro momento coloco em suspenso o conceito de devir
ligado à metafísica, na relação com o uno primordial com base no
seu primeiro livro, O nascimento da tragédia, publicado em 1872.
Num segundo momento escolho Zaratustra, escrito e publicado
progressivamente entre 1883 e 1885 e Crepúsculo dos ídolos, publi-
cado em 1888 entendendo o devir junto a uma expressão ética da
inocência. Por último, destaco o devir como cultivo de si – von-
tade de potência, ou seja, como princípio metafisico da realidade.
Nietzsche insiste que a história do conhecimento humano
é a história da negação da vida. Corremos atrás de uma imagem
46 Foi nos encontros com o amigo filósofo Leon Farhi Neto que aprendi a também inteligir
o mundo. Mas do que compreendê-lo, entendê-lo.... Insiste ele: “Inteligir é palavra que
não figura nos dicionários de português. Presente no espanhol. Presente no latim. Temos
inteligência, inteligente, inteligível. Por que não inteligir?”. É no texto Grande Sertão: Veredas
de Guimarães Rosa que a palavra é retomada, descubro eu: ,“Mas me lembro que no de-
samparo repentino de Diadorim sucedia uma estranhez – alguma causa que ele até de si
guardava, e que eu não podia inteligir. Uma tristeza meiga, muito definitiva (ROSA, 1994,
p. 536). Disponível em: <http://leonfarhineto.blogspot.com.br/2010/01/inteligir-palavra-
-de-jagunco.html>.
Por uma formação baseada em artes ou três modos de fuga dos modelos ideais 163
acontece o rompimento de si-próprio, a experiência de tornar-se
fenômeno artístico. Bebo. Tudo fica menos fixo. Já não consigo
perceber limites, fronteiras. Está tudo turvo. Não ando, só consigo
perambular. Não acho o caminho para casa. “Assim se separam
um do outro, através desse abismo do esquecimento, o mundo da
realidade cotidiana e o da dionisíaca” (NIETZSCHE, 2007, p.
52). Perco-me no mistério caótico, vital e alegre. Canto e danço.
Estou no culto ao Deus do vinho, estou em festa e experimento
de forma dramática a existência. Sou impulso e sentido. Exacerbo
as sensações do corpo. Como, cheiro, bebo, amo e temo em dema-
sia. Aniquilo meu ser. Todas as coisas se fundem numa unidade
cósmica horrorosa e disforme. Não há mais eu, não há mais
você. Começo a gargalhar. “Mas tão logo a realidade cotidiana
torna a ingressar na consciência, ela é sentida como tal náusea”
(NIETZSCHE, 2007, p. 52-53) que começo a ter pensamentos
enojados sobre esse horror, a sentir o absurdo da existência.
Arte. Só ela tem o poder de transformar esse horror em
poesia.
Temos a necessidade da experiência onírica? Durmo. Um
novo mundo nasce aos olhos. Sonho e recordo-me dos meus
sonhos pela manhã. Há sonhos que quero seguir sonhando e
embora saiba ao despertar que “foi um sonho” mantenho os olhos
fechados para “continuar a sonhá-los”, pois há sonhos belos, sere-
nos, perfeitos que dão forma e ordem ao caos da vida. Não sei
se essa experiência testemunha o que afirma Nietzsche: “o nosso
ser mais íntimo, o fundo comum para todos nós, colhe no sonho
uma experiência de profundo prazer e jubilosa necessidade”
(NIETZSCHE, 2007, p. 24). Talvez como um véu sereno e belo
Apolo encubra a natureza, pois precisamos de beleza, alento e
aparência para justificar nossa existência.
Por uma formação baseada em artes ou três modos de fuga dos modelos ideais 165
espirito torna-se camelo, o camelo torna-se leão e por fim o leão
torna-se criança.
O camelo é aquele que carrega os mesmos valores, pois os
aceita e reproduz de forma reverente. Existe para transportar os
valores instituídos. Eu carrego! O leão é quem denuncia. Nega
os valores carregados pelo camelo e constitui sua existência na
denuncia daquilo que está errado, daquilo que não quer, e, dessa
forma, cria a liberdade para novas criações. Rosna e grita para
todos os lados. Eu quero! Por último a criança, um novo começo.
Um sagrado dizer – sim que conquista seu mundo, cria novos
valores. Eu esqueço e crio!
Por uma formação baseada em artes ou três modos de fuga dos modelos ideais 167
uma tendência de encontrarmos um modelo, uma clara separação
entre o que funciona ou não. Mas esses modelos vão trancando
nossa própria natureza sempre que vamos nos ajustando a maio-
ria, aos modelos, aos fins. Porém, “fomos nós que inventamos
a noção de “finalidade”: a finalidade está ausente da realidade”
(NIETZSCHE, 2011, p. 58)! Então o mundo só existe na condi-
ção de ser experimentado de infinitas maneiras.
Chega aqui uma menina segurando um copo de plástico
com uma das mãos. Ela fica de pé, ao meu lado, em frente à minha
mesa de trabalho. Coloca a borda do copo virada para a mesa. Bate
a mão em cima do copo e amassa. Pega o copo, desamassa. Coloca
o copo sobre a mesa dessa vez como a borda para cima. Então...
Bate a mão em cima do copo e amassa. Pega o copo, desamassa.
Coloca outra vez a borda meio quebrada do copo virada para a
mesa e aí bate a mão em cima do copo e amassa. Pega o copo e
desamassa. Coloca pela quarta vez o copo sobre a mesa com a
borda para cima. Então... vai embora. Esquece e recomeça outro
jogo, em outro lugar.
A criança esquece e começa de novo e manifesta uma curio-
sidade desprovida de interesse. É preciso esquecer para fazer algo
novo, é preciso esquecer para não ser esse ser humano previsível.
O que é que eu faço com a moral? O que é que eu faço com a
culpa? O que eu faço com o castigo?
Devir vai se transformando na expressão de uma ética que
enfrenta a moral com a ideia de cultivo de si, de tornar-se o que se
é percebendo uma natureza antes de toda essa “má interpretação”.
Como? Não há nada superior à vida. A partir dessa premissa
o convite é por afirmamos a vida de uma forma integral, inter-
pretando o mundo com expressão e pensamento. Afirmar a vida
passa por assumir que temos caos dentro de nós. E isso não é um
Referências
ALMEIDA, Cidio Lopes. A educação estética de Nietzsche. Revista
Omnia Lumina, São Paulo v.1, n. 2, p.123-155 Jul./Dez. 2010.
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NIETZSCHE, Friedrich. Escritos sobre Educação. Tradução,
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NIETZSCHE, Friedrich. O nascimento da tragédia ou Helenismo e
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230, p. 107-125, jan./abr. 2011.
Por uma formação baseada em artes ou três modos de fuga dos modelos ideais 169
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Jun., 2004.
SPINOZA, Benedictus de. Ética. Tradução e notas de Tomaz Tadeu. 3.
ed. Belo Horizonte: Autêntica, 2010.
SUAREZ, Rosana. Nota sobre o conceito de bildung (formação cultural).
KRITERION, Belo Horizonte, n. 112, Dez./2005, p. 191-198.
E
ste trabalho apresenta uma produção desenvolvida no âmbito
do projeto de Iniciação Científica “A linguagem artística e
cinematográfica na pesquisa autobiográfica de formação”,
que é parte integrante do Projeto “Autobiografia, arte e cinema
na formação docente”. Essa produção consiste em um monólogo
encenado e montado, no qual foram reunidos textos e objetos que
estavam guardados desde a pré-adolescência e adolescência, car-
tas de amigos, familiares e alguns escritos que foram produzidos
em diferentes momentos da vida. Narrativas que contam de certa
forma quem se foi um dia aos olhos do outro e os pensamentos
de uma época marcada por conflitos familiares, conflitos ideo-
lógicos, entremeando com vivências da fase adulta “Joana filha,
mãe, irmã, universitária, amiga e se desligando de algumas dou-
trinas religiosas”. Ao mesclar as etapas da vida monta e desmonta
alguém que nunca se completa e (re)vive os mesmos conflitos em
diferentes fases, porém a forma de relacionar-se com o mundo
não é a mesma. A partir dela se pode experimentar e problema-
tizar outros modos de subjetivação, pensando-se não a partir de
lugares definidos por outros, mas de um olhar inventado a partir
do momento presente, o que faz pensar que somos múltiplos, não
só em termos de vivências, mas também como possibilidades de
nos dizermos. Em termos formativos e investigativos, esse tipo
(Com)Posições de um Sujeito
É possível se desligar por alguns momentos das posições
de sujeitos que ocupamos? “O educador, em sua individuali-
dade, sempre está situado em uma posição de sujeito. Entretanto,
não despreza a inter-relação com a posição de outros sujeitos”
(CARVALHO, 2011, p. 15), também não se desliga da multipli-
cidade que existe nele próprio, cada sujeito carrega na bagagem
o modo que foi subjetivado, objetivado, acontecimentos, desloca-
mentos e descontinuidades de sua trajetória.
“Tenho aqui uma porção de coisas lindas nessa coleção”47 por
meio de músicas, objetos, textos, brinquedos, conta-se e canta-se
uma história de vida de uma futura professora dos anos iniciais.
Essa experiência possibilita pensar que “o processo de subjetiva-
ção é a produção de novas possibilidades de existência e de certos
estilos de vida, é a produção da existência como “arte” (GARCIA,
2002).
Na (auto)biografia deixa-se aparecer posições de sujeito que
se ocupa no cotidiano, criando um modo de (re)contar coisas que
ficaram no passado, que naquele instante se torna presente e o
47 Música: “Parte do seu mundo”. Filme: Pequena Sereia, Disney.
48 A LIECML é uma licenciatura voltada para a formação de professores para atuar nos anos
iniciais de escolarização. Seu currículo não é disciplinar. Ele está organizado a partir de eixos
de ensino. Cada Eixo está distribuído em temas que são distribuídos ao longo dos semestres
do curso.
Jo-ana(s)
(Vi)vendo a (auto)biografia
Sem dúvidas, trabalhos (auto)biográficos não acabam, ainda
continuam sonhos, projetos, desejos, a universidade, a mãe falível,
porém agora sabe que pode (re)montar, colar o meio no aquilo
que poderia ser chamado fim, reunir uma coleção de dedicações
de carinhos, entulhadas em algum canto da casa e embalar na
música que quiser e fazer de vida um registro feliz.
Aqui, em uma escrita feita a partir daquilo que a cantava e
contavam, nasce uma nova escritura de si, pensamentos se movem
em um tempo que não volta. Pensar a vida em um espaço para
formação de professores dos anos iniciais na perspectiva de (re)
invenção de ideias é experimentar outros modos de subjetivação,
pensar não a partir de lugares definidos por outros, mas de um
olhar inventado a partir do momento presente, que faz pensar que
somos múltiplos, não só em termos de vivências, mas também
como possibilidades de nos dizermos. Em termos formativos,
esse tipo de experiência, que se põe para além dos processos de
reconhecimentos identitários, abre espaço para formas criativas e
novas de se pensar a prática pedagógica como campo de experi-
mentação e não de aplicação de regras e condutas universais.
Referências
BADINTER, Elizabeth. Um amor conquistado: o mito do amor materno.
Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1985.
CARVALHO, Alexandre Filordi. Função-educador: em busca de uma
noção intercessora a favor de experiências de subjetividades ativas. In:
E
sta comunicação consiste em um relato de experiência
vivida na disciplina “Movimento Criador do Ato Teórico”,
do Programa de Pós-graduação em Artes da Universidade
Federal do Pará, ministrada pelas professoras e doutoras Ivone
Xavier e Wladilene Lima. Suas dinâmicas de trabalho consis-
tem em circundar métodos e formas de teorizar a pesquisa em
arte que fogem à visão de mundo mecanicista-cartesiana e se
encontram com perspectivas epistemológicas sistêmicas, reco-
nhecendo a arte como campo multidisciplinar do conhecimento.
Em suas práxis didáticas, sugerem a ressignificação das experi-
ências cotidianas com a construção de subjetividade e de formas
de vida utópicas, em consonância teórica com Gilles Deleuze,
Félix Guattari e Jesus Martín-Barbero. Além disso, é enfatizada
a necessidade de diálogo com o modus operandi e a obra de artis-
tas, que desterritorializam a pesquisa, agenciando tanto a poesia
pensante quanto os pensamentos poéticos, assumindo-os como
potenciais referenciais teóricos de primeira grandeza na pesquisa
em arte. O distanciamento da perspectiva cartesiana possibilitou
a abertura de caminhos na pesquisa em poética nesse processo,
que iniciam com experiências afetivas contundentes de minha
vida, e ganham intensidades e matizes com o contato com a arte
e se transformam a cada vez que produzo novas reflexões e obras.
Nesse processo coletivo de ressignificação, fui impelido ao deva-
neio criativo a partir da construção de imagens reveladoras das
forças dos objetos/relações de pesquisa; da busca dos locais aonde
residem as energias de atração para o ato de teorizar; e da rela-
ção das palavras-chave das pesquisas com os cinco elementos da
natureza (éter, terra, fogo, água e ar), num experimento que atra-
vessa o sujeito criador da pesquisa, junto a pensadores poéticos
como Carl Jung (com a série conceitual dos arquétipos), e Gaston
Bachelard com a sua poética da imaginação. Todo esse plano de
composição vivido no território existencial dessa atividade curri-
cular impeliu a turma a desenvolver coletivamente um método de
proposição de ideias – mais que isso, de invenção de ideias – para
a produção teórica: a Metodologia Elemental. Durante minha par-
ticipação nessa dinâmica, iniciei um aprofundamento no pensa-
mento do fora em Deleuze, e, dessa forma, me percebo imerso em
devires, ao dar espaço às minhas multiplicidades; linhas de fuga, ao
lidar com as forças coercitivas que encontro no outro e em mim;
dobras, para desvelar a intensidade do mergulho em minhas pro-
fundezas. Assim, delineio um método cartográfico para a tessitura
de experiências e seus atos de escrita, partindo de pressupostos
ético-estético-políticos. Reconheço que, ao entrar em contato
com tais provocações e personagens conceituais, me encontro em
um processo poético composto por uma rede de multiplicidades
afetivas que me atravessam, alimentam e auxiliam na revelação de
zonas de aproximação de cunho epistemológico, e se insinua nas
trajetórias que realizo – com amigos e artistas – entre o centro e
as praias da Ilha de Cotijuba, na região metropolitana de Belém
Arcano 5 – O Hierofante.
Figura 1
Do movimento fugitivo ao criador – a metodologia elemental aplicada à minha pesquisa poética 183
Imediatamente, me recordo da Mostra Internacional
“FOCAR”, o evento a ocorrer esta semana. Desse modo, recordo
a respeito do que queria escrever. Minha Pesquisa.
Vida contada em 10 minutos.
Existência essa que atravessou experiências em disciplinas
do Mestrado em Artes, bem como seus corredores, bares, oficinas,
vivências, convivências, o divã... O teatro. E se reencontrou a cada
afeto trocado, multiplicado e ressignificado no trajeto “Casa-
PPGARTES”. Exatamente como eu me reencontrava na ado-
lescência (melhor dizendo, no final dela), no seguinte pêndulo:
“casa-ilha”.
Mas qual a razão de associar esses dois trajetos?
Pois a complexidade que as movimentações de minha casa-
-corpo para a Ilha de Cotijuba, com meus amores e amigos, são
tantas quantas as epistemologias que existem!
O peso de minhas escolhas tornava a minha vida insuportá-
vel, e meu corpo intuía o movimento de fuga, para a margem, para
a praia. Mais precisamente, a uma distância aonde só compreende
quem busca o paradeiro das flechas que atira. Muito longe. Ao
limite do corpo em travessia.
Intuições acertadas, nessa ilha eu me permitia viver de forma
poética, tecendo linhas de força em integração aquele ambiente,
admirando as criaturas ali viventes e me admirando. Substituindo
meus medos urbanos pelos medos obscuros.
Ou seria desvelando a tenebrosidade das formas de meus
sonhos?
Com a ajuda de meus amigos, a cada vez que retornei para
aquele lugar, pude lavar um pouco dos traumas que nublavam
minhas ideias, muitos deles relacionados à minha diferente
Figura 2
Do movimento fugitivo ao criador – a metodologia elemental aplicada à minha pesquisa poética 185
Entretanto, não há como ignorar os caminhos que se
abriram repentinamente após minha entrada no programa.
Caminhos sinuosos, insinuantes. Num primeiro momento, dia-
logava com eles bem baixinho, como quem encontra segredos
muitos preciosos.
Nos encontros da disciplina “Movimento Criador do Ato
Teórico” – da Pós-graduação em Artes da Universidade Federal
do Pará, ministrada pelas docentes Ivone Xavier e Wladilene
Lima – encontrei, como bem diz Max Martins, um “lugar para
onde se ir”. Me deparei com pessoas em estado de compartilha-
mento de ideias e processos de um modo que não antes havia
assistido, que auxiliou o espírito inquieto deste texto a me rela-
cionar de forma mais profunda com tais caminhos desvelados.
As dinâmicas estabelecidas tornaram este espírito um fractal de
afetos e percepções.
Paralelamente, estava também em contato consigo mesmo
no divã psicanalítico. Logo eu, que sempre se mostrava avesso
aos métodos advindos da psicanálise. Por preconceito, admito.
Entretanto, certa vez me deparei com a seguinte questão: para
onde se refugiar, quando uma série de colapsos passam a afogar
nosso cotidiano? Consultório do analista, um outro “lugar para
onde se ir”.
A esta trama se junta o convite para participar do processo
de criação do espetáculo “Auto do Coração” do Grupo Cuíra de
Teatro, um espetáculo de rua no qual seis atrizes contam suas
vidas sob forma de poesia, tramando afetos e vivências relaciona-
dos ao amor. Dentre a sala de ensaios e as temporadas rodando
pela cidade num ônibus, outro “lugar para onde se ir”.
Pausa para falar de como anda minha relação com o teatro
atualmente.
Do movimento fugitivo ao criador – a metodologia elemental aplicada à minha pesquisa poética 187
movimento criador da escrita; O ato poético é criação em rede \
redes de criação; As dobras da pesquisa – a enformação movente”.
Já nos segundos momentos, organizados pela profa. Wlad
Lima, eram instauradas dinâmicas de dilatação, estranhamento
e expressão no processo de criação e revisão da relação com os
objetos, trajetos de pesquisa e das formas de escrita. Em mim, tais
atividades me geraram movimentações tectônicas. Quando nos
propusemos a pensar a partir do contato com questionamentos
pouco usuais, me senti provocado a tomar novos rumos:
– qual a beleza do seu objeto de pesquisa?
– onde está a energia do projeto?
– em que se baseia a tensão do seu projeto?
– qual a imagem-força de seu objeto de pesquisa?
Enquanto participava, um intrincado jogo se formava à vista
nua, ganhando renovados e complexos contornos a cada semana.
Um momento de virada. A seguinte pergunta nos foi dada:
– quais são os elementos da sua pesquisa (fogo, água, terra,
ar, éter)?
Na época, minhas respostas, assim como os elementos tra-
ziam à tona várias questões já comentadas em parágrafos anterio-
res, que em adição, aglutinam-se numa nova trama. A construção
de um dispositivo, cujo título provisório é “Os Caminhos dos
Arcanos em terras movediças: Dispositivos dilatadores imagéti-
cos no movimento criador”.
Uma carta tirada na sorte.
Arcano 5 – O Hierofante. Os cinco elementos já se insi-
nuam cedo. E o horizonte me aparece livre, embora nublado, para
que minha nau possa zarpar ao encontro de todo perigo, pois
agora me darei a permissão de ousar construir uma ilha.
Do movimento fugitivo ao criador – a metodologia elemental aplicada à minha pesquisa poética 189
E eu aceito.
Figura 3
Índice de figuras
Figura 1 – “O Hierofante”, lâmina do tarot de Marselha (1750).
Figura 2 – “Sem título” da série Cartas Abertas, de Breno Filo. Exibida
durante a performance na Mostra FOCAR, como elemento cenográfico.
Figura 3 – “O Hierofante”, de Breno Filo. Integra os estudos de tarot da
pesquisa “Os caminhos dos arcanos em terras movediças: dispositivos
dilatadores imagéticos no movimento criador”.
Do movimento fugitivo ao criador – a metodologia elemental aplicada à minha pesquisa poética 191
Con/trans/des figurando corpos51
O corpo
(Paulinho Moska)
51 Este texto foi produzido a partir de experimentações em uma apresentação artística perfor-
mática, na Mostra Internacional Formação, Ciência e Arte (FOCAR), em 2016.
Meu corpo vive e depois morre
E tudo é culpa de um coração
Mas meu corpo não pode ser mais assim
Do jeito que ficou após sua educação
N
uma manhã de abril, estava eu numa sala escura, enquanto
isso, uma luz amarela surgia de um refletor e passeava pela
sala, entretanto, a escuridão ainda estava lá numa constante
guerrilha com a luz. Essa luz também refletia em outros corpos,
não apenas no meu, fazendo-me enxergar alguns olhares fixos em
meu corpo, olhares profundos, acompanhando-me, que eu bus-
cava por não encontrar ou encarar.
Tudo começou no chão. Estava ali, prostrado sob os pés de
outros corpos, quando, repentinamente, uma música52 começou
a surgir. A melodia foi aos poucos invadindo a sala, e, também,
os corpos ali presentes. Meu corpo, meio que (des)conexo com
a música, começou a movimentar-se lentamente, sentia minha
carne pulsar...
A escuridão invadia ainda mais minha pele, que estava
atada por correntes frias que se fundiam à carne, em minha boca,
encontravam-se mais correntes, que me impediam de exprimir
gritos. Sentia gosto de sangue, vindo por meio do atrito da carne
com as correntes, que ao passar pelo chão, produziam ruídos.
***
***
***
Referências
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DELEUZE, G. Espinosa: filosofia prática. Tradução de Daniel Lins e
Fabien Pascal Lins. São Paulo: Escuta, 2002.
DELEUZE, G. O abecedário de Gilles Deleuze: transcrição integral do
vídeo, para fins exclusivamente didáticos. Paris: éditions montparnasse,
1988.
DELEUZE, G.; GUATTARI, F. Como criar para si um Corpo sem
Órgãos. In: ______. Mil platôs: capitalismo e esquizofrenia 2, v. 3. São
Paulo: Editora 34, 2012, p. 11-34.
LINS, D. Estética como Acontecimento. In: NETO, A.V.; RAMALHO,
B.; MACEDO, E. SOUZA, E. C.; DAYRELL, J. GALLO, S.;
IRELAND, T. Conexões. 2012. cap. 3 p. 17-36.
1 Esse texto intitulado “Monólogo do Jaleco: Vestes da Resistência” foi apresentado em forma
de vídeo na MOSTRA INTERNACIONAL DE FORMAÇÃO, CIÊNCIA E ARTE:
Autobiografia, Arte e Cinema na Formação Docente, realizada na Universidade Federal do
Pará nos dias 06 a 08 de abril de 2016. As inserções que proponho no texto escrito para esse
livro emergem a partir das ideias vincadas no monólogo que criaram o objeto discursivo
Jaleco.
E
ste texto é parte integrante da pesquisa de tese de doutorado em
processo de construção, que põe o jaleco, artefato usualmente
utilizado nas aulas de ciências/biologia, em uma rede discursiva
de poder. A problematização desse artefato emerge a partir de inquie-
tações que se movem no campo da docência em escolas confessionais2
e que instigaram a olhar esse campo com novas lentes, estranhando
o corriqueiro, o que está posto e o que foi imposto, como o uso
dessa vestimenta nomeada jaleco, usada indistintamente por pro-
fessores e professoras, desde a educação infantil até o ensino médio.
Para efeito de análise, o jaleco será aqui tratado como objeto
discursivo. Isso implica em tratá-lo nas condições históricas de
sua emergência e existência enquanto artefato de subjetivação,
2 Escolas confessionais são as que estão vinculadas a uma instituição religiosa e difundem,
dentre os conhecimentos sistemáticos de cada disciplina, sua visão filosófica intrinsecamen-
te relacionada à perspectiva religiosa.
assim como os princípios que regem sua subsistência e transfor-
mação. Desse modo, propomos uma análise arqueológica do objeto
jaleco, “cujo centro é a descrição dos acontecimentos, a descrição
das transformações dos enunciados, dos discursos” (FISCHER,
2012, p. 24). Na esteira foucaultiana, nos desafiamos a uma tarefa
“que consiste em não mais tratar os discursos como signos, mas
como práticas que formam sistematicamente os objetos de que
falam” (FOUCAULT, 2012, p. 60). Nessa perspectiva, o objeto
jaleco não será aqui tratado como representação, símbolo de algo.
Tampouco serão analisadas as intenções “por trás” de seu uso, mas
sim as regras que o fazem ser visto como objeto numa dada rede
discursiva.
Ao mapear enunciados que produzem o jaleco e transitam
na escola confessional, emergem questões como: Quando a prá-
tica do uso do jaleco passou a ser regra na ordem discursiva da
sexualidade em escolas confessionais? Que corpo docente o jaleco
produz? O que o jaleco diz sobre sexualidade e docência? Que
moral é instituída pelo objeto discursivo jaleco?
Foucault ajuda a pensar os percursos dos objetos discursivos
quando sugere os aspectos que importam atentar, dentre eles,
Fonte: http://educacao.uol.com.br/quiz/2012/03/06/os-jesuitas-e-a-origem-de-
-sao-paulo.htm
5 A Companhia de Jesus era uma ordem religiosa cuja principal missão consistia em ensinar
os indivíduos de acordo com as doutrinas disseminadas pela Igreja Católica. Nesse sentido,
o ensino era o meio pelo qual ocorria a disseminação dos dogmas da Igreja por meio da
pregação. Os padres jesuítas – como eram chamados os integrantes da Companhia de Jesus
– destacaram-se como fundadores de povoados, educadores e pregadores (KERN, 2004,
p. 108). Eram nomeados pela corte portuguesa e viajavam juntamente com as expansões
mercantis que tinham o objetivo de conquistar terras para Portugal e colonizar essas terras
conquistadas a partir da introdução de sua cultura.
6 Entendem-se dóceis não como obedientes, mas como indivíduos cujos corpos são mol-
dáveis, maleáveis, isto é, que são disciplinados e engendrados a partir das redes de poder
(VEIGA-NETO, 2005, p. 85).
Fonte: <http://www.jalecomedico.com/>.
7 Poder pastoral é uma figura formada no cristianismo a partir da tradição hebraica. Esse po-
der se exerce sobre um rebanho que, na escola confessional, transmuta-se na relação ovelha-
-aluno e pastor – professor (CASTRO, 2009).
Convite
A
fotografia é deslocada da representação do real para cogitar
sobre si novos percursos e sentidos. Somos convidados a
desconfiar do que está capturado (e naturalizado) na ima-
gem fotográfica. Até que ponto a fotografia pode condicionar o
olhar do observador? A história narrada pela fotografia é con-
fiável (ou descartável pelo modo teatral que a captura pode ser
concebida?). Há um tipo de fotografia infame? O que vemos
pode não ter acontecido do modo como vemos. O convite aqui
é pensar a produção de fotografias (considerando o discurso, a
teatralidade, a manipulação, a pulsão de vida que a imagem car-
rega sobre si) e tonificar a potência da fotografia que se afirma
em-cena-ação. Duas passagens compõem esse pensar: infâmia e
verdade e infâmia e encenação ambas procuram tencionar as nossas
convicções diante daquilo que vemos e tomamos com verdade/
ficção na fotografia.
10 Para aprofundar a reflexão sobre os enunciados da verdade, ver a primeira parte do livro: A
fotografia entre documento e arte contemporânea, de André Rouillè (2009).
Referências
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v. I. 7. ed. Tradução de Sérgio Paulo Rouanet. São Paulo: Brasiliense,
1994.
BARTHES, Roland. A Câmara Clara: nota sobre a fotografia. Rio de
Janeiro: Nova Fronteira, 1984.
DELEUZE, G. Diferença e Repetição. Rio de Janeiro: Graal, 1988.
DUBOIS, Phillipe. O ato fotográfico. Campinas: Papirus, 1993.
FOUCAULT, Michel. A ordem do discurso. Aula inaugural no Collége
de France, pronunciada em 2 de dezembro de 1070. 18. ed. Tradução:
Laura Fraga de Almeida Sampaio. São Paulo: Edições Loyola,. 2009.
FOUCAULT, Michel. A Arqueologia do Saber. 8. ed. Rio de Janeiro:
Forense Universitária, 2012.
KOSSOY, Boris. Realidades e ficções na trama fotográfica. São Paulo:
Ateliê editorial, 2009.
D
obras, rasuras e vazios no papel-jornal são provocações de
encontros de criação de fotografias experimentais e escri-
tas inventivas, que apostam nas conexões entre a poética
e a política como forças dos pensamentos. Como gerar novos e
improváveis sentidos a partir das urgentes palavras-imagens jor-
nalísticas que, em desuso, beiram o sem-sentido... Logo pensei
de escovar palavras, ressoa Manoel de Barros em suas Memórias
Inventadas:
***
***
***
Debora Souza
Alberto Amaral
Introdução
E
ste trabalho é o resultado dos diálogos entre a reflexão filo-
sófica de Michel Foucault e Gilles Deleuze e a experimenta-
ção crítico-literária de Maurice Blanchot. O que ambos têm
em comum é o uso de seus pensamentos como um exercício de
liberdade. Foucault, em sua obra As Palavras e as Coisas, ataca o
conceito de filosofia do sujeito.
Tanto Foucault como Deleuze e Blanchot percorreram
caminhos distintos. Michel Foucault contribui com o pensa-
mento, ao deixar, de forma muito particular, uma forma de pensar
a experiência humana. Dessa forma, Foucault efetua uma relação
entre a amizade – a tentativa de abordar o outrem – e o escrever,
e dessa relação, criam-se momentos em que algo é lido/escrito
ou que alguém escreve/lê. Deleuze e Blanchot partem de uma
crítica comum: ambos questionam as ilusões, nas quais se apoia o
pensamento moderno.
Uma dessas ilusões, talvez a maior delas, consiste em eleger
o homem como motivo principal para a criação e o julgamento
dos saberes. A discussão é uma atitude moderna que, na opinião
dos dois teóricos, deve ser ultrapassada, evitando-se qualquer
outro eixo centralizador.
Ainda de acordo com Blanchot e Deleuze, a literatura nos
desperta do sono antropológico. Ela constitui um não saber que põe
em questão os sujeitos, as sociedades e suas verdades.
A partir dessa premissa sobre a literatura, passamos a refletir
sobre as questões que a literatura nos revela em A Paixão Segundo
G. H. de Clarice Lispector. Para Foucault, a literatura é uma forma
de atualização do movimento repetitivo da linguagem derivado
de uma nova experiência: a experiência moderna. Contudo, como
a literatura se caracteriza? Que elementos contribuíram para a
sua criação? Se o movimento da escrita é atualizado, não há, por-
tanto, um fundamento (palavra anterior) atualizado no ato do
nascimento da literatura, logo, a questão “O que é a literatura?” se
encontra no próprio ato da escrita. E é nesse ato que encontramos
sua resposta e sua formulação. E é ainda nesse ato que se apre-
senta uma recusa e um sinal, que define algo que seria a essência
da literatura, o olhar sobre o livro de Clarice Lispector: A Paixão
Segundo G.H, que nos mostra todas as angústias do ser consigo
mesmo, e seu total “aniquilamento do ‘eu’” como Benedito Nunes
nos aponta:
O devir
O conceito de devir é de fundamental importância para a
forma moderna de se lidar com o tempo. A linearidade, a deter-
minação, o encadeamento necessário entre passado, presente e
futuro são bruscamente dissolvidos, postos em cheque pelo devir.
Com a anulação do tempo acumulado, que pesa sobre os ombros
dos sujeitos modernos, são suspensas também as identidades
determinadas, as dualidades, as oposições entre bem e mal, entre
sentido e paradoxo.
Deleuze parte de Platão para formular o conceito de devir.
O filósofo grego definira o mundo em duas dimensões: uma das
coisas limitadas e medidas e das qualidades fixas; outra de um
puro devir louco, que não para nunca e provoca uma explosão no
tempo, fazendo coincidir o passado e o futuro. Esse puro devir
não seria atributo nem do mundo das Ideias, nem das cópias
sensíveis. Estaria, porém, situado debaixo de ambos, como uma
névoa que, quando espessa o bastante, pode tudo mais ocultar.
A partir da filosofia de Platão consideramos que o devir
louco guardava uma relação muito particular com a linguagem,
visto que ela não só fixa os limites de todas as coisas, como tem
o poder de ultrapassá-los. O devir opera na (e pela) linguagem,
destruindo a linearidade, dissolvendo o familiar, para que em
seu lugar surja o estranho, e fazendo o bom-senso afogar-se em
paradoxos. Essa tão espantosa inversão funciona como um des-
colamento efetuado, no limite entre a linguagem e o sujeito do
12 Roberto Machado nos mostra que o devir é o enlace de duas sensações sem semelhanças
que cria uma zona de vizinhança, de indistinção, de indeterminação ou indiscernibilidade
entre elas [...] o próprio devir que é o real. Não o termo o qual passaria aquele que se torna
outra coisa. O devir é animal sem que haja um termo que seria o animal que alguém se teria
tornado. O devir animal do homem é real sem que seja real o animal que ele torna.
13 O Fora – questão central do pensamento de Blanchot – implica levantar questões funda-
mentais para estudo da literatura: quando a ideia de representação enquanto cópia é ques-
tionada como passam a funcionar os elementos constituídos do texto literário? E a própria
literatura se não é mais semelhança, se não é mais uma forma de conhecimento do mundo,
como pode se dar enquanto experiência? E ainda: de que maneira essa experiência literária
pode promover um encontro com o pensamento que faz da palavra uma possibilidade de
resistência? (LEVY, 2003).
14 Para Foucault cada sociedade tem seu regime de verdade, sua “política geral” de verdade:
isto é, os tipos de discursos que ela acolhe e faz funcionar como verdadeiros; os mecanismos
e instâncias que permitem distinguir os enunciados verdadeiros e falsos, a maneira como
se sancionam uns aos outros; as técnicas e os procedimentos que são valorizados para a
obtenção da verdade; o estatuto daqueles que têm o encargo de dizer o que funciona como
verdadeiro (FOUCAULT, 1987, p. 12).
Mas como faço agora? Devo ficar com a visão toda, mesmo
assim que isso signifique ter uma verdade incompreensível?
Ou dou uma forma ao nada, e este será o meu modo de inte-
gra em mim a minha própria desintegração? (Op. cit., p. 12).
15 Pois para Foucault, o poder vai além de um mecanismo que provoca a interdição, a proi-
bição, constituindo-se assim como produtor de positividades. E é justamente nisso que
Foucault se destaca, pois para Foucault o poder vai além de um mecanismo que provoca
a interdição, a proibição, constituindo-se assim como produtor de positividades. E é justa-
mente nisso que Foucault se destaca e se diferencia em sua análise sobre o poder, pois não
visualiza o poder somente como uma força que diz não, mas também que diz sim, enquanto
um conjunto de práticas que provoca comportamentos, modos de ser, ou seja, o poder pro-
duz subjetividades.
Referências
ARISTÓTELES. Arte e Poética. São Paulo: Martin Claret, 2007.
BLANCHOT, Maurice. O espaço literário. Rio de Janeiro: Rocco, 2011.
BORNHEIM, Gerdard. Sartre: metafísica e existencialismo. São Paulo:
Perspectiva, 2000.
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______. Crítica e clínica. São Paulo: Editora 34, 2010.
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______; PARNET, Clarice. Diálogos. São Paulo: Escuta, 1998.
______. GUATTARI, Félix. Mil platôs: capitalismo e esquizofrenia, v. 1.
São Paulo: Editora 34, 1995.
______. Mil platôs: capitalismo e esquizofrenia, v. 4. São Paulo: Editora
34, 1997.
FOUCAULT, MICHEL. A ordem do discurso. São Paulo: Loyola, 1998.
Alberto Amaral
Introdução
O presente capítulo coloca-se diante de uma pergunta que
inferimos como ponto inicial para nossas reflexões: como pensar
as questões envolvendo a arte hoje de modo que ela se apresente
como um “absolutamente Outro”, uma estranha em nosso meio
e que institua uma relação paradoxal de estranhamento e fascí-
nio? Será basicamente através dessa pergunta que moveremos
as nossas investigações no campo da arte contemporânea cen-
trada especialmente no trabalho Tudo tão breve da artista plástica
paraense Keyla Sobral. Porém, encontrar, buscar, responder a essa
indagação não significará aqui empreender a busca da verdade ou
inferir uma verdade, mas, como diz Blanchot (2001, p. 63-64),
“girar em torno”, fazer um movimento circular sem nenhuma
ideia de finalidade. Não haverá um centro para atingirmos, ao
contrário, há um abandono do centro para arriscarmos fazer valer
a caminhada errante, a impossibilidade e a inversão de nossos
hábitos. Blanchot (2001, p. 64) diz que
Entre imagem e escrita: o infinito e o estranhamento nas obras de Keyla Sobral 285
“Neutro”, vislumbra questões possíveis de serem desenvolvidas
no âmbito da arte contemporânea. Tal inferência ocorre não
somente a partir dos conceitos levinasianos e blanchotianos, mas
da constatação de que a arte contemporânea em si mesma tem
se apresentado como incomunicabilidade radical na realização de
suas formas. Para os contempladores de arte, instrumentalizados
pela carga de cânones disponibilizados ao longo dos tempos pela
teoria e pela história da arte, a arte parece já não mais fazer sen-
tido desde que os antigos instrumentos tornaram-se obsoletos.
Observamos que a partir de um determinado momento os
paradigmas que vinham sendo firmados ao longo dos tempos para
a produção das artes plásticas foram contestados. É, então, com
base nesse procedimento que podemos vislumbrar a fecundidade
dos pensamentos de Levinas e de Blanchot com mais correspon-
dência para a reflexão que nos propomos realizar. Certas práticas
da arte ficaram por muito tempo marginalizadas por paradigmas
dominantes e, a partir de então, podemos falar de uma produ-
ção em arte como “Rosto”, como manifestação do “Infinito”, em
contraponto a uma totalidade que se instalava a partir de câno-
nes fundadores para a leitura da arte. Citamos, por exemplo, os
ready mades, as performances, as fotomontagens, as instalações,
as assemblagens, a body art, a introdução do corpo como objeto
da arte, os quais ficaram à margem com o domínio da estética
modernista, que, na crítica realizada por Greenberg (2002), eram
consideradas produções que não se enquadravam na classificação
de “arte maior”.
Greenberg (2002), inspirado na filosofia Kantiana, conside-
rou a arte do modernismo como a arte da “maioridade”. Citamos
Greenberg (2002) como marco desde que, como teórico da arte
e promotor da arte moderna, teve grande influência na arte do
Entre imagem e escrita: o infinito e o estranhamento nas obras de Keyla Sobral 287
O referido autor relata o fim da possibilidade da arte fiel aos
fundamentos que a mantinham como uma narrativa progressiva.
Havia uma produção em arte que não mais pertencia à sequência
da narrativa, e essa produção apresentava como função a ausência
de função. A arte, por sua vez, apresenta-se como fundadora de
sua própria realidade e atribui a essa realidade um caráter espe-
cificamente ambíguo, obscuro e enigmático. Ela passa a ser pro-
motora do que chamaremos de estranhamento, essa sensação de
que se prefere falar de um lugar que está além ou à margem do
mundo.
O que nos interessará sobremaneira não são as mudanças nas
estruturas formais da arte (embora elas também contem, pois não
podemos separar a forma do conteúdo). Nosso maior interesse é
a experiência que essas estruturas fundam, ou seja, a experiência
como relação com o desconhecido, com o que há de “absoluta-
mente Outro”, que se traduz no estranhamento e na interrogação
sobre o limite, substituindo a busca da totalidade pela transgres-
são. Eis, aí, o espaço obscuro de nossas reflexões.
O “estranhamento” ao qual nos referimos e cujos concei-
tos vamos buscar nos autores franceses que faz a sua morada no
enigma que obtém força na tensão interrogativa que gera e, por-
tanto, que nos leva a afirmar que o caráter essencial da obra-de-
-arte está justamente no enigma. Como estranhamento na arte
contemporânea, o enigma renuncia a interpretação da obra nos
moldes de “contemplação” conforme a tradição. Falamos, então,
de um estranhamento, de um enigma que remonta à Grécia
arcaica, em que, como afirma Perniola (2006, p. 27), não há nada
de negativo. Contudo, falar de tal enigma significa mencionar
palavras importantes, dignas da máxima atenção e que na Grécia
arcaica só poderiam ser assimiladas depois de ampla experiência
Entre imagem e escrita: o infinito e o estranhamento nas obras de Keyla Sobral 289
O conceito de estranhamento, portanto, está no que Levinas
(2000, p. 13) define como experiência com o “Infinito”, isto é,
com o que extravasa sempre o pensamento, em que o extrava-
samento produz a sua própria “infinição”. Assim, abordar a arte
como estranhamento é falar dela como estrangeira, lembrando
que ser estrangeira também significa ser livre, pois não podemos
poder sobre uma arte que se apresenta como “passividade total
do ser”, essa recusa radical de o ser vir à luz. Não podemos poder
porque ela escapa a qualquer domínio. Num aspecto essencial,
não temos com essa estrangeira um conceito comum, pois a sua
produção não tem conosco uma relação de totalidade, mas sim
de transcendência, uma exterioridade absoluta. O transcendente
é desejo, é inadequação. Na imagem anterior, percebemos justa-
mente esse estranhamento que a artista apresenta em seu mapa,
possibilitando diversos caminhos de interpretações e desejos da
obra em relação ao observador nos possibilitando esse diálogo
entre a obra e os conceitos aqui apresentados.
Pensar a arte contemporânea de Keyla Sobral como expres-
sividade do pensamento é ir ao encontro não do que se mostra,
Entre imagem e escrita: o infinito e o estranhamento nas obras de Keyla Sobral 291
(2004) chama de secreto, pois busca o incessante e, nessa busca,
percebe-se dono de um ofício “Infinito”. Blanchot (2005, p. 137)
diz que todo artista está vinculado “con un eror con el qual tiene
una relación particular de intimidad”. Esse erro é que permite
que a arte contemporânea deixe de ser uma afirmação comum,
uma tranquila maravilha coletiva, para ser o improvável. Como
afirma Blanchot (2005), constatamos isso em outros tempos e
atestamos a partir do que vemos hoje. E muito bem representada
pelas imagens a seguir.
Entre imagem e escrita: o infinito e o estranhamento nas obras de Keyla Sobral 293
A palavra é ambígua, lugar do ser dissimulado, espaço
onde o ser não escapa sempre no jogo da mostração, mas onde
a significação é essencialmente “não sentido”. E se, porventura,
o artista tentou expressar algo, as palavras resistiram a isso e na
rebeldia afirmaram somente a negação, essa falta de habilidade
do artista para fixar a verdade. De outro lado, o artista tem a sin-
gularidade de escrever sem se prender à palavra escrita. Então,
por que a escreve? A palavra é vã, é facticidade levada ao limite.
Paradoxalmente, a palavra não é silenciosa, pois o silêncio fala
nela.
Pensar a obra de Keyla Sobral e pensar na relação entre ima-
gem e escrita, tal como ela nos apresenta em suas obras, a sua
sensibilidade poética imagética que nos sensibiliza, uma vez que a
artista rompe com a dicotomia entre imagem e escrita. Se aquele
que escreve, escreve porque ouviu o inaudível, podemos pensar
que aquele que escreve é quem olhou o interminável, ainda que
desviasse seu olhar para não morrer, tal qual Orfeu ao voltar seu
olhar para Eurídice. Esse raciocínio e indagação poderiam resu-
mir o poder-ver, a disponibilidade do leitor para acolher a palavra
escorregadia de Blanchot, a experiência de um impossível de que
a escrita nos dá conta.
O seu discurso, ao sentido barthesiano, é algo intransitivo,
não diz nada a não ser ele mesmo. Nesse jogo discursivo, o pensa-
mento, os modos de escrita são vividos como um drama ontoló-
gico, cujo segredo todo escritor, solitariamente, tenta decodificar.
A afirmação da solidão essencial da obra é um código de
seus discursos, mas isso “não significa que ela seja incomunicável,
que lhe falte o leitor. Mas quem lê entra nessa afirmação da soli-
dão da obra, tal como aquele que a escreve pertence ao risco da
solidão”, diz ele (BLANCHOT, 1987, p. 12). Isso permite dizer
Entre imagem e escrita: o infinito e o estranhamento nas obras de Keyla Sobral 295
realidad, la obra atestigua así la dignidad de La imaginación
artística que se erige en saber de lo absoluto.
Entre imagem e escrita: o infinito e o estranhamento nas obras de Keyla Sobral 297
dando-lhe golpes com matéria cromática. E o pintor tentará
responder a esses golpes depondo em sua tela toques de óleo
ou de aquarela. Um golpe faz sair um púrpura, outro golpe
libera uma modulação de amarelo que inunda a atmosfera.
Entre imagem e escrita: o infinito e o estranhamento nas obras de Keyla Sobral 299
esas fuerzas que, por el horror y el terror, abren al hombre a regio-
nes extrañas” (BLANCHOT, 1999, p. 25).
As obras de Keyla Sobral parecem cumprir essa intenção de
palavra “oracular”. Constituem uma estética do gesto, o informal,
e parecem ser trabalhadas por vias solitárias, o que leva a pensar
o que Michel Tapié (MUSEU..., 2005, p. 127) a chamá-las de
“simbologia metafísico-literária”, alheias à pintura em si. Tàpies
diz que se trata de uma pintura que nunca se esgota porque nunca
nos satisfaz.
As obras de Keyla Sobral contêm algo secreto, porém é algo
que não se trata de um enigma que temos de resolver porque isso
significaria esgotá-lo, mas sim se trata de um secreto existente
que jamais será divulgado, um secreto tal como as palavras do
oráculo, dinâmico em disponibilidade fecunda. A obra da artista
é isto: não se vê explicada por um sistema de rigor satisfatório
de que o artista possui uma consciência clara, sendo o primeiro
a justificá-la. Ao contrário, fortalece a ideia de uma comunica-
ção contraditória cujo objeto escapa a qualquer pensamento de
uma contemplação tradicional. Trata-se de obras em que o essen-
cial não poderá dizer-se nunca, embora se mantenha em zonas
abertas, porém, com disponibilidade, sem direção precisa. As suas
imagens são menos imagens e mais “sombras”, imagens não para
serem entendidas, mas pressentidas, imagens que falam como
quem cala. Na sua profundidade, resta sempre o indizível como
podemos ver nas imagens a seguir:
Entre imagem e escrita: o infinito e o estranhamento nas obras de Keyla Sobral 301
diante da arte como aquela que nos conecta com o cosmos, com a
ordem, com o divino, com a contemplação do mundo ou mesmo
conosco: estamos diante do incongruente. Não há ali nenhuma
certeza, ao contrário, o vazio nos debilita e aniquila nossos pre-
tensos conhecimentos. Isso acontece porque a arte designa uma
região em que a impossibilidade não é uma privação, mas sim
lugar de afirmação, já que ela parece se afirmar na sua própria
impossibilidade de “dizer-se”, de modo que ali o que pressupo-
mos como “verdadeiro” ou como “ordem” nada encontra para se
sustentar. Ora, pode estar, ainda, no espaço vazio, na distância
entre os objetos ou nos espaços imensos em que a palavra aparece
escrita. Tudo ali parece vir sobre um fundo de silêncio, e procu-
ramos uma fenda para desvelar o enigma sem jamais encontrá-la.
Abrem-se aí um vazio extremo e, paradoxalmente, uma imensa
fecundidade. Contemplar tais obras é contemplar a impossibili-
dade, a angústia de não ter nada para falar. Ou seja, a experiência
da “impossibilidade” é a experiência desmedida da profundidade,
a qual só se revela dissimulando-se nas obras vistas a seguir. “Me
encuentro realmente en más allá, si el más allá ES quello que no
admite más allá” (BLANCHOT, 2000, p. 86).
Referências
BLANCHOT, Maurice. El libro por venir. Madrid: Trotta, 2005.
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BELTING, Hans. O fim da história da arte: uma revisão dez anos depois.
São Paulo: Cosac & Naify, 2006.
CAMPOS, Haroldo de. Mallarmé. São Paulo: Perspectiva, 1980.
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MALLARMÉ, Stéphane. A tarde dum fauno e um lance de dados.
Tradução Armando Silva Carvalho. Lisboa: Relógio D’Água, 2001.
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sociedad y el arte. Murcia: CendeaC, 2006. PERRONE-MOISÉS,
Leyla. Texto, crítica, escritura. São Paulo: Martins Fontes, 2005.
Desastre...
Nada a interpretar,
somente sentir...
experimentar o pensamento... pois aqui ele é puro capim.
“o escritor
no mundo,
fora dele,
e todo o
na consciência
de suas
de uma
AUTOR:
Acontecimento...
Repetição, repetição,
Difere,
Sopro,
Morte, experiência...
Eu sei que este livro não é fácil, mas é fácil apenas para aque-
les que acreditam no mistério. Ao escrevê-lo me conheço, eu
me esqueço de mim. Eu que apareço neste livro não sou eu.
Não é autobiográfico, vocês não sabem nada de mim. Nunca
te disse e nunca te direi quem sou. Eu sou vós mesmos. Tirei
deste livro apenas o que me interessa –deixei de lado minha
história e a história de Ângela. O que me importa são ins-
tantâneos fotográficos – pensadas, e não a pose imóvel dos
que esperam que eu diga: olhe o passarinho! Pois não sou
fotógrafa de rua.
N
este capítulo, comporão um campo problemático para pen-
sar a Educação duas instalações audiovisuais levadas pelo
grupo de pesquisa Humor Aquoso (FE-Unicamp), inte-
grante do Laboratório de Estudos Audiovisuais (OLHO) à mos-
tra FOCAR, em Belém-PA. Ambas as exposições partilham em
comum o processo de produção e composição produzido a partir
de fragmentos de dissertações, teses, ideias e pensamentos proli-
ferados nos encontros do grupo.
Assim, cada instalação é um efeito, um rasgo ou um hiato
resultante do encontro entre linhas e faces distintas de uma esté-
tica da produção acadêmica, que os pesquisadores buscaram
responder em seus trabalhos, e que, em encontros e discussões,
dispararam outros signos ou afetos para a composição dessas
obras artísticas, um processo que ocorre no intervalo de pensa-
mentos em que, ao chegar a um limite, salta-se da necessidade
de enunciação conceitual para a criação de um turbilhonar de
sensações.
Da mesma forma que no processo de composição artística,
no qual não foi buscada uma aplicação utilitária de trabalhos aca-
dêmicos, este texto proporá num percurso inverso – do bloco de
sensações, em que cada obra consiste, para o jogo conceitual que
cada obra pode suscitar – indagando menos a partir de uma expli-
cação ou juízo dos efeitos causados pelas obras artísticas do que
pela capacidade de aumento de potência que poderiam proliferar
conceitualmente na escrita.
Como ambas as instalações instigam pensar a potência da
educação com/em artes, a educação apresentar-se-á como um
campo de possibilidades para experimentações em que se busca
no afecto um propulsor de signos às aprendizagens ainda não
identificadas.
Apostam no intervalo como um lugar, um spatium, em
que há a possibilidade de uma dupla operação do pensamento
à aprendizagem, um processo que consiste, ao mesmo tempo, no
que foi percebido na exposição e o que cada em cada um supri-
miu, recortou e compôs para concluir algo desse encontro. Nesse
sentido, trata-se de uma conclusão efêmera, aberta a desvios e
atravessamentos que não param de modulá-la e modificá-la, a
educação tal qual um plano de composição disparador de possí-
veis aprendizagens.
Fragmentos de sons, luzes, tintas e palavras buscam produzir
outras referências espaciais em um jogo ou um combate à signifi-
cância, às palavras de ordem e ao juízo.
Essas duas instalações apresentadas na Mostra FOCAR,
dentro do campus da Universidade Federal do Pará, também
foram apresentadas anteriormente no Museu da Imagem e do
Som (MIS), da cidade de Campinas-SP, e problematizaram
o espaço urbano. Modul - ações16 participou do evento Afetos
Nascentes (nov. 2014) e A parir sons17 consistiu uma das instala-
ções da exposição Aparições (maio 2015).
19 Nossa tradução.
20 Em inglês a tradução comum ao conceito de ritornelle de Deleuze e Guattari é refrain.
Optamos por manter ao longo do texto a tradução brasileira, ritornelo, e utilizar, apenas, a
palavra refrão para quando tratar-se de uma tradução direta do inglês.
Referências
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DELEUZE, Gilles. Cine II: Los signos del movimiento y el tiempo.
Buenos Aires: Cactus, 2011.
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da associação nacional de pesquisa e pós-graduação em música – ANPPOM),
n. 10, 2004.
HERZOG, Amy. Dreams of difference, songs of the same. Minneapolis,
London: University of Minnesota Press, 2009.
LAMBERT, Gregg. In search of a new image of thought: Gilles Deleuze
and philosophical expressionism. Minneapolis, London: University of
Minnesota Press, 2012.
Rafael Cabral
A
performance “Circulo de Pykatoty” foi realizada pela pri-
meira vez no jardim do Programa de Pós-graduação em
Artes da Universidade Federal do Pará, no mês de novem-
bro de 2015. A partir de então ela vem se constituindo em work
in progres (COHEN, 1998). Essa performance provocou estí-
mulos diferentes que nunca havia vivenciado até então como
performer. A apresentação foi o resultado da disciplina “corpo
e performance na atuação cênica” ministrada pelo professor Dr.
Cesário Augusto Pimentel no Programa de Pós-graduação em
Artes, como o objetivo de experimentarmos artisticamente nosso
objeto de investigação.
A performance Círculo de Pykatoti faz referências com
o círculo da ancestralidade existente na contemporaneidade
mebengokre. Essa relação põe em uma experimentação artístico-
-performativa a união de arte e vida presente na cultura indígena
mebengokre em suas diversas forma de comunicação: pintura
corporal, artesanato, danças, cantos. Tendo também como rela-
ção a primeira grande aldeia mebengokre chamada de Pykatoty,
representando o momento histórico ancestral no percurso de
construção da performance.
Essa foi a primeira vez que sentia algo que não tinha um
controle psicofísico por completo, ao mesmo tempo eu tinha o
domínio do movimento corporal no círculo. Esse movimento
de alguma forma foi produzindo no meu corpo um movimento
constante do qual a energia centrifuga estava atuando. Ao final do
círculo ainda no “macrocosmo” sentia como se meu corpo fosse
puxado para o centro do círculo. Uma força de domínio da física
Referências
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Bahia: P&A, 2007.
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P&G Gráfica e Editora, 2009.
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2008.
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COHEN, Renato. Work in progresso na cena contemporânea. São Paulo:
Perspectiva, 1998.
Alberto Amaral
Graduado em geografia pela Universidade Federal do Pará
(2003), especialização em filosofia contemporânea pela Pontifícia
Universidade Católica do Rio de Janeiro (2006) e Saúde Mental
e direitos humanos (UFPA/ FHCGV) (2008) e mestrado em
Teoria Psicanalítica UFRJ (2009). Atuando principalmente nos
temas, arte, psicanálise e escritas contemporânea na política da
amizade com base nos estudos de Michel Foucault, Deleuze,
Guattari, Battaille, Blanchot, Barthes dentre outros pensadores
Pesquisador dos Grupos Arte, Corpo e Conhecimento (CNpq
-UFPA) e Grupo de Estudos Blanchotianos e de Pensamento
do Fora (CNPq-UNB).Organizador e idealizador dos colóquios
Blanchot: literatura, amizade, uma vida - Dez anos da Morte de
Maurice Blanchot (março de 2013); Colóquio: O que pode o
Corpo: 30 anos de morte de Michel Foucault? (agosto de 2014).
Desenvolve suas pesquisas em torno da escrita e do pensamento
do Fora e do Outro num intenso diálogo entre a filosofia e as
obras de artes (Literatura, Fotografia e outras produções artísti-
cas. Contato: albertoamaral@gmail.com
Alda Romaguera
Professora/pesquisadora. Graduada em Pedagogia pela
Universidade Estadual de Campinas (1993). Mestre em Educação
pela Universidade Estadual de Campinas (2003) e Doutora em
Alik Wunder
Professora e pesquisadora na Faculdade de Educação da
Universidade Estadual de Campinas. Doutora em Educação
pela Unicamp, pesquisa as relações entre educação e imagem,
principalmente com os temas: fotografia, cultura e filosofia con-
temporânea no grupo OLHO na FE/Unicamp e é colaboradora
do Laboratório de Estudos Avançados em Jornalismo (Labjor),
Unicamp. Integra a diretoria da Associação de Leitura do Brasil
(biênios 2011-2012 e 2013 e 2014).
Contato: alik.wunder@gmail.com
Emanuela Mancino
É pesquisadora efetiva da Faculdade de Ciências da
Formação da Universidade de Estudos de Milão Bicocca, onde
ensina Filosofia da Educação. É membro do conselho diretor
do colégio docente da Universidade Livre de Autobiografia de
Anghiari e responsável científico-organizativa da Academia do
Silêncio. Idealizadora e realizadora de numerosos Projetos de
formação e pesquisa nacional e internacional – que exploram os
aspectos narrativos da educação cognitiva e emocional através
da potência da linguagem cinematográfica e poética. Fundou e
coordena um grupo de pesquisa sobre processos educativos, na
Universidade de Estudos de Milão Bicocca. É responsável pelo
curso de escrita autobiográfica e criativa do projeto “Um teatro na
ponta da caneta” realizado pelo teatro Verdi de Milão, em colabo-
ração com o Teatro do Buratto de Milão do qual é colaboradora a
mais de dez anos. Realizou, idealizou e dirigiu pesquisa e forma-
ções nacionais e internacionais com a Academia de Arte e ofícios
do Teatro Scala de Milão. É autora de numerosos ensaios, artigos
e livros sobre narração e aprendizagem, cinema e autobiografia,
Filosofia e Pedagogia da narração através da linguagem cinema-
tográfica poética e mitológica. Contato: emanuelabic@gmail.com
JOEL CARDOSO
Pós-Doutor em Artes (Literatura & Cinema) UFF-RJ.
Doutor em Letras: Literatura Brasileira e Intersemiótica UNESP-
SJRP, SP (2001); Mestre em Letras: Teoria da Literatura pela
UFJF (1996). Graduado em Letras Modernas (português/alemão
– USP), Pedagogia (USP) e Direito (Instituto de Ciências Sociais
Vianna Jr., Juiz de Fora, MG, OAB: 60295-MG). Especialista
em Língua Portuguesa: Linguística Aplicada (Simonsen, RJ).
Professor de música (piano clássico). Desde 2002, é docente da
Universidade Federal do Pará. Atua nos cursos de Graduação
e Pós (Mestrado e Doutorado em Artes, ICA). É pesquisador
das Poéticas da Modernidade, transitando pelas áreas de Letras,
Comunicação e Artes, com ênfase na correspondência entre os
diversos signos e linguagens, privilegiando as relações entre palavra
e imagem (Literatura e Cinema, TV, Teatro etc.). Autor do livro
Nelson Rodrigues: da palavra à imagem (Intercom, SP). Organizou,
com Bene Martins, Desdobramentos das linguagens artísticas: diá-
logos interartes na contemporaneidade; (UFPA-PPGArtes, PA),
e Dos palcos às telas do cinema (2015, UFPA). Desde dezembro
de 2014 é Diretor Adjunto do Instituto de Ciências da Arte, da
UFPA. Contato: joelcardosos@uol.com.br
Leandro Belinaso
Professor da Universidade Federal de Santa Catarina,
Licienciado em Ciências Biológicas e Doutor em Educação pela
Universidade Federal do Rio Grande do Sul Atua na formação
de educadores/as ambientais e de professores/as de ciências e de
biologia, praticando pedagogias com as imagens e as narrativas
embebidas de ficção. Orienta pesquisas que articulam educação,
arte, cultura, a partir de perspectivas que flertam com os estudos
culturais e as filosofias da diferença.
Contato: lebelinaso@gmail.com
Marli Wunder
Fotógrafa, pintora e arte-educadora, já realizou diver-
sas exposições fotográficas e atua como artista convidada do
Coletivo Fabulografias e Núcleo de Leitura da Associação de
Leitura do Brasil: possibilitam espaços em que jovens de esco-
las públicas, universitários, pesquisadores, artistas encontrem-
-se com as dimensões estéticas da literatura e das artes visuais e
estimulando a criação coletiva com palavras e imagens, em espe-
cial, com a poesia e com a fotografia. Participaram das oficinas
de escrita literária: Alessandra Melo, Rodolfo Fordiani, Angélica
Rafael Cabral
É professor de arte, ator, fotografo. Formado pelo Curso
Técnico de Formação em Ator pela Escola de Teatro e Dança
da UFPA. Graduado em Licenciatura Plena em Teatro pela
Universidade Federal do Pará. Especialista em filosofia da educa-
ção-UFPA. Mestrando em artes-UFPA. Estuda a cosmovisão da
etnia Mebengokre na Amazônia em sua espetacularidade ame-
ríndia na reflexão e experimentação artística.
Contato: rafarcabral@hotmail.com