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PARAÍSO, M.H.B. Amixokori, Pataxó, Monoxó, Kumanoxó, Kutaxó, Kutatoi, Maxakali, Malali
e Makoni: povos indígenas diferenciados ou Subgrupos de uma mesma Nação? Uma
proposta de reflexão. Rev. do Museu de Arqueologia e Etnologia, São Paulo, 4: 173-187,
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PARAÍSO, M.H.B. Amixokori, Pataxó, Monoxó, Kumanaxó, Kutaxó, Kutatoi, Maxakali, Malali e Makoni. Povos indígenas
diferenciados ou Subgrupos de uma mesma Nação? Uma proposta de reflexão. Rev. do M useu de Arqueologia e Etnologia,
São Paulo, 4: 173-187, 1994.
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PARAÍSO, M.H.B. Amixokori, Pataxó, Monoxó, Kumanoxó, Kutaxó, Kutatoi, Maxakali, Malali e Makoni. Povos indígenas
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São Paulo, 4: 173-187, 1994.
tros grupos nos espaços que, originalmente, as se pos e a prática dos aldeamentos “voluntários” con
paravam, de acordo com os padrões sociais deste juntos de alguns dos grupos acima referidos.
grupo indígena, hoje conhecido por Maxakali. Inicialmente analisaremos de forma mais
Assim sendo, consideramos que o fato de aprofundada os dados arqueológicos. Para tanto,
haver referências a tantos “grupos” indígenas na contamos com os trabalhos de Perota (1971) que,
região considerada não indica, com precisão, se infelizmente, só se referem ao sul da Bahia e o
eram unidades sociais peculiares e com identida norte do Espírito Santo. Seus achados, partiram
de e organização social próprias e particulares ou de uma informação dada pelos Pataxó de Barra
frações de uma única unidade social. Velha sobre antigas aldeias no vale do rio Jucurucu.
Um dos fatos que levam a colocar, como pro Esta área é identificada por Navarro (1846) (refe
vável, a afirmativa de serem frações de uma uni rindo-se ao ano de 1807), Wied-Neuwied (1989)
dade, é a superposição dos seus habitats. Para (relativo ao ano de 1815), e Portella (1911) (rela
facilitar a compreensão do leitor, listaremos os tivo a 1910) como sendo de aldeamentos e aldeias
vários grupos considerados e indicaremos os lo Maxakali. Foi considerado o material escavado a
cais que são referidos como sendo seus territóri partir dessas informações que o arqueólogo de
os tradicionais que compreendiam a área entre os nominou as Fases Itanhém, Itaúnas, Guarabu,
rios Pardo, ao norte, e Mucuri, ao sul. Camburi, e as localizou como ocupando os vales
GRUPOS LOCAIS
AMIXOCORI Adjecências de Porto Seguro
PATAXO Entre os rios de Contas, Pardo, Jucurucu, Jequitinhonha, Mucuri, São Mateus e
Itaúnas
MONOXO Baixo Jequitinhonha - sul da Bahia e leste de Minas
KUMANOXO Rio Jequitinhonha, Mucuri e São Mateus
KUTAXO Entre os rios Jequitinhonha e Pardo
KUTATOI Nordeste da Capitania de Porto Seguro
MAXAKALI Jequitinhonha, Itanhém, Jucuru e Mucuri
MALALI Médio rio Jequitinhonha e Mucuri
MAKONI Rio Mucuri - sul da Bahia, norte do Espírito Santo e leste de Minas Gerais
FONTES: Rubinger, 1980; Amorim, 1980; Marcato, 1980; Nimuendajü, 1958; Spix e Martius, 1976; Wied-
Neuwied, 1989; Ottoni, 1858; Loukotka, 1931; Porto, 1946; Arziaga, 1920; Senna, 1908; Metraux e
Nimuendaju, 1963; Cardim, 1980.
Os dados arqueológicos indicam uma unidade dos rios dos Reis Magos, São Mateus, Itaúnas,
Mucuri, Itanhém e Pardo.
E interessante fazermos duas ressalvas quan
Ora, se considerarmos que, nesta área, além to a estes dados. A primeira é que o autor não re
desses “grupos” viviam apenas os remanescentes alizou prospecções no rio Jequitinhonha, o que de
dos Tupinikin, em tomo de Ilhéus e Porto Seguro; certa forma, deixa a descoberto uma área impor
os Kamakã-Mongoió, entre os rios de Contas e tante para a nossa análise. A segunda é que, se
Pardo, e os Botocudo, entre o rio Una do Norte e o observarmos o mapeamento, ainda inédito, que o
Doce, podemos inferir a partir de outros dados, autor está realizando dos dados arqueológicos dos
que havia maior unidade do que se pensava quan sítios escavados no Espírito Santo, observamos
do eram trabalhados os dados referentes à ocupa três grandes unidades peculiares quanto à classi
ção indígena desta região no século XIX. Os da ficação do material: temos uma unidade que se
dos que nos levam a tal conclusão são os arqueo refere aos sítios dos Botocudo, outra que se refere
lógicos, os culturais, inclusive os lingüísticos, as aos grupos de origem Tupi e outra que engloba
alianças políticas estabelecidas entre vários gru- todos os demais grupos referidos e que “formam
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uma tradição específica que não se enquadra em nidades nas maneiras e costumes. Fazem habitual
nenhuma outra tradição identificada até agora” mente um horifício no lábio inferior, metendo por
(Perota, 1971). ele pequeno pedaço de bambú curto e fino, uma
Em assim sendo, os dados arqueológicos das cujas extremidades pintam de vermelho com
apontam para a unidade cultural de um conjunto urucu. Usam curtos os cabelos, no pescoço e so
de populações que se opõem aos Botocudo e aos bre os olhos”. Na mesma página toma a afirmar:
remanescentes Tupinikin. Se cruzarmos os dados “...a julgar pelas semelhanças de linguagem,
arqueológicos, a localização dos sítios e os refe maneiras e costumes, as referidas tribos parecem
rentes aos grupos indígenas, veremos que exce- ter, entre si, estreita afinidade”. Mais adiante, o
tuando-se os Botocudo e Tupinikin, os habitantes mesmo autor, ao comparar Pataxó e Maxakali,
do Mucuri, Itanhém e Pardo eram os Pataxó, sobre os quais se deteve com grande atenção, ain
Kumanoxó, Kutatoi, Maxakali, Malali e Makoni, da que inferior à dedicada aos Botocudo, afirma
que formariam, portanto, essa unidade cultural. que ambos “não se pintam, nem se desfiguram,...
são baixos ...delgados, de cara larga e ossuda e
feições grosseiras ...usam os cabelos naturalmen
Os dados culturais indicam unidade te soltos (pág. 214) ...conservam o curiosíssimo
hábito de arregaçar o prepúcio com um ramo de
Outra indicação é a de que os blocos Kamakã- cipó ...os Patachos lembram, em muitos pontos,
Mongoió e Botocudo são sempre caracterizados os Machacaris ou Machacalis ...” (pág. 215). Na
como de grande densidade demográfica, senhores página 275, ainda afirma sobre o mesmo tema,
de grandes áreas e subdivididos em inúmeros ao analisar os habitantes das matas do Jucururu,
subgrupos. Já os demais sete grupos citados, são “...encontrei uma mulher da tribo dos Machacaris
sempre referidos como pequenos grupos, ocupan que entendia perfeitamente a língua dos Pataxós,
tes de pequenas parcelas dos territórios dos coisa muito rara, porque sendo os últimos, de to
Botocudo com os quais as disputavam intensamen das as tribos aborígenes, os mais desconfiados e
te, porém, sempre perdendo e tendo que optar por reservados, é difícil a uma pessoa que não perten
“entregar-se pacificamente” ao convívio com os ça à tribo, aprender-lhes a linguagem” ... Obser
“nacionais”. vando a casa dos Machacalis do rio Jucurucu, o
Talvez, por isso mesmo, constatamos, tam autor na página 276 constata “...vi igualmente os
bém, que alguns grupos simplesmente desapare mesmos sacos pendurados que se observam entre
ceram das referências documentais com mais ra os Patachos, com quem os Machacaris se pare
pidez que os demais. É o caso dos Kutatoi, Kutaxó, cem em muitas particularidades... dizem que cons
Kumanoxó, Monoxó. Sempre nos perguntávamos tróem as choças da mesma maneira”.
se estes grupos, por serem menores, teriam sido Spix e Martius (1976:55), referindo-se aos
destruídos com maior rapidez ou teriam se reuni Malalis e Makonis, afirma: “estes Malalis cria
do aos seus aliados tradicionais, passando a re ram-se entre os Maconi, não fazendo diferença
compor as antigas unidades sociais. Mas por que nenhum deles...”
sempre os mesmos? Porto (1946:164), analisando os relatórios de
Ao aprofundarmos a nossa análise sobre a Téofilo Ottoni sobre a área do vale do Mucuri, ates
possível unidade cultural destes grupos, outros ta “na sua opinião, todas as tribos que se encon
dados reveladores precisam ser considerados. travam e habitavam a zona do Mucuri, sua divisa
Trabalharemos, inicialmente, com as constan com Jequitinhonha, o litoral, o Suaçui e o rio Doce
tes referências encontradas sobre esta semelhan eram da mesma família...” É interessante que os
ça entre as culturas dos grupos, destacando que, grupos a que Ottoni se refere são os Copoxós,
em nenhum momento, encontramos qualquer in Purixós, Malali, Kumanoxó, Monoxó e Maxakali.
dicação desta possível semelhança entre qualquer Na página 167, encontramos a seguinte asser
um deles e os Botocudo, os remanescentes Tupi tiva: “...com os Makoni e Malali vieram os Maxa
ou Kamakã-Mongoió. kali, tribo de Tapuias, cujo o nome aparece tam
Referindo-se aos Makoni, Maxakali, Pataxó, bém na costa no tempo do descobrimento” ...E,
Kumanoxó, e Malali, Wied-Neuwied (1989:176) finalmente, na página 168, a sua posição sobre a
afirma que “as cinco tribos aliadas possuem afi unidade cultural dos grupos é reafirmada ao di
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zer: “os Maxakali eram os restos dessas tribos de línguas dos Macuñi, Copoxó, Cumanoxó, Paflame
Tapuios que os Tupis impeliram a concentrar-se e Monoxó, hoje todos extintos... e mostra alguma
na cordilheira da Serra das Esmeraldas1 .. .comba semelhança com o dos Pataxó e Malali, esta última
tidos pelos Botocudo... obrigados a procurar a pro também língua morta...”
teção dos cristãos, sob o nome de Makoni, Malali Saint Hilaire (1975: 211) também afirmava
e Maxakali”... “... A língua dos Macuñis se pronunciava da mes
Saint Hilaire (1975: 273) também afirmava: ma m aneira que a dos Coroados, M alalis e
...“os doze ou treze casebres dos Machacalis (sic) Monoxós...”. Na página 273, observa: “...como os
eram dispostos sem ordem e assemelhavam-se aos Malalis, Macuñis e Monochós, os Machacalis fa
dos Maconis... seu mobiliário era semelhante aos lam com a garganta, quase sem abrir a boca e não
das casas dos Maconis”... tem em sua pronúncia nenhum desses sons gri
tantes que caracterizam a dos Botocudo...”
Rodrigues (1986) classifica todas as línguas
A língua falada: como pertencentes ao tronco Macro-Jê, pertencen
outra indicação positiva tes a duas famílias: a dos Maxakali e dos Kamakã
(kamakã, Mongoió, Kotoxó e Menian). Consulta
Com relação à língua falada pelos vários gru do na década de 1970 pelo Projeto de Pesquisa
pos, também encontramos afirmativas bastante sobre Populações Indígenas da Bahia sobre como
significativas quanto à possibilidade da unidade classificar o “idioma” falado pelos remanescen
cultural, embora as observações sejam mais pro tes Pataxó de Barra Velha, definiu-o como Maxa
blemáticas devido às dificuldades de compreen kali. Acreditamos que a base de sua classificação
são e transcrição por parte da maioria dos obser tenha sido o vocabulário coletado por Popovich
vadores, sem considerarmos a incapacidade de clas entre os Maxakali. Porém, quando observamos o
sificações mais adequadas. Estas dificuldades de- vocabulário que está identificado como sendo dos
veram-se, entre os não especialistas, à falta de um Pataxó, este corresponde à língua atualmente fa
corpo teórico que lhes permitisse realizar as suas lada pelos Maxakali e que é compartilhada pelos
análises, e, entre os especialistas atuais, ao fato Pataxó. E o vocabulário identificado como sendo
de a grande maioria das línguas não mais serem dos Maxakali nos é desconhecido. Como interpre
faladas, o que os obriga a usar o material coletado tar tal situação?
de forma inadequada por não especialistas.
Metraux e Nimuendajú (1963) ao estabele
cerem a classificação das línguas destes grupos, Estratégias políticas
agrupam-nas numa única família lingüística: comuns ante o duplo inimigo
Kamakã, dividida nas línguas Kutaxó, Meniam,
Kamakã e subdividindo o Kutaxó e Kutatoi. Essa Outro fator já citado, e que pretendemos ago
classificação parece ter se baseado nas observações ra aprofundar, são as constantes referências à alian
feitas por Nimuendajú, em 1938, quando visitou ça política desses “grupos” em oposição aos
inúmeros remanescentes indígenas do Nordeste, Botocudo e aos “nacionais”.
inclusive os Maxakali e os Pataxó. Num trabalho Navarro (1846:446) afirma que os Kumanoxó,
publicado expressando suas observações, Nimuen Maxacari e Bacumin viviam em “aparente inimi
dajú (1958), afirma que “os Machacan, a tribo vi zade”. Wied-Neuwied (1989) faz várias referên
zinha dos Patacho e os M ono-xó, Capo-xó, cias a esta aliança. Na página 215 encontramos a
Cumano-xó seriam membros da mesma família assertiva: ...“Parece que ambas as tribos (Maxakali
lingüística”... Na página 218, volta a dizer:... “O e Pataxó) se aliaram contra os Botocudo.”... na276,
idioma dos Machacaris é muito parecido com as reafirma... “Fazem causa comum contra os Boto
cudo mais numerosos”... na 310,... “Os Botocudo
vivem em guerra com diversas tribos entra as quais
(1) Serra das Esmeraldas - nome tradicional da Cordilheira
destacam-se particularmente, os Pataxós e os Ma
dos Aimorés, situada nos limites entre Bahia, Minas Gerais chacaris... Todos estes últimos (referem-se aos gru
e Espírito Santo nos vales dos rios Jequitinhonha, Itanhém, pos que aqui estudamos) por serem mais fracos,
Jucurucu, Mucuri e São Mateus. reuniram-se contra os Botocudo”...
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Essa idéia de aliança parece ser reforçada pelo esses grupos são os únicos, como já nos referimos
fato de encontrarmos inúmeras referências aos que, nos primeiros anos de contato, optaram por
vários grupos localizados sempre próximos, o que se entregar “voluntariamente” ao aldeamento junto
fortalece a nossa idéia de que seriam “aldeias”, a quartéis e destacamento, sob a justificativa de
conforme o modelo do que hoje conhecemos como buscarem proteção. É também interessante obser
Maxakali. Mais adiante compararemos estas no varmos que, muitas vezes um dos grupos interme
tícias com as descrições sobre as “aldeias” diava a atração dos arredios, como podemos cons
Maxakali atuais. tatar em Wied-Neuwied (1989:214), quando atesta
Navarro (1846:446) informa que os Maxakali que “...os Machacaris amigos foram depois chama
apareciam em São José de Porto Alegre, na foz do dos como medianeiros da paz com os Patachós...”
rio Mucuri, e que eram compostos de três nações: O autor referia-se ao vale do Jucurucu.
Kumanoxó, Maxakari, Bacuim. Diretamente relacionadas com este aspecto,
Fontoura (1857), que era sub-delegado da ci são as notícias constantes sobre aldeamentos “vo
dade do Prado, na foz do rio Jucurucu, atestava luntários” combinados de alguns grupos: Maxa
que seu pai havia “amansado primeiramente a kali e Pataxó ou Maxakali e Malali, Malali e
nação Maxakari e com esta amançou bandeiras Makoni etc., todos sob a alegação que estes gru
da nação Pataxó, dos quais existem poucos aqui.” pos buscavam “proteção”.
Esta informação referia-se à região do Alcobaça. Saint Hilaire (1975:170-171) informa que a
Castro e Almeida (1918) também informava aldeia de São Nicolau, no nordeste de Minas Ge
que os sertões de Alcobaça “eram habitados por rais, entre a bacia do rio Doce e a do Jequi-
Pataxó e Maxakali”. tinhonha, fora criado pelos Monoxó, que aban
Wied-Neuwied (1989:170) atestava que no rio donaram este aldeamento para viver com os
São Mateus viviam os Pataxó, Kumanoxó, e Malali em Peçanha. Na página 176, garante que
Maxakali. Na página 176, afirma que as florestas os Pañame, Kopoxó, Makoni e Monoxó haviam
do Mucuri eram ocupadas por Makoni, Malali, se aldeado em Peçanha. Na página 210 atesta que
Capuxo (Kopuxó?) Kumanoxó, M axakali e os Maxakali, Makoni e os Malali refugiaram-se
Paname, todos aliados do Pataxó contra os no Quartel do Alto dos Bois. Na página 271, diz
Botocudo. O autor garante, na página 212, que as que os Maxakali, Malali, Monoxó e Makoni pro
matas de Itanhém eram habitadas pelos Pataxó e curavam os “portugueses” para fugirem da guer
Maxakali. A mesma informação é dada sobre a ra aos Botocudo.
vila do Prado (pg. 214) e matas do Jucurucu (pg. Computando outras informações, percebemos
214). Porém é significativo que, ao penetrar o vale que este fenômeno é bastante comum na região.
do Jucurucu, em busca dos Pataxó, tenha encon Assim, Caravelas foi ponto do aldeamento dos
trado os Maxakali “ onde antes estavam os Pataxó” Maxakali e Makoni (Mello, 1845; Saint Hilaire,
(pg. 273). É também interessante que o mesmo 1975). Em tomo de São Miguel do Jequitinhonha,
autor (1989:448) observe que o capitão João Gon em 1804, “apresentaram-se os Maxakali, Malali
çalves da Costa, responsável pelo devassamento e Makoni” (Saint Hilaire, 1975: 254). No Jucu
da região do alto do rio Pardo, “combateu os rucu, apresentaram-se os Pataxó e os Maxakali ao
Pataxó, que ele denominava Kutaxó”... Quartel do Vimieiro (Wied-Neuwied, 1989). Pare
Spix e Martius (1976:55) afirmam que “os ce-nos revelador que apenas estes grupos tives
Maxacaris, Panames, Cumanoxós e Moncoxós sem adotado, como solução, a prática do aldea
(Monoxós?) habitam as matas virgens, na frontei mento “espontâneo”, numa situação de conflito,
ra da província de Minas Gerais”... Porto (1946: que era comum também, aos Botocudo e aos Ka-
144) atesta que os Kopoxó, Purichus, Malali, makã-Mongoió. E estes índios são sempre indi
Kumanoxó, Monoxó e Maxakali ocupavam o vale cados como “de índole mansa e pacífica” e dis
do Mucuri. postos a comporem as tropas de combate aos de
Provavelmente em decorrências das “alian mais. Estes dados, na verdade, tendem a confir
ças” e do fato de sempre viverem próximos uns mar a nossa hipótese da unidade dos grupos em
dos outros, além de sofrerem a pressão resultante oposição a dos Botocudo, a dos remanescentes
da expansão da sociedade nacional sobre os seus Tupi e dos Kamakã-Mongoió, que nunca se alia
territórios e da disputa acirrada com os Botocudo, ram entre si.
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máscaras rituais durante as atividades religiosas. era uma rota possível dos Maxakali nos seus deslo
Os rituais Maxakali exigem o uso de máscaras camentos entre o interior e o litoral, os Pataxó pas
nos rituais para a sua realização (Nascimento, saram a manter contatos intensos com representan
1984). tes da sociedade nacional. Aos poucos, foram per
Os Pataxó usam a expressão ingorã para ex dendo suas tradicionais formas de organização so
pressar que estão zangados (Carvalho, 1977:100). cial e, consequentemente, suas manifestações cul
Vamos encontrar a mesma expressão entre os turais. Tornaram-se, na expressão de Ribeiro
Maxakali para não somente expressar o aborreci (1970), “índios genéricos”, ou como querem seus
mento, mas também para referirem-se à onça pre vizinhos, “caboclos”. Uma das manifestações cul
ta e pelada que se origina dos corpos dos mortos e turais perdidas foi exatamente a língua falada pelo
ataca a aldeia (Amorim,1980; Nascimento, 1984). grupo. Este é um processo bastante comum entre
Na mesma página, Carvalho (1977), ao anali os índios do Nordeste brasileiro.
sar o ocorrido após o naufrágio, em que morreram Apenas os Fulni-ô, em Pernambuco, e os Ma
vários homens da comunidade, indica que as al xakali, em Minas Gerais, mantêm a língua inte
mas dos mortos incorporavam-se nas viúvas, atra gralmente e de forma operante. Os Krenak ainda
vés das quais se manifestavam, provocando temor têm alguns falantes, podendo ser caracterizados
à comunidade. Para os Maxakali, os espíritos dos como uma sociedade bilíngüe, mas, que só man
mortos (os Yãmiy) também só se incorporam em tém o bilingüismo entre os maiores de 35 anos.
mulheres, preferencialmente naquelas que tiveram Os jovens não mais falam o Borun e usam, ape
relações de parentesco ou foram casadas com os nas, algumas palavras soltas em determinadas si
mortos (Nascimento, 1984; Popovich, 1983). tuações.
Na página 319, Carvalho (1977) refere-se a Uma situação em que os Pataxó discrepam
uma expressão Pataxó: “a água vira Maracaxeta”, neste conjunto, é o fato de terem escolhido, como
isto é, “a água que lustra com a claridade da lua, símbolo emblemático da sua identidade, aprender
ela faz aquele reflexo, feito relâmpago”. É inte algumas palavras no idioma Maxakali. É neste
ressante constatarmos que Maracaxeta é uma ponto que surgem algumas questões que conside
corruptela de Malacaxeta, uma outra forma dos ramos relevantes. Num momento em que o conhe
Maxakali serem chamados e também de uma ci cimento sobre a existência dos grupos não era co
dade do vale do Mucuri, antigo aldeamento Maxa mum, como os Pataxó sabiam da existência dos
kali (Marcatto, 1980). Maxakali, que eles ainda falavam a língua e, fi
A fragilidade dos dados comparativos, usan nalmente, como sabiam chegar até eles? Teriam
do-se a “memória” dos Pataxó e a cultura dos Ma voltado a usar a antiga rota do Jucurucu/Itanhém
xakali, deve-se ao alto grau de aculturação dos pri sabendo que reencontrariam os “índios brabos e
meiros que interrompeu o fluxo da socialização puros” que falavam a mesma língua? Só um co
tradicional e, consequentemente, a transmissão das nhecimento prévio justificaria um empreendimento
informações referentes à história do grupo. Porém, de sucesso não garantido para o grau de conheci
consideramos que o pouco que resta dessa memó mento compartilhado pelos grupos indígenas na
ria apenas reforça a idéia da unicidade dos dois quele momento.
grupos. No mesmo contexto de análise, Carvalho
(1977) informa que quatro índios Pataxó de Barra
Velha foram “pedir ajuda aos caboclos de lá”. Lá
A história recente: é Umburanas, cabeceiras do rio Itanhém, muito
a busca de referências e alianças próximo às cabeceiras do Jucurucu. A razão da
busca de ajuda, conforme declarações do então
Outros fatos da história mais recente dos “cacique” de Barra Velha, o capitão Honório, ao
Pataxó também nos chama atenção. Um deles é, Jornal A Tarde de 28.5.1951, foi a invasão da al
exatamente, decorrente do processo deculturativo deia por forças policiais e fazendeiros em represá
pelo qual o grupo passou. Isolados na área que lia a um ataque dos Pataxó a algumas fazendas.
conhecemos como Barra Velha, que seria a antiga As questões aventadas com relação ao aprendiza
barra do rio Itanhém (nas suas cabeceiras encon do da língua com os Maxakali continuam válidas
tram-se, hoje as aldeias Maxakali) e que, também, para a busca de ajuda. Como sabiam que os
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Maxakali seriam alcançados nas cabeceiras do até o nascimento do primeiro filho. Depois, têm
Itanhém, que encontrariam apoio entre eles e por liberdade para escolher onde fixarão residência em
que escolheram os Maxakali e não os Pataxó função das novas alianças ou oposições políticas.
Hãhãhãi que também viviam no sul da Bahia? E Os termos classificatórios de parentesco Ma
por que foram buscar apoio entre os índios do Pra- xakali, de forma genérica, ordena as pessoas em
dinho (“os mais brabos e puros”), que seriam origi duas grandes categorias: os Xape (os parentes ou
nários da região do Jucurucu e não entre os de aliados do grupo familiar, dos quais se espera soli
Água Boa originários do trecho mineiro do Jequi- dariedade, bondade, consideração e respeito à pro
tinhonha? priedade) e os pukñoq (o estranho, ou inimigo, al
E, finalmente, como explicar o fascínio dos guém de quem não se pode esperar bondade ou
Pataxó, que habitam a Fazenda Guarani, em Mi consideração, mesmo que sejam parentes de gera
nas Gerais, pelos Maxakali a ponto de sempre pro ções mais afastadas ou afins em potencial). Os
curar usá-los como ponto de referência e, até mes casamentos são concretizados entre pukñoq e os
mo, aceitar refugiados Maxakali em sua aldeia, Xape-Hãptox Hã, os parentes distantes e colaterais
em 1991, quando opõem tanta resistência à famí (Popovich, 1976).
lia dos Krenak ali refugiados há muitos anos? E A participação em um dos dez grupos rituais
por que os Maxakali aceitaram conviver tão tran se fazia, anteriormente, pela pertinência do indi
quilamente com os Pataxó, mas rejeitaram convi víduo a determinado clã. Hoje, a vinculação pare
ver com os Krenak? ce ser pela linha paterna. As mulheres são inseridas
Todos estes dados vistos em conjunto é que a partir do casamento (Rubinger, 1963; Nascimen
nos levaram a refletir insistentemente sobre o as to, 1984; Popovich, 1976).
sunto. O sistema de parentesco é o sustentáculo da
organização política, considerando-se que as al
deias Maxakali são compostas por famílias exten
Confrontando dados sobre a organização
sas, com um líder que compõe o conselho tribal,
social: os Maxakali como referência básica
responsável pelas decisões tomadas em relação à
coletividade.
A sociedade Maxakali, assim como os Pataxó, Uma das características mais fortes da sua
Monoxó, Kumanoxó, Kutaxó, Malali, era de caça organização social é o poder político ser totalmente
dores e coletores com uma agricultura incipiente. difuso, não havendo a figura do “cacique”, líder
O nomadismo surge como uma decorrência desta ou capitão ou mesmo um interlocutor único que
organização econômica. representa a comunidade.
Quanto a uma possível existência do dualismo Popovich (1982) ressalta não haver na língua
representado por fátrias exogâmicas ou outras for Maxakali termos que se refiram à idéia de chefia
mas de organização dual, há dúvidas na literatura. ou liderança. Não há, aparentemente, uma hierar
Entretanto, há concordância quanto a sua or quia social entre eles.
ganização patrilinear, indicada por: A mesma autora (1982) afirma que a orga
1- casamento preferencial entre primos cru nização do grupo centra-se em quatro unidades
zados unilaterais; básicas: a da identidade, a residencial, o grupo do
2 - fusão bifurcada de termos de parentesco méstico e o bando, todas estruturadas a partir das
na geração dos pais; relações de parentesco.
3 - afiliação complementar típica de socieda A unidade definida pela identidade inclui to
de de caçadores e coletores - ligação íntima dos das as pessoas que são conhecidas por Maxakali.
seus parentes do lado materno (Amorim, 1980; Têm língua própria, mitos, símbolos, rituais e his
Popovich, 1976). tória em comum. Entretanto, não exercem, como
A regra residencial vem se transformando. Ni- tal uma atividade coletiva.
muendajú (1958) classifica-os como patrilocais. O grupo doméstico é composto pelos mora
Amorim (1980), que os estudou quarenta anos de dores de duas a cinco casas, habitadas por famíli
pois de Nimuendajú, afirma que eram matrilocais. as extensas com direito de acesso mútuo. É a uni
Já Nascimento (1984) atesta que, logo após o ca dade básica de integração social, pois a relação é
samento, os noivos vivem na casa do pai da noiva estabelecida entre parentes consanguíneos ou
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afins, cabendo a liderança ao patriarca ou, excep diferentes. As decisões tomadas com relação ao
cionalmente, a uma matriarca viúva. É um grupo grupo familiar e ao bando são resultantes do con
não perene, podendo desagregar-se em momentos senso entre os membros do grupo envolvidos.
de crise, morte ou desacordo, sem grandes alardes. O que se pode constatar é que a área de influên
O bando é a unidade de consenso, sendo a cia de cada “líder” não ultrapassa a sua “aldeia”.
categoria mais complexa. Inclui todos os paren Esta rápida análise de organização social
tes, englobando vários grupos domésticos sob a Maxakali, como é nos nossos dias, permitiu-nos
liderança de um patriarca-líder que se relaciona algumas inferências para explicar a nossa hipóte
parentalmente com os demais membros. É a uni se da unidade e dispersão acentuada dos vários
dade de maior integração social, estabelecida em grupos que analisamos.
tomo do líder e de um centro cerimonial (Kukex) Pelo observado acima, a unidade mais com
em atividade. Exige um número ideal de pessoas plexa em termos de sua organização social é o
para funcionar. Caso este decresça, interrompe-se bando, que se compõe de vários grupos domésti
o cerimonial e extingue-se o bando. As denomina cos (“aldeias”) que, por sua vez, são compostas
ções do bando advêm de sua localização espacial. de unidades residenciais. Este seria, portanto, o
Este grau de dispersão faz com que Popovich nível mais amplo de integração possível com ati
afirme que os agrupamentos Maxakali são flui vidades coletivas a nível social, político, econô
dos e mutáveis e que as dissidências, quando in mico e religioso. É portanto, uma unidade autô
ternas ao grupo doméstico, redundem na refo noma, com cerimonial próprio e denominação es
rmulação da composição das “aldeias”, fazendo pecífica. Agrega-se a esta característica, o fato de
com que a distância se interponha entre os anti que o bando é o limite específico de atuação de
gos membros. Na atualidade, após a demarcação, cada liderança, restrita a seus parentes afins e
e conseqüente redução do habitat, o máximo de consanguíneos e teremos que cada bando pode ser,
distância que conseguem interpor é transferir-se também, autônomo em termos de reprodução de
de Pradinho para Água Boa e vice-versa ou procu acordo com as regras de casamento. Pois, ao en
rarem o ponto extremo oposto dentro de uma das globar parentes afins e consanguíneos de gerações
glebas para instalarem a nova “aldeia”. Amorim diferentes, permitem que sejam encontrados, no
(1980) também assegura que é uma prática co seu interior, os Pukñoq (estranhos, parentes de
mum dos bandos se dispersarem e voltarem a se geração mais afastada ou afins) e Xape-Hãptox
reunir nos momentos críticos. É interessante obser Hã (parentes distantes e colaterais).
vamos que a maioria dos casos de dispersão deve-
se a assassinatos e a que a posição das novas al
deias é definida de acordo com as posturas de apoio A consciência de pertinência,
e/ou rejeição aos envolvidos no fato. São, portan sua fluidez e articulação mais ampla
to, as alianças estabelecidas que reordenam espa
cialmente as novas aldeias. A tendência ao sur Para encerrar esta parte da nossa exposição,
gimento constante de novas aldeias é facilmente consideraremos, ainda, dois aspectos. O primeiro
observável na história do Maxakali do Pradinho e é que, embora os Maxakali tenham uma consci
de Água Boa (Paraíso, 1992). ência étnica, tal consciência não resulta em ativi
As lideranças são especialistas em religião e dades coletivas, solidariedade ou mesmo idéia de
na prática dos cerimoniais. As afiliações a uma unidade ordenadora dos bandos.
liderança devem-se à relação de parentesco com O segundo é a tendência ao fracionamento
os membros, seja pela via consanguínea ou por desta unidade baseada na identidade. Por razões
afinidade. Os que conseguem reunir o maior nú de insatisfações, tensões, pressões, crises e con
mero de descendentes e parentes colaterais são os flitos, a tendência, aliás como de todos os grupos
que detêm maior poder social. Para isto deverão predominantemente caçadores e coletores, é ao
oferecer maior número de vantagens materiais ou fracionamento e ao afastamento entre os bandos,
espirituais, “mantendo o equilíbrio entre os mun que passariam a constituir novas unidades sociais
dos visível e invisível” (Popovich, 1992: 2). autônomas e auto-suficientes.
Porém, o exercício do seu poder é difuso po Vimos que isto é perfeitamente possível en
dendo recair sobre várias pessoas em momentos tre os Maxakali. Portanto, a nossa hipótese para
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explicar a existência de tantos grupos cóm nomes de membros dos vários subgrupos cerimoniais cha
diferentes, aliás previsto na própria organização ma-se Yãmiy (alma dos mortos) xop (grupo). Os
social do grupo, é o afastamento dispersivo dos espíritos são ordenados hierarquicamente.
bandos nos vários momentos de crise vivenciados Procuraremos, neste momento, relacionar o
e que foram muitos a partir da penetração dos nome dos grupos rituais e indicar a sua conexão, a
seus territórios por “brancos” e da guerra movida partir do nosso ponto de vista, com os nomes dos
por e contra os Botocudo. Porém, a consciência grupos indígenas apontados ao longo deste traba
da unidade pela identidade não se desfez naque lho como compondo uma unidade (ver tabela).
les primeiros momentos. As provas para tal afir Para facilitar a leitura, faremos a indicação
mativa são o desconhecimento de conflitos envol sob a forma de listagem.
vendo estes grupos, entre si, sua aliança contra os Cabe-nos ressaltar que um dos grupos rituais
Botocudo, além da prática de se aldearem “espon (clãs?) poderia predominar num dos bandos, fazen
taneamente” em conjunto. Caso não raciocinemos do, então, que fossem, equivocadamente, identifi
a partir destes princípios, como explicar estas cados pelo nome do grupo ritual dominante ou pelo
alianças? nome do grupo ritual a que pertencia o entrevista
Para encerrar esta parte da nossa análise, do, gerando a confusão no registro dos bandos.
consideraremos a nossa hipótese dos nomes dos Após tão longa análise, só resta explicar por
“bandos”, na nossa concepção, e sua correlação que incluímos os Amixocori na nossa reflexão.
com os nomes dos grupos rituais (clãs?) dos Maxa Na tentativa de compreendermos esta reali
kali. dade tão complexa, procuramos os dados sobre os
Não entraremos em maiores detalhes sobre a grupos referidos no século XVI. Na nossa pes
religião Maxakali dada a complexidade do tema e quisa deparamos com a análise de Nogueira
por não ser este o objetivo deste nosso trabalho. Batista (1980: 105) sobre a denominação Ami
Destacaremos, apenas, os seus aspectos mais rele xocori relacionada com um grupo que vivia nas
vantes para a nossa análise: a nominação dos gru adjecências de Porto Seguro (Barra do Itanhém,
pos rituais. hoje Barra Velha?).
Inicialmente, chamaremos a atenção para o fato Quando observamos a tradução da palavra -
de o universo religioso dos Maxakali ser composto os que costumam vir por aí, os oriundos de longe -
de um conjunto (xop)2 de espíritos divididos em
dez grupos que se subdividem em duzentos sub
grupos. Ao conjunto total de espíritos, de rituais,
(3) Gostaríamos de chamar a atenção para o fato de que a
terminação xop refere-se a um dos dez grupos rituais de
(2) Xop: na língua Maxakali significa grupo, aparecendo caráter abrangente. Já as palavras sem esta terminação,
constantemente nas palavras indicativas de grupo social. indicam subgrupos de um grupo mais amplo.
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associamo-los com os chamados Maxakali em seus to a sua composição, alterando-se todas as vezes
deslocamentos entre o interior e o litoral na área da em que tensões e atritos se estabelecem.
antiga Capitania de Porto Seguro, além de nos re Diante desta fluidez, o fato de o grupo
meter ao significado de Monoxó - os que vão e Maxakali ter-se dispersado em várias “aldeias”
voltam. (bandos), cada uma delas como unidade autôno
ma, em termos econômicos, políticos, sociais e
religiosos parece-nos perfeitamente lógico.
A questão da identidade étnica Horowitz (1975: 23) chama atenção para o
e o fracionamento dos grupos sociais fato de que estas separações decorrentes da flui
dez social não significam que, em outros mo
É interessante observarmos que há uma ten mentos, não se possam estabelecer alianças pos
dência a consideramos a composição e estrutura teriores: “groups which may have separeted and
dos grupos sociais, no passado, usando, como even mutually hostile in one environment may
modelo, a conformação atual das populações es be identified or identify themselves as one in a
tudadas. Horowitz (1975: 113) afirma: “ Group new environment of greater heterogenity” . E a
bounderies are often fluid. Yet most research in partir desta análise que podemos explicar as ali
ethnic relation has tended to take the groups as it anças constantemente estabelecidas entre os vá
finds them, as if they ali existed in their present rios subgrupos objetivando o com bate aos
form since time out of mind”. Botocudo, assim como as decisões de aldea-
A fluidez da composição dos grupos e ban mento conjunto.
dos reflete-se, no tocante à identificação étnica, A retomada da identidade em termos mais
de forma significativa, interrelacionando-se com ampios, como hoje ocorre com os grupos conheci
questões como a auto-identificação dos seus mem dos como Maxakali e Patoxó, está diretamente
bros e as definições elaboradas pelos outros gru relacionada com a contração do território que dis
pos com os quais se relacionam. põe, após o seu aldeamento pelo Serviço de Prote
O ritmo da dinâmica de alteração, no entanto,é ção aos índios. Horowitz (1975:137) destaca a im
variável, porém sempre estará presente, fazendo portância deste fenômeno - expansão/redução
com que as formas de inserção dos membros este territorial - como um dos definidores do número
jam em constante alteração. O ritmo das mudan de subgrupos gerados: “of course, each case has
ças será definido por fatores externos (principal its own variations, but each also illustrates a ge
mente, como já nos referimos, os resultantes dos neral and powerfull tendency: as identify tends to
conjuntos e tipo de relações que o grupo estabele expand with an expanding context, often shaped
ça com os outros) e internos. Dentre os internos, by expanding territorial boundaries, if tends to
talvez o mais importante seja o maior e o menor contract with a contracting context, again often
grau de coesão que a organização social desen defined by contracting territorial boundaries”.
volve, promovendo a aglutinação dos seus mem Assim, teríamos que, nos momentos que ante
bros na proporção direta da sua capacidade de cederam o aldeamento compulsorio, teria ocorrido
desenvolver o sentimento de pertinência grupai. uma provável dilatação de território e uma disper
Ora, ao analisarmos a sociedade Maxakali, são dos subgrupos (bandos). Consequentemente,
constatamos que sua organização social, seguin teríamos uma possível tendência, não concretizada
do padrões típicos de grupos predominantemente devido a penetração dos seus territórios por outros
caçadores e coletores, não pode ser caracterizada grupos indígenas deslocados pelos “brancos” e por
como capaz de desenvolver forte coesão social, colonizadores, do surgimento de novas identida
responsável por uma aglutinação mais intensa dos des. Estes fatores que resultaram, num primeiro
seus membros. O que constatamos, ao contrário, momento, numa crescente dispersão e isolamento
é que os Maxakali sempre tenderam e tendem ao dos grupos em aldeias (principalmente durante o
fracionamento, considerando-se que sua unidade século XIX) explicam as múltiplas identificações
social, articulada pela identidade, é tão fluída que que conhecemos. Porém, o aldeamento compul
não é capaz de promover atividades coletivas. Até sório, o confinamento em áreas restritas fez com
mesmo o bando, unidade mais complexa de con que passassem a predominar duas identidades:
senso, tem um caráter fluido e inconstante quan Maxakali e Patoxó.
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São Paulo, 4: 173-187, 1994.
PARAÍSO, M.H.B. Amixokori, Pataxó, Monoxó, Kumanoxó, Kutaxó, Kutatoi, Maxakali, Malali
and Makoni: indian peoples or differentiated Subgroups of a same Nation? A reflection
proposal. Rev. do Museu de Arqueologia e Etnologia, São Paulo, 4: 173-187, 1994.
ABSTRACT: This work results from a ten year reflection that found its
explanatory axis during the elaboration of the anthropological report on the
Maxakali indians, concluded in 1992. We intend to develop here considerations
on the possibility of an unity among subgroups which were traditionally viewed
as differentiated groups by anthropologists, historians and travellers. It is not a
conclusive work, but a proposal for an interdisciplinary study that starting
from the model presented here, could help in widening the reflection on similar
ethnographic situations in other areas of Brasil.
Referências bibliográficas
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